ÁGORA FILOSÓFICA “A Maçã” ou “Sobre a Morte de Aristóteles”: uma apresentação e introdução Prof. Dr. Jan G.J. Ter Reegen1 Resumo: apresenta-se o texto medieval “De Pomo sive de Morte Aristotelis”, comentando a sua origem, seu esquema, seu caráter e seu lugar no contexto filosófico medieval. Palavras-chave: Aristóteles, morte, filosofia, sabedoria, ética. Abstract: this study offers an introduction to the famous medieval text “De pomo sive de Morte Aristotelis”. Its comments, also, its origen, its character, its structure and its relations with the philosophical life of the Middle Ages. Key words: Aristotle, death, philosophy, wisdom, ethics. Introdução O texto conhecido como A Maçã ou A morte de Aristóteles apresenta-se como um diálogo, no leito da morte de Aristóteles, entre ele e alguns de seus discípulos – nos moldes do famoso diálogo platônico Fédon 2 – e que desenvolve o tema do valor supremo da filosofia como caminho para a Felicidade Eterna e o verdadeiro conhecimento O nome do texto deve-se à apresentação da figura de Aristóteles, agonizando e sem forças no leito da morte, segura uma maça numa de suas mãos e – fazendo uma pausa no seu diálogo com os discípulos – vez por outra cheira, manifestando destarte a sua fé na crença popular de que a fragrância da maçã possui uma força especial para fortalecer e sustentar a vida.3 No fim do diálogo, como que simbolizando que tudo acabou, a maçã cai de suas mãos e Aristóteles morre. A obra nos é conhecida em duas versões: Ano 1 • nº 2 • jul./dez. 2001 - 11 DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA a) a H(ebraica)-L(atina) – ela tem como origem uma versão grega, desconhecida. A versão hebraica foi elaborada a partir de um texto árabe do século IX ou X, em 1235, em Barcelona, por Abraham bem Chasdai e traduzida para o latim por ordem de Manfredo de Sicília em 1255. É essa versão que se espalhou sobre a Europa4, fazendo, durante 300 anos, parte do corpus aristotelicum, espalhando-se nas universidades;5 b) a A(rabe)-P(ersa) – só conhecida e divulgada nos anos 20 do século passado. Estudos indicam que, incontestavelmente, na sua origem, existe um original árabe como fonte, enquanto este, por sua vez, remonta a um texto grego6. Seja como for, de tudo isso podemos deduzir que estamos diante de um documento, na sua origem, mais antigo e mais perto do original do que a versão anterior. Não obstante a pouca atenção que o texto tem recebido por parte dos historiadores do pensamento, a análise de sua larga aceitação durante os anos mencionados, comprovada pelo grande número de manuscritos existentes, mostra algumas questões famosas que se impõem e revelam que ele não é um corpo estranho no meio de tantos outros textos atribuídos a Aristóteles. De forma especial, lembramos aqui o famoso embate sobre a criação do mundo e a imortalidade da alma, questões quentes e pomo de profundas discórdias entre os mestres da Faculdade das Artes e a da Teologia de Paris. A análise de seu conteúdo conduz claramente à constatação de que estamos diante de uma tentativa clara de, postumamente, cristianizar Aristóteles, mesmo depois – por exemplo – que São Tomás demonstrou que a autoridade aristotélica do Livro das Causas é falsa, tendo este documento “algum árabe” (Saffrey, 3)7, conclusão, aliás, extensiva e muito mais pungente, quando se trata de A Maçã. Essa cristianização segue um caminho especial: o de Platão e o Neoplatonismo. Essa ligação chamou-nos, de forma especial, a atenção. Porém, neste estudo, de caráter mais introdutório, não podemos desenvolver, em profundidade, todos os aspectos deste espírito neoplatônico. Entretanto, não conseguiremos fugir de apontar a direção desta reflexão, objeto, quiçá, de futuros estudos. 12 • UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO ÁGORA FILOSÓFICA 1 A(s) origem(ns) Dimitri Gutas, na obra Pseudo-Aristotle in the Middle Ages (1986, p. 15-36), apresenta os textos espúrios e autênticos de vidas de Aristóteles em árabe. Ao comentar a história de A Maçã, afirma o seguinte, num único parágrafo, relativamente curto, mas incisivo: A pesquisa a respeito da versão árabe do livro “A Maçã” pertence, rigorosamente falando, ao campo da transmissão dos diálogos platônicos em árabe, e não ao PseudoAristóteles árabe (Ibid., p. 31).8 Além disso revela que a A Maçã circulou em árabe, primeiro, sob o nome de Socrates e, em seguida, sob o de Aristóteles, como atestam vários manuscritos 9. Quando e por que a obra é atribuída a Aristóteles na tradução árabe, é a grande preocupação da pesquisa pseudo-aristotélica. Aqui temos, então, expressa bem claramente a verdadeira dimensão do problema. Em primeiro lugar, A maçã é, sem dúvida uma adaptação do diálogo platônico Fédon não somente no que diz respeito ao cenário – o último dia da vida de Sócrates e sua conversa com um grupo de amigos/discípulos – mas sobretudo no que se relaciona com a doutrina socrática e platônica sobre o verdadeiro conhecimento, ou a sabedoria, de modo especial aquele trecho que é chamado O Discurso dos filósofos autênticos, 66b-67b. Nesse “locus”, Sócrates apresenta sua opinião sobre quem é verdadeiramente filósofo, além de apresentar alguns aspectos de sua visão do homem, de forma especial a respeito de sua alma. De modo incisivo, é acentuado em A Maçã o valor supremo da filosofia como caminho para a salvação eterna. É difícil saber quem é o autor da obra. Encontramos as mesmas dificuldades, senão maiores, do que no