Abordagem da Dor Crônica Aspectos-chave: Significado biológico da dor crônica Atualizações da neurociência na compreensão da dor e implicações para prática clínica Formas para Mensuração e Tratamento da Dor Crônica Principais itens do arsenal farmacológico e não-farmacológico Compreensão do fenômeno O fenômeno da dor, segundo Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP), é definido como “uma experiência sensorial e emocional desagradável que é descrita em termos de lesões teciduais, reais ou potenciais. A dor é sempre subjetiva e cada indivíduo aprende e utiliza este termo a partir de suas experiências anteriores”.1 Já a definição da dor crônica é “aquela que persiste além do tempo razoável para a cura de uma lesão”1 sendo também compreendida como aquela associada a processos patológicos crônicos, que causam dor contínua ou recorrente com duração igual ou superior a seis meses, ainda conforme preconizado pela IASP. No entanto, a classificação de cronicidade tem sido correlacionada não apenas ao tempo de duração, mas também à inabilidade do corpo em curar a disfunção ou lesão que é a causa da dor. A lesão associada à dor crônica pode ultrapassar a capacidade do organismo em curá-la, ou o dano pode ocorrer de tal forma que impede o sistema nervoso de restabelecer seu estado normal.2 Abordagem biopsicossocial: Modelo da Orquestra Existem várias formas de compreensão de um fenômeno e elas apóiam os profissionais de saúde a basear o seu trabalho. No caso da dor, o chamado Modelo da Orquestra a considera como sendo resultante da combinação, que O referido texto é de autoria Dr. Fábio Luiz Vieira e foi encaminho para revisão e aprovação dos organizadores do Tratado de Medicina de Família e Comunidade (Ed. Artmed) e será publicado em breve. Deste modo, sua reprodução somente é permitida com autorização expressa do autor por meio dos contatos abaixo. CENTRO DE ATENÇÃO EM DOR www.atencaoemdor.com.br – [email protected] - Tel: (11) 3711-4786 ocorre em muitas partes do cérebro, dos processos dos tecidos com os processamentos das mensagens de perigo. Tal modelo permite o reconhecimento das chamadas indiretas de ignição como parte da experiência da dor. As indiretas de ignição como o medo, as memórias e as circunstâncias são entendidas como impulsos nervosos que têm conseqüências eletroquímicas no cérebro, assim como os estímulos dos tecidos lesados que causam também conseqüências eletroquímicas. 3 A metáfora com o Modelo da Orquestra se relaciona com a situação em que o complexo sistema de percepção da dor toca uma melodia harmoniosa, de forma que os distintos estímulos produzidos são integrados equilibradamente. No caso da dor crônica, alguns estímulos passam a ser amplificados e outros ficam reduzidos e a música passa a ser tocada de forma desarmônica. A dor como sinal de alarme A visão tradicional do fenômeno doloroso, a qual usuários e profissionais de saúde têm sido fortemente expostos, pressupõe uma compreensão ainda linear da transmissão do estímulo que se inicia com o disparo do impulso nervoso. Este se origina de um dano tecidual que é ocasionado por trauma ou inflamação, segue pelos nervos periféricos, pela medula espinhal e, finalmente, é identificado no cérebro. Esse modelo de compreensão tem como pressuposto a correlação direta da dor com lesão tecidual real. A propedêutica, e também a maior parte da terapêutica médica utilizada para controle da dor pautaram-se, nas últimas décadas, nesse modelo de compreensão. No entanto, essa correlação entre dor e lesão tecidual não tem se confirmado como regra pela neurociência moderna, uma vez que o entendimento da dor pode também estar relacionado a um cenário que é interpretado pelo sistema nervoso a partir de uma lesão tecidual potencial, e não apenas aquela que é real. O entendimento do fenômeno doloroso como expressão de um dano potencial, e não apenas real, do organismo envolve elementos que vão desde a biologia O referido texto é de autoria Dr. Fábio Luiz Vieira e foi encaminho para revisão e aprovação dos organizadores do Tratado de Medicina de Família e Comunidade (Ed. Artmed) e será publicado em breve. Deste modo, sua reprodução somente é permitida com autorização expressa do autor por meio dos contatos abaixo. CENTRO DE ATENÇÃO EM DOR www.atencaoemdor.com.br – [email protected] - Tel: (11) 3711-4786 molecular até a representação homuncular e a cognição do indivíduo. Este conhecimento pode ser considerado uma ferramenta importante na abordagem da dor pelo médico de família em um ambulatório de atenção primária. Importante ressaltar que o médico de família e comunidade em boa parte dos centros formadores no Brasil ainda tem sua formação profissional em dor pautada fortemente pela abordagem de outros especialistas de áreas como a ortopedia, reumatologia e neurologia. A questão que se coloca é que parte considerável dessas especialidades muitas vezes tem em sua demanda um perfil selecionado de usuários que atingem essa altura da pirâmide de atenção por ter achados próprios de síndromes dolorosas com envolvimento claro de lesão tecidual. No entanto, é importante considerar que a demanda com dor crônica em um ambulatório de atenção primária tem perfil que difere desse anteriormente descrito por se localizar na porta de entrada do sistema de saúde. Nesse nível de atenção, misturam-se casos com componente claro de lesão tecidual, dos quais parte terá indicação para acompanhamento por outras especialidades médicas e também casos em que não se localiza claramente tais lesões. Essa última clientela, sob a perspectiva da moderna neurociência, parece ter o componente do fenômeno doloroso relacionado a uma interpretação de potencial lesão identificada pelo sistema de alarme do organismo, e não propriamente de lesão real. A compreensão desse mecanismo, freqüentemente presente nas síndromes dolorosas crônicas, é de relevância capital já que, muitas vezes, esse grupo de usuários serão tratados e acompanhados por profissionais na atenção primária. Deste modo, a dor pode ser compreendida como expressão de um sofisticado sistema de alarme projetado para avisar o cérebro sobre quando o organismo está em perigo. 