Capítulo I 1. Introdução 1.1. Apresentação do tema de pesquisa Em Moçambique existem várias línguas Bantu e ultimamente tem havido estudos interessantes sobre elas. Uma dessas línguas é o Changana. É sobre esta língua que o nosso trabalho, que se insere no âmbito da dissertação de Mestrado em Linguística, se debruça. Trata-se de um estudo com o seguinte título: Uma Proposta Metodológica para Compilação de um Dicionário de Ideofones do Changana. O trabalho avança algumas propostas metodológicas para a compilação de um dicionário de ideofones do Changana e no fim apresenta uma amostra do futuro pequeno dicionário de ideofones do Changana. Para a realização do trabalho baseámo-nos, principalmente, em Sitoe (1991) - tese de mestrado – não publicada) e em Zgusta (1971). O trabalho apresenta a seguinte disposição: No capítulo I apresentamos a introdução, onde se faz a apresentação do tema de pesquisa, alguns dados sobre a língua Changana, os objectivos, a motivação, a contribuição, o problema e as hipóteses de trabalho. No capítulo II apresentamos uma breve história da lexicografia da língua Changana. O capítulo III é o da revisão bibliográfica, onde trazemos discussões anteriores sobre os ideofones e sobre lexicografia, em geral e em particular, sobre a lexicografia da língua Changana e/ou métodos de compilação, tipologia e caracterização de dicionários. No capítulo IV é onde se faz o enquadramento teórico. No capítulo V falamos sobre o futuro dicionário de ideofones, avançando dados sobre os objectivos e destinatário do mesmo. O capítulo VI está reservado à apresentação das Metodologias de recolha e 1 de análise de dados. No capítulo VII procede-se a análise de dados, no VIII capítulo, as conclusões a que o estudo nos levou. A seguir a bibliografia. E por fim os anexos. 1.2. O Changana em Moçambique O Changana (S53) é uma língua Bantu. De acordo com Sitoe (1996) “O Changana pertence ao grupo Tswa-Ronga (S.50, na classificação de Guthrie: 1967-71). Doke (1967) designa este grupo pelo termo Tsonga. Fazem ainda parte deste grupo as línguas Tswa (S.51) e Ronga (S.54) ”. O termo Tsonga designa um grupo de três línguas, mutuamente inteligíveis que são: o Xirhonga, o Xichangana e o Citshwa. Em Moçambique, o Changana é falado nas províncias de Maputo, Gaza, Inhambane e na zona meridional das províncias de Manica e Sofala. Sitoe e Ngunga (2000). Ainda segundo estes autores, esta língua é também falada em alguns países vizinhos, nomeadamente, República da África do Sul e do Zimbabwe. De acordo com Sitoe e Ngunga (2000), com base no Censo Populacional de 1997, o Changana “é falado por cerca de 1.423.327 habitantes em Moçambique”. E apresenta, as seguintes variantes: 1) Xihlanganu, est avariante é falada a sudoeste de Moçambique, nos Montes Libombos, abrangendo parte dos distritos de Namaacha, Moamba e Magude. 2) Xidzonga ou Xitsonga que é falada nos distrito de Magude, Bilene e parte de Massingir. 3) Xin’walungu, variante falada no distrito de Massingir. 4) Xibila, falada no distrito de Limpopo e parte do distrito de Chibuto. 5) Xihlengwe que é falada nos distritos de Xai-Xai, Manjacaze, Chibuto, Guijá, Chicualacuala, Panda, Morrumbene, Massinga, Vilanculo e Govuro. De salientar que, segundo Sitoe 2 (1996), devido a grandes e frequentes movimentações das populações, torna-se cada vez mais difícil a localização precisa destas variantes. Para este trabalho tomamos como referência a variante Xidzonga, uma vez que os dados foram recolhidos num local onde esta variante prevalece. O Changana é a 2ª língua Bantu usada com mais frequência em Moçambique, com 11٪ de falantes, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE) (2000). 1. 3. Objectivos O estudo tem como objectivos os seguintes: 1. Apresentar uma proposta metodológica para a compilação de um dicionário de ideofones do Changana, mostrando qual é a possibilidade de se esgotarem as nuances de um ideofone num dicionário bilingue. 2. Apresentar, no fim, uma amostra do futuro dicionário de ideofones do Changana. 1.4. Motivação e relevância A nossa motivação surge, primeiro, da vontade de aprofundar os nossos conhecimentos na área da Lexicologia/Lexicografia, uma vez que temos vindo a trabalhar nesta área. A prática diária, no exercício da leccionação, mostra que a existência de mais materiais de referência nas áreas de Lexicologia e Lexicografia das línguas Bantu, facilitaria, de um modo geral, o nosso trabalho e a consulta para os estudantes e outros que se interessam e trabalham com estas línguas. Segundo, pelo facto de já termos notado que existem poucos dicionários de língua Changana, embora tenhamos alguns feitos por missionários (com problemas de ortografia e não só) e o dicionário Changana – Português da autoria de Sitoe (1996). Terceiro, pelo facto de termos beneficiado de uma bolsa para um estágio em Lexicografia da língua 3 Changana e termos, nesse âmbito, trabalhado com um programa de confecção de dicionários, Tshwanelex, o que nos incita na actividade de produção de dicionários. 1.5. Contribuição Esperamos que o estudo contribua para o enriquecimento dos estudos linguísticos, em geral, e, em particular, para as línguas Bantu, sobretudo o Changana, pois apesar de se ter aprovado um programa de revalorização das línguas Bantu moçambicanas e de nos últimos tempos aparecerem mais materiais escritos, as línguas Bantu ainda carecem de estudos e registos. Pensamos também que um trabalho sobre propostas metodológicas de compilação de um dicionário seria uma mais-valia para os que têm trabalhado na área da Lexicografia e por último, pensamos que o trabalho traz uma grande contribuição para a Lexicografia da língua Changana, uma vez que se debruça sobre metodologia para a compilação de um dicionário de ideofones, se considerarmos que, caso tal projecto se concretize, esse dicionário será pioneiro nessa língua. 1.6. Problema Os ideofones têm vindo a ser objecto de muitos estudos por parte de vários estudiosos, podemos citar exemplos de estudiosos como Doke (1935); Marivate (1981); Nkanbide (1985); Sitoe (1996); Kimenyi [s.d]; Ngunga (2000 e 2004); Langa ( 2004); Beck (2005); Matambirofa (2009); Nhampoca (2009) etc. Contudo, notamos que dentre vários estudos, não existem os que abordam com profundidade a questão do significado dos ideofones ao nível de um dicionário bilingue, ou seja, alistar os ideofones da língua Changana e apresentar em Português e de uma forma sistemática, o(s) seu(s) significado(s) múltiplos, esgotando todas as suas nuances, segundo as 4 normas lexicográficas de compilação de um dicionário, com a excepção de Sitoe (1996) que apresenta, no seu dicionário (mais geral), ideofones da língua Changana. E, tendo em conta que semanticamente, “os ideofones estão ligados a campos específicos e diversos, tais como acções, sons, cores cheiros, posturas, atitudes, gestos, etc.” Sitoe (1996:345), ocorre-nos a seguinte questão como problema de investigação: Será possível esgotar as nuances de um ideofone num dicionário bilingue? 1.7. Hipóteses Partindo dos temas que nos propusemos a estudar e decorrente do problema de investigação apresentado, ocorrem-nos as seguintes hipóteses: 1. É possível esgotar as nuances de um ideofone num dicionário bilingue. 2. Por causa das diferenças culturais entre as duas línguas, nem sempre será possível esgotar as nuances dos ideofones. 5 Capítulo II 2. Breve história da Lexicografia da Língua Changana Embora seja tradição afirmar-se que as línguas Bantu carecem de registos, posição com a qual concordamos, temos alguns trabalhos lexicográficos feitos sobre estas línguas. No presente capítulo apresentamos uma cronologia de trabalhos lexicográficos sobre a língua Changana. Não são só obras meramente lexicográficas (ex. dicionários, glossários, vocabulários, etc.), trazemos, também, algum material (gramáticas, manuais e outros) que de algum modo, terão contribuído para o avanço da Lexicografia do Changana. E considerando que a língua em análise pertence a um grupo (S50), onde se encontram também as línguas Ronga e Xitswa, em algumas casos, poderão constar na nossa lista, trabalhos que não tratam exclusivamente, do Changana, mas que incluam as línguas Ronga e Xitswa. De acordo com Bill (1983), citado por Sitoe (1991:15): As primeiras listas de palavras de línguas Bantu desta zona surgem com os capitães portugueses a partir do século 16. Tais listas constituíam o chamado “regimento” (instruções para serem seguidas depois do desembarque) e incluíam muitas palavras identificáveis como sendo do grupo Tsonga (S. 50) para facilitar o contacto dos marinheiros com os nativos. Em 1907, surge uma gramática intitulada Elementar Grammar of the ThongaShangaan, da autoria de Junod. Essa gramática continha, também exercícios. Sitoe (1984/85). 6 Já em 1909 surge o Pocket Dictionary Thonga (Shangaan) – English – Thonga (Shangaan) da autoria de Chatelain e que continha mais de 3.600 palavras Sitoe (1991). Ainda segundo o mesmo autor, este dicionário permaneceu durante muito tempo como o único dicionário de Tsonga. Seguiram-se a este mais edições revistas, a quarta e a quinta e depois revistas e aumentadas, a sexta e a sétima. A última edição do Pocket Dictionary Thonga (Shangaan) – English – Thonga (Shangaan) foi a de 1978 que ostentava o seguinte título: English-Tsonga Tsonga-English pocket Dictionary. Em 1929, Junod lança o Vuvulavuli bya Xitsonga (gramática Tsonga). Este que de acordo com Sitoe (1984/85), foi o primeiro manual compilado em Tsonga para os falantes. Em 1980 surge uma edição revista deste manual, editada pela Sasavona. Ainda em 1929 Ntsan’wisi publica How to write shitsonga (Shangan) under phonetic system, esta obra surge como a primeira elaborada por um falante de Tsonga, tentando descrever a sua própria língua de forma científica. Sitoe (1984/5). Em 1942, Nkondo publica, na África do sul, um manual, Xivulavuri, que é de facto um caderno de exercícios. Marivate, em 1954, publica o Xitsonga xo Saseka (O Bom Tsonga). Um caderno de exercícios de gramática com explicação e exemplos para cada tema. 7 “Em 1962 o Departamento da Educação Bantu na África do Sul publicou o Tsonga Terminology and orthography” Sitoe (1991). Este autor avança que se tratava de uma lista de palavras com 153 páginas e era um dicionário trilingue (Inglês, Africaans e Tsonga). Esta era já uma segunda edição, pois a primeira já havia surgido em 1956; em 1972 aparece a terceira, revista e aumentada e adaptada às regras da ortografia do Tsonga de então. Em 1965, padre Armando Ribeiro publica a Gramática Changana. Esta inclui muitos exemplos, facto que levou Sitoe (1984/85) a concluir que esta, “dentro desta categoria, deve ser a única que trata com profundidade o Changana (Tsonga) falado em Moçambique”. Ainda