caso da autoria do Livro das Causas (REEGEN, 2000, p. 17-24). Há indicações de uma origem grega, mas a sua fraqueza não permite chegar a conclusões claras ou definitivas. Por isso, outros afirmam que o texto é um exemplo de obras pseudo-aristotélicas que foram aceitas pelos antigos filósofos islâmicos como genuínas e que Ano 1 • nº 2 • jul./dez. 2001 - 13 DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA assim distorceram seriamente o pensamento de Aristóteles (ROUSSEAU, 1968, p. 28). Ressalta-se, de modo especial, o espírito platônico e neoplatônico. A discussão a respeito da autoria de Aristóteles, que, para muitos autores, é conduzida de forma técnica, baseando-se em análises de textos, comparações, estudo de conteúdo, é na Idade Média amiúde resolvida de forma ideológica. Aqueles que afirmam Aristóteles ser condenado, como pagão, ao inferno consideram o texto espúrio. Os outros que afirmam Aristóteles ter morrido num espírito cristão de arrependimento e verdade consideram A Maçã autêntico. Também, no meio árabe, há discordâncias a respeito da autoria dos famosos Irmãos da Pureza10; na sua Enciclopédia, consideramno autenticamente aristotélico: ...Aristóteles, o mestre da Lógica, tem a mesma visão na sua carta que é conhecida sob o nome A Maçã, nas suas palavras quando da sua morte, discutindo a primazia da filosofia. Porque o filósofo será recompensado por sua filosofia depois da separação da alma do corpo (ROUSSEAU, 1968, p. 32). Na correspondência de ar-Rashid, califa de Marocco, com o imperador Frederico II, respondendo às questões por este levantadas sobre a eternidade da matéria e a imortalidade da alma, mostra-se que Aristóteles mudou, nessas questões, de opinião no A Maçã (Ibid., p. 32). Porém também há textos em que Aristóteles é substituído por Sócrates como o principal interlocutor do texto, o que implica a negação da autoria daquele. Da mesma forma encontramos, na tradição judaica, autores que afirmam ou negam a autenticidade aristotélica. Afinal, tornou-se comum a tese de que a obra é espúria. Isso, porém, não influenciou muito a sua divulgação e a sua aceitação no mundo filosófico ocidental, durante muito tempo. Nesse contexto, levantou-se a hipótese de uma possível autoria de al-Kindi ou, ao menos, de alguém do famoso círculo que se formou ao redor do importante autor, baseada na sua defesa da idéia da criação do mundo por Deus e da imortalidade da alma, verdade que está em perfeita harmonia com a sua doutrina sobre a alma11. 14 • UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO ÁGORA FILOSÓFICA Podemos concluir que não existem dados concretos e definitivos que nos podem oferecer dados certos a respeito de sua origem, no que diz respeito ao tempo, ao lugar, à língua original e ao autor. Não obstante esse fato, a partir da tradição dos manuscritos torna-se evidente que A Maçã, embora não constando das listas oficiais nos manuais medievais de ensino, era ensinada nas universidades da Europa; de fato pode se dizer que, ao menos informalmente, era considerada parte da coleção padrão dos escritos aristotélicos (ROUSSEAU, 1968, p. 45). 2 Comparação entre o Fédon e A Maçã 2.1 Semelhanças formais Os dois documentos apresentam o mesmo conteúdo. O grande tema moral da “alhqhs”, da “não-ocultação”, ou da verdade, está central. Por isso, a morte deve ser considerada uma libertação, uma coroação de toda uma vida. Uma mesma linha de raciocínio, então, sustenta os dois textos: a sabedoria é apresentada como a verdadeira excelência, a verdadeira virtude, que só será alcançada, de forma completa e definitiva, depois da morte. Diante da morte, só tem medo aquele que não é filósofo verdadeiro, compreendendo que o corpo é um obstáculo à procura da essência das coisas. Compreende-se, também, na mesma perspectiva, a questão da verdadeira virtude que assume o caráter de uma catarse, que predispõe para a sabedoria. Finalmente, as palavras de Simmias, citadas na versão A-P, solicitando uma explicação de uma frase, ...que encontrei nas obras do grande Platão: que toda coisa que faz o bem, evita o mal; mas nem toda coisa que evita o mal, faz o bem... (ARISTÓTELES, 1968, p. 73), parecem referir-se ao Fédon 64D-67B, que tem como tema a morte como libertação do pensamento. Ano 1 • nº 2 • jul./dez. 2001 - 15 DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA 2.2 Semelhanças materiais De forma geral, não parece exagerado afirmar que o texto de A Maçã foi produzido a partir e com a ajuda do diálogo platônico Fédon12. É na forma geral que se manifesta essa semelhança: o diálogo de Sócrates – Aristóteles – com os discípulos; o leito da morte – do Sócrates condenado, do Aristóteles enfraquecido –; os nomes dos discípulos em comum - Kriton e Simmias. Rousseau (p. 11) acha que A Maçã é uma ingeniosa adaptação de Fédon 63 DE: tanto Aristóteles como Sócrates são advertidos para não se esforçarem demais, em vista de seu estado crítico: um, por já ter bebido o veneno; o outro, por fraqueza geral. Em ambos os documentos, os discípulos reagem de forma similar, diante da morte de seus mestres: aceitam-na racionalmente, mas manifestam um medo hesitante. Aristóteles, a pedido de seus discípulos, consegue convencê-los de substituir o amor à vida pelo amor à morte. No Fédon, Sócrates nega o pedido de explicações, alegando não ter mais tempo suficiente para realizar tamanha tarefa. Quanto à sugestão do suicídio, os dois documentos nos apresentam uma posição bem clara