2005 International Nuclear Atlantic Conference - INAC 2005 Santos, SP, Brazil, August 28 to September 2, 2005 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENERGIA NUCLEAR - ABEN ISBN: 85-99141-01-5 ESTUDO DO DESEQUILÍBRIO RADIOATIVO NAS SÉRIES RADIOATIVAS DO 238U E 232Th POR ESPECTROMETRIA GAMA NATURAL EM GRANITÓIDES DE MORUNGABA (SÃO PAULO BRASIL) Helen S. B. da Silva1e Rosana N. dos Santos1,2 1 Departamento de Geofísica - Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas Universidade de São Paulo Rua do Matão, 1226 05508-090 São Paulo, SP [email protected] [email protected] 2 Departamento de Física – Centro de Ciências Exatas Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Rua Marques de Paranaguá, 111 01303-050 São Paulo, SP [email protected] RESUMO Este trabalho apresenta as atividades específicas de 234Th, 226Ra, 228Ra e 228Th determinadas em granitóides não alterados (Grupo A) de Morungaba, bem como em alguns afetados por diferentes graus de alteração (Grupos B, C e D). A amostragem foi realizada na cidade de Valinhos, localizada a leste do estado de São Paulo (Brasil). As atividades foram obtidas através da técnica de espectrometria gama natural de alta resolução utilizando-se um detetor de germânio hiperpuro (HPGe). Desta forma, foi possível calcular as razões de atividades (226Ra/234Th), (228Th/228Ra), (228Ra/234Th) e (228Ra/226Ra) e investigar a condição de desequilíbrio radioativo nas séries radioativas de 238U e 232Th. Os resultados preliminares mostram que a razão de atividades (226Ra/234Th) aumenta progressivamente com a elevação do grau de alteração da rocha variando de 0,43 ± 0,04 a 0,79 ± 0,03. Este resultado indica que as amostras analisadas estão em desequilíbrio radioativo da série do 238U em todos os grupos. Por outro lado, a razão de atividades (228Th/228Ra) variou entre 0,9 ± 0,1 e 1,0 ± 0,1 indicando que estes radionuclídeos estão em equilíbrio radioativo secular. As razões de atividades (228Ra/234Th) e (228Ra/226Ra) variam de 0,93 ± 0,08 a 1,7 ± 0,1 e 0,9 ± 0,1 a 1,0 ± 0,1, respectivamente, permitindo estudar o comportamento desses elementos em processos de alteração envolvidos na análise das rochas. 1. INTRODUÇÃO As séries naturais do 238U, 235U e 232Th possuem nuclídeos de propriedades físicas e químicas diferentes, com uma grande variação entre suas meias vidas. Quando o decaimento ocorre em um sistema fechado, por períodos que variam com as meias vidas dos nuclídeos envolvidos, as atividades de todos os componentes de cada série são iguais às dos radioisótopos que lhes dão origem (condição de equilíbrio radioativo secular). A maioria das rochas ígneas está em equilíbrio radioativo secular, ou seja, as atividades são as mesmas para todos os radioisótopos das referidas séries. Certos processos geológicos provocam fracionamentos químicos, quebrando as cadeias de decaimento e causando o desequilíbrio nas séries. Após a separação, os nuclídeos pertencentes a cada série tendem a restaurar o equilíbrio radioativo com os demais membros, com taxas impostas pelas suas respectivas constantes de decaimento. O período necessário para que um sistema fechado, contendo inicialmente os nuclídeos pais de cada série natural de decaimento, atinja 98,5% do equilíbrio é cerca de seis vezes a meia vida do nuclídeo filho de menor constante de decaimento. Dessa forma, a série do 238U pode ser considerada em equilíbrio após um período de 1,5 milhões de anos, a do 235U em 190.000 anos e a do 232Th em 40 anos [1]. Neste trabalho são apresentados os resultados da investigação de equilíbrio radioativo em rochas sãs e em rochas com vários graus de alteração dos Granitóides de Morungaba utilizando-se a técnica de espectrometria gama natural de alta resolução. Para tanto, está sendo realizada a determinação das atividades específicas de 234Th e 226Ra (a partir dos nuclídeos de 234Th, 226Ra, 214Pb e 214Bi pertencentes à série do 238U) e de 228Ra e 228Th (a partir de 228Ac, 212Pb, 212Bi e 208Tl pertencentes à série do 232Th). Com isso, torna-se possível a análise das razões de atividades (226Ra/234Th), (228Th/228Ra), (228Ra/234Th) e (228Ra/226Ra) nestas amostras, as quais fornecem informações sobre a mobilidade desses elementos em processos causados por intemperismo. 