A América Latina e a recuperação global desigual

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Texto preparado para apresentação
A América Latina e a recuperação global desigual:
Como administrar a abundância
por John Lipsky
Primeiro Subdiretor-Geral do FMI
III Fórum Econômico Internacional da América Latina e Caribe
Paris, 24 de janeiro de 2011
Boa tarde. É uma honra e um prazer estar aqui hoje e ter a oportunidade de comparecer a esta
estimulante conferência e me dirigir a este distinto público.
É especialmente gratificante participar desta análise de tão alto nível da evolução e das
perspectivas econômicas e financeiras da América Latina neste momento tão auspicioso.
Como já ouvimos diversas vezes hoje, com grande riqueza de detalhes, o futuro da América
Latina é extremamente promissor. Graças a uma conjuntura externa favorável e ao ritmo
vigoroso de expansão da atividade econômica, a região vive um momento de excepcional
abundância. Em especial, a confluência positiva da alta dos preços das commodities e da
ampla oferta de financiamento externo está ajudando a impulsionar o forte crescimento do
consumo e do investimento.
É óbvio que essas forças favoráveis também tornam mais complexos os desafios para a
gestão da política econômica. Afinal, não é raro ver uma fase de prosperidade chegar a um
final doloroso. Por isso, este período de abundância oferece perspectivas positivas, mas não
justifica uma atitude complacente.
Partindo desta combinação de abundância e desafios, gostaria de abordar as principais
tendências da economia mundial e seu efeito sobre a América Latina, além de discutir o
papel da região no processo necessário e decisivo de reequilíbrio da economia mundial.
Tendo em vista o foco de minhas observações, não tratarei dos temas e desafios específicos
com que se defrontam muitos países caribenhos, mas asseguro que o FMI mantém uma
relação muito próxima com os países da região. De fato, estamos organizando, com nossos
parceiros caribenhos, uma conferência de dois dias e um debate aberto a serem realizados
nesta semana em Barbados, para examinar em profundidade os desafios de política
econômica da região.
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O contexto latino-americano
Como todos sabem, a maioria dos países latino-americanos conseguiu resistir muito bem à
Grande Recessão de 2008-2009, tanto em comparação às outras regiões quanto em relação a
sua própria experiência no passado. A região não sofreu as profundas crises bancárias ou
crises de balança de pagamentos que se seguiram a outros episódios de tensão global. Graças
aos esforços anteriores para fortalecer os quadros de política, acumular reservas estrangeiras
e elevar a poupança pública, conseguiu-se reduzir a vulnerabilidade potencial e aumentar a
capacidade de resistência das economias da região.
O fortalecimento dos quadros de política verificado em muitos países incluiu, em muitos
casos, a adoção de metas de inflação e de regimes cambiais mais flexíveis, aliada à criação e
aplicação de regras de sustentabilidade fiscal ou da dívida. Nesses países, as autoridades
puderam adotar políticas anticíclicas eficazes para reagir à crise mundial, mesmo diante de
choques externos extremamente severos. Os sistemas financeiros nacionais também se
tornaram mais resistentes, em parte devido à expansão e melhor qualidade do capital e das
reservas de liquidez, do aprimoramento sistemático dos quadros regulatórios e de supervisão
e da melhor gestão de riscos.
É importante assinalar que a estabilidade macroeconômica da última década ajudou muitos
países sul-americanos a realizar avanços notáveis nos indicadores de bem-estar social e
humano. O fato de terem conseguido evitar grandes quedas nos níveis do produto durante a
crise mundial contribuiu para preservar as melhorias nas condições de vida e a redução da
desigualdade de renda que esses países haviam conquistado antes da crise. Isto assinala uma
nítida ruptura com o passado, quando esses ganhos muitas vezes eram obliterados por
recessões ou crises.