e importante13: argumentam que não pertencemos a nós mesmos, mas aos deuses, e que a alma está em nosso corpo como um guardião, embora a versão H-L destoe dessa posição, quando fala a respeito do caso de pessoas perfeitas. A própria cena da morte também nos manifesta traços bem comuns: depois do relato da morte de Sócrates, Fédon termina a sua história com as palavras: Tal foi, Equécrates o fim do nosso companheiro. O homem de quem podemos bendizer que, entre todos do seu tempo que nos foi dado conhecer, era o melhor, o mais sábio e o mais justo (PLATÃO, 1987, p. 118). No A Maçã, quando Aristóteles morre, ele vira-se para Kriton, pega a sua mão e coloca-a na sua face, com as palavras: “Recomendo o meu espírito ao Receptor do espírito dos sábios”. (ROUSSEAU, 1968, p. 76) Kriton fecha-lhe os olhos e a boca. Os amigos e discípulos expressam a sua dor, dizendo: “O dia do conhecimento terminou” (Ibid., p. 72). 16 • UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO ÁGORA FILOSÓFICA 2.3 Diferenças 2.3.1 Formais No Fédon, à persuasão moral é dada uma sólida base metafísica e epistemológica, por isso apresenta-se muito mais na forma de um tratado do que de uma exortação, como é o caso de A Maçã. Isso torna-se patente numa análise da estrutura e do tema do diálogo Fédon14: Prólogo: desenvolvimento da tese: a Filosofia é um exercício para a morte, uma preparação para a vida no além: 59D-69E. 1 - 1ª prova da imortalidade: a alma sobrevive ao corpo e continua com a sua força e inteligência: 70C-77B. 2ª prova: da imortalidade, baseada no fato de que o homem é capaz de reconhecer objetos eternos e imutáveis: 76B-79D. O mito escatológico sobre a sorte da alma depois da morte “Entretempo”: 84C-91D parte poética: o canto dos cisnes antes da morte; parte epistemológica: dúvida de Simias e Cebes; exortação à confiança na razão. 2 - Retomada da discussão dialética: a) a alma não é a harmonia dos elementos físicos do corpo (resposta a Simias) 91C-95 A; b) a imortalidade da alma está ligada à questão da origem das coisas e à questão da dimensão super-sensível das coisas (resposta a Cebes) 95 A-102A; c) a alma como dispensador da vida não pode morrer: 102B -107B. Segue o famoso mito sobre a sorte da alma no Além e uma reflexão ética que encerra a discussão: 107C-115 A. Com um Epílogo-115B-118 – termina o diálogo. Essa grandiosa fundamentação metafísica e epistemológica desaparece quase que por completo no A Maçã. Esse texto restringe-se a apresentar “um dualismo implícito e não explícito” (ROUSSEAU, 1968, p. 17) também quanto à argumentação da imortalidade da alma. Ano 1 • nº 2 • jul./dez. 2001 - 17 DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA A metafísica não passa de contornos vagos que não são explicados ou aprofundados. Todas as coisas, tanto o agir humano como as coisas naturais e todo o resto, são reduzidas às categorias de “conhecimento, ignorância e a recompensa pelos dois” (ROUSSEAU, 1968, p. 71, 74). Embora se guarde no texto A Maçã o tom explicativo, nada há nele, porém, que se possa comparar com a autobiografia de Sócrates no Fédon 96 A-107B, em que este apresenta a sua procura da sabedoria e do verdadeiro conhecimento. Aristóteles, certamente, indica um caminho, que é, porém, uma apresentação de instrumentos para aprender filosofia, a começar pelo estudo da própria alma. É importante a observação de Mary Rousseau: ... a substituição de Sócrates na história pode ser explicada como um esforço de fazer o Estagirita a fonte de toda sabedoria. Se nosso autor foi cristão ou islamita, pode ter sido uma tentativa de fazer Aristóteles mais aceitável para os crentes, porque a indefinição de sua doutrina genuína sobre a vida após-morte era um ponto em que a sua filosofia encontrava sérias restrições por parte dos povos do Livro ... Por outro lado, o autor pode, também, ter sido vitima de erro, antiga na sua origem, que atribuiu doutrinas platônicas e neoplatônicas ao Estagirita (1968, p. 21) 15. 2.3.2 Materiais Na versão H-L, a forma dialogal quase que desaparece totalmente como também o esquema clássico e rígido que marca o Fédon. A história apresenta-se como um relato em que Aristóteles pronuncia um quase-monólogo, assistido pelos discípulos e homens sábios. O mesmo acontece, embora em grau bem menor, na versão A-P. A grande diferença, porém, está no número e no nome dos discípulos, como fica patente no seguinte quadro: 18 • UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO ÁGORA FILOSÓFICA Fédon Simias Criton Equécrates (não presente) Fédon Cebes 16 A-P Simmias Kriton Eletus Kramas Pindaro Stephanus Zeno Lysias Diógenes Discípulos H-L Symas Cariton Melion Arataratus Dis- cípulos 3 Esquema e argumentos principais de “A maçã” ou “da Morte de Aristóteles” 3.1 Na tradução persa, feita sobre uma versão árabe (A-P)17 “Incipit” do texto: Esta é a tradução de um discurso que Aristóteles fez no tempo de sua morte (RUSSEAU, 1968, p. 60)18. Introdução ou Prólogo: Descreve-se o estado de saúde de Aristóteles, apresentando a sua extrema fraqueza física, mas, também, a sua força e alegria espiritual. Constata-se que os discípulos estão mais afetados pela sua iminente partida do que ele mesmo. Diálogo: l - Simmias inicia a discussão, perguntando a razão da alegria e da confiança de Aristóteles. Aristóteles responde, mostrando que a morte nada mais é do que a liberação da alma “de seu casulo” (RUSSEAU, 1968, p. 60). Essa afirmativa está ligada ao fato de que o corpo é um entrave ao conhecimento, que é o fruto da vitalidade e da bondade do espírito. Para conseguir, diante da morte, a mesma atitude corajosa de Aristóteles, é preciso “um esforço, por parte daquele que fala, de falar unicamente o que é verdadeiro, e por parte daquele que ouve, Ano 1 • nº 2 • jul./dez. 2001 - 19 DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA ouvir de forma correta” (RUSSEAU, 1968, p. 61). A afirmação é explicada a partir do significado da palavra filosofia: apego à sabedoria, que é a alegria da mente. Como, porém, obter essa sabedoria? Aristóteles é categórico: através da bondade da alma e da mente. 