Bodypower VERNON COLEMAN Bodypower Os segredos para ativar o incrível poder de autocura do seu corpo Tradução de: Joana Assunção Pergaminho PRIMEIRA PARTE O Mundo Interior O nosso corpo é sensível, delicado e extraordinariamente frágil. O facto de prosperarmos num mundo com frequência hostil e insensível às nossas necessidades deve-se a um vasto número de automatismos – mecanismos especificamente desenvolvidos para nos permitir sobreviver a uma infinidade de perigos, recuperar e restabelecer a saúde quando a doença e a incapacidade constituem uma ameaça e aprender com a experiência de modo a melhorar as nossas hipóteses de sobrevivência. Muitos destes mecanismos são complexos, sofisticados e difíceis de compreender. Talvez seja por isso que geralmente analisamos o corpo humano em termos mecânicos, uma área que nos é familiar. Há alguns séculos, quando os fisiólogos começaram a tentar explicar precisamente como o cérebro enviava mensagens para todas as partes do corpo e exatamente como o coração é capaz de manter o sangue a circular, é natural que tenham feito a descrição em termos mecânicos, através de analogias com os conceitos físicos que eram capazes de compreender. No séc. XVII, por exemplo, René Descartes defendeu que os nervos que ligam o cérebro aos músculos eram canais cheios de líquido e funcionavam com base num sistema hidráulico rudimentar. Esta teoria permaneceu incontestada durante muito tempo mas quando Alexander Graham Bell inventou o telefone e o uso da central telefónica foi popularizado, passou Bodypower | 17 a ser moda descrever o sistema nervoso central como uma rede telefónica extraordinariamente complexa, com linhas a estabelecer a ligação de milhares de terminais entre si. Mais recentemente, quando os computadores se tornaram omnipresentes e se concluiu que certas terminações nervosas possuíam ligações elétricas, o que indica que em certos casos os nervos transmitem mensagens com a ajuda de impulsos elétricos, tornou-se comum comparar o cérebro humano ao computador. A tendência recorrente para descrever a nossa fisiologia em termos simplistas e explicar os mecanismos existentes em termos de dispositivos criados pela mão humana tem o efeito nocivo e limitador de nos impedir de compreender o vasto leque das nossas próprias capacidades. Na realidade parece que muitos cientistas modernos negam ou ignoram provas que não se coadunam com os seus sistemas de crenças ou porque sugerem que os sistemas artificiais – alvos de excessiva admiração e respeito – não são tão sofisticados ou avançados como eles gostariam de pensar. Começamos agora a perceber a que ponto somos ignorantes relativamente ao ser humano. Torna-se gradualmente claro que, se um cientista afirma que existe uma explicação simples para um fenómeno complexo, partimos do princípio de que está errada. Os nossos conhecimentos estão a evoluir a um ritmo tal que o mais certo é que todas as aprendizagens que um estudante possa fazer sobre a fisiologia do corpo humano estejam ultrapassadas quando ele terminar o curso. Já não podemos traçar a linha nítida que tradicionalmente divide o inconsciente da mente consciente. Sabemos hoje em dia que as mensagens são transmitidas no interior do cérebro por cinco tipos diferentes de impulsos elétricos e por uma rede de transmissores químicos muito mais complexa do que os nossos antepassados alguma vez sonharam. 18 | Vernon Coleman Sabemos também que existem no cérebro certas hormonas com ação analgésica e, embora ainda não percebamos porquê, sabemos que as tempestades eletromagnéticas podem afetar este órgão. Compreendemos certas forças que controlam as nossas vidas mas, embora o desejo sexual e a sede de vencer possam ser explicados, ainda não sabemos o suficiente acerca da mente para sermos capazes de definir conceitos intangíveis como o prazer, o ciúme ou o amor. Sabemos explicar porque um homem se sente atraído por uma mulher mas como obtemos prazer ao contemplar um esplêndido pôr do sol ou uma obra-prima da pintura? Que finalidade fisiológica ou valor em termos evolutivos poderão existir