neste ano publica-se o Everyday Tsonga, da autoria de Ouwehand. Trata-se de um manual de curso para falantes e tem como objectivo facilitar a comunicação entre falantes e não falantes do Tsonga. Em 1967 surge o Dicionário Tsonga – Inglês (versão única), da autoria de René Cuénod, baseado no material recolhido por Berthoud. Este dicionário apresenta 16.871 entradas. Em 1970, surge o Xitsonga Xerhu (O Nosso Tsonga), da autoria de Ntsan’wisi que era um caderno de exercício de gramática para estudantes. Depois, Marivate ressurge com uma série de cadernos de exercícios de gramática, Form I (1971); Form II (1974); Form III (1975) com o seguinte título: Mayana Xitsonga (O Tsonga, quem me dera!) 8 Em 1974, Marivate publica o Xitsonga xa Rixaladza (O Verdadeiro Tsonga), que é também um caderno de exercícios de gramática. Já em 1976, Mayevu lança, também, um caderno de exercícios de gramática, intitulada Switoloveto swa Xitsonga (Exercícios de Tsonga). Ainda no mesmo ano, surge o Tsonga (Special), que é um manual de curso de Tsonga por correspondência, para não falantes. O manual é da autoria de Baumbach. No ano de 1981 Nkondo publica um manual de estudo da língua, Xiletelo xa Xitsonga (Uma amostra do Tsonga). Nkatini surge em 1982, com Madyondzisele ya Xitsonga (como ensinar o Tsonga), este é o primeiro manual de didáctica e pedagogia do Tsonga de que temos conhecimento. Sitoe (1984/5). Em 1989, publica-se a segunda edição do 601 Provérbios Changanas, que é um dicionário de provérbios. Em 1991, em Moçambique, Sitoe elabora um manual de curso de Tsonga para não falantes, intitulado Bzixile! Curso de Tsonga para não falantes (Bom dia/ Amanheceu! Curso de Tsonga para não falantes). Este estudioso, no mesmo ano, elabora uma espécie de guião para a ortografia do Xitsonga, Matsalela ya Tindrimi ta Xitsonga (Como Escrever em Xitsonga). Ainda em 1991, Bento Sitoe, no âmbito da sua dissertação de mestrado, apresenta uma valiosa proposta metodológica sobre compilação de um dicionário Changana – Português, o que resultou na publicação do primeiro Dicionário Changana-Português mais consistente, apresentando uma ortografia sistematizada e actualizada, em 1996. 9 Capítulo III 3. Revisão Bibliográfica 3.1. Sobre ideofones Não é fácil definir ideofones em Português. Esta posição é sustentada por Miti (2006), ao referir que não é fácil definir ideofone em Inglês e argumenta que essa dificuldade surge do facto de esta categoria não existir nas línguas Indo-Europeias. Muitos estudiosos têm mostrado interesse em estudar os ideofones nas línguas Bantu. No ponto que se segue discutimos as posições desses autores. De salientar que ao longo de todo o trabalho apresentamos apenas os tons baixos dos ideofones, subentendo-se que onde não teremos os tons baixos estaremos na presença de tons altos Segundo Ngunga (2004:195), “o termo ideofone foi introduzido pela primeira vez por Doke (1968) no seu estudo sobre a língua Shona”. Este autor, refere ainda que “Os ideofones são definidos como a associação entre um determinado som, cor, estado, dor, intensidade, etc., a consequente reacção ou construção psíquica dos mesmos na cabeça do indivíduo ”. Beck (2005) defende que ideofones são expressões cinestésicas que se distinguem, como classe, através das suas propriedades sintácticas, morfológicas e fonológicas; da tendência de ter uma função emotiva e de estarem associados à fala e a registos dramáticos da fala. O ideofone é uma representação viva de uma ideia, num som. Welmers (1973), citado por Kimenyi: [s.d]. 10 Segundo Sitoe (1996: 345), “Semanticamente, os ideofones estão ligados a campos específicos e diversos, tais como acções, sons, cores cheiros, posturas, atitudes, gestos, etc.” Este estudioso defende ainda que os ideofones se caracterizam pelo seu alto grau de especificidade. Ngunga (2004:195) parece-nos comungar a mesma posição, pois sustenta que “os ideofones são definidos como a associação entre um determinado som, cor, estado, dor, intensidade, etc. e a consequente reacção ou construção psíquica dos mesmos na cabeça do indivíduo”. Embora haja diferenças de abordagens, na definição do ideofone, pensamos que todas as posições aqui apresentadas se assemelham e defendem que um ideofone é “o fenómeno através do qual alguns sons da linguagem humana podem, do ponto de vista semântico combinar a figura mental com os sons da fala. (Langa, 2004:59), citando Baumbach (1988) e Sitoe (1996). Sendo assim, concordamos com todas, contudo, para o quadro teórico do nosso trabalho, baser-nos-emos, principalamente, nas perspectivas de Langa (2004), Ngunga (2004) e Sitoe (1996). 3.1.1. Categoria gramatical Como já vimos anteriormente, citando Ngunga (2004), o termo ideofone foi introduzido por Doke (1968). Ngunga (2004) refere ainda que em estudos anteriores a 1968, Doke incluía esta categoria de palavras no grupo das onomatopeias geralmente definidas como palavras que imitam ou reproduzem ruídos produzidos por animais, pássaros, coisas, etc. Mas já no estudo de 1968, Doke distingue ideofones das onomatopeias, ao considerar, de acordo com Ngunga (2004:195), que “os ideofones são definidos como a 11 associação entre um determinado som, cor, estado, dor, intensidade, etc. e a consequente reacção ou construção psíquica dos mesmos na cabeça do indivíduo”. Portanto, só a partir de 1968 é que se começa a considerar os ideofones como uma categoria gramatical distinta nas línguas Bantu. Ainda sobre esta categoria gramatical, Langa ( 2004:59), defende que Doke “nomeouos de ideofones por se ter apercebido que a terminologia que considera cinco categorias lexicais principais a saber: “N(ome), V(erbo), ADJ(ectivo), ADV(érbio) e PREP(osição) não cobre a semântica que estas palavras transportam” pois semanticamente, “os ideofones estão ligados a campos diversos, tais como acções, sons, cheiros, posturas, atitudes, gestos, etc.” 3.1.2. Funções sintácticas dos ideofones Em termos gramaticais, os ideofones podem assumir várias funções, incluindo as sintáticas, corroborando com Marivate (1981), para quem os ideofones são partes de discurso específicas nas línguas Bantu e uma das suas características é a possibilidade deles funcionarem como categorias sintáticas. Neste trabalho, destacamos as seguintes funções sintáticas dos ideofones: predicador, modificador nominal, modificador verbal e a de interjeição. 3.1.2.1. Os ideofones desempenhando funções de verbo De acordo com Sitoe (1996), em alguns contextos, os ideofones podem desempenhar as funções de verbo. Em tais casos diz-se que o ideofone é um predicador, como se pode ver nos seguintes exemplos: 12 1. Ideofone verbo a) kubaà! – wusiku rite baà significado (wusiku ribasile) ‘a noite aclarou-se’ b) kupsuù! – jambu rite psuù (jambu ripshukile) ‘o sol avermelhou-se’ Nestes exemplos em (1) pode-se ver que os ideofones poderiam ser substituídos por formas verbais, que se encontram entre parêntesis. 3.1.2.2. Os ideofones como modificadores nominais Quando o ideofone funciona como modificador nominal, qualifica ou modifica o nome, “corresponde a um adjetivo qualificativo.” Sitoe (1996:345), como mostram os exemplos: 2. a) kubaà – n’weti yaku baà ‘lua clara’. b) kupsuù – jambu raku psuù ‘sol vermelho’ Em (2), os ideofones funcionam como se fossem adjectivos, pois qualificam ou descrevem os objectos a que se referem. 3.1.2.3. Os ideofones como modificadores verbais Em casos em que o ideofone funciona como modificador verbal, ele corresponde a um advérbio de modo ou cumpre as funções deste. Vejam-se os seguintes exemplos: 3. a) kubaà - wusiku risaseka riku baà! ‘a noite ficou bonita de tão clara’ b) kupsuù – jambu ritsunyana riku psuù! ‘o sol ofusca de tão vermelho’ 13 Nos exemplos em (3) verifica-se que os ideofones kubaà e kupsuù modificam os verbos, desempenhando desse modo, a função de modificador verbal. 3.1.2.4. Os ideofones como interjeições As vezes, o ideofone pode ser usado numa frase lexicalizada, constituída por uma só palavra e podendo ser substituído por uma interjeição. Sitoe (1996). Os exemplos que se seguem ilustram tal facto: 4. ‘evidente’;‘claro’, ‘branco’, vazio a) kubaà ‘esta claro!; está vazio!; está limpo!; está Ex: kubaà! branco!’ b) kumphù Ex: mphù! ‘escuro!’ ‘está escuro!’ Os exemplos em (4) mostram uma situação em que os ideofones funcionam como interjeições, recorrendo-se na escrita, ao uso do ponto de exclamação. 3.1.3. Morfologia dos Ideofones Da análise feita à morfologia dos ideofones, verificamos que existem duas possibilidades, no que respeita à sua estrutura. 14 Hipótese 1 Nesta defende-se que a estrutura dos ideofones é constituída pelo prefixo ku+Radical ideofónico, forma que os ideofones assumem no nominativo, acusativo, e noutros casos gramaticais. Como podemos observar nos seguintes exemplos: Ideofone no nomimativo 5. kugìlhì loku kungatwala tolo akuli kuwa ka yindlo ya Mungoni. ‘O ruir que se ouviu ontem, era a casa do Mungoni que estava a cair.’ Em (5) temos o ideofone kugìlhì no nominativo e apresenta a seguinte estrutura: ku + Radical Ideofónico Comparando com a forma verbal teremos o seguinte: Verbo no nominativo 6. kugilhika loku kungatwala tolo akuli kuwa ka yindlo ya kokwana. ‘O ruir que se ouviu ontem, era a casa do Mungoni que estava a cair.’ Em (6) temos o verbo kugilhika no nominativo e a seguinte estrutura: ku + Radical Verbal Ideofone no acusativo 7. Anirhandzi kugìlhì ka timvhalu. ‘Não gosto das batidas do coração.’ 15 Este exemplo mostra como os ideofones se comportam no caso acusativo e teremos a seguinte estrutura: Ku+Radical Ideofónico. Comparando com um verbo teremos o seguinte: Verbo no acusativo 8. Anirhandzi kugilhika ka timvhalu. ‘Não gosto das batidas do coração’ Com a seguinte estrutura: Ku+Radical verbal Ideofone no locativo temporal 9. Ndzeni ka kupsiyò akuli ni kunavela kutwiwa hi tintombhi. ‘assobiando esperava ser ouvido pelas raparigas’ Neste caso temos a seguinte estrutura: Ku + Radical Ideofónico. Se compararmos com um verbo teremos o seguinte: Verbo no locativo temporal. 