2 - Aristóteles confessa que, por parte daquele que procura a sabedoria, é necessária uma mortificação radical atingindo o coração. Porque é um total contra-senso se autotitular de filósofo sem que se realize o sentido dessa palavra na vida cotidiana: não é sábio, mas um ignorante, aquele que imagina encontrar no conforto, no prazer e nas delícias deste mundo, o caminho da filosofia. Na procura da sabedoria, a mortificação e a abstinência têm que ser radicais; isso quer dizer que devem atingir o coração para serem verdadeiras e perfeitas. Segue a reação dos assistentes: vale a pena ficar vivo? Em resposta, Aristóteles apresenta a parábola do guarda na fronteira: a alma do filósofo é como um guarda que está parado na fronteira, o corpo: do outro lado estão prazeres, desejos e paixões. Cada alma passa momentos difíceis diante desses inimigos, tentando afastá-los. A glória consiste na alegria e na satisfação que a alma atinge quando parte (ARISTÓTELES, 1968, p. 63). A resposta de Aristóteles à pergunta sobre o sentido do esforço de superação indica duas coisas importantes: primeiro, a condição básica para a sabedoria é refletir antes de tomar qualquer atitude; além disso, o filósofo deve deliberar a respeito das ações, cujas dificuldades estão no presente e a recompensa no futuro. Esse tema é encerrado com uma interrogação: como algo pode ser bom e prejudicial ao mesmo tempo? Os discípulos referem-se à morte de Aristóteles. 3 - Simmias, em seguida, apresenta um novo tema: qual é a primeira coisa que deve ser praticada por aquele que procura a sabedoria? Aristóteles indica que o conhecimento, a sabedoria, da alma deve ser procurado por aquela virtude que é capaz de interrogar a respeito do mesmo. Mas, como é que se pode interrogar um outro a 20 • UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO ÁGORA FILOSÓFICA respeito de si mesmo. O caso do médico, a quem se pergunta sobre males de que padecemos, e o comportamento do cego, que quer saber coisas sobre si mesmo, são dados como exemplo. 4 - Intervenção de Lysias a) Início de novos questionamentos: como é que o conhecimento da alma é a coisa mais valiosa a ser adquirida? Aristóteles responde, afirmando que o conhecimento pertence à alma e não ao corpo. Em seguida, inicia uma longa explicação a partir de um duplo significado da palavra “ignorância”: estupidez e cegueira. Porém, como é possível que sempre – assim nos mostra a experiência – há sempre um resquício do mal no bem ? Aristóteles responde que o bem sempre machuca e ataca o mal. O amor à inteligência, por exemplo, significa ódio à ignorância À pergunta sobre o que aumenta ou diminui a compreensão, Aristóteles responde: tudo que traz clareza para a visão das coisas aumenta sua inteligência; ao contrário, o que obscurece, diminui-a. Mas, então, o que traz clareza ou escuridão? Diz Aristóteles: falar a verdade e coisas semelhantes, como justiça, porque essas virtudes deixam as coisas no seu devido lugar. b) Lysias aborda um outro problema: existe a possibilidade de concentrar numa única noção tudo o que significa a baixeza humana, sem perigo de excluir alguma coisa ? Aristóteles responde com a afirmação de que, quando a razão está “fora de ordem”, tudo se desvia. A virtude consiste no abandono do vício. Não existe meio termo 19. 5 - Kriton solicita uma explicação a respeito das qualidades e das operações não conhecidas do “ausente” que devem ser reconhecidas. Aristóteles afirma que não conhece nada “do presente ou do ausente” senão conhecimento e ignorância e a sua recompensa, que será no mundo futuro. 6 - Simmias quer saber como pode ser claro que, tanto na presença como na ausência, só existe conhecimento, seu oposto ou a recompensa dos dois. Aristóteles refere-se a Hermes20, que afirma as coisas serem fortes ou fracas por causa de sua união com seu semelhante ou oposto, respectivamente. Conduz o seu raciocínio até ao Ano 1 • nº 2 • jul./dez. 2001 - 21 DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA filósofo que deve abandonar o mundo, enquanto reconhece que atrapalha o conhecimento, por lhe ser contrário. Simmias, porém, insiste com outra pergunta “tirada das obras do grande Platão” (RUSSEAU, 1968, p. 72): tudo que faz o bem evita o mal, mas nem tudo que evita o mal realiza o bem. Platão, assim Aristóteles, refere-se ao conhecimento, que ilumina o espírito e reverte a escuridão da ignorância. Completando a resposta, afirma que há três tipos de coisas: as que fazem o bem e evitam o mal, as que evitam o mal, mas não induzem o bem, e as que não prejudicam. 