Leandro Bueno Bergantin NOVO SISTEMA IN SITU PARA ANÁLISE DA PROTEÓLISE MUSCULAR ESQUELÉTICA: PAPEL DA VIA DO AMP CÍCLICO São Paulo 2010 Leandro Bueno Bergantin NOVO SISTEMA IN SITU PARA ANÁLISE DA PROTEÓLISE MUSCULAR ESQUELÉTICA: PAPEL DA VIA DO AMP CÍCLICO Tese apresentada à Universidade Federal de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Ciências pelo programa de pós-graduação em Farmacologia Orientadora: Profa. Dra. Rosely Oliveira Godinho São Paulo 2010 IIIIII FICHA CATALOGRÁFICA De acordo com: Como elaborar sua tese: Estrutura e referências Edna Terezinha Rother e Maria Elisa Rangel Batista São Paulo, 2005 Bergantin, Leandro Bueno NOVO SISTEMA IN SITU PARA ANÁLISE DA PROTEÓLISE MUSCULAR ESQUELÉTICA: PAPEL DA VIA DO AMPC Leandro Bueno Bergantin. São Paulo, 2010. XVI, 56f. Tese (Mestrado) – Universidade Federal de São Paulo. Programa de Pós-Graduação em Farmacologia. Título em inglês: A new in situ system to analyze skeletal muscle proteolysis: role of cAMP pathway 1. Músculo Lumbricalis. 2. Proteólise. 3. Tirosina. 4. AMP cíclico iii UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE FARMACOLOGIA Pró-Reitor de Pós-Graduação: Prof. Dr. Arnaldo Lopes Colombo Chefe do Departamento: Profa. Dra. Rosana de Alencar Ribeiro Coordenadora do Curso de Pós-Graduação: Profa. Dra. Soraya Soubhi Smaili iv Aos meus pais Armando e Lúcia pelo incondicional apoio nesta etapa da vida. "na sua teimosia entrevejo a futura constância e firmeza de caráter; nas suas garotices o bom humor que lhes fará vencer facilmente os perigos deste mundo. E tudo isso de modo tão puro, tão incontaminado!" Os sofrimentos do Jovem Werther v Ao meu irmão Lucas, à minha tia Fátima e ao meu padrinho Élcio, e ao meu avô (José in memorium) pelo apoio nesta etapa da vida. vi À Profa. Dra. Rosely pela ótima orientação; e à Fapesp pela bolsa de mestrado concedida. vii Agradecimentos Aos professores do Setor de Produtos Naturais, Prof. Dr. Antônio José Lapa, Profa. Dra. Caden Souccar, Profa. Dra. Maria Teresa Riggio de Lima-Landman e Profa. Dra. Miriam Hayashi, pelos ensinamentos e convívio no laboratório. Aos meus amigos de grupo: Sandro (“mais que um amigo!”), Thiago Duarte (uma amizade recente que espero que dure muito!), Marcelo (um amigo totalmente diferente de todos os amigos que tive, e que agora está fazendo doutorado em Michigan), Ana (uma pessoa tão boa que nem parece fazer parte deste mundo), Leonardo Bruno (por ter me ajudado a fazer toda a morfologia dos músculos lumbricales!), Luciana, Edilaine e Gracielle. A todas as pessoas maravilhosas que trabalham no Setor de Produtos Naturais: Maria do Carmo, Bia, Betty, Joca, Alex, Chico, Celso, Dona Laura, Wilma e Emília. Aos amigos do Setor de Mecanismo de Ação de Drogas, Kleber e Regiane, por toda ajuda e compreensão. A todos meus grandes mestres de ontem e hoje que de forma direta ou indireta contribuíram para que este momento se tornasse real. viii " Que gente esta, cuja alma está inteiramente amarrada à etiqueta, aplicando, durante anos, todos os seus pensamentos e esforços a manter-se rigidamente à mesa! E não fazem isso porque nada mais tenham em que ocupar-se; ao contrário, o trabalho acumula-se precisamente porque um mundo de dificuldadezinhas impede a marcha dos negócios sérios.(...) Esses insensatos não veem que o cargo não tem a mínima importância, porquanto aquele mesmo que ocupa o primeiro lugar tão raramente desempenha o principal papel! Quantos reis são governados pelo seu ministro e quantos ministros são governados pelo seu secretário! Quem é então o primeiro? Ao que me parece, aquele que, vendo mais longe do que todos nós, é bastante poderoso ou bastante fino para dirigir as nossas faculdades e as nossas paixões no sentido da realização dos seus desígnios." Os sofrimentos do Jovem Werther ix Sumário Dedicatórias Agradecimentos Lista de figuras Lista de abreviaturas Resumo Abstract Justificativa v viii xii xiii xiv xv xvi I. Introdução 1. Fisiofarmacologia do músculo esquelético e a influência trófica neural motora 2. Manutenção da massa muscular e a participação dos sistemas intrínsecos de proteólise muscular 2.1.Sistema proteolítico ubiquitina-proteasoma 2.2.Sistema proteolítico dependente de Ca2+ 2.3.Sistema proteolítico lisossomal 3. Métodos de avaliação da proteólise muscular 4. Papel da adenilil ciclase e do AMPc na sinalização intracelular do músculo esquelético 5. Papel dos adrenoceptores β2 e de inibidores de fosfodiesterases na inibição da proteólise muscular II. Objetivos 2 3 4 6 6 7 8 10 14 III. 1. 2. 3. 4. Material e Métodos Drogas e Reagentes Soluções Animais e procedimento cirúrgico Mensuração da proteólise muscular 4.1. Incubação dos músculos e mensuração da proteólise muscular 5. Dosagem do aminoácido tirosina 6. Análise morfológica dos músculos 7. Análise Estatística 16 16 17 17 18 19 19 IV. Resultados 1. Caracterização morfológica dos músculos lumbricales 1.1. Massa dos músculos lumbricales 1.2. Análise morfométrica dos músculos 21 22 2. Padronização da dosagem do aminoácido tirosina 2.1. Curva Padrão de dosagem de tirosina 24 3. Introdução e validação da metodologia de medida da proteólise muscular 3.1. Efeito do tempo de incubação na proteólise de músculos lumbricales controles 3.2. Relação entre a posição anatômica dos lumbricales e a proteólise muscular 3.3. Interferência da síntese protéica na medida da proteólise muscular x 25 25 26 3.4. Efeito da lesão mecânica e da desnervação cirúrgica na proteólise do músculo lumbricalis 3.5. Contribuição dos sistemas ubiquitina-proteasoma e das calpaínas na proteólise do músculo lumbricalis 3.6. Efeitos da maturação do rato na proteólise do músculo lumbricalis 27 28 29 4. Efeito de moduladores da via do AMPc na proteólise muscular esquelética 4.1. Efeito da ativação de adrenoceptores β na proteólise muscular 4.2. Efeitos da inibição de fosfodiesterases e da ativação da adenilil ciclase na proteólise muscular 4.3. Efeito de moduladores da via de sinalização do AMPc na proteólise muscular de animais impúberes 4.4. Efeito de moduladores da via de sinalização do AMPc na proteólise de músculos EDL de animais impúberes V. Discussão 1. Caracterização do novo modelo de estudo da proteólise muscular 2. Padronização da técnica de dosagem do aminoácido tirosina 3. Introdução e validação da metodologia de medida da proteólise muscular 4. Efeito do uso de moduladores da sinalização mediada pelo AMPc na proteólise muscular esquelética em situações basais e catabólicas 31 33 34 35 38 39 40 44 VI. Sinopse e Conclusões 48 VII. Referências 50 xi Lista de figuras Sistemas de proteólise muscular responsáveis pelo processo da atrofia muscular resultante de desuso ou doença Fig. 1 Sinalização intracelular mediada pelo AMPc Fig. 2 Músculos lumbricales da pata posterior do animal Fig. 3 Massa muscular relativa dos músculos EDL e dos músculos lumbricales de ratos adultos Fig. 4 Secções transversais dos músculos lumbricales e EDL Fig. 5 Freqüência de distribuição do diâmetro das fibras dos músculos lumbricales Fig. 6 Pad Curvas-Padrão de dosagem de tirosina Fig. 7 A Representação molecular da L-tirosina Fig. 7 B Efeito do tempo de incubação na proteólise muscular Fig. 8 Relação entre a posição anatômica e a proteólise muscular Fig. 9 Interferência da síntese protéica na proteólise muscular Fig. 10 Efeito da lesão mecânica na proteólise muscular Fig. 11 Efeito da desnervação na proteólise muscular Fig. 12 A Efeito da desnervação na massa muscular Fig. 12 B Efeito de inibidor de proteasoma e de calpaínas na proteólise muscular Fig. 13 Efeito da maturação na proteólise muscular Fig. 14 Efeito da depleção de ATP na proteólise de músculos lumbricales de ratos impúberes Fig. 15 Efeito do isoproterenol na proteólise muscular Fig. 16 Efeito do isoproterenol na proteólise de músculos controles e desnervados Fig. 17 Efeito do formoterol na proteólise muscular Fig. 18 Efeito do formoterol na proteólise de músculos controles e desnervados Fig. 19 Efeito do IBMX na proteólise muscular Fig. 20 Efeito da forscolina na proteólise muscular Fig. 21 Efeito de moduladores da via de sinalização do AMPc na proteólise muscular de animais adultos e impúberes Fig. 22 Efeito de moduladores da via de sinalização do AMPc na proteólise de músculos EDL de animais impúberes Fig. 23 xii Lista de abreviaturas AC adenilil ciclase ACh acetilcolina AChE acetilcolinesterase AMPc adenosina monofosfato cíclico ATP adenosina trifosfato DMSO dimetilsulfóxido E-64 (L-transepoxysuccinyl-leucylamido-[4-guanidino] butano) EDL extensor longo dos dedos Epac exchange protein directly activated by cAMP FSK forscolina GDP guanosina difosfato GPCR G-protein coupled receptor GTP guanosina trifosfato HE hematoxilina-eosina IBMX 3-isobutil -1-metilxantina JNM junção neuromuscular MG 132 Z-Leu-Leu-Leu-al ML/MT músculo lumbricalis associado ao seu osso metatarso Murf-1 muscle ring-finger protein 1 nAChR colinoceptores nicotínicos PDE fosfodiesterases PKA proteína quinase dependente de AMPc RNAm ácido ribonucléico mensageiro SUP sistema ubiquitina-proteassoma xiii Resumo O músculo esquelético de mamífero é responsável tanto pelo desencadeamento da contração e geração de força e movimento. Por outro lado, o músculo participa do controle da homeostase energética corporal ao disponibilizar aminoácidos gerados a partir da proteólise muscular. A regulação fina dessa proteólise é crucial para a manutenção da massa muscular. Até o momento, os mecanismos de regulação desse processo assim como a triagem farmacológica de drogas que interferem com a proteólise muscular tem sido realizadas pela medida da liberação de tirosina de músculos de ratos impúberes, devido ao tamanho e à má perfusão tecidual de músculos de ratos adultos. Logo, o efeito da idade ou de doenças neurodegenerativas tem sido analisado apenas com marcadores estáticos, como atrogin-1/MAFbx ou Murf-1. Além disso, músculos de ratos impúberes diferem daqueles do rato adulto quanto a resistência à insulina e alta taxa de crescimento, o que pode comprometer a extrapolação direta dos resultados obtidos em animais impúberes para adultos. No presente estudo, propusemos o estabelecimento de um novo modelo experimental in situ – o músculo lumbricalis do rato adulto para a medida dinâmica da proteólise muscular, através da quantificação da liberação de tirosina pelo músculo. Além disso, adaptamos o método fluorimétrico da medida do aminoácido para microplaca de 96 fossos, o que implicou na redução de 90% da formação de rejeitos químicos. Esse estudo foi complementado pela análise do efeito de moduladores da via da proteína Gs/ Adenilil ciclase/ AMP cíclico, cuja participação na regulação da proteólise muscular já havia sido demonstrada em músculos de ratos impúberes. Utilizando o músculo lumbricalis de rato adulto, comprovamos que moduladores da via de sinalização do AMPc inibem a proteólise muscular em situações basais ou catabólicas induzidas pela desnervação. Os agonistas de adrenoceptores β isoproterenol (30-100 µM; não seletivo) e formoterol (1-10 nM; seletivo β2), o ativador de adenilil ciclase forscolina (30-100 nM) e o inibidor não seletivo de fosfodiesterases IBMX (100-1000 µM) reduziram a proteólise muscular em 12 a 20%. Além disso, evidenciamos que a proteólise muscular de ratos impúberes (30 dias de idade) é 94% maior que a de animais adultos, resultado que torna questionável a extrapolação de resultados obtidos em músculos de animais impúberes para a idade adulta. A utilização do músculo lumbricalis como modelo experimental reduz em pelo menos 4 vezes o número de animais em protocolos experimentais de medida de proteólise e em 90% a quantidade de rejeitos químicos produzidos, devido à adaptação da dosagem da tirosina para microplaca, propiciando a realização de triagem farmacológica de drogas para fins terapêuticos anticatabólicos. xiv Abstract In vertebrates, skeletal muscle contributes to the control of body energy homeostasis by providing amino acids generated from protein breakdown. However, continued muscle protein breakdown results in muscle atrophy, such as those associated with aging, muscle wasting or neuromuscular dysfunction. The molecular mechanisms involved in regulation of muscle proteolysis as well as the pharmacological screening of drugs that interfere in this process have been addresses by measurement of tyrosine release from muscles of prepubertal rats, because they are thin enough to allow an adequate diffusion of oxygen and substrates under in vitro conditions. Therefore, the effect of aging or neurodegenerative diseases has been analyzed only with static markers, as atrogin-1/MAFbx or Murf-1. The aim of the present study was the establishment of a new in situ experimental model for the dynamic measurement of proteolysis in adult rat muscles, by quantifying the release of tyrosine from the lumbricalis muscle. In addition, the fluorimetric macromethod for tyrosine measurement was adapted for 96 wells microplate, which resulted in 90% reduction in the formation of toxic chemical waste. The results were complemented by analyzing the effect of modulators of Gs protein / adenylyl cyclase / cyclic AMP signaling pathway on proteolysis of adult muscles, whose influence had already been demonstrated in muscles from prepubertal rat. Using adult rat lumbricalis muscle, we found that modulators of the cAMP signaling pathway inhibit muscle proteolysis under basal or catabolic condition induced by denervation. β-adrenergic agonists isoproterenol (30-100 mM; non-selective) and formoterol (1-10 nM; selective β2), the adenylyl cyclase activator forskolin (30-100 nM) and nonselective phosphodiesterase inhibitor IBMX (100-1000 mM) reduced by 12% to 20% muscle proteolysis. Furthermore, our results show that muscle proteolysis in pre-pubertal rats (30 days old) is 94% higher than in adult animals, which makes questionable the direct extrapolation of results obtained from pre-pubertal muscles to adult or senile muscles. The use of lumbricalis muscle as an proteolysis experimental model reduces by 75% the number of animals in proteolysis experimental protocols and by 90% the amount of chemical waste produced, due to the adjustment of the dosage of tyrosine to 96 well microplate, optimizing the pharmacological screening of drugs for anticatabolic purposes. xv Justificativa O processo de atrofia muscular esquelética pode ocorrer como conseqüência direta de estados catabólicos deficientes, como por exemplo, no diabetes e em doenças neuromusculares degenerativas (Reid et al, 2005; revisão). As abordagens farmacológicas atuais para o tratamento da atrofia muscular ainda são bastante limitadas, especialmente porque as vias de sinalização intracelulares envolvidas são pouco conhecidas. O uso agudo e crônico de agonistas de adrenoceptores β2, drogas amplamente utilizadas na clínica para o tratamento de doenças respiratórias, têm se mostrado promissor na atenuação da atrofia muscular. Apesar de alguns estudos atribuirem os efeitos desses agonistas na atenuação da atrofia muscular ao aumento da concentração intracelular de AMPc, o papel dessa via de sinalização nesse processo ainda foi pouco explorado, principalmente no animal adulto. A possível utilização terapêutica dos agonistas seletivos de adrenoceptores β2, assim como o esclarecimento da modulação da via de sinalização do AMPc no processo de atenuação da atrofia muscular, pode abrir um leque de opções para o desenvolvimento de ferramentas farmacológicas que atuem em alvos específicos da cascata de sinalização intracelular, propiciando o desenvolvimento de medicamentos que retardem o processo da atrofia muscular em estados catabólicos. Para isso, é necessário o estabelecimento de protocolos experimentais capazes de avaliar a proteólise muscular do animal adulto. xvi I. INTRODUÇÃO 2 1. Fisiofarmacologia do músculo esquelético e a influência trófica neural motora O músculo esquelético de mamíferos é formado por células alongadas e multinucleadas, as fibras musculares, responsáveis diretas pela dinâmica da contração muscular. Nos mamíferos, cada fibra muscular é inervada por um único axônio de neurônio motor, constituindo uma unidade motora (Mantilla e Sieck, 2008; revisão). A contração muscular é desencadeada pela deflagração do potencial de ação nervoso, que induz a mudança da conformação de canais de Ca2+ dependentes de voltagem presentes na membrana neuronal, ocasionando um aumento intracelular de Ca2+ necessário para a liberação de acetilcolina (ACh) na fenda sináptica (Prado et al., 2002; revisão). Assim, vesículas contendo o neurotransmissor ACh fundem-se à membrana do terminal do neurônio motor, liberando o neurotransmissor na fenda sináptica. A interação subseqüente da ACh com os receptores colinoceptivos nicotínicos (nAChR) pós-sinápticos desencadeia a resposta contrátil da fibra muscular. Na fenda sináptica, a ação da ACh é finalizada pela enzima acetilcolinesterase (AChE), a qual hidrolisa o neurotransmissor, evitando assim o estímulo exacerbado dos nAChR (Sanes e Lichtman, 1999). A região de contato entre o neurônio motor e a fibra muscular, também denominada de junção neuromuscular (JNM), é altamente especializada e caracterizada pela alta concentração de nAChR e AChE (Duclert e Changeux, 1995; revisão). Essa especialização é condicionada por fatores tróficos neurais que modificam o estado transcricional dos núcleos dessa região, diferenciado-os daqueles extrajuncionais (Jasmin et al., 1998). A influência trófica neuronal também é em parte responsável pela modulação da massa muscular e da expressão de proteínas sinápticas, podendo ser evidenciada através da desnervação motora que promove atrofia muscular gradativa (Guth e Albuquerque, 1978), com redução da AChE do músculo (Guth e Albuquerque, 1978). Além dos nAChR, a musculatura esquelética de mamífero também apresenta receptores acoplados à proteína G heterotrimérica, tais como os adrenoceptores β2. A ativação desses receptores por catecolaminas possibilita, por exemplo, a redução da degradação protéica muscular, contribuindo para a manutenção da massa do músculo (Navegantes et al., 2000). 3 Por fim, o músculo esquelético pode ser classificado de acordo com as fibras musculares que o constituem: tipo I ou II (A e B). A existência de diferentes tipos de fibras musculares é devido, principalmente, à propriedade funcional inerente a cada músculo (Zierath et al., 2004; revisão). Como exemplo, as fibras musculares do tipo I possuem lenta velocidade de contração e baixa capacidade anaeróbia (ex.: músculo sóleo). Já as fibras musculares do tipo II, por sua vez, possuem rápida velocidade de contração e alta capacidade anaeróbia (ex.: músculo extensor longo dos dedos (EDL)) (Zierath et al., 2004; revisão). 2. Manutenção da massa muscular e a participação dos sistemas intrínsecos de proteólise muscular A manutenção da massa muscular é dependente do balanço entre dois processos fisiológicos antagônicos: a síntese e a degradação de proteínas musculares (Kettelhut et al., 1988; revisão). Esses dois processos são finamente regulados por fatores nutricionais, hormonais e neuronais (Robert et al., 2004; revisão). A quebra da homeostase entre esses dois processos pode resultar em condições patológicas debilitantes acompanhadas de atrofia muscular, que são claramente evidenciadas em modelos experimentais de desnervação, ou em várias doenças de cunho degenerativo: esclerose lateral amiotrófica, distrofia de Duchenne, dentre outras (Robert et al., 2004; revisão). A regulação fina da proteólise muscular é uma importante etapa no controle da homeostase energética corporal, assim como na manutenção da massa muscular e do crescimento corporal (Kettelhut et al., 1988; revisão). Como o músculo esquelético é considerado o maior reservatório protéico do organismo, a hidrólise de proteínas musculares para a geração de aminoácidos é uma etapa importante na gliconeogênese. Como conseqüência, em situações como jejum, diabetes e sepse, nas quais observamos um balanço protéico negativo com perda de massa muscular, observa-se um aumento da gliconeogênese (Kettelhut et al., 1988; revisão). Corroborando com esta teoria, recentemente foi demonstrado que aminoácidos como a leucina promovem um efeito anti-catabólico na musculatura esquelética (Combaret et al., 2005). Esses autores evidenciaram que a suplementação crônica da dieta de ratos com leucina causa uma inibição da proteólise de cerca de 30%, sugerindo então um possível efeito benéfico na suplementação da dieta com 4 aminoácidos essenciais (Zanchi et al., 2008; revisão). Na realidade, a suplementação da dieta com leucina em modelos animais incrementa a síntese protéica e diminui a proteólise muscular, propiciando um expressivo efeito antiatrófico (Zanchi et al., 2008; revisão). A elucidação dos mecanismos de regulação da proteólise muscular avançou mais vigorosamente somente a partir da década de 90, com enfoque em estratégias terapêuticas para a atenuação do catabolismo muscular exacerbado associado a doenças crônicas e degenerativas (Tawa et al., 1997). Embora saibamos que o músculo esquelético contém múltiplos sistemas intrínsecos de degradação protéica, é cada vez mais necessária a elucidação de como os hormônios ou as moléculas sinalizadoras endógenas modulam esses sistemas. O controle da degradação protéica muscular envolve classicamente três sistemas distintos: o sistema ubiquitina-proteassoma dependente de ATP, o sistema dependente de Ca2+ constituído pelas proteases denominadas calpaínas e o sistema lisossomal constituído pelas proteases denominadas catepsinas (Nader et al., 2002; revisão; figura 1). Vários autores descreveram que a proteólise das miofibrilas musculares ocorre com a participação majoritária do sistema ubiquitina-proteassoma (Medina et al. 1991; Price et al., 1996; Tiao et al., 1996). No entanto, como esse sistema não possui a capacidade de degradar proteínas intactas de miofibrilas (Soloman et al., 1998; revisão), torna-se dependente da ação prévia de proteases do sistema de calpaínas. Proteínas envolvidas na manutenção do arcabouço da fibra muscular, como titina, também são substratos endógenos das calpaínas (Sorimachi et al., 2000; figura 1). Logo, essas enzimas propiciam um desarranjo da estrutura protéica da miofibrila, possibilitando a ação proteolítica do sistema ubiquitinaproteassoma. 