2. GRANITÓIDES DE MORUNGABA – SÃO PAULO - BRASIL Os granitóides de Morungaba afloram na região leste do estado de São Paulo, junto à borda da bacia Sedimentar do Paraná. Estes granitóides estão distribuídos numa área aproximada de 330 km2 (Fig. 1), situada a leste da cidade de Campinas (90 km da cidade de São Paulo). O maciço é formado por diferentes corpos intrusivos neoproterozóicos (tardi e pós-tectônicos), com idades entre 620 Ma e 570 Ma. Itapira Mogi- Mirim Monte Sião Águas de Lindóia Bueno Brandão Rio do Peixe Socorro Serra Negra Cosmópolis Munhoz Rio Camanducaí Jaguariúna Amparo Camanducaia Pinhalzinho Pedreira Paulínia Minas Gerais Rio Jaguarí Campinas Morungaba Extrema Bragança Paulista Joanópolis Valinhos 23º Itatiba Piracaia Louveira Itupeva São Paulo Rio Atibaia Jundiaí Franco da Rocha Cabreúva 22°S Cajamar Rio Tietê São Roque 25°S 47° 51°W Cidades Rodovias 0 30 km 47°W NG Figura 1. Mapa de localização onde encontram-se os granitóides de Morungaba no Estado de São Paulo. INAC 2005, Santos, SP, Brazil. A coleta das rochas foi realizada em dois pontos de amostragem, distanciados de aproximadamente 200 metros e localizados no Clube de Campo Valinhos (22°57´S, 46°55´W), situado no Plúton Meridional, a 14 km da cidade de mesmo nome. Em termos macroscópicos, apresentam geralmente coloração rosa. A mineralogia essencial destas rochas é dada por feldspatos potássicos e cálcico-sódicos, quartzo e biotita, podendo ocorrer muscovita, magnetita, ilmenita, titanita, monazita, granada e fluorita [2, 3]. 3. METODOLOGIA EMPREGADA Para realizar o estudo proposto, o material foi subdividido de acordo com o grau de alteração observado para cada ponto, selecionando-se 20 amostras para análise. Deste conjunto foram analisadas, até o momento, 15 amostras por espectrometria gama natural de alta resolução. Para o emprego do método analítico, foram britadas, as inicialmente, cerca de 1 kg de cada amostra (diâmetro inferior a 0,5 cm), sendo, em seguida, lavadas com água destilada e secas em estufa a 50 °C. Este material foi quarteado, sendo parte dele utilizado neste estudo e o restante foi guardado para análises posteriores. 2.1. Espectrometria Gama Natural Para esta análise foram acondicionados aproximadamente 250 g de material britado, em caixas plásticas lacradas e deixadas em repouso por um período mínimo de 45 dias antes da medida, para que a série do 238U restabeleça a condição de equilíbrio radioativo secular do 226 Ra com seus produtos de decaimento de meia vida curta (a meia vida do 222Rn é de 3,38 dias). As amostras foram submetidas a contagem em um detetor de germânio hiperpuro (HPGe) com 70 % de eficiência e resolução de 2,0 keV para o pico do 60Co com energia de 1332,49 keV. Para a determinação das atividades dos radioisótopos de interesse foram utilizados padrões secundários de urânio (31,37 ± 0,15 Bq) e tório (10,740 ± 0,070 Bq) em equilíbrio radioativo secular. O procedimento dos padrões secundários de urânio e tório está descrito em detalhe em [4]. As atividades específicas dos radionuclídeos 234Th, 214Pb e 214Bi, pertencentes à série do 238U, e de 228Ac, 212Pb, 212Bi e 208Tl, pertencentes à série do 232Th, foram determinados comparando-se área dos respectivos picos de absorção total observadas nas amostras, com seus correspondentes presentes nos espectros dos padrões secundários de atividade. Nestas medidas foi descontada a taxa de contagem proveniente da radiação de fundo, medida utilizando-se quartzo em pó acondicionado de forma a manter a geometria de detecção idêntica à das amostras. O tempo de medida foi de 48 horas e só foram considerados os radionuclídeos cujas contagens excederam o limite de detecção [5]. Os