7 - Fim do diálogo: palavras de Diógenes Bondade e temperança têm sua origem na clareza da visão mental ou não? Uma longa resposta tenta fazer esclarecer a ligação entre a prática do bem e o conhecimento como também de suas conseqüências: tudo, afinal, resume-se em conhecimento ou ignorância. Aristóteles reafirma que a filosofia é a melhor ciência a ser perseguida, melhor do que o conhecimento e a ciência popular, que, de certa forma, são deficientes por causa da ignorância, que não avalia, devida e justamente, o seu uso, antes manipula-o. Mas de quem e como os filósofos aprenderam tudo isso? Na origem de tudo está a “revelação de Hermes” (RUSSEAU, 1968, p. 75), que recebeu a mensagem dos arcanjos quando a sua mente foi levada ao céu, os quais, por sua vez, a receberam de Deus. O conhecimento verdadeiro tem de vir de cima, porque tudo que é parte superior é melhor. Como seguir esse caminho é indicado nos seus livros, diz Aristóteles: no Hermes, na Política, na Física, na Ética e nos 04 Livros da Lógica. Epílogo Aristóteles enfraquece, a maçã cai de suas mãos, os filósofos presentes lhe beijam a mão e os olhos em meio de elogios. Segurando a mão de Kriton, Aristóteles fala: “Recomendo o meu espírito ao Receptor dos espíritos dos sábios” (ARISTÓTELES, 1968, p. 48). “O dia do conhecimento terminou!”. Com essas palavras pronunciadas pelos presentes, encerra-se o livro. 22 • UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO ÁGORA FILOSÓFICA 3.2 Na versão hebraica (profundamente mudada na versão latina) (H - L)21 Introdução 1- Exaltação do homem como “de todas as criaturas a imagem mais digna na semelhança com Deus” (ARISTÓTELES, 1968, p. 48), que tem como ponto alto do seu ser o fato de poder “conhecer a si mesmo e a seu Criador” (id.). Porém a sua corporalidade pode afastá-lo de seu fim. A ciência humana é capaz de iluminá-lo, levando-o a conhecer a sublimidade do Mais Alto, o Construtor do universo, como também a autoconhecer-se e a viver superando os vícios. Os sábios têm que manter acesa a luz da verdade, para que todos possam encontrar o caminho da vida, isto é, praticar a virtude e controlar o corpo. Assim não terão medo da morte. 2 - A grave doença do Manfredo, “filho do divino e augusto imperador Frederico” 22, levou os que o assistiam à ansiedade, porque pensaram que “tínhamos medo diante da iminência da morte”. Mas “não nos sentimos tristes com a nossa dissolução”, porque, por intermédio de um grupo de veneráveis mestres, entramos em contato com documentos filosóficos e teológicos, entre outros, tratando da criação, perfeição e eternidade das almas como também da instabilidade das coisas materiais. 3 - No meio dessas obras, havia um livro, A Maçã, em que se trata da alegria dos sábios diante da morte, sendo esta não razão de tristeza, mas caminho de perfeição. Uma vez que o livro não estava em circulação no meio cristão, foi necessário traduzi-lo do árabe para o hebraico23. Prólogo: Inicia-se a história propriamente dita com uma reunião de homens sábios que ansiavam em conhecer o caminho da retidão que só pode existir nisto: desejar para o vizinho o que se deseja para si mesmo, afastar-se de conduta vergonhosa, confessar a verdade, julgar Ano 1 • nº 2 • jul./dez. 2001 - 23 DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA a si mesmo e temer o seu Criador (ARISTÓTELES, 1968, p. 50). A História (O corpo do texto) a)”Apresentação de Aristóteles, um homem sábio, grande, famoso e inteligente”. Quando mortalmente doente, os sábios acorreram à sua casa. Encontraram-no cheirando uma maçã e no fim de suas forças. Ao contrário de sua fraqueza corporal, o seu estado espiritual estava excelente. b) Discurso de Aristóteles. Aristóteles revela a razão de sua alegria: não é a esperança de poder escapar da morte, mas sim o fato de estar perto de partir deste mundo, que é composto de contrários. Pelo contrário, a alma inteligível não é composta, mas possui um elemento simples: a alma intelectual, que distingue entre o bem e o mal e conhece equações matemáticas. Essa alma, exclusiva dos homens, é que conhece o seu Criador e entende a si mesmo.24 c) Início do diálogo Do diálogo participam Symas, “os discípulos”, Melion, Cariton e Arastaratus. Symas pede a Aristóteles fortalecer os corações dos discípulos para que “não temam a morte e não se sintam tristes” (ARISTÓTELES, 1968, p. 51), como também resolver os problemas e a tristeza que sua partida está causando. Prometendo isso, Aristóteles desenvolve seu discurso em que há algumas interrogações que se apresentam como condições para o bom proveito do seu ensino: sobre a profissão e a fé na filosofia “que contem todas as ciências, e que é a verdade, que aquele que a estuda investiga a verdade a retidão no seus mais altos divinos degraus” . A diferença entre o homem e os outros animais é encontrada na filosofia. Se a recompensa dessa fé vier neste mundo, não se conseguiu ver o verdadeiro valor do conhecimento e “você está submerso num espírito bestial, juntamente com os outros animais”. Por isso ela deve ser esperada noutro mundo, depois da morte; sobre o conhecimento de que a morte é tão-somente a partida da alma do corpo. Partindo dessas interrogações, Aristóteles apresenta seu ensinamento: primeiro ele expõe que a alma e o corpo se opõem; em 24 • UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO ÁGORA FILOSÓFICA seguida, para chegar à ciência, o homem deve purificar-se e procurar as ... delícias da alma em apreendendo as ciências de Deus, que criou seu mundo pela sua própria sabedoria, e ... investigar Seus caminhos e compreender seus segredos (ARISTÓTELES, 1968, p. 63). Andando nesses caminhos, o homem entenderá que a alma não será triste nem perturbada