10. Ndzeni ka kupsiyota akuli ni kunavela kutwiwa hi tintombhi. ‘assobiando esperava ser ouvido pelas raparigas’ E teremos esta estrutura: ku+Radical verbal. Como modificadores nominais Como modificadores nominais, os ideofones mais uma vez, se comportam como os verbos exibindo o prefixo ku-, como ilustram os exemplos: 16 Ideofone 11. verbo a) Jambu ra kupsuù jambu ra kupshuka ‘Sol vermelho’ b) Ku ni nyoka ya kupsiyò ku ni nyoka yakupsiyota ‘Existe uma cobra que assobia’ Formas Finitas Ideofónicas e Verbais Os verbos nas formas finitas perdem o prefixo e agregam morfemas temporais e aspectuais, etc. Os ideofones também se comportam do mesmo modo. A diferença é que estes se servem de verbos “auxiliares” nos diferentes tempos, como podemos ver: 12. a) Nivitanile ntombhi, ndzite psiyò ‘Chamei a rapariga assobiando/por meio de um assobio’ b) Anivitana ntombhi, ndziku psiyò. ‘ Chamava a rapariga assobiando/por meio de um assobio’ c) Nivitana ntombhi, ndzili psiyò. ‘Estou a chamar a rapariga assobiando/por meio de um assobio’ d)Nitavitana ntombhi, ndziku psiyò / ndzitaku psiyo ‘Chamarei a rapariga assobiando/por meio de um assobio’ 17 Hipótese 2 Durante a nossa análise, constatamos também que os ideofones, aparentemente, podem apresentar uma outra estrutura, que não inclui o prefixo ku-. A hipótese sugere que a estrutura dos ideofones não apresenta o prefixo ku. Esta reflexão decorre do facto de termos verificado que o prefixo ku não ocorre apenas com verbos e ideofones mas também com sintagmas nominais e até com frases completas. Vejamos os seguintes exemplos: 13. a) Nirhandza kupsiyota b) Nirhandza ku psiyò! ‘Gosto de assobiar.’ ‘Gosto de assobiar. ‘ c) Nirhandza ku “tatana wa mina asasekile.” ‘Gosto de dizer que o meu pai é bonito.’ d) Nirhandza ku “mamani wa mina.” ‘Gosto de dizer minha mãe’ Com os exemplos acima, verifica-se que tanto verbos, ideofones, frases como sintagmas nominais são antecedidos por uma partícula ku. Isto, a ser verdade, a ocorrência da partícula ku não seria exclusiva dos verbos e ideofones, o que nos faria concluir que a estrutura tanto do verbo como do ideofone não apresenta o prefixo ku, mas sim o radical verbal e ideofónico, respectivamente. Mas, ainda no decurso do estudo, notamos que essa partícula não ocorre nas mesmas condições que ocorria nos exemplos apresentados na hipótese 1. Verificamos igualmente, que a partícula ku que temos nos exemplos respeitantes à hipótese 2 poderá ser uma forma abreviada da conjunção lesvaku/svaku, pois ela pode ser substituída por esta, em frases e em sintagmas, mas quando se trata de verbos e 18 ideofones não se pode substituir a partícula ku pela conjunção lesvaku/svaku, como mostram os exemplos: 14. a). *Nirhandza lesvaku kupsiyota b. Nirhandza lesvaku psiyò! *‘Gosto de aquilo de assobiar’ ‘Gosto de fazer assobio/gosto de assobiar.’ c) Nirhandza lesvaku “tatana wa mina asasekile.” ‘Gosto de dizer que o meu pai é bonito.’ d) Nirhandza lesvaku “mamani wa mina.” ‘Gosto de dizer “minha mãe.’ Os exemplos confirmam que a partícula ku da Hipótese 2 (derivada da conjunção lesvaku/svaku) é diferente da partícula ku da Hipótese 1 (prefixo da classe 15), pois no caso em que o prefixo ku faz parte da estrutura dos ideofones, este não pode ser substituído pela conjunção em causa, sob o risco de se obter construções agramaticais como vimos em (14a). Note-se que a aceitabilidade de (14 b) reside no facto de ali o ideofone psiyò funcionar como uma interjeição, ganhando assim o estatuto de frase completa. Vejamos ainda os exemplos abaixo, retomados da hipótese 1 para consubstanciarmos a nossa argumentação: Ideofone no nomimativo 15. Kugìlhì loku ungakutwa tolo akuli kuwa ka yindlo ya Mungoni. ‘O ruir que se ouviu ontem era a casa do Mungoni que estava a cair’ *Lesvaku gìlhì loku ungakutwa tolo akuli kuwa ka yindlo ya kokwana. 19 ‘De dizer que o ruir que se ouviu ontem era a casa do Mungoni que estava a cair’ Ideofone no acusativo 16. Anirhandzi kugìlhì ka timvhalu. ‘Não gosto das batidas do coração’ *Anirhandzi lesvaku gìlhì ka timvhalu. *‘De dizer que não gosto das batidas do coração’ Ideofone no locativo temporal 17. Ndzeni ka kupsiyò akuli ni kunavela kutwiwa hi tintombhi. ‘assobiando esperava ser ouvido pelas raparigas’ *Ndzeni ka lesvaku psiyò akuli ni kunavela kutwiwa hi tintombhi ?‘Dizer que assobiando esperava ser ouvido pelas raparigas’ Ideofones Como modificadores nominais, Ideofone 18. verbo a) Jambu ra kupsuù jambu ra kupshuka ‘Sol vermelho’ b) *Jambu ra lesvaku psuù ?jambu ra lesvaku pshuka *‘Sol de dizer que vermelho’ c) Ku ni nyoka yaku psiyò ku ni nyoka yakupsiyota 20 ‘Existe uma cobra que assobia’’ *Ku ni nyoka ya lesvaku psiyò *ku ni nyoka ya lesvaku psiyota‘ *‘Existe uma cobra de dizer que assobia’ Esta discussão toda em volta da estrutura dos ideofones fez-nos concluir que de facto a estrutura do ideofone é ku+ Radical Ideofónico, prevalecendo, deste modo, a primeira hipótese. Ainda em relação à estrutura do ideofone e de acordo com Nkabinde (1985) o ideofone pode ser simples ou complexo. Queremos aqui realçar que é o radical ideofónico que pode ser simples ou complexo e que, para facilidade de descrição, falaremos de ideofones simples ou complexos em vez de ideofones de radical simples ou complexo. Olhando para a morfologia dos ideofones, tendo em conta a perspectiva de Miti (2006), notámos que este autor considera que a morfologia dos ideofones é algo bastante interessante e que eles podem ser primitivos e derivados. Miti refere que em várias línguas os ideofones monossilábicos são, geralmente primitivos e os ideofones com mais de uma sílaba podem ser primitivos ou derivados. Partindo da posição de Miti (2006), acima apresentada e tendo em conta que para este autor ideofones primitivos são aqueles cuja estrutura não se pode quebrar para efeitos de análise, verificamos que também, na língua Changana os ideofones monossilábicos são primitivos, como nos exemplos em (19). 19. a) kubì – id. de estar em completo silêncio b) kugi - id. de pegar de surpresa 21 c) kusudù – id. de estar deitado ou caído Nos exemplos em (19) os ideofones kubì e kugi são monossilábicos, portanto, primitivos. E temos o caso do ideofone kusudù que não é monossilábico, mas considerando a posição Miti (2006), ao referir que os ideofones com mais de uma sílaba podem ser primitivos ou derivados, podemos concluir que kusudù, apesar de não monossilábico é primitivo. Quanto aos ideofones derivados, Miti (2006) afirma que se pode quebrar a sua estrutura e analisar os vários significados das suas componentes. Estes derivam de radicais verbais e podem ser simples ou complexos, posição esta que se assemelha à de Nkabinde (1985) e com a qual concordamos. Ideofones simples Aos ideofones simples não é possível quebrar a estrutura do seu radical para efeitos de análise Vejamos os exemplos em (14): 20. a) kuntse – id. de silêncio, de indiferença, de imobilidade b) kuhwii – id. de estar calado, de estar quieto, de estar silencioso; de estar calmo Os ideofones em (20) são simples no sentido de que, para além do prefixo ku-, não é possível quebrar a estrutura do seu radical para efeitos de análise. 22 Ideofones complexos Esta categoria corresponde aos ideofones derivados. Nkabinde (1985). Os ideofones derivados, segundo o mesmo autor, são os que surgem a partir da combinação de formas simples e podem ocorrer por reduplicação ou por triplicação. Os reduplicados, em geral, indicam irregularidade, ritmo, persistência ou eventos não sistemáticos, como se observa em (21) e os triplicados indicam uma acção contínua, como ilustram os exemplos em (25): 21. a). kucambùcambù –id. de caminhar nú (o homem). b). kugìdìgìdì – id. de se movimentar em massa. Os ideofones em (21 e 25) são complexos, e podemos efectuar a decomposição do seu radical para questões de análise, mostrando-se os seus constituintes. Os ideofones reduplicados têm um padrão morfológico distintivo e a sua principal característica é a pausa regular entre as unidades que os compõem. Nkabinde (1985) o que este autor afirma, na língua Changana não acontece apenas com os ideofones reduplicados, mas também com os triplicados. O que se observa no Changana é que dependendo da intenção do falante; da mensagem que este pretende transmitir, um ideofone, reduplicado ou triplicado, pode ser produzido com uma certa pausa entre os elementos que o compõe ou sem a mesma. A pausa na escrita será assinalada por um hífen. Exemplificando: 22 a) kukhùtèkhùtè (sem pausa) – id. de cochear 23 kukhùtè-khùtè (com pausa) – id. de cochear (compassadamente) b) kudlodlongòdlodlongò (sem pausa) – id. de correr como antílope ou girafa (com passos graciosos) kudlodlongò-dlodlongò (com pausa) – id. de correr como antílope ou girafa (com passos graciosos e compassados) c) kubìbìbì – id. de pancadas repetidas (como as do coração) kubì-bì-bì – id de pancadas repetidas pausadamente (como as do coração) Ainda sobre ideofones reduplicados, Nkabinde (1985) avança que alguns destes reduplicam-se apenas na última sílaba, como nos seguintes exemplos do Zulu: 23. a) kugòzololo – id. de satisfação b) kukhòmololo – id. de espanto c) kudèdelele – id. de desapontamento O mesmo processo ocorre no Changana, como podemos ver nos exemplos que se seguem: 24. a) kub’ùkwànànà – id. de se deitar sobre a barriga; de esconder-se pondo- se de gatas ou de cócoras b) kuhòròtsòtsò – id. de ficar embaraçado Como se pode verificar, nos exemplos em (23 e 24) a reduplicação efectua-se na última sílaba de cada ideofone. 25. a) kubìbìbì – id. de pancadas repetidas (como as do coração) 24 b) kucambu-cambu-cambu – id. de dar chicotadas leves e repetidas (como quando se castiga uma criança) 3.1.4. Ideofones derivados de verbos Alguns ideofones podem ser formados a partir de radicais verbais Miti (2006). Tal pode ocorrer adicionando algum material linguístico ao radical verbal. Esse material, de acordo com Matambirofa (2009) denomina-se ideofonizador. Dos mecanismos de formação de ideofones a partir de verbos, na língua Changana passamos a apresentar os seguintes: Os ideofones podem ser formados a partir da sufixação de uma vogal a um radical verbal. Miti (2006) Apesar de Miti afirmar isto no estudo sobre o Zulu, verificamos que o mesmo processo ocorre no Changana. Miti acrescenta que neste processo de formação de ideofones a vogal usada pode variar de língua para língua. Vejam-se os seguintes exemplos do Zulu, adaptados de Miti (2006): 26. Verbo Ideofone -redz ‘escorregar’ redze– id. de escorregar -god- ‘empacotar’ godo id. de empacotar -kumb- ‘juntar’ kumbu id. de juntar Nos exemplos em (26) verifica-se que se formam ideofones sufixando-se uma vogal a um radical verbal, neste caso temos as vogais e para o verbo –redz-, o para –god- e u 25 para –kumb-. Tentando perceber se o mesmo processo de formação de ideofones ocorria no Changana, verificamos que ocorre. Observemos os exemplos em (27). 21. Verbo kubvonyonget- ‘ atacar, destruir’ kujik- ‘contornar, virar’ kuphinyawuk- ‘escapar’ kuthukuluk- aparecer de repente˃ Ideofone kubvonyongètò id. de atacar subitamente e projectar para o chão kujìkò id. de contornar ou virar rapidamente kuphinyawùkù id. de escapar kuthukulùkù id. de aparecer de repente Nos exemplos em (27), na segunda coluna, temos ideofones formados a partir da combinação de verbos com vogais, neste caso as vogais o e u, o que legitima a afirmação de Miti, segundo a qual a vogal usada neste processo pode variar de língua para língua. A formação de ideofones a partir de verbos pode processar-se também através da eliminação de alguns segmentos do verbo em causa. Como se observa em (28). 