erros nas determinações das atividades gama dos radionuclídeos analisados estão associados principalmente à incerteza na determinação das áreas dos picos nos espectros das amostras e padrões. A atividade especifica do 234Th foi determinada a partir do seu pico de absorção total de 63,3 keV. Por outro lado, a atividade específica do 226Ra foi obtida a partir das médias das atividades do 214Pb (picos de 295,2 keV e 351,9 keV) e 214Bi (picos 609,3 keV e 1120,3 keV), ponderadas pelo inverso de suas variâncias. De forma análoga, as atividades específicas de 228 Ra e 228Th foram estimadas a partir das médias das atividades do 228Ac (911,2 keV e 968,9 INAC 2005, Santos, SP, Brazil. keV) e dos isótopos de 212Pb (238,6 keV e 300,1 keV), 212Bi (727,3 keV) e 208Tl (583,2 keV e 860,6 keV), respectivamente, ponderadas pelo inverso de suas variâncias. Este mesmo procedimento aplicado a uma geometria de contagem bastante similar à utilizada neste trabalho forneceu resultados com elevados níveis de reprodutibilidade, com precisão relativa de 5% para 234Th, 3% para 226Ra, 7% para 228Ra e 228Th. Estes valores foram determinados através de uma série de medidas envolvendo dez alíquotas de um mesmo dique de tefrito-basanito da Ilha de São Sebastião (SP). O erro associado engloba tanto as incertezas associadas à metodologia adotada, como também possíveis heterogeneidades das amostras. O desequilíbrio da série do 238U fica evidenciado as atividades específicas de 234Th e 226Ra são diferentes. No caso da série do 232Th, a existência do desequilíbrio é observada pela diferença entre as atividades específicas do 228Ra e do 228Th. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO A determinação das atividades específicas de 234Th, 226Ra, 228Ra e 228Th em rochas sãs e em rochas com vários graus de alteração foi realizada pela técnica de espectrometria gama natural [3]. Para estudar o equilíbrio radioativo foram calculadas as razões de atividades de (226Ra/234Th), (228Th/228Ra), (228Ra/234Th) e (228Ra/226Ra) em 15 rochas coletadas em dois pontos de amostragem próximos a dois poços cadastrados no DAEE/SP (Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo) sob os números 0018 (código de laboratório P1) e 0019 (código de laboratório P2), localizados no Clube de Campo Valinhos. As rochas frescas foram agrupadas no Grupo A, enquanto que as rochas alteradas foram divididas, em relação aos seus graus de alteração, em três grupos: pouco alterado (Grupo B), mediamente alterado (Grupo C) e fortemente alterado (Grupo D). No caso do ponto P1 foram analisadas quatro rochas que, de acordo com o grau de alteração observado, três delas foram classificadas como frescas (Grupo A) e uma mediamente alterada (Grupo C). As atividades específicas de 234Th e 226Ra variaram de 0,105 ± 0,005 Bq/g e 0,134 ± 0,007 Bq/g e de 0,080 ± 0,002 Bq/g e 0,109 ± 0,003 Bq/g, respectivamente nas rochas frescas, enquanto que na alterada obteve-se uma atividade de 0,086 ± 0,004 Bq/g para o 234Th e 0,057 ± 0,002 Bq/g para o 226Ra na série do 238U (Fig.2A). As razões de atividades (226Ra/234Th) variaram de 0,72 ± 0,03 a 0,79 ± 0,03, com uma média de 0,77 ± 0,05 nas rochas frescas , enquanto que na rocha alteradas essa razão foi de 0,66 ± 0,02 (Tab. 1). Em relação ao ponto P2, foram analisadas onze amostras divididas em três grupos, conforme critério adotado anteriormente. Cabe ressaltar que o grupo A não possui representante porque, aparentemente, todas as amostras possuíam algum tipo de alteração. A atividade específica de 234 Th variou de 0,061 ± 0,002 Bq/g a 0,068 ± 0,003 Bq/g para o grupo B, 0,072 ± 0,003 Bq/g a 0,087 ± 0,004 Bq/g para o grupo C e de 0,060 ± 0,002 Bq/g a 0,086 ± 0,003 Bq/g para o grupo D. Para o radioisótopo de 226Ra obteve-se variações de 0,043 ± 0,002 Bq/g a 0,054 ± 0,002 Bq/g para o grupo B, de 0,055 ± 0,002 Bq/g a 0,068 ± 0,003 Bq/g para o grupo C e de 0,033 ± 0,003 Bq/g a 0,063 ± 0,003 Bq/g para o grupo D. A Fig. 2A mostra o comportamento