quando parte do corpo. Afinal, Aristóteles continua a delinear a tarefa do puro e perfeito filósofo, descrevendo os prejuízos de uma vida orientada pelos prazeres materiais. Afirma que o sábio é cuidadoso, tenta aperfeiçoar-se constantemente. Assim, exultará no tempo em que sua “alma aproximar-se-á do seu Criador’ e não sentirá medo, oposição ou repulsa. d) A reação dos discípulos Nesta altura, Symas e Melion interrompem Aristóteles, afirmando serem convertidos em “grandes amantes da morte”, antes com medo de uma vida longa! Essas últimas palavras fazem surgir uma reação: por que ficar perturbado pela longa duração da vida? Para quem a procura, a morte será encontrada e ninguém impedirá o homem nesse empreendimento. A resposta de Melion é longa e rica em conteúdo. Afirma não procurar a morte antes que ela chegue. A vida é importante para que se aprofundem as ciências e sejam atingidos os caminhos da filosofia. Assim, conhecerá o homem o seu Criador, que pode ser reconhecido pelo estudo da astronomia. Apresenta-nos a figura de Noé e Abraão, os primeiros que reconheceram o Criador nas esferas e nas estrelas. Segue, então, um pensamento ousado: no caso de Abraão, o suicídio justificar-se-ia, por ele ter atingido a perfeição. Acrescenta, porém, que isso não é o seu caso pessoal: ainda tem muito a aprender. e) Continuação do discurso de Aristóteles Aristóteles indica como se pode aprender filosofia, que elimina a ignorância e aceita a luz da compreensão. Precisa-se ler os seus Ano 1 • nº 2 • jul./dez. 2001 - 25 DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA primeiros oito livros25 até chegar ao livro sobre a Alma, o qual ensinará a sua natureza e a maneira como está no corpo. Esse caminho é o verdadeiro, porque “aqueles que ensinam ... não devem mentir nem falsificar as suas palavras”. O medo diante da morte é um sinal de que o conhecimento ainda não é perfeito, porque o homem sábio não é terrificado diante da morte. Aristóteles explica a importância da filosofia: proclamar aos ignorantes o que não entenderam nos estudos. Porque há aqueles que não pensam por si e se deixam influenciar por outros, que são como animais... Diferentes são os que pensam e entendem as coisas. Alguns desses dizem que a terra não tem começo nem fim, que uma geração passa e outra vem “mas a terra fica para sempre e não tem quem a sustenta ou governa”. Outros dizem que a alma é criada simultaneamente com o corpo ou feita do corpo e, enquanto o corpo existir, a alma existe também. Aristóteles afirma dessas opiniões que “demonstrou” a sua impossibilidade e as destruiu de acordo com o caminho da verdade da ciência. Fim do diálogo Aristóteles inicia os últimos ensinamentos. A filosofia ilumina a alma e ensina a gostar da perfeição e da retidão. Assim percebe o bem do outro mundo. Nos primeiros oito livros – volta Aristóteles ao tema já indicado –, “são encontrados todos os caminhos da ciência” (ARISTÓTELES, 1968, p. 78) pelos quais o homem pode compreender e possuir os princípios para todos os métodos. Agora fala também da Metafísica, em que descreve a natureza do firmamento superior, de uma natureza incompreensível para nós. De lá a alma sábia desceu no corpo, simples, limpa e pura. Por isso a alma pura, que não se deixa corromper, voltará ao seu lugar de origem. Aqui termina o discurso de Aristóteles. As suas mãos começam a tremer e a maçã cai... Quando a sua face ficou preta, expirou. Uma frase significativa encerra o texto: Eles disseram: “Que Ele que conquista as almas dos filósofos, possa conquistar a sua alma e colocá-la, de novo, no 26 • UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO ÁGORA FILOSÓFICA meio de seus tesouros, como convém à alma de um homem reto e perfeito, como você (ARISTÓTELES, 1968, p. 80). 4 A filosofia básica do documento De tudo que foi apresentado até agora, fica claro que a filosofia básica deste texto, de forma alguma, é de cunho aristotélico, embora não possam ser negados alguns tópicos que trazem uma clara referência à doutrina aristotélica, como, por ex., quando se fala das qualidades fundamentais da matéria: frio, quente, úmido e seco. Pelo contrário, todas as principais posições levam a afirmar que estamos diante de uma filosofia genuinamente platônica. Isso afirma-se não somente baseado no fato de este documento constituir uma espécie de adaptação do diálogo Fédon, pois, se o documento estiver ligado ao contexto material desse diálogo, sob o ponto de vista doutrinário, esta realidade é muito mais pungente. A famosa doutrina da 2ª Navegação é subentendida em toda a obra e, quase em cada página, encontramos os seus vestígios.26 Afirma-se, de forma explícita, a existência de um mundo supra-sensível muito mais importante e de maior valor que o mundo em que vivemos, palco de mudanças constantes; a ele temos acesso não pelos sentidos, mas pelo conhecimento verdadeiro – Platão diria pelos olhos da razão. Além disso, encontramos a doutrina, de forma implícita, da preexistência da alma, que tem como, entre outros, um dos seus princípios fundamentais a volta a casa, isto quer dizer, o acesso ao mundo inteligível, o Mundo das Formas, origem e protótipo do mundo sensível. Esse ponto apresenta-se como fundamental na consideração da morte como um processo necessário para se chegar à sabedoria, ao verdadeiro conhecimento. O problema da catarse também é onipresente na literatura platônica e neoplatônica, em que faz em parte, assim podemos dizer, a