28. verbo kugwimba kuhlomela kupfinya Ideofone Kugwì Kuhlomè Kumpfi kutlimba Kuntli kuvhuthuka Kuvhùthù kuvumbuluka Kuvumbùlù Significado ‘id de dar um esticão’ ‘id. de espreitar’ ‘id. de pegar de surpresa’, de estar completamente cheio’ ‘id. de sufocar’ ‘id. de levantar-se apressadamente ‘id. de cair r rebolar no chão’ Neste quadro temos verbos em que se eliminam alguns segmentos para se obter ideofones. 26 Em Changana ainda se regista o caso de ideofones formados a partir de verbos com o emprego do idefonizador -iyàni. De acordo com Sitoe (1996:345), “os ideofones podem derivar de verbos com o emprego da partícula -iyàni, com sentido de brusquidão ou brevidade na execução da acção”. Apresentamos aqui alguns exemplos dessas ocorrências: 29. a) -teka ‘levar’ kutèkiyàni Ex: Maria ate tèkiyàni xipachi xa yena ‘a Maria pegou bruscamente a carteira dela’ b) -famba ‘andar’ Ex: Munhu lwiya ate fàmbiyàni. c) -phuza ‘beber’ Ex: Xidakwa xite liphùziyàni bzala kufàmbiyàni ‘aquela pessoa foi bruscamente’ kuphùziyàni ‘o bêbado bebeu a bebida, bruscamente, rapidamente’. Os exemplos apresentados em (29) mostram que na língua Changana podemos obter ideofones a partir da combinação de verbos e a partícula –iyàni, sendo a partícula o ideofonizador. 3.1. 5. Ideofones verbalizáveis Ideofones verbalizáveis são aqueles que são susceptíveis de se transformar em verbos através de verbalizadores, Langa (2004). A este processo denomina-se verbalização dos ideofones, Matambirofa (2009). A seguir apresentamos alguns exemplos de 27 ideofones verbalizáveis, onde se mostram, também, alguns contextos de uso, na língua em estudo:. Ideofone 30. Significado ‘de mexer-se, de agitar-se’ a) kuchukù Ex: Muyivi ali chukù. ‘o ladrão mexe-se; agita-se.’ ‘de vir à superfície’ b) kudwa Ex: Mpfuvu yili dwa. ‘o hipopótamo vem à superfície (na água).’ ‘de estar a transbordar (um líquido)’ c) kukhapa Ex: Mati mali khapà ‘a água transborda.’ ‘de deitar apenas um pouco’ d) kupsàmbi Ex: Mamana ali psàmbi svifurhani. ‘a mamã deita um pouco (o óleo)’ ‘de chamar por meio de assobio’ e) kupsiyò Ex: Mufana ali psiyò ‘o rapaz assobia.’ A partir dos ideofones em (30), tendo em conta a percepção mental dos falantes, podemos formar verbos, como mostram os exemplos a seguir: 31. a) Muyivi wachukuvanya ‘o ladrão mexe-se; o ladrão agita-se.’ b) Mpfuvu yadwaka. ‘o hipopótamo vem à superfície (na água).’ c) Mati makhapa. ‘a água transborda.’ d) Mamana apsambita mafurha. ‘a mamã deita um pouco de óleo,’ e) Mufana apsiyota tihomu. ‘o rapaz assobia para os bois.’ 28 Em (31) encontramos ideofones verbalizados que derivam dos ideofones vistos em (30), na seguinte correspondência: Ideofone 32 verbo a) kuchukù (ideo.) cf. kuchukuvanya (vb.) significado ‘mexer-se’ b) kudwa (ideo.) cf. kudwaka (vb.) ‘vir à superfície’ c) kukhapà (ideo.) cf. kukhapa (vb.) ‘transbordar’ d) kupsàmbi (ideo.) cf. kupsambita (vb.) e) kupsiyò (ideo.) cf. kupsiyota (vb.) ‘deitar (só um pouco)’ ‘assobiar’ Em (32) mostra-se a relação entre os verbos derivados (no meio) e os ideofones de que derivam, devendo destacar-se a estrutura destes que, em termos gerais, pode ser representado da seguinte maneira: Ku + Radical Ideofónico + verbalizador. De uma comparação dos ideofones com os verbos derivados pode-se concluir que aqueles são mais expressivos do que estes, uma vez que já não se sente mais a força que permite que os ouvintes “vejam” o evento à medida que o emissor vai descrevendo, “sintam” o calor, o frio, a dor, a força, a intensidade, a rapidez, “imaginem” a postura, vêm a quantidade, etc. A seguir apresentamos um quadro, adaptado do modelo apresentado por Langa (2004) onde mostramos os elementos usados na verbalização dos ideofones acima. 29 33. Ideofones Ideofs. Verbalizados Verbalizador(es) Glossário kuchukù Kuchukuvanya -vany- ‘mexer-se; agitar-se’ kudwa Kudwaka -k- ‘emergir’ kukhapà Kukhapa - ‘transbordar’ kupsàmbi Kupsambita -t- ‘deitar (um pouco)’ kupsiyò Kupsiyota -t- ‘assobiar’ kutlakù Kutlakuka -k- ‘levantar-se’ Para mostrar que os verbos formados a partir de ideofones possuem características apresentadas pelos verbos, nesta língua, usaremos dois testes, a saber: a adição aos verbos derivados de ideofones, dos morfemas do passado (-ile) e o causativo (-is-). -ile 34. a) muyivi achukuvanyile. ‘o ladrão mexeu-se; o ladrão agitou-se.’ b) mpfuvu yidwakile. ‘o hipopótamo veio à superfície da água.’ c) mati makhapile. ‘a água transbordou’. Nos exemplos em (34), os verbos formados a partir de ideofones flexionam através da sufixação do morfema -ile, segundo a regra de formação do passado no Changana. Os ideofones verbalizados, neste caso, apresentam a seguinte estrutura: Marca de Sujeito +Radical Ideofónico + (Verbalizador) + Marca de Tempo. De salientar que o exemplo (c) apresenta como verbalizador o (-). 30 -is35. a) Mamana anipsambitisa mafurha. ‘a mamã faz-me deitar um pouco de óleo.’ b) Mufana apsiyotisa xifanyana tihomu ‘o rapaz faz o rapazinho assobiar para bois.’ c) B’ava atlakukisa vatsongwana ‘o pai/senhor faz as crianças levantarem-se’. Em (35), os verbos formados a partir de ideofones são causativizados através da adição do morfema (-is-) de que resulta a estrutura: Marca de Sujeito + Radical Ideofónico + Verbalizador + Marca de causativização. 3.1.6. Verbos derivados de ideofones Nesta secção debruçamo-nos sobre a análise de verbos que possivelmente derivem de ideofones.Vejamos os exemplos : Ideofone 36. significado a) kuchukù – de mexer-se; de agitar-se b) kupsemù – . de esfolar, de arrancar a pele A partir do ideofone kuchukù podemos obter o verbo kuchukuvanya (mexer-se; agitarse) e do ideofone kupsemù, o verbo kupsemula (esfolar; arrancar a pele ou o cabelo). Ora difícil é, mesmo para os falantes, decidir se antes existiram os ideofones kuchukù e kupsemù e que deles derivaram os verbos kuchukuvanya e kupsemula, 31 respectivamente, ou se antes existiram os verbos kuchukuvanya e kupsemula e deles derivaram os ideofones kuchukù e kupsemù. Vejamos o seguinte raciocínio: O ideofone kuchukù terá dado origem ao verbo kuchukuvanya ou foi este verbo que deu origem ao ideofone kuchukù pelo processo descrito em (28), ou será que existe uma forma -chuk- a partir da qual se pode derivar um ideofone kuchukù (seguindo o processo descrito em (27) e o verbo kuchukuvanya? O ideofone kupsemù terá dado origem ao verbo kupsemuka ou foi este verbo que deu origem ao ideofone kupsemù pelo processo descrito em (28), ou será que existe uma forma -psem- a partir da qual se pode derivar um ideofone kupsemù (seguindo o processo descrito em (27) e o verbo kupshemula ou ainda nomes como mupshemuli/vapshemuli, vupshemuli, vupshemulelo, etc.? Depois da reflexão acima, concluimos que quanto aos ideofones derivados de verbos, nesta língua é difícil em alguns casos saber-se se são os ideofones que derivam de verbos ou são os verbos que derivam de ideofones, exceptuando o caso de ideofones obtidos a partir de verbos com o emprego do ideofonizador -iyàni, onde o processo é claro. Parece-nos, pois, que ressurge o antigo problema de não se saber se primeiro veio o ovo ou a galinha! Daí que propomos que este assunto seja aprofundado em futuros trabalhos. 3.1.7. Ideofones não verbalizáveis Depois de na secção anterior termos falado de ideofones verbalizáveis, vamos agora apresentar aspectos sobre ideofones não verbalizáveis, aqueles que não são 32 suscptíveis de se tornarem verbos. Partiremos dos seguintes exemplos onde se mostram, também, alguns contextos de uso: 37. ‘de estar em completo silêncio’, de estar a) kubì completamene acabado Ex: Pedro ate bì ‘o Pedro está em completo silêncio.’ ‘de estar deitado de costas; de cair de costas’ b) kugaa Ex: N’wana ate gaa ‘a criança está deitada de costas.’ ‘de estar completamente cheio; de surpreender c) kumpfi alguém’ Exs: Xikolwe kuyo mpfi Niyomu mpfi ‘na escola está completamente cheia (de gente).’ ‘peguei-lhe de surpresa’ ‘de estar em grande número’ d) kupi Ex: Tihomu tiyo pi. ‘tem muitos bois (na machamba).’ ‘de estar caído de bebedeira, doença, dor profunda, e) kusudù etc.’ Ex.: Xidakwa xiyo sudù ‘o bêbado está caído (de bebedeira).’ Os ideofones em (38) possuem também uma maior expressividade, como os analisados em (30), mas estes não são verbalizáveis, ou seja, não se podem formar verbos a partir deles, como se pode observar pelos resultados dos testes já usados acima: que consistem em adicionar os morfemas ( -ile) e (-is-). Assim: -ile 38. a) *Pedro abiivanyiile; *’Pedro abiiile’ 33 b) *n’wana agaaile; ‘n’wana agaavanyile’ c) *xikolweni kumpfiile; *‘xikolweni kumpfivanyile’ d) *tihomu tipile; *’tihomu tipivanyile’ e) *munhu asudukile, *’munhu asuduvanyile’ Os ideofones em (38) não podem ser verbalizados. Como se pode verificar, depois de se lhes adicionar alguns verbalizadores e aplicar-se lhes a regra da formação do passado, usada na língua Changana, as frases resultantes são agramaticais. -is39. a) *Pedro abiiisa vatsongwana b) *n’wana agaaisa. c) *xikolwe ximpfiisa vajondzi. d) *tihomu tipisa timbuti. e) *munhu asuduisa mun’wani. Os ideofones em (38, 39) não são verbalizáveis. Como se pode verificar, quando se lhes aplicam as regras da formação do passado e da causativização, usadas na língua Changana no caso dos verbos, eles tornam-se agramaticais. 3.2. Lexicografia Lexicografia é a técnica de redacção e feitura de dicionários. (Wikipédia). Já Doke (1935) Considera que Lexicografia é o estudo do vocabulário de uma língua, de acordo com a sua forma e significado e é também o processo ou o ofício de compilação de dicionários. Hartmann (1995), citado por Sitoe (1991), defende que a lexicografia apresenta uma vertente teórica e outra prática. A Lexicografia como 34 teoria consiste em efectuar pesquisas sobre história, análise crítica, tipologia, estrutura, uso ou finalidade de dicionários. E a Lexicografia como prática diz respeito ao processo de produção de dicionários. Sendo o dicionário um dos produtos do trabalho lexicográfico, e considerando que o nosso trabalho se debruçará sobre passos metodológicos para a compilação de um dicionário, sentimos a necessidade de falar sobre o dicionário. 