Contudo, um das lições mais importantes a extrair da Grande Recessão não é nova:
o momento ideal para reforçar os alicerces da política econômica de modo a prevenir
problemas ou resistir às pressões futuras é exatamente durante períodos de relativa
abundância e sólido crescimento. Creio que todos já devem ter se dado conta de que este é o
momento crucial para sustentar e prolongar o atual ciclo de reformas e avanços.
Perspectivas mundiais e desafios para a América Latina
A versão atualizada das previsões do FMI sobre a economia mundial, que será publicada
amanhã, indica que o crescimento global em 2011 será um pouco menor que a taxa de 4¾%
registrada em 2010. De certa forma trata-se de um número impressionante, considerando que
a taxa média anual de crescimento global em períodos de 10 e 20 anos é de cerca de 3½%. No
entanto, ao examinarmos mais de perto o desempenho das economias avançadas, o quadro é
menos animador.
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É inegável que as economias emergentes são os motores da expansão global pós-crise: a forte
demanda interna — impelida por uma política econômica acomodatícia e pela volta dos
fluxos de capital estrangeiro — está impulsionando uma recuperação bastante robusta e, em
certa medida, até estimulando as economias avançadas. Em lugar do desafio de retomar os
níveis do produto anteriores à crise — como é o caso de quase todas as economias avançadas
— a preocupação mais imediata das economias emergentes é com o risco de
superaquecimento e de uma consequente “aterrissagem forçada”.
Os preços elevados das commodities e a alta dos preços dos alimentos tornam o quadro ainda
mais complexo, pois já se verifica uma aceleração da inflação e das expectativas
inflacionárias. De fato, em muitas economias emergentes, a inflação global já está acima da
meta. Alguns bancos centrais parecem dispostos a aceitar o aumento temporário da taxa de
inflação (mediante a ampliação das bandas fixadas em torno da meta), enquanto outros países
precisam alterar imediatamente o curso das políticas para manter um ritmo sustentável de
expansão. Em muitos casos, será preciso agir no tempo certo para retirar as políticas de
estímulo macroeconômico e impor medidas prudentes contrárias às tendências para impedir o
acúmulo de desequilíbrios internos.
Em contrapartida, na maioria das economias avançadas, a expansão prossegue a um ritmo
apenas moderado; em muitos países, o crescimento é frágil demais para produzir uma
redução significativa do desemprego. O hiato do produto é grande e os balanços das famílias
e dos bancos ainda estão vulneráveis, o que dificulta a expansão do crédito e da demanda
privada.
Além disso, apesar do ritmo relativamente robusto de crescimento mundial, a expansão ainda
está sujeita a riscos não triviais de deterioração da conjuntura, entre os quais figuram:
1) dúvidas quanto aos vínculos entre as tensões financeiras e a sustentabilidade fiscal —
sobretudo na zona do euro — que podem abalar as bases do crescimento; 2) a falta de
progressos, em muitas economias avançadas, na formulação de planos convincentes de
consolidação fiscal de médio prazo, o que pode minar a confiança e provocar o aumento das
taxas de juros de longo prazo, e 3) a alta dos preços das commodities e dos alimentos, que
pode pôr em risco a estabilidade macroeconômica e gerar tensões políticas e sociais nos
países em desenvolvimento. Não menos preocupantes seriam os sinais de enfraquecimento da
cooperação mundial que caracterizou a reação inicial à crise, pois isto agravaria os riscos.
Diante desse quadro positivo porém ainda complexo, as economias avançadas não têm muita
margem de manobra para acelerar o crescimento por meio de alterações no curso das
políticas macroeconômicas internas. Nos Estados Unidos, embora os dados recentes e as
novas iniciativas de política econômica levem a crer que em 2011 o crescimento ficará um
pouco acima das previsões, os agentes do mercado financeiro aguardam sinais de surgimento
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de um consenso político sobre a consolidação fiscal de médio prazo. Outros países esgotaram
a margem de expansão fiscal ou estão sendo impelidos a apertar a política orçamentária
imediatamente devido às pressões dos mercados financeiros. Nesse contexto, as políticas
monetárias acomodatícias adotadas pelas economias avançadas até esta altura têm sido
acertadas e positivas.