dialética ascendente e a gradual volta à esfera do Mundo das Formas, onde a alma se rencontrará com o mundo em que se sente à vontade. O ligar de destaque da filosofia como caminho à sabedoria e ao verdadeiro conhecimento, condições indispensáveis para particiAno 1 • nº 2 • jul./dez. 2001 - 27 DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA par da mundo supra-sensível, é também muito acentuado e explicado. Quando Aristóteles afirma que ciência e virtude são coisas idênticas, ele repete a doutrina socrática e parece esquecer-se daquilo que escreveu na Ética, na qual o problema da vontade é tratado de maneira clara e profunda, apresentando-se a sua função no processo da formação do homem virtuoso. Não faltam as referências à justiça e à verdade, os pilares da doutrina platônica sobre a atitude ética do homem. A presença da Luz, ou a sua ausência, é outro tema profundamente platônico, como fica bem claro, e. o. na famosa alegoria da Caverna. Conclusão Tentamos, neste estudo, apresentar as grandes linhas e a filosofia básica do belo texto, difundidíssimo na Idade Média, mas, na língua portuguesa, ainda bastante desconhecido, De Pomo sive de Morte Aristotelis. Através de uma análise das duas versões existentes, apresentamos não somente as suas peculiaridades e suas origens – necessárias para uma melhor compreensão –, mas também, embora de forma esquemática, as linhas principais de sua filosofia, que se manifesta claramente platônica e neoplatônica. Assim, podemos dizer que esse documento e a sua história poderão oferecer uma contribuição para o entendimento da importância que o Neoplatonismo tinha no contexto da filosofia medieval. NOTAS 1 2 3 Professor Adjunto do Departamento de Filosofia da UECE, Titular do ITEP, LD em Filosofia antiga pela UECE. Para uma tradução de Fédon, veja Os Pensadores, S.P., 1977, Plato, p.57-126. O Comentário de P-J. About no www Phylosophie é muito intenso e de grande valor para uma boa interpretação do texto platônico e, conseqüentemente, do documento em estudo. Manuel Bandeira canta, num de seus poemas, a força misteriosa da maçã: “Dentro de ti em pequenas pevides palpita a vida prodigiosa Infinitamente” (BUZZI, Arcanjo. Filosofa para participantes, Petrópolis: Vozes, 2000. p. 67 28 • UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO ÁGORA FILOSÓFICA Os mais de 90 manuscritos existentes atestam a enorme popularidade deste texto. 5 As universidades de Áustria, Bélgica, Checoslováquia, Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Polônia, Espanha, Suíça, como também a biblioteca do Vaticano possuem manuscritos; a sua presença nos EUA está ligada à questão da imigração dos povos europeus para esse país. 6 O documento, assim parece, insere-se perfeitamente no grande movimento da adaptação da filosofia grega, especialmente aristotélica – embora lida em chave neoplatônica –, pelos pensadores árabes. Veja, BADAWI, A. La transmission de la philosophie grecque au monde arabe, Paris, 1968. 7 Para maiores detalhes, veja REEGEN, Jan. G.J. Ter. Liber de Causis. O Livro das Causas. Porto Alegre: Edipucrs, 2000, especialmente o cap. I. 8 O texto continua da seguinte forma: “O Livro da Maçã”, que é notoriamente uma adaptação do Fédon, circulou em árabe primeiramente sob o nome de Sócrates e em seguida sob o de Aristóteles: o fato de dois dos manuscritos conhecidos atribuir o texto a Sócrates e três a Aristóteles indica isto... 9 No caso, teríamos 05 manuscritos: 2 atribuindo o documento em estudo a Sócrates; três, a Aristóteles. 10 Estes árabes formaram uma sociedade secreta, de carater filosófico-religioso, cujas 52 cartas formam uma espécie de enciclopédia das ciências filosóficas em vigor no século X. A procura da Verdade, o desprezo do mundo e a devoção à verdade, qualquer que seja a sua origem, é um dos seus principais objetivos; a teologia, a ciência divina, é a sua preocupação principal. A respeito de sua influência, veja Fakhry o.c. cap V. 11 Para al-Kindi e sua linha de pensamento, veja RAMON GUERRERO, Rafael. Filosofias árabe e judía, Madrid, 2001, especialmente o cap. 4.3., e FAKHRY, Majid , Histoire de la philosophie islamique, Paris: 1989, cap. III, l. 12 Veja, por ex., a opinião de ROUSSEAU, 1968, p. 11: “.. parece plausível concluir que o autor da versão A-P tinha o diálogo de Platão diante dele e modelou, com deliberada seletividade, o seu trabalho sobre esta obra”. 13 Importante por causa das opiniões divergentes no meio dos pensadores da Antiguidade Tardia, como Estóicos e Epicuristas que aceitam o suicídio. 4 Veja, de modo especial: REALE, Giovanni. Tehamatik, Aufbau und dramaturgische Dynamik, em Platon, Seine Dialoge in der Sicht neuer Forschungen, Darmstadt: W. Buchgesellschaft, 1996. 15 Como é, por ex., o caso de A Teologia de Aristóteles e O Livro das Causas. 16 Estes são os participantes do diálogo. Fédon 59 b e c apresenta uma lista de todos os presentes, 14 pessoas. 17 Apresentamos um esquema um pouco mais extenso do que seria normal; fazemo-lo, porém, para que se possa formar uma idéia melhor a respeito não somente da estrutura mas também do conteúdo do documento em estudo, visto que o seu texto, seja em latim, seja em versões, é de acesso não tão fácil. 14 Ano 1 • nº 2 • jul./dez. 2001 - 29 DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA Para os estudos iniciais, utilizamos a edição de Mary F. Rousseau, The Apple or Aristóteles Death, Milwaukee, Wisconsin, 1968. 