3.2.1. O Dicionário Segundo o Dicionário Universal da Língua Portuguesa (2001), dicionário é um “conjunto de vocábulos de uma língua ou dos termos próprios de uma ciência ou arte, disposto por ordem alfabética e com a respectiva significação ou a sua versão noutra língua”. Também se pode se considerar dicionário como um livro contendo palavras de uma língua, dispostas em ordem alfabética, com os seus respectivos significados. Doke (1935). Hartmann e James (1998) definem dicionário como um tipo de obra de referência que contém os vocábulos de uma língua com os seus respectivos significados. Wikipédia (pt.wikipedia.org/wiki/Dicionario) a enciclopédia livre, define dicionário como sendo uma compilação de palavras ou dos termos próprios, ou ainda de vocábulos de uma língua, quase sempre dispostos por ordem alfabética. Por sua vez, o site Sua Pesquisa, defende que “dicionário é um livro que possui a explicação dos significados das palavras. As palavras são apresentadas em ordem alfabética”. Verificámos que dentre as definições aqui apresentadas, a do Dicionário Universal da Língua Portuguesa (2001) e a da Wikipédia são mais abrangentes, uma vez que 35 incluem o aspecto dicionário de especialidade, por essa razão, na nossa análise, para a definição de dicionários consideramos estas duas perspectivas. Os dicionários podem ser monolingues (quando se debruçam sobre uma língua apenas), bilingues (aqueles que envolvem duas línguas, cf. 3.2.2) trilingues (quando envolvem três línguas) ou multilingues (quando envolvem mais de três línguas). 3.2.2. Dicionário bilingue e seus objectivos “Um dicionário bilingue consiste numa lista de palavras ou expressões numa língua (língua fonte) para as quais, numa situação ideal, são fornecidos equivalentes exactos numa outra língua (língua alvo) ”. Sitoe (1991) E segundo o mesmo autor, um dicionário bilingue tem como principal objectivo ajudar os falantes que entendem uma língua (língua primeira) e não entende a outra (língua segunda). Importa também, referir que existem várias categorias de dicionários e uma dessas categorias é o dicionário temático. O DICH será temático. A este respeito os sites (http://www.portrasdasletras.com.br) e (http://pt.wikipedia.org/wiki/Dicion) avançam que um dicionário temático é aquele que organiza ou reúne vocabulário específico, de determinada ciência, arte ou actividade técnica. 3.2.3. Sobre caracterização de dicionários Quanto à caracterização de dicionários, Househoulder e Saporta (1967) postulam que os dicionários podem ser caracterizados segundo a sua Extensão, Perspectiva e Apresentação. A mesma posição é defendida por Sitoe (1991), citando Malkiel (1967), ao apresentar, as mesmas categorias para a caracterização de dicionários. 36 3. 2. 4. Problemas de tradução da LF para LA Para Langa (1991), os factores de dificuldade na tradução não são apenas de carácter linguístico, mas haverá, também uma importante intervenção de factores extralinguísticos. E nós pensamos que um desses aspectos é o anisomorfismo das línguas, como por exemplo a diferenças existentes na organização das línguas naturais, dentre as várias diferenças temos como exemplo, neste trabalho, o facto de a LA, não possuir a categoria ideofone. Ora, “ sendo a língua um elemento chave no relacionamento entre homens, onde não há um meio comum que permita a comunicação, a tradução deverá intervir, como instrumento de mediação interlinguística, na transmissão e troca de informações”. (Langa, 1991:08). É pois, a este processo que recorreremos no DICH para transmitir informações sobre ideofones da LF para LA. E para tal é necessário apresentar os diferentes tipos de tradução e eleger a mais adequada ao nosso tipo de dicionário. Tipos de tradução De acordo com Langa (1991) existe a tradução literal, esta, muitas vezes, resulta na incompreensibilidade do texto, pelo facto de incidir na forma, deixando de ter em consideração aspectos de diferenças de organização entre a LF e LA, pois o seu objectivo é fornecer o equivalente de cada palavra. Existe também a tradução literal adaptada, que é aquela em que o tradutor deve recorrer a adaptações e nela o texto traduzido conservará tanto quanto possível a forma da LF, privilegiando a intenção do autor e o significado. E por fim temos a tradução baseada no significado, esta é considerada a tradução mais comunicativa e adequada e “consiste em transferir toda a mensagem para língua a alvo de modo que a tradução esteja num estilo tão natural quanto possível, adequado às estruturas gramaticais da LA” Wiesemann, citado por 37 Langa (1991). Esta tradução permite sempre que necessário, fazer-se um arranjo às frases, palavras ou explicações para transmitir o significado da LF para a LA. Tendo em conta a natureza e os objectivos do DICH, é ao último tipo de tradução que recorreremos, pois os dois primeiros tipos além de serem pouco comunicativos, não teríamos como fornecer os significados dos ideofones do Changana para o Português porque esta língua nem sequer possui ideofones. Portanto, uma vez que a tradução baseada no significado permite fazer-se um arranjo às frases, palavras ou explicações para transmitir o significado da LF para a LA, temos mais possibilidade de fornecer o significado dos ideofones na LA. Mas apesar de recorrermos à tradução baseada no significado, estamos cientes das dificuldades existentes na tradução da LF para LA, pelas razões já descritas. Basta imaginar que mesmo se se tratasse de um dicionário de uma categoria de palavras existente nas duas línguas, ainda assim teríamos dificuldades, pois o funcionamento dessa categoria seria naturalmente diferente nas duas línguas. Tratando-se de um dicionário de ideofones, haverá mais dificuldades, por essa razão, basear-nos-emos na utilização de explicações para fornecer os significados dos ideofones. (cf. 7. 5. 2). 38 Capítulo IV 4. Enquadramento teórico Neste capítulo apresentamos os conceitos básicos com os quais iremos trabalhar na análise de dados. 4.1. A Lexicografia Começando pelo conceito de Lexicografia: Como vimos em (3.2), Lexicografia é a técnica de redacção e feitura de dicionários. Doke (1935) considera que Lexicografia é o estudo do vocabulário de uma língua, de acordo com a sua forma e significado. Também o processo ou o ofício de compilação de dicionários. Hartmann e James (1998) avançam que Lexicografia é a actividade profissional e académica que opera com dicionários, havendo duas áreas básicas: a Lexicografia como prática e a Lexicografia como teoria. Na nossa análise enveredaremos pelas perspectivas de Doke (1935) e Hartmann e James (1998), pois as achamos completas, uma vez que abarcam a Lexicografia como prática e como teoria. 4. 2. Dicionário bilingue Um dicionário bilingue consiste numa lista de palavras ou expressões numa língua (língua fonte) para as quais, numa situação ideal, são fornecidos equivalentes exactos numa outra língua (língua alvo). Sitoe (1991). Zgusta (1971) refere que o propósito básico de um dicionário bilingue é coordenar as unidades lexicais de uma língua com as de uma outra e que essas unidades lexicais devem ter um significado equivalente. Este autor usa também, a ideia de língua fonte 39 (aquela em que são extraídas as unidades lexicais) e língua alvo (onde são fornecidos os equivalentes das unidades lexicais da língua fonte. A ordem das entradas num dicionário bilingue é dada pela língua fonte. É na esteira de Sitoe (1991) e Zgusta (1971), que concebemos o conceito de dicionário bilingue. 4. 3. Equivalência Zgusta (1971) aborda de uma forma profunda a questão da elaboração/compilação de dicionários bilingues e apresenta as dificuldades que existem neste domínio. Dentre várias, ele defende que a dificuldade fundamental no fornecimento de equivalentes num dicionário é causada pelo anisomorfismo das línguas, como por exemplo a diferenças existentes na organização das línguas naturais. Isto acontece porque, de acordo com Sitoe (2010), traduzir é pôr uma língua em confronto com outra, o lexicógrafo, no seu trabalho, irá servir-se do sistema conceptual designado por língua em articulação com o sistema conceptual que podemos designar por cultura, o que implica que o lexicógrafo precisa de associar a maneira de falar de grupos específicos aos respectivos factores culturais para chegar ao significado pleno das mensagens veiculadas. Concordamos com a posição destes autores. Basta considerar que o nosso trabalho envolve duas línguas culturalmente distantes e que os ideofones pertencem a uma categoria que o Português não possui. Isto lembra-nos que se deve ter em mente que quando a distância linguística e a cultural entre a LF e a LA é pequena, o lexicógrafo irá encontrar poucos problemas mas se as distâncias são maiores, sobretudo a cultural, mais dificuldades irá enfrentar. Sitoe (2010). 40 Pensamos, pois, que a dificuldade de tradução dos ideofones não reside apenas na categoria gramatical, pois na tradução os equivalentes nem sempre têm que coincidir na categoria gramatical por exemplo, verbos na L1 podem ser traduzidos por nomes na L2 e vice- versa. O ponto do anisomorfismo mais pertinente no nosso trabalho tem mais a ver com componentes sociais e culturais da “semântica” do material a traduzir. A dificuldade de tradução será no traço “vivacidade” que os ideofones emprestam ao discurso. Por isso pensamos que para além de fornecer explicações dos ideofones em Português, iremos apresentar mecanismos de como traduzir ideofones, ou seja, como fazer com que um falante que não é de Changana perceba o que em Changana é expresso por ideofones a partir de exemplos e, às vezes recorrendo a estratégias como por exemplo o uso de glosas, para a inserção de comentários que reforcem a compreensão dos ideofones. Vejamos, como exemplo, o seguinte verbete: 40. -khèhlè (<-khehleka/za) id. de quebrar (por exemplo a cabeça de alguém, com um instrumento contundente): Afike akumu khèhlè nhloko hi bewula, Chegou e, pumba, deu-lhe com o machado na cabeça! Neste exemplo usamos o hífen, em vez do prefixo ku-, pois é assim como aparecerão as entradas no DICH. Este exemplo mostra que na impossibilidade de traduzir o ideofone -khèhlè para o Português podemos introduzir a interjeição pumba para facilitar a compreensão daquele. 41 4.4. Apresentação, Extensão e Perspectiva Vários estudiosos de Lexicografia defendem que os dicionários podem ser caracterizados segundo a sua Extensão, Perspectiva e Apresentação, posição com a qual concordamos. A seguir, apresentamos aspectos relacionados a estas categorias de caracterização de dicionários. 4.4.1. Apresentação Esta categoria refere-se à concretização (em forma de dicionário) dos objectivos e princípios pré-estabelecidos pelo(s) compilador(es) do dicionário, Sitoe (1991). 