entre os radionuclídeos de 226Ra e 234Th em relação ao equilíbrio radioativo. As médias das razões de atividades (226Ra/234Th) (226Ra/238U), (226Ra/234U) e (228Ra/226Ra) referentes aos grupos B, C e D, encontram-se representadas na Tab. 1 e nas Fig. 2B, 2C e 2D. INAC 2005, Santos, SP, Brazil. Tabela 1. Razões de atividades nos diversos grupos dos pontos P1 e P2. P1 (226Ra/234Th) (228Ra/234Th) (228Th/228Ra) (228Ra/226Ra) Grupo A (n = 3) 0,77 ± 0,05 0,77 ± 0,05 1,00 ± 0,05 1,2 ± 0,1 Grupo C (n = 1) 0,66 ± 0,02 0,66 ± 0,02 0,9 ± 0,1 1,55 ± 0,07 P2 (226Ra/234Th) (228Ra/234Th) (228Th/228Ra) (228Ra/226Ra) Grupo B (n = 4) 0,73 ± 0,06 0,75 ± 0,06 0,98 ± 0,05 2,1 ± 0,2 Grupo C (n = 3) 0,76 ± 0,02 0,76 ± 0,02 0,97 ± 0,06 2,1 ± 0,2 Grupo D (n = 4) 0,6 ± 0,1 0,6 ± 0,1 1,0 ± 0,1 2,1 ± 0,3 (B) (A) Th (Bq/g) 228 Ra (Bq/g) Equilíbrio * P1 Radioativo 226 0.12 * P1 , P2 0.12 , P2 0.08 0.08 Equilíbrio Radioativo 0.04 0.04 Ra (Bq/g) 228 Th (Bq/g) 234 0.04 0.08 0.04 0.12 0.12 (D) (C) Ra (Bq/g) Ra (Bq/g) 228 0.12 0.08 226 * P1 , P2 0.12 * P1 , P2 0.08 0.08 0.04 0.04 Th (Bq/g) Ra (Bq/g) 234 0.04 0.08 0.12 228 0.04 0.08 Figura 2. Atividades específicas dos radioisótopos obtidos por espectrometria gama natural: (A) 226 Ra e 234Th; (B) 228Th e 228Ra; (C) 228Ra e 234Th; 226 Ra e 228Ra. INAC 2005, Santos, SP, Brazil. 0.12 5. CONCLUSÕES De acordo com os resultados obtidos, foi possível obter informações importantes sobre os processos alteração intempérica em granitóides de dois pontos de amostragem localizados no Clube de Campo Valinhos. As análises das atividades específicas dos radionuclídeos de 234Th, 226Ra, 228Ra e 228Th, bem como suas razões de atividades, permitiram-nos fazer as seguintes verificações: a) À medida que o grau de alteração aumenta nas rochas analisadas, observou-se que ocorre uma diminuição significativa nas razões de atividades (226Ra/234Th) e (228Ra/234Th), provavelmente porque o rádio é mais susceptível à lixiviação em relação ao tório. b) As atividades específicas de 228Ra são superiores aos valores obtidos para o 226Ra. Este empobrecimento de 226Ra é provavelmente causado pela lixiviação preferencial do 226Ra nas rochas. Cabe ressaltar ainda, que nas rochas frescas (Grupo A), observou-se que as razões de atividades (228Ra/226Ra) obtidas foram levemente menores que nos demais grupos, indicando que o 226Ra sofreu um processo de lixivição menor nestas amostras. c) Em todos os grupos, as razões de atividades (228Th/228Ra) permaneceram constantes e iguais à unidade, dentro dos erros experimentais. Portanto, não observou-se alterações variações entre as atividades desses radioisótopos em função da variação de parâmetros físico-químicos. AGRADECIMENTOS As autoras agradecem a L. S. Marques por ceder as amostras utilizadas neste estudo e também pela sua valiosa colaboração. Agradecemos também a F. B. Ribeiro pelas sugestões durante a execução do trabalho. A primeira autora agradece ao CNPq pela concessão de uma bolsa de Iniciação Científica (processo 502150/2004-1). Esta pesquisa está sendo parcialmente financiada pela FAPESP (processo 03/117930). REFERENCES 1. M. Condomines, C. Hermond, C.J. Allègre, “U-Th-Ra radioactive disequilibria and magmatic processes”, Earth and Planetary Science Letters, 90, pp.243-262 (1988). 2. S. R. F. Vlach, Geologia, Petrologia e Geocronologia das regiões meridional e oriental do Complexo de Morungaba, SP, Dissertação de mestrado, IG/USP, 253p., unpublished, (1985) 3. S. R. F. Vlach, Geologia e Petrologia dos Granitóides de Morungaba, SP, Tese de doutoramento, IG/USP, 414p., unpublished, (1993). 4. R. N. dos Santos, L. S. Marques, F. B. Ribeiro, “Estudo do equilíbrio radioativo das séries do 238U e 232Th nas rochas vulcânicas da Ilha da Trindade e de Martin Vaz,” Geochimica Brasiliensis, 14(1), pp. 135-153 (2000). 5. L. A. Currie, “Limits of quantitative detection and quantitative determination”, Analytical Chemistry, 40(3), pp 586-593 (1968). INAC 2005, Santos, SP, Brazil.