neste tipo de prazeres abstratos? Entre toda a confusão e ignorância, a única coisa que podemos afirmar com toda a certeza é que a capacidade do corpo humano para se curar a si próprio, para beneficiar da experiência, para se aperfeiçoar, para se proteger e defender de todo o tipo de ameaças, é muito maior do que alguma vez imaginámos ser possível. Nas páginas que se seguem encontrará descrições de algumas das inúmeras características fisiológicas e mecanismos documentados até ao presente. Muitos destes mecanismos levantam perguntas para as quais ainda não descobrimos resposta e a existência de algumas delas conduz a um questionamento profundo das teorias geralmente aceites acerca do modo de funcionamento do corpo. O meu objetivo é demonstrar a capacidade extraordinária do corpo humano para cuidar de si próprio e estabelecer as bases científicas para os capítulos subsequentes, em que descreverei como e porquê uma compreensão do nosso corpo nos pode ajudar a cuidar de nós próprios de modo mais eficaz. O meu intuito é o de revelar o alcance de certos recursos do corpo – que raramente imaginamos possuir e ainda raramente utilizamos. Apesar de não os compreendermos totalmente, são inestimáveis. Bodypower | 19 O seu corpo possui mecanismos internos que regulam o modo como age e reage O que me diz a um jogo de ténis? Se estender a mão para alcançar um lápis, o seu corpo controlará todos os músculos responsáveis através do seu sistema interno de recolha de informação. Se parecer que a mão se está a esticar demasiado, essa mensagem será transmitida ao cérebro. Os músculos responsáveis por esse movimento específico ajustá-lo-ão rapidamente. Se a sua mão se dirigir para a esquerda do lápis, os músculos que movem a mão nessa direção estarão relaxados e os que a movem para a direita estarão contraídos. O cérebro usa aquilo a que os engenheiros chamam «mecanismos de feedback» que lhe permitem controlar os movimentos da mão de modo preciso, garantindo que esta é de facto capaz de segurar no lápis. Pequenas células sensoriais no interior dos músculos fornecem ao cérebro informação vital relativa à posição de músculos individuais e de todo o braço, a qual é comparada com a informação fornecida pelos olhos. Pegar num lápis é uma tarefa relativamente trivial e evidente. Se estiver a jogar ténis, serão milhares os mecanismos de feedback empregues pelo cérebro. Este terá de avaliar a velocidade e curvatura da bola com recurso a informação proveniente de um vasto número de células sensoriais de modo a garantir que determinados músculos se contraem no momento certo e pelo período de tempo exato. Os seus pés têm de se encontrar na posição certa e a sua mão tem de se mover na direção certa. Todos estes movimentos devem ser executados com grande rapidez e, se alguma vez jogou ténis, o seu corpo adquiriu memória muscular que lhe permitirá torná-los muito mais rápidos. Na realidade, os seus músculos foram programados para que possa jogar ténis. 20 | Vernon Coleman Os mísseis teleguiados, equipados com sistemas de propulsão e sistemas sensoriais, seguem os mesmos princípios mas de uma forma muito mais primitiva. Quando comparado com os sistemas de orientação mais sofisticados criados pela mão humana, o seu corpo apresenta diversas vantagens e um maior nível de refinamento. É, por exemplo, capaz de produzir uma infinidade de movimentos diferentes e pode usar as suas experiências para criar novas soluções para velhos problemas. É até capaz de se autorreparar se o leitor cair e fizer um arranhão no braço ou se sofrer uma entorse. Existem, contudo, diferenças ainda mais profundas: por mais habilidosos que os técnicos que criam os sistemas de orientação sejam, não podem programar os mísseis com um desejo ardente de atingir o alvo. Nem podem acrescentar-lhes circuitos para garantir que um míssil controlado por computador aprecie o seu trabalho ou obtenha prazer por ter alcançado os seus objetivos. Quando jogamos ténis podemos ser guiados e motivados por um conjunto praticamente interminável de forças que não podem ser explicadas em termos puramente mecânicos. O que sabe uma máquina acerca da raiva, do ciúme, do ressentimento, do orgulho, da indignação, do humor, do amor, da consciência ou da culpa? O que poderá ela saber acerca das mil e uma preferências, valores e sentimentos que nos permitem, no seu conjunto, ponderar factos e ambições, experiências e aspirações e tomar uma decisão que pode ser irracional e injustificável, mas nem por isso menos correta? A escolha é sua Existem no seu corpo cerca de mil biliões de células. Cada uma delas estabelece cerca de cinco mil ligações com células adjacentes. E, a cada minuto, essas células e as suas respetivas ligações estão a fervilhar de informação. O cérebro recebe continuamente mensagens transmitidas por impulsos pelas células Bodypower | 21 sensoriais, pelos recetores especiais nos músculos que transmitem informação acerca da posição dos membros, pelos recetores químicos nos nossos vasos sanguíneos acerca dos níveis dos vários componentes do sangue, pelos órgãos sensoriais especiais – e de mil e uma outras fontes independentes. O fluxo de informação é contínuo. Mesmo enquanto dormimos o nosso cérebro está constantemente a ser bombardeado por informação. Teoricamente todos estes dados são importantes. E contudo, uma vez que seria obviamente impossível para o cérebro reagir a cada pequena peça de informação que recebe, muitos dos impulsos devem ser ignorados. Uma pequena percentagem da informação recebida acabará por produzir uma resposta voluntária. Outra parte produzirá uma resposta automática de um dos muitos mecanismos que garantem que o meio interno é mantido em condições ótimas. No entanto, a maior parte dela é ignorada. Se não o fosse, o nosso cérebro seria continuamente confundido por uma série interminável de dados e instruções contraditórias. A capacidade intrínseca do nosso cérebro de selecionar a informação que precisa de traduzir numa ação é, por isso, de uma importância vital. De modo a garantir que ignoramos a informação que deve ser ignorada e que a informação certa produz uma resposta, o cérebro humano desenvolveu um processo maravilhosamente simples para resolver o que poderia de outro modo ser um problema difícil. Ao mesmo tempo, conseguiu resolver este potencial problema de forma a manter os recetores sensoriais alerta, em condições de reagir a ligeiras mudanças. Estes recetores sensoriais são tão extremamente sensíveis que, a cada minuto, fazem disparar falsos alarmes. O cérebro reage a este dilúvio informativo procurando padrões entre as mensagens que recebe e reagindo apenas quando recebe cerca de cem impulsos idênticos. Este procedimento simples garante que os biliões de neurónios são capazes 22 | Vernon Coleman de distinguir o que é importante do que é irrelevante com relativa facilidade. Fragmentos de mensagens sem fundamento são simplesmente ignorados; apenas as mensagens que refletem uma tendência se traduzem em ações. O inconsciente Pensamos por vezes que existe uma linha definida que divide a atividade da mente consciente da do inconsciente. Em termos práticos, contudo, parece não existir qualquer divisão entre ambos. Não faltam provas que sugerem que o nosso inconsciente é, na realidade, capaz de reagir a estímulos externos, tal como a mente consciente. Ao que parece, temos uma espantosa tendência para funcionar em piloto automático. Existem, por exemplo, provas de que pacientes com epilepsia são capazes de andar de bicicleta enquanto se encontram tecnicamente inconscientes. Existe um relato de como um médico epilético foi capaz de dar consulta a todos os pacientes sem ter consciência do que se passava à sua volta. Provavelmente já teve uma experiência semelhante ao conduzir um automóvel. A maior parte dos automobilistas já deram por si, numa ou outra ocasião, a «acordarem» sobressaltados ao perceberem que se encontravam há já algum tempo ao volante – de forma até bastante segura – sem a mínima consciência das suas ações. Operar os comandos de acordo com as instruções do inconsciente significa que as exigências da mente consciente são ignoradas – certa vez