4.4.2. Extensão Segundo Sitoe (1991), a extensão tem a ver com o tamanho e o âmbito do dicionário: procura saber quantos verbetes o dicionário apresenta; qual é o grau de cobertura do léxico analisado; quantas línguas foram envolvidas; e o grau de concentração de informação nos verbetes. Já Househoulder e Saporta (1967) defendem que a categoria Extensão se refere aos seguintes aspectos: a) densidade/volume/número de entradas, b) número de línguas envolvidas e c) o grau de concentração de informação nos dados lexicais. Tratando-se da extensão de um dicionário, temos a obrigação de nos referirmos aos elementos chave que constituem esta categoria. É o caso de verbetes e vedetas ou entradas. Verbete e Vedeta Verbete é toda a informação que se tem sobre a unidade lexical descrita, (vedeta ou entrada), incluindo a própria unidade lexical. Um verbete, de uma forma geral, apresenta os seguintes componentes: entrada ou vedeta, origem, informação 42 gramatical, glosas ou rótulos, equivalentes e/ou definições, material ilustrativo, subentradas, remissões e referências. Sitoe (1991). A vedeta ou entrada é que encabeça o verbete. As vedetas são as unidades lexicais ou gramaticais que constituem as entradas do dicionário e são apresentadas, geralmente em bold e registadas em ordem alfabética. 4.4.3. Perspectiva De acordo com Househoulder e Saporta (1967), a perspectiva refere-se à forma como o compilador/lexicógrafo perspectiva o seu trabalho e no tipo de abordagem que irá adoptar; se a abordagem é diacrónica ou sincrónica e por fim, se o dicionário será organizado por ordem alfabética, por som, por temas, ou outras formas. Sitoe (1996) defende a mesma posição, ao avançar que: A perspectiva baseia-se no modo como o compilador encara o trabalho e no tipo de abordagem adoptada: se o trabalho é diacrónico (cobrindo um vasto período) ou se é sincrónico (confinando-se a um determinado período); se o material no dicionário será organizado pela ordem alfabética; por temas; por som (como nos dicionários de rimas); por conceitos, ou ainda segundo outros meios e critérios Na revisão bibliográfica efectuada, verificámos que as posições de Househoulder e Saporta (1967) e Sitoe (1996) são semelhantes e nós concordamos com elas, daí que na nossa análise, enveredamos pelas perspectivas destes autores. 43 Capítulo V 5. O Dicionário de Ideofones do Changana (DICH) O dicionário de Ideofones do Changana será um dicionário bilingue, onde iremos alistar os ideofones na língua Changana e apresentar as suas explicações em Português. Neste capítulo abordamos questões relacionadas com os objectivos e o destinatário do DICH. 5. 1. Objectivos do DICH O tratamento dos verbetes, em qualquer dicionário é decidido pelo compilador, tendo em conta o grupo alvo por ele seleccionado. Sitoe (1991), facto que faz com quem a questão dos objectivos de um dicionário esteja estritamente ligada à do destinatário do mesmo. O dicionário de que pretendemos avançar dados para a sua compilação tem os seguintes objectivos: 1. Fornecer aos falantes do Changana meios para que se exprimam na sua língua usando ideofones; 2. Fornecer aos falantes do Changana meios para que se exprimam em Português, através de enunciados que na sua língua envolveriam ideofones; 3. Fornecer aos falantes de Português meios para “compreenderem” o que em Changana é expresso por ideofones. 5. 2. Destinatário do DICH Os destinatários do Dicionário de Ideofones do Changana são: 44 1. Os falantes da língua Changana que queiram perceber melhor o funcionamento dos ideofones na sua língua; 2. Os falantes do Português que queiram perceber melhor o funcionamento dos ideofones no Changana; 3. Os estudiosos de línguas Bantu (falantes de qualquer língua natural), em geral e em particular os estudiosos de língua Changana. 5.3. Sua extensão Considerando que a extensão tem a ver com o tamanho e o âmbito do dicionário, onde se procura saber quantos verbetes o dicionário apresenta; qual é o grau de cobertura do léxico analisado; quantas línguas foram envolvidas; e o grau de concentração de informação nos verbetes, podemos afirmar que se pretende que o DICH tenha cerca de mil verbetes (será um pequeno dicionário). E neste trabalho, na amostra em anexo, apresentamos cerca de noventa (90) verbetes. Quanto ao grau de cobertura do léxico, concentramo-nos nos ideofones. O dicionário envolve duas línguas, Changana, (LF) e Português, (LA), portanto, é bilingue. E tentamos, na medida do possível, apresentar todas as nuances de cada ideofone, tendo em conta os dados recolhidos, isto corresponde ao grau de concentração de informação nos verbetes. 45 5.4. Sua perspectiva Tendo em conta que a perspectiva baseia-se no modo como o compilador encara o trabalho e no tipo de abordagem adoptada, podemos afirmar que no DICH, para comodidade de apresentação e para não sobrecarregar a secção da letra k, vamos representar o prefixo ku- por um ínfen e assim os ideofones serão alfabeticamente ordenados pela primeira sílaba do seu radical. Os usuários do dicionário serão os falantes da língua Changana que queiram perceber melhor o funcionamento dos ideofones na sua língua; os falantes do Português que trabalhem com a língua Changana; e queiram perceber o funcionamento dos ideofones no Changana; os estudiosos de línguas Bantu (falantes de qualquer língua natural), em geral, e em particular os estudiosos de língua Changana. No final do nosso trabalho apresentamos uma amostra do DICH, onde exploramos os múltiplos significados de cada ideofone, caso os tenha, tendo em conta o estabelecido na sua extensão e perspectiva. Para o efeito, seleccionamos aqueles que achamos que a sua tradução da língua Changana para a Portuguesa constitui um desafio, tendo em consideração as dificuldades que o processo de tradução de uma língua para outra impõe; por. exemplo, como transmitir a ‘sensação’ de “Andzhava woyu ntli, hi mimange”? Diríamos, por exemplo, que o cesto está demasiadamente cheio de mangas, mas um bom falante de Changana, sentiria que há nesta tradução algo em falta, que a ideia que se tem na frase em Changana não é completamente esgotada na LA. 46 Capítulo VI 6. Metodologias 6.1. Metodologia de recolha de dados 6.1.1. Pesquisa bibliográfica Para a recolha de dados efectuamos uma pesquisa bibliográfica, em que tivemos como obra-base o Dicionário Changana – Português, da autoria de Sitoe (1996), donde retiramos todos os ideofones que o dicionário contém. Mas também recorremos a este tipo de pesquisa na fase da revisão bibliográfica e do enquadramento teórico. 6.1.2. Recolha de contos e histórias de vida Recolhemos contos changanas junto de falantes de Changana (na província de Gaza, no distrito de Chókwè, localidade de Lionde e Chókwè cidade), para extrairmos desses contos, ideofones, uma vez que já notámos que estes textos, na tradição changana são ricos em ideofones. Fizemos também a recolha de histórias de vida junto de falantes de Changana, no mesmo espaço geográfico donde extrairmos dados (ideofones) para a nossa análise. E verificámos que as histórias de vida, também, na tradição changana são ricas em ideofones. Há que frisar que para efectuar a recolha de contos e histórias de vida, com ajuda dos informantes, criamos pequenos grupos, em que os falantes nativos do Changana apresentaram contos e histórias de vida e registámo-los num gravador digital para sua posterior transcrição. Para o caso dos contos, não discriminamos os informantes em termos etários, portanto, todo o falante de Changana, desde que fosse nativo e presente no momento da recolha, poderia apresentar o seu conto. Quanto às histórias de vida seleccionamos informantes com idade igual ou superior a 30 anos, por 47 acreditar que possuem uma experiência sólida sobre a língua. Tivemos 9 informantes, dos quais quatro (4) homens e cinco (5) mulheres. 6.2. Metodologia de análise de dados Depois de apresentar a teoria em volta da produção de dicionários, partimos para a análise de dados, com o objectivo de apresentar uma proposta para a compilação de um dicionário, neste caso concreto, de ideofones em Changana. A metodologia usada foi de acordo com os objectivos do dicionário que se pretende compilar e seguimos um modelo adaptado a partir do de Sitoe (1991), com os seguintes passos: 1alistamento das unidades lexicais; 2- identificação dos vários significados dos ideofones; 3- verificação dos sentidos das unidades lexicais alistadas; 4- selecção, discriminação e hierarquização dos sentidos; 5 – organização dos verbetes. Aqui importa realçar que para o passo (2) recorremos à análise componencial que nos auxiliou na análise semântica dos ideofones recolhidos e isso ajudou-nos a chegar aos passos subsequentes. 48 Capítulo VII 7. Uma proposta metodológica para compilação de um dicionário de ideofones do Changana A fase da análise de dados termina com a apresentação de alguns passos metodológicos para a compilação de um dicionário de ideofones do Changana e apresentam-se os seguintes aspectos já mencionados em (6.2). 7.1. Alistamento das unidades lexicais Este passo metodológico diz respeito à inventariação computerizada de todas as unidades lexicais e gramaticais contidas no corpus. Sitoe (1991). São estas unidades que no dicionário irão encabeçar os verbetes; são as vedetas ou entradas. Neste ponto do nosso trabalho, alistamos vinte (20) ideofones, apenas para ilustrar como se procede na fase de alistamento de unidades lexicais, pois no fim do trabalho (Anexo 1) apresentamos uma amostra mais extensa. -bòhlò -bùtà -bva -chàchàchà -cìnaa -cwii -fà-fà-fà -foo -gedègedè -gwì -làlàlàlà -mbii -mpsì -ngeyè -ngòyò -n´qwà -phàphàphàphà -tòtòlatòla -vìluvìluvìlu -zwe 7.2. Identificação e descrição dos significados dos ideofones Neste ponto, a partir das unidades lexicais alistadas no ponto (7.1), procede-se à identificação do(s) significados dos ideofones ainda na língua Changana, recorrendo aos diferentes contextos em que foram usados pelos falantes e onde for necessário 49 com a ajuda da análise componencial, pois entendemos que sem conhecer melhor os significados dos ideofones na LF não podemos descrevê-los com rigor na LA. Feita a identificação dos significados dos ideofones avança-se para a sua descrição. Se se tratasse de um dicionário bilingue geral, iríamos proceder à apresentação das vedetas, na LF e dos seus equivalentes, na LA. Mas sendo um dicionário de ideofones e considerando que os ideofones pertencem a uma categoria que o Português (LA) não possui, não será possível fornecer equivalentes imediatos dos ideofones dados em Changana, excepto em casos de alguns ideofones onomatopáicos, razão que nos fez recorrer ao mecanismo de explicações para fornecer os significados dos ideofones e ao uso de comentários nas glosas ou no material ilustrativo. E, com efeito, explicaremos assim o significado dos ideofones: 41. -chàchàchà id. de do ferver de coisas pouco espessas: muphungu wa n'wana wuri chàchàchà a papa da criança está a ferver [com a agitação e ruídos próprios de papas a fervem ao lume]. -ma id. de apertar : bawude riyo ma o parafuso está bem apertado; de ficar bem (a roupa): nkhancu wuyomu ma o vestido ficou-lhe a matar [como a uma modelo esbelta]. -tapsà id. de estar/ser flácido: pinewu la movha liyo tapsa o pneu do carro está flácido [como por exemplo a roda do carro com a câmara de ar arrebentada ou com pouco ar dentro câmara ou com pouco ar dentro]. A forma id. de é uma forma convencional de apresentar os significados dos ideofones cf. Nkabinde (1985), Sitoe (1991 e 1996), Ngunga (2004), Miti (2006), Matambirofa (2009), Nhampoca (2009), entre outros. E traduz-se em ideofone de... ou ideofone com o significado de.... mas também recorreremos a algumas expressões que irão 50 auxiliar a transmitir um significado o mais próximo possível do dos ideofones na LA, não apenas o significado lexical, “linguístico”, mas também e sobretudo o significado “sensorial”, dinâmico dos ideofones. Para isso as glosas e os comentários desempenham um papel crucial. No exercício de identificação dos significados dos ideofones em Changana verificamos que são muitas as vezes que encontramos que apresentam vários significados. Portanto, neste processo ocorre a polissemia, como podemos ver nos exemplos que se seguem: 42. -baà – este ideofone significa ser branco (a cor), mas não só, significa também ser/estar limpo; ser/estar claro, evidente, visível; estar vazio, portanto, o ideofone kubaà é polissémico, pois apresenta vários significados. Mas também ocorre a homonímia: 43. -mpfi - este ideofone significa pegar de surpresa, mas significa também estar demasiado cheio (um local, um recipiente, etc.). Os exemplos apresentados (42 e 43) mostram que a polissemia e a homonímia ocorrem no processo de identificação dos significados dos ideofones na LF. Para a identificação dos significados dos ideofones, onde ocorrem esses dois factores, é importante considerar o contexto em que o ideofone ocorre e ter também, um bom conhecimento da língua. 51 7.3. Verificação dos sentidos das unidades lexicais alistadas Depois de se alistarem as unidades lexicais e as suas respectivas explicações ou significados chega-se à fase da verificação. Esta seguirá os seguintes passos, adaptados de Sitoe (1991): a) Confrontação com dicionários anteriores Para o DICH temos como base de confrontação o dicionário Changana – Português, de (Sitoe:1996). Mas os contextos em que aparecem os ideofones recolhidos junto dos informantes foram também de grande validade. b) Verificação dos sentidos junto dos falantes nativos Esta verificação permite que o compilador de um dicionário consiga recolher o maior número possível dos sentidos de cada unidade lexical, como sustenta Sitoe (1991), ao afirmar que a verificação dos sentidos junto aos falantes tem por fim assegurar a cobertura de todos os sentidos importantes de cada unidade lexical. E para o caso do DICH, a verificação dos sentidos junto dos falantes nativos ajudar-nos-á a incluir o maior número possível dos sentidos dos ideofones que porventura possam ainda ter sido omitidos nos passos anteriores. Para o nosso DICH a verificação será feita junto de falantes nativos da língua Changana, mas iremos também nos beneficiar da introspecção, uma vez que somos falantes nativos da língua. 7.4. Selecção discriminação e hierarquização dos sentidos Este passo tem por finalidade estabelecer o número mínimo de sentidos de uma unidade lexical polissémica. (Sitoe:1991). Estes sentidos devem ser reconhecidos 52 como relevantes e distintos. Para tal, o compilador deve hierarquizá-los e sequenciálos. Há vários critérios para a hierarquização dos sentidos num dicionário, atendendo ao tipo e aos objectivos de cada dicionário. Dos vários critérios destacamos os seguintes: O critério histórico em que os sentidos são sequenciados em ordem cronológica do seu surgimento. O critério estatístico que considera o grau de frequência, na hierarquização dos sentidos. Para o DICH não recorreremos exclusivamente à um destes critérios, tendo em conta o que Sitoe (1991), afirma, nos seguintes termos: Não há um único sistema lógico ou epistemológico ao mesmo tempo eficaz e suficientemente detalhado para ser usado de modo inequívoco e exclusivo. Por vezes será também a experiência, o meio cultural e a intuição do compilador que dará o cunho pessoal ao tratamento das entradas Tendo como base a citação acima, para a hierarquização dos sentidos no DICH, recorreremos aos critérios estatístico e/ou histórico ou ainda à nossa intuição e introspecção. E ainda usaremos alguns símbolos que nos auxiliarão na discriminação e hierarquização de sentidos (cf. 7.4.1). Passamos a apresentar alguns exemplos que demonstram como é que uma mesma entrada pode ser apresentada de formas diferentes, em dois dicionários diferentes, dependendo dos objectivos do seu compilador, no que respeita a hierarquização dos sentidos. Trata-se do ideofone -mpfi. Vejamos qual é o tratamento que se dá a este ideofone em Sitoe (1996) e no DICH: 53 44. No Dicionário Changana – Português Sitoe (1996) -mpfi – id de estar completamente cheio. No DICH -mpfi¹ id. de estar demasiadamente cheio (como num comício bastante concorrido): xikolweni kuyo mpfi hi vajondzi na escola está completamente cheio de alunos. -mpfi² id. de pegar de surpresa (como p. e. a um fugitivo que é apanhado despercebido): maphoyisa matemu mpfi os polícias pegaram-no de surpresa. Um outro exemplo: 45. No Dicionário Changana – Português (Sitoe:1996) baà- 1. de ser branco. 2. de ser claramente visível, evidente. Mhàka yiyòbaà! O caso é bem evidente. 3. de estar completamente vazio. Svìtolo svitèbaà! As lojas estão completamente vazias. [cf. -bàsà]. No DICH -baa id.de (<-basa) de ser bem branco, branco branquinho (branco como a neve): Nixave buluza ya kubasa yiku baa comprei uma blusa bem branca, comprei uma blusa branca branquinha; de ser bem evidente (o assunto ou o problema): mhaka yiyo baà o caso é bem evidente; de estar bem claro (como em uma noite de luar): handle kuyo baà lá fora está bem claro; de estar completamente vazio: svitolo kuyo baà as lojas estão às moscas; de ser/estar bem limpo ou limpinho ( como a roupa perfeitamente lavada): mpahla ya mina yiyo baà a minha roupa está bem limpa ou a minha roupa está bem limpinha. 7.4.1 Símbolos usados para discriminação de sentidos A demonstração das várias vertentes relacionadas com a hierarquização dos sentidos dos ideofones, é feita através de alguns símbolos, que o próprio programa (Tshwanelex) que usamos para a elaboração do dicionário de ideofones já os tem 54 programados. Na apresentação dos sentidos partiremos do mais geral ao mais rebuscado e/ou especializado. No DICH, usar-se-ão os seguintes símbolos: a vírgula (,), o ponto e vírgula (;), os dois pontos (:) e números (algarismos árabes). Vírgula (,) De acordo com a programação do Tshwanelex, a vírgula separa sinónimos. Ou seja, de acordo com Sitoe (1991), “palavras com identidade comum de significado e que se podem substituir umas pelas outras como equivalentes aceitáveis para a entrada ou vedeta, embora por vezes possa haver contextos em que uma delas seja mais preferível que as outras”: 46. -bàhasàà id. de estarem dispersos, de estarem espalhados... -bèbu (<-bebula) id. de erguer (uma criança), de carregar (uma criança)... Nos exemplos acima, extraídos de dois verbetes, mostramos como é que a vírgula é usada para separar sinónimos na explicação dos significados dos ideofones em causa, onde temos, para o caso do ideofone bàhasàà, o primeiro significado: de estarem dispersos e o segundo: de estarem espalhados. Ponto e vírgula (;) O ponto e vírgula será usado para descriminar sentidos distintos de uma mesma entrada (polissemia): 55 47. -baa (<-basa) id.de ser bem branco, branco branquinho (branco como a neve): Nixave buluza ya kubasa yiku baa comprei uma blusa bem branca, comprei uma blusa branca branquinha; de ser bem evidente (o assunto ou o problema): mhaka yiyo baà o caso é bem evidente; de estar bem claro (como em uma noite de luar): handle kuyo baà lá fora está bem claro; de estar completamente vazio: svitolo kuyo baà as lojas estão às moscas; de ser/estar bem limpo ou limpinho ( como a roupa perfeitamente lavada): mpahla ya mina yiyo baà a minha roupa está bem limpa ou a minha roupa está bem limpinha. Algarismos arábes Os Algarismos arábes serão usados para descriminar ideofones homónimos: 48. -mpfi¹ id de estar demasiadamente cheio (como num comício bastante concorrido): xikolweni kuyo mpfi hi vajondzi na escola está completamente cheio de alunos. -mpfi² id. de pegar de surpresa (como p. e. a um fugitivo que é apanhado despercebido): maphoyisa matemu mpfi os polícias pegaram-no de surpresa. Dois pontos (:) Os dois pontos introduzem frases ou sintagmas ilustrativos, ou seja, sempre que se pretender dar um exemplo de ocorrência da unidade lexical que é vedeta, aparecerá, depois desta, o símbolo dois pontos (:). 49. -hlomè (< -hlomela) id. de espreitar (de uma forma fugaz): Mungoni ali hlome xipachini xa mamani wa yena o Mungoni espreita fugazmente dentro da carteira de sua mãe. -jàtà (< -jatama) id. de atirar-se abaixo, de saltar de cima para baixo: murhwali wa masaka ate jàtà hi le movheni o carregador de sacos saltou do carro para baixo. Como se pode verificar nos exemplos em (49), sempre temos o dois pontos a introduzir o material ilustrativo. 56 7.5. Organização dos verbetes Neste ponto mostramos como se apresenta um verbete, primeiro de uma forma geral, e em particular no dicionário de ideofones no Changana. Um verbete, de uma forma geral, apresenta os seguintes componentes: entrada ou vedeta, origem, informação gramatical, glosas ou rótulos, equivalentes e definições, material ilustrativo, subentradas e remissões e referências. Sitoe (1991). Os elementos enumerados no parágrafo anterior não são comuns a todos os dicionários, nem a todos os verbetes, mas existem os que são comuns a todos eles. Isto dependerá muito da natureza do ideofone a ser descrito num determinado verbete. Para o DICH teremos os seguintes componentes: 1) Entrada ou Vedeta; 2) Derivação 3) Equivalentes e/ou Explicações; 3) Glosas; 4) Material ilustrativo; 5) comentários; 6) Remissões e 7) Referências. 7.5.1. Entradas ou Vedetas São os ideofones que constituem as entradas e são apresentados em bold e estarão registadas em ordem alfabética. Para os casos em que temos dígrafos e trígrafos, bem como diacríticos, seguiremos a ordem alfabética da primeira letra que compõe cada um deles, apesar de se reconhecer, de acordo com Sitoe (1991), que constituem um único fonema. Vejamos os exemplos que se seguem: 50. -cwee id. de chiar (como os pneus dum carro no asfalto): mapinewu ya movha mali cwee ingi hi loko ulava kudiba os pneus do carro chiam como se ele estivesse para capotar. -wàà (<-wawamuka) id. de cair em cascata, em catadupa: mati moyendla hiku wàà a água cai em catadupa. [como se fosse uma cheia ou como se a água escapasse de uma conduta]. 