2.1. Sistema proteolítico ubiquitina-proteassoma O sistema ubiquitina-proteassoma envolve a ubiquitinação de substratos, com a cooperação de pelo menos três classes de proteínas denominadas ubiquitinas (E1), (E2) e (E3), sendo então endereçados ao proteassoma para que a degradação protéica ocorra. Este sistema pode ser considerado a etapa chave no processo de degradação protéica (Robert et al., 2004; revisão; figura 1), cuja elucidação dos principais mecanismos de regulação rendeu o prêmio Nobel de Química a Aaron 5 Ciechanover, Avram Herskho e Irwin Rose (Neefjes et al., 2004). Este sistema possui o seguinte funcionamento bioquímico (Robert et al., 2004; revisão): 1. Ativação: A enzima E1 ativa a molécula de ubiquitina. O resíduo C-terminal da ubiquitina é ligado covalentemente a um resíduo de sulfidril-cisteína da enzima E1, que ocorre na presença de Mg² e com o consumo de uma molécula de ATP, liberando AMP e pirofosfato (PPi) (figura 1). 2. Transferência: A ubiquitina é transferida para a enzima E2, liberando a enzima E1. 3. Reconhecimento: A enzima E3 reconhece e se liga à proteína-alvo formando um complexo não covalente. 4. Ubiquitinação: O complexo E2-ubiquitina é ligado à E3 de modo que a ubiquitina seja transferida de E2 para o grupo amina de um resíduo de lisina da proteínaalvo. Posteriormente, a enzima E3 solta-se, liberando a enzima E2 e a proteína ubiquitinada. 5. Poli-ubiquitinação: As etapas 3, 4 e 5 se repetem várias vezes, formando uma ou mais cadeias de ubiquitina. 6. A cadeia de ubiquitina é reconhecida pelo proteassoma. A proteína é desubiquitinada por enzimas denominadas desubiquitinases, a proteína é desdobrada com consumo de ATP e hidrolisada formando pequenos peptídeos (de 7 a 9 aminoácidos). Como se pode notar, as ubiquitinas ligases E3 possuem papel fundamental no reconhecimento do substrato protéico a ser devidamente degradado pelo proteassoma. Partindo-se deste fato, duas ubiquitinas ligases E3 foram identificadas no músculo esquelético: Murf-1/Trim63 (Bodine et al., 2001) e atrogin- 1/MAFbx/FBXO32 (Gomes et al., 2001). Por terem suas expressões aumentadas em processos de atrofia, essas proteínas e seus transcritos são utilizadas como marcadores estáticos da proteólise muscular. Além disso, drogas que inibem o sistema proteassomal reduzem a proteólise de músculos esqueléticos submetido ao desuso, atenuando, portanto, o processo de atrofia muscular (Taillandier et al., 1996). 6 2.2. Sistema proteolítico dependente de Ca2+ A participação do sistema dependente de Ca2+ na atrofia e na proteólise musculares foi demonstrada em músculos de rato, cuja atrofia induzida pela imobilização foi atenuada por inibidores de calpaínas (Tischler et al., 1990). De acordo com Tidball et al. (2002), a superexpressão de calpastatinas, inibidores endógenos das calpaínas, atenua em 30% a atrofia de músculos sóleos submetidos ao desuso, confirmando a relevância do sistema dependente de Ca2+ nesse processo. A ausência de efeitos de inibidores do sistema proteolítico lisossomal (ex.: aminoácidos de cadeia curta como leucina, isoleucina e valina), sugere que esse sistema possui papel secundário no processo da atrofia muscular (Deval et al., 2001). 2.3. Sistema proteolítico lisossomal A organela responsável pela ação proteolítica neste sistema é o lisossomo, que possui um conteúdo extremamente ácido (pH 4-5) (Bechet et al., 2005; revisão). Estão contidas nesta organela diversas enzimas hidrolíticas, dentre as quais se encontram as proteases denominadas catepsinas (B, D, H e L) e as hidrolases ácidas: responsáveis por degradar proteínas extracelulares de membrana e citoplasmáticas (Tanida et al., 2004). O acesso do substrato às enzimas lisossomais depende de diferentes processos intracelulares, como a autofagia (Bechet et al., 2005; revisão). A princípio, por ser o primeiro sistema proteolítico identificado, a autofagia foi considerada o principal mecanismo proteolítico da musculatura esquelética, tanto em situações fisiológicas quanto patológicas. Contudo, ao contrário do que se esperava, a inibição da autofagia em animais transgênicos, os quais possuem a deleção de um gene crucial no processo autofágico (Atg7), não previne a atrofia, sugerindo então um papel secundário deste sistema no processo atrófico (Masiero et al., 2009). 7 Figura 1: Sistemas de proteólise muscular responsáveis pelo processo da atrofia muscular 2+ resultante de desuso ou doença: A. Sistema dependente de Ca constituído pelas calpaínas; B. Sistema lisossomal constituído pelas catepsinas; C. Sistema ubiquitina-proteassoma dependente de ATP (Traduzido de Robert et al., 2004; revisão). 3. Métodos de avaliação da proteólise muscular Atualmente, as limitações das metodologias utilizadas no estudo do metabolismo de proteínas, mais especificamente quanto aos processos de degradação protéica, vêm sendo revisados (Rennie et al., 2009; revisão). Devido à limitação metodológica atual, o estudo dinâmico da modulação da proteólise muscular em modelos animais fica restrito a animais impúberes, que diferentemente dos animais adultos, apresentam alta taxa de crescimento. Logo, a extrapolação dos resultados obtidos em animais impúberes para adultos pode ser equivocada. Devido a este fato, os resultados da literatura referentes aos processos de degradação protéica em animais adultos ou senis são restringidos apenas a marcadores moleculares, como as ubiquitinas ligases Atrogin-1 (Gomes et al., 2001) e Murf-1 8 (Bodine et al., 2001), cuja expressão está aumentada em diversos modelos de atrofia, incluindo: diabetes, câncer e insuficiência renal (Gomes et al., 2001), além da privação androgênica de músculos esqueléticos alvos, recentemente demonstrada pelo nosso grupo (Pires-Oliveira et al., 2010). Contudo, a análise exclusiva desses marcadores de proteólise deve ser evitada, já que muitas vezes os resultados obtidos com tais marcadores são conflitantes (Attaix et al., 2010). Acerca do que foi exposto até aqui, conclui-se que o estudo dos mecanismos de controle da proteólise muscular é cada vez mais necessário para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas visando à inibição do catabolismo muscular exacerbado, associado ou não a doenças crônicas degenerativas. Assim, uma nova metodologia que permita a análise direta e dinâmica da proteólise muscular em animais adultos se faz claramente necessária. 4. Papel da adenilil ciclase e do AMPc na sinalização intracelular do músculo esquelético O monofosfato de adenosina cíclico (AMPc) é um segundo mensageiro que está envolvido diretamente na regulação de enzimas chaves da cascata de sinalização intracelular. No músculo esquelético, o AMPc participa da manutenção da massa muscular, principalmente através da inibição do sistema proteolítico dependente de Ca2+ (Navegantes et al., 2000), através da ativação da proteína quinase dependente de AMPc (PKA) e consequente fosforilação de resíduos de serina/treonina de calpaínas. As variações fisiológicas das concentrações intracelulares de AMPc dependem da atividade e regulação de duas famílias de enzimas: as adenilil ciclases (AC) e as fosfodiesterases (PDE). Enquanto as AC catalisam a conversão de ATP em AMPc, as fosfodiesterases degradam o AMPc em AMP (Post et al., 1995). Em geral, a via AC/AMPc é ativada por receptores da membrana celular, como os adrenoceptores β2, que estão acoplados a uma classe de proteínas ligadoras de nucleotídeos da guanina, conhecidas como proteínas G heterotriméricas, por serem formadas pelas subunidades α, β e γ. As subunidades Gα identificam a proteína G e podem ser agrupadas em 4 subfamílias de acordo com a homologia estrutural: a) família das proteínas G estimulatórias (Gs), como é o caso das proteínas G 9 primariamente ativada pelos adrenoceptores β2; b) família das proteínas G inibitórias (Gi); c) família das proteínas Gq/11 e d) família G12/13, que regula as proteínas G de baixo peso molecular (Milligan e Kostenis, 2006; revisão). Enquanto as proteínas G estimulatórias levam à ativação da AC, aumentando assim a síntese basal de AMPc intracelular, as proteínas G inibitórias levam à inibição da AC, diminuindo a síntese basal do segundo mensageiro. Quando receptores acoplados à proteína G são estimulados por seus agonistas, ocorre uma mudança conformacional da subunidade Gα, que por sua vez tem a afinidade pelo GDP diminuída (Tang e Hurley, 1998; revisão). A dissociação do GDP é seguida pela formação do complexo Gα-GTP e a dissociação da subunidade Gα do complexo βγ, permitindo a interação da subunidade α e do complexo βγ com sistemas efetores, como a enzima AC (Tang e Hurley, 1998; revisão; figura 2). A duração da resposta é regulada pela própria subunidade α, que possui atividade enzimática capaz de hidrolisar GTP em GDP, restabelecendo o complexo inativo GDP-Gαβγ (Shmidt, 1997; revisão). Atualmente, nove isoformas de AC associadas à membrana, numeradas de 1 a 9 estão caracterizadas, além de uma AC solúvel (Linder, 2006; revisão). Todas compartilham a mesma estrutura primária (Linder, 2006; revisão) e, com exceção da AC solúvel, podem ser ativadas pela proteína G estimulatória. Além disso, as AC1 a AC8 podem ser ativadas diretamente pela forscolina, diterpeno encontrado em plantas do gênero Coleus (Tang e Hurley, 1998; revisão). O músculo esquelético de mamífero expressa majoritáriamente as isoformas AC2, AC6, AC7 e AC9; sendo esta última a de maior abundância (Suzuki et al., 1998). Estes autores demonstraram que após a desnervação do músculo gastrocnêmico de camundongo, a quantidade de RNAm de AC2 e AC9 diminui, enquanto os transcritos das AC6 e AC7 aumentam, demonstrando que a expressão das AC é modulada pela inervação motora. Resultados obtidos em nosso laboratório mostram ainda que o AMPc está envolvido em processos de manutenção de trofismo muscular (Chiavegatti et al., 2007, Bergantin et al., 2010). O AMPc é capaz de modular diversos processos celulares via ativação da PKA, como a abertura de canais iônicos; a ativação e/ou dessensibilização de receptores acoplados à proteína G, e a ativação de fatores de transcrição, como a proteína ligadora do elemento de resposta ao AMPc (cAMP response element-binding protein, CREB; Paradiso e Brehm, 1998, Milligan e Kostenis, 2006; revisão). 10 Além disso, a sinalização intracelular mediada pelo AMPc está envolvida na inibição da degradação protéica, e conseqüente modulação da massa muscular, evento também atribuído à ativação de PKA (Navegantes et al., 2006). Por outro lado, a descoberta de Epac (Exchange protein directly activated by cAMP), uma molécula sinalizadora também ativada pelo AMPc independentemente da ativação de PKA, abriu uma nova via de sinalização a ser explorada. Estudo recente, realizado por Baviera et al. (2009), demonstrou que a incubação de músculos EDL de ratos impúberes com catecolaminas ou análogos do AMPc também ativa esta via de sinalização, aumentando ainda mais a complexidade de regulação da proteólise muscular pelo AMPc. Figura 2 Sinalização intracelular mediada pelo AMPc. 1) Ativação de receptores de membrana 2) Ativação da proteína Gs estimulatória 3) Ativação da adenilil ciclase 4) Ativação da proteína quinase dependente de AMPc 5) Respostas celulares. 5. Papel dos adrenoceptores β2 e de inibidores de fosfodiesterases na inibição da proteólise muscular Dentre os fatores endógenos que regulam o metabolismo de proteínas musculares, as catecolaminas possuem papel de destaque (Navegantes et al., 2000) e podem ter seus efeitos mimetizados pelos inibidores de fosfodiesterases (Baviera et al., 2006). Apesar das ações fisiológicas das catecolaminas estarem associadas a 11 processos catabólicos, promovendo tanto a degradação de glicogênio e como de gordura (Navegantes et al., 2009; revisão), estudos demonstrando que as catecolaminas reduzem também a proteólise muscular in vivo e in vitro podem ser encontrados (Navegantes et al., 2000). Agonistas de adrenoceptores β2 promovem hipertrofia muscular acentuada (Mersmann 1998; revisão; Navegantes et al., 2004) e também retardam a atrofia induzida pela desnervação de músculos impúberes (Zeman et al., 1987). Por outro lado, a redução da atividade adrenérgica induzida pelo tratamento de ratos impúberes com o depletor de catecolaminas, guanetidina, causa um aumento da taxa de degradação protéica do músculo sóleo (Navegantes et al., 1999), sugerindo que o sistema nervoso simpático exerça um papel inibitório na proteólise da musculatura esquelética. A redução da proteólise muscular por catecolaminas ou por drogas que ativam o adrenoceptor β2, como clenbuterol (agonista seletivo de adrenoceptores β2) ou passos intermediários da sinalização intracelular, como o dibutiril-AMPc (análogo não hidrolisável do AMPc), indica que as catecolaminas inibem o catabolismo muscular através de mecanismos dependentes de AMPc (Navegantes et al., 2001, 2006). O efeito inibitório das catecolaminas na proteólise muscular pode ser mimetizado pelos inibidores de fosfodiesterases (Baviera et al., 2006). Essas drogas são utilizadas amplamente no tratamento de várias doenças respiratórias e cardiovasculares, por induzirem o aumento intracelular do AMPc (Albrecht et al.; Lipworth BJ, 2005). A pentoxifilina, xantina inibidora não-seletiva de fosfodiesterases reduz a proteólise muscular em modelo de sepse em ratos impúberes (Breuille et al., 1993). Baviera et al. (2006) constataram também que o tratamento de ratos impúberes diabéticos com pentoxifilina por 4 dias diminui significativamente a degradação protéica em músculos EDL, através da redução da atividade do sistema proteolítico dependente de Ca2+ e do sistema proteolítico dependente de ATP. Hinkle et al. (2005) recentemente demonstraram que a inibição de fosfodiesterases previne a perda de massa muscular em dois modelos de atrofia, desnervação e desuso por imobilização. Esses dados confirmam a hipótese do aumento do AMPc intracelular ser um dos principais mecanismos responsáveis pela prevenção da degradação protéica muscular excessiva. É importante ressaltar que todos os resultados publicados por esses autores foram obtidos utilizando músculos de animais sexualmente imaturos (30 dias de idade), devido à necrose causada pela falta de 12 oxigenação e de perfusão tecidual adequada de músculos de animais adultos (Baracos e Goldberg, 1986). Logo, uma metodologia que permita a análise dinâmica da proteólise muscular em animais adultos se faz claramente necessária. II. OBJETIVOS 14 Este trabalho teve como objetivo a validação de um novo modelo para a avaliação dinâmica da proteólise muscular esquelética em ratos adultos, utilizando o músculo lumbricalis de rato. Considerando que a via da proteína Gs/AC/AMPc tem participação crucial na manutenção da massa muscular, e que apenas músculos de animais impúberes vêm sendo utilizados para os ensaios atuais de proteólise muscular, este trabalho teve como objetivos específicos: Padronizar e aprimorar em nosso laboratório a técnica de dosagem da tirosina, aminoácido utilizado como marcador dinâmico da proteólise muscular; Desenvolver e validar uma nova metodologia de medida da proteólise muscular esquelética em animais adultos, abrindo a perspectiva para o uso de animais senis ou portadores de doenças crônicas tardias e neurodegenerativas no estudo da proteólise muscular esquelética; Avaliar o efeito do uso de moduladores/ativadores da sinalização mediada pelo AMPc na proteólise muscular esquelética em situações basais e catabólicas. III. MATERIAL E MÉTODOS 16 1. Drogas e Reagentes Soluble Startch (Amido solúvel; Reagen, Quimibrás Indústrias Químicas, Brasil); Tissue tek, optimal critical temperature compound (Miles laboratories, USA); Harri’s Hematoxilin (Merck, USA); Eosin Y (Sigma-aldrich, USA); 1- Nitroso 2 – Naftol (Sima-aldrich, USA); Nitrito de sódio (Sigma-aldrich, USA); Ácido nítrico absoluto (Merck, USA); Etanol absoluto (Merck, USA); 1,2 – Dicloroetano (Merck, USA); Dimetilsulfóxido (DMSO) (Sigma-aldrich,USA); D- Glicose anidra (Synth, Brazil); Dinitrofenol (Sigma-aldrich, USA); NaCl (Synth, Brazil); KCl (Synth, Brazil); MgCl2.6 H2O (Synth, Brazil); NaHCO3 (Synth, Brazil); NaH2PO4.H2O (Synth, Brazil); CaCl2. 2 H2O (Synth, Brazil); Ciclohexamida (Sigma-aldrich,USA); Cloridrato de Isoproterenol (Sigma-aldrich,USA); 3-Isobutil-1-metilxantina (IBMX) (Sigma-aldrich,USA); Forscolina (Sigma-aldrich,USA); Fumarato de Formoterol (Sigma-aldrich,USA); MG 132 (Tocris, USA); E-64 (Sigma-aldrich, USA); Leupeptina (Sigma-aldrich, USA) 2. Soluções Tyrode (135 mM NaCl; 5 mM KCl; 1 mM MgCl2.6 H2O; 15 mM NaHCO3; 2 mM NaH2PO4.H2O; 2 mM CaCl2. 2 H2O; 11 mM glicose, pH 7, 4); 1-nitroso 2-naftol 1% (w/v) diluído em etanol absoluto; 17 Nitrito de sódio 72.5 mM diluído em 20% de ácido nítrico. 3. Animais e procedimento cirúrgico Foram utilizados ratos Wistar machos adultos (com 3-4 meses de idade) e impúberes (30 dias de idade) da colônia 2 BAW, fornecidos pelo biotério do Instituto de Farmacologia e Biologia Molecular (INFAR) da Universidade Federal de São Paulo. Os animais foram mantidos em condições controladas de temperatura e iluminação (ciclo de 12 h claro/escuro) com livre acesso à água e ração. Para a desnervação dos músculos da pata posterior, os ratos foram anestesiados com cetamina (48 mg/kg ip) e xilazina (6 mg/kg ip). Após antissepsia local com álcool 70% e incisão na fossa poplítea do animal, o nervo tibial foi pinçado e seccionado, retirando-se 2 mm para dificultar a reinervação. Em seguida, o corte foi suturado com linha cirúrgica de algodão, sob condições assépticas. A secção do nervo tibial resulta na desnervação dos músculos plantaris, sóleo, gastrocnêmio (cabeças lateral e medial), flexor hallucis longus, tibial posterior, flexor longo dos dedos, os digitais da pata traseira, dentre eles os 4 lumbricales (figura 3), músculos situados na região posterior da pata do animal, e acessórios ao tendão do EDL. Para avaliar o efeito da lesão muscular na proteólise, em outros experimentos, imediatamente após a retirada dos músculos, os mesmos foram submetidos a cortes concêntricos na região central, utilizando pinça dente de rato. Todos os procedimentos foram realizados de acordo com protocolos experimentais aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp (processo no 1431/08). 4. Mensuração da proteólise muscular 4.1. Incubação dos músculos e mensuração da proteólise muscular A mensuração da proteólise muscular foi realizada pela quantificação do aminoácido tirosina liberado pelos músculos esqueléticos. Como o músculo é incapaz de degradar ou sintetizar tirosina, a liberação deste aminoácido in vitro reflete a velocidade de proteólise muscular in vivo (Baracos e Goldberg, 1986). A dosagem de tirosina foi realizada por método fluorimétrico, inicialmente descrito por Waalkes e Udenfriend (1957) e adaptado por nós para microplaca. A reação baseia- 18 se na formação de um composto fluorescente estável detectável sob excitação a 485 nm e emissão a 590 nm, após reação de L-tirosina das amostras com nitroso-naftol na presença de ácido nítrico a 55º C. Esta reação possui alta especificidade para compostos fenólicos, como a L-tirosina (Tina e Gregory, 2007). A dosagem da tirosina liberada por músculos utilizando esta técnica já é largamente empregada pela literatura, assegurando sua validade e confiabilidade (Navegantes et al., 2000; Baviera et al., 2006; Baracos e Goldberg, 1986). Após o sacrifício do rato por decapitação, cada músculo lumbricalis, associado ao seu próprio osso metatarso (sistema ML/MT), foi retirado do animal e transferido para microtubo contendo 1,0 ou 1,5 ml de meio nutritivo Tyrode, pH 7,4 equilibrado com 95% de O2 e 5% de CO2. A temperatura foi rigorosamente mantida a 37º C, já que altas temperaturas induzem a proteólise muscular (Hall-Angeras et al., 1990). Após 30 min com a pré-incubação das drogas a serem testadas, o sistema ML/MT foi incubado por 1h a 5h em meio idêntico ao anterior. Posteriormente, o sistema ML/MT foi retirado do tubo, o músculo foi dissecado e pesado e o meio nutritivo contendo a tirosina liberada pelo músculo foi utilizado para a determinação da proteólise muscular. 5. Dosagem do aminoácido tirosina O método original de dosagem do aminoácido tirosina descrito por Waalkes e Udenfriend (1957) foi adaptado em nosso laboratório para quantificação em microplaca. A técnica baseia-se na formação de um composto fluorescente estável, detectável sob excitação a 485 nm e emissão a 590 nm, após reação (derivatização) da L-tirosina das amostras com nitroso-naftol, na presença de ácido nítrico a 55º C. Esta reação, nesta alta temperatura, possui alta especificidade para compostos fenólicos como a L-tirosina (figura 7B) (Tina e Gregory, 2007). Resumidamente, amostras (500 µl) foram transferidas para microtubos de 2 ml e incubadas com 200 µl de mistura reacional, que consistiu em nitroso-naftol 1% (w/v) diluído em etanol absoluto e nitrito de sódio 72.5 mM diluído em ácido nítrico 20% na proporção 1:1 v/v por 30 min a 55o C. Depois de arrefecimento por 10 min, uma extração adicional do nitroso-naftol foi realizada pela adição de 1 ml de 1,2dicloroetano. Esta etapa é necessária, já que a presença do nitrosonaftol, de coloração amarela, diminui a sensibilidade de leitura do fluoróforo formado (Waalkes 19 e Udenfriend, 1957). Logo, esta etapa de extração garante a alta sensibilidade de leitura (≥ 0,25 µg/ml de tirosina). A seguir, as amostras foram vigorosamente misturadas e centrifugadas por 10 min a 800 x g, a 4º C. Com este procedimento, há a formação de 2 fases líquidas: uma orgânica e outra aquosa, que contém o aminoácido tirosina. A tirosina foi quantificada por fluorimetria (excitação a 485 nm e emissão a 590 nm) e expressa como nmol/ mg de tecido/ hora. 6. Análise morfológica dos músculos Os animais foram pesados e decapitados em guilhotina. Posteriormente, os músculos lumbricales e EDL de ambas as patas foram retirados, pesados, desidratados em amido solúvel e envolvidos em Tissue tek (Miles laboratories, Naperville, IL, USA). Após fixação em cortiças, os músculos foram congelados rapidamente em nitrogênio líquido e armazenados a –80º C. Para a determinação do diâmetro (µm) das fibras musculares, secções transversais (5 µm) dos músculos lumbricales e EDL foram obtidas em criostato (Carl Zeiss, USA), coradas com hematoxilina e eosina (HE) e 7 campos por secção foram fotografados sob microscópio de luz (Nikon Eclipse E800, Melville, New York, USA; objetiva de 40x) conectado a um sistema de captura de imagens. As imagens foram analisadas utilizando o software HL Image 97 (Western Vision Software, Layton, Utah, USA) e processadas utilizando o software Adobe Photoshop CS 4.0 (Adobe Systems Inc., Mountain View, CA, USA) (Eriksson, 2006 a e b). 