arranquei de Londres com destino a Coventry e dei por mim nos arredores de Bristol sem fazer a mínima ideia de como tinha ido lá parar. O funcionamento inconsciente da mente pode revelar-se extremamente útil. Quando se utilizavam moinhos de vento para moer o grão, os moleiros acordavam se as mós parassem de rodar e precisassem da sua intervenção. O ruído das mós e o rumor do vento a soprar nas velas não tiravam o sono aos Bodypower | 23 moleiros: era, pelo contrário, a ausência desses ruídos que os despertava. Vivi uma experiência semelhante durante uma tempestade de inverno em que acordei a meio da noite em sobressalto. Sentei-me de repente na cama, convencido de que tinha sido acordado por um ladrão. Na realidade, tal como sucedia como os moleiros de outrora, o que me acordou não foi o ruído mas sim a ausência dele. Dado o mau tempo que se fazia sentir, tinha resolvido deixar o aquecimento ligado durante a noite para que as canalizações não congelassem. A caldeira produz um ruído característico ao distribuir a água quente pelas canalizações e, quando esse barulho cessou, o silêncio acordou-me. A minha mente adormecida reconheceu imediatamente que a ausência desse ruído particular poderia constituir uma ameaça e levou-me a acordar antes que a casa começasse a arrefecer. O centro de controlo do apetite Escondido no interior do cérebro existe um mecanismo impressionante conhecido como o centro de controlo do apetite. O poder deste centro de controlo é espantoso. Basta pensar que ele pode fazer com que nunca ganhe nem perca peso em excesso. E pode garantir que nunca lhe faltam as vitaminas ou os minerais essenciais. A importância e a influência notável desta parte do cérebro foram identificadas através de uma investigação realizada pela Dr.ª Clara M. Davis em Chicago, na década de 1920. Num artigo publicado no American Journal of Diseases of Children em outubro de 1928, ela descreve experiências realizadas com bebés recentemente desmamados. O seu objetivo era determinar se estas crianças tão pequenas seriam capazes de: 1. Escolher a própria comida e comer o suficiente para sobreviverem. 24 | Vernon Coleman 2. Estabelecer um bom equilíbrio entre carne e vegetais. 3. Escolher alimentos naturalmente saudáveis. Os resultados foram surpreendentes. A Dr.ª Davis observou que, sem qualquer instrução prévia, as crianças foram capazes de escolher dietas diversificadas e sãs. As suas taxas de crescimento e de desenvolvimento, vitalidade e aspecto físico eram tão satisfatórias como as dos bebés cuja nutrição tinha sido cuidadosamente controlada por especialistas. Não só optaram pelos alimentos certos como os ingeriram nas quantidades adequadas, permanecendo perfeitamente saudáveis. Cinco anos mais tarde, num artigo apresentado na 75.ª sessão anual da Associação Americana de Dentistas (que coincidiu com o Congresso Centenário de Dentistas de Chicago), a Dr.ª Davis apresentou pormenorizadamente os resultados da sua investigação. Ao estudar quinze crianças com idades compreendidas entre os 6 meses e os 4 anos e meio, ela concluiu que todas tinham sido capazes de selecionar uma variedade apreciável de alimentos equilibrados e de os ingerir na quantidade adequada. Apesar do facto de praticamente nenhuma criança ter comido uma quantidade razoável de espinafres ou de couves, todas permaneceram perfeitamente saudáveis. Os seus hábitos alimentares pareciam espontâneos ou mesmo caóticos mas nenhuma delas sofreu de dores de barriga ou ficou obstipada. As únicas crises de diarreia foram provocadas por infeções. Nenhuma das crianças que pôde escolher a própria comida se tornou gorda ou obesa. Anos mais tarde, durante a Segunda Guerra Mundial, experiências realizadas neste campo demonstraram que os soldados a quem era dado acesso ilimitado a reservas de comida comiam precisamente aquilo de que o organismo precisava de acordo com o meio. Sem qualquer orientação de profissionais, os soldados escolheram automaticamente uma mistura de proteínas, gorduras e hidratos de carbono que os nutricionistas descreveriam como ideal. Bodypower | 25