57 -pshàndlà (< -pshandlasa/ka) id de cair no chão e ficar empapado (como p.e. uma papaia bem madura que cai no chão): payipayi pshandla! a papaia caiu e empapou-se. -psirrr id de do tocar do apito (como p.e. para anunciar o fim de uma partida de jogo de futebol):loko mphepho yiku psirr hi lesvaku xjogo yihelile quando o apito tocar o jogo terá terminado. -rhaxà id. de desdobrar (uma esteira, as pernas): holi rhaxà sangu utshama desdobra a esteira e senta-te ayo rhaxà milenge sentou-se dedobrando as pernas. Nos exemplos em (50) os ideofones cwee, -wàà, -pshàndlà, -psirrr e -rhaxà constituem as vedetas ou entradas. A vedeta juntamente com toda a informação que a acompanha constituem um verbete. A seguir o exemplo de um verbete: 51. -wàà (< -wawamuka) id. de cair em cascata, em catadupa: mati moyendla hiku wàà a água cai em catadupa [como se fosse uma cheia ou como se a água escapasse de uma conduta]. 7.5.2. Equivalentes e/ou Explicações Este ponto consiste na coordenação dos sentidos na LF com as da LA. Sitoe (1991). O DICH sendo um dicionário só de ideofones, e uma vez que já ficou claro que não é possível obter para todos os ideofones, equivalentes imediatos, sendo isso possível para alguns, sobretudo aqueles que imitam sons (as onomatopeias...), pelas razões já expostas, chegados a esta fase a nossa tarefa consistirá em apresentar as entradas na LF e fornecer as suas explicações na LA, recorrendo a estratégias para uma transmissão dinâmica do sentido dos ideofones. 7.5.3. Glosas As glosas indicam o mais concisamente possível e numa linguagem o mais simples possível as especificidades e as esferas de aplicação da entrada. Sitoe (1991). No DICH teremos também glosas que desempenharão efectivamente a função já descrita por este autor, ou seja, a informação que aparecerá nas glosas do nosso dicionário 58 auxiliará o usuário a perceber melhor o significado da unidade lexical descrita, bem como o seu contexto de uso e/ou a sua área de aplicação. As glosas aparecerão imediatamente depois da explicação, entre parênteses curvos, como podemos ver nos exemplos que se seguem: 52. -pee (< -pela/ta) id. de mergulhar (o sol e, por exemplo, algo num líquido)… -rhaxà id. de desdobrar (por exemplo, uma esteira, as pernas, etc.)… Em (52) temos dois exemplos de ocorrência de glosas. Na explicação do significado do ideofone pee temos, entre parênteses os sintagmas o sol e algo num líquido que constituem a glosa, dando a entender que, geralmente usa-se o referido ideofone com o sentido de pôr-do-sol ou quando algo mergulha num líquido. E o ideofone rhaxà apresenta como glosa os sintagmas uma esteira e as pernas o que significa que o seu significado é desdobrar, mas usado geralmente quando se desdobram uma esteira ou as pernas 7.5.4. Material ilustrativo O material ilustrativo refere-se a todos os tipos de exemplos que um dicionário apresenta e auxilia os usuários na percepção da informação contida nos verbetes. Os dicionários podem integrar exemplos vindos do levantamento de textos orais e escritos (citações) ou produzidos pelo lexicógrafo para casos específicos a ilustrar. o material ilustrativo pode ser um sintagma, uma frase gramaticalmente completa, uma expressão idiomática, um desenho ou uma fotografia. 59 Para o nosso dicionário, grande parte do material ilustrativo advirá de exemplos por nós produzidos (como falantes nativos do Changana) e também de extractos de textos recolhidos junto de falantes e em algumas vezes traremos alguns exemplos extraídos de Sitoe (1996). No DICH todos os exemplos estarão em itálico e serão seguidos pela respectiva tradução em Português e sempre que possível, por um comentário. Quanto ao tipo de material ilustrativo apresentaremos apenas sintagmas e frases, como ilustram os exemplos em (53 e 54): Sintagmas 53. -nkatlà id. de estar encaixado (firmemente): Nsimbi nkatla! ferro firmemente encaixado [como por exemplo um parafuso bem apertado]. -rhotlò id. de estar bem fechado à chave (como p.e. uma porta) xipfalu rhotlò a porta está bem fechada à chave. Os exemplos mostram os contextos em que se podem usar os ideofones -nkatlà e rhotlò inseridos em sintagmas. Frases 54. -bìbìbì id. de dar pancadas (como as do coração): Mbilu ya mina yo bìbìbì! o meu coração dá pancadas fortes! [como o coração de alguém muito amedrontando]… -dà id. de estar a descoberto: Mhaka yiyo dà! O problema está à vista!... Os exemplos em (54) mostram os contextos em que se podem usar os ideofones bìbìbì -dà inseridos em frases. 60 7.5.5. Comentários No campo de comentários apresentamos informação que reforça a compreensão do significado dos ideofones, quando para além da informação apresentada nas glosas, pretendemos reforçar a compreensão dos ideofones e para não sobrecarregar o campo da glosa Os comentários virão entre parêntesis rectos, logo a seguir ao metrial ilustrativo, como por exemplo: 55. -nkatlà id. de estar encaixado (firmemente) : Nsimbi nkatlà ferro firmemente encaixado. [como por exemplo um parafuso bem apertado]. No exemplo (55) temos um extracto de um verbete e se ilustra como se podem apresentar os comentários e nesse exemplo temos a expressão [como por exemplo um parafuso bem apertado], que é um comentário para reforçar a explicação do ideofone nkatlà. 7.5.6. Remissões As remissões aparecem num dicionário para remeter as formas complexas lexicalizadas, como por exemplo verbos extensos às suas formas canónicas. Sitoe (1991). No DICH os ideofones extensos não aparecerão como sub-entradas das suas formas canónicas, mas sim serão registados em separado e remetidos àquelas. Um exemplo: 56. -chukù (< -chukuvanya) id de se mexer, de se agitar, de se debater (como por exemplo uma pessoa ou um animal amarrado ou preso): muyivi lweyi abohiweke ali chukù o ladrão que foi amarado agita-se. -chukùchukù (< -chukuvanya) id de se mexer, de se agitar, de se debater (repetida e intensivamente): muyivi lweyi abohiweke ali chukùchukù o ladrão que foi amarrado agita-se. [como por exemplo um animal desesperado amarrado ou preso].cf. chukù -chukù-chukù (< -chukuvanya) id de se mexer, de se agitar, de se debater (pausadamente, repetida e intensivamente): muyivi lweyi abohiweke ali -chukù-chukù 61 o ladrão que foi amarrado agita-se. [como por exemplo um animal desesperado amarrado ou preso].cf. -chukù 7.5.7. Referências No capítulo das referências importa salientar que estas têm a função de coordenar variantes lexicais livres. Sitoe (1991). Essas variantes, em geral, localizam-se na posição final do verbete, entre parênteses curvos ou rectos e em itálico, precedidas da abreviatura cf. No dicionário esboçado por este trabalho essas variantes localizar-se-ão no fim do verbete com o qual se relacionam, entre parêntesis curvos e precedidas da abreviatura cf., como ilustra o exemplo que se segue: 57. -copè (<-copeta) id. (cf. tsopè). -tsopè (<-tsopeta) id. de pestanejar, de piscar os olhos (cf. copè). Usam-se também para coordenar sinónimos ou mais unidades lexicais que estabelecem relações semânticas entre si, desde que a natureza e os objectivos do dicionário o exijam. No DICH, por causa da existência de vários ideofones sinónimos, destaca-se o cruzamento de referências entre aqueles. Quanto à disposição, os sinónimos que se cruzam aparecem no fim do verbete, onde se encontra a abreviatura sn., que significa sinónimo, e por fim o ideofone sinónimo do que constitui a vedeta e sublinhado. 62 Exemplos: 58. -hojo (<-hojomela) id de cair (para dentro de): mbuti yite hojo xikheleni o cabrito caiu na cova/buraco sn. -ngolo. -psìripsà id de estar sujo (de qualquer coisa pegajosa): vatsongwana vayo psiripsa hi madaka as crianças estão sujas de matope sn. -psìtlì. 63 Capítulo VIII 8. Conclusões e recomendações 8.1. Conclusões Chegamos ao fim do nosso trabalho, um estudo com o seguinte título: Uma Proposta Metodológica para Compilação de um Dicionário de Ideofones no Changana. O trabalho tinha como objectivo apresentar propostas metodológicas para a compilação de um dicionário de ideofones no Changana e no fim apresentar uma amostra do futuro dicionário de ideofones do Changana. Feito o estudo, pensamos que atingimos os nossos objectivos, pois avançamos algumas propostas de tradução de ideofones do Changana para o Português e apresentamos no fim do nosso trabalho, uma amostra do DICH. Com o estudo concluimos que: Não é possível esgotar as nuances de um ideofone em todos os casos, devido ao anisomorfismo entre as duas línguas de trabalho, mas a experiência mostrou que, embora não seja possível para todos os ideofones, para os ideofones onomatopaicos é e, também se pode recorrer a estratégias que auxiliam no fornecimento dos significados dos ideofones na LA, como é o caso de instrumentos como glosas, comentários e outras expressões. Então, sendo assim, confirma-se a nossa segunda hipótese que dizia que por causa das diferenças culturais entre as duas línguas, nem sempre será possível esgotar as nuances dos ideofones, mas para alguns isso é possível. 64 Também concluímos que a estrutura do ideofone é a seguinte Ku + Radical Ideofónico. 8.2. Limitações do estudo No decorrer do nosso estudo deparamo-nos com as seguintes limitações: - Dificuldades na colocação dos tons nas palavras da língua Changana, apresentamos apenas os tons dos ideofones. Comprometemo-nos em aprofundar esta questão em estudos futuros. - Dificuldades em esclarecer se são os verbos que derivam de ideofones ou são estes que derivam daqueles. 8.3. Recomendações Como recomendação, gostaríamos de sugerir que mais estudantes e estudiosos se debruçassem sobre estudos de ideofones, nas línguas Bantu, não tratando apenas o tema aqui focalizado, mas sim de outros vários aspectos que têm a ver com ideofones, para que esta categoria seja, também conhecida pelos falantes das línguas Bantu e pelos estudiosos destes temas. De uma forma particular, gostaríamos também, de recomendar que em futuros estudos sobre ideofones, se aprofundasse a questão de verbos derivados de ideofones e viceversa, questão esta que não foi bastante analisada neste trabalho, uma vez que os seus objectivos apontavam para a metodologia de compilação do DICH. 65 Bibliografia Beck, D. (2005). Ideophones, Adverbs and Predicate Modifiers in Upper Necaxa Totonac. Departament of Linguistics, University of Alberta. Dicionário Universal da Língua Portuguesa. (2001). Maputo: Moçambique Editora. Doke, C. (1935). Bantu Linguistic Terminology. London: Longman. Hartmann, R. R. K. e James, G. (1998). Dictionary of Lexicography. London and New York: Routledge. Househoulder, F. W. e Saporta, S. (1967). Problems in Lexicography. Indiana: Indiana University. Instituto Nacional de Estatística. (2000). Situação Linguística de Moçambique. Maputo: Instituto Nacional de Estatística (INE). Kimeny, A. [s.d]. 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