18 Os algarismos, sem indicação de autor, indicam a página da edição de Mary F. Rousseau. 19 Nesta parte, fica bem clara a doutrina “intelectualista” das virtudes de origem socrático-platônica. 20 A referência a Hermes não ficou totalmente clara, sobretudo, por que razão, mais adiante, substitui a Metafísica. Rousseau, nota 41, refere-se à seita (ao grupo) de Sabeus (al-Sã’bi’a). Cfr Fahkry, o.c.27, nos conta que esse grupo proclamou Hermes como seu fundador e que, na cidade Haran, haja um famoso centro de estudos e traduções donde se espalharam influências e textos platônicos, neoplatônicos e herméticos na corte dos Abassides. 21 É nesta versão que A Maçã se espalha sobre a Europa e, durante 300 anos, é considerada uma obra genuína de Aristóteles. Trata-se, porém, de uma versão nova, mais curta, em que se constata uma diminuição do drama psicológico e da elegância literária, como também são constatadas aduções que realçam a figura e autoridade de Aristóteles. Importante o fato de que a figura de Abraão é ligada à filosofia grega. A “atualidade” do documento é atestada pela menção de dois “erros” muito difundidos nos anos 1260-1270: a eternidade do mundo e a mortalidade da alma humana. 22 Trata-se do conhecido Manfredo, rei da Sicília de 1258-1262, filho ilegítimo de Frederico II, imperador do Sacro Império Romano-Germânico de 1212-1250, rei da Sicília desde 1198, conhecido por seus interesses científicos e filosóficos. As citações da H -L são da versão apresentada em Rouseau, 48-59. 23 A influência da cultura árabe é extremamente forte na Sicília e no sul da Itália. Salerno, com sua famosa escola de medicina, é um centro onde existem inúmeros documentos árabes. Nesse contexto, insere-se, entre outros, a figura do tradutor Constantino a Africano. 24 Clara indicação da influência da filosofia neoplatônica, que, marcada pelo pitagorismo, tem a matemática como ciência intermediária entre a ciência e a opinião. 25 O texto refere-se às obras lógicas, conhecidas no meio sírio e árabe como os Oito Livros (ROUSSEAU, 1968, p. 57). 26 Para uma explicação mais extensa a respeito desta realidade, veja, e.o. Reale: Após a “Segunda navegação” platônica (e somente depois dela) é que se pode falar de “material” e “imaterial”, “sensível” e “supra-sensível”, “empírico” e “meta-empírico”, “físico” e “supra-físico”. E é à luz dessas categorias que os físicos anteriores se revelam materialistas e que a natureza e o cosmos não aparecem mais como a totalidade das coisas que existem, mas apenas como a totalidade das coisas que aparecem. O “verdadeiro ser” é constituído pela realidade inteligível”. (1990, p. 136) 30 • UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO ÁGORA FILOSÓFICA Referências a) Obras primárias ARISTÓTELES. The apple or Aristotle’s death (De Pomo sive de Morte Aristotilis). Translated from the Latin. With an Introductio by Mary F. Rousseau, Milwaukee: Milwaukee University Press, 1968. ______. Ética. Brasilia: Ed.da UnB, 1992. PLATÃO. Diálogos: O Banquete - Fédon - Sofista - Político. São Paulo: Nova Cultural, 1987. (Coleção Os Pensadores). ______. Fédon. Coimbra: Livraria Minerva, 1988. ______. A República. Lisboa: Gulbenkian, 1987. PSEUDO Aristóteles: a teologia de Aristóteles. Traducion del Árabe, introduccion y notas, Luciano Rublo. Buenos Aires: Ediciones Paulinas [s.d.]. b) Obras secundárias BADAWI, A. La transmission de la philosophie grecque asu monde arabe. Paris : Vrin, 1968. BUZZI, Arcanjo. Filosofia para principiante. Petrópolis: Vozes, 2000. GUTAS, Dimitri. The spurious and the authentic in the arabic lives of Aristotle. In: PSEUDO-ARISTOTLE in the Middle Ages: the theology and other texts. Edited by Jill Kraye, W. F. Ryan and B. Schmitt. London: University of London, 1998. FAKHRY, Majid. Histoire de la philosphie islamique. Paris : Cerf, 1989. KOBUSCH; Theodor; MOJSISCH, Burkhard. Platon in der abendländischen geistesgeschichte. Darmstadt: W. Buchgesellschaft, 1997. RAMON GUERRERO, Rafael. Filosofias árabe e judia. Madrid: Editorial Sintesis, 2001. REALE, Giovanni. Begründung der abendländischen metaphysik: Phaidon und Menon. In: Platon. KOBUSCH, Theodor; MOJSISCH, Burkhard. Planton: seine dialoge in der Sicht neuer Forschungen. Darmstadt, W. Buchgesellschaft, 1996. ______. Historia da filosofia. São Paulo : Paulinas, 1990. v. 1. REEGEN, Jan G. J. Ter. Liber de causis. (O Livro das causas). Ano 1 • nº 2 • jul./dez. 2001 - 31 DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA Porto Alegre: Edipucrs, 2000. RUSSEAU, Mary F. Introductio. In: ARISTÓTELES. The apple or Aristotle’s death (De Pomo sive de Morte Aristotilis). Translated from the Latin. With an Introductio by Mary F. Rousseau, Milwaukee: Milwaukee University Press, 1968. Observação: o Liber de Pomo - Buch vom Apfel, eingeleitet , überstetzt und kommentiert von Elsbeth Acampora-Michel Vittório Klostermann – Frankfurt am Main, 2001, chegou a minhas mãos na primeira semana de julho (graças a uma preciosa indicação do Prof. Lius Alberto De Boni). Tendo já terminado o presente estudo, só cuidando de detalhes, e por causa da data “ fatal “ de entrega, não foi possível aproveitar melhor essa obra. Uma primeira leitura, porém, deixou claro que as posições aqui defendidas e assumidas estão basicamente de acordo com o pensamento da referida obra. Endereço do autor: Rua Ieda Pereira, 535 Fortaleza - CE - Brasil CEP 60821-570 E-mail: [email protected] 32 • UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO