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AbAixo o seu código de Acesso: Passo a Passo Proview 14x21_Revista.indd 1 15/03/2016 10:00:23 Revista de DIREITO DO TRABALHO Ano 42 • vol. 169 • maio-jun. / 2016 Revista de DIREITO DO TRABALHO Ano 42 • vol. 169 • maio-jun. / 2016 Coordenação ivEs gaNdra da silva martiNs Filho thErEza christiNa Nahas SECRETÁRIA EDITORIAL Marcia Lovane Sott SECRETÁRIOS ADJUNTOS Paula Colessi Rafael Del Faveri • • • • • • • • • • • • CONSELHO EDITORIAL Augusto César Leite de Carvalho (Ministro do TST) Bento Herculano Duarte Neto (TRT-21.ª Reg./RN) Mônica Sette Lopes (Desembargadora do TRT/MG e Professora Doutora da UFMG) Fabiano Coelho de Souza (Juiz do Trabalho TRT/GO) Ney Maranhão (Juiz do Trabalho TRT/PA) Norma Sueli Padilha (Professora da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul) Yone Frediani (Desembargadora Aposentada TRT/SP e membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho) Fernando Araújo (Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa – Clássica) Joaquín Aparicio Tovar (Decano de la Facultad de Relaciones Laborales y Recursos Humanos de Albacete, de la Universidad Castilla la Mancha – Espanha) María José Romero Rodenas (Catedrática de Derecho del Trabajo y de Seguridad Social de La Universidad Castilla la Mancha – Espanha) María Belén Cardona Rubert (Catedrática de Derecho del Trabajo y de Seguridad Social de la Universidad de Valencia – Espanha) Sérgio Pinto Martins (TRT-2.ª Reg./SP) PARECERISTAS Renato Sabino (Juiz do Trabalho no TRT/SP) Lorena de Mello Rezende Colnago (Juíza do Trabalho no TRT/PR) ISSN 0102-8774 Revista de DIREITO DO TRABALHO Ano 42 • vol. 169 • maio-jun. / 2016 Coordenação ivEs gaNdra da silva martiNs Filho thErEza christiNa Nahas Repositório de jurisprudência autorizado pelo Tribunal Superior do Trabalho ISSN 0102-8774 Revista de DIREITO DO TRABALHO Ano 42 • vol. 169 • maio-jun. / 2016 Os colaboradores desta Revista gozam da mais ampla liberdade de opinião e de crítica, cabendo-lhes a responsabilidade das ideias e conceitos emitidos em seus trabalhos. Diagramação eletrônica: TCS - Tata Consultancy Services - CNPJ 04.266.331/0001-29 Impressão e encadernação: Orgrafic Gráfica e Editora Ltda., CNPJ 08.738.805/0001-49. © edição e distribuição da EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS LTDA. Diretora Editorial marisa harms Rua do Bosque, 820 – Barra Funda Tel. 11 3613-8400 – Fax 11 3613-8450 CEP 01136-000 – São Paulo São Paulo – Brasil TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo – Lei 9.610/1998. CENTRAL DE RELACIONAMENTO RT (atendimento, em dias úteis, das 8h às 17h) Tel. 0800-702-2433 e-mail de atendimento ao consumidor [email protected] e-mail para submissão de originais [email protected] Visite nosso site www.rt.com.br Impresso no Brasil: [05-2016] Profissional Fechamento desta edição: [08.04.2016] Revista de DIREITO DO TRABALHO Ano 42 • vol. 169 • maio-jun. / 2016 Coordenação ivEs gaNdra da silva martiNs Filho thErEza christiNa Nahas Diretora Responsável marisa harms Diretora de Operações de Conteúdo juliana mayumi ono Editoras: Aline Darcy Flôr de Souza e Marcella Pâmela da Costa Silva Coordenação Editorial daniel Cesar leal dias de CarValho Analistas de Operações Editoriais: André Furtado de Oliveira, Felipe Jordão Magalhães, Rafaella Araujo Akiyama, Thiago César Gonçalves de Souza Equipe de Jurisprudência Analistas de Operações Editoriais: Felipe Augusto da Costa Souza, Juliana Cornacini Ferreira, Patrícia Melhado Navarra e Thiago Rodrigo Rangel Vicentini Qualidade Editorial e Revisão Coordenação luCiana VaZ Cameira Analistas de Qualidade Editorial: Carina Xavier Silva, Cinthia Santos Galarza, Daniela Medeiros Gonçalves Melo, Marcelo Ventura e Maria Angélica Leite Analistas Editoriais: Daniele de Andrade Vintecinco e Mayara Crispim Freitas Capa: Andréa Cristina Pinto Zanardi Administrativo e Produção Gráfi ca Coordenação Caio henrique andrade Analista Administrativo: Antonia Pereira Assistente Administrativo: Francisca Lucélia Carvalho de Sena Analista de Produção Gráfica: Rafael da Costa Brito 9 Editorial Ao assumir a presidência do TST, muitos desafios se apresentam à nova direção da Corte, que podem ser aqui elencados, com propostas concretas de enfrentamento. O contexto histórico já é, de per si, desafiador: uma crise econômica de dimensões assustadoras, ocasionada por grave crise política, ambas umbilicalmente ligadas também quanto ao seu desenlace, uma vez que a economia, não sendo ciência exata mas psicossocial, tem na confiança fator essencial. Justamente nesse contexto adverso, a Justiça do Trabalho parece ter um papel fundamental, se pretende superá-lo e alcançar a retomada do crescimento econômico, a plena empregabilidade e a pacificação dos conflitos sociais, com harmonização das relações entre patrões e empregados. Não é demais dizer que a Justiça do Trabalho se nos apresenta como o mais belo dos ramos da Justiça brasileira, por promover a Justiça Social e ter por matéria-prima o trabalho humano, em torno do qual todos nós organizamos nossas vidas e que, portanto, deve ser valorizado, compreendido e bem regulado, sob pena de outros aspectos com ele conflitarem. Não é por menos que, desde a publicação da Encíclica “Rerum Novarum” do Papa Leão XIII em 1891, sempre considerada como a Magna Carta do Trabalhador, a Igreja Católica foi desenvolvendo, pontífice após pontífice, a Doutrina Social Cristã, cujos princípios nem sempre são bem compreendidos e conjugados. Basta lembrar que, sendo princípios básicos dessa doutrina os da “primazia do trabalho sobre o capital” e da “proteção”, também o é o da “subsidiariedade”, pelo qual a intervenção estatal somente se justifica quando sociedades menores, como sindicatos e empresas, não conseguem se entender diretamente para estabelecer as melhores condições de trabalho em cada segmento produtivo. O excesso de intervencionismo estatal, quer legiferante, quer judicante, pode desorganizar a economia mais do que proteger o trabalhador e promover o desenvolvimento produtivo. Haveria que se conhecer e refletir mais sobre tais princípios. 10 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Indo mais além, dos princípios aos fins, vemos estampadas na bandeira institucional do TST as palavras do Profeta Isaías (32, 17): “Opus Justitiae Pax” (a obra da justiça é a paz). A finalidade da Justiça do Trabalho é fundamentalmente a harmonização das relações trabalhistas, pacificando os conflitos sociais. O juiz do trabalho, que, pelo seu ofício deve ser um especialista em relações humanas, deve interpretar e aplicar imparcialmente uma legislação que já é, de per si, parcial e protetiva. Nesse sentido, é o Livro do Levítico que cobra esse equilíbrio, especialmente ao julgar as demandas sociais: “Não cometas injustiças no exercício de julgar; não favoreças o pobre nem prestigies os poderosos” (19,15). Para que a Justiça do Trabalho, nesta quadra em que vivemos, seja efetivamente pacificadora e harmonizadora das relações laborais, deve estar atenta ao comando do art. 766 da CLT, que, aplicável aos dissídios coletivos, traduz o espírito de todas as decisões que se possam proferir pelos juízes do trabalho, inclusive em dissídios individuais: “assegurando justos salários aos trabalhadores, permitam também justa retribuição às empresas”. Como chegar a esse equilíbrio na interpretação e aplicação do Direito do Trabalho, que construa uma jurisprudência ao mesmo tempo promotora de uma maior inclusão social e dignificação do trabalho humano, mas não comprometedora da empregabilidade dos trabalhadores e da sustentabilidade das empresas? Sem efetiva justiça para ambos os segmentos, não há paz social. No exercício da vice-presidência do TST, nos anos de 2014 e 2015, tivemos a sorte de conciliar praticamente todos os dissídios coletivos nacionais, ajuizados ou incoados, por acreditar que a conciliação é a melhor solução, a forma menos traumática de terminar uma lide. E em conciliação, os juízes do trabalho são mestres. Não é demais lembrar, nesse sentido, da forma como Guimarães Rosa terminava um de seus contos: “E viveram felizes e infelizes misturadamente”. Esse é o realismo da conciliação: reduzir expectativas para se chegar ao ponto de equilíbrio justo. Os mais recentes embates congressuais em torno da regulamentação da terceirização estão a demonstrar, pela ideologização a que a temática acabou se sujeitando, que não será com excessos de um lado ou de outro que se chegará a um marco regulatório protetivo e seguro, que reconheça os direitos dos trabalhadores, mas também uma realidade econômica irreversível de cadeia produtiva, em que o esforço produtivo empresarial se concentra em suas áreas de especialização. E esse marco regulatório nos parece imprescindível. Editorial 11 O que atualmente dificulta esse trabalho de pacificação social pela Justiça do Trabalho? O que explica o crescimento desmesurado das demandas trabalhistas e a pletora de recursos, atolando e paralisando todos os nossos tribunais? Como tirar do papel a garantia constitucional da celeridade processual? Parece-nos que, além das causas exógenas à própria Justiça, que são os defeitos e imperfeições em nossa legislação social, a requerer aperfeiçoamento, as causas endógenas são, em nosso humilde olhar, a complexidade de nosso sistema processual e recursal e o desprestígio dos meios alternativos de composição dos conflitos sociais. Nesse sentido, faz-se mister promover uma maior racionalização judicial, simplificação recursal e valorização da negociação coletiva, fazendo do processo meio e não fim, prestigiando as soluções que tornem mais célere e objetivo o processo, reduzindo ao mesmo tempo as demandas judiciais. Se a missão institucional do próprio TST é a uniformização da jurisprudência trabalhista, esse deve ser o foco principal da nova gestão da Corte, extraindo todas as potencialidades da Lei 13.015/2014, de modo a dar segurança jurídica à sociedade e orientação clara a nossos magistrados de 1.º e 2.º graus de jurisdição. Essa segurança jurídica será dada, v.g., com a edição da IN 39 do TST, gestada em comissão de nove Ministros, sobre dispositivos do novo CPC, de caráter novidadeiro e controvertido, que seriam aplicáveis e não aplicáveis ao Processo do Trabalho, em rol não taxativo, dando sinalização do entendimento da Corte sobre questão que não admite demoras em sua definição. Outros mecanismos serão implementados para dinamizar sessões e a tramitação dos processos no TST, como a introdução do plenário virtual, a criação do núcleo de recursos de revista repetitivos, a sistematização da uniformização jurisprudencial em sede de recurso de revista, o concurso nacional para ingresso na magistratura trabalhista, entre outros. Em suma, o que se espera do TST é a uniformização da jurisprudência de forma segura e rápida. Para tanto, a mudança de paradigma que a Lei 13.015/2014 introduziu deve ser aperfeiçoada, de modo a que a Corte efetivamente passe a julgar temas e não casos. As medidas adotadas de imediato pela nova administração do TST, com esse fito, não deixaram de parecer heterodoxas: se, por um lado, foram reforçados os gabinetes dos Ministros, deslocando-se servidores da atividade-meio para a atividade-fim, por outro, decidiu-se pela não convocação de desembargadores para atuação conjunta na Corte. 12 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 A razão é simples. No modelo do julgamento de casos, a avalanche crescente de processos que chegam ao TST exige cada vez mais juízes e servidores para fazer-lhe frente, batendo-se recordes após recordes de produção, chegando-se a 300.000 recursos solucionados por ano. Esse modelo já está exaurido. No paradigma do julgamento de temas, quanto menos magistrados decidindo, mais rápida e segura será a jurisprudência. Nesse sentido, a esperança é a de que a normalidade no funcionamento do Tribunal, com seu número fixo de Ministros, com suficiente suporte de recursos humanos e materiais, aproveitando todo o arsenal normativo processual que se oferece atualmente, possa resultar numa aceleração na pacificação jurisprudencial, objetivo maior da Corte. Enfim, racionalizando-se o sistema processual e recursal, prestigiando-se a negociação coletiva e incentivando-se a conciliação, num entendimento que possa ser inclusive nacional, abrangendo Centrais Sindicais e Confederações Patronais e Obreiras em torno de convergências, possa-se ajudar o país a sair da crise econômica em que se encontra. Ives Gandra da Silva Martins Filho Coordenador da RDT sumário Editorial .............................................................................................................................. 9 Em dEstaquE Resolução nº 203, de 15 de março de 2016 ........................................... 19 Fórum Nacional de Processo do Trabalho lorenA de mello rezende ColnAGo ................................................................ 27 Enunciados aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho ........................................................................................... 29 atualidadEs Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado The (in)jurisdiction of Labor Justice to process and judge cases involving the legal relationship between the representative and the represented FeliPe Probst Werner e veridiAnA toCzeKi sAntos........................................ 53 Breves linhas sobre a competência da justiça do trabalho para apreciar as fraudes cometidas por cooperativas de trabalho – uma visão compatível com a nova ordem processual Summary lines on the jurisdiction of Labor Justice to appreciation the fraud committed by working cooperative – A compatible with the new vision of procedure order tHerezA CHristinA nAHAs ................................................................................ 73 14 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho The impact of judicial precedents as source of law and its influence in the labor process Cleusy Araújo Galindo.................................................................................... 83 Estudos Nacionais O teletrabalho, o direito à desconexão do ambiente de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática The telework, the right of disconnection from the working environment and possible inhibition means of practice Daniela Favilla Vaz de Almeida e Lorena de Mello Rezende Colnago............ 113 A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores The union´s representability crisis and the possibility of the company committee starting strikes as a way of enforcing the fundamental rights of the workers Gabriel Henrique Santoro.................................................................................. 127 LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico Law 150/2015. New protection of domestic workers’ paradigm André Eduardo Dorster Araujo......................................................................... 139 Estudos Estrangeiros Estados Unidos da América – Restrições nas importações de produtos de atum (EUA–Atum I), DS21/R – 39S/155 United States of America – Restrictions on imports of tuna products (US – Tuna I), DS21 / R – 39S / 155 Marina Amaral Egydio de Carvalho e Lucas Mandelbaum Bianchini............ 169 O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na comunidade europeia Sumário 15 The labor contract of part-time work as an instrument of flexicurity in the European Community Gilberto Stürmer e Rodrigo Coimbra................................................................ 187 O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado Labour law for sale – Some considerations about social dumping in globalized capitalism Alessandra Pearce de Carvalho Monteiro........................................................ 209 Jurisprudência Supremo Tribunal Federal COMPETÊNCIA – Previdência privada – Discussão acerca de complementação de aposentadoria – Direito previdenciário que possui autonomia em relação ao direito trabalhista – Julgamento afeto à Justiça Comum Comentário por Paula Castro Collesi............................................................ 235 Tribunal Regional do Trabalho 2ª Região EXECUÇÃO – Verbas rescisórias – Créditos trabalhistas de empresa aérea falida – Liberação imediata de valores referentes à alienação de bens do executado, ainda pendente de recurso – Execução da pena na esfera penal que torna legítima a cumprimento total da sentença trabalhista Comentário por Vera Amaral Carvalho Momo............................................. 243 Normas de Publicação para Autores de Colaboração Autoral Inédita........ 253 Em Destaque 19 Resolução 203, de 15 de Março de 2016 Edita a IN 39, que dispõe sobre as normas do Código de Processo Civil de 2015 aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho, de forma não exaustiva. O EGRÉGIO PLENO DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, em Sessão Extraordinária hoje realizada, sob a Presidência do Excelentíssimo Senhor Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, Presidente do Tribunal, presentes os Excelentíssimos Senhores Ministros Emmanoel Pereira, Vice-Presidente do Tribunal, Renato de Lacerda Paiva, Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho, João Oreste Dalazen, Antonio José de Barros Levenhagen, João Batista Brito Pereira, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Aloysio Corrêa da Veiga, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Maria de Assis Calsing, Dora Maria da Costa, Guilherme Augusto Caputo Bastos, Márcio Eurico Vitral Amaro, Walmir Oliveira da Costa, Maurício Godinho Delgado, Kátia Magalhães Arruda, Augusto César Leite de Carvalho, José Roberto Freire Pimenta, Delaíde Alves Miranda Arantes, Hugo Carlos Scheuermann, Alexandre de Souza Agra Belmonte, Cláudio Mascarenhas Brandão, Douglas Alencar Rodrigues, Maria Helena Mallmann e a Excelentíssima Vice-Procuradora-Geral do Trabalho, Dra. Cristina Aparecida Ribeiro Brasiliano, considerando a vigência de novo Código de Processo Civil (Lei 13.105, de 17.03.2015) a partir de 18 de março de 2016, considerando a imperativa necessidade de o Tribunal Superior do Trabalho posicionar-se, ainda que de forma não exaustiva, sobre as normas do Código de Processo Civil de 2015 aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho, considerando que as normas dos arts. 769 e 889 da CLT não foram revogadas pelo art. 15 do CPC de 2015, em face do que estatui o art. 2.º, § 2.º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, considerando a plena possibilidade de compatibilização das normas em apreço, considerando o disposto no art. 1.046, § 2.º, do CPC, que expressamente preserva as “disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leis”, dentre as quais sobressaem as normas especiais que disciplinam o Direito Processual do Trabalho, considerando o escopo de identificar apenas questões polêmicas e algumas das questões inovatórias relevantes para efeito de aferir a compatibilidade ou não de aplicação subsidiária ou supletiva ao Processo do Trabalho do Código de Processo Civil de 2015, Resolução 203, de 15 de Março de 2016. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 19-26. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 20 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 considerando a exigência de transmitir segurança jurídica aos jurisdicionados e órgãos da Justiça do Trabalho, bem assim o escopo de prevenir nulidades processuais em detrimento da desejável celeridade, considerando que o Código de Processo Civil de 2015 não adota de forma absoluta a observância do princípio do contraditório prévio como vedação à decisão surpresa, como transparece, entre outras, das hipóteses de julgamento liminar de improcedência do pedido (art. 332, caput e § 1.º, conjugado com a norma explícita do parágrafo único do art. 487), de tutela provisória liminar de urgência ou da evidência (parágrafo único do art. 9.º) e de indeferimento liminar da petição inicial (CPC, art. 330), considerando que o conteúdo da aludida garantia do contraditório há que se compatibilizar com os princípios da celeridade, da oralidade e da concentração de atos processuais no Processo do Trabalho, visto que este, por suas especificidades e pela natureza alimentar das pretensões nele deduzidas, foi concebido e estruturado para a outorga rápida e impostergável da tutela jurisdicional (CLT, art. 769), considerando que está sub judice no Tribunal Superior do Trabalho a possibilidade de imposição de multa pecuniária ao executado e de liberação de depósito em favor do exequente, na pendência de recurso, o que obsta, de momento, qualquer manifestação da Corte sobre a incidência no Processo do Trabalho das normas dos arts. 520 a 522 e § 1.º do art. 523 do CPC de 2015, considerando que os enunciados de súmulas dos Tribunais do Trabalho a que se referem os incisos V e VI do § 1.º do art. 489 do CPC de 2015 são exclusivamente os que contenham os fundamentos determinantes da decisão (ratio decidendi – art. 926, § 2.º), RESOLVE: Aprovar a Instrução Normativa n. 39, nos seguintes termos: INSTRUÇÃO NORMATIVA n. 39/2016. Dispõe sobre as normas do Código de Processo Civil de 2015 aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho, de forma não exaustiva. Art. 1.º Aplica-se o Código de Processo Civil, subsidiária e supletivamente, ao Processo do Trabalho, em caso de omissão e desde que haja compatibilidade com as normas e princípios do Direito Processual do Trabalho, na forma dos arts. 769 e 889 da CLT e do art. 15 da Lei n. 13.105, de 17.03.2015. § 1.º Observar-se-á, em todo caso, o princípio da irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias, de conformidade com o art. 893, § 1.º, da CLT e Súmula n. 214 do TST. § 2.º O prazo para interpor e contra-arrazoar todos os recursos trabalhistas, inclusive agravo interno e agravo regimental, é de oito dias (art. 6.º da Lei n. 5.584/70 e art. 893 da CLT), exceto embargos de declaração (CLT, art. 897-A). Resolução 203, de 15 de Março de 2016. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 19-26. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Em Destaque 21 Art. 2.º Sem prejuízo de outros, não se aplicam ao Processo do Trabalho, em razão de inexistência de omissão ou por incompatibilidade, os seguintes preceitos do Código de Processo Civil: I – art. 63 (modificação da competência territorial e eleição de foro); II – art. 190 e parágrafo único (negociação processual); III – art. 219 (contagem de prazos em dias úteis); IV – art. 334 (audiência de conciliação ou de mediação); V – art. 335 (prazo para contestação); VI – art. 362, III (adiamento da audiência em razão de atraso injustificado superior a 30 minutos); VII – art. 373, §§ 3.º e 4.º (distribuição diversa do ônus da prova por convenção das partes); VIII – arts. 921, §§ 4.º e 5.º, e 924, V (prescrição intercorrente); IX – art. 942 e parágrafos (prosseguimento de julgamento não unânime de apelação); X – art. 944 (notas taquigráficas para substituir acórdão); XI – art. 1010, § 3.º (desnecessidade de o juízo a quo exercer controle de admissibilidade na apelação); XII – arts. 1.043 e 1.044 (embargos de divergência); XIII – art. 1.070 (prazo para interposição de agravo). Art. 3.º Sem prejuízo de outros, aplicam-se ao Processo do Trabalho, em face de omissão e compatibilidade, os preceitos do Código de Processo Civil que regulam os seguintes temas: I – art. 76, §§ 1.º e 2.º (saneamento de incapacidade processual ou de irregularidade de representação); II – art. 138 e parágrafos (amicus curiae); III – art. 139, exceto a parte final do inciso V (poderes, deveres e responsabilidades do juiz); IV – art. 292, V (valor pretendido na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral); V – art. 292, § 3.º (correção de ofício do valor da causa); VI – arts. 294 a 311 (tutela provisória); VII – art. 373, §§ 1.º e 2.º (distribuição dinâmica do ônus da prova); VIII – art. 485, § 7.º (juízo de retratação no recurso ordinário); IX – art. 489 (fundamentação da sentença); X – art. 496 e parágrafos (remessa necessária); XI – arts. 497 a 501 (tutela específica); Resolução 203, de 15 de Março de 2016. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 19-26. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 22 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 XII – arts. 536 a 538 (cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer, de não fazer ou de entregar coisa); XIII – arts. 789 a 796 (responsabilidade patrimonial); XIV – art. 805 e parágrafo único (obrigação de o executado indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos para promover a execução); XV – art. 833, incisos e parágrafos (bens impenhoráveis); XVI – art. 835, incisos e §§ 1.º e 2.º (ordem preferencial de penhora); XVII – art. 836, §§ 1.º e 2.º (procedimento quando não encontrados bens penhoráveis); XVIII – art. 841, §§ 1.º e 2.º (intimação da penhora); XIX – art. 854 e parágrafos (BacenJUD); XX – art. 895 (pagamento parcelado do lanço); XXI – art. 916 e parágrafos (parcelamento do crédito exequendo); XXII – art. 918 e parágrafo único (rejeição liminar dos embargos à execução); XXIII – arts. 926 a 928 (jurisprudência dos tribunais); XXIV – art. 940 (vista regimental); XXV – art. 947 e parágrafos (incidente de assunção de competência); XXVI – arts. 966 a 975 (ação rescisória); XXVII – arts. 988 a 993 (reclamação); XXVIII – arts. 1.013 a 1.014 (efeito devolutivo do recurso ordinário – força maior); XXIX – art. 1.021 (salvo quanto ao prazo do agravo interno). Art. 4.º Aplicam-se ao Processo do Trabalho as normas do CPC que regulam o princípio do contraditório, em especial os artigos 9.º e 10, no que vedam a decisão surpresa. § 1.º Entende-se por “decisão surpresa” a que, no julgamento final do mérito da causa, em qualquer grau de jurisdição, aplicar fundamento jurídico ou embasar-se em fato não submetido à audiência prévia de uma ou de ambas as partes. § 2.º Não se considera “decisão surpresa” a que, à luz do ordenamento jurídico nacional e dos princípios que informam o Direito Processual do Trabalho, as partes tinham obrigação de prever, concernente às condições da ação, aos pressupostos de admissibilidade de recurso e aos pressupostos processuais, salvo disposição legal expressa em contrário. Art. 5.º Aplicam-se ao Processo do Trabalho as normas do art. 356, §§ 1.º a 4.º, do CPC que regem o julgamento antecipado parcial do mérito, cabendo recurso ordinário de imediato da sentença. Resolução 203, de 15 de Março de 2016. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 19-26. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Em Destaque 23 Art. 6.º Aplica-se ao Processo do Trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica regulado no Código de Processo Civil (arts. 133 a 137), assegurada a iniciativa também do juiz do trabalho na fase de execução (CLT, art. 878). § 1.º Da decisão interlocutória que acolher ou rejeitar o incidente: I – na fase de cognição, não cabe recurso de imediato, na forma do art. 893, § 1.º da CLT; II – na fase de execução, cabe agravo de petição, independentemente de garantia do juízo; III – cabe agravo interno se proferida pelo Relator, em incidente instaurado originariamente no tribunal (CPC, art. 932, inciso VI). § 2.º A instauração do incidente suspenderá o processo, sem prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 do CPC. Art. 7.º Aplicam-se ao Processo do Trabalho as normas do art. 332 do CPC, com as necessárias adaptações à legislação processual trabalhista, cumprindo ao juiz do trabalho julgar liminarmente improcedente o pedido que contrariar: I – enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal Superior do Trabalho (CPC, art. 927, inciso V); II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Tribunal Superior do Trabalho em julgamento de recursos repetitivos (CLT, art. 896-B; CPC, art. 1.046, § 4.º); III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV – enunciado de súmula de Tribunal Regional do Trabalho sobre direito local, convenção coletiva de trabalho, acordo coletivo de trabalho, sentença normativa ou regulamento empresarial de observância obrigatória em área territorial que não exceda à jurisdição do respectivo Tribunal (CLT, art. 896, b, a contrario sensu). Parágrafo único. O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência. Art. 8.º Aplicam-se ao Processo do Trabalho as normas dos arts. 976 a 986 do CPC que regem o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR). § 1.º Admitido o incidente, o relator suspenderá o julgamento dos processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam na Região, no tocante ao tema objeto de IRDR, sem prejuízo da instrução integral das causas e do julgamento dos eventuais pedidos distintos e cumulativos igualmente deduzidos em tais processos, inclusive, se for o caso, do julgamento antecipado parcial do mérito. Resolução 203, de 15 de Março de 2016. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 19-26. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 24 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 § 2.º Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso de revista para o Tribunal Superior do Trabalho, dotado de efeito meramente devolutivo, nos termos dos arts. 896 e 899 da CLT. § 3.º Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo Tribunal Superior do Trabalho será aplicada no território nacional a todos os processos, individuais ou coletivos, que versem sobre idêntica questão de direito. Art. 9º O cabimento dos embargos de declaração no Processo do Trabalho, para impugnar qualquer decisão judicial, rege-se pelo art. 897-A da CLT e, supletivamente, pelo Código de Processo Civil (arts. 1.022 a 1.025; §§ 2.º, 3.º e 4.º do art. 1.026), excetuada a garantia de prazo em dobro para litisconsortes (§ 1.º do art. 1.023). Parágrafo único. A omissão para fins do prequestionamento ficto a que alude o art. 1.025 do CPC dá-se no caso de o Tribunal Regional do Trabalho, mesmo instado mediante embargos de declaração, recusar-se a emitir tese sobre questão jurídica pertinente, na forma da Súmula n. 297, item III, do Tribunal Superior do Trabalho. Art. 10. Aplicam-se ao Processo do Trabalho as normas do parágrafo único do art. 932 do CPC, §§ 1.º a 4.º do art. 938 e §§ 2.º e 7.º do art. 1.007. Parágrafo único. A insuficiência no valor do preparo do recurso, no Processo do Trabalho, para os efeitos do § 2.º do art. 1.007 do CPC, concerne unicamente às custas processuais, não ao depósito recursal. Art. 11. Não se aplica ao Processo do Trabalho a norma do art. 459 do CPC no que permite a inquirição direta das testemunhas pela parte (CLT, art. 820). Art. 12. Aplica-se ao Processo do Trabalho o parágrafo único do art. 1.034 do CPC. Assim, admitido o recurso de revista por um fundamento, devolve-se ao Tribunal Superior do Trabalho o conhecimento dos demais fundamentos para a solução apenas do capítulo impugnado. Art. 13. Por aplicação supletiva do art. 784, I (art. 15 do CPC), o cheque e a nota promissória emitidos em reconhecimento de dívida inequivocamente de natureza trabalhista também são títulos extrajudiciais para efeito de execução perante a Justiça do Trabalho, na forma do art. 876 e segs. da CLT. Art. 14. Não se aplica ao Processo do Trabalho o art. 165 do CPC, salvo nos conflitos coletivos de natureza econômica (Constituição Federal, art. 114, §§ 1.º e 2.º). Art. 15. O atendimento à exigência legal de fundamentação das decisões judiciais (CPC, art. 489, § 1.º) no Processo do Trabalho observará o seguinte: I – por força dos arts. 332 e 927 do CPC, adaptados ao Processo do Trabalho, para efeito dos incisos V e VI do § 1.º do art. 489 considera-se “precedente” apenas: Resolução 203, de 15 de Março de 2016. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 19-26. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Em Destaque 25 a) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Tribunal Superior do Trabalho em julgamento de recursos repetitivos (CLT, art. 896-B; CPC, art. 1.046, § 4.º); b) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; c) decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; d) tese jurídica prevalecente em Tribunal Regional do Trabalho e não conflitante com súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho (CLT, art. 896, § 6.º); e) decisão do plenário, do órgão especial ou de seção especializada competente para uniformizar a jurisprudência do tribunal a que o juiz estiver vinculado ou do Tribunal Superior do Trabalho. II – para os fins do art. 489, § 1.º, incisos V e VI do CPC, considerar-se-ão unicamente os precedentes referidos no item anterior, súmulas do Supremo Tribunal Federal, orientação jurisprudencial e súmula do Tribunal Superior do Trabalho, súmula de Tribunal Regional do Trabalho não conflitante com súmula ou orientação jurisprudencial do TST, que contenham explícita referência aos fundamentos determinantes da decisão (ratio decidendi). III – não ofende o art. 489, § 1.º, inciso IV do CPC a decisão que deixar de apreciar questões cujo exame haja ficado prejudicado em razão da análise anterior de questão subordinante. IV – o art. 489, § 1.º, IV, do CPC não obriga o juiz ou o Tribunal a enfrentar os fundamentos jurídicos invocados pela parte, quando já tenham sido examinados na formação dos precedentes obrigatórios ou nos fundamentos determinantes de enunciado de súmula. V – decisão que aplica a tese jurídica firmada em precedente, nos termos do item I, não precisa enfrentar os fundamentos já analisados na decisão paradigma, sendo suficiente, para fins de atendimento das exigências constantes no art. 489, § 1.º, do CPC, a correlação fática e jurídica entre o caso concreto e aquele apreciado no incidente de solução concentrada. VI – é ônus da parte, para os fins do disposto no art. 489, § 1.º, V e VI, do CPC, identificar os fundamentos determinantes ou demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento, sempre que invocar precedente ou enunciado de súmula. Art. 16. Para efeito de aplicação do § 5.º do art. 272 do CPC, não é causa de nulidade processual a intimação realizada na pessoa de advogado regularmente habilitado nos autos, ainda que conste pedido expresso para que as comunicações Resolução 203, de 15 de Março de 2016. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 19-26. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 26 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 dos atos processuais sejam feitas em nome de outro advogado, se o profissional indicado não se encontra previamente cadastrado no Sistema de Processo Judicial Eletrônico, impedindo a serventia judicial de atender ao requerimento de envio da intimação direcionada. A decretação de nulidade não pode ser acolhida em favor da parte que lhe deu causa (CPC, art. 276). Art. 17. Sem prejuízo da inclusão do devedor no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas (CLT, art. 642-A), aplicam-se à execução trabalhista as normas dos artigos 495, 517 e 782, §§ 3.º, 4.º e 5.º do CPC, que tratam respectivamente da hipoteca judiciária, do protesto de decisão judicial e da inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes. Art. 18. Esta Instrução Normativa entrará em vigor na data da sua publicação. Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho Presidente do Tribunal Superior do Trabalho Resolução 203, de 15 de Março de 2016. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 19-26. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 27 Fórum Nacional de Processo do Trabalho O Fórum Nacional de Processo do Trabalho é uma organização não governamental criada para promover eventos de estudo, a partir do debate democrático para melhor aproximar e unir os profissionais que atuam na Justiça do Trabalho – magistrados, servidores públicos, procuradores do trabalho e advogados –, além de professores, todos com o intuito de aprofundar os estudos sobre a autonomia do Processo do Trabalho aproveitando o momento de alteração da norma subsidiária, o Código de Processo Civil, e a necessidade de debater os novos institutos, que poderão ser compatíveis com a sistemática adotada pela Justiça do Trabalho ou não. A primeira reunião ocorreu em Curitiba, Estado do Paraná, dias 04 e 05.03.2016, com uma grande homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio, que, em brilhante palestra, destacou como princípios do Direito Processual do Trabalho, que tem influência vertical do direito material a que serve. Assim, nosso querido professor destacou os cinco princípios mais importantes do Direito Processual do Trabalho, que permitem a afirmação de autonomia: (1) princípio protecionista, uma vez que a ausência do reclamado induz revelia e confissão ficta enquanto a ausência do reclamante gera o mero arquivamento da reclamação trabalhista; (2) princípio da gratuidade, pois em regra os atos processuais trabalhistas são gratuitos, com pagamento de eventuais emolumentos ao final do processo; (3) princípio da oralidade, os atos praticados são em regra orais – atermação da reclamação trabalhista e defesa do reclamado em audiência; (4) princípio da celeridade, que pode ser observado por meio da concentração de atos em uma única audiência (art. 847 da CLT); (5) princípio da inversão do ônus da prova, pois a documentação relativa às relações de emprego está sempre na posse do empregador e não do empregado. Na explicação do eminente jurista e professor, Wagner D. Giglio, o Direito Processual do Trabalho tem fins próprios de transformação social e de melhor distribuição da renda, considerando o sistema capitalista adotado pelo país. Além de ter institutos próprios como a sentença normativa para dirimir conflitos coletivos, o impulso oficial na fase executória, a irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias e o jus postulandi. Sob esses pilares tão bem elucidados pelo nosso querido mestre foram desenvolvidos os trabalhos no Fórum Nacional de Processo do Trabalho. Colnago, Lorena de Mello Rezende. Fórum Nacional de Processo do Trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 27-28. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 28 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Os debates foram realizados inicialmente em grupos temáticos, onde se pode verificar a diversidade de pensamentos a partir da própria composição de cada grupo de relatores. Tentamos agregar em cada grupo, representantes da Magistratura, da Advocacia e do Ministério Público, a fim de entender cada um dos polos da relação processual do trabalho, na tentativa de diagnosticar problemas comuns e problemas inerentes a cada uma das profissões por meio de um diálogo técnico e fraterno, sempre subsidiado pelos conhecimentos aprofundados da Academia. No sábado (05 de março), nos reunimos em Plenária, aberta com a brilhante palestra do Prof. Manoel Antônio Teixeira Filho sobre a necessidade de manutenção do art. 769 do Texto Celetista como filtro de contenção das regras processuais civis incompatíveis com a sistemática do Direito Processual do Trabalho. As votações ocorreram por maioria qualificada, ou seja, os enunciados aprovados pelos grupos somente foram aprovados quanto atingiam a votação positiva de 2/3 da Plenária presente, que funcionou como uma assembleia geral qualificada. Assim, destacamos ao final os enunciados aprovados por unanimidade dos presentes e sem qualquer objeção, daqueles aprovados por maioria qualificada. Terminamos os trabalhos às 20h00min, com bastante cansaço e alegria por vencer essa primeira etapa. A próxima reunião ocorrerá no Estado das Minas Gerais, Belo Horizonte, nos dias 26 e 27.08.2016, tendo por novidade um grupo formado com enfoque acadêmico para estudar os institutos típicos do Direito Processual do Trabalho, além dos temas pragmáticos como ocorreu na primeira reunião. Esperamos contar novamente com a presença dos grandes profissionais e juristas juslaborais de todas as carreiras jurídicas atuantes na Justiça do Trabalho e na Academia a fim de que esse encontro seja sedimentado como um espaço harmônico de estudo, reflexão e promoção da Autonomia do Processo do Trabalho. Curitiba, 13 de março de 2016. Lorena de Mello Rezende Colnago Coordenadora Científica do Fórum Nacional de Processo do Trabalho [email protected] Colnago, Lorena de Mello Rezende. Fórum Nacional de Processo do Trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 27-28. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 29 Enunciados aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba – Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio Comissão organizadora: Advocacia: Ana Maria Maximiliano, Erika Coronha Benassi, Maíra Silva Marques da Fonseca, Marco Antônio César Villatore, Marcus de Oliveira Kaufmann, Miriam Klahold, Nuredin Ahmad Allan, Ricardo Nunes de Mendonça, Simone Malek Rodrigues Pilon. Ministério Público do Trabalho: Gláucio Araújo de Oliveira, Gisele Góes Coutinho e João Hilário Valentim. Magistratura: Ben-Hur Silveira Claus, Bento Herculano Duarte Neto, Carlos Eduardo Oliveira Dias, Cleber Martins Sales, Jonatas dos Santos Andrade, José Eduardo Resende Chaves Jr. (Pepe Chaves), Lorena de Mello Rezende Colnago, Maximiliano Carvalho, Ney Maranhão. Academia: Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante. Enunciados: 1.º Grupo: Princípios do Direito Processual do Trabalho e lacunas do processo Relatores: Lorena de Mello Rezende Colnago (Juíza do Trabalho e Professora), Marco Aurélio Guimarães (Advogado e Professor), Janete Aparecida Deste (Juíza do Trabalho e Professora), Gláucio Araújo de Oliveira (Procurador do Trabalho – Chefe da PRT9). 1. NCPC, art. 15 e CLT, art. 769. Subsistência deste, em sua plenitude. Autonomia do processo do trabalho. A cláusula de contenção ou norma principiológica, fundamental, do processo do trabalho, prevista no art. 769 da CLT, permanece hígida e incólume até pelo reconhecimento, no art. 15 do NCPC, da autonomia do processo do trabalho ou mesmo pela ausência de revogação expressa ou derrogação tácita daquele comando, notadamente pela impossibilidade de a lei geral revogar a lei especial (CLT). Resultado: aprovado por unanimidade. Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba – Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 30 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 2. Art. 769 da CLT. O Direito Processual do Trabalho não exige a obrigatoriedade de preenchimento de todas as aparentes lacunas normativas, é instrumental e visa precipuamente a resolução de conflitos sociais. O devido processo legal importa na resposta à pretensão trazida e à satisfação do direito material violado. Resultado: aprovado por unanimidade. 3. Art. 8.º da DUDH, art. 5.º, XXXV, da CF, art. 839 da CLT. Jus postulandi. O jus postulandi é uma característica do processo do trabalho que atende ao art. 5.º, XXXV, da CF/1988 e ao art. 8.º da DUDH, independente do meio utilizado para a tramitação da demanda. É a realização do princípio do acesso à Justiça. Onde houver dificuldade de acesso digital deverá haver um servidor com atribuição para atermar a reclamação trabalhista em questão, podendo ser oficiado o sindicato profissional, ou a Defensoria Pública da União ou a OAB. Resultado: aprovado unanimidade. 4. Arts. 774 e 769 da CLT e arts. 15 e 218 do NCPC. O art. 218 do NCPC é aplicado ao processo do trabalho, por compatibilidade. Inteligência dos arts. 774 e 769 da CLT e arts. 15 e 218 do NCPC. Resultado: aprovado por unanimidade. 5. Art. 775 da CLT e art. 219 do NCPC. Contagem de prazo. Por haver norma própria na CLT (art. 775) os prazos processuais trabalhistas são contados em dias corridos e não em dias úteis. Aplicação do art. 775 da CLT e art. 219 do NCPC. Resultado: aprovado por maioria qualificada. 6. CLT, arts. 769, 849, 852-C e NCPC, art. 190. Negócio jurídico processual. Inexistência de lacuna ontológica ou axiológica. Previsão na CLT e na Lei 5.584/1970. Celeridade dos ritos trabalhistas, ordinário, sumaríssimo ou alçada. Duração razoável do processo. A previsão contida no art. 190 do NCPC, não se aplica aos processos que envolvam dissídios individuais de relação de trabalho, tendo em vista que a CLT tem rito próprio (ordinário, sumaríssimo ou alçada), conforme arts. 849, 852-C e art. 2.º, §§ 3.º e 4.º, da Lei 5.584/1970. Aplicação dos arts. 769, 849 e 852-C da CLT e NCPC, art. 190. Resultado: aprovado por maioria qualificada. 7. Art. 764, § 3.º, da CLT e art. 3.º, § 3.º, do NCPC. O art. 3.º, § 3.º, do NCPC tem clara inspiração no princípio da conciliação do art. 764, § 3.º, da CLT, sendo desnecessária sua aplicação por haver norma celetista. Resultado: aprovado por maioria qualificada. Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba – Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Em Destaque 31 8. Art. 651 da CLT e art. 147 do ECA. Acidente de trabalho. Ação movida por criança e adolescente. Competência territorial concorrente. Local do domicílio dos reclamantes ou locais da prestação do trabalho. Ausência de disciplina legal específica na CLT. Aplicação analógica do disposto no art. 147, I, do ECA. 1. Na hipótese de julgamento de dissídio individual movido por criança e adolescente, admite-se excepcionalmente a fixação da competência territorial pelo foro do local do domicílio dos reclamantes ou do local de trabalho. 2. Aplicação analógica do disposto no art. 147, I, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), diante da ausência de disciplina legal específica na CLT. Resultado: aprovado por unanimidade. 9. Art. 651 da CLT e art. 53, III, e, do NCPC c/c art. 2.º da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). Ação movida por idoso. Pretensão deduzida em nome próprio. Competência territorial concorrente. Local do domicílio do reclamante ou local da prestação de trabalho. Ausência de disciplina legal específica na CLT. Aplicação analógica do disposto no art. 2.º da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) c/c art. 53, III, e, do NCPC. 1. Na hipótese de julgamento de dissídio individual movido por idoso, admite-se excepcionalmente a fixação da competência territorial pelo foro do local do domicílio do reclamante. 2. Aplicação analógica do disposto no art. 53, III, e, do NCPC c/c art. 2.º da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), diante da ausência de disciplina legal específica na CLT. Aplicação do art. 651 da CLT e art. 53, III, e, do NCPC c/c art. 2.º da Lei 10.741/2003. Resultado: aprovado por maioria qualificada. 10. Trabalho de preso. Competência material da Justiça do Trabalho e competência funcional. local da prestação de serviços. Após a EC 45/2004, a Justiça do Trabalho não está adstrita a controvérsias alusivas às relações de emprego, estando revogado o parágrafo único do art. 28 da LEP que dispõe que não se aplica ao trabalho do preso o regime da CLT. A discussão salarial decorrente de trabalho de preso deve ser dirimida pela Justiça Especializada, por se tratar de espécie de relação de trabalho, atraindo assim o disposto no art. 651 da CLT para fins de se estabelecer o foro competente para dirimir a controvérsia. Resultado: aprovada por maioria qualificada 11. Art. 114 da CF/1988 e art. 15 do NCPC. EC 45/2004. Competência material da Justiça do Trabalho. Intervenção judicial. Relevância social. Após a EC 45/2004, a Justiça do Trabalho não está adstrita a controvérsias alusivas às relações de emprego, comportando a intervenção judicial em empresas e organizações para evitar a dilapidação patrimonial, garantir a manutenção dos Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba – Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 32 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 postos de trabalho e promover a regularidade das obrigações trabalhistas. Inteligência dos art. 114 da CF/1988 e art. 15 do NCPC. Resultado: aprovado por unanimidade 12. Art. 22 da CF/1988 e art. 709 da CLT. Reclamação correicional. Regimento Interno da Corregedoria-Geral do TST. Afronta ao disposto no art. 22 da CF/1988. Competência privativa da União para legislar sobre matéria processual. O art. 22 da CF/1988 confere privativamente à União a competência para legislar em matéria processual. O ordenamento legal não comporta a criação de remédio jurídico de natureza recursal, denominado de reclamação correicional e disposto em Regimento Interno de Tribunal. Aplicação dos arts. 22 da CF/1988 e 709 da CLT. Resultado: aprovado por unanimidade. 13. Art. 847 da CLT e art. 340 do NCPC. Arguição de incompetência relativa. O art. 340 do NCPC, no que diz respeito à arguição de incompetência relativa, não se aplica ao processo do trabalho, na medida em que a resposta deverá ser deduzida em audiência, na forma do art. 847 da CLT, por existir regramento próprio, sendo, portanto, incompatível com a norma processual trabalhista na forma dos arts. 769 da CLT e 15 do NCPC (art. 847 da CLT e art. 340 do NCPC). Resultado: aprovado por maioria qualificada. 14. Art. 114 da CF/1988 e art. 18 da Lei 12.690/2012, e art. 15 do NCPC c/c competência da Justiça do Trabalho. Dissolução de cooperativas de trabalho. Fraudes. Após a EC 45/2004, a Justiça do Trabalho passou a dirimir todas as controvérsias decorrentes de relações de trabalho. A Justiça do Trabalho tem atribuição para dirimir conflito de interesses que diga respeito à atuação de cooperativa de trabalho e, constatada a fraude na atuação do ente cooperativo, cabível o manejo da ação competente para fins de se perseguir a dissolução da cooperativa, tudo nos termos do art. 114 da CF/1988 c/c art. 18 da Lei 12.690/2012. Inteligência dos art. 114 da CF/1988 e art. 18 da Lei 12.690/2012 e art. 15 do NCPC. Resultado: aprovado por unanimidade. 15. NCPC, art. 319, §§ 1.º, 2.º e 3.º. Relativização. Lacuna normativa na CLT, art. 840, § 1.º, c/c art. 769. Petição inicial. Elementos para qualificação das partes. Compatibilidade com os preceitos de acesso à justiça, simplicidade, economia processual e celeridade. Aplicabilidade no Processo do Trabalho. Aplica-se o disposto nos §§ 1.º, 2.º e 3.º do art. 319 do NCPC, ao processo do Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba – Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Em Destaque 33 trabalho, diante da omissão da CLT sobre as hipóteses que trata (art. 840, § 1.º) e considerando a compatibilidade dos ordenamentos. Cumprimento dos princípios da simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, conforme preceitua o art. 769 da CLT. Com isso, preserva-se a garantia Constitucional do acesso à Justiça (art. 5.º, XXXV). Realização das regras do art. 319, §§ 1.º, 2.º e 3.º do NCPC; e art. 840, § 1.º, c/c art. 769 da CLT. Resultado: aprovado por maioria qualificada. 16. CLT, art. 790, § 3.º, e NCPC, art. 99, § 3.º. Gratuidade judiciária. Veracidade da alegação de insuficiência por pessoa natural. Presunção. Justiça gratuita à pessoa jurídica. Necessidade de comprovação de insuficiência econômica. Lacuna normativa na CLT. Compatibilidade com os preceitos que regem o processo do trabalho. Aplicabilidade do preceito. Acesso à Justiça aos necessitados. Garantia constitucional assegurada. A presunção relativa de veracidade sobre a insuficiência de meios para demandar em Juízo, sem prejuízo próprio ou da família, milita em favor da pessoa natural. A pessoa jurídica deverá provar, pelos meios de prova em direito admitidos, que não pode arcar com os custos do processo, sem prejuízo de sua manutenção. Harmonização dos princípios Constitucionais relativos à ordem econômica e financeira (art. 170) e art. 790, § 3.º, da CLT e art. 99, § 3.º, do NCPC. Resultado: aprovado por maioria qualificada. 17. NCPC, art. 10. Art. 769 da CLT. Proibição de fundamento “surpresa”, em decisão sem prévio contraditório. Inaplicabilidade no processo do trabalho. Prevalência da simplicidade, celeridade e informalismo. Não se aplica ao processo do trabalho o art. 10 do NCPC, que veda motivação diversa da utilizada pelas partes, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício. Prevalência dos princípios da simplicidade, da celeridade, da informalidade e do jus postulandi, norteadores do processo do trabalho. Resultado: aprovado por unanimidade. 18. CLT, art. 769 e NCPC, art. 343. Reconvenção. Diante de lacuna da CLT quanto à reconvenção, a regra do art. 343 que possibilita ao réu apresentar essa ação contra o autor na contestação, aplica-se no processo do trabalho. Não se admite a possibilidade de ampliação subjetiva da lide prevista nos §§ 3.º e 4.º do art. 343 do NCPC. Resultado: aprovado por maioria qualificada. 19. CLT, art. 357, § 9.º; arts. 765, 813, § 2.º, 852-B, III, 852-C e NCPC, arts. 334, § 12. Audiências trabalhistas. Intervalos mínimos. Inaplicabilidade Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba – Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 34 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 ao processo do trabalho. Independência funcional do magistrado. Ampla direção na condução das causas. Art. 765 da CLT. Necessidade de verificação caso a caso. Inexistência de lacuna ontológica ou axiológica. Não se aplica ao processo do trabalho a fixação de intervalo mínimo entre as audiências, prevista no NCPC, quer pelas peculiaridades do processo do trabalho, quer pela independência funcional do juiz, que tem ampla liberdade na direção dos processos, conforme preceitua o art. 765 da CLT. Resultado: aprovado por unanimidade. 2.º Grupo: Tutela de urgência Relatores: Cássio Colombo Filho (Desembargador do Trabalho e Professor), Maíra Silva Marques da Fonseca (Advogada e Professora), José Carlos Rizk Filho (Advogado e Professor) e Cristiane Sbalqueiro Lopes (Procuradora do Trabalho e Professora). 20. Art. 769 da CLT e art. 294 do NCPC. Tutela cautelar. O art. 294, caput e parágrafo único, do NCPC, é aplicável ao processo do trabalho no que diz respeito à concessão de tutela provisória de urgência cautelar, seja de forma antecedente ou incidental, ou de tutela provisória de urgência antecipada em caráter incidental. Inteligência do art. 769 da CLT e art. 294 do NCPC. Resultado: aprovado por unanimidade. 21. Art. 769 da CLT e art. 297 do NCPC. Nas tutelas de urgência, autorizado pelo poder geral de cautela, o juiz poderá conceder tutela diversa da pleiteada para assegurar resultado prático à demanda, e, principalmente para asseguração de direitos e garantias fundamentais (art. 769 da CLT c/c art. 297 do NCPC). Resultado: aprovado por unanimidade. 22. Art. 769 da CLT e art. 297 do NCPC. Tutela de urgência. É compatível com o processo do trabalho o art. 297 do NCPC (art. 769 da CLT c/c art. 297 do NCPC). Resultado: aprovado por unanimidade. 23. Art. 769 da CLT e art. 298 do NCPC. Tutela provisória. Fundamentação. Em razão de norma específica e da compatibilidade de institutos, bem como ante o comando do art. 93, IX, da CF, o art. 298 do NCPC, é aplicável ao processo do trabalho, devendo o juiz fundamentar todas as decisões (art. 769 da CLT c/c art. 298 do NCPC). Resultado: aprovado por unanimidade. Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba – Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Em Destaque 35 24. Art. 769 da CLT e art. 299 do NCPC. Competência funcional. Tutela provisória. Diante da lacuna normativa e por compatibilidade, é adequado aplicar ao processo do trabalho as regras do art. 299 do NCPC, que tratam da competência funcional para a apreciação dos requerimentos de tutela provisória. A tutela provisória deverá ser requerida ao Juízo da causa e, quando antecedente, ao Juízo competente para conhecer do pedido principal (art. 769 da CLT c/c art. 299 do NCPC). Resultado: aprovado por unanimidade. 25. Art. 769 da CLT e art. 300 do NCPC. Tutela de urgência. Perigo de reversibilidade. A natureza e a relevância do direito em discussão na causa podem afastar o requisito da inexistência de perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão, quando da concessão de tutelas de urgência (art. 769 da CLT c/c art. 300, § 3.º, do NCPC). Resultado: aprovado por maioria qualificada. 26. Art. 769 da CLT e art. 300, § 1.º, do NCPC. Tutela de urgência. Caução. Para os fins do § 1.º do art. 300 do NCPC (exigência de caução), que é aplicável ao processo do trabalho, o trabalhador, em regra, é considerado economicamente hipossuficiente. Resultado: aprovado por unanimidade. 27. Art. 769 da CLT e art. 300, § 2.º, do NCPC. Tutela de urgência liminar. É aplicável ao processo do trabalho o § 2.º do art. 300, segundo o qual as tutelas de urgência podem ser concedidas liminarmente ou após justificação prévia. Resultado: aprovado por unanimidade. 28. Art. 769 da CLT e art. 305 e art. 310 do NCPC. Tutela de urgência antecedente e incidental. A partir da vigência do NCPC, tanto o pedido de tutela cautelar, quer na modalidade antecedente ou na incidental, como o pedido principal, serão formulados nos mesmos autos (caput dos arts. 305 e 308), podendo ser concedida liminarmente ou após justificação prévia (art. 9.º, parágrafo único, I, e art. 300, § 2.º). A tutela cautelar, em suas modalidades, é compatível com o processo do trabalho e com as medidas liminares previstas art. 659, IX e X, da CLT, devendo o autor indicar, na petição inicial, quando antecedente, “a lide e seu fundamento” e a “exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo” (NCPC, art. 300, caput). Resultado: aprovado por unanimidade. Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba – Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 36 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 29. Art. 769 da CLT e art. 311 do NCPC. Tutela de evidência. A tutela de evidência é compatível com o Direito Processual do Trabalho e deve ser amplamente utilizada. Pode ser requerida na petição inicial junto com o pedido principal, bem como no curso do processo, mas sempre nos mesmos autos do pleito atinente à tutela de mérito (analogia do caput do art. 303, § 1.º, II, c/c caput dos arts. 305 e 308). A tutela da evidência, que não pressupõe demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, mas apenas de uma das situações legalmente elencadas (NCPC, art. 311, I a IV), pode ser concedida liminarmente nas hipóteses dos incs. II e III do art. 311 do NCPC (arts. 9.º, parágrafo único, II, e 311, parágrafo único) e guarda compatibilidade com o processo do trabalho, notadamente por propiciar celeridade, razoável duração do processo e efetividade. Resultado: aprovado por unanimidade. 3.º Grupo: Incidente de desconsideração da personalidade jurídica Relatores: Ben-Hur Silveira Claus (Juiz do Trabalho e Professor), Érika Coronha Benassi (Advogada), Luciano Coelho (Juiz do Trabalho e Professor) e Fernanda Antunes Marques Junqueira (Juíza do Trabalho). 30. CLT, art. 769 e NCPC, arts. 133-137 c/c art. 789, 790, II, e art. 792, IV. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. O incidente de desconsideração de personalidade jurídica (arts. 133 a 137 do NCPC) é incompatível com o Processo do Trabalho, uma vez que neste a execução se processa de ofício, a teor dos arts. 876, parágrafo único, e 878 da CLT, diante da análise do comando do art. 889 celetista (c/c art. 4.º, § 3.º, da Lei 6.830/1980), além do princípio de simplificação das formas e procedimentos que informa o processo do trabalho, tendo a nova sistemática processual preservado a execução dos bens dos sócios (arts. 789, 790, II, e art. 792, IV, do NCPC). Resultado: aprovado por maioria qualificada. 4.º Grupo: Produção de provas no processo Relatores: Marco Antônio Cesar Villatore (Advogado e Professor), Rosivaldo da Cunha Oliveira (Procurador do Trabalho) e Cleber Martins Salles (Juiz do Trabalho e Professor). 31. CLT, art. 765 e NCPC, arts. 139, VI, e 456, parágrafo único. Inversão do ônus da prova. No processo do trabalho a concordância das partes é desnecessária para a inversão da ordem da produção de provas, inclusive depoimentos pessoais, interrogatório e inquirição de testemunhas. InteliEnunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba – Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Em Destaque 37 gência dos art. 765 da CLT e art. 139, VI, e art. 456, parágrafo único, ambos do NCPC. Resultado: aprovado por unanimidade. 32. CLT, arts. 825 e 852-H, § 3.º, e NCPC, art. 455, § 4.º. Arrolamento de testemunhas. Na hipótese de arrolamento de testemunhas, aplica-se a sistemática do art. 455, § 4.º, do NCPC, mediante prévia cientificação das partes interessadas. Resultado: aprovado por unanimidade. 33. CLT, art. 769 e NCPC, art. 345, IV. Revelia. Diante de lacuna da CLT quanto ao regramento da revelia, a regra do art. 345, IV, se aplica ao processo do trabalho. Resultado: aprovado por unanimidade. 34. CLT, art. 769 e NCPC, art. 95, §§ 1.º, 2.º e 3.º, I E II. Perícia judicial. Pagamento. Em se tratando de perícia requerida por ambas as partes ou determinada de ofício pelo juiz, cabe a elas o pagamento, “pro rata”, do adiantamento dos honorários periciais, exceto ao beneficiário da justiça gratuita, sendo plenamente aplicável no processo do trabalho as hipóteses previstas no art. 95, §§ 1.º, 2.º e 3.º, I e II, do NCPC. Resultado: aprovado por unanimidade 5.º Grupo: Cooperação judicial Relatores: José Resende Chaves Junior (Pepe Chaves – Desembargador do Trabalho e Professor), Patrícia Caproni Li Votti (Advogada), Antônio Gomes de Vasconcelos (Juiz do Trabalho e Professor), Sandra Mara De Oliveira Dias (Juíza do Trabalho e Professora), Anelore Rotemberg (Juíza do Trabalho) e Margaret Matos de Carvalho (Procuradora do Trabalho). 35. CLT, art. 769 e NCPC: art. 67. Cooperação judicial. Os preceitos da cooperação nacional são compatíveis com os princípios do processo do trabalho. Resultado: aprovado por maioria qualificada. 36. CLT, art. 769 e NCPC, art. 69, II, c/c art. 55, § 3.º. Cooperação nacional. Reunião de processos. Aplicabilidade ao processo do trabalho. O art. 69, II, do NCPC é compatível com o processo do trabalho e, em consonância com a novel racionalidade que decorre dos preceitos de cooperação judiciária, cria uma nova modalidade concertada de modificação de competência, como forma de gestão coletiva dos dissídios, sem os pressupostos clássicos da conexão ou da continência. Aplicação do art. 69, II, c/c art. 55, § 3.º. Resultado: aprovado por maioria qualificada. Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba – Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 38 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 37. CLT, art. 769 e NCPC, art. 34 c/c art. 237. Cooperação internacional passiva – Competência processual concorrente. Compete ao Juízo federal comum ou do trabalho apreciar pedido de auxílio direto passivo que demande prestação de atividade jurisdicional (art. 34 c/c art. 237, ambos do NCPC). Resultado: aprovado por unanimidade. 38. CLT, art. 769 e NCPC, arts. 67, 68, 69 E § 2.º. Cooperação entre órgãos. A cooperação judiciária entre órgãos judiciários, no âmbito dos respectivos Tribunais, regiões ou comarcas, prevista no art. 67 do NCPC compreende: (a) a cooperação para a prática de atos processuais (arts. 68 e 69); (b) a cooperação destinada à concentração de atos de gestão judiciária e de administração de justiça entre órgãos judiciais concernentes à harmonização, racionalização e agilização de rotinas, procedimentos e práticas comuns (art. 1.º, I, Recomendação 38 do CNJ); (c) a cooperação para a gestão coletiva de conflitos e a formulação de políticas jurisdicionais, de gestão judiciária e de administração da justiça (art. 9.º, anexo da Recomendação 38 do CNJ). Resultado: aprovado por unanimidade. 39. CLT, art. 769 e NCPC, art. 67. Sistema nacional de cooperação judicial. O conjunto de normas legais sobre a cooperação judiciária, incluídas as normas legais e administrativas, compõem o sistema nacional de cooperação judiciária que inclui todos os ramos do Poder Judiciário e a rede nacional de cooperação judiciária, respondendo pela organização, operacionalidade e definição das estratégias relacionadas à implementação, consolidação e aprimoramento da cooperação judiciária (art. 67do NCPC). Resultado: aprovado por maioria qualificada. 6.º Grupo: Mandado de segurança, suspeição e impedimento Relatores: Simone Malek Rodrigues Pillon (Advogada e Professora), Ari Pedro Lorenzetti (Juiz do Trabalho e Professor), Homero Batista Mateus da Silva (Juiz do Trabalho e Professor) e Ricardo Nunes de Mendonça (Advogado). 40. CLT, art. 769, arts. 6.º e 10 da Lei 12.016/2009 e art. 321 e 322 do NCPC. Mandado de segurança. Interpretação sistemática. São incompatíveis com o mandado de segurança as modalidades de emenda e saneamento previstas nos arts. 321 e 932, parágrafo único, do NCPC, em virtude da existência de norma especial (arts. 6.º e 10, ambos da Lei 12.016/2009). Resultado: aprovado por maioria qualificada. 41. CLT, art. 769, arts. 6.º e 10 da Lei 12.016/2009 e art. 942 do NCPC. Mandado de segurança e ação rescisória. Não se aplica novo julgamento em Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba – Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Em Destaque 39 virtude de decisão não unânime. Não se aplica a técnica do art. 942 do NCPC no mandado de segurança e na ação rescisória, porque no processo do trabalho está assegurado o recurso ordinário em ambas as hipóteses. Resultado: aprovado por unanimidade. 7.º Grupo: Fazenda Pública em Juízo Relatores: Paulo Opuszka (Professor), Patrícia Blanc Gaidex (Procuradora do Trabalho e Professora), Alessandra Barichello Boskovic (Professora) e Valéria Rodrigues Franco Da Rocha (Juíza do Trabalho e Professora). 42. Art. 769 da CLT e art. 85 §§ 3.º e 4.º, do NCPC. Honorários advocatícios. Fazenda Pública. Nas ações de competência da Justiça do Trabalho por força do art. 114, VII, da CF, quando devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública, são aplicáveis os parâmetros previstos no art. 85, §§ 3.º e 4.º, do NCPC. Resultado: aprovado por unanimidade. 8.º Grupo: Processo coletivo do Trabalho Relatores: Marcos Kaufman (Advogado e Professor), Paulo Douglas de Moraes (Procurador do Trabalho, João Hilário Valentim (Procurador Regional do Trabalho) e Lorena de Mello Rezende Colnago (Juíza do Trabalho e Professora)). 43. Art. 769 da CLT. Lacunas. Processo coletivo do trabalho. Mesmo após o advento do NCPC, as lacunas do processo coletivo do trabalho, típico ou atípico, são superadas pela aplicação do chamado microssistema processual coletivo formado, em sua fundação, pela Constituição Federal, Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública – LACP: arts. 1.º, IV; 19; e 21) e pela Lei 8.078/1990 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor – CPDC: arts. 81 a 90). Resultado: aprovado por unanimidade. 44. CLT, art. 769 e NCPC, art. 138. Possibilidade de intervenção do amicus curiae no processo trabalhista. O instituto da intervenção do amicus curiae, perante a primeira e as instâncias superiores, contida no art. 138 do NCPC, é compatível com o processo do trabalho, nas hipóteses específicas de sua previsão. Resultado: aprovado por maioria qualificada. 45. CLT, art. 769 e art. 94 da Lei 8.078/1990. Para otimizar o acesso metaindividual ou transindividual à Justiça do Trabalho, os demais Juízos deverão Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba – Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 40 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 ser notificados das decisões proferidas em ações civis públicas e ações coletivas que produzam efeitos em empresas com filiais em outras jurisdições distintas da competência do Juízo prolator da decisão. Essa notificação poderá ser realizada por ofício enviado via meio eletrônico. Resultado: aprovado por unanimidade. 46. Art. 769 da CLT. Ação civil pública. Ação civil coletiva. Cumprimento de sentença. Interventor. No cumprimento de sentença do processo coletivo o magistrado poderá nomear interventor judicial para acompanhar o cumprimento das obrigações de fazer, devendo este ser responsável pela prestação de contas periódica à Justiça do Trabalho no lapso determinado em sentença. Resultado: aprovado por unanimidade. 47. Art. 765 da CLT e art. 301 do NCPC. Tutela cautelar. Arresto. Dissídio coletivo do trabalho. Viabilidade excepcional. Em situações excepcionais, após justificação prévia e em caráter incidental, é possível, diante do poder geral de cautela inscrito no art. 765 da CLT e na parte final do art. 301 do NCPC, a concessão de tutela cautelar de arresto em sede de dissídio coletivo de greve fundada no inadimplemento de obrigações fundamentais pelo empregador ou quando fundada em comprovada antissindicalidade patronal. Resultado: aprovado por unanimidade. 9.