Os preços de algumas commodities estão próximos de atingir marcas históricas. Isso reflete,
em parte, dificuldades de curto prazo na oferta ou produção de certos produtos agrícolas.
Contudo, o fator preponderante é o crescimento vigoroso das principais economias asiáticas,
nas quais o uso intensivo de commodities está em ascensão e o aumento da demanda superou
a expansão da oferta no curto prazo. Embora trate-se de um fato em geral positivo para várias
economias latino-americanas, isto também complica as decisões de política monetária e a
gestão macroeconômica em toda a região.
Próximos passos: a busca de uma solução mundial
Esta descrição das principais tendências e riscos para as perspectivas mundiais leva à
conclusão quase inevitável de que a formulação e a aplicação coerente e oportuna de
iniciativas de política econômica para reequilibrar o crescimento mundial e reduzir a
vulnerabilidade do setor financeiro serão essenciais para sustentar a expansão global.
Em outras palavras, o que precisamos hoje é de uma abordagem multilateral e cooperativa
para a formulação da política econômica, que ofereça possibilidades concretas de alcançar
resultados positivos para todos.
O poder e a possível eficácia da cooperação global foram amplamente demonstrados durante
a fase mais aguda da crise de 2008-2009. As manchetes recentes, por outro lado, refletem o
ceticismo de muitos analistas quanto à capacidade do G-20 de produzir resultados quando
não há sinais de perigo iminente e comum. A minha opinião é definitivamente mais positiva.
O processo global de cooperação política ainda está vivo e atuante, embora as características
de uma recuperação desigual o tornem muito mais complexo e desafiador.
De fato, o estouro da crise motivou os líderes do G-20 a criar um novo marco de cooperação
internacional, capaz de produzir uma abordagem inédita e valiosa para a formulação de
políticas econômicas e financeiras coerentes no plano internacional. Em termos concretos,
o “marco para um crescimento sólido, sustentável e equilibrado” dos líderes do G-20
representa um processo multilateral pelo qual os países desse grupo — entre eles Brasil,
México e Argentina ― definiram objetivos gerais para a economia mundial e políticas
específicas para atingi-los.
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Os líderes do G-20 também se comprometeram a adotar um “Processo de Avaliação Mútua”
para monitorar os avanços no cumprimento dos objetivos comuns. Cabe aos funcionários do
FMI prestar apoio técnico e analítico a esse processo, com a contribuição de outros
organismos internacionais em questões relativas aos mercados de trabalho e de produtos,
mercados financeiros e comércio internacional. Um dos primeiros resultados desse processo
é um conjunto de compromissos de política de cada integrante do G-20 que foi divulgado em
novembro de 2010 durante a Cúpula de Seul. No momento, um grupo de trabalho sobre o
marco do G-20 está elaborando um programa concreto para dar continuidade a este
processo, em linha com os compromissos estipulados na Declaração de Seul.
Quais são as políticas efetivamente necessárias no curto prazo?
Para as economias avançadas, a tarefa mais urgente é acelerar a reabilitação e reestruturação
dos sistemas financeiros e adotar planos de consolidação fiscal convincentes. Até que o
crescimento comece a reduzir a ampla margem de capacidade ociosa— e enquanto a inflação
não representar um problema para as economias avançadas — é natural que os bancos
centrais mantenham uma política econômica acomodatícia.
Por outro lado, as economias emergentes precisam continuar atentas ao risco de
superaquecimento, mesmo enquanto tiram proveito das baixas taxas de juros internacionais e,
em alguns casos, do forte aumento das receitas de exportação de commodities. Acima de
tudo, muitos países terão que recalibrar as políticas macroeconômicas para que a demanda e
a produção não superem os recursos disponíveis. Do contrário, aumentará rapidamente o
risco de um ciclo clássico de expansão e retração.