7. Análise Estatística Os resultados obtidos foram expressos como média ± erro padrão da média. As diferenças estatísticas entre duas médias foram determinadas através do teste “t” de Student e aquelas entre três ou mais médias por ANOVA de uma via com pós-teste de Tukey, utilizando o programa computacional Graphpad Prism versão 5.01. A probabilidade de se rejeitar falsamente a hipótese de nulidade foi fixada em 5% (p< 0,05). IV. RESULTADOS 21 1. Caracterização morfológica dos músculos lumbricales Na primeira parte deste trabalho, foi realizada a caracterização morfológica dos músculos lumbricales, comparando-os com um músculo de propriedade contrátil semelhante: o EDL. De acordo com a descrição histoquímica de Gates et al. (1991), os músculos lumbricales possuem um padrão misto de fibras, predominantemente de contração rápida (tipo II), com 84 % de fibras do tipo II B, 6 % de fibras do tipo II A e 10 % de fibras do tipo I. 1.1. Massa dos músculos lumbricales do rato adulto A figura 3 mostra os 4 músculos lumbricales, numerados de 1 a 4 conforme a posição anatômica. Conforme indicado na figura 4, não houve diferença estatística entre a massa dos 4 músculos (38,6 ± 0,6 a 39,5 ± 0,7 mg). Entretanto, a massa dos músculos lumbricales representou cerca de 1/3 daquela do músculo EDL (124,3 ± 0,3 mg). Massa Muscular (mg) Figura 3. Fotografia da pata esquerda de rato Wistar adulto. Os 4 músculos lumbricales foram numerados de 1 a 4, a partir da região medial da pata. 150 100 * 50 * * * 0 EDL 1 2 3 4 Lumbricales Figura 4. Massa dos músculos EDL e lumbricales, numerados a partir da região medial da pata de ratos adultos (3 meses de idade). Cada barra representa a média ± erro-padrão da média de 8 músculos de 4 animais. (*) significantemente diferente do músculo EDL; P<0,05. 22 1.2. Análise morfométrica dos músculos O diâmetro das fibras dos músculos lumbricales (26,97 ± 0,12 µm, figuras 5B-E e 6B-F) foi cerca de 22% menor que aqueles do EDL (34,52 ± 0,42 µm; figuras 5F e 6B). De acordo com o teste de normalidade de Pearson (1931) e D'Agostino et al., (1990), a variação do diâmetro das fibras musculares de todos os músculos analisados seguiu um padrão de distribuição normal (figura 6B-F). Figura 5. (A) Fotografia da pata direita do rato adulto mostrando os 4 músculos lumbricales, numerados de 1 a 4, segundo a posição anatômica. (B-E) secções transversais (5 µm) dos músculos lumbricales. F - secção transversal (5 µm) do músculo EDL. Todas as secções foram coradas com Hematoxilina e Eosina (HE). Barra= 20 µm. 23 B 40 * * * * 20 10 0 EDL 1 2 3 20 15 10 5 0 4 Diâmetro das Fibras ( µm) Lumbricales (posição anatômica) Lumbricalis 1 15 10 5 Lumbricalis 2 15 10 5 0 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 0 20 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 Frequência Relativa (%) 20 Frequência Relativa (%) D C Diâmetro das Fibras ( µm) Diâmetro das Fibras ( µm) F E Frequência Relativa (%) 15 Lumbricalis 3 10 5 Lumbricalis 4 15 10 5 0 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 0 20 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 Frequência Relativa (%) EDL 11 14 17 20 23 26 29 32 35 38 41 44 47 50 53 56 59 62 30 Frequência Relativa (%) Diâmetro das fibras ( µ m) A Diâmetro das Fibras ( µm) Diâmetro das Fibras ( µm) Figura 6. (A) Diâmetro das fibras dos músculos EDL e lumbricales (numerados de 1 a 4 segundo a posição anatômica) de ratos Wistar com 3 meses de idade. Cada barra representa a média ± erropadrão da média de músculos de 4 animais. (*) significantemente diferente do músculo EDL, P<0,05. Freqüência de distribuição do diâmetro das fibras dos músculos EDL (B) e lumbricales (C-F), numerados de 1 a 4 segundo a posição anatômica. 24 2. Padronização da dosagem do aminoácido tirosina 2.1. Curva Padrão de dosagem de tirosina A liberação de tirosina pelos músculos lumbricales em função do tempo reflete a velocidade da proteólise muscular (Baracos e Goldberg, 1986). Neste estudo, a dosagem da tirosina foi padronizada com base no método descrito por Waalkes e Udenfriend (1957). A figura 7A mostra curvas-padrão de tirosina obtidas, na ausência ou presença da etapa de extração com dicloroetano. Conforme descrito no item 5 de Materiais e Métodos, a reação é altamente específica para composto fenólicos, como a L-tirosina (Figura 7B). Embora as duas curvas tenham se ajustado à regressão linear (r2 = 0,99), a extração com 1,2-dicloroetano aumentou em 200 vezes a sensibilidade do método. O aumento da sensibilidade promovido por esta etapa de extração, inicialmente descrito no macrométodo proposto por Waalkes e Udenfriend (1957), permitiu a adaptação da dosagem para micrométodo, utilizando microplaca de 96 fossos. Unidade de Fluorescência A 40 B com dicloroetano 30 20 10 sem dicloroetano 0 0 2 4 6 8 10 Concentração de tirosina (µ µg/ml) Figuras 7. (A) Curvas-Padrão de tirosina obtidas na ausência ou presença da etapa de extração com 1,2-dicloroetano. Cada ponto representa a média de ensaios realizados em duplicata. (B) Estrutura química da molecula da L-tirosina mostrando o grupo fenólico. 25 3. Introdução e validação da metodologia de medida da proteólise muscular 3.1. Efeito do tempo de incubação na proteólise de músculos lumbricales controles A figura 8 ilustra a liberação basal de tirosina de músculos lumbricales mantidos a 37ºC em Tyrode por 1 a 5 h. A proteólise basal foi aumentada proporcionalmente ao tempo até a 3ª hora de incubação, estabilizando-se em 0,42 ± 0,03 nmol/ mg (figura 8). A partir desses dados, os experimentos subseqüentes (nmol tirosina/ mg/ tempo) Proteólise foram realizados incubando-se os músculos por 2h em Tyrode. 0.6 0.5 ** ** ** 0.4 * 0.3 0.2 0.1 0.0 0 1 2 3 4 5 Tempo de incubação (h) Figura 8. Efeito do tempo de incubação na proteólise (liberação de tirosina) de músculos lumbricales incubados por 2h com ciclohexamida. Cada barra representa a média ± erropadrão da média de 3 a 9 músculos de 3-5 animais. (*) significantemente diferente de 1h; (**) significantemente diferente de 2h. P < 0,05. 3.2. Relação entre a posição anatômica dos lumbricales e a proteólise muscular A figura 9 representa a proteólise basal dos 4 músculos lumbricales, numerados de acordo com a posição anatômica, a partir da região medial da pata dos animais. Não foi detectada diferença estatística entre a proteólise basal dos músculos, sugerindo que estes sejam metabolicamente equivalentes (figura 9). Experimentos realizados apenas com o metatarso mostram que não há liberação detectável de tirosina pelo osso (figura 9). 26 (nmol tirosina/ mg/ h) Proteólise 0.20 0.15 0.10 0.05 ND 0.00 1 2 3 4 Osso Figura 9. Proteólise (liberação de tirosina) de músculos lumbricales, numerados de 1 a 4 de a partir da região medial e dos metatarsos (Osso). Cada barra representa a média ± erro-padrão da média de 6 músculos de 3 animais. ND = não detectável. Lumbricalis 3.3. Interferência da síntese protéica na medida da proteólise do músculo lumbricalis Para avaliar a interferência da síntese protéica na medida da proteólise muscular, a medida da liberação de tirosina foi realizada na presença do inibidor da síntese protéica ciclohexamida 0,5 mM, que aumentou em 30% a proteólise basal (0,12 ± 0,01 nmol/ mg/ h) (figura 10). Com base nestes dados, em todos os experimentos subseqüentes, adicionamos ao meio de incubação ciclohexamida 0,5 mM. * (nmol tirosina/ mg/ h) Proteólise 0.16 Figura 10. Interferência da síntese protéica na medida da proteólise (liberação de tirosina) de músculos lumbricales incubados por 2h com ciclohexamida. Cada barra representa a média ± erro-padrão da média de 8 músculos de 4 animais. (*) significantemente diferente do grupo controle; P<0,05. 0.12 0.08 0.04 0.00 Controle Ciclohexamida 0,5 mM 27 3.4. Efeito da lesão mecânica e da desnervação cirúrgica na proteólise do músculo lumbricalis Para averiguarmos se o método era capaz de detectar modificações na liberação de tirosina, avaliamos o efeito da lesão mecânica dos músculos através de cortes concêntricos na região medial do músculo. Conforme mostrado na figura 11, a lesão aumentou a proteólise basal (0,14 ± 0,01 nmol/ mg/ h) em 57%. Neste modelo, a indução de catabolismo é resultante do intenso influxo de Ca2+ na fibra muscular, que culmina no aumento da proteólise (Furuno e Goldberg, 1986). Proteólise (nmol tirosina/ mg/ h) 0.25 * 0.20 0.15 0.10 0.05 0.00 Controle Lesionado Figura 11. Efeito da lesão mecânica na proteólise (liberação de tirosina) de músculos lumbricales incubados por 2h com ciclohexamida. Cada barra representa a média ± erro-padrão da média de 6 músculos de 3 animais. (*) significantemente diferente do grupo controle; P<0,05. Da mesma forma, a desnervação por 3 e 7 dias, induzida pela secção do nervo tibial, aumentou em 28% e 64% respectivamente a proteólise muscular basal (0,14 ± 0,01 nmol/ mg/ h; figura 12A). Esse efeito foi acompanhado pela redução de 10% e 25% da massa muscular (38,5 ± 1,2 mg; figura 12B), o que valida o uso de músculos lumbricales de rato adulto como modelo experimental para o estudo do catabolismo muscular esquelético. 28 Proteólise (nmol tirosina/ mg/ h) 0.30 * 0.24 * 0.18 0.12 0.06 sham 1 3 7 40 (mg) Massa Muscular 50 * 30 * 20 10 sham 1 3 7 Período de Desnervação (dias) Figura 12. Efeito da desnervação por 1, 3 e 7 dias na proteólise (liberação de tirosina) (A) e na massa (B) dos músculos lumbricales. Cada barra representa a média ± erro-padrão da média de 8-12 músculos de 4-6 animais. (*) significantemente diferente do grupo controle (sham); P<0,05. 3.5. Contribuição dos sistemas ubiquitina-proteassoma e das calpaínas na proteólise do músculo lumbricalis Em geral, os principais sistemas envolvidos na degradação protéica muscular esquelética são aqueles dependentes de ATP (sistema ubiquitina-proteassoma) ou de Ca2+ (sistema das calpaínas) (Nader et al., 2002; revisão; figura 1). A contribuição desses sistemas em nosso modelo experimental foi avaliada pela pré-incubação dos músculos lumbricales de ratos adultos com o inibidor do sistema ubiquitina-proteassoma MG132 (20 µM) (Kadlcíková et al., 2005) ou com os inibidores do sistema das calpaínas E64 (25 µM) e leupeptina (50 µM) (Navegantes et al., 2001). O veículo utilizado para a diluição das drogas (DMSO 0,2%) não modificou a liberação basal de tirosina (basal = 0,13 ± 0,01 nmol/ mg/ h; DMSO = 0,12 ± 0,01 nmol/ mg/ h). A incubação dos músculos lumbricales com MG132 ou com E64 e leupeptina reduziu em 40% e 20%, respectivamente, a proteólise obtida 29 na presença de DMSO (Figura 13). É interessante notar que a incubação conjunta dos inibidores de calpaínas e de proteassoma não ocasionou uma somação dos efeitos inibitórios, o que confirma elegantemente a teoria atual de que o sistema ubiquitina-proteassoma é a etapa limitante do processo de proteólise muscular (Robert et al., 2004; revisão; figura 1). (nmol tirosina/ mg/ h) Proteólise 0.14 0.12 * 0.10 ** *** 0.08 0.06 0.04 Basal DMSO E64 + Leup MG132 MG132 + E64 + Leup Figura 13. Efeito de inibidor de proteassoma (MG132 20 µM) e de inibidores de calpaínas (E64 25 µM e leupeptina 50 µM) na proteólise (liberação de tirosina) de músculos lumbricales incubados por 2h com ciclohexamida. Cada barra representa a média ± erro-padrão da média de 8 músculos de 4 animais. Significantemente diferente do grupo controle + veículo (DMSO): *P<0,05, **P<0,005, ***P<0,0001. 3.6. Efeitos da maturação do rato na proteólise do músculo lumbricalis Para avaliar se o modelo experimental permite a análise direta da proteólise em músculos de ratos em diferentes estágios do desenvolvimento pós-natal, comparamos a proteólise basal de músculos lumbricales de animais impúberes e adultos. Como mostrado na figura 14, a proteólise de músculos de ratos de 30 dias (0,33 ± 0,01 nmol/ mg/h) foi 94% superior àquela de animais com 3 meses de idade. Este dado, por si só, pode impedir a extrapolação dos resultados obtidos em animais impúberes para adultos. 30 maturação Proteólise (nmol tirosina/ mg/ h) 0.4 0.3 * 0.2 Figura 14. Efeito da maturação animal na proteólise (liberação de tirosina) de músculos lumbricales incubados por 2h com ciclohexamida. Cada barra representa a média ± erro-padrão da média de músculos de 4 animais. (*) significantemente diferente do grupo impúbere (zero); P<0,05. 0.1 0.0 30 90 Idade (Dias) Para averiguarmos se a proteólise aumentada no músculo lumbricalis do animal impúbere não era devido a algum artefato do sistema, determinamos a proteólise na presença de dinitrofenol 0,5 mM, depletor de estoques intracelulares de ATP, via desacoplamento do transporte de elétrons e da ATP sintase mitocondrial (Stuart et al., 1999; revisão). Conforme mostrado na figura 15, o dinitrofenol reduziu em 38% a proteólise do músculo lumbricalis (0,29 ± 0,01 nmol/ mg/ h), efeito semelhante aquele obtido com MG132, em músculo de ratos adultos (figura 13). (nmol tirosina/ mg/ h) Proteólise 0.4 0.3 * 0.2 0.1 0.0 Controle Dinitrofenol Figura 15. Efeito da depleção de ATP com dinitrofenol 0,5 mM na proteólise (liberação de tirosina) de músculos lumbricales de animais impúberes incubados por 2h com ciclohexamida. Cada barra representa a média ± erropadrão da média de músculos de 4 animais. (*) significantemente diferente do grupo controle (zero); P<0,05. 31 4. Efeito de moduladores da via do AMPc na proteólise muscular esquelética Considerando o papel crucial da via da proteína Gs/ AC/ AMPc na manutenção do trofismo muscular, e que apenas músculos de animais impúberes vêm sendo utilizados para os ensaios de medida da proteólise muscular, analisamos a viabilidade do uso de moduladores da via de sinalização do AMPc na inibição da proteólise de músculo lumbricalis de rato adulto em situações basais e de hipercatabolismo. 4.1. Efeito da ativação de adrenoceptores β na proteólise muscular A ação trófica anticatabólica dos agonistas de adrenoceptores β já foi descrita em músculos esqueléticos de ratos impúberes (Navegantes et al., 2001). Em nosso modelo, avaliamos o efeito anticatabólico do agonista clássico não-seletivo de adrenoceptores β, isoproterenol (10 a 100 µM). A incubação por 2 h com a droga (30 e 100 µM) reduziu em 13 e 20 % a proteólise basal (0,15 ± 0,01 nmol/ mg/ h; figura 16) de músculos lumbricales. (nmol tirosina/ mg/ h) Proteólise 0.16 * 0.12 * 0.08 0.04 0.00 0 10 30 Isoproterenol (µM) 100 Figura 16. Efeito do isoproterenol na proteólise (liberação de tirosina) de músculos lumbricales incubados por 2h com ciclohexamida. Cada barra representa a média ± erropadrão da média de 12 músculos de 6 animais. (*) significantemente diferente do controle (zero); P<0,05. O efeito do isoproterenol também foi avaliado em músculos lumbricales submetidos à desnervação por 3 dias. Conforme mostrado na figura 17, o isoproterenol atenuou o efeito hipercatabólico do músculo desnervado (0,18 ± 0,01 32 nmol/ mg/ h), restabelecendo os valores da proteólise àqueles de músculo controle inervado (0,14 ± 0,01 nmol/ mg/ h). (nmol tirosina/ mg/ h) Proteólise 0.25 Basal ISO 100 µM 0.20 * ** 0.15 * 0.10 0.05 0.00 Controle O efeito do Desnervado isoproterenol foi mimetizado Figura 17. Efeito do isoproterenol (ISO, 100 µM) na proteólise (liberação de tirosina) de músculos lumbricales controles e desnervados incubados por 2h com ciclohexamida. Cada barra representa a média ± erro-padrão da média de músculos de 4-6 animais. (*) significantemente diferente do grupo controle não tratado; (**) significantemente diferente do grupo desnervado não tratado; P<0,05. pelo agonista seletivo de adrenoceptores β2, formoterol. A incubação dos músculos lumbricales por 2 h com formoterol 1 a 10 nM reduziu em 12 a 20% a proteólise basal (0,16 ± 0,01 nmol/ mg/ h; figura 18). Cabe ressaltar que os efeitos antiproteolíticos do formoterol foram observados em concentrações equivalentes àquelas plasmáticas eficazes na profilaxia da crise asmática, o que pode evidenciar uma nova utilidade terapêutica para este fármaco. (nmol tirosina/ mg/ h) Proteólise 0.20 * 0.15 * * 3 10 0.10 0.05 0.00 0 1 Formoterol (nM) Figura 18. Efeito do formoterol na proteólise (liberação de tirosina) de músculos lumbricales incubados por 2h com ciclohexamida. Cada barra representa a média ± erro-padrão da média de 9-13 músculos de 67 animais. (*) significantemente diferente do grupo controle (zero); P<0,05. 33 Conforme mostrado na figura 19, o formoterol também atenuou em 20% o efeito hipercatabólico de músculos desnervados por 3 dias (0,23 ± 0,01 nmol/ mg/ h). (nmol tirosina/ mg/ h) Proteólise 0.30 0.25 Basal Formoterol 3 nM * ** 0.20 0.15 * 0.10 0.05 0.00 Controle Desnervado Figura 19. Efeito do formoterol (3 nM) na proteólise (liberação de tirosina) de músculos lumbricales controles ou desnervados por 3 dias. Cada barra representa a média ± erro-padrão da média de músculos de 4-6 animais. (*) significantemente diferente do grupo controle não tratado; (**) significantemente diferente do grupo desnervado não tratado; P<0,05. 4.2. Efeito da inibição de fosfodiesterases e da ativação da adenilil ciclase na proteólise muscular A incubação dos músculos lumbricales com 3-Isobutil-1-metilxantina (IBMX), inibidor não-seletivo de fosfodiesterases, promoveu a redução de 15% da proteólise basal (0,14 ± 0,01 nmol/ mg/ h) (figura 20), mimetizando o efeito do Isoproterenol (figura 16). (nmol tirosina/ mg/ h) Proteólise 0.16 * 0.12 * 0.08 0.04 0.00 0 30 100 300 1000 IBMX (µM) Figura 20. Efeito da 3-isobutil-1metilxantina (IBMX) na proteólise (liberação de tirosina) de músculos lumbricales incubados por 2h com ciclohexamida. Cada barra representa a média ± erro-padrão da média de 8-16 músculos de 4-8 animais. (*) significantemente diferente do grupo controle (zero); P<0,05. 34 A Ativação direta da adenilil ciclase com forscolina 30 e 100 nM, diterpeno isolado de plantas do gênero Coleus, reduziu em 12-17% a proteólise basal dos músculos lumbricales (0,14 ± 0,01 nmol/ mg/ h; figura 21). O efeito observado coloca a adenilil ciclase como um importante alvo farmacológico de modulação do catabolismo muscular. (nmol tirosina/ mg/ h) Proteólise 0.16 * * 0.12 Figura 21. Efeito da forscolina na proteólise (liberação de tirosina) de músculos lumbricales incubados por 2h com ciclohexamida. Cada barra representa a média ± erro-padrão da média de 4-16 músculos de 4-8 animais. (*) significantemente diferente do grupo controle (zero); P<0,05. 0.08 0.04 0.00 0 10 30 100 Forscolina (nM) 4.3. Efeito de moduladores da via de sinalização do AMPc na proteólise muscular de animais impúberes Além disso, o efeito dos moduladores da via de sinalização do AMPc forscolina 100 nM, IBMX 300 µM e formoterol 3 nM na proteólise muscular de animais impúberes também foi avaliado (figura 22). Todas as drogas inibiram em 20% a proteólise de maneira similar a de animais adultos, sugerindo que, para esta via de sinalização, seu efeito anticatabólico permanece preservado na idade adulta. Impúbere Proteólise (nmol tirosina/ mg/ h) 0.36 0.30 * * Adulto * 0.24 0.18 # * 0.12 * * 0.06 0.00 C Fsk IBMX Form C Fsk IBMX Form Figura 22. Efeito dos moduladores da via de sinalização do AMPc (forscolina, Fsk; IBMX e formoterol, Form) na proteólise de músculos lumbricales de animais adultos (3 meses) e impúberes (1 mês), incubados por 2h com ciclohexamida. Cada barra representa a média ± erro-padrão da média de músculos de 4-6 animais. (*) significantemente diferente do respectivo controle (C); (#) significantemente diferente do grupo impúbere ; P<0,05. 35 4.4. Efeito de moduladores da via de sinalização do AMPc na proteólise de músculos EDL de animais impúberes Por fim, comparamos o efeito de moduladores da via de sinalização do AMPc na proteólise de músculos lumbricales adultos e impúberes com aqueles de músculos EDL de animais impúberes (30 dias de idade), largamente utilizado para medida de proteólise muscular na literatura atual. Tanto o formoterol (3 nM) como a forscolina (100 nM) inibiram em 20% a proteólise basal de músculos lumbricales de ratos adultos (0,14 ± 0,01 nmol/ mg/ h), impúberes (0,32± 0,01 nmol/ mg/ h) e EDL de animais impúberes (0,10± 0,01 nmol/ mg/ h). A proteólise de músculos lumbricales impúberes representou cerca de 3 vezes aquela de músculos EDL de animais impúberes (figura 23). A proteólise de músculos EDL de animais adultos não pôde ser medida devida à limitação metodológica já descrita anteriormente. Lumbricales Impúbere # 0.3 0.2 0.1 EDL Impúbere * * Fo Ba rm sa l Fo ote rs rol co lin a 0.0 * Adulto * Adulto * * ? Fo Ba rm sa l Fo ote rs rol co lin a Fo Ba rm sa l Fo ote rs rol co lin a (nmol tirosina/ mg/ h) Proteólise 0.4 Figura 23. Efeito da forscolina (100 nM) e formoterol (3 nM) na proteólise (liberação de tirosina) de músculos lumbricales e EDL de ratos adultos e impúberes incubados por 2h com ciclohexamida. Cada barra representa a média ± erro-padrão da média de músculos de 5-6 animais. (?) A proteólise de EDL de rato adulto não pôde ser medida devido à limitação metodológica. (*) significantemente diferente do respectivo controle (Basal); (#) significantemente diferente do EDL impúbere; P<0,05. V. DISCUSSÃO 37 A regulação fina da proteólise muscular é um processo fundamental no controle da homeostase energética corporal, permitindo a manutenção adequada da massa muscular e do crescimento corporal (Kettelhut et al., 1988; revisão). Como o músculo esquelético é considerado o maior reservatório protéico do organismo, a hidrólise de proteínas musculares para a geração de aminoácidos é uma etapa importante, por exemplo, na gliconeogênese. Além disso, a manutenção da massa muscular é freqüentemente associada ao balanço entre a proteólise e a síntese protéica (Kettelhut at., 1988; revisão). Esses dois processos são majoritariamente regulados por fatores nutricionais, hormonais e neuronais (Robert et al., 2004; revisão). A quebra da homeostase entre esses dois processos pode resultar em condições patológicas debilitantes acompanhadas de atrofia muscular, e que são claramente evidenciadas em modelos experimentais de desnervação, ou em várias doenças de cunho degenerativo: esclerose lateral amiotrófica, distrofia de Duchenne, dentre outras (Robert et al., 2004; revisão). Considerando que a via da proteína Gs/AC/AMPc tem participação crucial na manutenção do trofismo muscular (Navegantes et al., 2000), e que apenas músculos de animais impúberes vêm sendo utilizados para os ensaios de proteólise muscular devido à limitação metodológica, caracterizamos neste trabalho um novo modelo de estudo in situ da proteólise muscular no animal adulto, que foi validado pela análise do efeito de ativadores/moduladores da via de sinalização do AMPc na proteólise muscular em condições basais e catabólicas. 38 1. Caracterização do novo modelo de estudo da proteólise muscular Nessa primeira parte do estudo, realizamos a caracterização morfológica do modelo de estudo proposto, o músculo lumbricalis, comparando-o com o EDL do rato adulto, músculo geralmente utilizado em ensaios de proteólise (Baracos e Goldberg, 1986; Navegantes et al., 2000). Nossos dados mostram que os músculos lumbricales possuem massa 3 vezes menor que a do EDL (figura 4). Além disso, as fibras dos músculos lumbricales apresentaram diâmetro 20% menor que aquelas do músculo EDL (figura 5). Estes aspectos são de extrema relevância para a medida da proteólise muscular, visto que o protocolo de medida da liberação de tirosina exige músculos delgados com fibras de diâmetro suficientemente pequenos para uma perfeita perfusão tecidual (Baracos e Goldberg, 1986; Baviera et al., 2006). Como se pode destacar, a utilização do músculo EDL de animal adulto é inviável para a realização desses protocolos, já que ao longo do experimento, as fibras musculares mais internas inevitavelmente sofrem necrose tecidual (Navegantes et al., 2000), além de indução de catabolismo não condizente à condição in vivo. Por fim, como se pode notar na figura 6, o diâmetro médio das fibras foi semelhante nos 4 músculos lumbricales de cada pata, seguindo um padrão de distribuição normal Gaussiano, independentemente da posição anatômica de cada músculo, indicando uma homogeneidade no tamanho das fibras. De acordo com a descrição histoquímica de Gates et al. (1991); os músculos lumbricales possuem um padrão de fibras de contração rápida semelhante ao EDL (tipo II), com cerca de 90% de fibras rápidas (tipo II). Esse perfil assemelha-se muito mais aquele de músculos de humanos, nos quais predominam as fibras rápidas (Gates et al., 1991). Além disso, músculos constituídos majoritariamente por fibras lentas, como o sóleo, possuem um padrão de atrofia diferente daquelas de fibras rápidas (Rennie et al., 2009; revisão). Como exemplos, em modelo de desuso por imobilização, o músculo sóleo perde massa muscular a uma taxa maior (3% ao dia) que aquela do EDL, cuja perda de massa ocorre a uma taxa de 0,8% ao dia (Rennie et al., 2009; revisão). Em humanos, a imobilização causa uma perda de massa muscular em músculos quadríceps a uma taxa de 0,5% ao dia, isto é, mais próxima do padrão de fibras do tipo II (De Boer et al., 2007). Considerando a limitação 39 metodológica da medida da proteólise em músculos de ratos adultos (Rennie et al., 2009; revisão), fomos avaliar se era possível utilizar o modelo de músculos lumbricales para a medida da proteólise muscular. 2. Padronização da técnica de dosagem do aminoácido tirosina A técnica atual para dosagem da tirosina, aminoácido utilizado como marcador dinâmico da proteólise muscular, foi inicialmente descrita por Waalkes e Udenfriend (1957) sendo realizada em volume final de 10 mL, com geração de um volume muito grande de rejeitos tóxicos. A dosagem da tirosina liberada por músculos utilizando esta técnica já é largamente empregada pela literatura, assegurando sua validade e confiabilidade (Navegantes et al.; 2000; Baviera et al., 2006; Baracos e Goldberg, 1986). Por outro lado, a adaptação do método à microplaca, proposta por Tina e Gregory (2007), resultava na redução da sensibilidade de detecção de tirosina. No presente trabalho, padronizamos um micrométodo de medida da tirosina, com sensibilidade 200 vezes maior que aquela do método descrito por Tina e Gregory, (2007). A técnica baseia-se na formação de um composto fluorescente estável, detectável sob excitação a 485 nm e emissão a 590 nm, após reação (derivatização) de L-tirosina das amostras com nitroso-naftol na presença de ácido nítrico a 55º C, já que a reação é claramente endergônica. Esta reação possui alta especificidade para compostos fenólicos, como a L-tirosina (Tina e Gregory, 2007). Contudo, no método atual de microplaca, a baixa sensibilidade (50 µg/ml) devido à interferência de produtos de cor amarela que suprimem a medida adequada do fluoróforo, foi aumentada em 200 vezes pela inclusão de um passo (adição de 1,2 dicloroetano) responsável pela extração do nitroso naftol (figura 7). Logo, aliamos a alta sensibilidade do macrométodo proposto por Waalkes e Udenfriend, (1957) com um baixo volume de reagentes (Tina e Gregory, 2007), o que permitiu a adaptação da dosagem do aminoácido tirosina à microplaca de 96 poços e a mensuração simultânea de várias amostras. Esta adaptação permite que o método seja utilizado para realização de triagem farmacológica, na qual a dosagem de um elevado número de amostras se faz necessária. 40 3. Introdução e validação da metodologia de medida da proteólise muscular Na terceira parte do presente estudo, validamos o modelo de músculo lumbricalis para a medida dinâmica da proteólise muscular esquelética, o que pode propiciar o estudo da regulação do catabolismo muscular em diferentes idades do desenvolvimento pós-natal (impúbere, adulto e senil), além de doenças crônicas degenerativas associadas, abordagem ainda não explorada pela literatura (Navegantes et al., 2001; Baviera et al., 2006; Furuno e Goldberg, 1986). Este novo modelo foi validado reproduzindo resultados clássicos de proteólise muscular relatados pela literatura, como lesão muscular aguda (Figura 11) e secção no neurônio motor (Reid, 2005; revisão; figura 12), situações nas quais a proteólise muscular está visivelmente aumentada. Em condições basais, a velocidade de proteólise do músculo lumbricalis manteve-se constante entre 1 a 3 horas de incubação (Figura 8). Logo, o tempo médio de 2 h foi escolhido como tempo de incubação para os experimentos subseqüentes. Além disso, não houve liberação detectável de tirosina pelos ossos metatarsos incubados na ausência dos músculos lumbricales (figura 9), demonstrando que a liberação do aminoácido neste sistema é exclusiva dos músculos lumbricales. A proteólise muscular basal de cada um dos 4 músculos lumbricales de cada pata também foi avaliada, não sendo detectada diferença estatística entre os músculos de uma mesma pata (figura 9). Estes resultados permitem a análise de drogas na proteólise muscular em ensaios emparelhados, utilizando músculos de um mesmo animal como controle (n=8/animal). A possibilidade de redução do número de animais a serem utilizados nos protocolos experimentais, comparativamente à metodologia atual que utiliza músculos Sóleo ou EDL (n=2/animal) permite inferir que este sistema é eticamente mais vantajoso em relação àqueles descritos na literatura (Navegantes et al., 2000; Baracos e Goldberg, 1986). Esta constatação está em perfeita sintonia com os “Princípios Básicos do Código Internacional” de 1985, no qual se preconiza “utilizar o mínimo de animais necessário para se obterem resultados válidos”. Como estamos lidando com um sistema dinâmico e os processos de síntese e degradação protéicas acontecem simultânea e continuamente (Robert et al., 2004; 41 revisão), a interferência da síntese protéica na medida da proteólise não deve ser desconsiderada. A adição do inibidor de síntese protéica ciclohexamida no meio de incubação aumentou a quantidade de tirosina detectada (figura 10), o que pôde ser atribuído ao bloqueio da reutilização do aminoácido liberado pelo músculo na síntese protéica. Assim, a inclusão da ciclohexamida ao meio de incubação garantiu que os efeitos de drogas avaliados nos experimentos subseqüentes fossem exclusivamente relacionados ao processo de degradação protéica (Navegantes et al.; 2000; Baviera et al., 2006; Baracos e Goldberg, 1986). O catabolismo muscular exacerbado devido à lesão aguda, pioneiramente descrito por Furuno e Goldberg (1986), foi satisfatoriamente mimetizado em nosso sistema (figura 11) assegurando a sua validação. A lesão obtida a partir de cortes concêntricos na musculatura esquelética leva ao aumento de influxo de cálcio e consequente ativação de proteases intracelulares, como as calpaínas, já que o uso de inibidores específicos de proteases abole a proteólise (Furuno e Goldberg, 1986). A secção do nervo tibial também aumentou a proteólise do músculo lumbricalis, de forma tempo-dependente (figura 12A) e paralela à atrofia muscular (figura 12B). Nesta condição, o aumento da atividade do sistema ubiquitina-proteassoma é majoritariamente responsável pela atrofia muscular (Medina et al., 1995). Logo, desde a década de 90 este sistema vem sendo considerado como alvo terapêutico para o desenvolvimento de fármacos que atenuem o catabolismo muscular exacerbado (Tawa et al., 1997), razão pela qual esta área de estudo foi contemplada com um prêmio Nobel (Neefjes et al., 2004). A larga participação do sistema ubiquitina-proteassoma nos processos de degradação protéica também foi constatada em nosso sistema. A inibição do proteassoma pela incubação dos músculos lumbricales com MG-132 reduziu em 40% a proteólise basal, o dobro da redução da proteólise observada pela inibição das calpaínas com E64 e leupeptina (figura 13). Além disso, a associação dos inibidores de calpaínas e de proteassoma não causou uma somação de efeito inibitório, o que está de acordo com a teoria atual de que a proteólise dependente de calpaínas converge para a via do sistema ubiquitina proteassoma, sendo este último a etapa limitante no processo de degradação protéica (Robert et al., 2004; revisão; figura 1). Este dado pode ser importante para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas, já que a associação de inibidores dos vários sistemas proteolíticos pode ser desnecessária no tratamento 42 de doenças que resultam em atrofia muscular, sendo então mais indicado a monoterapia. Outra vantagem do nosso sistema refere-se à facilidade de incubação do músculo em seu comprimento anatômico, através da fixação ao metatarso e à eliminação do uso de hastes e suportes de fixação (Navegantes et al.; 2001; Baviera et al., 2006; Furuno e Goldberg, 1986). De acordo Baracos e Goldberg, (1986), o comprimento anatômico é essencial para uma correta medição da proteólise muscular, já que a não observância desta condição pode levar à indução do catabolismo, por exemplo, via aumento do influxo de cálcio para o sarcoplasma e ativação de proteases. A questão da estabilidade e resistência metabólica também é de fundamental importância quanto ao uso e à extrapolação de resultados obtidos em modelos animais para humanos (Demetrius, 2005; revisão). Foi demonstrado que há uma correlação linear (y=24.09x+2.68) entre a porcentagem de atrofia e a taxa metabólica (consumo de O2 por kg/h) (Rennie et al., 2009; revisão). Isto implica que animais de pequeno porte como camundongos, por terem menor fração de massa muscular em relação à massa corporal total, sejam mais susceptíveis à perda de proteína muscular para a manutenção da gliconeogênese e do sistema imunológico (Demetrius, 2005), e não satisfazem os requisitos bioquímicos básicos para a obtenção de resultados experimentais válidos para a extrapolação em modelo humano. Além disso, de acordo com a teoria proposta por Demetrius (2005), modelos experimentais que utilizam ratos, que invariavelmente possuem maior peso corporal em relação aos camundongos, propiciam a obtenção de resultados experimentais mais facilmente extrapoláveis para o modelo humano. Em nosso estudo também constatamos que a proteólise muscular do rato impúbere está visivelmente aumentada em relação ao animal adulto (figura 14). Este resultado foi validado através do uso de inibidores que classicamente reduzem a proteólise muscular, como o depletor de ATP dinitrofenol (Furuno e Goldberg, 1986, Navegantes et al., 2000; Figura 15). A depleção de ATP muscular reduz a atividade do sistema ubiquitina-proteassoma dependente de ATP, culminando na redução global da degradação protéica (Furuno e Goldberg, 1986, Navegantes et al., 2000, Navegantes et al., 2009; revisão), indicando que a maior taxa de proteólise observada em músculos lumbricales de animais impúberes, em relação a músculos de animais adultos, não é devido a artefato do sistema. 43 Resultados anteriores de nosso laboratório já demonstravam alterações tróficas no decorrer da maturação do músculo. Como exemplo, a atividade da AChE de músculos EDL aumenta proporcionalmente ao crescimento do músculo até a puberdade (Souccar et al., 1988). Contudo, após este período, observa-se um aumento mais lento de AChE, de forma não paralela ao crescimento muscular (Souccar et al., 1988), indicando que a maturação animal altera proteínas chave de manutenção do trofismo muscular. A redução da proteólise muscular durante a maturação foi descrita em uma única publicação, utilizando como modelo experimental músculos de camundongos da linhagem B6C3F1 (Reynolds et al., 2002). Embora esses resultados tenham sido obtidos em espécie animal cuja extrapolação para humanos é questionável, os mesmos corroboram a hipótese da existência de uma correlação inversa entre crescimento e proteólise musculares (figura 14), o que poderia inviabilizar a extrapolação de resultados obtidos em animais impúberes para adultos. 44 4. Efeito do uso de moduladores da sinalização mediada pelo AMPc na proteólise muscular esquelética em situações basais e catabólicas Após a devida validação do sistema de estudo, averiguamos o efeito de moduladores da sinalização mediada pelo AMPc na proteólise muscular esquelética em situações basais e catabólicas, via de sinalização que vem sendo estudada há mais de 10 anos em nosso laboratório. Vários autores demonstraram o papel desse sistema nos processos de degradação protéica e na manutenção do trofismo muscular, abrindo uma nova perspectiva terapêutica para doenças associadas à atrofia muscular (Koopman et al., 2009; revisão). Navegantes et al. (2000) foram pioneiros em demonstrar o envolvimento da cascata de sinalização na regulação da proteólise muscular. Cabe ressaltar que os resultados descritos por seu grupo, assim como por outros autores, foram obtidos utilizando-se apenas músculos de animais impúberes, devido à limitação metodológica que imperava até então. No presente estudo, a resposta do músculo lumbricalis à ativação da via AC/AMPc foi primeiramente analisada utilizando o agonista não seletivo de adrenoceptores β - isoproterenol. Evidenciamos que esta droga reduziu em 20% a proteólise muscular de animais adultos controles, de forma concentraçãodependente (figura 16). Mostramos ainda que o isoproterenol atenua o hipercatabolismo de músculos lumbricales desnervados (figura 17), reforçando dados obtidos em músculos esqueléticos de ratos impúberes (Navegantes et al., 2000). Por ser um agonista de adrenoceptores β não seletivo, o isoproterenol exerce seu efeito anticatabólico em concentrações que ativam tanto adrenoceptores β1 como β2. Assim, os efeitos cardiovasculares indesejáveis da droga inviabilizam sua utilização terapêutica (Koopman et al., 2009; revisão). Por outro lado, o agonista seletivo β2 formoterol, broncodilatador classicamente utilizado na reversão da crise asmática, reduziu a proteólise muscular de forma concentração-dependente (Figura 18). A droga apresentou alta potência farmacológica (na ordem de nM) em relação ao isoproterenol (na ordem de µM), abrindo a perspectiva de seu uso clínico para a atenuação do catabolismo muscular exacerbado. 45 Além disso, o formoterol também atenuou o hipercatabolismo do músculo desnervado (Figura 19), comprovando seu potencial terapêutico. Cabe ressaltar que o formoterol é classificado como uma droga de longa duração (Anderson, 1991; revisão), devido as suas propriedades farmacocinéticas, o que traria vantagens na utilização crônica. Por fim, o envolvimento da via de sinalização do AMPc no controle da proteólise muscular no animal adulto foi confirmado pela redução da liberação de tirosina pela forscolina (figura 21). Como esta droga consegue ativar diretamente a AC, nossos dados demonstram que o aumento da síntese de AMPc, independente do GPCR ou da proteína Gs, é condição suficiente para um efeito anticatabólico. Por outro lado, a diminuição do catabolismo muscular pelo inibidor de fosfodiesterases IBMX indica a existência de uma síntese basal de AMPc responsável pela modulação do metabolismo de proteínas (figura 20).A demonstração que o efeito anticatabólico da via de sinalização do AMPc pode ser alcançada na ausência da ativação do receptor acoplado à proteína Gs estimulatória ou da inibição da fosfodiesterase coloca a adenilil ciclase e fosfodiesterases como alvos farmacológicos para desenvolvimento de medicamento que atenuem o catabolismo muscular. É interessante notar que todos os moduladores da via de sinalização do AMPc utilizados alcançaram uma inibição máxima da proteólise da ordem de 20%. Dados recentes obtidos em animais impúberes (Navegantes et al., 2009; revisão) mostram que análogos do AMPc, como dibutiril-AMPc, inibem calpaínas intracelulares por um mecanismo dependente da ativação de PKA. Devido ao tempo de incubação dos músculos ser relativamente curto (2h), é possível que os mecanismos anticatabólicos sejam principalmente não-genômicos, via fosforilção de proteínas chave. Possivelmente, os moduladores da via de sinalização do AMPc estejam inibindo a proteólise via ativação de PKA e fosforilação de calpaínas, culminado na redução global da degradação de proteínas (Navegantes et al., 2009; revisão). Esta hipótese pode ainda ser suportada pelo fato de a incubação dos músculos lumbricales com inibidores de calpaínas ter reduzido a proteólise basal também em 20% (figura 13). De fato, formoterol, IBMX e forscolina promoveram inibição máxima de 20% da proteólise muscular, determinada tanto em músculos de animais adultos como impúberes, sugerindo que uma contribuição semelhante da via de sinalização do 46 AMPc na regulação do catabolismo de músculos de animais impúberes e adultos. Comparando a proteólise basal de músculos lumbricales de animais impúberes e adultos, observamos que a proteólise muscular do animal impúbere é quase o dobro daquela do animal adulto (figura 22), dado que poderia impedir a extrapolação de resultados obtidos em animais impúberes para adultos. Por fim, testamos o efeito desses moduladores também em músculos EDL de animais impúberes, e obtivemos resultados similares aos de animais adultos (figura 23), além daqueles obtidos por Navegantes et al. (2000), o que valida o uso do músculo lumbricalis para o estudo da proteólise muscular, e confirma a ação anticatabólica da via de sinalização do AMPc durante as diferentes fases do desenvolvimento animal. Embora nossos dados demonstrem que é possível extrapolar as ações anticatabólicas da via do AMPc observada em músculos de animal impúbere para o adulto, deve-se salientar que resultados de outras vias de sinalização podem não ser igualmente extrapoláveis. Em resumo, os resultados obtidos nesse trabalho podem abrir um leque de opções para o estabelecimento de terapêutica medicamentosa para minimizar a atrofia muscular inerente a estados catabólicos crônicos, colocando a via de sinalização do AMPc como um alvo farmacológico importante para a atenuação do catabolismo muscular. Além disso, a identificação de substâncias endógenas sistêmicas ou secretadas pelo neurônio motor que modulem a proteólise muscular via proteína Gs/AC/AMPc se faz necessária, o que pode aumentar nossa compreensão atual acerca do controle neural da proteólise muscular, um tema claramente obscuro na literatura atual. VI. SINOPSE E CONCLUSÕES 48 Em conjunto, os resultados apresentados permitiram: a padronização de um micrométodo para a medida do aminoácido tirosina, diminuindo o consumo de reagentes e aumentando o rendimento de dosagem; a caracterização do músculo lumbricalis como um novo modelo in situ de estudo da proteólise muscular esquelética incluindo aquela de animais adultos ou portadores de doenças relacionadas ao envelhecimento, neurodegenerativas ou não; demonstrar que a proteólise muscular no animal impúbere é significantemente maior que aquela do animal adulto, sugerindo modificações da proteólise durante a maturação do animal relacionadas ao processo de crescimento muscular; demonstrar que a via de sinalização do AMPc está fortemente associada à regulação da proteólise muscular, o que pode colocar essa via de sinalização como um potencial alvo farmacológico para modulação e a atenuação do catabolismo muscular. 49 VII. 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