3 Esse sistema tem gerado, graças a mal entendidos, vários mitos em portadores de dor crônica, assim como em profissionais de saúde. Desta forma ocorrem interpretações equivocadas de que a dor de determinadas pessoas é “psicológica”, e muitas vezes explicada por benefícios secundários à doença - familiares ou trabalhistas. Este equívoco é corroborado O referido texto é de autoria Dr. Fábio Luiz Vieira e foi encaminho para revisão e aprovação dos organizadores do Tratado de Medicina de Família e Comunidade (Ed. Artmed) e será publicado em breve. Deste modo, sua reprodução somente é permitida com autorização expressa do autor por meio dos contatos abaixo. CENTRO DE ATENÇÃO EM DOR www.atencaoemdor.com.br – [email protected] - Tel: (11) 3711-4786 pelo fato de que, diante desses casos, a correlação do fenômeno doloroso com uma lesão tecidual não é esclarecida pela prática clínica. Sendo assim, um dos principais objetivos desse capítulo é fornecer elementos para a abordagem e compreensão da dor crônica de forma mais integrada no nível da atenção primária sob a luz dos princípios da neurociência. Nesse intuito de compreensão da dor crônica em vários pontos desse capítulo será utilizada uma categoria de dor crônica que é a lombalgia baixa. No entanto, não é objetivo nessa seção a abordagem de todos seus aspectos mais relevantes e seu manejo clínico, o que é tema de outro capítulo desse Tratado, mas sim apenas fazer uso da mesma como um modelo para discussão da dor crônica. O que pode ocasionar Componentes nociceptivo e neuropático da dor crônica A abordagem mais moderna da neurociência entende o fenômeno da dor suscitado de forma mista por dois componentes: um chamado de nociceptivo – relacionado à lesão dos tecidos, e outro chamado de componente neuropático relacionado a problemas nas vias de condução, interpretação e modulação do impulso da dor pelo sistema nervoso. Tais componentes normalmente são mistos na maioria das dores, mas com predomínio de um deles em determinados casos, sendo que a importância da distinção entre os mesmos está na marcante diferença das respostas em relação aos fármacos utilizados para analgesia que um quadro de desconforto predominantemente neuropático pode apresentar em relação a predominantemente nociceptivo. outro 2 O chamado componente nociceptivo é bastante conhecido na prática médica, sendo o foco principal da preocupação dos usuários e da maior parte dos profissionais de saúde atualmente. O referido texto é de autoria Dr. Fábio Luiz Vieira e foi encaminho para revisão e aprovação dos organizadores do Tratado de Medicina de Família e Comunidade (Ed. Artmed) e será publicado em breve. Deste modo, sua reprodução somente é permitida com autorização expressa do autor por meio dos contatos abaixo. CENTRO DE ATENÇÃO EM DOR www.atencaoemdor.com.br – [email protected] - Tel: (11) 3711-4786 Esse componente nociceptivo está relacionado com os danos nos tecidos como, lesões musculares, ósseas, de ligamento que geram inflamação na região acometida e conseqüentemente dor local, caracterizada como dor profunda, em pontadas ou pancadas. Tem duração limitada e tende a um processo de cicatrização e remodelação com subseqüente redução do componente inflamatório. No entanto, se o processo de inflamação local tem duração limitada, por que em alguns casos a dor aumenta e se cronifica e não reduz juntamente com a diminuição do processo inflamatório, mesmo não havendo degeneração local? A resposta para essa questão sobre a cronificação da dor tem sido encontrada exatamente no outro fator gerador do fenômeno doloroso, que é o componente neuropático. A dor associada aos tecidos, que deveria diminuir com a progressão dos processos de cicatrização nesses casos passa a ocorrer por um funcionamento desordenado do sistema nervoso e persiste por mais tempo. Nessas situações muitas vezes não há melhora significativa com o uso de medicamentos, como os anti-inflamatórios e analgésicos que agem fundamentalmente no componente da nocicepção. Segundo Serrano e colaboradores2 a característica clássica da dor de predomínio neuropático inclui a sensação de queimação constante ou intermitente, pontadas ou choques, incluindo também alguns sintomas físicos que podem incluir respostas exageradas a estímulos dolorosos (hiperalgesia) ou uma percepção aberrante da dor como resposta a um estímulo inócuo e que geralmente seria percebido como indolor (alodinia). A dor gerada pelo funcionamento inadequado do sistema nervoso pode ser exemplificada pelo raciocínio, previamente citado, que o organismo é dotado de um sistema de alarme para identificação de potenciais ameaças para o corpo. Na dor crônica ocasionada por um componente neuropático esses alarmes estão sensibilizados e disparam com muito mais facilidade do que em uma pessoa sem dor. Utilizando uma metáfora, salvaguardada a ressalva da O referido texto é de autoria Dr. Fábio Luiz Vieira e foi encaminho para revisão e aprovação dos organizadores do Tratado de Medicina de Família e Comunidade (Ed. Artmed) e será publicado em breve. Deste modo, sua reprodução somente é permitida com autorização expressa do autor por meio dos contatos abaixo. CENTRO DE ATENÇÃO EM DOR www.atencaoemdor.com.br – [email protected] - Tel: (11) 3711-4786 comparação mecanicista, o fenômeno poderia ser comparado ao alarme de um carro que dispara ao mínimo movimento do veículo ou ao contato leve em uma das partes do carro. Na verdade, não existe nenhum dano ao carro, mas seus alarmes, por estarem desregulados, dispararam facilmente, chamando a atenção sem que o carro esteja efetivamente sendo roubado. A pessoa com dor crônica pode muitas vezes não apresentar uma lesão tecidual ou ter uma lesão pequena, mas mesmo assim, seus sistemas de alarme da dor disparam descontroladamente chamando atenção e muitas vezes fazendo o indivíduo entender que algo grave se passa naquela situação. Nesse estado sensibilizado a informação que chega ao sistema nervoso central não reflete mais o real estado de saúde e habilidade dos tecidos, mas estão amplificadas e, deste modo, avisando o cérebro que há mais “perigo” nos tecidos do que realmente existe. Em conclusão, o tratamento da dor crônica, sob a luz da visão mais moderna de neurociência, deve abranger tanto o componente nociceptivo e o neuropático bem como envolver o entendimento e a forma com que o usuário lida com sua própria condição. O que a compreensão moderna de dor acrescenta a rotina clínica? A evolução do modelo de compreensão da dor, que vai da simples transmissão linear de estímulo nervoso, a partir de uma lesão tecidual, para o atual modelo que entende o fenômeno como um produto da integração de diversos sistemas do organismo diante de uma interpretação de potencial lesão, não se trata simplesmente de uma discussão conceitual, mas traz elementos importantes para a prática clínica diária. A idéia de que a dor se inicia sempre com uma lesão de tecido fez com que a abordagem clínica do fenômeno se concentrasse na busca da localização desse processo patológico, por meio do exame físico, e também por meio de exames complementares, no caso da dor crônica, com provas reumatológicas, exames funcionais e de imagem. O referido texto é de autoria Dr. Fábio Luiz Vieira e foi encaminho para revisão e aprovação dos organizadores do Tratado de Medicina de Família e Comunidade (Ed. Artmed) e será publicado em breve. Deste modo, sua reprodução somente é permitida com autorização expressa do autor por meio dos contatos abaixo. CENTRO DE ATENÇÃO EM DOR www.atencaoemdor.com.br – [email protected] - Tel: (11) 3711-4786 O que tem se mostrado freqüente em casos de dor crônica é a ocorrência da busca incessante de lesão que explique a presença de dor e para o esclarecimento do diagnóstico. Tal busca, muitas vezes infrutífera, pode ser geradora de um alto grau de ansiedade e frustração tanto para o médico quanto para a pessoa. Além disso, esse comportamento é, em muitas ocasiões, gerador de gasto desnecessário de recursos do sistema de saúde com longas filas de espera para a realização de exames em excesso e ainda mais ansiedade pelo doente não conseguir acesso aos recursos diagnósticos. Soma-se a essa ansiedade, do não acesso a recursos diagnósticos e/ou do não esclarecimento diagnóstico, o aumento do risco de catastrofização, definida como percepção errônea pela pessoa de sinais corporais não patológicos como sinal de doença grave constituindo-se como má adaptação psicológica a dor que leva a uma intensificação da experiência dolorosa, sensações de desamparo, maior incapacidade funcional e a dificuldade de desconectar-se da sensação dolorosa, ocorrendo um aumento desproporcional dos pensamentos. 4 Tal fenômeno que já é bastante freqüente no portador de dor crônica pode ser exacerbado pela ansiedade da solicitação de exames e pela dificuldade de acesso a tais recursos, exatamente pela configuração de um terreno fértil para o crescimento de fantasias acerca do diagnóstico que esclareça a sintomatologia da pessoa. Como exemplo claro dessa situação pode ser citada a abordagem diagnóstica da lombalgia não-específica, em que atualmente grande parte das diretrizes internacionais não indica quaisquer exames de imagem na abordagem inicial, caso não haja nenhum sinal de alerta. Koes e colaboradores5 revisaram 15 guidelines internacionais e concluem que nenhum deles recomenda o uso de exames de imagem como rotina na primeira visita de uma pessoa com queixa de lombalgia não-específica caso não seja identificado sinal de alerta de doença grave que incluem, por exemplo, a idade do início do sintomas (<20 ou >55 anos), existência de trauma prévio significativo, perda de peso inexplicável ou alterações neurológicas generalizadas. De acordo com a revisão O referido texto é de autoria Dr. Fábio Luiz Vieira e foi encaminho para revisão e aprovação dos organizadores do Tratado de Medicina de Família e Comunidade (Ed. Artmed) e será publicado em breve. Deste modo, sua reprodução somente é permitida com autorização expressa do autor por meio dos contatos abaixo. CENTRO DE ATENÇÃO EM DOR www.atencaoemdor.com.br – [email protected] - Tel: (11) 3711-4786 supracitada todos os guidelines são consistentes ao recomendar que os procedimentos diagnósticos devam focar a identificação dos sinais de alerta (red flags) e no exame físico. Tais recomendações encontram ressonância no conceito de prevenção quaternária definido por Kuehlein e colaboradores6 como a prevenção de uso de medicação desnecessária ou de hipermedicalização, que no caso da dor lombar baixa poderia ser entendido como solicitação desnecessária de exames subsidiários. Ainda segundo Kuehlein e colaboradores,6 em uma área como a atenção primária com alto grau de incerteza e baixa prevalência de doenças graves a questão mais desafiadora para o médico é a decisão de não prosseguir com certas ações para proteger as pessoas de intervenções desnecessárias. A despeito das evidências acima mencionadas, uma considerável parte dos profissionais de saúde não incorpora essa filosofia de cuidado à sua prática diária e ainda indica a realização da imagem como uma das primeiras iniciativas para o manejo, por exemplo, da lombalgia não-específica. Em recente levantamento bibliográfico não foram identificados estudos sobre padrões de conduta entre médicos de família e comunidade brasileiros acerca desse tema. Entretanto, em estudo realizado com 178 reumatologistas brasileiros, identificou-se que quando os mesmos se defrontam com um quadro de lombalgia aguda mecânica postural sem sinais de alarme, 55,4% dos profissionais responderam que não solicitariam nenhum exame na sua abordagem inicial,7 o que sinaliza que praticamente a metade restante dos reumatologistas solicitaria tais exames. O estudo supracitado alerta que tal levantamento pode não ser representativo da opinião do universo desses especialistas no Brasil, tendo em vista que os 178 profissionais que responderam o questionário constituíam apenas 21,4% dos 831 sócios na ocasião do estudo com título de especialista da Sociedade Brasileira de Reumatologia. O referido texto é de autoria Dr. Fábio Luiz Vieira e foi encaminho para revisão e aprovação dos organizadores do Tratado de Medicina de Família e Comunidade (Ed. Artmed) e será publicado em breve. Deste modo, sua reprodução somente é permitida com autorização expressa do autor por meio dos contatos abaixo. CENTRO DE ATENÇÃO EM DOR www.atencaoemdor.com.br – [email protected] - Tel: (11) 3711-4786 A segunda vertente de conseqüências da prática do profissional de saúde pautada no modelo de abordagem à dor centrado na lesão tecidual se constitui em atribuir uma correlação, geralmente inexistente, entre a sintomatologia da dor e os achados de exames. Além disso, essa prática pode contribuir para a consolidação de crenças já ativadas pelo próprio sintoma acerca de incapacidade funcional do usuário. No processo de significação da dor do portador crônico a criação de um nexo causal de achados de exames radiológicos, por exemplo, pode ainda reduzir a perspectiva de superação do sintoma uma vez que agora a dor passa a ser fundamentada por um substrato anatomopatológico com o qual esse usuário tem pouca possibilidade de atuação e participação ativa. Há dados consistentes na literatura que desmistificam o nexo causal constante e proporcional entre dor e lesões degenerativas. Vialle e colaboradores8 corroboram estudo anterior9 afirmando que até um terço da população, com mais de 60 anos e assintomática, pode apresentar alterações discais degenerativas na ressonância magnética. Em estudo com conclusões similares aos anteriores, Jensen e colaboradores10 confirmam que a descoberta de abaulamento ou protusão de disco em exames de ressonância magnética em usuários com dor lombar baixa, freqüentemente pode ser mera coincidência. Ressaltam ainda, que achados de imagem devam ser criteriosamente correlacionados com a clínica do usuário para se estabelecer um nexo causal tendo em vista que as anormalidades na imagem podem não ter qualquer significado se considerados de forma isolada10 já que as quantidades de dano no disco e no nervo não necessariamente se relacionam com a intensidade da dor sentida. 3 O modelo mais moderno da dor pressupõe que muitas mudanças nos tecidos são conseqüência natural de se estar vivo e, por isso, não produzem obrigatoriamente dor e não devem comprometer funcionalmente o indivíduo. Isto posto, estas mudanças não são entendidas pelo sistema nervoso como sendo uma ameaça. 3 O referido texto é de autoria Dr. Fábio Luiz Vieira e foi encaminho para revisão e aprovação dos organizadores do Tratado de Medicina de Família e Comunidade (Ed. Artmed) e será publicado em breve. Deste modo, sua reprodução somente é permitida com autorização expressa do autor por meio dos contatos abaixo. CENTRO DE ATENÇÃO EM DOR www.atencaoemdor.com.br – [email protected] - Tel: (11) 3711-4786 Sendo assim, a visão moderna da dor compreende que, embora existam problemas em articulações, nos músculos, nos ligamentos, nos nervos ou em qualquer outro local, não haverá dor a não ser que o cérebro interprete que o organismo está em perigo. Por outro lado, pode-se também afirmar o contrário: mesmo que não haja problema algum nos tecidos corpóreos ainda assim haverá dor se o cérebro entender que exista uma ameaça potencial. 3 Recorremos a uma explicação neurofisiológica do livro Explicando a Dor para compreensão melhor do fenômeno: “...quando o nervo transmite uma mensagem de perigo para cima, até a medula espinhal, e depois para o cérebro essa mensagem chega juntamente com várias outras mensagens e todas elas são processadas pelo cérebro. O desafio para o cérebro é construir uma história o mais sensata possível, baseada em todas as informações que estão chegando simultaneamente. Uma maneira de pensar sobre a dor é que ela faz parte da resposta do cérebro em relação à informação que está chegando simultaneamente.”3 Em conclusão, a neurociência atual compreende com mais clareza o papel, não só das emoções, mas também da cognição e das crenças da pessoa sobre a sua dor como um fator modulador da intensidade e persistência deste sintoma. Sendo assim, pode se considerar de grande influência o papel de formadores de opiniões que profissionais de saúde desempenham sobre a visão dos doentes. O mesmo ocorrendo com as intervenções dos serviços de saúde, que supervalorizam o nexo causal, muitas vezes equivocado, entre dor e lesão tecidual por meio de sua abordagem diagnóstica, de sua postura com relação aos exames subsidiários e da maneira como significam a dor para a pessoa podem contribuir para modular positiva ou negativamente o sintoma. A reversão desse cenário consiste em uma abordagem, por parte dos profissionais de saúde, de valorização da queixa dolorosa de forma construtiva, oferecendo diagnóstico e tratamentos adequados, bem como apoio e educação sobre o quadro. Tal abordagem de valorização da queixa deve, no entanto, cuidar para que a equipe não assuma condutas que propiciem fantasias no O referido texto é de autoria Dr. Fábio Luiz Vieira e foi encaminho para revisão e aprovação dos organizadores do Tratado de Medicina de Família e Comunidade (Ed. Artmed) e será publicado em breve. Deste modo, sua reprodução somente é permitida com autorização expressa do autor por meio dos contatos abaixo. CENTRO DE ATENÇÃO EM DOR www.atencaoemdor.com.br – [email protected] - Tel: (11) 3711-4786 doente sobre seu sintoma, como uma longa e vasta rotina de exames complementares antes de iniciar tratamento farmacológico, e intensifiquem o processo de catastrofização. O que fazer Mensuração da Dor Pelo fato da dor ser uma experiência subjetiva não é possível para um observador externo mensurar a objetivamente essa experiência interna, complexa e pessoal. No entanto, sem tal medida, torna-se difícil determinar se um tratamento é necessário, se o prescrito é eficaz ou mesmo quando deve ser interrompido. 11 Alguns métodos têm sido utilizados para facilitar a avaliação da experiência da dor com especial ênfase para as Escalas Verbais e Visuais. Nas primeiras utiliza-se um conjunto de descritores específicos como - nenhuma dor, dor fraca, dor moderada, dor severa – que pode ser lido pelo doente ou falado pelo profissional de saúde para que o usuário escolha qual descritor melhor descreve sua experiência. O mesmo pode ser feito com uma escala numérica com variação de 0 a 10, sendo 0 referente a nenhuma dor e 10 a pior dor possível, com o profissional solicitando que o usuário escolha o número que melhor representa a intensidade de sua dor.11 Com relação à Escala Analógica Visual (EAV) essa normalmente consiste em uma linha de 10 cm de comprimento com seus extremos rotulados como nenhuma dor e a pior dor imaginável e a pessoa é instruída a marcar ou apontar na linha uma indicação da gravidade da dor sentida, com os valores em centímetros, usualmente indicados no verso da escala, representando a mensuração da dor naquele momento. Tal método em comparação com as Escalas Verbais tem a vantagem de reduzir a influência das respostas prévias quando repetidas respostas são solicitadas a uma mesma pessoa, como é freqüente na dor crônica. 11 O referido texto é de autoria Dr. Fábio Luiz Vieira e foi encaminho para revisão e aprovação dos organizadores do Tratado de Medicina de Família e Comunidade (Ed. Artmed) e será publicado em breve. Deste modo, sua reprodução somente é permitida com autorização expressa do autor por meio dos contatos abaixo. CENTRO DE ATENÇÃO EM DOR www.atencaoemdor.com.br – [email protected] - Tel: (11) 3711-4786 Abordagem farmacológica O tratamento da dor por meio de fármacos é sem dúvida parte fundamental do arsenal terapêutico atual com importante produção na literatura sobre o tema. Entretanto, não é prioridade desse capítulo discutir fármacos específicos, bem como as suas posologias, que estão amplamente difundidos, mas sim os princípios fundamentais do manejo da dor. Na década de 80 a Organização Mundial da Saúde publicou o princípio da Escada Analgésica, amplamente divulgada, para o tratamento dor de origem neoplásica. Este princípio é composto por três degraus e guia o uso seqüencial de fármacos. 12 No entanto, a aplicação dessa metodologia, ou guideline, passou a ser utilizada em várias situações para o controle da dor aguda e crônica. 13 A OMS considera atualmente que as orientações contidas na Escada Analgésica deverão ser aplicadas sempre que o quadro doloroso apresentar-se como afecção crônica, sem previsão de resolução precoce.2 Ainda segundo Barros e Ferris13 nessa Escada, a intensidade da dor é considerada como estratégia para a escolha do melhor analgésico. Assim, as situações de dor com intensidade que varia de moderada a forte são “merecedoras” da prescrição de opióides.12 Fig. Escada Analgésica proposta pela OMS. Fonte: Alves Neto e colaboradores.14 O referido texto é de autoria Dr. Fábio Luiz Vieira e foi encaminho para revisão e aprovação dos organizadores do Tratado de Medicina de Família e Comunidade (Ed. Artmed) e será publicado em breve. Deste modo, sua reprodução somente é permitida com autorização expressa do autor por meio dos contatos abaixo. CENTRO DE ATENÇÃO EM DOR www.atencaoemdor.com.br – [email protected] - Tel: (11) 3711-4786 O primeiro degrau da Escada Analgésica propõe que analgésicos simples e antiinflamatórios não hormonais sejam utilizados em dores de intensidade leve a moderada, associados ou não aos adjuvantes da dor os quais potencializam a eficácia analgésica e/ou tratam outros sintomas que eventualmente exacerbam a dor. Tais adjuvantes consistem em grupo heterogêneo de drogas não analgésicas, mas que assumem essa função em situações especiais como aos antidepressivos, neurolépticos, anticonvulsivantes, antieméticos, entre outros. Em caso de persistência ou piora da dor, está indicado o avanço ao segundo degrau da Escada Analgésica, quando se associa analgésicos opiódes fracos ao esquema prévio como codeína e tramadol. Da mesma forma, havendo persistência ou aumento da dor, está indicado a passagem do segundo ao terceiro degrau da Escada Analgésica, substituindose os opióides fracos pelos opióides fortes como morfina, metadona ou oxicodona.15 Na tabela abaixo estão sucintamente explicitados os representantes mais comuns em nosso meio das principais classes de medicamentos utilizados no controle da dor crônica com as dosagens utilizadas para via oral e alguns fatos de maior relevância de cada uma dessas drogas. Classe Droga Paracetamol Analgésicos Dose Informações relevantes 500 a 1000 mg a cada 4/4 hs ou 6/6 Atividade analgésica e antipirética, sendo que atualmente hs (não exceder 4g/dia); contesta-se sua ação como um AINH; Indicado na terapêutica individual de dores fracas ou moderadas e adjuvante de analgesia multimodal de dores intensas, com redução da dose necessária de opióides quando em associação. Dipirona 500 a 1000 mg até 4 vezes/dia; Eficácia clínica relatada na dor pós-operatória, episódios de cólicas nefríticas, crises de enxaqueca com e sem aura, dor dentária e dor oncológica. Apesar da descrição de alguns casos com efeitos adversos hematopoiéticos como aplasia medular e agranulocitose, existe consenso de que os riscos em nossa população são baixos, sendo considerado um bom analgésico e antitérmico. Antiinflamatórios Diclofenaco sódico 50 mg de 8/8 hs ou 12/12 hs (não Boa atividade antiinflamatória, analgésica e antipirética, execeder 150 mg/dia); indicados por períodos curtos, como drogas de escolha no O referido texto é de autoria Dr. Fábio Luiz Vieira e foi encaminho para revisão e aprovação dos organizadores do Tratado de Medicina de Família e Comunidade (Ed. Artmed) e será publicado em breve. Deste modo, sua reprodução somente é permitida com autorização expressa do autor por meio dos contatos abaixo. CENTRO DE ATENÇÃO EM DOR www.atencaoemdor.com.br – [email protected] - Tel: (11) 3711-4786 não hormonais Ibuprofeno (AINH) 200 a 600 mg a cada 6 a 8 horas 1º. Degrau da escada analgésica, principalmente em (dose máxima:2,4 g/dia e 3,2 g/dia lesões musculoesqueléticas e outros processos em doenças inflamatórias); inflamatórios e infecciosos dolorosos. Com relação ao Ibuprofeno é considerado o AINH com melhor perfil com relação a ocorrência de efeitos adversos, sendo a 1ª. escolha dessa classe, apenas ter cuidado para não utilizar conjuntamente com paracetamol e AAS. Corticosteróides Prednisona 5 a 60 mg/dia a depender da Indicado na dor inflamatória, por curto intervalo de tempo, gravidade da doença e resposta do quando não se obtém resultados satisfatórios com AINH, paciente quando há importante incapacidade física pela dor e também nos casos em que há risco de agravamento do quadro inflamatório e degenerativo. Análgésicos Codeína opióides Como todo opióide a dose ótima Opióide fraco, derivado natural do ópio, se situa no deve ser titulada ajustada a segundo degrau da escada analgésica e é bem indicada intensidade da dor e à sensibilidade nas dores nociceptivas. Nos idosos ou casos com do paciente. Iniciar na dose de 15 insuficiência renal o intervalo entre as doses deve ser mg a cada 4 horas, se necessário titulado, observando quanto tempo leva para a analgesia deve-se aumentar em 30 mg até a diminuir e só então se repete a próxima dose. dose máxima de 240 mg/dia. Em geral quando há necessidade de aumentar a dose para além de 60 mg está indicado passar para o terceiro degrau da escada analgésica. Tramadol Deve-se iniciar com 50 mg a cada 6 Opióide sintético fraco, análogo da codeína, no entanto hs e aumentar até a dosagem com algumas diferenças no mecanismo de ação, e se máxima de 400 mg/dia. situa no segundo degrau da escada analgésica. Atua na dor nociceptiva e neuropática e há ação sinérgica com outros analgésicos,como paracetamol e dipirona. Metadona Como o tempo necessário para Opióide forte sintético indicado para o alívio da dor impregnação com a metadona varia moderada a severa tendo maior eficácia na dor de 3 a 7 dias na 1ª. semana o uso neuropática, com rapidez no início de seu efeito seja pela analgesia controlada pelo analgésico e sua ação pode se prolongar por até 12 a 18 paciente, dose inicial de 5 mg e, horas. Metabolização é hepática tornando a droga de diante da melhora do sintoma com escolha na vigência de insuficiência renal. essa dose, repetição da tomada apenas quando houver retorno da dor com um intervalo de 4 hs ou mais. Caso não tenha se encontrado melhora do sintoma com dose inicial de 5 mg pode-se repetir a mesma dosagem após 15-20 minutos, registrando-se em ficha de acompanhamento domiciliar. Para a fase de manutenção calculase a dose média diária necessária dos últimos 3 dias na vigência da analgesia controlada pelo paciente e se prescreve tal dose em tomada O referido texto é de autoria Dr. Fábio Luiz Vieira e foi encaminho para revisão e aprovação dos organizadores do Tratado de Medicina de Família e Comunidade (Ed. Artmed) e será publicado em breve. Deste modo, sua reprodução somente é permitida com autorização expressa do autor por meio dos contatos abaixo. CENTRO DE ATENÇÃO EM DOR www.atencaoemdor.com.br – [email protected] - Tel: (11) 3711-4786 única noturna ou dividida a cada 12 horas. Morfina Morfina de ação rápida: se o Opióide do terceiro degrau da escada analgésica, indicado paciente já estiver em uso de na dor moderada a severa com bons resultados na dor de opióide fraco (codeína 60 mg ou origem nociceptiva ou somática. Os efeitos colaterais mais tramadol 100 mg) iniciar com 10 mg comuns são náuseas, vômitos, sedação e sonolência que a cada 4 hs; após alguns dias passam a ser tolerados. A constipação Morfina de liberação controlada: a está sempre presente e não desenvolve tolerância, partir da dose total diária, divide-se portanto deve ser tratada. A depressão respiratória no uso em 2 tomadas. Apresentações de crônico dos opióides é raríssima. 30, 60 e 100 mg podem ser administradas a cada 8 ou 12 horas, Para ambas suspender opióides fracos do segundo degrau da escada analgésica. Antidepressivos Tricíclicos Amitriptilina 25 a 75 mg/dia; São úteis em casos de dor crônica, como as dores Nortriptilina 10 a 25 mg/dia; neuropáticas, a distrofia simpático-reflexa, a lombalgia crônica e a dor do câncer terminal. O efeito analgésico é independente do efeito antidepressivo e se manifesta em doses inferiores às antidepressivas e também com latência mais curta (3 a 5 dias). Por seus efeitos anticolinérgicos devem ser usados com precaução em cardiopatas e idosos. Inibidores Seletivos Fluoxetina 20 mg/dia; Potencialmente úteis na Fibromialgia em associação com da Recaptação de Sertralina 50 mg/dia; outras drogas adjuvantes como ciclobenzaprina ou até Serotonina mesmo associado a Amitriptilina. Inibidores da Duloxetina 60 mg/dia; Captação de Venlafaxina 75 a 225 mg/dia; Boa eficácia para dor com componente neuropático. Noradrenalina e Serotonina Anticonvulsivantes Carbamazepina Carbamazepina: dose deve ser Os anticonvulsivantes tem papel protagonista no titulada iniciando-se com 100 mg de tratamento da dor neuropática, podendo também ser 12 em 12 hs e, a depender da utilizada como droga adjuvante na dor nociceptiva resposta e tolerância, aumentos a adicionalmente as drogas da escada analgésica. cada 3 dias, com doses terapêuticas A Carbamazepina tem como principal indicação a situadas entre 400 e 1200 mg/dia; neuralgia do trigêmeo mas pode também ser indicada nas dores paroxísticas, fulgurantes, em choque ou nas parestesias e distesias táteis; Ter atenção com pacientes com comprometimento hepático, idosos em uso de tricíclicos e com interações medicamentosas. Gabapentina Gabapentina: dose deve ser titulada Utilizada em dores neuropáticas com bons resultados na a partir de 900 mg/dia divido em 3 neuralgia pós-herpética, na neuropatia diabética dolorosa, tomadas com doses eficientes entre traumatismos medulares, dor central pós-AVC, dor do 1800 a 3600 mg/dia; membro-fantasma e síndrome complexa de dor regional tipo I. Psicotrópicos Clorpromazina Clorpromazina: 25 a 50 mg a cada 4 A recomendação de tais drogas tem se reduzido em Haloperidol hs; virtude de pouca evidência de sua eficácia para controle Haloperidol: 1 a 5 mg de 2 a 3 da dor. Tem sido recomendada ainda como medicação O referido texto é de autoria Dr. Fábio Luiz Vieira e foi encaminho para revisão e aprovação dos organizadores do Tratado de Medicina de Família e Comunidade (Ed. Artmed) e será publicado em breve. Deste modo, sua reprodução somente é permitida com autorização expressa do autor por meio dos contatos abaixo. CENTRO DE ATENÇÃO EM DOR www.atencaoemdor.com.br – [email protected] - Tel: (11) 3711-4786 vezes/dia, ajustando-se a adjuvante principalmente em pacientes com dores centrais necessidade e tolerabilidade (dose ou oncológicas com náuseas e vômitos de difícil controle máxima 30 mg/dia); ou transtornos psiquiátricos. Em casos de dores neuropáticas periféricas (como as resultantes de avulsão ou a síndrome complexa de dor regional) podem ter indicação quando não há boa resposta aos antidepressivos e anticonvulsivantes. Miorelaxantes Benzodiazepínicos Tizanidina:iniciar com 2 a 4 mg a Boa evidência disponível na literatura de eficácia na dor Tizanidina cada 8 horas; Dose ótima pode lombar aguda. Na prática miorelaxantes como baclofeno e Baclofeno variar de 12 a 24 mg/dia; tizanidina são utilizados como adjuvantes no tratamento Baclofeno: iniciar com 15 mg/dia da neuralgia trigeminal e em algumas outras dores dividido em 2-4 tomadas; Dose neuropáticas. Atenção com a intoxicação secundária com ótima pode variar de 30 a 80 mg/dia; Fonte: Alves Neto e colaboradores 14 uso crônico dessas medicações. 16 e Brasil. Opiofobia Segundo Barros e Ferris13 os opióides, e em especial a morfina, são uma das partes mais importantes do arsenal terapêutico no tratamento das síndromes dolorosas. Por esse motivo a OMS usa o consumo per capita de morfina como marcador da qualidade com que a dor é tratada em dada região ou país.17 Conforme ilustrado no quadro, o consumo brasileiro é muito próximo à média global do consumo per capita de morfina, mas encontra-se ainda em posição muito abaixo dos padrões de países desenvolvidos. O referido texto é de autoria Dr. Fábio Luiz Vieira e foi encaminho para revisão e aprovação dos organizadores do Tratado de Medicina de Família e Comunidade (Ed. Artmed) e será publicado em breve. Deste modo, sua reprodução somente é permitida com autorização expressa do autor por meio dos contatos abaixo. CENTRO DE ATENÇÃO EM DOR www.atencaoemdor.com.br – [email protected] - Tel: (11) 3711-4786 Gráfico do Consumo Global de Morfina (2004) Fig. Média do consumo de morfina per capita global e de diversos países no ano de 2003. Fonte: Alves Neto e colaboradores.14 Um das explicações para tal fato é que está difundido em nossa sociedade, e também nos meios acadêmicos, um receio exagerado e infundado a respeito da utilização de opiódes, o que pode ser chamado de opiofobia. Entre as causas da existência da opiofobia estão o temor do vício, da dependência física e da tolerância, associados ao receio da ocorrência de efeitos adversos decorrentes da terapia com opiódes,13 o que é fruto da “opioignorância” vigente. A segurança dos opióides tem sido, de fato, confirmada nas mais recentes evidências. Em recente revisão o uso prolongado de opiódes para manejo da dor crônica não-neoplásica demonstrou a ocorrência de efeitos adversos menores, como naúseas e dor de cabeça, mas aqueles eventos adversos considerados sérios, como a adição iatrogênica, foram raros.18 O referido texto é de autoria Dr. Fábio Luiz Vieira e foi encaminho para revisão e aprovação dos organizadores do Tratado de Medicina de Família e Comunidade (Ed. Artmed) e será publicado em breve. Deste modo, sua reprodução somente é permitida com autorização expressa do autor por meio dos contatos abaixo. CENTRO DE ATENÇÃO EM DOR www.atencaoemdor.com.br – [email protected] - Tel: (11) 3711-4786 Abordagem não-farmacológica Um grande número de tratamentos não farmacológicos tem sido utilizado para o alívio da dor crônica e, a despeito da necessidade de maior número de evidências que consolidem tais modalidades terapêuticas, sua importância na obtenção de bons resultados tem sido considerada crescente. No quadro abaixo, adaptado de Ferreira e Teixeira,19 estão listadas algumas abordagens que podem ser implementadas na Atenção Primária e, parte delas, que deve ser do conhecimento do médico de família e comunidade para encaminhar quando outras intervenções forem necessárias. Modalidade Terapias e procedimentos Medidas físicas e reabilitadoras Atividade física, massagem, fisioterapia, calor e frio local, estimulação elétrica transcutânea Procedimentos Anestésicos Bloqueios de tronco nervosos Procedimentos neurocirúrgicos Cordotomia, cingulotomia, tratomia trigeminal Medidas educativas, psicoemocionais e comportamentais Educação em psicoterapia Terapias complementares Musicoterapia, acupuntura, toque terapêutico, pilates dor, terapia cognitivo-comportamental, Fonte: Adaptado de Ferreira e Teixeira.19 Destacam-se abaixo algumas abordagens escolhidas para detalhamento, seja pela sua aplicabilidade na atenção primária, pela sua inovação ou por evidenciarem em sua base conceitual uma visão mais moderna da fisiopatologia da dor. O papel do movimento e atividade física Segundo Busch e colaboradores20 há evidências de padrão ouro de que exercício de alongamento tem efeitos benéficos no alívio da dor em pessoas com fibromialgia quando esses são realizados duas a três vezes por semana e com pelo menos oito a doze repetições por exercício. Ainda com relação à recomendação sobre a atividade física, Koes e colaboradores5 em sua revisão de 15 guidelines internacionais sobre dor lombar baixa referem que todas as orientam que a pessoa mantenha-se tão ativa quanto possível e progressivamente aumente seu nível de atividade. Há O referido texto é de autoria Dr. Fábio Luiz Vieira e foi encaminho para revisão e aprovação dos organizadores do Tratado de Medicina de Família e Comunidade (Ed. Artmed) e será publicado em breve. Deste modo, sua reprodução somente é permitida com autorização expressa do autor por meio dos contatos abaixo. CENTRO DE ATENÇÃO EM DOR www.atencaoemdor.com.br – [email protected] - Tel: (11) 3711-4786 disseminado consenso que repouso no leito deve ser desencorajado como tratamento para essa modalidade de dor e alguns guidelines (Alemanhã, Nova Zelândia, Espanha e Noruega) afirmam que se o repouso no leito estiver indicado devido à grande intensidade da dor ele não deve ser aconselhado por mais do que dois dias. Comparativamente à revisão anterior, os guidelines atuais aumentaram a citação do retorno precoce ao trabalho em sua lista de recomendações. A despeito das evidências ainda é bastante freqüente as recomendações de profissionais de saúde para que o doente evite a movimentação e de repreensões relacionadas à iniciativa da pessoa de retomar atividades de vida diária. É certo que determinados esforços que envolvem alto grau de sobrecarga física devam ser evitados em uma fase da reabilitação. No entanto, restringir a pessoa das atividades rotineiras da vida diária, que são as que o motivam a uma postura mais ativa, não é uma conduta consistente com as atuais evidências. Novamente sob a luz da visão moderna sobre a dor, em que o desencadeamento da percepção dolorosa vai mais além do que a produção de estímulos nervosos no local do tecido lesado entende-se que o movimento fornece estímulos construtivos para o cérebro porque estabelece e restabelece funções sensoriais finas e representações motoras no cérebro, usando os caminhos neurológicos „esquecidos‟. Além disso, a mobilidade da pessoa aumenta a saúde das articulações, dos tecidos moles, dos sistemas circulatório e respiratório3, o que vem sendo corroborado pelas recentes recomendações sobre movimento e exercício em situação de dor crônica.3,5 No entanto, a experiência prática e a literatura mostram que a atividade física pode desencadear dor e, se inadequadamente conduzidas, levar a reagudizações de dores crônicas e, inclusive, diminuição do limiar à dor. Isso acontece ainda que a dor não esteja sendo causada por nenhum dano tecidual, mas sim pela reativação do que se chama de representação virtual de lesão antiga.3 O referido texto é de autoria Dr. Fábio Luiz Vieira e foi encaminho para revisão e aprovação dos organizadores do Tratado de Medicina de Família e Comunidade (Ed. Artmed) e será publicado em breve. Deste modo, sua reprodução somente é permitida com autorização expressa do autor por meio dos contatos abaixo. CENTRO DE ATENÇÃO EM DOR www.atencaoemdor.com.br – [email protected] - Tel: (11) 3711-4786 Para que o movimento e a atividade física sejam retomados sem reativar a representação virtual e desencadear dor intensa é importante que a prática do exercício seja conduzida com a chamada exposição ritmada, coordenada e gradual, que consiste em iniciar com quantidade de atividade que não desencadeie dor e planejar a progressão gradual dessa quantidade inicial. Importante ressaltar que, com essa progressão, deve-se buscar o não desencadeamento da dor, mas orientar a pessoa de forma a não assustar-se se por ventura desencadeá-la. A sensibilidade do sistema de alarme da dor, no sentido de tentar proteger o organismo de novas lesões, faz com que os desencadeamentos sejam freqüentes, por isso é fundamental que a pessoa esteja bem orientada para não se culpar ou achar que se lesionou por causa do movimento. Ela deve apenas respeitar seu limite da dor e persistir até que o sintoma estiver mais bem controlado.3 Por fim, importante ressaltar a necessidade de se utilizar recursos já existentes na comunidade, como grupos de caminhadas e outros exercícios físicos, que facilitam a socialização, fundamental para enfrentamento emocional da pessoa com dor crônica e também a aderência à atividade física. Eletroterapia Não Invasiva O uso da eletroterapia para o alívio da dor tem registros extremamente antigos com grande desenvolvimento nas últimas 3 décadas. Segundo Yeng e colaboradores21 a eletroterapia promove analgesia porque melhora a circulação local, exerce, por efeito contra-irritativo, ativação do sistema supressor de dor, mantém o trofismo muscular e constitui um método de treinamento proprioceptivo e cinestésico. Os geradores de correntes utilizados dispõem de recursos para controle de diversos parâmetros de estimulação, que variam em relação aos tipos, formas, larguras de pulso, freqüência, intensidade que tem a finalidade de propiciar variados efeitos fisiológicos.21 No Brasil têm-se utilizado geradores simples chamados TENS – Transcutaneous Electrical Nerve Stimulation - que demonstram bons resultados e se configuram com uma boa opção para tratamento da dor crônica. No O referido texto é de autoria Dr. Fábio Luiz Vieira e foi encaminho para revisão e aprovação dos organizadores do Tratado de Medicina de Família e Comunidade (Ed. Artmed) e será publicado em breve. Deste modo, sua reprodução somente é permitida com autorização expressa do autor por meio dos contatos abaixo. CENTRO DE ATENÇÃO EM DOR www.atencaoemdor.com.br – [email protected] - Tel: (11) 3711-4786 entanto, uma das limitações dessa modalidade são os ajustes dos diferentes parâmetros de acordo com a especificidade do caso e a ocorrência do fenômeno de acomodação das fibras nervosas. Atualmente essa metodologia foi aperfeiçoada e os novos estimuladores dispõem além do gerador de corrente, um componente de medição da resistência elétrica da pele, de forma que o estímulo a ser aplicado na pela é modulado a partir da medição inicial.22 Tal mecanismo que se repete continuamente é gerenciado por um microprocessador e apresenta ainda melhores resultados no alívio da dor comparativamente com as abordagens convencionais de eletroterapia,23 podendo pela simplicidade de aplicação e segurança, se constituir em um recurso terapêutico potencial para controle da dor na Atenção Primária. Educação em Dor Segundo Butler e Moseley3 a educação, o conhecimento e o entendimento reduzem a ameaça associada à dor. A ameaça reduzida tem um efeito positivo sobre todos os estímulos e sobre os sistemas de resposta. A educação aos portadores de dor crônica sobre a fisiologia da dor mostrou ter efeitos positivos por aumentar o limiar da dor durante a execução de determinadas tarefas físicas e reduzindo as dores relacionadas às crenças e atitudes.24 Em um artigo de relato de caso foi descrito realização de exame de Ressonância Magnética funcional antes e depois de uma sessão, com duração de duas horas e meia, de educação em fisiologia da dor. Foi identificado que havia atividade cerebral generalizada durante a execução de uma determinada tarefa física que envolveu musculatura sabidamente disfuncional em pessoas com dor lombar recorrente, como no caso estudado. A atividade cerebral incluiu regiões corticais que são sabidamente envolvidas na percepção da dor, embora a tarefa não fosse dolorosa. O referido texto é de autoria Dr. Fábio Luiz Vieira e foi encaminho para revisão e aprovação dos organizadores do Tratado de Medicina de Família e Comunidade (Ed. Artmed) e será publicado em breve. Deste modo, sua reprodução somente é permitida com autorização expressa do autor por meio dos contatos abaixo. CENTRO DE ATENÇÃO EM DOR www.atencaoemdor.com.br – [email protected] - Tel: (11) 3711-4786 Após a sessão de educação, o novo resultado de Ressonância Magnética funcional mostrou diminuição da atividade cerebral em áreas relacionadas com dor.25 Apesar desse estudo envolver somente um relato de caso, o resultado aponta para uma abordagem potencialmente importante para os cuidados em dor, sugerindo que ensino de fisiologia da dor marcadamente altera a atividade cerebral durante a execução de uma tarefa física. De acordo com Moseley e colaboradores24 na dor lombar crônica, a compreensão da fisiologia da dor pode alterar atitudes e crenças de dor e conseqüente melhora da função, explicada por uma re-conceituação cognitiva do problema pela pessoa, levando ao aumento da confiança que, por sua vez, possibilita aumento dos níveis de atividade e movimento. Algumas abordagens podem ser utilizadas na Educação em Dor tendo sido internacionalmente alvo de estudos sobre sua eficácia no controle da dor, entre as quais podemos citar: Escolas de Coluna - Back Schools - que consistem em atividade de grupos com orientações sobre postura, exercícios e manejo da dor; Treinamento para Evitação do Medo – Fear Avoidance Training baseado no trabalho junto a grupos de pessoas com dor crônica de forma a lidar melhor com o medo do movimento e o medo do agravamento da dor; Educação Breve - Brief education – cuja intervenções consistem em orientações no próprio ambiente clínico, com explicações rápidas abordando temas de maior relevância como a não proporcionalidade, em muitos casos de dor crônica, entre intensidade do sintoma e a dimensão da lesão física, a importância do movimento leve para recuperação, bem como a necessidade da lidar com o medo e outras emoções freqüentes dessas situações. O referido texto é de autoria Dr. Fábio Luiz Vieira e foi encaminho para revisão e aprovação dos organizadores do Tratado de Medicina de Família e Comunidade (Ed. Artmed) e será publicado em breve. Deste modo, sua reprodução somente é permitida com autorização expressa do autor por meio dos contatos abaixo. CENTRO DE ATENÇÃO EM DOR www.atencaoemdor.com.br – [email protected] - Tel: (11) 3711-4786 Em uma revisão sistemática que comparou as 3 abordagens supracitadas há evidência consistente da eficácia das intervenções de Educação Breve no cenário clínico, sendo que as outras 2 escolas podem ter indicações para grupos específicos de usuários e requerem estudos adicionais para evidenciar sua eficácia.26 Referências 1. Merskey NB, Bogduck N. Classification of chronic pain: descriptions of chronic pain syndromes and definitions of pain terms. 2nd ed. Seattle: IASP; 1994. 2. Serrano SC, Oliveira Júnior JO, Teodoro AL, Dana BA. Farmocoterapia antálgica. 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Deste modo, sua reprodução somente é permitida com autorização expressa do autor por meio dos contatos abaixo. CENTRO DE ATENÇÃO EM DOR www.atencaoemdor.com.br – [email protected] - Tel: (11) 3711-4786 13. Barros GAM, Ferris FD. Analgésicos opióides sistêmicos. In: Alves Neto O, Costa CMC, Siqueira JTT, Teixeira MJ, organizadores. Dor: princípios e prática. Porto Alegre: Artmed; 2009. p. 1074-83. 14. Alves Neto O, Costa CMC, Siqueira JTT, Teixeira MJ, organizadores. Dor: princípios e prática. Porto Alegre: Artmed; 2009. 15. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Cuidados paliativos oncológicos: controle da dor. Rio de Janeiro: INCA; 2001. 16. Brasil. Ministério da Saúde. Rename, Formulário Terapêutico Nacional. 2. ed. Brasília: MS; 2010. 17. International Narcotics Control Board (INCB) United Nations “Demographic yearbook” by pain & Policy Studies Group. University of Wisconsin/WHO Collaborating Center, 2005. 18. 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