A reorientação de parte da demanda interna para as importações beneficiaria os países com
grande superávit na conta corrente. Já os países com déficits externos, como é o caso de
muitos na América Latina, precisarão zelar para que o aumento da demanda interna
permaneça dentro de margens sustentáveis. E todos terão que se manter atentos a possíveis
focos de vulnerabilidade no setor financeiro e ao risco de aumentos excessivos dos preços
dos ativos. Essas políticas naturalmente ajudariam a apoiar o crescimento da América Latina,
mas também contribuiriam para uma redução duradoura dos desequilíbrios globais.
Colhendo os benefícios da entrada de capitais
Nesse contexto multilateral, os fluxos de capitais dirigidos aos mercados emergentes
estiveram no foco das discussões públicas em 2010, o que não causa surpresa: nos doze
meses até setembro de 2010, as economias emergentes da América Latina e da Ásia
receberam mais fluxos líquidos de capitais do que em qualquer dos últimos dez anos.
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É óbvio que essa experiência recente tem que ser analisada dentro do contexto correto.
Em primeiro lugar, deve-se salientar que o rápido crescimento dos fluxos de capitais é um
reflexo da recuperação após a parada súbita verificada na sequência da crise. Em segundo
lugar, e talvez até mais importante, considerando as perspectivas de crescimento vigoroso e
sustentado nas economias emergentes — e reconhecendo que, no longo prazo, os ativos
dessas economias continuam a ter participação reduzida nas carteiras de investimento
institucional das economias avançadas — é fácil concluir que a forte entrada de capitais nos
mercados emergentes será uma característica estrutural dos mercados financeiros globais por
muitos anos.
De fato, essa perspectiva de fluxos sustentados de capitais é um sinal de confiança na
probabilidade de crescimento vigoroso das economias emergentes. A esses fatores mais
fundamentais também pode-se acrescentar o retorno excepcionalmente baixo nos mercados
de títulos das economias avançadas e as políticas monetárias acomodatícias adotadas por
essas economias.
Uma implicação chave dessa evolução dos acontecimentos é que as economias emergentes
terão que absorver de maneira eficaz não apenas a recuperação da entrada de capitais no
curto prazo, após a interrupção verificada em 2008-2009, mas também o aumento tendencial
desses fluxos nos próximos anos. Essa perspectiva — assim como outros fatos recentes —
encerra vantagens óbvias mas também desafios. Colher os possíveis benefícios requer a
implementação de uma série de reformas estruturais, tais como medidas para desenvolver e
aprofundar os mercados financeiros e eliminar persistentes obstáculos ao aumento da
produtividade. Tomadas em conjunto, essas medidas reforçarão o crescimento potencial e
ajudarão as economias a absorver o capital estrangeiro de uma forma mais eficiente e eficaz.
Felizmente, a atual conjuntura oferece aos países uma excelente oportunidade de atacar essas
questões fundamentais, cuja solução seria muito mais difícil em outras fases do ciclo
econômico.
No curto prazo, porém, é evidente que a entrada de capitais nas economias emergentes está
contribuindo para o aumento da demanda interna, que já está aquecida. Embora em alguns
casos isso ajude a promover um rebalanceamento positivo entre demanda externa e interna,
em outros casos a forte entrada de capitais poderia concorrer para o superaquecimento e para
desequilíbrios no setor financeiro — como reflexo, por exemplo, do descasamento de moedas
ou do crescimento excessivo do crédito, ou mesmo de saltos nos preços dos ativos.
Um terceiro risco potencial ligado à entrada de capitais tem atraído muita atenção na
América Latina: o risco de que esses fluxos tenham um impacto negativo sobre o produto,
caso gerem uma forte valorização da taxa de câmbio. Embora esse tópico domine as
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manchetes, é pouco provável que ele represente um problema para a América Latina no curto
prazo, uma vez que a queda da demanda agregada não é um tema que preocupa a região neste
momento. E se isso mudar, o problema poderia ser resolvido com relativa facilidade
mediante a adoção de uma política monetária mais expansiva.
A falta de equilíbrio macroeconômico e financeiro poderia ser problemática, sobretudo para
as economias emergentes com déficits na conta corrente externa, pois uma parada súbita dos
fluxos de capitais, por qualquer motivo, poderia acarretar uma redução brusca da demanda.
Para neutralizar o risco de instabilidade macroeconômica e financeira, a recomendação geral
para todas as economias emergentes é atuar em diversas frentes, sem esquecer que deve-se
dar tempo para que os efeitos de um aumento permanente dos fluxos de capitais se estendam
à economia como um todo, potencializando seus benefícios de longo prazo.
É fundamental utilizar as ferramentas básicas da política macroeconômica — as políticas
fiscal, monetária e cambial — para apoiar o crescimento equilibrado. As medidas apropriadas
de política variam de um país para outro, mas possivelmente conteriam alguns dos seguintes
elementos:
•
Medidas para absorver o impacto dos fluxos de capitais utilizando a flexibilidade
cambial ― a menos que a taxa de câmbio já esteja claramente sobrevalorizada ―
e, possivelmente, a intervenção bem direcionada no mercado cambial. É importante
reconhecer que parte da valorização esperada caracteriza uma situação de equilíbrio e
exprime o êxito e o grau de maturidade da economia. Além disso, a flexibilidade
cambial deve reduzir os incentivos ao excesso de fluxos especulativos ao eliminar o
espaço para as apostas unilaterais.
•
Ajustar o mix de políticas fiscais e monetárias mediante a adoção de políticas
fiscais contracionárias para manter um ritmo sustentável de crescimento da demanda
e, se as condições o permitirem, baixar as taxas de juros de referência. Isso seria
ainda mais necessário caso o estímulo fiscal anterior ainda não tenha sido totalmente
revertido. A atual conjuntura favorável oferece uma oportunidade única para os
países que precisam de um ajuste fiscal fundamental.
Para além da reação macroeconômica, há outras medidas que poderiam ser vantajosas:
•
Fortalecimento das medidas prudenciais no sistema financeiro, como por exemplo
o aumento da relação empréstimo/valor para moderar a expansão acelerada do setor
imobiliário, ou a imposição de restrições à composição do financiamento para fazer
face ao crescimento muito rápido da intermediação bancária da entrada de capitais.
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•
Em alguns casos, o uso de controles de capital também seria considerado como
parte do instrumental de políticas, mas não como substituto das medidas
macroeconômicas e prudenciais necessárias.
•
Naturalmente, as reformas estruturais — que incluem o desenvolvimento do setor
financeiro — contribuirão para ampliar o potencial de crescimento e aumentar a
resistência a choques. De fato, essas reformas representam um aspecto essencial do
programa de políticas que constitui o marco do G-20.
A América Latina é diferente?
É normal perguntar se essas políticas podem surtir efeito na América Latina. Afinal, a
maioria dos países latino-americanos apresenta diferenças marcantes em relação a outros
mercados emergentes, tais como:
•
As contas de capitais são consideravelmente mais abertas, o que torna esses países
suscetíveis a aumentos súbitos dos fluxos de capitais.
•
Os quadros de política permitem um grau elevado de flexibilidade cambial, em
ambas as direções. A contrapartida dessa flexibilidade é o espaço reduzido para
recorrer à intervenção no mercado cambial e ao acúmulo de reservas.
•
Os saldos da conta corrente apresentam déficits — em contraste a algumas das
principais economias asiáticas. Além disso, tem-se observado ultimamente uma
deterioração das contas correntes — apesar do aumento de receitas das commodities
— uma vez que em 2010 a demanda real interna cresceu a um ritmo muito mais
rápido que o produto. Nesse sentido, as economias latino-americanas têm muito
menos espaço para permitir o enfraquecimento da conta corrente.
A América Latina terá que evitar o acúmulo de excessos financeiros e a forte expansão
da demanda ― que foram fatores críticos nos episódios anteriores de expansão e retração e
ainda constituem graves ameaças. Em termos gerais, convém:
Tirar proveito da maior flexibilidade cambial da região para não incentivar a entrada
temporária de capitais, e se ajustar ao aumento de receitas das commodities. O Canadá e a
Noruega seriam bons exemplos a seguir nessa área. A experiência internacional mostra que a
expansão da demanda é menos intensa quando o câmbio é mais flexível. De fato, até mesmo
um ajuste temporário excessivo da taxa de câmbio poderia ser parte da solução ao possível
problema dos surtos temporários de capitais. É importante lembrar que os fluxos de capitais
são impulsionados por fatores estruturais, e estes implicam um certo grau de valorização real
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de equilíbrio. A resistência acirrada a esse ajuste infelizmente é uma reação comum que leva
ao ajuste excessivo da taxa de inflação e à maior volatilidade econômica.
Evitar que a política fiscal alimente a expansão desenfreada da demanda. Antes de mais
nada, é importante reverter o estímulo fiscal anterior à medida que se fecha o hiato do
produto, passando de uma orientação fiscal expansionista para uma orientação pelo menos
neutra. O Brasil, por exemplo, conhece muito bem esse tipo de problema. Nesse contexto, ao
avaliar a necessidade de ajuste fiscal, será preciso levar em conta o impacto das atividades
parafiscais, inclusive no tocante à atuação dos bancos de desenvolvimento estatais. Uma
opção seria limitar o crescimento dos gastos ao aumento das receitas estruturais, sem
considerar os ganhos temporários vinculados às fases de expansão.
Fortalecer e desenvolver novas políticas macroprudenciais. Nessa área, eu e meus colegas
do Fundo recomendamos a ação imediata, sem esperar que desponte um consenso global para
elaborar diretrizes sobre as políticas ótimas. De fato, é possível obter bom resultados a partir
da experiência adquirida por outros países. Vários países latino-americanos — como Brasil,
Colômbia e Peru — já instituíram regras que devem contribuir para amortecer o ciclo de
crédito, como o provisionamento dinâmico ou cíclico. Se necessário, os países podem
reforçar as regras relacionadas à natureza e às fontes de financiamento do sistema bancário
interno.
A América Latina na economia mundial
Espero que minhas observações tenham sido claras e concretas. A América Latina
demonstrou uma capacidade de resistência admirável durante a crise, e merecidamente
desfruta de oportunidades fascinantes. Ao mesmo tempo, é preciso saber conduzir com
cautela esta fase de abundância. A principal tarefa das autoridades será garantir que os
benefícios do atual período de receitas elevadas de commodities e farto capital estrangeiro se
traduzam em ganhos de longo prazo, enquanto continuam a fortalecer as defesas contra
choques externos.
Passando ao contexto mundial, é justo dizer que a América Latina está contribuindo para o
reequilíbrio global, uma vez que a demanda interna está crescendo a um ritmo que supera até
o seu próprio produto. Contudo, o que quer que faça a América Latina, seu esforço isolado
não será suficiente para alcançar a meta de um crescimento global sólido, sustentável e
equilibrado. Como já mencionei, o mínimo necessário para atingir essas metas mundiais é
uma abordagem multilateral coerente. O processo de avaliação mútua e o marco do G-20
podem servir como eixo da atuação. Eu e meus colegas do Fundo esperamos continuar a
colaborar com todos os países membros latino-americanos para garantir que as oportunidades
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extraordinárias da atualidade sejam aproveitadas e produzam resultados duradouros. O
momento de agir é agora.
Muito obrigado pela atenção.
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