Uma análise do paradoxo de Olbers Quartuccio, J. T. Instituto de Pesquisas Científicas Introdução Por muito tempo os cientistas e filósofos questionaram-se a respeito da razão do céu noturno ser escuro. A linha de pensamento buscava uma resposta para a questão de por que o céu noturno não ser brilhante como o Sol, visto que existem infinitas estrelas no Universo e que o mesmo sempre existiu. A ideia é de que para qualquer ponto que olhássemos veríamos uma estrela. O tratamento matemático do problema levou ao chamado paradoxo de Olbers, que mais tarde abriria as portas para o estudo a respeito da origem do Universo. O paradoxo de Olbers é um problema que foi discutido durante muito tempo e permanece até os dias de hoje como um assunto filosófico/científico. Ele pode ser descrito da seguinte maneira: por que a noite o céu é escuro sendo o Universo infinito, estático e uniformemente preenchido com estrelas? Nessas condições, o céu deveria ser todo preenchido com estrelas, de modo que para qualquer lugar que olhássemos veríamos uma. Isso faria com que nosso céu noturno fosse mais brilhante que a superfície do Sol, mas logicamente isso não está certo. A questão a respeito do número total de estrelas brilhantes foi primeiramente analisada por Halley, Newton e Leibnitz, e mais tarde por Olbers. Iremos começar analisando o trabalho de Olbers publicado em 1823. A luminosidade absoluta de uma estrela é definida como a quantidade de energia luminosa radiada por tempo. A partir disso é possível definir, também, o brilho superficial 𝐵 como a luminosidade por área. Vamos supor que o número de estrelas com uma luminosidade média 𝐿 seja 𝑁 e que a densidade média por volume 𝑉 seja 𝑛 = 𝑁/𝑉. Numa casca esférica de raio 𝑟 e espessura 𝑑𝑟, o número de estrelas é dado por 4𝜋𝑟 2 𝑛𝑑𝑟. A radiação total que seria observada no Universo, partindo do ponto 0 como origem até uma extensão infinita (supondo que o Universo seja infinito e estático), é dada pela integração da casca esférica: ∞ ∞ ∫ 4𝜋𝑟 2 𝑛𝐵𝑑𝑟 = ∫ 𝑛𝐿𝑑𝑟 = ∞ 0 0 (1) Porém, um número finito de estrelas que se estendem por um ângulo 𝐴/𝑟 2 (ângulo sólido) cobre o brilho de estrelas mais distantes. Logo, não é correto integrar de zero a infinito. Na verdade, a integração deve ser feita até uma distância R, onde estão essas estrelas. Integrando o brilho dessas estrelas, obtemos: 𝑅 𝐿 ∫ 𝑛𝐿𝑑𝑟 = (2) 𝐴 0 E esse nada mais é do que o brilho superficial já mencionado acima, que para o nosso caso é o brilho do Sol (visto que é uma estrela próxima, de modo que possamos calcular muito bem). Logo o céu seria brilhante como a superfície do Sol, mas ele continua sendo escuro! Portanto, estamos diante de um paradoxo. Olbers tentou responder esse paradoxo dizendo que o Universo não é transparente mas possui poeira interestelar de modo a esconder as estrelas mais distantes. Porém, para que isso seja verdade, a quantidade de poeira necessária escureceria até mesmo a luz do nosso Sol. Outro problema é que a radiação proveniente das estrelas iria aquecer essa poeira, de modo a fazer com que a mesma se aquecesse até a faixa do infravermelho. A primeira resposta essencialmente correta foi dada pelo poeta e escritor norte americano Edgar Alan Poe. Ele propôs que, pelo fato da velocidade da luz ser finita e o Universo não ser eterno, a luz vinda das estrelas mais distantes ainda não chegaram até nós. Essa mesma resposta foi colocada, de forma independente, em um contexto mais científico por William Thomson, o Lorde Kelvin. Analisemos seu trabalho com respeito a isso. Uma estrela que esteja a uma distância 𝑟 cobre uma fração do céu correspondente à 𝐴/4𝜋𝑟 2 . Se multiplicarmos esse valor pelo número de estrelas presentes à essa distância obteremos a fração do céu coberto por elas, de modo que o observador esteja bem no centro do sistema. Nosso resultado será dado por 𝐴𝑛𝑑𝑟, onde 𝑑𝑟 é a espessura da casca esférica onde estão as estrelas. O inverso desse resultado é dado por: 1 ℓ= (3) 𝐴𝑛 que nada mais é do que a distância radial entre as estrelas. Esse resultado também pode ser entendido como o caminho livre que um fóton percorre até ser absorvido por outra estrela. Podemos definir o tempo médio do percurso do fóton como: ℓ 𝑡̅ = (4) 𝑐 Podemos estimar o valor de 𝑡̅ utilizando os dados do Sol. Tomemos que a densidade média de matéria luminosa no Universo seja 𝜌0 e que a distância até as estrelas mais longínquas seja 𝑟′. Com isso, o tempo médio de percurso dos fótons no volume de nossa casca esférica é dado por: 1 1 4𝜋𝑟 ′3 ̅ = 𝑡̅~𝑡⊙ = 2 𝐴⊙ 𝑛𝑐 𝜋𝑅⊙ 3𝑁𝑐 4𝜌⊙ 𝑅⊙ = (5) 3𝜌0 𝑐 Utilizando os valores para o Sol, o tempo médio será algo em torno de 1023 anos. A probabilidade de um fóton colidir ao percorrer uma distância 𝑟 é dada pela seguinte distribuição exponencial: 1 𝑃(𝑟) = 𝑒 −𝑟/ℓ (6) ℓ Esse resultado nos mostra que para distâncias cada vez maiores, a probabilidade é cada vez menor. Aplicando esse resultado aos fótons presentes em uma casca esférica de espessura 𝑑𝑟 e integrando de zero até 𝑟′, obtemos a fração de fótons chegando até o centro do sistema (até o observador): 𝑟′ 1 −𝑟/ℓ 𝑒 𝑑𝑟 0 ℓ = 1 − 𝑒 −𝑟 ′/ℓ (7) Esse resultado só será igual a 1 (100 % dos fótons alcançado o observador) se o valor de ℓ for infinito. Em outras palavras, a fração só será máxima se o universo for infinito em tamanho. Com isso, para cada ponto do céu deveríamos encontrar uma estrela e, portanto, o céu seria sempre brilhante. Como isso não é verdade, devemos concluir que o fator 𝑟 ′ /ℓ tem de ser pequeno. Esse resultado nos mostra que o volume do Universo não é infinito. O resultado original de Lorde Kelvin é dado pelo limite de 𝑟 ′ /ℓ de modo que: 𝑟 𝑓 (𝑟 ′ ) ≈ (8) ℓ Podemos expressar a equação (7) utilizando o tempo médio na equação (4), de modo a analisar a fração de fótons com respeito à idade 𝑡0 do Universo: 𝑓(𝑟 ′ ) = 𝑔(𝑡0 ) = 1 − 𝑒 −𝑡0 /𝑡̅ (9) Se assumirmos 𝑢⊙ como a densidade de radiação média na superfície das estrelas, então a densidade 𝑢0 medida pode ser reduzida à: −𝑡 /𝑡̅ 𝑢0 = 𝑢⊙ (1 − 𝑒0 0 ) (10) 𝑓(𝑟 ′ ) = ∫ Com isso, a idade do Universo deve ser da ordem do tempo de colisão encontrado anteriormente, ou 1023 anos. Mas esse resultado não é correto! Na verdade, esse resultado é muito superior à idade atualmente estimada do Universo, que é na faixa de 1010 anos. Logo, as estrelas ainda não tiveram tempo de tornar o céu brilhante. Mas o que Olbers e outros não levaram em conta é que as estrelas queimam seu combustível e chegam ao fim. Elas morrem e não brilham eternamente. Mesmo que o Universo seja eterno, as estrelas surgem e desaparecem. O tempo no qual as estrelas e galáxias irradiam é finito e não infinito. Outro fator não conhecido na época diz respeito à expansão do Universo, descoberta por Hubble na década de 1920. Com a expansão, os fótons provenientes das galáxias distantes sofrem o chamado redshift, de modo a perder energia no percurso até nós. Boa parte das galáxias observadas apresentam fótons na faixa do infravermelho, uma faixa de energia baixa do espectro eletromagnético. Conclusão Por mais que a questão permanece até os dias atuais, o paradoxo só existe se levarmos em consideração que o Universo é eterno e que as estrelas nunca deixam de queimar seu combustível. Mas sabemos que as estrelas chegam ao fim. Quanto ao Universo ser eterno, as últimas observações cosmológicas dão fortes evidências de que o mesmo está em expansão, o que sustenta a hipótese de que, há muito tempo, o mesmo originou-se de um estado denso e quente, dando início ao tempo e espaço. Referências: Introduction to Cosmology – Third Edition – Roos, Matts An Introduction to Modern Astrophysics – Second Edition – Carrol, Bradley W.; Ostilie, Dale A.