º Grupo: Decisão judicial Relatores: Ricardo Tadeu Marques da Fonseca (Desembargador do Trabalho e Professor), Luiz Eduardo Gunther (Desembargador do Trabalho e Professor), Ana Carolina Reis Paes Leme (Servidora Pública e Professora), Leonardo Vieira Wandelli (Juiz do Trabalho e Professor), Alberto Emiliano de Oliveira Neto (Procurador do Trabalho e Professor) Janete Aparecida Deste (Juíza do Trabalho e Professora) e Paulo Ricardo Opuszka (Professor). 48. CLT, 769 e NCPC, art. 4.º. Princípio da primazia do julgamento. O princípio da primazia do julgamento de mérito, inserido no sistema processual pelo art. 4.º do NCPC tem aplicação no direito processual do trabalho, uma vez que o Poder Judiciário deve buscar a solução definitiva da lide em qualquer espécie de conflito, com o fim de que a jurisdição possa atingir seus escopos jurídicos e sociais. Tal dispositivo se coaduna, ainda, com o princípio da simplicidade que permeia o processo do trabalho, observando, assim, a regra do art. 769 da CLT. Resultado: aprovado por unanimidade. Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba – Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Em Destaque 41 49. Art. 769 e 840 da CLT e art. 322, § 2.º, do NCPC. Interpretação dos pedidos. Simplicidade processual. Boa-fé. A regra do art. 322, § 2.º, do NCPC é recebida pelo processo do trabalho, pois está de acordo com suas finalidades, pondo fim às interpretações restritivas e impondo nova mentalidade para interpretar observando o conjunto da postulação e boa-fé. Trata-se de adequado preenchimento da lacuna normativa e compatibilidade do instituto. Resultado: aprovado por unanimidade. 50. CLT, § 2.º, do art. 795 e NCPC, § 4.º, do art. 64. Incompetência. Atos decisórios. A decisão sobre competência absoluta ou relativa conserva seu efeito até que outra seja proferida pelo juízo competente. Houve mudança de diretriz do legislador no direito processual comum, que aproveita ao direito processual do trabalho, na medida em que é constatado o ancilosamento da norma trabalhista. A norma traz maior efetividade, não sendo prejudicial às partes. Inteligência do art. 795, § 2.º, da CLT c/c art. 64, § 4.º, do NCPC. Resultado: aprovada por unanimidade. 51. CLT, Art. 769 e 847; NCPC, art. 367, §§ 5.º e 6.º. Direito da parte de gravar integralmente a audiência em imagem e em áudio, em meio digital ou analógico. As partes têm direito de gravar integralmente em áudio (digital ou analógico) os atos ocorridos em audiência, assegurado o rápido acesso à parte contrária e aos órgãos julgadores, desde que haja prévia comunicação à autoridade judicial, pois os §§ 5.º e 6.º do art. 367 são compatíveis com o processo do trabalho, em razão dos princípios da boa-fé, da cooperação, da eficiência e do contraditório. Resultado: aprovado por maioria qualificada. 52. NCPC, art. 503, § 1.º, I a III, § 2.º, e 1.054. Resolução de questão prejudicial. Incidência de coisa julgada material, mesmo sem pedido na inicial. Compatibilidade com o processo do trabalho. Presentes os requisitos legais, a resolução de questão prejudicial pode ser realizada ainda sem pedido das partes. A alteração legislativa deve ser aplicada aos processos iniciados apenas após a vigência da Lei 13.105/2015. Aplicação harmônica dos arts. 503, § 1.º, I a III, § 2.º, e 1.054, ambos do NCPC. Resultado: aprovado por unanimidade. 53. NCPC, art. 927, III a V. Decisão vinculativa. Inconstitucionalidade. Os incs. III, IV e V do art. 927 do NCPC são inconstitucionais, pois somente a Constituição da República Federativa do Brasil pode autorizar um Tribunal a adotar súmula ou construção jurisprudencial vinculativa dos outros órgãos Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba – Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 42 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 integrantes do Poder Judiciário brasileiro, ou normas de caráter impositivo, genéricas e abstratas. Resultado: aprovado por maioria qualificada. 54. NCPC, art. 947, § 3.º. Decisão vinculativa. Inconstitucionalidade. É inconstitucional o § 3.º do art. 947 do NCPC, que determina que o acórdão emitido nos casos de assunção de competência terá efeito vinculativo para todos os juízes e órgãos fracionários, pois somente a Constituição da República pode autorizar a lei a atribuir a um Tribunal a competência para editar súmulas ou adotar decisão com efeito vinculante. Resultado: aprovado por maioria qualificada. 55. NCPC, art. 932, II, III, IV e V. Decisão monocrática de relator. São admissíveis as decisões monocráticas dos relatores, nos TRTs, com base nos incs. II, III, IV e V do art. 932, desde que previstas nos regimentos internos, com a ressalva de que não há autorização constitucional para que a norma atribua efeito vinculativo às súmulas simples do STF, do STJ, do próprio Tribunal, ou mesmo do TST. Resultado: aprovado por maioria qualificada. 10. Grupo: Recursos Relatores: Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante (Professor), Reinaldo Branco de Moraes (Juiz do Trabalho), Arion Marzukevic (Desembargador do Trabalho e Professor) e Joelson Costa Dias (Advogado e Professor). 56. CLT, art. 659, VI e § 1.º, do art. 897; NCPC, art. 1.010, § 3.º. Dispensa de exame de admissibilidade. Inaplicabilidade no processo do trabalho em recursos interpostos na primeira instância (Vara do Trabalho). O art. 1.010, § 3.º, do NCPC é inaplicável ao processo do trabalho por existir regra própria, art. 659, VI e § 1.º, do art. 897 da CLT. Resultado: aprovado por unanimidade. 57. CLT, art. 899, § 1.º, e Lei 8.177/1991, art. 40 e NCPC, art. 98, VIII. Gratuidade de justiça. Dispensa de depósito recursal. Inaplicabilidade no processo do trabalho. O depósito recursal tem natureza jurídica de garantia, em razão do princípio protetivo do direito do trabalho (CLT, art. 899, § 1.º, e Lei 8.177/1991, art. 40). Assim, o art. 98, VIII, do NCPC é inaplicável ao processo do trabalho. Resultado: aprovado por unanimidade. Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba – Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Em Destaque 43 58. CLT, arts. 893, § 1.º, e 895, I, e NCPC, art. 356 e 357. Recorribilidade imediata da decisão parcial de mérito. O recurso ordinário, e não o mandado de segurança é o meio impugnativo adequado para atacar, de imediato, as decisões parciais de mérito. Resultado: aprovado por unanimidade. 59. CLT, art. 769 e NCPC, art. 1.013, § 3.º, I a IV, e § 4.º. Recurso. Causa madura. É compatível com o processo do trabalho a ampliação das hipóteses de cabimento da complementação do ato decisório pelos Tribunais em razão da causa madura (art. 1.013, § 3.º, I a IV, e § 4.º, do NCPC). Resultado: aprovado por unanimidade. 60. CLT, art. 769 e NCPC, art. 932, I, c/c 938, §§ 1.º a 4.º. Conversão de julgamento do recurso em diligência. O novo direcionamento do modelo do processo civil para converter o julgamento do recurso em diligência quando houver necessidade de produção de prova é compatível com o processo do trabalho (art. 932, I, c/c art. 938, §§ 1.º a 4.º, NCPC). Resultado: aprovado por unanimidade. 61. Art. 5º., LV, da CF; art. 769 da CLT e arts. 10, 15, 938, § 1.º, do NCPC. Guias de preparo. Documento ilegível. Necessidade de intimação da parte. Em caso de problemas na visualização das guias do preparo ou documentos apresentados em sede recursal ou ainda de parte do recurso por problemas do arquivo eletrônico, o relator deve permitir ao recorrente sanar a irregularidade do ato processual antes da decisão, assegurando o exercício do contraditório. Interpretação conforme o art. 5.º, LV, da CF; art. 769 da CLT e arts. 10, 15, 938, § 1.º, todos do NCPC. Resultado: aprovado por unanimidade. 62. CLT, art. 899, § 1.º, e NCPC, art. 1.007, §§ 2.º e 4.º. Depósito recursal. A necessidade de intimação da parte para complementar ou efetuar o preparo recursal prevista no art. 1.007, §§ 2.º e 4.º, do NCPC é incompatível com o processo do trabalho por existência de regra própria. Resultado: aprovado por unanimidade. 63. CLT, art. 769 e NCPC, arts. 76, § 2.º, e 104. Regularização de representação em recurso. É admissível, em fase recursal, a regularização da representação processual, na forma do art. 76, § 2.º, do NCPC, bem como o oferecimento tardio de procuração, nos termos do art. 104 do NCPC. Resultado: aprovado por unanimidade. Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba – Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 44 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 64. CLT, art. 769 e 897-A, NCPC, art. 1.021, §§ 4.º e 5.º. Embargos declaratórios. Multa. Dispensa. É compatível com o processo do trabalho a dispensa de pagamento da multa como pressuposto recursal pela pessoa jurídica de direito público (arts. 897-A, 1.021, §§ 4.º e 5.º, ambos do NCPC). Resultado: aprovado por unanimidade. 65. CLT, arts. 769 e 899. Direito de petição (art. 5.º, XXXIV, da CF). NCPC, arts. 15, 1.012, V, arts. 294 e ss., 1.029, § 5.º. Tutelas provisórias concedidas em sentença. Recurso ordinário com efeito meramente devolutivo. Extinção da ação cautelar disciplinada pelo CPC/1973. O recurso ordinário trabalhista não tem efeito suspensivo, ainda que a sentença tenha concedido tutela provisória. Inaplicável o previsto no art. 1.012, V, do NCPC, ao processo do trabalho. Demonstrando a ausência dos requisitos legais para a concessão da medida ou equívoco em sua concessão, o recorrente deverá solicitar excepcionalmente o efeito suspensivo ao recurso ordinário em razões recursais dirigidas ao Tribunal e requerer em petição, devidamente instruída, o efeito suspensivo ao recurso imediatamente ao Tribunal Regional (incidente de efeito suspensivo) (art. 1.012, § 3.º, do NCPC). Resultado: aprovado por unanimidade. 11. Grupo: Resolução de Demandas Repetitivas e Incidente de Uniformização de Jurisprudência Relatores: Roberta Ferme Sivollella (Juíza do Trabalho e Professora), Bento Herculano Duarte Neto (Desembargador do Trabalho e Professor), Sergio Torres Teixeira (Desembargador do Trabalho e Professor) e Marcelo Giovani Batista Maia (Advogado e Professor). Não houve enunciado aprovado em Plenária de 05.03.2015. 12. Grupo: Execução e ação rescisória Relatores: José Aparecido dos Santos (Juiz do Trabalho e Professor), Nuredin Ahmad Allan (Advogado), Antônio Umberto de Souza Junior (Juiz do Trabalho e Professor) e Thais Poliana de Andrade (Advogada e Professora). 66. CLT, art. 889; NCPC, art. 15. Manutenção da aplicação das leis que regem a execução fiscal como norma subsidiária na execução trabalhista. As leis que regem a execução fiscal continuam a anteceder as normas de execução previstas no NCPC para efeitos de aplicação subsidiária e supletiva ao processo do trabalho à luz do art. 889 da CLT. Resultado: aprovado por unanimidade. Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba – Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Em Destaque 45 67. CLT, art. 899; NCPC, art. 515, II, § 2.º. Acordo judicial. Envolvimento de terceiros e amplitude do objeto. O acordo judicial trabalhista pode envolver sujeito estranho ao processo e objeto mais amplo, sendo-lhe aplicável o disposto no art. 515, II e § 2.º, do NCPC. Resultado: aprovado por unanimidade. 68. CLT, art. 769 e 899; NCPC, arts. 772 a 774. Aplicação subsidiária das normas do processo de conhecimento. Poderes do juiz na execução. Ato atentatório à dignidade da Justiça. Compatibilidade. Aplicam-se ao processo do trabalho as disposições dos arts. 772, 773 e 774 do NCPC que tratam dos poderes do juiz na execução e dos atos atentatórios à dignidade da Justiça. Resultado: aprovado por maioria qualificada. 69. CLT, art. 899; NCPC, arts. 139, IV, e 916, § 7.º. Execução. Parcelamento do débito. Possibilidade eventual. A vedação expressa de parcelamento do débito nas execuções fundadas em título judicial (NCPC, art. 916, § 7.º) retira do executado o direito subjetivo líquido e certo a esse modo de facilitação de pagamento. Contudo, dentro da amplitude de poderes conferidos ao juiz do trabalho na execução (NCPC, art. 139, IV), poderá o magistrado, mediante decisão devidamente fundamentada, autorizar o pagamento parcelado do débito, com juros e correção monetária, com ou sem o consentimento do exequente, nas execuções de difícil solução. Resultado: aprovado por maioria qualificada. 70. CLT, art. 899; NCPC, art. 833, § 2.º; OJ SDI-2/TST 153. Impenhorabilidade relativa dos salários e da caderneta de poupança. Créditos trabalhistas. Possibilidade de penhora. O art. 833, § 2.º, do NCPC, que autoriza a penhora sobre salários e caderneta de poupança para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, aplica-se às execuções trabalhistas (art. 899, CLT; art. 833, § 2.º, NCPC; e OJ SDI-2/TST 153). Resultado: aprovado por unanimidade. 71. CLT, art. 899; NCPC, arts. 833, § 2.º, e 529, § 3.º. Penhora sobre parte dos salários. Possibilidades. Nos termos do art. 833, § 2.º, do NCPC é admitida em qualquer execução trabalhista, a penhora de salário para as importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos, considerada a remuneração bruta recebida pelo executado (art. 899 da CLT; art. 833, § 2.º, e art. 529, § 3.º, ambos do NCPC). Resultado: aprovado por unanimidade. Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba – Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 46 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 72. CLT, art. 642-A; NCPC, arts. 495, 517 e 782, § 3.º. Protesto de decisão judicial, inclusão do nome do executado trabalhista em cadastro de inadimplentes e hipoteca judiciária. Viabilidade. Sem prejuízo da inclusão dos devedores no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas (CLT, art. 642-A), são aplicáveis à execução trabalhista os arts. 495, 517 e 782, § 3.º, do NCPC, que tratam da hipoteca judiciária, do protesto de decisão judicial e da inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes (SPC, Serasa, Cadin etc.). Resultado: aprovado por unanimidade. 73. CLT, art. 899; NCPC, arts. 700 e 702, § 6.º. Ação monitória trabalhista. Possibilidade. O art. 700 do NCPC, que trata da ação monitória, aplica-se ao processo do trabalho, observados o procedimento especial ali previsto e, convertido o título apresentado em título executivo, o procedimento de cumprimento da sentença próprio do NCPC. Resultado: aprovado por maioria qualificada. 74. CLT, art. 899; CTN, art. 185. NCPC, art. 792, V; NCPC/1973, art. 593, III. Fraude à execução. Regime do art. 185 do CTN. Inaplicabilidade do regime do art. 792 do NCPC. Nas execuções trabalhistas, aplica-se o regime especial da fraude à execução fiscal previsto no art. 185 do CTN e não o regime geral da fraude à execução previsto no art. 792, IV do NCPC, tendo como marco inicial a notificação válida do executado. Resultado: aprovado por unanimidade. 75. CLT, art. 899; NCPC, art. 795. Responsabilidade subsidiária patrimonial dos sócios. Incompatibilidade. Os §§ 3.º e 4.º do art. 795 do NCPC, que autorizam a execução regressiva do sócio pagador contra a sociedade devedora e condicionam a desconsideração da personalidade à instauração de incidente autônomo, não se aplicam ao processo do trabalho por incompatibilidade. Resultado: aprovado por unanimidade. 76. CLT, art. 899; NCPC, art. 805. Regra da menor onerosidade na execução. Compatibilidade. Desde que o executado requeira, indicando meio mais eficaz para solução da execução, a execução trabalhista correrá pelo meio menos oneroso (NCPC, art. 805, parágrafo único). Resultado: aprovado por maioria qualificada. 77. CLT, art. 765; NCPC, art. 792, I. Dever de cooperação na execução. Obrigação de notificação da existência de ação judicial. Fraude à execução. Em busca da máxima cooperação e da boa-fé objetiva dos litigantes diretos e Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba – Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Em Destaque 47 indiretos, pode o magistrado, de ofício ou a pedido das partes, emitir ordem mandamental com base no art. 765 da CLT, para prevenir ato ilícito na execução e exigir dos sócios das reclamadas que sempre informem ao comprador a existência da ação judicial contra sua empresa e declarem se a alienação poderá reduzi-lo à insolvência. Resultado: aprovado por unanimidade. 78. CLT, art. 899; NCPC, art. 676, parágrafo único. Embargos de terceiro. Execução por carta precatória. Competência territorial. Nas execuções por carta, os embargos de terceiro serão oferecidos no Juízo trabalhista deprecado, salvo se a penhora recair sobre bem indicado pelo Juízo deprecante ou se já devolvida a carta (art. 676, parágrafo único, do NCPC c/c art. 899 da CLT). Resultado: aprovado por unanimidade. 79. CLT, art. 878; NCPC, art. 854. Penhora em dinheiro. Sistema BacenJud. Exigência de requerimento do exequente. Incompatibilidade com o processo do trabalho. É inaplicável o art. 854 do NCPC, visto que o art. 878 da CLT prevê o impulso de ofício da execução, portanto, após a citação da parte e tendo em vista o caráter primordial da penhora em dinheiro, independe de requerimento da parte a utilização do sistema BacenJud. Resultado: aprovado por unanimidade. 80. CLT, art. 899; NCPC, art. 835, § 1.º; Súmula 417,III, do TST. Penhora em dinheiro. Execução provisória. Por força do disposto no art. 835, § 1.º, do NCPC, a penhora em dinheiro é sempre prioritária, inclusive em execução provisória, não estando ao alcance do juiz alterar esta ordem de prioridade para oportunizar constrição sobre outro tipo de bem disponível no patrimônio do devedor (art. 899 da CLT; art. 835, § 1.º, do NCPC; Súmula 417,III, do TST). Resultado: aprovado por unanimidade. 81. CLT, art. 769 e 888; NCPC, art. 895. Expropriação de bens penhorados. Aquisição parcelada. Art. 895 e parágrafos, NCPC. Omissão da CLT. Compatibilidade com o processo do trabalho. Aplicação do preceito civil. O juiz do trabalho pode deferir a aquisição parcelada do bem penhorado (NCPC, art. 895 e seus parágrafos) uma vez que o art. 888 da CLT não contém correspondente normativo e o preceito se compatibiliza com a efetividade da execução trabalhista. Resultado: aprovado por unanimidade. 82. CLT, art. 884, § 1.º; NCPC, art. 921, III, §§ 1.º a 5.º. Prescrição intercorrente. Possibilidade eventual na execução trabalhista. A prescrição intercorrenEnunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba – Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 48 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 te (CLT, art. 884, § 1.º) somente será reconhecida, nas execuções trabalhistas, nas hipóteses em que a paralisação do processo for imputável exclusivamente ao exequente, não se aplicando às situações de desconhecimento do paradeiro do executado ou de bens deste para garantia da execução (NCPC, art. 921, III, §§ 1.º a 5.º). Resultado: aprovado por unanimidade. 83. CLT, art. 899; NCPC, art. 966, § 2.º. Ação rescisória. Competência. A competência da ação rescisória fundada no art. 966, § 2.º, II, do NCPC, é do Juízo que proferiu a decisão negativa de admissibilidade do recurso. Nessa hipótese, o Tribunal limita-se a proferir o juízo rescindente. Resultado: aprovado por unanimidade. 84. CLT, art. 836; NCPC, art. 968, § 2.º. Ação rescisória. Inaplicabilidade do § 2.º do art. 968 do NCPC ao processo do trabalho. O limite de 1.000 salários mínimos ao depósito para ajuizamento da ação rescisória, previsto no § 2.º do art. 968 do NCPC não se aplica ao processo do trabalho, pois este contém regra específica acerca do tema (art. 836 da CLT), inexistindo lacuna apta a permitir a aplicação subsidiária ou supletiva do NCPC. Resultado: aprovado por unanimidade. 85. CLT, art. 769; NCPC, art. 966, § 2.º, I. Ação rescisória. Aplicação do art. 966 § 2.º, I, do NCPC ao processo do trabalho. A decisão rescindenda que extingue o processo sem resolução de mérito por acolhimento da coisa julgada, apesar de possuir conteúdo meramente processual, comporta corte rescisório, pois impede a propositura de nova demanda. Resultado: aprovado por unanimidade. 86. A CLT, art. 769; NCPC, art. 966, § 2.º, II. Ação rescisória. Aplicação do art. 966, § 2.º, II, do NCPC no processo do trabalho. A decisão do TST que nega provimento ao agravo de instrumento interposto contra decisão do Regional que não conheceu do recurso de revista é rescindível, ainda que não examine o mérito, uma vez que impede a admissibilidade do recurso correspondente. Resultado: aprovado por unanimidade. 87. CLT, art. 769; NCPC, art. 968, §§ 5.º e 6.º. Ação rescisória. Aplicação do art. 968, §§ 5.º e 6.º do NCPC ao processo do trabalho. Em sede de ação rescisória, o vício de incompetência pode ser solucionado pela intimação do autor para emendar a petição inicial, a fim de adequar o objeto e fundamentos Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba – Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Em Destaque 49 da ação, com posterior remessa dos autos ao Juízo competente, não havendo falar em extinção do processo sem resolução do mérito, por inépcia da inicial. Resultado: aprovado por unanimidade. 88. CLT, art. 769; NCPC, art. 292, § 3.º. Ação rescisória. Aplicação do art. 292, § 3.º, do NCPC ao processo do trabalho. O juiz corrigirá de ofício o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor. Resultado: aprovado por unanimidade. 89. CLT, art. 769; CPC, art. 142. Ação rescisória. Aplicação do art. 142 do NCPC. Diante da redação do art. 142 do NCPC, antigo art. 129 do CPC/1973, acrescentando a expressão “aplicando, de ofício, as penalidades da litigância de má-fé”, é possível, inclusive na ação rescisória, a condenação de ofício dos litigantes em colusão. Resultado: aprovado por unanimidade. Moções de apoio EC 45. CF/1988, art. 114. CP, art. 149, 203, 204, 205, 206, 207. CLT, art. 8.º, 769. Proposta: Cabe ao Poder Judiciário dar vigência e eficácia à EC 45 no que diz respeito à fixação da competência penal para a Justiça do Trabalho. Diante dos pressupostos lógicos e racionais de que as Varas do Trabalho e os seus os Tribunais Regionais, bem como o TST, são os órgãos mais especializados para lidar com as condutas que envolvem o trabalho em condições análogas à escravidão, nos crimes contra a organização do trabalho e nos crimes comuns praticados pelos contratantes, desde que sejam cometidos em razão do vínculo de emprego. A Justiça do Trabalho tem o dever institucional de processar e julgar as ações em que são partes os trabalhadores, as pessoas jurídicas, os seus representantes legais ou prepostos, nos crimes previstos no Código Penal que são associados à exploração da mão de obra, com a possibilidade de tramitação de ações trabalhistas mistas com matéria penal, administrativa e trabalhista, trazendo economia processual e reduzindo a impunidade na aplicação conjunta das sanções de pena restritiva de direito e liberdade, pagamento de multa relacionada à fiscalização tutelar do trabalho e a condenação no pagamento dos consectários trabalhistas decorrentes de fraude ou abuso de poder de direção do empregador, inclusive, nos casos de dano moral ou existencial. RE 589.998 – STF. O ato de dispensa sem justa causa do empregado das empresas de economia mista, empresas públicas, organizações sociais (OS) Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba – Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 50 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 e fundações de direito privado necessitam de motivação, nos termos do RE 589.998 – STF, que atribuiu repercussão geral ao tema 131 da “Tabela de Temas” daquela Corte. Leis 8.666/1993, 8.987/1995 e 11.079/2004. Responsabilidade. Fiscalização de contratos. As entidades públicas, nos termos das Leis 8.666/1993, 8.987/1995 e 11.079/2004, quando comprovado o reiterado descumprimento de obrigações trabalhistas por parte do contratado, devem promover a rescisão por interesse público de forma unilateral. A responsabilidade do ente estatal deve levar em conta a comprovação de fiscalização dos contratos administrativos na forma da lei. Pesquisas do Editorial Veja também Doutrina • Constitucionalização do Direito Processual do Trabalho e Teoria Geral do Processo, de Gustavo Filipe Barbosa Garcia – RT 915/333-350, Doutrinas Essenciais de Direito do Trabalho e da Seguridade Social 4/219-236, Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional 7/515-531 (DTR\2012\3); e • O novo CPC e as regras supletiva e subsidiária ao Processo do Trabalho, de Edilton Meireles – RDT 157/129-137 (DTR\2014\3166). Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba – Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 53 Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado The (in)jurisdiction of Labor Justice to process and judge cases involving the legal relationship between the representative and the represented Felipe Probst Werner Doutorando em Direito Civil pela PUC-SP. Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí/SC. Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito Imobiliário da Faculdade Avantis. Professor do Curso de Direito da Faculdade Avantis. Advogado. [email protected] Veridiana Toczeki Santos Pós-graduada em Direito do Processo do Trabalho. Pós-graduanda em Direito Marítimo e Portuário pela Universidade do Vale do Itajaí. Professora do Curso de Direito da Faculdade Avantis/SC. Advogada. [email protected] Área do Direito: Trabalho Resumo: O presente artigo científico visa esclarecer se a Justiça do Trabalho, diante da superveniência da EC 45/2004 é a competente para julgar as causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado. Através de pesquisa doutrinária e jurisprudencial, o trabalho expõe o conceito de representação comercial, princípios, classificação e seus principais aspectos, bem como diferencia relação de trabalho, relação de emprego e contrato de trabalho, concluindo ao final sobre a competência ou não da Justiça do Trabalho no julgamento das lides envolvendo o contrato de representação comercial. Abstract: This research paper aims to clarify whether the Labour Court, before the occurrence of the Constitutional Amendment 45/2004, is competent to judge cases involving legal relationship between the representative and the represented. Through doctrinal and jurisprudential research, the work exposes the concept of commercial representation, principles, classification and its main aspects, as well as it differentiates working relationship, employment relationship and the employment contract, concluding the competence or otherwise of justice work in the trial of litigations involving the commercial agency agreement. Werner, Felipe Probst; Santos, Veridiana Toczeki. Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 53-71. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 54 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Palavras-chave: Competência – Justiça do Trabalho – Representante comercial – EC 45/2004 – Relação de trabalho – Relação de emprego. Keywords: Competence – Labour Justice – Trade representative constitutional – Amendment 45/2004 – Work relationship – Employment relationship. Sumário: 1. Introdução. 2. O contrato de representação comercial. 3. Relação de trabalho, relação de emprego e contrato de trabalho. 3.1 Representação mercantil versus relação de trabalho: contrapontos. 3.1.1 Das relações jurídicas fraudulentas – reconhecimento do vínculo empregatício. 4. Da (in)competência da Justiça do Trabalho para julgar as lides envolvendo relação jurídica entre representante e representado. 5. Considerações finais. 6. Referências bibliográficas. 1.Introdução A EC 45/2004 deu nova redação ao art. 114 da CF, sendo que a competência da Justiça do Trabalho passou a abranger não somente as lides decorrentes da relação de emprego, como aquelas oriundas da relação de trabalho, na forma prevista nos incs. I e IX do artigo mencionado. A chamada “reforma do Poder Judiciário” tinha o intuito de propiciar aos trabalhadores um tratamento adequado de suas demandas, diante da visão protetiva da Justiça do Trabalho. Em razão da ampliação da competência, tendo em vista que a redação original se referia apenas à relação entre “empregados e empregadores”, diversas ações envolvendo relação de trabalho em sentido amplo passaram a ser ingressadas diretamente na Justiça do Trabalho. Contudo, necessário se faz uma delimitação desse conceito de relação de trabalho, para que não venham a ser ingressadas na Justiça laboral ações com pedidos decorrentes de relações comerciais/mercantis, como o direito ao recebimento de comissões decorrentes do contrato de representação comercial, que é o tema deste artigo científico. Isto porque, conforme será verificado nesta pesquisa, a relação jurídica entre representante (pessoa física ou jurídica) e representado não é laboral, e sim mercantil, empresarial, decorrente do contrato civil específico de representação comercial, regulado pela Lei 4.886/1965, devendo seguir o que dita o art. 39 do referido regramento, e ser processado perante à Justiça comum. Para a pesquisa serão abordados os conceitos de representante comercial, a classificação desse contrato e seus principais aspectos. Serão explicitadas ainda as diferenças entre relação de trabalho, relação de emprego e contrato de trabalho. No último item, será abordado, através da jurisprudência e doutrina Werner, Felipe Probst; Santos, Veridiana Toczeki. Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 53-71. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 55 atual, a (in)competência da Justiça do Trabalho para conhecer e julgar tais demandas. A metodologia que será aplicada é a dedutiva, eis que serão trazidas informações de doutrinadores renomados e julgados recentes para confirmar a premissa da competência da Justiça comum. 2.O contrato de representação comercial O ponto de partida para o presente estudo e uma das chaves para desvendar a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar relações oriundas de uma relação jurídica de representação comercial é o correto entendimento do que vem a ser, no ordenamento jurídico brasileiro, o contrato de representação comercial em si. Para que se entenda o que é um contrato de representação comercial, primeiro se faz necessário demonstrar o que é de fato um contrato, pois apenas assim será possível dar passos concretos rumo ao objetivo a que este estudo se propõe. Sobre esse tema, Silvio de Salvo Venosa dispõe didaticamente que “quando o ser humano usa de sua manifestação de vontade com a intenção precípua de gerar efeitos jurídicos, a expressão dessa vontade constitui-se num negócio jurídico”.1 Este negócio jurídico quando visa criar, modificar ou extinguir obrigações e é bilateral, será denominado “contrato” eis que para Orlando Gomes, “o contrato é uma espécie de negócio jurídico que se distingue, na formação, por exigir a presença pelo menos de duas partes”.2 Sabe-se que o contrato promove a circulação de riquezas e estimula a segurança jurídica, logo, é socialmente útil e de interesse público sua preservação, não por outro motivo é tutelado pelo direito por meio de princípios fundamentais deste instituto, como a autonomia de vontade, força obrigatória – pacta sunt servanda, consensualismo, boa-fé e função social. É verdade que muitas vezes os princípios acima são relativizados em função de choques com outros aspectos do direito também chancelados pelo Estado, como, por exemplo, pelas normas de ordem pública oriundas do Direito do Trabalho. São das premissas acima destacadas que se parte para os elementos essenciais da relação de representação comercial, contrato este conceituado por Ar- 1. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 357. 2. GOMES, Orlando. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 04. Werner, Felipe Probst; Santos, Veridiana Toczeki. Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 53-71. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 56 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 noldo Wald como “aquele pelo qual uma pessoa jurídica ou física, sem relação de dependência e em caráter não eventual, se obriga a realizar negócios por conta de outra, em zona determinada e mediante retribuição”.3 Regulamentado pela Lei 4.886/1965 com suas posteriores alterações e também pelo Código Civil de 2002, o contrato de representação comercial é bilateral, consensual, comutativo, oneroso e de duração. Em regra a coisa objeto do negócio fica em poder do proponente, aqui denominado representado, e, a partir da concretização do negócio com terceiro, o representante pode pleitear a coisa para que possa de fato efetivar o negócio. Em outras palavras, não tem o representante a disponibilidade imediata do bem a ser negociado. A relação contratual não será de prestação única, mas de duração. Haverá, em regra, limitação de circunscrição para o exercício da atividade por parte do representante, e, em muitos casos, pode existir cláusula de exclusividade quando não haverá concomitantes representantes de um mesmo representado em área delimitada. Característica fundamental deste tipo de contrato, além da estabilidade da relação jurídica – habitualidade e delimitação de zona para exercício de atividade, é a autonomia na prestação do serviço por parte do representante. É a autonomia que diferenciará este tipo de contrato de uma relação trabalhista comum, ou seja, aquela que pressupõe pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação. Assim, para diferenciar um vendedor externo com vínculo empregatício de um representante comercial, bastará identificar se esta pessoa possui ou não autonomia para exercer suas funções. Segundo Orlando Gomes, “a independência da ação do agente permite distingui-lo do empregado”.4 Nas relações de representação comercial não haverá subordinação hierárquica entre representante e representado, mas sim meros atos de instrução praticados pelo representado a título de orientar o representante para o bom exercício de suas tarefas, observando-se, logicamente, os interesses do representado. Examinados os conceitos e características do contrato de representação comercial, passar-se-á adiante às considerações acerca de sua temática dentro do direito do trabalho. 3. WALD, Arnoldo. Direito civil: contratos em espécie. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 270. 4. GOMES, Orlando. Op. cit., p. 452. Werner, Felipe Probst; Santos, Veridiana Toczeki. Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 53-71. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 57 3.Relação de trabalho, relação de emprego e contrato de trabalho Com a alteração do art. 114 da CF/1988, que ampliou a competência material da Justiça do Trabalho, surgiram inúmeras controvérsias acerca do alcance do termo “relação de trabalho”, agora constante nos incs. I e IX do referido dispositivo legal. Para se compreender a abrangência do termo expressado em lei, é necessário diferenciar os conceitos de relação de trabalho, relação de emprego e, ainda, de contrato de trabalho. A delimitação dos conceitos é necessária para que haja a correta interpretação da Carta Magna, em compasso com o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais e para que se possa chegar ao que temos atualmente como a nova competência material da Justiça laboral, verificando se engloba ou não as lides envolvendo os contratos de representação comercial. Antes de adentrar nos conceitos citados, define-se o contrato de atividade, nas palavres de Jean Vincent, como sendo “todos os contratos nos quais a atividade pessoal de uma das partes constitui o objeto da convenção ou uma das obrigações que ela comporta”.5 Amauri Mascaro do Nascimento conceitua: “Correspondentemente no plano do direito material ganha importância a distinção entre contratos de atividade e contratos de resultado, aqueles tendo como objeto a atividade do prestador de serviços independentemente do resultado, estes tendo como objeto o resultado alcançado independentemente da atividade. Os contratos de atividade são submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho”.6 Portanto, os contratos de atividade geram uma relação de trabalho, que é gênero, ao passo que a relação de emprego é espécie desse gênero, sendo que a relação de emprego é a que está presente nos arts. 2.º e 3.º da CLT. Logo, toda relação de emprego é relação de trabalho, mas nem toda relação de trabalho é relação de emprego. Destaca-se que tanto a relação de trabalho como a relação de emprego são modalidades de relação jurídica, através da qual se vinculam duas pessoas ju- 5. VINCENT, Jean. La dissolucion du contrat de travail. p. 27. Apud GOMES, Orlando; e GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 131. 6. NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Rumos atuais do debate sobre relações de trabalho e a competência da Justiça do Trabalho. Revista do Tribunal Superior do Trabalho. vol. 73. n. 3. p. 48. Porto Alegre, jul.-set. 2007. Werner, Felipe Probst; Santos, Veridiana Toczeki. Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 53-71. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 58 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 ridicamente, tendo por objeto um interesse a ser discutido no ordenamento jurídico. Destaca-se a definição de Miguel Reale: “Para existir relação jurídica é preciso a presença de dois requisitos. Em primeiro lugar uma relação intersubjetiva, ou seja, um vínculo entre duas ou mais pessoas. Em segundo lugar, que esse vínculo corresponda a uma hipótese normativa, de tal maneira que derivem consequências obrigatórias o plano da experiência”.7 Os termos podem ser conceituados da seguinte forma: “Relação de trabalho é a situação jurídica entre duas pessoas visando à prestação de serviços. Contrato de trabalho é o negócio firmado entre empregado e empregador sobre condições de trabalho (...) a relação de emprego está compreendida na competência da Justiça do Trabalho, pois é uma relação de trabalho”.8 Para Maurício Godinho Delgado, relação de trabalho é “toda relação jurídica caracterizada por ter sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano”.9 As modalidades de relação de trabalho que não se constituem em relações empregatícias são inúmeras, como, por exemplo, o trabalho autônomo, o trabalho eventual, estágio e o trabalho voluntário. Cada uma dessas modalidades apresenta peculiaridades próprias, as quais devem ser distinguidas, para que se dê tratamento jurídico adequado à demanda do trabalhador. Destaca-se que o sistema protetivo da Justiça laboral deve alcançar apenas os empregados (trabalhadores subordinados, detentores de relação de emprego). No entendimento de Renato Saraiva, “relação de trabalho corresponde a qualquer vínculo jurídico por meio do qual uma pessoa natural executa obra ou serviços para outrem, mediante o pagamento de uma contraprestação”.10 Arnaldo Sussekind traz o conceito de relação de trabalho, destacando que deve ser aquele prestado por pessoa física mediante remuneração, nos seguintes termos: “Para mim, relação de trabalho corresponde ao vínculo jurídico estipulado, expressa ou tacitamente, entre um trabalhador e uma pessoa física ou jurídica, 7. REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 26. ed. Saraiva: São Paulo, 2002. p. 216. 8. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho: doutrina e prática forense: modelos de petições, recursos, sentenças e outros. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 104. 9. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 265. 10. SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho para concursos públicos. 4. ed. São Paulo: Método, 2006. p. 34. Werner, Felipe Probst; Santos, Veridiana Toczeki. Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 53-71. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 59 que o remunera pelo serviço prestado. Ela vincula duas pessoas, sendo que o sujeito da obrigação há de ser uma pessoa física, em relação à qual o contratante tem direito subjetivo de exigir o trabalho ajustado”.11 Já Mauro Schiavi entende que a relação de trabalho se constitui em trabalho prestado por conta alheia, em que o trabalhador (pessoa física) coloca sua força de trabalho em prol de outra pessoa (física ou jurídica), podendo o trabalhador correr ou não os riscos da atividade.12 Assim, estariam evidentemente excluídas as relações de trabalho em que o labor for prestado por pessoa jurídica, eis que o trabalho humano não é objeto dessas relações jurídicas e sim um contrato de natureza cível ou comercial. Isso porque o requisito da pessoalidade mostra-se essencial na configuração da relação de trabalho, como ensina Mauro Schiavi: “Entendemos que o requisito da pessoalidade também deve ser preponderante para que ocorra a relação de trabalho, embora possa haver uma substituição ocasional, com a concordância do tomador. (...) o trabalho prestado por vários trabalhadores ao mesmo tempo pode configurar a prestação de serviços por intermédio de uma sociedade de fato ou de uma empresa, o que descaracteriza a relação de trabalho”.13 E para que seja configurada uma relação de emprego, é necessária a presença dos seus principais elementos: (a) pessoalidade; (b) não eventualidade; (c) onerosidade e (d) subordinação jurídica. O elemento da pessoalidade significa afirmar que a relação de emprego é marcada pela natureza intuitu personae do empregado em relação ao empregador, isto é, o empregador contrata o empregado para que esse lhe preste serviços pessoalmente, e nunca através de prepostos. A não eventualidade traz a ideia de que o trabalho deverá ser necessário à atividade normal do empregador, nos dizeres de Alice Monteiro de Barros.14 A relação de emprego pressupõe também a onerosidade da prestação, sob a forma de remuneração pelos serviços prestados, ou seja, o empregado aceita trabalhar em favor de outrem, sendo compensado com um salário. 11. SÜSSEKIND, Arnaldo. A EC – 45 e as relações individuais do trabalho. Revista da Escola Nacional da Magistratura. n. 3. p. 10. abr. 2007. 12. SCHIAVI, Mauro. O alcance da expressão “relação de trabalho” e a competência da Justiça do Trabalho um ano após a promulgação da EC n. 45/04. Revista do Tribunal Superior do Trabalho. vol. 72. n. 1. p. 38. Porto Alegre, RS, jan.-abr. 2006. 13. Idem, p. 40. 14. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2011. p. 173. Werner, Felipe Probst; Santos, Veridiana Toczeki. Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 53-71. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 60 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 E como principal elemento diferenciador entre a relação de emprego e as demais relações de trabalho, temos a subordinação jurídica, que decorre do contrato de trabalho estabelecido entre as partes. A contraposição à subordinação é a autonomia. As relações de trabalho subordinadas são aquelas descritas nos arts. 2.º e 3.º da CLT,15 que dispõem: “Art. 2.º Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. (...) Art. 3.º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Parágrafo único. Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual”. Já o art. 442 do mesmo Codex preceitua o que é o contrato individual de trabalho: “Art. 442. Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”. Referente à subordinação jurídica, Alice Monteiros de Barros define que não é necessária a vigilância constante para configuração do requisito da subordinação, bastando apenas que se possa comandar a atividade do empregado: “Esse poder de comando do empregador não precisa ser exercido de forma constante, tampouco torna-se necessária a vigilância técnica contínua dos trabalhos efetuados, mesmo porque, em relação aos trabalhadores intelectuais, ela é difícil de ocorrer. O importante é que haja a possibilidade de o empregador dar ordens, comandar, dirigir e fiscalizar a atividade do empregado. Em linhas gerais, o que interessa é a possibilidade que assiste ao empregador de intervir na atividade do empregado. Por isso, nem sempre a subordinação jurídica se manifesta pela submissão a horário ou pelo controle direto do cumprimento de ordens”.16 Alguns doutrinadores adicionam o elemento da alteridade, revelando que o empregado deve desempenhar suas tarefas por conta alheia.17 Ou seja, os riscos da atividade econômica exercida pelo empregador cabem apenas a ele, como 15. BRASIL, Dec.-lei 5.452, Consolidação das Leis do Trabalho, de 01.05.1943. 16. BARROS, Alice Monteiro de. Op. cit., p. 189. 17. Idem, p. 186. Werner, Felipe Probst; Santos, Veridiana Toczeki. Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 53-71. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 61 expressa Renato Saraiva: “Tendo laborado para o empregador, independentemente da empresa ter auferido lucros ou prejuízos, as parcelas salariais sempre serão devidas ao obreiro, o qual não assume o risco da atividade econômica”.18 Quanto ao termo “contrato de trabalho”, elucida Sergio Pinto Martins:19 “Representa o contrato de trabalho um pacto de atividade, pois não se contrata um resultado. Deve haver continuidade na prestação de serviços, que deverão ser remunerados e dirigidos por aquele que obtém a referida prestação. Tais características evidenciam a existência de um acordo de vontades caracterizando a autonomia privada das partes”. Tem-se, contudo, que não é qualquer relação de trabalho que atrai a aplicação do Direito do Trabalho, mas apenas as relações que contêm todos os elementos acima citados. 3.1 Representação mercantil versus relação de trabalho: contrapontos Entende-se que a relação jurídica entre representante e representado não deve ser considerada relação de trabalho, diante da ausência de elementos caracterizadores dessa relação jurídica, sendo os principais a subordinação e o salário (contraprestação por serviços prestados). Deve ser compreendido, primeiramente, que o contrato de representação comercial é uma relação jurídica não empregatícia, caracterizada pela autonomia do representante comercial perante o representado. Portanto, diferencia-se do tipo legal previsto nos arts. 2.º e 3.º da CLT, ante a inexistência de subordinação. “A relação mercantil/civil em análise é necessariamente autônoma, ao passo em que é necessariamente subordinada a relação trabalhista de emprego”.20 Além da autonomia, os contratos de representação comercial normalmente caracterizam-se pela impessoalidade da figura do representante, diante da possibilidade da intermediação de negócios ser realizada através de prepostos. Sabe-se que pode ser o representante comercial pessoa física, contudo, embora não seja um elemento atávico, é comum a fungibilidade da figura pessoal do representante no dia-a-dia da representação comercial. 18. SARAIVA, Renato. Direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: Método, 2008. (Concursos públicos), p. 44. 19. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2003. 20. DELGADO, Maurício Godinho. Contrato de trabalho e afins: comparações e distinções. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3.ª Região. vol. 31. n. 61. p. 85. Belo Horizonte, jan.-jun. 2000. Werner, Felipe Probst; Santos, Veridiana Toczeki. Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 53-71. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 62 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Além disso, tem-se que a remuneração do representante comercial não pode ser vista como um salário, por não ser contraprestação pelos serviços prestados, e sim resultado da mediação realizada pelo representante, como explica Rubens Requião: “A remuneração do agente ou representante comercial, cujo pagamento e obrigação da empresa representada, chama-se comissão, e é geralmente calculada em termos de percentagem sobre o valor do negócio por ele agenciado. (...). A comissão não constitui retribuição pelo trabalho prestado, mas contraprestação resultante da utilizada de que decorre da mediação efetuada. Assim, se da mediação nenhum resultado econômico resulta para o representado, a comissão não é devida”.21 Portanto, o representante comercial, através de contrato típico específico de representação comercial, é aquele que assume os riscos do seu negócio, em nome de uma ou mais pessoas, para mediação na realização de negócios mercantis, com o objetivo de produzir o resultado útil e não um serviço como um valor em si, como ocorre no contrato de prestação de serviços, motivo pelo qual não pode a relação jurídica ser considerada um contrato de trabalho. 3.1.1 Das relações jurídicas fraudulentas – reconhecimento do vínculo empregatício Mesmo diante da diferenciação realizada entre contrato de representação comercial, relação de trabalho (gênero) e relação de emprego (espécie), deve ser esclarecido que são recorrentes na rotina empresarial relações sócio-jurídicas imprecisas e turvas, as quais podem constituir situações de fraude aos direitos trabalhistas, devendo desse modo ser verificada a ocorrência ou não do vínculo empregatício entre as partes. Prevalecendo no Direito do Trabalho o princípio da primazia da realidade, sendo que os fatos se sobrepõem à forma, mesmo a pessoa jurídica pode pleitear na Justiça laboral o vínculo empregatício, desde que comprove a presença dos elementos do contrato de emprego acima citadas. Nesse caso, desfaz-se o envoltório civil/comercial que encobre a relação socioeconômica concreta, despontando o caráter empregatício do pacto efetivamente formado. Na verificação da existência da relação civil/comercial da representação comercial ou relação empregatícia, devem ser observadas principalmente as seguintes características já citadas: pessoalidade, subordinação e salário.22 21. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 23. ed. atual. de Rubens Edmundo Requião. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 20. 22. DELGADO, Maurício Godinho. Curso... cit., p. 303. Werner, Felipe Probst; Santos, Veridiana Toczeki. Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 53-71. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 63 Como já dito, a pessoalidade pressupõe que o trabalhador preste o serviço pessoalmente, não se fazendo representar por prepostos, prevalecendo a regra da infungibilidade. Sabe-se que na relação entre representante e representado costuma-se contratar prepostos para representação dos produtos ou serviços da representada, potencializando a sua capacidade laborativa. Caso haja o elemento da pessoalidade, pode-se estar diante de uma relação jurídica falsa, desde que observados também os demais elementos da relação de emprego. Deve ser observada ainda, como principal elemento diferenciador, se a subordinação existe entre as partes, eis que tipifica as ordens do tomador de serviços com respeito ao obreiro. Portanto, se houver continuidade, repetição e intensidade de ordens em relação ao modo como o empregador deve desempenhar suas funções, apenas assim estaremos diante da figura do empregado. Entretanto, caso não haja essa contínua, repetida e intensa ação do tomador sobre o obreiro, estar-se-á diante da figura do representante comercial, regulada pela Lei 4.886/1965 e pelo Código Civil de 2002. No entendimento de Renato Saraiva, o empregado é subordinado ao empregador, devendo o empregado acatar as ordens e determinações emanadas, sendo que o tomador de serviços pode aplicar sanções “em caso de cometimento de falta ou descumprimento das ordens emitidas”.23 A subordinação pode ser verificada em casos concretos, como, por exemplo, no comparecimento diário na empresa; cumprimento de roteiro de visitas determinado pelo empregador; presença obrigatória a reuniões; recebimento de ordens diretas e sanções em caso de execução inadequada de serviços; estabelecimento de metas;24 fiscalização sobre as atividades; exclusividade, entre outras.25 23. SARAIVA, Renato. Direito do trabalho... cit., p. 43 e 44. 24. “Representante comercial. Vínculo trabalhista. Reconhecido. A imposição de metas fixadas pela reclamada retira do representante comercial a disponibilidade de seu tempo livre e de sua natural autonomia no desenvolvimento do labor, exsurgindo, assim, a subordinação jurídica, requisito diferencial, que aliado à pessoalidade na prestação de serviços por pessoa física, com onerosidade e não eventualidade, caracteriza a relação de trabalho com liame empregatício.” (TRT-2.ª Reg. Ac 20141010724, j. 05.11.2014. rel. Anisio de Sousa Gomes. Fonte: disponível em: [http://aplicacoes1.trtsp.jus.br/vdoc/TrtApp.action?viewPdf=”&id=2768750].” Acesso em: 26.12.2015. 25. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 31. ed. São Paulo: Ltr, 2005. p. 188. Werner, Felipe Probst; Santos, Veridiana Toczeki. Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 53-71. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 64 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Destaca-se importante esclarecimento feito por Maurício Godinho Delgado:26 “Ressalte-se, contudo, que há outros traços que, mesmo despontando no plano concreto, não têm aptidão de traduzir, necessariamente, a existência de subordinação. É que são aspectos comuns quer ao contrato de representação mercantil ou agência e distribuição, quer ao contrato de vendedor empregado (CLT e Lei 3.207/1957). São estes os traços fronteiriços usualmente identificados: remuneração parcialmente fixa; cláusula de não concorrência; presença de diretivas e orientações gerais do representado ao representante; presença de planos específicos de atividades em função de certo produto”. Portanto, havendo as características de uma relação laboral, tipificando-se relação de emprego, afasta-se a incidência das normas específicas citadas na Lei 4.886/1965 e no Código Civil de 2002, aplicando-se as normas justrabalhistas. 4.Da (in)competência da Justiça do Trabalho para julgar as lides envolvendo relação jurídica entre representante e representado Considerando o contexto da multiplicidade de lides existentes na sociedade, para que a jurisdição atue adequadamente, criaram-se critérios para que “os conflitos fossem distribuídos de forma uniforme aos juízes, a fim de que a jurisdição pudesse atuar com maior efetividade e também proporcionar ao jurisdicionado um acesso mais célere e efetivo à jurisdição”. Assim, a competência é a “distribuição da jurisdição entre os diversos juízes”.27 A competência material da Justiça do Trabalho sofreu impactantes mudanças após a aprovação da Emenda de Reforma do Poder Judiciário (EC 45/2004 de 08.12.2004). Antes da referida Emenda, o art. 114 da CF/1988 trazia os seguintes dizeres: “Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da Administração Pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas. (...)”. 26. DELGADO, Mauricio Godinho. Contrato de trabalho... cit., p. 87. 27. SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 158. Werner, Felipe Probst; Santos, Veridiana Toczeki. Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 53-71. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 65 Desse modo, não havia discussão quanto á competência da Justiça comum no julgamento das relações jurídicas entre representante e representado, na inteligência do art. 39 da Lei 4.886/1965:28 “Art. 39. Para julgamento das controvérsias que surgirem entre representante e representado é competente a Justiça comum e o foro do domicílio do representante, aplicando-se o procedimento sumaríssimo previsto no art. 275 do Código de Processo Civil, ressalvada a competência do Juizado de Pequenas Causas”. Após as alterações, o art. 114 da CF/198829 passou a vigorar nos seguintes termos: “Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da Administração Pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; (...) IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei” (destaques nossos). Extrai-se do dispositivo supracitado que a principal mudança ocorreu na competência material da Justiça laboral, que julgava apenas os conflitos entre empregados e empregadores e, excepcionalmente, as lides decorrentes da relação de trabalho. Sobre este tema merece destaque entendimento de Mauro Schiavi: “Assim, o critério da competência da Justiça do Trabalho que era pessoal, ou seja, em razão das pessoas dos trabalhadores e empregadores, passou a ser em razão de uma relação jurídica, que é a de trabalho”.30 Diante da vigência da Emenda, que teria ampliado a competência material da Justiça do Trabalho, diversas demandas envolvendo a relação entre representante e representado foram ingressadas na Justiça laboral sob a alegação de que a representação comercial, independentemente do seu conteúdo estar definido numa lei de natureza civil (Lei 4.486/1965), seria considerada relação de trabalho e, também em razão da suposta hipossuficiência do representante, a Justiça do Trabalho seria a competente para conhecer e julgar as ações. 28. BRASIL, Lei 4.886, de 09.12.1965. 29. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05.10.1988. 30. SCHIAVI, Mauro. Manual... cit., p. 162. Werner, Felipe Probst; Santos, Veridiana Toczeki. Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 53-71. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 66 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Explicitado o conceito de relação de trabalho no item anterior, resta saber se a competência material da Justiça do Trabalho realmente abrange as relações jurídicas entre representantes e representados. Primeiramente, destaca-se que a matéria não se encontra pacificada na doutrina, nem jurisprudência, o que transforma a questão em uma celeuma jurídica, abrindo margem para questionamentos e controvérsias. A matéria debatida, inclusive, é objeto de recurso extraordinário no STF31 em que foi já reconhecida a repercussão geral do tema, sendo que a decisão de um caso específico servirá como orientação para os recursos semelhantes. No recurso que tramita na Suprema Corte, ainda não julgado no seu mérito, uma empresa do Rio Grande do Sul alega violação dos arts. 5.º, LIII e LXXVIII, e 114, I e IX, da CF/1988 e pede que a Justiça comum julgue uma ação de cobrança de comissões movida por um representante comercial. O argumento é de que não há relação de trabalho, diante da ausência do requisito da subordinação. Assim, as modificações trazidas pela EC 45/2004 não alcançariam esse tipo de contrato. Sobre essa questão, já foi esclarecido que o contrato de representação comercial não se caracteriza como relação de emprego, conforme dicção do art. 1.º da Lei 4.886/1965. Fica evidente, portanto, que o vínculo existente numa representação comercial não se enquadra nos dizeres do art. 3.º da CLT, eis que, dentre os requisitos que definem uma relação de emprego, não há o da relação de dependência ou subordinação. Repisa-se, ainda, que não pode a relação jurídica entre representante e representado ser reconhecida como relação de trabalho, considerando que se encontra ausente, além da subordinação, o salário, eis que as comissões recebidas pelo representante comercial advêm do resultado dos negócios intermediados pelo representante, não tendo caráter de contraprestação pelos serviços prestados. Entretanto, mesmo que seja entendido que se trata de relação de trabalho, ad argumentandum tantum, destaca-se que, em que pese o art. 114, I, da CF/1988, disponha que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, a competência ratione materiae deve 31. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 606003. rel. Min. Marco Aurélio. DJe-118, divulg. 15.06.2012, public. 18.06.2012. Werner, Felipe Probst; Santos, Veridiana Toczeki. Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 53-71. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 67 ser definida em face da natureza jurídica da quaestio, deduzida dos respectivos pedidos e causa de pedir, conforme entendimento do STJ: “1. Malgrado o art. 114, I, da CF/1988, disponha que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, na 2.ª Seção desta Corte Superior é firme a orientação de que a competência ratione materiae deve ser definida em face da natureza jurídica da quaestio, deduzida dos respectivos pedido e causa de pedir. 2. O art. 1.º da Lei 4.886/1965 é claro quanto ao fato de o exercício da representação comercial autônoma não caracterizar relação de emprego. 3. Não se verificando, in casu, pretensão de ser reconhecido ao autor vínculo empregatício, uma vez que objetiva ele o recebimento de importância correspondente pelos serviços prestados, a competência para conhecer de causas envolvendo contratos de representação comercial é da Justiça comum, e não da Justiça laboral, mesmo após o início da vigência da EC 45/2004. 4. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 1.ª Vara de Canoinhas/SC, o suscitado”.32 Mister destacar, ainda, a situação de que, independente da ação ser ajuizada por pessoa física ou jurídica, a competência para a causa julgar ainda será da Justiça comum: “Conflito negativo de competência. Justiça comum e laboral. Contrato de representação comercial. Rescisão. Ação proposta por pessoa jurídica. Natureza civil. Competência da Justiça comum. – A jurisprudência da 2.ª Seção já se manifestou no sentido de que, se a ação é ajuizada por pessoa jurídica, buscando a rescisão de contrato de prestação de serviços, a competência para apreciar a causa é da Justiça comum. – Independentemente dessa circunstância, a competência para conhecer de causas envolvendo contratos de representação comercial é da Justiça comum, e não da Justiça laboral, mesmo após o início da vigência da EC 45/2004. Isso porque a representação comercial se caracteriza, entre outros fatores, pela ausência de subordinação, que é um dos elementos da relação de emprego”.33 Ainda, os precedentes do STJ são firmes ao afirmar que, inobstante a ampliação da competência decorrente da chamada Reforma do Poder Judiciário, diante do caráter civil do contrato entre representante e representado, é a Justiça estadual a competente para apreciação das demandas: “Mesmo com a ampliação 32. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. CComp 96851/SC, 2.ª Seção, Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz Federal convocado do TRF-1.ª Reg.), DJe 20.03.2009. 33. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. CComp 77.034/SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 01.08.2007. Werner, Felipe Probst; Santos, Veridiana Toczeki. Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 53-71. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 68 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 da competência da Justiça do Trabalho em decorrência da alteração da expressão ‘relação de emprego’ para ‘relação de trabalho’, a EC HYPERLINK “http://www. jusbrasil.com.br/legislacao/96987/emenda-constitucional-45-04” \o “Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004” 45/2004 não retirou a atribuição da Justiça estadual para processar e julgar ação alusiva a relações contratuais de caráter eminentemente civil, diversa da relação de trabalho”. 34 Ademais, ainda na remota hipótese da representação comercial ser reconhecida como relação de trabalho, como citado, tem-se a previsão do art. 39 da Lei da Representação Comercial, a qual, por tratar-se de norma específica, no confronto com norma de ordem geral, abstrata, deve prevalecer a primeira.35 Portanto, as ações em que não se pleiteia o vínculo empregatício ou o recebimento de verbas trabalhistas e objetivam apenas o recebimento de importância correspondente pelos serviços prestados por representante comercial, quer seja pessoa física ou jurídica, devem ser julgadas pela Justiça comum e não pela Justiça laboral, mesmo após o início da vigência da EC 45/2004, já que as demandas não seriam de índole laboral, e sim, de natureza eminentemente civil/mercantil. 5. Considerações finais Analisa-se que a jurisprudência e a doutrina têm se esforçado no intuito de definir a abrangência do termo relação de trabalho, objetivando determinar a competência material da Justiça laboral, o que tem grande valia, diante da necessidade de preservação dos valores sociais do trabalho e a dignidade da pessoa humana. Constata-se que a constante evolução das normas trabalhistas decorre das transformações do Direito do Trabalho, diante da globalização e fatores do desenvolvimento tecnológico. Assim, após anos de tramitação no Congresso Nacional, foi aprovada e publicada a Emenda de Reforma do Judiciário (EC 45/2004, de 08.12.2004), a qual incluiu na competência da Justiça laboral as ações oriundas da relação de trabalho. 34. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. CComp 117.722/BA, 1.ª Seção, j. 23.11.2011, rel. Min. Castro Meira, DJe 02.12.2011. 35. “Constitui princípio hermenêutico o afastamento da norma geral, na existência de norma especial específica para determinada situação jurídica, não podendo as duas serem conjugadas, de forma a aplicar-se cumulativamente, visto sua natureza mutuamente excludente. Precedentes desta Corte.” BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Ap/Reexame Necessário 1190/SC (2006.72.11.001190-6), 2.ª T., j. 27.07.2010, rel. Carla Evelise Justino Hendges, DE 09.08.2010. Werner, Felipe Probst; Santos, Veridiana Toczeki. Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 53-71. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 69 Denota-se, entretanto, que ainda não se encontra pacificado na doutrina e jurisprudência se a Emenda passou a incluir a relação jurídica existente entre representante e representado como competência da Justiça do trabalho, pois além de tal relação possuir regime próprio disciplinado por lei específica, inexiste entre as partes elemento primordial para caracterização de uma relação de trabalho, qual seja: subordinação. A questão é de suma importância, devendo ser enfatizado que o prosseguimento de processo por juiz posteriormente declarado absolutamente incompetente ocasiona a anulação de todos os atos decisórios, conforme § 2.º do art. 113 do CPC/1973. Diante disso, verificou-se que a questão é objeto de recurso extraordinário no STF, no qual já foi reconhecida a sua repercussão geral, diante da possibilidade de repetição do tema em inúmeras ações. Inclusive, a Procuradoria Geral da República deu parecer opinando pelo provimento do recurso, diante da inexistência de vínculo empregatício entre o representante comercial e o representado, sendo a que relação revelaria um mero contrato comercial. Conclui-se, portanto, que em que pese os entendimentos contrários, a relação jurídica legítima entre representante e representado trata-se de mera relação comercial/mercantil, tendo como objetivo resultado útil do trabalho realizado, relação jurídica definida em lei como não empregatícia e que também não pode ser considerada relação de trabalho, diante da ausência de subordinação, salário e comumente da pessoalidade. Em tempo, destaca-se que a inclusão do termo relação de trabalho, que enseja a competência da Justiça obreira vincula-se à existência de labuta de pessoa natural ou física, diante da preocupação do Judiciário com a venda da força de trabalho da pessoa humana; e não pretende trazer para o âmbito da Justiça do Trabalho relações oriundas de contratos mercantis nos quais impera a igualdade entre os contratantes. Portanto, não sendo verificada a pretensão de ser reconhecido um vínculo empregatício, ou seja, quando o autor objetiva apenas direitos sonegados decorrentes do contrato de representação comercial, a competência para conhecer a causa é da Justiça comum e não da Justiça laboral, mesmo após o início da vigência da EC 45/2004, já que as demandas não seriam de índole laboral, e sim, de natureza eminentemente civil/mercantil. 6.Referências bibliográficas BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2011. BRASIL, Dec.-lei 5.452, de 01.05.1943. 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RT, maio-jun. 2016. 71 73 Breves linhas sobre a competência da justiça do trabalho para apreciar as fraudes cometidas por cooperativas de trabalho – uma visão compatível com a nova ordem processual Summary lines on the jurisdiction of labor justice to appreciation the fraud committed by working cooperative – a compatible with the new vision of procedure order Thereza Christina Nahas Doutora em Direito do Trabalho e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Doutora em Direito Internacional pela Escola Internacional da Universidad Castilla la Mancha (Espanha) e investigadora pela mesma universidade. Juíza do Trabalho (TRT-SP). [email protected] Área do Direito: Trabalho; Processual Resumo: A nova ordem processual civil tem causado várias discussões e estudos no âmbito do processo do trabalho com objetivo de se fixar os institutos que se aplicarão de forma subsidiária e compatível com esse último sistema. Reflexiono aqui sobre a questão da competência quanto ao conhecimento e julgamento de arguições de fraudes na constituição das cooperativas de trabalho, começando pela análise muito breve das mudanças mundiais operadas no âmbito da produção e das relações de trabalho. Abstract: The new civil procedural has caused Palavras-chave: Código de Processo Civil (2015) – Cooperativa – Fraude – Fórum Nacional de Processo do Trabalho e Enunciado publicado sobre o tema – Transnacionalização. Keywords: Civil Procedure Code (2015) – Cooperative – Fraud – National Forum of Labour Procedure and Statement published on the subject – Transnationalization. many discussions and studies on the work process in order to establish the institutions that shall implement subsidiary form consistent with this last system. Reflexiono here on the issue of competence to daily graded recitations fraud trial of knowledge in the constitution of labor unions, starting with the very brief analysis of global changes made in the production and labor relations. A entrada em vigor do Código de Processo Civil tem provocado várias discussões quanto à aplicação de seus reflexos no processo do trabalho. Como se sabe, o processo do trabalho tem poucas normas reguladas na CLT e, com Nahas, Thereza Christina. Breves linhas sobre a competência da justiça do trabalho para apreciar as fraudes cometidas por cooperativas de trabalho – uma visão compatível com a nova ordem processual. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 73-82. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 74 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 a complexidade das relações fáticas e jurídicas que circundam o mundo do trabalho e da economia, é certo que o âmbito conferido à norma processual trabalhista restou insuficiente a tutelar eventuais conflitos, seja preveni-los, seja com caráter repressivo ou reparador. A discussão quanto à competência da Justiça Especializada já é antiga. A EC 45/2004, que cuidou da reforma do Poder Judiciário, já havia cuidado de elastecer a competência justamente para permitir que se inserissem situações jurídicas que não cabiam no âmbito da CLT, como ocorre, por exemplo, com o trabalhador autônomo. Sabe-se que a CLT se destinou a regular as relações entre o empregado subordinado, isto é, contratos de trabalho com subordinação estrita. Todavia, as relações econômicas, os processos de integrações empresariais, os ajustes econômicos entre países decorrentes dos pactos econômicos aceleraram as mudanças empresariais e a posição dos Estados quanto à quebra de fronteiras, à redução de impostos, à entrada de capital e, principalmente, à ordem mundial até então vigente sobre estado soberano e comunidade política.1 O Consenso de Washington (1989) foi responsável pela fixação do processo desencadeado na economia e pela etapa neoliberal do capital. Banco Mundial, FMI e o Departamento do Tesouro americano decidiram estabelecer regras que entendiam ser essenciais à promoção da economia dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades e cimentaram regras que foram aderidas pelos vários países, dentre os quais, Brasil. Entre os objetivos traçados, citemos a desregulamentação das relações econômicas e do trabalho, a mudança de mercado e a abertura comercial. Em 1995, com a criação da OMC e as regras expostas no Acordo Geral de Comércio e Serviços (AGCS), do qual o Brasil é signatário, as relações se flexibilizaram ainda mais, pois o grande universo dos serviços estava agora sob o regramento de uma instituição absolutamente econômica. Tudo isso contribuiu, no entanto, para que as relações entre trabalhadores e empregadores se aperfeiçoassem, isto é, tornassem-se mais complexas. A cadeia de produção abrange vários países e não mais uma única região. E, com isso, os pequenos produtores encontram muitas dificuldades para satisfazer as exigências do mercado global, seja pela ausência de tecnologia, seja pela ausência de conhecimento e especialidade. Um exemplo para marcar este entrelaçamento é dado pelo informe da OIT sobre Desarrollo de Cadenas de Valor para El Trabajo Decente (Decav),2 em que 1. APARÍCIO TOVAR, Joaquín. Introducción al Derecho de la Unión Europea. Albacete (Espanha): Editorial Bomarzo, 2005. p. 33. 2. Desarrollo de Cadenas de Valor para El Trabajo Decente (Decav). 2011. Disponível em: [http://www.ilo.org]. Acesso em: março de 2016. Nahas, Thereza Christina. Breves linhas sobre a competência da justiça do trabalho para apreciar as fraudes cometidas por cooperativas de trabalho – uma visão compatível com a nova ordem processual. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 73-82. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 75 se conclui num caso concreto sobre a produção de bolsas de couro, em que a culpa sobre o valor elevado do preço é das “vacas tontas”: É certo que a interconexão entre empresas está tornando-se cada vez maior em todo o mundo. O fenômeno decorre das mudanças no mercado mundial, do enfraquecimento da posição do Estado que, para reduzir custos e sanear a economia, optou pelas cláusulas do Consenso de Washington e por outros fatores semelhantes que decorrem dos compromissos assumidos junto a organismos internacionais e pactos econômicos e financeiros realizados na escola global. Não quero aqui fazer nenhum estudo crítico ou relacionado ao fenômeno das interferências das relações econômicas de trabalho. Nem sequer o enfoque Nahas, Thereza Christina. Breves linhas sobre a competência da justiça do trabalho para apreciar as fraudes cometidas por cooperativas de trabalho – uma visão compatível com a nova ordem processual. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 73-82. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 76 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 destas linhas está na interconexão entre as relações do trabalho e as econômicas, fatores que não se podem dissociar e que têm levado a vários estudos da OIT justamente para realizar o programa do trabalho decente e que tem justificado os informes e projetos para uma globalização equitativa3 e uma globalização justa para todos.4 Todavia, não se pode entender as alterações pontuais que vêm tendo a legislação do trabalho se não se analisa a interferência da economia transnacional dentro do território nacional. Não só isso, mas a crise política e social que vem atravessando o país faz com que não haja intenção do governo em tocar na reforma trabalhista, fato este que se constata na mensagem da Presidente ao Congresso Nacional para 2016. Não se pode permitir que o país siga regulando as relações do trabalho atuais por um sistema da década de 40 do século passado, quando os contratos eram basicamente rurais e não se falava em tecnologia no país. Esta introdução torna-se necessária, ainda, para expor o ambiente político e mundial que serviu para a reforma do art. 442 da CLT o qual, a partir de 1994, passou a ter a seguinte redação com a inserção do parágrafo único pela Lei 8.949/1994: “Art. 442. Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego. Parágrafo único. Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela”. Não havia necessidade de que o legislador acrescentasse ao artigo a exclusão da relação jurídica subordinada. Os arts. 2.º e 3.º da CLT já dão os contornos de como se caracterizará o contrato de trabalho. Deste modo, a relação de trabalho subordinada e com as cláusulas contratuais celetistas, formalizada por escrito ou não, enquadrar-se-á na hipótese fática da CLT e por essa será regulado. Some-se a isso o art. 90 da Lei 5.764/1971, que previa não existir vínculo empregatício entre a cooperativa e seus associados, qualquer que fosse o tipo de cooperativa. O que explica a inserção do parágrafo ao citado artigo celetista nada mais é do que a adesão aos acordos internacionais e a necessidade de se flexibilizar os termos da contratação dos trabalhadores. Ao cenário internacional o que se lhe vê são, justamente, as ações tomadas pelos governos para se cumprir os pactos. 3. Informe disponível em: [http://www.ilo.org]. Acesso em março de 2016. 4.Idem. Nahas, Thereza Christina. Breves linhas sobre a competência da justiça do trabalho para apreciar as fraudes cometidas por cooperativas de trabalho – uma visão compatível com a nova ordem processual. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 73-82. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 77 Todavia, as cooperativas de trabalho não são uma novidade no cenário jurídico. Sempre existiram e não se pode dizer que são sempre fraudulentas. O que ocorre é que, em face da ganância por se inserir no novo modelo de mercado e sabendo-se que não há incentivos para a formação das empresas nacionais, principalmente as pequenas, a necessidade de se estabelecer no mercado contribuiu para a formação de relações fraudulentas. Assim, algumas formações de cooperativas foram (e são) fraudulentas, acobertando verdadeiros contratos de trabalho típicos e subordinados, justamente para viabilizar a prestação de serviços, isto é, a intermediação de mão de obra. Todavia, há que se entender como funcionam e são regulamentadas as cooperativas de modo geral. A sociedade cooperativa foi regulamentada no Código Civil, nos arts. 1.093 a 1.096, não revogando necessariamente a Lei 5.764/1971, que, por disposição expressa do art. 1.093, segue em vigor. No contexto daquela lei, é um tipo de sociedade simples que deve ser registrada em cartório (de pessoas jurídicas) nos termos do art. 982 do CC/2002. O legislador reservou à cooperativa a natureza jurídica de sociedade simples, justamente em razão da posição que têm os cooperados em relação à pessoa jurídica, somando-se a isso o fato de a Constituição Federal incentivar a formação destas pessoas jurídicas, reconhecendo que é fundamental para a socialização da produção diante das novas fases que o mercado apresenta e dos desafios trazidos pela nova ordem econômica mundial (art. 174, §§ 2.º a 5.º, e art. 170, VIII). Assim, as sociedades cooperativas subordinam-se aos mesmos princípios relativos às associações e gozam de liberdade de criação e funcionamento, desvinculada no controle estatal. A Política Nacional de Cooperativismo, agasalhada pela Lei 5.764/1971, dispõe que as atividades desenvolvidas poderão ser públicas ou privadas e que podem agir de forma isolada ou coordenada, mas sempre voltadas a uma finalidade que seja reconhecidamente de interesse público. As cooperativas possuem natureza sui generis, pois possuem uma dupla face, interna e externa. Internamente, são uma organização civil, em que os cooperados se reúnem visando à melhoria de sua condição social e econômica. A sociedade cooperativa tem por fim voltar-se para o associado “visando a sua melhoria econômica e social, o que vai ao encontro dos princípios inspiradores do cooperativismo, em contraposição aos interesses mercantilistas daqueles que prefeririam negociar diretamente com as pessoas naturais, ora associados cooperados”.5 5. MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967. p. 262-263. Nahas, Thereza Christina. Breves linhas sobre a competência da justiça do trabalho para apreciar as fraudes cometidas por cooperativas de trabalho – uma visão compatível com a nova ordem processual. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 73-82. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 78 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Portanto, internamente considerada, a cooperativa é uma sociedade de natureza eminentemente civil. Todavia, se observarmos seu caráter externo, age como verdadeira sociedade empresária, negociando o produto ou mão de obra, base e razão de ser da sua constituição. Caracteriza-se por ser uma sociedade de pessoas, o que a diferencia da sociedade de capital. Observe-se que, originariamente, toda sociedade é de pessoas e capitais, não sendo possível a constituição de uma coisa sem a outra. Ocorre que, dependendo do tipo social, há prevalência do elemento pessoa sobre o capital ou vice-versa. Conforme ensina Fábio Ulhoa Coelho “as sociedades de pessoas são aquelas em que a realização do objeto sociedade depende mais dos atributos individuais dos sócios que da contribuição material que eles dão. As de capital são as sociedades em que essa contribuição material é mais importante que as características subjetivas dos sócios. A natureza da sociedade importa diferenças no tocante à alienação da participação societária (quota ou ações), à sua penhorabilidade por dívida particular do sócio e à questão da sucessão por norte”.6 Há que se observar que para que uma sociedade seja cooperativa terá que respeitar as regras do art. 1.094 do CC/2002, quais sejam: “I – variabilidade, ou dispensa do capital social; II – concurso de sócios em número mínimo necessário a compor a administração da sociedade, sem limitação de número máximo; III – limitação do valor da soma de quotas do capital social que cada sócio poderá tomar; IV – intransferibilidade das quotas do capital a terceiros estranhos à sociedade, ainda que por herança; V – quorum, para a assembleia geral funcionar e deliberar, fundado no número de sócios presentes à reunião, e não no capital social representado; VI – direito de cada sócio a um só voto nas deliberações, tenha ou não capital a sociedade, e qualquer que seja o valor de sua participação; VII – distribuição dos resultados, proporcionalmente ao valor das operações efetuadas pelo sócio com a sociedade, podendo ser atribuído juro fixo ao capital realizado; VIII – indivisibilidade do fundo de reserva entre os sócios, ainda que em caso de dissolução da sociedade”. Fixadas estas premissas, parece induvidoso que, na relação cooperada, não se aplicarão as regras da CLT. Isso se torna absolutamente claro com a promulgação da Lei 12.690/2012 que regulou a chamada cooperativa de trabalho, o que resolve uma questão relacionada aos trabalhadores semidependentes. Fixa-se que 6. ULHOA COELHO, Fábio. Manual de direito comercial. São Paulo: Atlas, 2009. Nahas, Thereza Christina. Breves linhas sobre a competência da justiça do trabalho para apreciar as fraudes cometidas por cooperativas de trabalho – uma visão compatível com a nova ordem processual. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 73-82. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 79 resolve parte da questão, pois os trabalhadores cooperados são apenas uma parte do vasto universo de trabalhadores semidependentes e não todas as situações. Em boa hora veio a lei para conferir-lhes alguns diretos e inseri-los no sistema e não os deixar marginalizados, como se passa com tantos outros. Todavia, o fato da lei referida regular a relação dos trabalhadores cooperados para prestação de serviços, não permite que seja utilizada uma interpretação dissociada da regra geral das cooperativas que está prevista no Código Civil. Isto é, esta lei especial em termos de organização social continua sujeita às regras do Código Civil e se aplica a ela tudo que já se disse sobre as cooperativas. Sua constituição será feita nos termos do Código Civil e da Lei específica. Isso quer dizer que a formação, registro e dissolução seguirão as regras civis, fato este que não se altera em face de ser fiscalizada pelo Ministério do Trabalho (art. 17 da Lei 12.690/2012). Caso a constituição da sociedade cooperativa seja irregular ou fraudulenta, competirá ao Juízo civil apreciar ou julgar a questão quando levada ao Judiciário. Isso porque a matéria é de natureza civil e não mais trabalhista. É certo que caso ocorra, por exemplo, o não cumprimento do art. 7.º da Lei 12.690/2012, a competência para apreciar e julgar a questão é do Juízo trabalhista que poderá, inclusive, incidentalmente, reconhecer que há fraude na constituição da cooperativa. Todavia, o art. 114 da CF/1988 não estende a competência do juiz do trabalho aos contratos de natureza civil ou mercantil e não se pode confundir as relações de formação da sociedade cooperativa e sua dissolução como pessoa jurídica, com aquela que se forma entre os trabalhadores e a cooperativa pessoa jurídica. A competência da Justiça do Trabalho foi fixada pelo art. 114 da CF/1988 e não há dúvidas de que estará adstrita às relações de trabalho, subordinado ou não, e às relações atípicas desde que prevista no rol do referido artigo, quais sejam: “III – as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; V – os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o; VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; V – os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o; VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; Nahas, Thereza Christina. Breves linhas sobre a competência da justiça do trabalho para apreciar as fraudes cometidas por cooperativas de trabalho – uma visão compatível com a nova ordem processual. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 73-82. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 80 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; VII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; VIII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei”. Num conflito entre trabalhador e sociedade cooperativa e/ou tomador de mão de obra, não cabe ao juiz do trabalho declarar com força de coisa julgada a desconstituição de uma sociedade cooperativa ou a anulação ou nulidade do ato que a criou. Não se pode entender que a questão decorre da relação de trabalho, pois a extensão do inciso não pode interferir ou atingir a esfera de outras competências. Como tradicionalmente ocorre nas relações jurídicas, é certo que pode o juiz decidir e declarar de forma incidente que uma relação é nula ou anulável, mas só poderá fazê-lo com força de coisa julgada quando a matéria estiver sujeita a sua jurisdição, caso que não se passa na situação jurídica aqui aventada. Tampouco o Código de Processo Civil de 2015 aventa ou viabiliza esta possibilidade, qual seja, do juiz incompetente em razão da matéria julgar uma questão incidental com força de coisa julgada. Portanto, a redação proposta pelo Enunciado n. 14, aprovado no Fórum de Direito Processual de Trabalho, ocorrido em março deste ano em Curitiba, parece infringir a regra da competência material quando fixa o entendimento de que “a Justiça do Trabalho tem atribuição para dirimir conflito de interesses que diga respeito à atuação de cooperativa de trabalho e, constatada a fraude na atuação do ente cooperativo, cabível o manejo da ação competente para fins de se perseguir a dissolução da cooperativa”. É certo que o juiz do trabalho terá competência para apreciar as questões relativas ao eventual contrato de emprego existente entre o trabalhador e cooperativa ou cliente dela, inclusive para decidir sobre a existência ou não de fraude no eventual contrato de trabalho. Todavia, não terá competência o juiz do trabalho para decidir sobre a regular constituição ou dissolução da sociedade. Sendo assim, a sociedade simples, natureza essa da sociedade cooperativa, será dissolvida caso ocorra (art. 1.033 do CC/2002): “I – o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado; II – o consenso unânime dos sócios; III – a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado; Nahas, Thereza Christina. Breves linhas sobre a competência da justiça do trabalho para apreciar as fraudes cometidas por cooperativas de trabalho – uma visão compatível com a nova ordem processual. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 73-82. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 81 IV – a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias; V – a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar”. Poderá, ainda, ser dissolvida judicialmente, a requerimento de qualquer dos sócios, quando (art. 1034 do CC/2002): “I – anulada a sua constituição; II – exaurido o fim social, ou verificada a sua inexequibilidade”. Sabendo-se que as cooperativas do trabalho guardam uma característica especial ante sua proximidade com o contrato de trabalho e por regular uma situação de trabalho semidependente, a fiscalização de seu fundamento é realizada, também, pelo Ministério do Trabalho, que poderá impor multas e penalidades e, nos casos ser constituída ou utilizada para fraudar deliberadamente a legislação trabalhista, previdenciária e o disposto nesta lei acarretará aos responsáveis as sanções penais, cíveis e administrativas cabíveis, sem prejuízo da ação judicial visando à dissolução da cooperativa. Como se vê, a lei não dispõe sobre a dissolução e nem haveria necessidade para tanto, já que, possuindo a natureza de sociedade simples, há procedimento próprio para que se concretize. Portanto, entender-se que a desconstituição da cooperativa de trabalho possa ser declarada pelo Juiz do Trabalho no âmbito de sua competência é, data máxima venia, contrariar o espírito da lei que procura inserir no sistema jurídico este tipo de trabalhador semidependente, que é por natureza uma espécie de trabalhador autônomo, contrariando e permitindo que se associem por meio de um tipo específico de sociedade; e ainda contrariar as regras gerais sobre as sociedades estabelecidas no Código Civil, usurpando a competência do juiz civil no âmbito de sua competência territorial. Neste sentido acenou o TJDF quando decidiu conflito negativo de competência: “Conflito negativo de competência. Vara de Falências, Recuperações Judiciais, Insolvência Civil e Litígios Empresariais. Vara Cível. Res. 23/2010. Rol taxativo de competência. Ação rescisória c/c restituição e danos morais. Inadimplemento contratual. Matéria eminentemente civil. Competência do Juízo Cível” (CComp 20130020235063CCP, 1.ª Câm. Civ.). O STF, analisando reclamação constitucional, aparelhada com pedido de medida liminar, proposta pelo Estado de Roraima contra decisão do Juízo da 3.ª Vara do Trabalho de Boa Vista/RR, acaba por manifestar sua posição de que a competência para o julgamento das questões que envolvam o reconhecimento de fraude na constituição e funcionamento da cooperativa seria da Justiça comum, ficando impedido de decidir sobre esta matéria em razão dos limites Nahas, Thereza Christina. Breves linhas sobre a competência da justiça do trabalho para apreciar as fraudes cometidas por cooperativas de trabalho – uma visão compatível com a nova ordem processual. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 73-82. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 82 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 da lide analisada. Reporta-se o Tribunal ao “parecer do Procurador-Geral da República na Rcl 10.203. Confira-se: “Ainda que, por outras razões, essa demanda não esteja submetida à competência da Justiça do Trabalho, não é possível aferir a competência nesta reclamação por ausência de identidade material entre o fundo de direito impugnado e a interpretação consagrada na ADIn 3.395, o que, consoante a pacífica jurisprudência dessa Corte, impede o conhecimento da matéria pela via estreita da reclamação.” 7. Por fim, imperioso registrar que não há presunção absoluta de competência da Justiça comum quando seja parte na demanda a Administração Pública direta, autárquica e fundacional. Por mais que se saliente o restabelecimento do regime jurídico único pela MC na ADIn 2.315 e se entenda ali inseridos também os servidores temporários, vários casos permanecem como de alçada da Justiça obreira. São eles: (a) os trabalhadores que prestarem serviço subordinado e não eventual a órgão da Administração Pública direta, em situação totalmente irregular, sem qualquer formalização; (b) os servidores legitimamente contratados pela CLT no período entre a promulgação da EC 19/1998 e a concessão da medida cautelar na ADIn 2.135; (c) os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias, contratados nos termos da Lei 11.350/2006. Pelo que se faz indispensável a prova do vínculo estatutário, ou então de natureza singelamente administrativa”. Assim negou seguimento a reclamação proposta (STF – Rcl 13304/DF, j. 07.03.2012, rel. Min. Ayres Britto, DJe-052, divulg. 12.03.2012, public. 13.03.2012). A busca da matéria em julgados é árdua. Quiçá em razão da novidade da matéria. Sendo assim, o debate torna-se imperioso para discussão e fixação daquilo que efetivamente for a melhor interpretação da lei para a efetividade da jurisdição e em respeito as regras processuais do devido processo legal. Não só deste enunciado, mas de muito outros, há que se guardar a maturação da discussão o que somente se torna possível com a polêmica estabelecida e com o estudo aprofundado de cada tema. Pesquisas do Editorial Veja também Doutrina • Das cooperativas de trabalho instrumento usado na dissimulação da relação de emprego e consequente alijamento dos direitos sociais, de Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson – RDT 153/73-90 (DTR\2013\10117); e • O Ministério Público do Trabalho no combate às cooperativas de intermediação de mão-de-obra, de Erich Vinicius Schramm – RDPriv 38/63-119 (DTR\2009\271). Nahas, Thereza Christina. Breves linhas sobre a competência da justiça do trabalho para apreciar as fraudes cometidas por cooperativas de trabalho – uma visão compatível com a nova ordem processual. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 73-82. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 83 Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho The impact of judicial precedents as source of law and its influence in the labor process Cleusy Araújo Galindo Especialista em Direito Judiciário e Magistratura do Trabalho e em Direito Previdenciário pela Escola Superior da Magistratura Trabalhista da 6.ª Região. Especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Faculdade Damas (Pernambuco). Doutoranda em Direito do Trabalho pela Universidade de Buenos Aires (Argentina). Pós-graduanda em Direito do Trabalho pela Universidade de Buenos Aires (Argentina). Engenheira Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Tutora on-line do CNJ. Docente da EJ6/PE. Assistente de Gabinete do Desembargador Ruy Salathiel do TRT da 6.ª Região. Autora de artigos científicos publicados na doutrina de renomadas revistas e periódicos especializados. [email protected] Área do Direito: Trabalho; Processual Resumo: O tema central em estudo faz menção aos precedentes judiciais tratados de forma incisiva no Novo Código de Processo Civil, que está diretamente ligado ao Estado Democrático de Direito no regime do civil law. Apesar de sua aproximação com o common law verifica-se a prevalência de cláusulas gerais, maior poder aos magistrados e aplicabilidade de precedentes vinculantes. O legislador, na busca pela efetividade do Processo Civil, sugere reformas significativas que propiciam a celeridade, modelando-se conforme os anseios da sociedade e tendo como meta atingir a celeridade e informalidade do Processo do Trabalho, sua marca registrada, e foco da problematização a ser trabalhada. Será contextualizado o caminhar do Direito por um sistema de precedentes vinculantes, onde se permeiam conceitos e técnicas a serem analisados. Abstract: The central theme in the study mentions the judicial precedents dealt incisively Project in the new Code of Civil Procedure which is directly connected to the democratic state of law. The regime of civil law and their approach to the common law where there is a prevalence of general clauses, more power to the judges and applicability of binding precedent. The legislature in the quest for effectiveness of Civil Procedure suggests significant reforms that provide the speed, shaping up as the desires of the society, and with the goal of achieving the speed and informality of the Labour Process, its trademark. It will be contextualized in firm steps of the Law for a system of binding precedents where permeate concepts and techniques to be analyzed. Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 84 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Palavras-chave: Precedentes vinculantes – Efetividade – Commom law – Civil. Keywords: Binding precedent – Effective access to justice – Speed. Sumário: Introdução. 1. Noções gerais sobre hermenêutica e princípios na teoria geral do direito. 2. Mudanças e rupturas trazidas pelo novo CPC no processo do trabalho. 3. Caracterização dos sistemas da civil law e common law. 4. O ativismo judicial e a supremacia constitucional. 5. O precedente judicial como fonte do direito e seus efeitos no novo CPC. Conclusão. Referências. Introdução Este trabalho tem como objetivo geral analisar as principais alterações contidas na Lei 13.105/2015, publicada em 16.03.2015, o novo Código de Processo Civil (CPC) brasileiro, e sua impactação no Processo do Trabalho. Será abordada a segurança jurídica e celeridade na área civil, reconhecendo-se a relevância do conjunto de mudanças inseridas no novo CPC, que teve sua última reforma em 1973, gerando influência significativa, inclusive, no âmbito trabalhista, de modo que esta especificidade justifica o interesse no tema. Assim, tal problemática será discutida no desenvolvimento deste artigo. Tem como objetivo específico mostrar a importância da interpretação normativa como vetor de conciliação e paz social, impulsionando o operador do Direito a aplicar a norma escrita ao objeto do litígio, sem esquecer os elementos concretos e viventes no meio social, analisando as mudanças trazidas pelo novo CPC1 ao Processo do Trabalho na tentativa de dirimir dúvidas acerca da real efetividade e celeridade a ser atingida pelo referido diploma processual com a utilização dos precedentes judiciais. Serão caracterizados os sistemas do commom law e do civil law, seus principais institutos, definições, suas origens e aplicações nos dias atuais. Em sequência será tratado o ativismo judicial e a sua relação com o Poder Judiciário brasileiro, em face do modelo constitucional aplicado em 1988 e a supremacia constitucional acompanhando as modificações do Direito Constitucional fundadas na forma de pensar e na efetiva prática do Direito. O estudo do sistema jurídico brasileiro será tratado para, ao final, identificar a possibilidade ou não da adoção de precedentes no Direito brasileiro e extrair algumas conclusões e outros questionamentos acerca do tema proposto. 1. BRASIL. Lei 13.105/2015. Código de Processo Civil. Disponível em: [www.planalto. gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm]. Acesso em: 11.10.2015. Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 85 Nessa esteira de condutas, serão trabalhados os precedentes judiciais como fonte do Direito e seus efeitos no Novo CPC, trazendo à baila a uniformização das decisões proferidas nos Tribunais nos processos que apresentem conteúdos semelhantes nos litígios, de modo que as demandas repetitivas sejam facilmente sanadas com o reconhecimento de precedentes judiciais. Enfatizando-se, ainda, o reconhecimento da jurisprudência como fonte do Direito comum aos diversos ordenamentos jurídicos, são verificadas divergências quanto a sua eficácia e operacionalização nos sistemas do civil law e common law. Frise-se que a pesquisa bibliográfica será baseada em fontes doutrinárias nacionais sobre o tema proposto, e, consequentemente, chegando a conclusões palpáveis. 1.Noções gerais sobre hermenêutica e princípios na teoria geral do direito A ciência do Direito imputa à hermenêutica uma característica controvertida com discussões nos meios jurídicos, que se origina do grego, hermeneúein e deriva do Deus Hermes, o intérprete da vontade divina,2 do ponto de vista etimológico. O termo vem de intérprete, palavra latina inter pres, que significa “aquele que”, “o advindo”, como menciona Raimundo Itamar L. F. Júnior apud Luiz Fernando Coelho, ao expor que: “(...) atividade de interpretação, pelo visto, também tem gênese religiosa, especialmente nas tarefas do adivinho, objetivando predizer o futuro. O conteúdo jurídico que aderiu a expressão fez com que a palavra interpretar, no decorrer da historia, ganhasse o sentido de ‘desentranhar’ o significado das palavras da lei”.3 O conhecimento humano parte de princípios cuja origem é a ciência e as aplicações. No mundo jurídico, a hermenêutica estabelece critérios, métodos, com diretrizes gerais, ou melhor, fixa princípios que regem a interpretação por ter caráter prático no que se refere a sua aplicabilidade, buscando nela ensinamentos. É o repertório construído por enunciados respeitados pela via interpretativa. Do ponto de vista prático, o magistrado, na análise do caso concreto, precisa conhecer, além dos fatos que envolvem o litígio, o Direito pro- 2. BARROS, Alice Monteiro. Curso de direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: Ed. LTr, 2006. p. 125. 3. COELHO, Luiz Fernando. Lógica jurídica e interpretação das leis. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 182-183. Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 86 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 priamente dito, para que possa revelar o alcance das normas aplicáveis e sua exitosa aplicabilidade no seio da comunidade, para que triunfe a ordem social, a segurança jurídica e consequentemente a justiça. Os lexicólogos costumam tratar os termos interpretação e hermenêutica como sinônimos, não obstante na esfera jurídica eles se mostrem de forma distinta, técnica e ciência, respectivamente. Citando Machado Neto, Luiz Fernando Coelho explica que a hermenêutica jurídica trata dos princípios que disciplinam a definição dos conteúdos, sentidos e fins das normas jurídicas, enquanto que a interpretação significa, na prática, o referencial teórico elaborado por aquela, adaptando os preceitos às situações de fato.4 Assim, o aplicador do Direito deve imergir nas técnicas jurídicas para que haja a correta aplicação da norma ao caso sub judice, sem se esquecer de analisar os fatos sociais onde está inserida a amostra social, identificando, por conseguinte, as causas dos problemas que afligem a coletividade e, assim, interpretar o texto de lei com o ideário de justiça, requerendo uma interpretação clara cuja aplicação não deixe dúvidas. Porém, podem acontecer diversas interpretações, já que a linguagem normativa pode não apresentar significados unívocos. Sem contar que em algumas hipóteses o texto legal vem empobrecido com erros gramaticais, que confundem sobremaneira a interpretação correta da norma jurídica. Portanto, as considerações mencionadas, apesar de informarem com evidência a importância da interpretação normativa, não são suas únicas justificativas: a maior razão de ser da atividade interpretativa consiste na obrigatoriedade do Estado na realização da paz social, dirimindo conflitos de interesses, visando manter a ordem jurídica, obrigando o operador jurídico a aplicar regras de interpretação jurídica, visando a adequar e aplicar a norma escrita ao objeto do litígio, sempre atento aos elementos concretos e vivos da experiência social.5 No entanto, a análise jurídica de forma superficial poder-se-á mostrar transparente em seus conceitos e aplicação, ao passo que se revelará com nova roupagem e complexidade se considerada em seus fins, nos seus precedentes históricos, nas suas conexões com os elementos sociais que agem sobre a vida do Direito na sua aplicação a relações que, como produto de novas exigências e condições, não poderiam ser consideradas, ao tempo da formação da lei, na 4. Idem, p. 177. 5. DELFINO, Lúcio. A importância da interpretação jurídica na busca da realização da justiça. Disponível em: [https://jus.com.br/artigos/29/a-importancia-da-interpretacao-juridica-na-busca-da-realizacao-da-justica]. Acesso em: 25.10.2015. Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 87 sua conexão com o sistema geral do Direito positivado vigente. Celso Ribeiro Bastos6 assevera que a interpretação é verdadeiramente uma arte e a compara às tintas que se apresentam ao pintor como enunciados hermenêuticos que são deixados ao tirocínio do intérprete, bem assim que a hermenêutica e a interpretação levam a atitudes intelectuais muito distintas, a seguir: “(...) Por isso, não é possível negar, da mesma forma, o caráter evidentemente artístico da atividade desenvolvida pelo intérprete. A interpretação já tangencia com a própria retórica. Não é ela neutra e fria como o é a hermenêutica. Ela tem de persuadir, de convencer. O Direito está constantemente em busca de reconhecimento. Não se quer que o intérprete coloque sua opinião, mas sim que ele seja capaz de oferecer o conteúdo da norma jurídica de acordo com enunciados ou formas de raciocínio explícito, previamente traçados e aceitos de maneira mais ou menos geral, (...). (...) para evitar a confusão com as regras jurídicas propriamente ditas, preordenem-se a uma atividade ulterior de aplicação, o fato é que eles podem existir autonomamente do uso que depois se vai deles fazer. Já a interpretação não permite este caráter teórico-jurídico, mas há de ter uma vertente pragmática, consistente em trazer para o campo de estudo o caso sobre o qual vai se aplicar a norma”.7 Não se pode apenas conhecer as regras a serem aplicáveis para determinar o sentido e o alcance dos textos, faz-se imprescindível reuni-las harmonicamente e oferecê-las ao estudo, em um encadeamento lógico, como ensina Carlos Maximiliano.8 Frise-se que os métodos e formas de interpretação, bem como de integrar a ordem jurídica e aplicar o Direito ao caso concreto têm sofrido mutações no decorrer da história, o que implica uma maior ou menor valorização dos princípios pelos juristas.9 Quanto aos princípios na Teoria Geral do Direito, não há mais espaço na ciência jurídica para compreendê-los como meras técnicas integrativas subsidiárias, incidentes apenas em face da omissão da lei, assim como se observa 6. BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos Ed., 1997. p. 79-80. 7. Idem, p. 22. 8. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 5. 9. FERNANDES JÚNIOR, Raimundo Itamar Lemos. O direito processual do trabalho à luz do princípio constitucional da razoável duração: a aplicação da reforma do CPC ao processo do trabalho fase por fase. São Paulo: Ed. LTr, 2008. p. 18. Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 88 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 no disposto na Lei de Introdução ao Código Civil10 em seu art. 4.º. São como modalidades de normas, as quais se mostram capazes de guiar, direcionar e conduzir comportamentos sociais, de igual sorte como as regras, as quais são espécies de normas que têm sua origem no termo latino principium – século XIV, do qual advém a expressão principiare, originariamente do latim que significa iniciar, começar, abrir – século XV, como menciona Antônio Cunha.11 Na visão de Miguel Reale, a expressão princípio, em sentido figurado, pode ser vista como sendo as vigas mestras de um edifício, que atuam como ponto de referência e, ao mesmo tempo, elementos que dão unidade ao todo. Conclui dizendo que uma ciência é como um grande edifício que possui também colunas mestras. A tais elementos básicos, que servem de apoio lógico ao edifício científico, é que se chama de princípios, havendo entre eles diferenças de destinação e de índices, na estrutura geral do conhecimento humano.12 Para o autor clássico Américo Plá Rodrigues, ao tratar em trabalho de sua autoria sobre o tema, o define como sendo “linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções, pelas quais podem servir para promover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a interpretação das existentes e resolver casos não previstos”.13 Celso Antônio Bandeira de Mello aduz que a violação de um princípio pode ser considerada de maior gravidade, da mesma forma que a transgressão de uma norma, uma vez que ele se revela como sendo um “mandamento nuclear de um sistema, seu verdadeiro alicerce, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por exigir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”.14 10. BRASIL. Lei 10.406/2002. Institui o Código Civil. Disponível em: [www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm]. Acesso em: 25.10.2015. “Art. 4.º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. 11. CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico nova fronteira da língua portuguesa. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1982. p. 635. 12. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1985. p. 57. 13. RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. São Paulo: Ed. LTr, 1993. p. 16. 14. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Elementos de direito administrativo. São Paulo: Ed. RT, 1981. p. 230. Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 89 A temática dos princípios teve alguns ciclos na história do Direito. Pode-se dizer que o primeiro momento foi a fase jusnaturalista, no qual não se observava a normatização dos princípios, porém eles influenciavam na construção do Direito ou mesmo serviam de arcabouço para se criar regras como fontes materiais para a produção do ordenamento jurídico, deixando certo que o espírito ético de justiça era o norte a ser atingido. Havia considerável distanciamento dos efeitos do Estado para essa construção de valores e pretensões legítimas. A partir do século XX surge o positivismo radical, deixando-se para trás o ideário jusnaturalista, efetivando-se o espírito revolucionário, que se materializou desde a Revolução Francesa em 1789, época em que se priorizava uma visão estática do Direito, sem possibilitar abertura para as transformações jurídicas, imperando a visão privatista com a preeminência do Código Civil. Fase em que o valor principiológico decresce e se instala o positivismo radical, que em momento posterior assume a existência de lacunas no ordenamento jurídico, indo encontrar subsídios nos princípios como método auxiliar supletório do Direito, de modo que os princípios são inferidos do próprio ordenamento, por um processo de indução e abstração, como alega Fernandes Júnior.15 Portanto, os princípios se colocam como fonte supletiva e com papel influenciador e auxiliar na interpretação das regras, como recomenda a hermenêutica jurídica. E, por este motivo, Maurício Godinho Delgado16 entende que se incorpora a função informativa aos princípios, com a finalidade de auxiliar no processo de revelação e compreensão das regras. Pode ser que sejam também utilizados de forma supletiva, como verdadeiras normas jurídicas na qualidade de fontes formais. Na teoria geral do Direito, os princípios gerais são de certa forma introduzidos no processo de indução ou abstração, e, para suprir os gaps,17 deve-se buscar a analogia. Contudo, existe certa celeuma acerca do entendimento sobre tais institutos, os quais possuem função interpretativa e integrativa, de modo que alguns doutrinadores entendem que há relação com o Direito pátrio, abstraídos por indução, à luz do normativo jurídico de cada nação. Outros já defendem que têm relação com o ordenamento de todos os povos, os quais são comuns a determinados sistemas característicos, o civil law e common law, 15. FERNANDES JÚNIOR, Raimundo Itamar Lemos. Op. cit., p. 72. 16. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Ed. LTr, 2002. p. 19. 17. Gaps: omissões Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 90 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 como aponta Miguel Reale.18 Há, ainda, os que entendem que os princípios gerais do Direito são os princípios do Direito Natural. A predominância é no sentido de que tais princípios gerais do Direito são extraídos do ordenamento jurídico de um dado Estado, mesmo que alguns deles tenham suporte no Direito Comparado, como entende Fernandes Júnior.19 Assumem os princípios, papel auxiliar na interpretação ou, até mesmo, suprem lacunas com sua hegemonia axiológica e caráter normativo próprio, minimizando ou atribuindo dimensão própria ao pensamento dogmático do Direito, retirando o fim ético e a legitimidade do Direito, fatores que definem os sistemas totalitários e fascistas. É por esta razão que Luís Roberto Barroso aponta que a superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões sobre o Direito, sua função social e sua interpretação.20 Estudados estes institutos, passa-se à análise das mudanças que os precedentes provocam e sua interpretação no Direito do Trabalho. 2.Mudanças e rupturas trazidas pelo novo CPC no processo do trabalho A intenção do novo Código é promover um processo mais célere, justo e com menor complexidade, de forma que tais mudanças seriam incorporadas de imediato ao Processo do Trabalho para atingir a máxima efetividade e menor tempo na contenda judicial. Neste instituto processual codificado, em seus arts. 1.º, 6.º e 8.º, verificam-se verdadeira harmonia com o art. 8.º da CLT,21 ao tratar que na ausência de dispositivo legal ou contratual na esfera trabalhista, ser possível decidir, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público, como reza o referido dispositivo consolidado. Estando, inclusive, este mesmo artigo em perfeita consonância 18. REALE, Miguel. Op. cit., p. 73. 19. FERNANDES JÚNIOR, Raimundo Itamar Lemos. Op. cit., p. 73. 20. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 363. 21. BRASIL. Lei 5.869/1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: [www. planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869compilada.htm]. Acesso em: 04.09.2015. Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 91 com o art. 769 do NCPC: “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”, que foi preconizado no projeto do código em seu art. 14: “na ausência de normas que regulem os processos penais, eleitorais, administrativos ou trabalhistas, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletivamente”. Importante alertar que nas novas disposições, em comparação com o CPC de 1973,22 não será possível abolir o que dispõem os arts. 769 e 889 da CLT, sob pena de configurar-se a contramão do Processo do Trabalho. A preocupação reside no fato de o art. 10 do NCPC,23 que traz: “Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual tenha que decidir de ofício”. Citado dispositivo impõe ao juiz a impossibilidade de decidir em grau algum de jurisdição sem que seja dada a oportunidade às partes de se manifestarem, mesmo que sua decisão seja de ofício. Visível agressão à celeridade processual, de forma que tal dispositivo não poderá ser aplicado subsidiariamente na esfera trabalhista, uma vez que haveria a violação direta aos princípios da informalidade, concentração e celeridade, como já mencionado acima. Dispõe José Antonio Pancotti24 sobre as polêmicas geradas pelos novos artigos do CPC, desde a sua elaboração (anteprojeto elaborado pela Comissão de Juristas instituída pelo Ato do Presidente do Senado Federal 379, de 2009), discordando, inclusive do Prof. Antônio Teixeira Filho, como segue: “Neste ponto, ouso discordar do ilustre e respeitado professor Manoel Antonio Teixeira Filho, quando sustenta que não há harmonia, mas polêmica, entre o art. 14 do anteprojeto e o art. 769 da CLT, afirmando que ‘a aplicação é subsidiária por omissão axiológica, ontológica ou normativa’. Os requisitos para se admitir a subsidiariedade do Código de Processo Civil ao processo do 22. BRASIL. Decreto-lei 5.542/1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: [www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm]. Acesso em: 04.09.2015. 23. BRASIL. Lei 13.105/2015. Código de Processo Civil. Disponível em: [www.planalto. gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm]. Acesso em: 11.10.2015. 24. PACOTTI, José Antonio. Anteprojeto do CPC e repercussões no processo do trabalho. Revista do TST. vol. 78. n. 1. p. 109. Disponível em: [http://aplicacao.tst.jus.br/ dspace/bitstream/handle/1939/29617/005_pancotti.pdf?sequence=”4].” Acesso em: 09.11.2015. Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 92 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 trabalho são simultâneos: omissão e compatibilidade com a normatização da Consolidação das Leis do Trabalho. Destes parâmetros não se pode prescindir para a aplicação supletiva do Código”. Defendeu, à época, Antonio Pancotti25 o que segue: “(...) a marca de celeridade do processo do trabalho pode perder terreno, em alguns aspectos, com os avanços das sucessivas minirreformas do atual Código de Processo Civil (antes do NCPC), especialmente na fase de liquidação e cumprimento da sentença, se se comparar o procedimento da liquidação por simples cálculo, a teor do art. 475-A e ss. e com o que estabelece art. 879 da CLT. Estas inovações do Código de Processo Civil albergadas no anteprojeto imprimem maior celeridade, ainda, na medida em que elimina a necessidade de citação do devedor, mediante simples intimação, enquanto a CLT conserva a determinação de citação (art. 880), inclusive para a execução de acordos inadimplidos, mesmo celebrados em audiência com a presença das partes. Sustenta-se, portanto, que a Consolidação das Leis do Trabalho, mesmo nos pontos em que for omissa, não veda ao juiz do trabalho lançar mão de preceito do Código de Processo Civil que melhor atenda à celeridade e à efetividade do processo do trabalho, porque se estará procurando dar cumprimento ao preceito de direito fundamental da razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, consoante o inciso LXXVII da CF/1988, agora reproduzido no art. 4.º ao dispor que: As partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a atividade satisfativa. Não se pode, porém, criar um ambiente de crise ou de afronta, ao contrário, deve priorizar o princípio da segurança jurídica, por uma hermenêutica conforme a Constituição, afastando a aplicação tumultuária dos avanços do Código de Processo Civil a pretexto de subsidiariedade ou, como queira, em caráter supletivo. O anteprojeto do novo Código de Processo Civil é enfático em estabelecer regras no caminhar do procedimento, a fim de que os litigantes tenham à sua disposição normas claras, precisas, objetivas e concisas. Obriga o magistrado a tomar atitudes antes impensadas. Assim, a ausência de pressupostos processuais deve ser noticiada à parte para que, se possível, a corrija (art. 350) ou se os atos e procedimentos revelarem-se inadequados às peculiaridades da causa, deverá o juiz, ouvidas as partes e observados o contraditório e ampla defesa, promover o necessário ajuste (§ 1.º do art. 151), ou como se verá logo abaixo, introduz a estabilização da demanda, consoante (art. 314). É visível no anteprojeto a prioridade da ausência de surpresas para os litigantes, a flexibilidade formal dos atos e proce- 25.Idem. Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 93 dimentos e a exigência da mais completa fundamentação dos despachos e das decisões, com absoluta atenção e à relevância dos princípios constitucionais que informam o direito processual: o contraditório, a ampla defesa, do devido processo legal, iniciando expressamente por preconizar que, ao aplicar a lei, o juiz atenderá aos princípios aos fins sociais a que se dirige e às exigências do bem comum, observando os princípios da dignidade humana, da razoabilidade, da impessoalidade da decisão, da moralidade, da publicidade e da eficiência (CPC, art. 6.º)” (grifo nosso). Portanto, será possível que o juiz trabalhista possa reconhecer e legitimar a aplicação dos novos dispositivos processuais codificados, uma vez que se mostrarem peculiares, mesmo existindo pontos de divergências e até mesmo se observe outros aspectos absolutamente incompatíveis com o processo trabalhista, na tentativa de tornar o processo mais célere e eficaz. Cite-se o art. 140 do NCPC,26 que restringe a atuação do juiz para proferir sentença a partir da equidade, indo de encontro com o que dispõe o art. 8.º da CLT. Verificam-se, ainda, tópicos passíveis de análise quanto à aplicação subsidiária ao Processo Trabalhista, os quais não serão tratados nesta pesquisa, em virtude de o foco ser os precedentes judiciais. Frise-se a ausência no texto do NCPC acerca do processo coletivo, uma vez que se utilizam das regras do Código de Defesa do Consumidor27 (CDC) para sanar a ausência, emitindo, inclusive, sentimento contrário à demanda coletiva, como se verifica no parágrafo único do art. 18 do novo CPC, que em caso de substituição processual o substituído será cientificado e, se nele intervir, fará cessar a substituição, transformando em representação processual. Mais um aspecto relevante é a limitação do litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes contida nos §§ 1.º e 2.º do art. 113 do novo CPC. Observa-se no art. 186 do CPC outra inaplicabilidade para o Processo do Trabalho, porquanto dispõe de regramento segundo o art. 8.º da CLT. Outros dispositivos estão se mostrando inservíveis ao Processo Trabalhista na medida em que ferem dispositivo existente ou mesmo vão de encontro com princípios basilares dos Direitos materiais e processuais do Trabalho. 26. BRASIL. Lei 13.105/2015. Código de Processo Civil. Disponível em: [www.planalto. gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm]. Acesso em: 11.10.2015. 27. BRASIL. Lei 8.078/1990. Código de Defesa do Consumidor. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: [www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm]. Acesso em: 11.10.2015. Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 94 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 3. Caracterização dos sistemas da civil law e common law Para estruturar a análise dos temas acima enumerados, algumas digressões teóricas são necessárias. Após a Segunda Guerra mundial, ocorreu a “americanização”28 da vida em múltiplos domínios, inclusive na vida jurídica, podendo ser citado o Direito Constitucional. A disseminação do modelo que teve seu marco inicia como o case em Marbury versus Madison, quando estava na presidência da Suprema Corte americana Earl Warren. Luís Roberto Barroso29 assevera que: “Havia a centralidade da Constituição, controle de constitucionalidade com supremacia judicial e judicialização das grandes controvérsias em torno da realização dos direitos fundamentais. Nesse contexto, é observada essa mesma corrente no direito brasileiro. Será feito um breve relato sobre os seus principais institutos, definições acerca do common law e civil law, suas origens, seus conceitos e aplicações nos dias atuais. Em sequência, passa-se ao estudo do ativismo jurídico e constitucionalização no sistema jurídico brasileiro, para, ao final, identificar a possibilidade ou não da adoção de precedentes no direito brasileiro e extrair algumas conclusões e outros questionamentos. É observada a americanização do direito brasileiro. No curso do processo de incorporação desse modelo de constitucionalismo, os países da tradição romano-germânica passaram por transformações extensas e profundas. Dentre elas é possível destacar o fenômeno referido como constitucionalização do Direito, no qual se inserem a aplicação direta e imediata da Constituição às relações jurídicas em geral, o controle de constitucionalidade e a leitura do direito infraconstitucional à luz dos princípios e regras constitucionais. Juízes, tribunais, e, especialmente, os tribunais constitucionais tornaram-se mais atuantes e ativistas, potencializando o desenvolvimento de novas categorias da interpretação constitucional”. Historicamente o Brasil adotou o sistema jurídico civil law, de origem romano-germânica, no qual as leis se consubstanciam nas principais fontes de 28. Commonização – seria uma nomenclatura mais adequada, uma vez que o Direito Inglês deu origem a esse sistema que usa os costumes para resolver suas demandas judiciais. 29. BARROSO, Luís Roberto. A americanização do direito constitucional e seus paradoxos: teoria e jurisprudência constitucional no mundo contemporâneo. Interesse Público. ano 12. n. 59. Belo Horizonte, jan.-fev. 2010. Disponível em: [www.editoraforum. com.br/ef/wp-content/uploads/2014/09/A-americanizacao-do-direito-constitucional-e-seus-paradoxos.pdf]. Acesso em: 10.10.2015. Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 95 Direito. Todavia, com o passar dos anos, com a sua constitucionalização, e sob a influência americana, tem cada vez mais se aproximado do sistema jurídico common law, de origem anglo-saxônica, cujos fundamentos advêm dos usos, costumes e jurisprudência. Sofre os reflexos das divergências jurisprudenciais, de modo que a sociedade transpira insegurança jurídica. Diferentemente do que ocorre no common law que se mostra respeitoso aos precedentes judiciais como fonte primária do Direito, conferindo tranquilidade aos que recorrem ao Judiciário, dada à previsibilidade nas decisões proferidas pelo Juízo tanto de primeira como de segunda ou terceira instância. Nos dias atuais, observa-se uma tendência ao hibridismo no Brasil com a utilização de precedentes vinculantes na solução dos conflitos no judiciário, não esquecendo o que Dworkin30 aponta precipuamente acerca da necessidade de coerência na aplicação do Direito. Subsiste no common law uma valorização dos precedentes judiciais, decisões tomadas em face de casos concretos, cuja essência é extraída para orientar casos posteriores que versem sobre matéria semelhante. Isso culminou na teoria dos precedentes stare decisis (força obrigatória do precedente), segundo a qual as cortes inferiores estão vinculadas aos precedentes proferidos pelas cortes superiores. Da teoria dos precedentes destacam-se alguns institutos, tais como a ratio decidendi (nominado pelo norte-americano de holding), que abrange a norma jurídica aplicada na decisão do caso concreto (aspecto objetivo) e a motivação empregada pelo julgador para solucionar a questão que lhe foi submetida (aspecto subjetivo), bem como o obiter dictum, fundamentos acessórios da decisão judicial, tais como impressões, opiniões, que embora expostas, são dispensáveis à individualização da norma pelo magistrado. A técnica denominada distinguishing, por sua vez, corresponde à comparação existente entre o caso em análise e um precedente anterior, sendo que quando restar constatado que existe dissonância entre ambos, não se aplicará ao caso posterior a ratio decidendi aplicada em momento antecedente, ou seja, ela busca essa análise de similitude ou distanciamento entre o caso concreto e outro paradigma, chegando a uma conclusão acerca da inexistência de semelhança entre os fatos fundamentais discutidos com aqueles que serviram de base a ratio decidendi (tese jurídica) do precedente, afastando a possibilidade de aplicação deste. 30.DWORKIN, Ronald. Law’s Empire. Oxford: Hart Publishing, 1998. p. 225-238; DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 271-286. Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 96 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Frise-se que não é o caso de o precedente não poder mais ser usado em outras circunstâncias. Na verdade, o holding31 do precedente não se aplica ao caso concreto que está sendo analisado, e não provoca a exclusão dele, diferentemente do que ocorre com o overruling, onde há um rompimento brusco e irremediável abandono deste instituto. É, portanto, a superação total de um precedente anterior por outro mais moderno, por razões de adequação ao novo entendimento do magistrado, que procede a uma nova valoração das circunstâncias relativas àquela matéria. Assim, observa-se a possibilidade de revisão do precedente a qualquer tempo, muito embora tal conduta não seja tomada com frequência, porém, faz-se necessário uma maior argumentação com fundamentos novos, ainda não trazidos à baila, uma vez que será criado um novo instituto jurídico. O órgão julgador descarta a orientação antiga por estar obsoleta e adota nova postura em função do distanciamento do referido instituto, que perdeu a congruência social e inconsistência sistêmica ao não guardar mais qualquer relação com as outras decisões, como menciona Ataíde Júnior.32 Cabe mencionar a existência do anticipatory overruling que se mostra como a não aplicação preventiva por órgãos inferiores do precedente das cortes superiores, as quais já sinalizaram a possível superação do precedente, de modo que o juízo a quo aguarda a modificação dele. A outra forma de superação do precedente é chamada de overriding e se caracteriza pela limitação da incidência do precedente pelo tribunal, em função da superveniência de uma regra ou princípio legal. Ocorre na verdade uma superação parcial, semelhante a uma revogação parcial da lei. Frise-se que a superação do precedente não se confunde com o reversal, quando ocorre a modificação do julgamento do recurso na segunda instância alterando entendimento do órgão a quo. Conclui-se que as técnicas de overruling e overriding proporcionam o arejamento do Direito costumeiro e impedem seu engessamento, uma vez que trazem novos olhares ao sistema, mantendo-o atualizado. Permitem, assim, que ocorra a flexibilização do ordenamento jurídico presente no common law, indispensável à evolução e ao progresso do Direito. Em que pesem entendimentos, no sentido de que ainda não vigora no ordenamento jurídico pátrio a teoria dos precedentes, sob o argumento de que a eficácia das decisões judiciais 31. Holding termo utilizado pelos norte-americanos que tem o mesmo significado do ratio decidendi, norma de caráter geral constante na fundamentação da decisão, construída pela jurisprudência, compreendida à luz do caso concreto; eficácia transcendente dos motivos determinantes. 32. ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro:os precedentes dos tribunais superiores e sua eficácia temporal. Curitiba: Juruá, 2012. p. 130-131. Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 97 é definida por lei, já se faz presente, não só por meio das súmulas vinculantes editadas pelo STF (art. 103-A da CF/1988,), como também da jurisprudência, em geral, porquanto é inerente à própria atividade do Poder Judiciário, que decisões precursoras proferidas à luz do caso concreto acabem por influenciar futuros julgamento em casos análogos. Outras considerações de absorção do common law são as súmulas impeditivas de recurso (art. 518, § 1.º, do CPC/1973), incidente de uniformização da jurisprudência (art. 476 do CPC/1973) e julgamento de recursos repetitivos (art. 543-C do CPC/1973). De fato, a Lei 13.105/2015 (NCPC), trata dos institutos supracitados relativos aos precedentes judiciais, demonstrando claramente a tendência de “americanização” do Direito brasileiro (tratada em item a seguir). Nela tornou-se obrigatória, no âmbito do Processo do Trabalho a instauração de Incidentes de Uniformização de Jurisprudência, que quando solucionados firmam paradigmas capazes de viabilizar, ou não, o conhecimento de Recursos de Revista por divergência (art. 896, § 6.º, da CLT). Assim, entende-se importante a utilização da teoria dos precedentes, que pode significar um grande avanço, porquanto visa dar mais estabilidade e segurança jurídica ao ordenamento jurídico, aplicando-se, aos casos semelhantes em julgamento, precedentes anteriormente firmados, garantindo previsibilidade e isonomia às decisões, além de diminuir o excessivo número de demandas e recursos para os tribunais superiores. Numa visão panorâmica acerca das principais distinções entre os dois sistemas pode-se dizer que no de civil law o Direito é escrito, com jurisdição que se molda na atuação do Direito objetivo, no qual o magistrado exerce seu poder com base no texto da lei, observando a subordinação entre os juízes inferiores e superiores no cumprimento fiel de sua atuação como cumpridor da lei e prevalência da vontade soberana estatal. Por outro lado, o sistema de common law adota um Direito costumeiro, aplicado pela jurisprudência, onde, no modelo de justiça, prepondera a visão de pacificação dos litigantes. Assim, no civil law, busca-se a segurança jurídica, enquanto no direito common law a paz entre os litigantes, a reharmonização e a reconciliação são os objetivos diretos; nessa pacificação dos litigantes pouco importa se é à luz da lei ou de outro critério, desde que seja adequado ao caso concreto, pois o importante é harmonizar os litigantes, havendo um profundo enraizamento na vida da comunidade.33 Nota-se a paridade desse sistema com a comunidade, segundo Leonardo Greco:34 33. GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2010. vol. I, p. 2. 34. Idem, p. 3. Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 98 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 “(...) diante da perda de credibilidade ou de confiança da sociedade na justiça e nos juízes, decorrente da elevação da consciência jurídica da população e do seu grau de exigência em relação ao desempenho do Judiciário, os países que adotam o civil law têm se voltado para alguns parâmetros do common law, e vice-versa”. Logo, a busca por maior segurança nas decisões judiciais e a otimização destas, evitando-se o desnecessário exame de casos idênticos já anteriormente decididos e, consequentemente, por uma maior segurança jurídica em prol da sociedade, levou vários países a adotarem mecanismos com o objetivo de uniformizar a jurisprudência, como afirma Streck.35 Houve a adoção dos precedentes no sistema jurídico inglês, o qual se baseia em decisões anteriores da mesma natureza. Neil Maccormick36 diz que “nos sistemas jurídicos de case-law, nos tempos recentes, o direito jurisprudencial puro é relativamente raro, já que ‘muito do direito jurisprudencial toma a forma de interpretações explicativas da lei’”. Ressalta, ainda, a existência de sistemas que não consideram os juízes como legisladores e suas decisões não podem ser aceitas como algo mais do que o Direito produzido pelo legislador; enquanto outros não têm essa característica. Assim, considera que os sistemas de common law não se confundem com os do civil law. Essa possibilidade de buscar maneira igual ou análoga aos casos que já tiveram um julgamento e solucionar os novos litígios baseados em precedentes proporciona efetividade jurídica, além de minimizar esforços. Corroborando com o desafogamento do Judiciário, o qual se apresenta com crescente número de demandas provocando um cenário desanimador, já que não ter como escoar com celeridade e eficácia o acervo de ações, submetidos ao Judiciário, provoca um clima de insegurança jurídica. De modo que, buscar novos modelos e mecanismos que facilitem a solução dos litígios é o novo desafio. Nesse contexto, pode-se falar do sistema jurídico inglês, o qual, adotando a técnica de precedentes ou da stare decisis, se baseia em decisões já proferidas em identidade de natureza e permite previsibilidade diante de uma controvérsia já solucionada, garantindo a segurança jurídica pretendida. Definir precedente é, portanto, ter em mente um caso concreto que já foi submetido ao 35. STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 93. 36. MACCORMICK, Neil. Retórica e o estado de direito. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 192. Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 99 Judiciário e teve decisão proferida devidamente fundamentada, a qual servirá de parâmetro em novas contendas análogas. Contudo, o núcleo meritório indicado na decisão deve mostrar-se com robustez e potencialidade argumentativa, que envolva o litígio para que possam atuar como paradigma, norteando condutas dos magistrados e jurisdicionados. Quando ocorrer do juiz desistir da linha jurisprudencial adotada por ele, é importante que justifique o motivo do seu desvio. Esta modalidade de ação é chamada de autorreferência, porquanto até mesmo a superação do precedente deve guardar riquezas de argumentação, bem fundamentada. Marinoni37 ensina que o precedente é a primeira decisão que elabora a tese jurídica ou é a decisão que definitivamente a delineia, deixando-a cristalina. Importante mencionar que o instituto do precedente não se confunde com jurisprudência. Já Didier38 entende que o precedente “é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior e casos análogos”, enquanto que a jurisprudência é a reiterada aplicação de um determinado precedente, podendo transformar-se em uma jurisprudência dominante, dada a prevalência da orientação. Caso essa jurisprudência seja sequencialmente aplicada, é provável que se transforme em Súmula, Orientação Jurisprudencial ou Precedente Normativo, no caso trabalhista. Portanto, um sistema de precedentes obriga o magistrado e os tribunais a fazerem referência aos julgados passados, qualquer descuido relacionado a não referência dos casos passados, inviabilizará o uso de precedentes. Afinal, a não observância dos precedentes gera um desequilíbrio entre a coerência e respeito aos tribunais e juízes inferiores e, consequentemente, se instala a insegurança jurídica. As decisões dos magistrados geram normas jurídicas de caráter geral e outra individual. A norma geral que tem como origem a jurisprudência, denominada de ratio decidendi, significa a exposição de ideias relativas aos fundamentos jurídicos essenciais que sustentam a decisão e tem efeito erga omnes. Considera-se que todos os sistemas jurídicos se mostram capazes de permitir mudanças, até mesmo no commom law, pois o regime de imutabilidade jurisdicional não é imune a modificações. No caso do Direito brasileiro, verificam-se inúmeras ações como as reformas processuais e constitucionais, na tentativa de uniformização do entendimento jurisprudencial, como se verifica no disposto no art. 475, § 3.º, do CPC/1973, e também no art. 103-A da CF/1988. 37. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentesobrigatórios. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2011. 38. DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2011. vol. II, p. 385. Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 100 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Outras fontes de proximidade ao sistema de precedente podem ser citadas, tais como: o art. 105 da CF/1988 no qual compete ao STJ a uniformização da jurisprudência sobre a lei federal; o art. 557 do CPC/1973 (decisão monocrática); o art. 285-A do CPC/1973; o art. 518, § 1.º, do CPC/1973. Esses modelos propiciam um vínculo com a decisão proferida por outras instituições ou mesmo em momento pretérito, como se observa no Direito inglês, por meio do sistema dos precedentes. Das semelhanças e divergências entre esses dois modelos, concluiu-se que a importação de precedentes ao direito brasileiro ocorreu por ter sido um instituto bem-sucedido no âmbito estrangeiro. 4.O ativismo judicial e a supremacia constitucional Observa-se a redemocratização crescente após a 2.ª Guerra Mundial, segundo Lenio Streck,39 percebe-se a formação de uma terceira forma de Estado de Direito. Os pilares do Direito Constitucional – os direitos fundamentais e a democracia – tomam espaço no corpo das grandes cartas constitucionais, que até então focavam no bem-estar de um estado intervencionista. No Brasil, este efeito é sentido na Constituição Federal de 1988, quando perpassa de Estado autoritário para um Estado Democrático de Direito, vislumbrando garantia de direitos sociais e fundamentais, observando-se três grandes mudanças de paradigmas: o reconhecimento da Constituição Federal como força normativa, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de novas categorias da interpretação constitucional. Após estes marcos, emergiu a constitucionalização do Direito e a judicialização das relações sociais, que proporcionaram a atitude ativista dos Ministros do STF. Destarte, para melhor compreender o ativismo judicial que é, em efeito, uma atitude, um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo seu alcance, torna-se necessário analisar a expansão da jurisdição constitucional e o fenômeno da judicialização.40 Tem relação direta com a ascensão do Poder Judiciário brasileiro, em face do novo modelo constitucional adotado de 1988, comungando com as modificações do Direito Constitu- 39. STRECK, Lenio apud LOPES, Bruno de Souza; KARLINSKI, José Gonçalves; CARDOSO, Tiago Cougo. Algumas considerações acerca do ativismo judicial. Disponível em: [www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?artigo_id=”8831&n_link=revista_ artigos_leitura]. Acesso em: 24.10.2015. 40. LOPES, Bruno de Souza; KARLINSKI, José Gonçalves; CARDOSO, Tiago Cougo. Op. cit. Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 101 cional fundadas na forma de pensar e na efetiva prática do Direito. Segundo Valle,41 em obra dedicada ao tema, alega sua ambiguidade, pois congrega caráter finalista e comportamental. O primeiro refere-se ao compromisso com a expansão dos direitos individuais, ao passo que no segundo prevalece a visão pessoal de cada magistrado na interpretação da norma constitucional. Complementa o autor dizendo que o parâmetro a ser utilizado para caracterizar uma decisão como sendo proveniente de ativismo ou não, reside em identificar a correta leitura do dispositivo constitucional e o controle de constitucionalidade, bem assim: “(...) consequentemente, o repúdio ao ato do poder legislativo – que permite a identificação do ativismo como traço marcante de um órgão jurisdicional, mas a reiteração dessa mesma conduta de desafio aos atos de outro poder, perante casos difíceis”.42 Apontar um caso como sendo de difícil solução é na verdade constatar as várias formas de interpretação da norma, as nuances existentes entre os princípios constitucionais, e, ainda, observar a inexistência de precedente judicial. É importante enfocar a contradição do tema sob a ótica de Ronald Dworkin e Hebert Hart. Dworkin43 afirma que a solução pode ser atingida com a utilização dos princípios e sua coerência com a justiça, equidade e devido processo legal adjetivo, sendo eles aplicados aos novos conflitos submetidos ao Judiciário de forma que cada pessoa tenha tratamento justo e equânime segundo as mesmas normas, in verbis: “(...) estruturado por um conjunto coerente de princípios sobre a justiça, a equidade e o devido processo legal adjetivo, e pede-lhes que os apliquem nos novos casos que se lhes apresentem, de tal modo que a situação de cada pessoa seja justa e eqüitativa segundo as mesmas normas. Esse estilo de deliberação judicial respeitada ambição que a integridade assume a ambição de ser uma comunidade de princípios”. Diferente é o pensamento de Herbert Hart,44 que afirma a divergência do seu entendimento com a teoria de Dworkin ao afirmar que em qualquer sistema jurídico haverá sempre situações jurídicas que não se enquadrarão em decisão 41. VALLE, Vanice Regina Lírio do. Ativismo jurisdicional e o Supremo Tribunal Federal. São Paulo: Juruá, 2009. p. 19. 42. Idem, p. 21. 43. DWORKIN, Ronald.O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 291. 44. HART, Hebert L. A.O conceito de direito. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. p. 335. Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 102 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 alguma ditada pelo Direito, deixando-o como sendo parcialmente indeterminado ou incompleto, que segue: “Se, em tais casos, o juiz tiver de proferir uma decisão, em vez de, como Bentham chegou a advogar em tempos, se declarar privado de jurisdição, ou remeter os pontos não regulados pelo direito existente para a decisão do órgão legislativo, então deve exercer o seu poder discricionário e criar direito para o caso, em vez de aplicar meramente o direito estabelecido pré-existente. Assim, em tais casos juridicamente não previstos ou não regulados, o juiz cria direito novo e aplica o direito estabelecido que não só confere, mas também restringe os seus poderes de criação do direito”. A discricionariedade é o ponto chave para solucionar os casos difíceis, até porque não se terá solução para todas as demandas que surjam, não podendo o juiz se valer, para um caso inédito, dos princípios, precedentes ou mesmo da lei, segundo Hart. Diferentemente do que defende Dworkin, no seu sentir, sempre será obtida a resposta no Direito, ou por meio da lei, ou princípios, mesmo que não escritos, impedindo a discricionariedade por completo. O ativismo judicial impulsiona a ascensão institucional do Poder Judiciário, de modo que não se isola como fenômeno único ou por decisão política. Induz o Poder Judiciário a ter uma atuação proativa, influenciando decisões política dos demais Poderes Estatais.45 Essa postura invasiva sofre críticas por parte de doutrinadores brasileiros, tais como Daniel Sarmento,46 que menciona “o ideário humanitário do neoconstitucionalismo, o qual aposta na possibilidade de emancipação pela via jurídica, através de um uso engajado da moderna dogmática constitucional”. Momento em que os direitos e garantias fundamentais alcançam um status jamais imaginado nessa nova fase, traduzindo-se como a base da estrutura lógica e de coerência da Constituição. Portanto, o neoconstitucionalismo assume função estrutural como sustentáculo do ativismo judicial na medida em que impõe a necessidade de proteção aos princípios constitucionais, principalmente em face da efetivação dos direitos e garantias fundamentais, de modo que o caráter de generalidade e abstratividade dos princípios contidos no corpo do Texto Constitucional propiciam a aplicação interpretativa que suplanta a simples letra da lei, priorizando a sua finalidade. 45. Ativismo judicial. Wikipedia. Disponível em: [https://pt.wikipedia.org/wiki/Ativismo_judicial]. Acesso em: 06.10.2015. 46. SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. In: FELLET, André Luiz Fernandes; PAULA, Daniel Giotti de; NOVELINO, Marcelo (org.). As novas faces do ativismo judicial. Salvador: JusPodivm, 2011. p. 56. Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 103 Enfim, o ativismo judicial, não se distanciando das mudanças ocorridas no âmbito do Direito Constitucional, interfere sobremaneira no modo de se pensar e no próprio Direito. O constitucionalista Luís Roberto Barroso47 afirma que tais mudanças podem ser compreendidas se forem analisadas no panorama histórico, filosófico e teórico, denominados, pelo autor, como os três marcos fundamentais da nova percepção da Constituição e de seu papel na interpretação em geral. De outra banda, a Constituição Federal é o primado normativo hierárquico de maior relevância, que apresenta dois sistemas jurídicos autônomos e independentes: o Direito Material, disciplinando as relações pessoais que estabelece regras de caráter geral e abstratas para o alcance da paz quando ocorre o conflito de interesses na satisfação das necessidades humanas e a escassez de bens satisfativos; e no outro vértice existe o Direito Processual, pelo qual o Estado exerce a sua jurisdição, dirimindo conflitos por meio da aplicação do Direito Material. A autocontenção judicial é o oposto do ativismo judicial. Isto porque em situações em que a Constituição não traz a norma expressa, os juízes evitam aplicá-la, aguardando uma atitude do Poder Legislativo. Da mesma forma, a declaração de inconstitucionalidade é feita através de critérios rígidos e conservadores, sem interferência na definição de políticas públicas. Em que pese a distinção entre o uso do precedente do common law no civil law, deixa-se margem a indagações acerca de suas aproximações e usos entre os dois sistemas. 5.O precedente judicial como fonte do direito e seus efeitos no novo CPC Nos dias atuais, diferentemente do que se tinha no século XIX, a lei sofreu perdas ao deslocar-se da posição nuclear de fonte do Direito, dando lugar à sua interpretação segundo o texto constitucional, numa adequação ao conteúdo dos direitos fundamentais. Assim, a função do juiz passa do modelo de aplicação irrestrita do texto da lei para assumir uma postura de interação desta com o texto constitucional, interagindo com os direitos fundamentais, propiciando a judicialreview, o controle da constitucionalidade das leis e dos atos normativos, diferentemente do que pregava Giuseppe Chiovenda48 no início do século XX, 47. BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista Atualidades Jurídicas – Revista Eletrônica do Conselho Federal da OAB. n. 4. jan.-fev. 2009. Disponível em: [www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf]. Acesso em: 06.10.2015. 48. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1969. vol. II, p. 37. Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 104 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 para quem o magistrado tinha esta atuação pautada exclusivamente na vontade concreta da lei “por meio de substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade concreta da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva”. Aponta Fredie Didier49 que nos dias atuais a jurisdição é vista como uma atividade criativa da norma jurídica aplicada ao caso concreto, podendo, inclusive, ser criada a própria regra abstrata reguladora do caso em análise. Segundo ele, a afirmação da vontade concreta da lei bem como a efetivação da mesma se dá através do Processo Civil, por ele conceituado como “o complexo dos atos coordenados ao objetivo da atuação da vontade da lei (com respeito a um bem que se pretende garantido por ela) por parte dos órgãos da jurisdição ordinária”.50 No Brasil são extraídos dos precedentes os seguintes efeitos, como resume Haroldo Lourenço:51 (a) persuasivo, que objetiva convencer o julgador, gerando uma solução razoável e socialmente adequada, à luz do art. 285-A do incidente previsto nos arts. 476 a 479 do CPC/1973, dos embargos de divergência (art. 546, do CPC/1973), bem como do recurso especial por dissídio jurisprudencial (art. 105, III, c, da CF/1988; (b) impeditivo ou obstativo da revisão das decisões, quando os precedentes impedem sua discussão através de recurso, como as súmulas do STJ ou do STF (art. 518, § 1.º, do CPC/1973), impedem o reexame necessário (art. 475, § 3.º do CPC/1973), impedem a revisão da matéria recursal, como se extrai do art. 557 do CPC/1973; (c) vinculante, quando alguns precedentes estão relacionados vinculam e, obrigatoriamente, devem ser observados, pois ostentam uma eficácia normativa.52 49. DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 11. ed. Salvador: JusPodivm, 2009. vol. I, p. 70. 50. CHIOVENDA, Giuseppe. Op. cit., p. 37. 51. LOURENÇO, Haroldo. Precedente judicial como fonte do direito: algumas considerações sob a ótica do novo CPC. Disponível em: [www.temasatuaisprocessocivil. com.br/edicoes-anteriores/53-v1-n-6-dezembro-de-2011-/166-precedente-judicial-como-fonte-do-direito-algumas-consideracoes-sob-a-otica-do-novo-cpc]. Acesso em: 01.10.2015. 52. Complementa, Haroldo Lourenço dizendo que no sistema da common law essa é a regra. As súmulas vinculantes, produzidas pelo STF (art. 103-A da CF/1988), de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terão efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 105 Como antes já ventilado, a doutrina sinaliza vantagens no uso do precedente tais como: segurança jurídica, previsibilidade, estabilidade tanto perante a jurisdição como perante a lei, coerência da ordem jurídica, garantia da atuação do juiz de forma imparcial, definição de expectativas, desestímulo à litigância, incentivo ao acordo entre as partes, racionalização do duplo grau de jurisdição, duração razoável do processo, economia processual e maior eficácia do Poder Judiciário. De outra banda, elencam-se inúmeras desvantagens: obstáculo ao desenvolvimento do Direito e ao surgimento de decisões adequadas às novas realidades sociais, óbice à realização da isonomia substancial, violação aos princípios da separação dos poderes, da independência dos juízes, do juiz natural e da garantia à justiça. Portanto, a teoria do precedente judicial e os institutos a ela inerentes foram incorporados no Novo Código de Processo Civil, tendo o referido diploma legal atribuído eficácia vinculante a determinados precedentes judiciais. Conclusão Ao deste trabalho acerca da Impactação dos Precedentes Judiciais como fonte de direito no novo CPC brasileiro no processo do trabalho, deduz-se que as mudanças que está sofrendo o ordenamento jurídico pátrio são fatos notórios, pois há uma tendência à influência do sistema do common law com introdução do stare decisis, na qual se define uma fundamentação aprofundada para que se aplique o precedente judicial no caso concreto. Contudo, deve existir coerência nos comandos jurídicos nacionais, assegurando um Estado Democrático de Direito pertinente e voltado para os interesses de toda a sociedade, na busca pela efetividade do Processo do Trabalho, concretizando os princípios e direitos fundamentais, além de proporcionar uma vida melhor ao trabalhador. Não se pode olvidar de que novo CPC tem um animus conciliador, buscando celeridade e eficiência, bem como evitando que a resolução dos litígios não se perpetue no tempo. Há, de fato, uma tendência do litigante em buscar a conciliação ao invés de ter uma postura inflexível, intransigente. A composição é a meta para propiciar a celebração de mais acordos entre as partes envolvidas, desestimulado a inserção de recursos para o segundo grau de jurisdição. Im- municipal. Observe-se que a súmula vinculante determina não só a norma geral do caso concreto, como impedem também o recurso. Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 106 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 portante mencionar que a previsibilidade quando da aplicação de precedentes é algo que inibe sentenças contraditórias quando aplicadas a casos concretos semelhantes donde poderia gerar uma insegurança jurídica. Observou-se que no âmbito do Processo do Trabalho é importante que se faça uso do Direito Processual comum, à exceção naquilo em que este for incompatível com aquele. A intenção do legislador em buscar a efetividade no Processo Civil por meio de reformas significativas para estampar a celeridade, em atenção ao clamor social, indo ao encontro do espírito informal e ágil no Processo do Trabalho, de maneira a concretizar os princípios fundamentais, sem esquecer a melhoria das condições sociais dos brasileiros, reprimindo as posturas socialmente repudiadas dos tomadores de serviços que lesam os direitos sociais trabalhistas de modo a impelir o Judiciário trabalhista a assumir posturas incisivas no papel de guardiã que a Justiça do Trabalho exerce na ordem justrabalhista. O ordenamento jurídico brasileiro guarda em elevado patamar o princípio do Direito, cuja máxima é a aplicabilidade da norma mais favorável à pessoa humana, como sendo verdadeiras cláusulas de direito fundamental, à luz do que dispõe o art. 5.º, § 2.º, da CF/1988, e em particular ao próprio indivíduo, como retrata o art. 7.º, caput, do mesmo dispositivo legal, sem ressalva constitucional acerca do que seja Direito Material ou Direito Processual, como alega Carlos Henrique Bezerra Leite.53 Será importante aos operadores do Direito fazerem valer todo o esforço desprendido na elaboração do NCPC para que tais mudanças se concretizem de fato e que em breve tais benefícios sejam notados, diante da nova realidade imposta ao processo, ou seja, atingir a efetividade da forma mais célere, tendo a concretude da reparação dos direitos violados, dignificando o indivíduo com razoável e efetiva imposição da duração e principalmente atingindo a celeridade em toda sua tramitação processual. Registre-se que não é somente o sistema da civil law que está se aproximando do sistema do common law, há relatos doutrinários que afirmam que países do common law, como a Inglaterra, têm buscado soluções para suas deficiências em técnicas adotadas em países da civil law.54 53. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. As recentes reformas do CPC e as lacunas ontológicas e axiológicas do processo do trabalho sob a perspectiva da efetividade do acesso a justiça. Revista da Academia Nacional de Direito do Trabalho. vol. 15. n. 15. p. 103-110. 2007. 54. GRECO, Leonardo. Op. cit., p. 4. Afirmando que no sistema da civil law existe referência à jurisprudência, bem como na common law há amplo uso da lei escrita: Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Atualidades 107 Enfim, o processo se coloca à disposição para novas experiências ocorridas em outros sistemas, propiciando um debate salutar entre eles, no qual se observa a evolução do instituto jurídico, vislumbrando coerência entre o ordenamento legislativo positivado e o que é produzido nos Tribunais, de modo que a criação do novo CPC se justifica por adaptar aos poucos mudanças necessárias, aproveitando o momento para regulamentar o tema com eficácia vinculante. O NCPC representa grande avanço, uma vez que se tentou dar uma roupagem mais didática, de fácil interpretação, e, sobretudo, com a simplificação de procedimentos, incorporando valores constitucionais. A população brasileira foi presenteada com um diploma legal voltado à solução de demandas com maior celeridade, comprometido com efetividade. Sinalize-se que, lamentavelmente, o novo instituto pecou acerca das ações coletivas, porque a proposta da Comissão de Juristas lançada no projeto do novo CPC se mostrava vanguardista, corrigindo, inclusive, distorções de que foram vítimas a ação civil pública e o Código de Defesa do Consumidor. Conclui-se, portanto, que o processo laboral foi palco de experiência favorável à simplificação dos procedimentos, em prol da celeridade e efetividade, sem que tais condutas trouxessem riscos à segurança jurídica dos litigantes em suas demandas trabalhistas. Referências ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. Anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Disponível em: [www.senado. gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf]. Acesso em: 09.11.2015. ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro:os precedentes dos tribunais superiores e sua eficácia temporal. Curitiba: Juruá, 2012. 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Estudos Nacionais 113 O teletrabalho, o direito à desconexão do ambiente de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática The telework, the right of disconnection from the working environment and possible inhibition means of practice Daniela Favilla Vaz de Almeida Pós-Graduada em Direito Privado pela Universidade Candido Mendes (2007); em Direito do Trabalho pela Universidade Anhanguera – Uniderp (2011); e em Direito de Empresa pelo CAD em parceria com a Universidade Fumec (2015). Analista Judiciário do TRT-3.ª Reg. [email protected] Lorena de Mello Rezende Colnago Mestre em Processo. Pós-Graduada em Direito Processual do Trabalho, Direito do Trabalho e Previdenciário. Membro do Ipeatra e da REDLAJ. Juíza do Trabalho. Professora. [email protected] Área do Direito: Trabalho Resumo: O presente trabalho busca apresentar um panorama sobre o teletrabalho e, por conseguinte, a problemática que envolve o direito do empregado à desconexão do ambiente de trabalho, principalmente quando esse se desenvolve em sua própria residência, local por excelência, destinado ao descanso e convívio familiar. Abstract: This study aims to present an overview of telework and therefore the issue involving the right of the employee to the disconnection of the working environment, especially when it develops in his own residence, place par excellence, for the rest and family life. Palavras-chave: Teletrabalho – Trabalho em re- Keywords: Telework – Residente work – Disconnection of the working environment. sidência – Desconexão do ambiente de trabalho. Sumário: 1. Introdução. 2. Conceitos, modalidades e características do teletrabalho. 3. Trabalho à distância, teletrabalho e trabalho a domicílio. 4. A jornada de trabalho do teletrabalhador. 5. O direito à desconexão do ambiente de trabalho. 6. Considerações finais. 7. Referências. Almeida, Daniela Favilla Vaz de; Colnago, Lorena de Mello Rezende. O teletrabalho, o direito à desconexão do ambiente de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 113-126. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 114 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 1.Introdução A rotina tradicional dos trabalhadores, que engloba o deslocamento diário até a empresa e seu retorno, em algumas profissões está prestes a terminar. No mundo moderno, frente às novas tecnologias de informação e de telecomunicação, além das inúmeras ferramentas telemáticas de controle, surgiram novas formas de organização do trabalho que se amoldaram às atuais necessidades da transformada sociedade de massa, que vive no caos das grandes cidades, sendo uma delas o teletrabalho. Permeado dos conceitos clássicos de trabalho, acrescido do fato de poder ser realizado fora das dependências e da vista do empregador, o teletrabalho tornou-se, rapidamente, uma forma relevante de trabalho do mundo contemporâneo, sendo bastante atrativo sem que o trabalho ofertado tenha qualquer prejuízo de qualidade ou produção, uma vez que o contato com o empregador permanece, ante a utilização essencial de tecnologias de informática para o desenvolvimento da atividade. Dessa forma, o presente trabalho tem por objetivo analisar os conceitos, características e modalidades de teletrabalho, as peculiaridades do trabalho em residência, o direito à desconexão do ambiente de trabalho e por fim, ressaltar a importância do descanso físico e mental do empregado, enfocando a legislação vigente acerca do assunto. A preocupação com esta temática advém da constatação da elevação do número de trabalhadores que exercem sua atividade profissional, com vínculo empregatício, em suas próprias residências ou em outros locais, distintos do estabelecimento empresarial. Além disso, a discussão sobre o limite de trabalho imposto aos teletrabalhadores e o direito à desconexão do ambiente de trabalho são assuntos discutidos de maneira aquém da importância do assunto, sendo certo que, o debate jurídico-social auxiliará, demasiadamente, o amadurecimento da importância de se respeitar o descanso de um teletrabalhador, seja para garantir a sua dignidade de pessoa humana, seja para permitir a sua inserção social, seja para preservar a sua saúde. 2. Conceitos, modalidades e características do teletrabalho A Revolução Tecnológica permitiu uma maior e constante comunicação entre empregado e empregador, ainda que o trabalho seja executado fora das dependências da empresa. Pode-se dizer que a criação de ferramentas, tais como: fax, e-mail, Internet, Skype, celular, bem como, a gradual redução do custo tecnológico aliado com o aumento exponencial do processamento de dados, Almeida, Daniela Favilla Vaz de; Colnago, Lorena de Mello Rezende. O teletrabalho, o direito à desconexão do ambiente de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 113-126. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Nacionais 115 frutos do desenvolvimento dos microprocessadores, foram fatores essenciais, não só para o surgimento, mas para a consolidação dessa nova forma de organização do trabalho. No que concerne ao conceito de teletrabalho, importante pontuar que, dentro da doutrina, não há um consenso, sendo um tema ainda em constante evolução e construção. Como o próprio nome sugere, teletrabalho, em seu sentido etimológico, significa “trabalho à distância”. Hodiernamente, se apresenta por diversas nomenclaturas, dentre elas, trabalho remoto, trabalho periférico, telecommuting, telework e o conhecido home office, sendo “a atividade do trabalhador desenvolvida total ou parcialmente em locais distantes da rede principal da empresa, de forma telemática”.1 Especificamente sobre o trabalho fora do ambiente da empresa, dispõe a Convenção 177 da Organização Internacional do Trabalho que: “Trabalho a domicílio significa trabalho realizado por uma pessoa, na sua residência ou em outro local que não seja o local de trabalho do empregador, remunerado, resultando num produto ou serviço especificado pelo empregador, independentemente de quem provê o equipamento, materiais ou outros insumos, a não ser que esta pessoa tenha o grau de autonomia e independência econômica para ser considerado trabalhador independente segundo as leis nacionais”.2 E, dentre os mais variados conceitos e definições de teletrabalho, depreende-se que algumas características são comuns a todos, tais como, trabalho realizado por um empregado em local distinto do empregador, mediante contraprestação pecuniária, utilizando-se de mecanismos de transmissão ou processamento de dados e com objetivo de elaborar um produto ou prestar um serviço conforme as especificações do empregador, independente de quem proporciona o equipamento, os materiais ou outros elementos utilizados para tanto. A quantidade expressiva de conceitos sobre teletrabalho é fruto da pouca maturidade que se tem sobre o assunto. No entanto, percebe-se que a maioria dos conceitos já possuem pontos consensuais, o que permite visualizar uma convergência de opiniões formadas sobre o teletrabalho. 1. SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. O teletrabalho. Revista de Legislação do Trabalho LTr. vol. 64. n. 5. p. 583. São Paulo: LTr, maio 2000. 2. FERREIRA, José Carlos. Aspectos econômicos e sociais do teletrabalho. Disponível em: [www.sobratt.org.br/cbt2006/pdf/jose_carlos_ferreira.pdf]. Acesso em: maio 2015. Almeida, Daniela Favilla Vaz de; Colnago, Lorena de Mello Rezende. O teletrabalho, o direito à desconexão do ambiente de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 113-126. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 116 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Sobre a natureza jurídica do teletrabalho, importante dizer que, o contrato de teletrabalho pode admitir a natureza civil, comercial e trabalhista.3 Dessa forma, a sua natureza jurídica é complexa, pois sempre dependerá do conteúdo obrigacional da prestação, decorrendo do fato de encontrar-se à disposição do contratante uma gama de procedimentos jurídicos que são utilizados para a contratação do teletrabalho, sendo que, em qualquer das modalidades apresentadas, o teletrabalho poderá ser prestado tanto de forma autônoma, como de forma subordinada. A subordinação é um elemento essencial para a caracterização da relação de emprego, onde o empregador controla, dirige e fiscaliza a prestação de serviço de seu empregado (arts. 2.º e 3.º da CLT). Por outro lado, a forma autônoma se caracteriza quando o empregado trabalha por conta própria e com assunção de seus próprios riscos. E, sendo o teletrabalho uma nova forma flexível de organização do trabalho, cujas características demonstram um modo peculiar de subordinação jurídica, com a inserção plena do trabalhador na atividade produtiva, surge, conceitualmente, a subordinação estrutural. Essa criação doutrinária e jurisprudencial, que motivou a alteração legislativa do art. 4.º da CLT, busca reconhecer a relação de emprego de determinados trabalhadores que se encontram em um limbo, como é caso do teletrabalhador. Portanto, têm-se que a subordinação estrutural se manifesta por meio da “inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento”,4 não necessitando da presença física das partes para se aferir probatoriamente este importante requisito da relação de emprego. Com relação ao local da prestação dos serviços, o teletrabalho pode se apresentar em domicílio, em telecentros, pode ser nômade ou transnacional. A diferença essencial entre eles é que o trabalho em telecentros (centro satélite ou centro local de telesserviço) é aquele realizado em um espaço devidamente preparado para o desempenho do teletrabalho, que podem ou não pertencer à empresa. O trabalho nômade, também chamado de móvel, por sua vez, é aquele em que o teletrabalhador não tem local fixo para a prestação dos serviços,5 tal como, o vendedor externo. Já o teletrabalho transnacional é aquele realiza- 3. Cf. ALVES, Rubens Valtecides. Natureza jurídica do teletrabalho no Brasil. In: Diritto it. Diponível em: [www.diritto.it/docs/30998-natureza-jur-dica-do-teletrabalho-no-brasil]. Acesso em: maio 2015. 4. DELGADO, Maurício Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho. Revista LTr. vol. 70. n. 06. p. 667. São Paulo: LTr. 5. CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; e NETO, Francisco Ferreira Jorge. O fenômeno do teletrabalho: uma abordagem jurídica trabalhista. Disponível em: [http:// Almeida, Daniela Favilla Vaz de; Colnago, Lorena de Mello Rezende. O teletrabalho, o direito à desconexão do ambiente de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 113-126. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Nacionais 117 do por trabalhadores situados em países distintos, com trocas de informações e elaboração de projetos em conjunto. Por fim, o trabalho em domicílio, que corresponde ao trabalho tradicional realizado na própria residência do empregado ou em qualquer outro local por ele escolhido. 3.Trabalho à distância, teletrabalho e trabalho a domicílio Inicialmente, pensa-se que falar de trabalho à distância, teletrabalho ou trabalho em residência significa falar de coisas sinônimas. Porém, o estudo minucioso sobre o aspecto, permite concluir diferenças importantes e caracterizadores da cada um dos institutos. Verifica-se que o trabalho à distância é o gênero do qual defluem as demais espécies, sendo uma delas o teletrabalho.6 Além disso, o trabalho em residência ou a domicílio também é espécie desse mesmo gênero, porém encontra regulamentação originária no texto celetista até o advento da Lei 12.551, de 15.12.2011, que inseriu a previsão legal para o teletrabalho no Brasil. E, mesmo sendo espécies do mesmo gênero – trabalho à distância –, tanto o trabalho em domicílio quanto o teletrabalho possuem distinções marcantes que os particularizam. “(...) O teletrabalho distingue-se do trabalho a domicílio tradicional não só por implicar, em geral, a realização de tarefas mais complexas do que as manuais, mas também porque abrange setores diversos como: tratamento, transmissão e acumulação de informação; atividade de investigação; secretariado, consultoria, assistência técnica e auditoria; gestão de recursos, vendas e operações mercantis em geral; desenho, jornalismo, digitação, redação, edição, contabilidade, tradução, além da utilização de novas tecnologias, como informática e telecomunicações afetas ao setor terciário.”7 O trabalho em domicílio é aquele desenvolvido na residência do empregado, sendo uma modalidade de trabalho à distância mais restrita sob a óptica do local de trabalho, enquanto o teletrabalho ou trabalho desenvolvido por meios telemáticos é uma forma de exercício das funções cotidianas laborais em qualquer lugar do globo terrestre que permita uma conexão com a Internet ambito-juridico.com.br/site/?n_link=”revista_artigos_leitura&artigo_id=11504#_ ftn5].” Acesso em: maio 2015. 6. Cf. SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. Op. cit., p. 583-597. 7. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2010. Almeida, Daniela Favilla Vaz de; Colnago, Lorena de Mello Rezende. O teletrabalho, o direito à desconexão do ambiente de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 113-126. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 118 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 e o acesso aos meios de comunicação telemáticos – celular, rádio, pager, bip, Skype, WhatsApp, e-mail, dentre outros que ainda podem surgir. 4. A jornada de trabalho do teletrabalhador Atualmente, após a promulgação da Lei 12.551/2011 que conferiu nova redação para o art. 6.º da CLT, para fins da caracterização da subordinação, não existe mais qualquer distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado à distância, sendo que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão foram equiparados aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. Essa equiparação em termos de regulamentação do trabalho atraiu as consequências jurídicas decorrentes do vínculo empregatício referentes ao controle da jornada de trabalho. Nos termos do art. 62, I, da CLT o empregado que trabalha de modo externo e sem controle é excluído da regulamentação celetista referente à duração do trabalho, ou seja, não tem direito à percepção de horas extras. Se a atividade exercida pelo empregado for incompatível com a fixação de horário de trabalho, considerando que a natureza da atividade desempenhada traga dificuldade intransponível para a aferição da jornada pelo empregador, desde que devidamente consignada essa situação na CTPS do empregado, estaria caracterizada a excludente prevista na lei trabalhista, para o não pagamento de horas extras.8 A prática nos mostra que os meios telemáticos e informativos de comando, visam, além de direcionar a prestação de serviços, também controlar o volume de horas trabalhadas. Demonstrada processualmente essa hipótese, o empregado faz jus ao recebimento de horas extras. São exemplos cotidianos: empregado submetido a uma jornada diária pré-estabelecida pelo empregador; empregado que tem a obrigação de ficar à disposição do empregador, de forma on-line, retornado qualquer contato instantaneamente; empregado que precisa executar tarefa com prazo determinado pelo empregador; empregado com carga diária de tarefas repassadas pelo empregador em forma de roteiro; empregador com acesso remoto a programa de controle de jornada do empregado, dentre outras. Conforme se observa, os meios telemáticos e informatizados de controle permitem que os empregados trabalhem cumprindo jornadas controladas, 8. Cf. RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de direito do trabalho. 9. ed., rev. e atual. 4. tir. Curitiba: Juruá, 2005. Almeida, Daniela Favilla Vaz de; Colnago, Lorena de Mello Rezende. O teletrabalho, o direito à desconexão do ambiente de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 113-126. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Nacionais 119 mesmo que estejam fora das dependências do empregador, tendo, portanto, direito às horas laboradas além do limite constitucional (art. 7.º, XIII, da CF/1988) ou negocial, coletivo (acordos e convenções coletivas) ou individual (contrato de trabalho). 5.O direito à desconexão do ambiente de trabalho O homem é um ser social, já dizia Hobbes,9 por isso parcela de sua dignidade está intrinsecamente relacionada com o tempo potencial de convívio em sociedade – família, amigos e membros da comunidade mais próxima –, ao trabalhar o homem é naturalmente ceifado deste convívio, agregando-se ao mundo ou comunidade do trabalho, que é outra parcela de sua dignidade humana (art. 1.º, III, da CF/1988). Assim, para considerar-se completo ele deve ter, ao menos em potencial, tempo para o trabalho e tempo para a desconexão do trabalho, manifestado pelos intervalos dos arts. 66 e 71 da CLT, além do repouso hebdomandário constitucional (art. 7.º, XV, da CF/1988). Quando o empregador reduz esse tempo, utilizando ou não a tecnologia para demandar o trabalhador em seu tempo livre, ele impede a desconexão ao trabalho fazendo com que o indivíduo perca o período biológico necessário para a recomposição de sua saúde física e mental. Descansar, após exposto a determinado desgaste, é essencial para higidez física e mental de qualquer ser humano, sendo requisito para proporcionar uma saúde integral ao homem – físico, social e psíquico (conceito da OMS),10 ao qual acrescentamos a dimensão espiritual. Sendo assim, é inerente a todo e qualquer empregado o direito de se desconectar, de se desligar do ambiente de trabalho, a fim de melhor interagir com a família, com amigos, ou mesmo consigo próprio – momentos de estímulo cerebral distintos das tarefas rotineiras do trabalho, o que irá proporcionar maior disposição ao empregado, além do aumento de sua criatividade, melhora do humor, maior concentração no retorno ao trabalho, dentre outros benefícios que serão revertidos em favor do próprio empregador. Frisa-se novamente que o afastamento biológico e mental das atividades laborais proporciona ao empregado o descanso salutar para a compensação 9. HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Primeira Parte: do homem. n. 13 e 14. São Paulo: Martin Claret, 2007. 10. FERRAZ, Flavio Carvalho; SEGRE, Marcos. O conceito de saúde. Revista de Saúde Pública. vol. 31. n. 5. São Paulo, out. 1997. Disponível em: [http://dx.doi.org/10.1590/ S0034-89101997000600016]. Acesso em: 01.06.2012. Almeida, Daniela Favilla Vaz de; Colnago, Lorena de Mello Rezende. O teletrabalho, o direito à desconexão do ambiente de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 113-126. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 120 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 do desgaste físico e psíquico gerado pelo trabalho, proporcionando sua revigoração, o que também propicia tempo de fruição de convivência familiar e períodos de lazer, considerando sua natureza humano-social11 que o distingue enquanto ser pensante e emocional dos demais seres vivos. O direito à desconexão do ambiente de trabalho está intrinsicamente relacionado com os direitos fundamentais relativos às normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, bem como o direito à limitação da jornada, ao descanso, às férias, à redução de riscos de doenças e acidentes de trabalho, todos previstos na Constituição Federal, (arts. 6.º e 7.º), além do direito à intimidade e à vida privada (art. 5.º, V e X, da CF/1988). (...) O trabalhador tem direito à “desconexão”, isto é, a se afastar totalmente do ambiente de trabalho, preservando seus momentos de relaxamento, de lazer, seu ambiente domiciliar, contra as novas técnicas invasivas que penetram na vida íntima do empregado.12 Todavia, o direito à desconexão do ambiente de trabalho, tão caro, encontra-se, constantemente abalado quando o empregado é obrigado a suportar um excesso de trabalho incompatível com a jornada contratual ou quando é obrigado, após o término do horário de trabalho, a portar ou a estar perto de qualquer tipo de aparelho eletrônico em que possa ser acionado pelo empregador, tanto para trabalhar, quanto para resolver problemas imediatos. O Poder Judiciário atento à problemática vem firmando jurisprudência no sentido de reconhecer que o trabalho em jornadas extensivas, no qual o empregado é impedido de se desconectar de seu ambiente de trabalho, é muito mais do que um mero caso de pagamento de horas extras e, sim, a ocorrência de dano existencial na vida do empregado. Nesse sentido, cita-se o voto proferido pelo Des. Luiz Otavio Linhares Renault, do TRT-3.ª Reg., que tratou do dano existencial, gerado pela ausência de convívio familiar, senão vejamos: “Dano existencial – ‘O Direito do Trabalho é reconhecidamente instrumento de justiça social, historicamente sistematizado para se buscar a efetivação do direito à igualdade entre o capital e o trabalho, humanizando esta relação que é tão desigual. As mudanças sociais, econômicas e políticas elevaram a pessoa humana ao centro do ordenamento jurídico, entendendo que o valor da dignidade humana é início e fim de tutela do Direito. Nesta perspectiva, mudou-se a metodologia de tutela, passando o Direito a se (re)orientar, a fim de buscar 11. HOBBES, Thomas. Op. cit. 12. VÓLIA, Bomfim Cassar. Direito do trabalho. 6. ed. Niterói: Impetus, 2012. p. 660. Almeida, Daniela Favilla Vaz de; Colnago, Lorena de Mello Rezende. O teletrabalho, o direito à desconexão do ambiente de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 113-126. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Nacionais 121 a efetivação da tutela da pessoa humana. Com esse objetivo, a metodologia de estudo do dever de reparar sofreu impactos da elevação da pessoa ao centro do ordenamento jurídico, passando, então, a tutelar a proteção dos danos patrimoniais e extrapatrimonais, dentre eles, o dano existencial. Defendemos, por conseguinte, que o dano existencial constitui uma afronta à dignidade da pessoa humana, culminando no desrespeito à solidariedade social, ao ter como consequência um dano injusto que afeta a existência digna do sujeito. O dano existencial restringe a existência do trabalhador, ao limitar a sua liberdade de se autodeterminar socialmente. No plano do Direito do Trabalho, o dano existencial, provocado, por exemplo por jornadas exaustivas, trabalho análogo à condição de escravo e por acidentes do trabalho, obriga o trabalhador a se (re)orientar socialmente, limitado que foi em sua liberdade. O empregador interfere diretamente nas relações sociais do empregado, ao desrespeitar a sua dignidade, causando-lhe o dano existencial. Com efeito, o dano existencial é autônomo em relação dano moral, que afeta a subjetividade da pessoa humana, e assim, deve ser reparado de forma distinta. Descabe o entendimento, segundo o qual o dano existencial e o dano moral são sinônimos, pois se trata de restringir a tutela à pessoa humana, o que se mostra contrário à normativa constitucional. O reconhecimento do dano existencial e a sua reparação pelo Direito do Trabalho constituem exercício de resistência contra (...) ‘uma colonização do mundo da vida pelo imperativo do trabalhado, que, ao absorver as categorias da existência, constrói personalidades metamorfoseadas de acordo com as condições históricas e alienadas, antissolidárias e concorrenciais do mundo do trabalho’. Assim, por meio do reconhecimento do dano existencial, o Direito do Trabalho amplia o seu espectro de proteção, caminha rente à realidade e à pulsação da vida, e reconhece o dever de respeito às condições dignas de trabalho, fazendo cumprido o seu papel de dignificação, bem como de realização da pessoa humana pelo trabalho’ (OLIVEIRA, Ariete Pontes de; e RENAULT, Luiz Otávio Linhares. O dever de reparar o dano existencial no plano do direito do trabalho. In: Direitos do trabalhador: teoria e prática: homenagem à Professora Alice Monteiro de Barros. Belo Horizonte: RTM, 2014. p. 98-99)”.13 O dano existencial é uma subespécie de lesão aos bens imateriais do indivíduo que está intimamente relacionado à jornada de trabalho praticada e à sua elasticidade, em violação às normas trabalhistas.14 Como observado, essa violação tem como primeira consequência o pagamento da hora acrescida do 13. TRT-3.ª Reg. RO 0001073-93.2014.5.03.0135. Bradesco Vida e Previdência S.A. x Mirielli Miranda Ventura. 1.ª T. j. 22.05.2015. Rel. Des. Luiz Otavio Linhares Renault. 14. Cf. COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. Sustentabilidade humana: limitação de jornada, direito à desconexão e o dano existencial. In: COLNAGO, L. M. R.; ALAlmeida, Daniela Favilla Vaz de; Colnago, Lorena de Mello Rezende. O teletrabalho, o direito à desconexão do ambiente de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 113-126. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 122 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 adicional mínimo de 50% ou outro mais benéfico previsto em norma coletiva. Caso a prática torne-se sistemática e extenuante, o ordenamento pátrio previu a tipificação da conduta do empregador como crime – art. 149, caput, do CP, alterado pela Lei 10.803, de 11.12.2003: “Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei 10.803, de 11.12.2003). Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei 10.803, de 11.12.2003)”.15 Assim, no atual conceito de trabalho em condições análogas a escravo, que ultrapassa os limites do trabalho forçado previsto nas Convenções 29 e 105 da OIT, o legislador pátrio inseriu a jornada extenuante que viola a dignidade humana do indivíduo, sendo esse, outro aspecto ou consequência legal, da jornada exaustiva. Por fim, surge no direito civil a reprimenda com fins pedagógicos a essa prática nociva à saúde do trabalhador, que é a configuração do dano existencial causado pela jornada extenuante, incluindo a jornada praticada no teletrabalho, como uma faceta da lesão individual causada pelo empregador em violação e abuso às normas do trabalho referentes à limitação de sua duração (art. 7.º, XIII e XVI, da CF/1988, arts. 2.º, 58, 59 e 157 da CLT). Essa conduta, no âmbito civil atrai a incidência dos arts. 186, 187 e 422 do CC/2002, que versam sobre o ato ilícito ou abusivo e a função social do contrato, sendo o contrato de trabalho um tipo especial de contrato, deve seguir sua regulamentação, observando os princípios gerais contratuais quando houver compatibilidade (art. 8.º, parágrafo único, da CLT). Nesse mister, a violação aos limites da duração do trabalho quando sistemática e extenuante pode afetar o ser humano como cidadão e ser social, em seus projetos de vida. E para coibir essa prática degradante surge na doutrina pátria o chamado dano existencial. O dano existencial distingue-se do dano moral na medida em que atinge um aspecto público do indivíduo, ou seja, sua relação com outros seres, com o mundo social, enquanto o dano moral consiste na lesão ao patrimônio imaterial interno da pessoa. VARENGA, R. Z. Direitos humanos e direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2013. p. 170-184. 15. BRASIL. Congresso Nacional. Código Penal. Disponível em: [www.planalto.gov.br/ ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm]. Acesso em: 01.07.2012. Almeida, Daniela Favilla Vaz de; Colnago, Lorena de Mello Rezende. O teletrabalho, o direito à desconexão do ambiente de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 113-126. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Nacionais 123 Pode-se afirmar que a Lei Maior abarca tanto o dano moral como o existencial no art. 5.º, V e X. Essa lesão não se confunde com o dano estético, que é a proteção concedida aos aspectos físicos da pessoa em sua integralidade (art. 5.º, V, da CF/1988 e Súmula 387 do STJ). Portanto, essa nova categoria de lesão vem agregar-se às demais para imprimir um caráter pedagógico à conduta lesiva ao patrimônio imaterial e interpessoal do indivíduo, na tentativa de restabelecer o equilíbrio do ser social, em atenção ao novel aspecto do direito à saúde e à participação equilibrada do homem junto ao meio ambiente, a sustentabilidade humana,16 que advém da eficácia horizontal do direito que todo indivíduo tem de ser respeitado como pessoa inserida na biota, ou seja, como destinatário de direitos humanos reconhecidos na Lei Fundamental. Portanto, impedir o empregado de se desconectar do ambiente de trabalho telemático, caracteriza a ocorrência de dano existencial, porquanto a conduta do empregador compromete a liberdade de escolha do empregado, frustrando projetos de vida pessoal, na medida em que não lhe sobra tempo para outras atividades, que não o trabalho, causando-lhe doenças mentais, por vezes irreversíveis. 6. Considerações finais Diante das grandes evoluções tecnológicas, o teletrabalho, como forma de organização do trabalho, explorada não só no Brasil, mas em toda parte do mundo, passou a ser uma realidade constante do mundo do trabalho. Se por um lado as vantagens são inúmeras, tanto para o empregado quanto para o empregador, há que se ressalvar, com bastante cautela, as desvantagens trazidas por essa nova forma de organização do trabalho. Dentre elas, a ausência de desconexão do ambiente de trabalho, quando o empregado é obrigado a suportar um excesso de trabalho incompatível com a jornada contratual ou quando é obrigado, após o término do horário de trabalho, a portar ou a estar perto de qualquer tipo de aparelho eletrônico em que possa ser acionado pelo empregador, tanto para trabalhar, quanto para resolver problemas imediatos. O desrespeito ao direito da desconexão do ambiente de trabalho gera prejuízos ao empregado, tanto no que ser refere à sua saúde física e mental, pois frustra a revigoração de seu corpo e mente, quanto no seu convívio social e familiar. 16. Cf. COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. Op. cit., p. 170-184. Almeida, Daniela Favilla Vaz de; Colnago, Lorena de Mello Rezende. O teletrabalho, o direito à desconexão do ambiente de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 113-126. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 124 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Se por um lado não há dúvida de que o trabalho é essencial na vida de um indivíduo, por outro não se pode permitir que surja uma nova forma de organização de trabalho que escravize o trabalhador dentro de sua própria residência. A tecnologia nasce e se reinventa todos os dias com o único propósito de facilitar a vida do homem. Por isso, não há espaço para conceber que meios informatizados e telemáticos de controle, essenciais para o desenvolvimento do trabalho remoto, possam também, escravizar um empregado, na medida em que lhe prive de descanso, saúde, lazer, vida em sociedade, vida íntima e privada. E, se já houve espaço para justificar o excesso de trabalho, diante da inviabilidade de fiscalização, hoje tal alegação não é plausível. A tecnologia, cada dia mais, vem permitindo ao empregador efetiva fiscalização dos teletrabalhadores, motivo pelo qual há um crescente número de empresas aderindo ao teletrabalho. Portanto, resguardar o direito do empregado à desconexão ao ambiente de trabalho telemático é cada dia mais de responsabilidade do empregador, em razão de sua função socioambiental (art. 170 da CF/1988). 7.Referências ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. O teletrabalho e a subordinação estrutural. Disponível em: [http://jus.com.br/artigos/26377/o-teletrabalho-e-a-subordinacao-estrutural/1]. 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RT, maio-jun. 2016. 127 A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores The union´s representability crisis and the possibility of the company committee starting strikes as a way of enforcing the fundamental rights of the workers Gabriel Henrique Santoro Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestrando em Direito do Trabalho pela PUC-SP. Professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho do Complexo Educacional das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU. Advogado. [email protected] Área do Direito: Trabalho; Constitucional Resumo: O presente estudo não pretende abordar a celeuma acerca de classificações doutrinárias ou definições precisas a respeito da representação dos trabalhadores no local de trabalho e sua participação no dia a dia dos empregados. Pelo contrário, o ensaio ora proposto busca demonstrar que qualquer ente que represente de fato os trabalhadores possui legitimidade para representá-los junto aos empregadores, podendo, inclusive, deflagrar greve, caso não sejam acolhidas as principais reivindicações dos representados. Desta feita, serão analisados institutos fundamentais dentro do modelo sindical brasileiro, tais quais: a unicidade sindical; a representatividade das entidades sindicais; a greve; as Comissões de Empresas; e os direitos fundamentais dos trabalhadores. Após todas as ponderações necessárias, o objetivo deste trabalho é sugerir uma alternativa aos empregados para que eles possam ser representados em situações que envolvam a coletividade por aquele ente que de fato os representa. Abstract: The unions’ representability crisis and the possibility of the Company Committee starting strikes as a way of enforcing the fundamental rights of the workers. This essay shall not approach the discussion about the precise doctrinal qualifications or definitions regarding the representation of workers in their work environments and its participation on their routine. On the contrary, the proposed essay aims to point out the legitimacy that any representative has to represent the workers before their employers, being even able to suggest strikes in case their main conditions are not respected. In that sense, the essay shall analyze fundamental precepts within the Brazilian union model, including union individuality, unions’ relevance, strikes and the effectiveness of the worker´s, Company Committee and fundamental rights. After all considerations, this essay’s outcome is to propose an alternative to employees, so they can be represented by the legitimate representative in situations that involve their entire category. Santoro, Gabriel Henrique. A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 127-138. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 128 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Palavras-chave: Greve – Comissão de empresa – Representatividade sindical – Direitos fundamentais. Keywords: Strikes – Company Committee – Union representability – Fundamental rights. Sumário: 1. Introdução. 2. A questão da liberdade sindical no Direito brasileiro e a crise de representatividade das entidades sindicais. 3. A Comissão de Empresa como alternativa à representação dos sindicatos. 4. A greve como direito fundamental dos trabalhadores. 5. Conclusão. 6. Referências bibliográficas. 1.Introdução Pode-se dizer que o estalo inicial para elaboração do presente estudo foi a greve dos garis no Rio de Janeiro no ano de 2014. Naquela ocasião, por não se sentirem representados por sua entidade sindical, os garis se insurgiram e não obedeceram ao comando de greve, uma vez que rechaçavam o acordo feito pelo sindicato profissional e, assim, não voltaram ao trabalho após a celebração do acordo realizado com a empresa. E tal irresignação fez sentido, se levarmos em consideração que o acordo realizado pelo sindicato da categoria dos garis em 03.03.2014 previa aumento de 9% do salário base e de 33,33% do vale alimentação. Já o acordo realizado pela comissão dos representantes dos trabalhadores em 08.03.2014 logrou um aumento de 37% do salário base e de 66,66% do vale alimentação. A diferença é inquestionável e leva à conclusão de que o sindicato não atuava adequadamente na defesa dos interesses da categoria.1 Tamanha a repercussão do movimento que o então Secretário-chefe da Casa Civil do Município do Rio de Janeiro Pedro Paulo disse que “a greve foi um aprendizado para a Prefeitura, que entendeu sobre a necessidade de negociar de maneira mais ampla com os trabalhadores”.2 1. Conforme análise de José Carlos de Carvalho Baboin publicada na Revista Eletrônica Conjur. A legitimidade da comissão dos representantes dos trabalhadores o caso da greve dos garis no Rio de Janeiro em 2014. Disponível em: [www.conjur.com. br/2014-mar-18/jose-carlos-baboin-greve-garis-rj-foi-passo-importante-democracia]. Acesso em: 21.11.2015. 2. Garis conquistam reajuste de 37% e encerram greve no Rio. Rede Brasil Atual. Disponível em: [www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2014/03/garis-conquistam-piso-salarial-de-r-1-100-e-encerram-greve-no-rio-8129.html]. Acesso em: 21.11.2015. Santoro, Gabriel Henrique. A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 127-138. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Nacionais 129 Semelhante situação pode ser verificada nos Dissídios Coletivos 000630010.1998.5.15.0000 e 20142200200002002, nos quais a categoria dos trabalhadores deflagrou o movimento grevista sem a participação da entidade sindical justamente por não se sentir representada por essa. Ocorre, entretanto, que a jurisprudência pátria entende ser abusiva a greve que não seja deflagrada por entidade sindical representativa da categoria profissional. Especialmente no Dissídio Coletivo julgado no TRT-2.ª Reg. (Processo 20142200200002002) o desembargador relator consignou expressamente que a abusividade da greve e sua consequente ilegalidade dava-se principalmente pela ausência do sindicato representante da categoria profissional no polo ativo da demanda: “Analisados os termos da contestação apresentada às f., em conjunto com as informações prestadas pelos trabalhadores presentes à audiência, e tendo em vista o certificado pelo sr. Oficial de Justiça (f.), verifica-se que o movimento de paralisação foi deflagrado por um grupo de trabalhadores, sem qualquer participação do sindicato profissional (...) De qualquer sorte, ficou comprovado nos autos a existência de greve parcial dos trabalhadores deflagrada sem atendimento dos requisitos previstos na Lei 7.783/1989 (...) Abusiva a greve, impõe-se o desconto dos dias de paralisação e, como decorrência natural, o término do movimento”. Da análise desses casos concretos, e sem se olvidar que o sindicalismo no Brasil enfrenta uma crise de representatividade – fato que será oportunamente tratado por pormenores –, podemos imaginar que, sendo a greve um direito fundamental dos trabalhadores, cabe ao sindicato ser apenas um instrumento em defesa da melhoria das condições de vida dos trabalhadores e não mero aparato burocrático de pacificação social. Faltando aos trabalhadores esse instrumento (representatividade do sindicato), cabe-lhes reunirem e definirem a maneira para viabilizar a negociação, sem que isso ofenda a unicidade sindical ou o art. 8.º, III e VI, da CF. 2. A questão da liberdade sindical no Direito brasileiro e a crise de representatividade das entidades sindicais Pode-se definir liberdade sindical como sendo o “direito dos trabalhadores (em sentido genérico) e empregadores de constituir as organizações sindicais que reputarem convenientes, na forma que desejarem, ditando suas regras de Santoro, Gabriel Henrique. A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 127-138. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 130 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 funcionamento e ações que devam ser empreendidas, podendo nelas ingressar ou não, permanecendo enquanto for sua vontade”.3 José Francisco Siqueira Neto entende que a “liberdade sindical é, na verdade, um dos direitos fundamentais do homem, integrante dos direitos sociais, componente essencial das sociedades democrático-pluralistas”.4 No sistema brasileiro, não obstante o art. 8.º, caput, da CF preveja a liberdade sindical no sistema jurídico brasileiro, fato é que as limitações impostas pelos incisos subsequentes acabam por fulminar esta regra. Com efeito, a imposição prevista no inc. II do art. 8.º da CF de apenas permitir um sindicato de determinada categoria profissional ou econômica por base territorial, desde que não inferior à área de um Munícipio, somada com o agrupamento dos trabalhadores por categoria (art. 511, § 2.º, da CLT) e a cobrança de contribuição sindical obrigatória (art. 578 da CLT), acaba por engessar o sistema sindical brasileiro e, por consequência, leva a uma crise de representatividade. Alice Monteiro de Barros observa que embora “consagrasse a liberdade sindical no caput do art. 8.º, a Constituição de República de 1988, no inc. II, do mesmo artigo, traz resquício do regime corporativista existente no art. 516 da CLT, ao prever a unicidade sindical, e com isso limitou a liberdade sindical”.5 Arnaldo Süssekind leciona que a “Assembleia Constituinte brasileira de 1988, apesar de ter cantado em prosa e verso que asseguraria a liberdade sindical, na verdade a violou, seja ao impor o monopólio de representação sindical e impedir a estruturação do sindicato conforme a vontade do grupo de trabalhadores ou de empresários, seja ao obrigar os não associados a contribuir para a associação representativa de sua categoria”.6 As regras sindicais estabelecidas na Constituição Federal de 1988 são um ranço da fase intervencionista na história do sindicalismo no Brasil e que le- 3. BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Direito sindical – Análise do modelo brasileiro de relações coletivas de trabalho à luz do direito comparado e da doutrina da OIT – Proposta de inserção da comissão de empresa. 5. ed. São Paulo: Ltr, 2015. p. 75. 4. SIQUEIRA NETO, José Francisco. Liberdade sindical e representação dos trabalhadores no local de trabalho. São Paulo: Ltr, 2000. p. 68. 5. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: Ltr, 2009. p. 1233. 6. SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 364. Santoro, Gabriel Henrique. A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 127-138. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Nacionais 131 vam, por conseguinte, a uma fraca atuação das entidades sindicais, notadamente nos locais de trabalho.7 Túlio de Oliveira Massoni ensina que a Constituição Brasileira, ao adotar os critérios acima expostos, “impede, pela via reflexa, que se possa falar propriamente em representatividade sindical, uma vez que essa noção pressupõe pluralidade sindical (ao menos a sua possibilidade), o que não se verifica no caso brasileiro”. E continua o autor alertando que, em “regime de unicidade sindical, portanto, não há espaço para se discutir a noção de representatividade, conceito vinculado a sistemas democráticos que prestigiam a liberdade sindical em todas as suas dimensões”.8 Giancarlo Perone e Luís Felipe Lopes Boson, analisando o movimento sindical no Brasil, pontuam que o “exercício da liderança sindical tem sido utilizado no Brasil, lamentavelmente, como mero trampolim do exercício da atividade política. De modo que não há conflito entre tais entidades, ou esse conflito é mero instrumento de outro, o verdadeiro, que é político”.9 Os autores ainda lembram que deste cenário resulta a baixa taxa de sindicalização no país, a qual, segundo dados do Dieese, estava em 30% no ano de 2012.10 Presentes esses fundamentos, pode-se concluir com facilidade que o sistema adotado pela Carta Magna de 1988 mitiga a liberdade sindical dos trabalhadores e, com isso, gera uma crise de representatividade, em virtude da qual os empregados, por inúmeras vezes, não se sentem representados por seu sindicato. Para agravar o quadro, a citada unicidade sindical e a divisão por categoria acabam por inviabilizar que os trabalhadores formem novas entidades de classe representativas, culminando, assim, em um apequenamento das conquistas coletivas. 3. A Comissão de Empresa como alternativa à representação dos sindicatos Diante da crise de representatividade das entidades sindicais posta acima, mister se faz buscar um caminho alternativo para que os trabalhadores 7. Tal quadro é pontuado por Enoque Ribeiro dos Santos em sua obra Direito coletivo moderno: da LACP e do CDC ao direito de negociação coletiva no setor público. São Paulo: Ltr, 2006. p. 112 e 115. 8. MASSONI, Túlio de Oliveira. Representatividade sindical. São Paulo: Ltr, 2007. p. 162-163. 9. PERONE, Giancarlo; BOSON, Luís Felipe Lopes. Sindicatos na União Europeia e no Brasil: estímulos para uma reflexão comparativa. São Paulo: Ltr, 2015. p. 90. 10. Idem, ibidem. Santoro, Gabriel Henrique. A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 127-138. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 132 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 não fiquem desemparados na constante busca de melhores condições de trabalho. Neste sentido, é necessário realizar importante distinção entre representação e representatividade. Nos dizeres de Amauri Mascaro Nascimento “aquela é uma questão de legalidade, esta um problema de legitimidade. Pode um sindicato ter a representação legal, mas não a real e efetiva. Nesse caso, é possível dizer que falta representatividade ao sindicato, embora portador dos poderes legais de atuar em nome dos representados. Esse problema é mais visível nos sistemas de unicidade sindical”.11 Ora, se as entidades sindicais atualmente, conquanto detenham a legitimidade jurídica para representar os empregados (representação), não possuem legitimidade fática para tal e muito menos respaldo dos trabalhadores (representatividade), parece ser legítimo que os obreiros, quando entenderem necessário, se reúnam e elejam representantes que possam lutar por objetivos que aquele grupo entende por legítimo. Neste contexto ganha importância a Comissão de Empresa,12 esta que, sendo espécie do gênero representação dos trabalhadores, acaba por ser uma força legítima dos empregados. Nos ensinamentos de José Claudio Monteiro de Brito Filho, a Comissão de Empresa é “órgão colegiado de representação direta de todos os trabalhadores, composta por membros escolhidos por eles, com exercício no interior da empresa, e tendo como atribuição a coordenação e defesa dos interesses de seus representados perante o empregador”.13 Relembra o citado autor, ainda, que a “comissão é catalisadora das demandas dos trabalhadores, no Brasil, pelo vazio deixado pelos sindicatos, na atuação interna à empresa, encontrando os empregados, em órgãos mais próximos a eles, meio de expressar seus anseios, o que é difícil, senão impossível, em organização que está distante de ‘suas bases’”.14 Walküre Lopes Ribeiro da Silva destaca que as comissões são importantes, pois “houve uma certa deterioração das relações entre as organizações sindi- 11. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de direito sindical. 4. ed. São Paulo: Ltr, 2005. p. 188-189. 12. Adotamos aqui a nomenclatura utilizada por José Claudio Monteiro de Brito Filho em sua obra Direito sindical... cit., ressaltando, entretanto, que existem inúmeros nomes que são atribuídos à Comissão de Empresa, conforme, aliás, muito bem observado por José Francisco Siqueira Neto na sua obra Liberdade... cit., p. 154. 13. BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Op. cit., p. 338-339. 14. Idem, p. 328. Santoro, Gabriel Henrique. A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 127-138. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Nacionais 133 cais majoritariamente representativas e os trabalhadores (...) Os trabalhadores cansaram-se de ver os próprios interesses transacionados por sujeitos coletivos cuja deficiência de representação real enfraquece o fundamento consensual de suas decisões”.15 Frisa Amauri Mascaro Nascimento16 que a legislação pátria traz algumas menções à representação dos trabalhadores: possibilidade dos empegados elegerem representantes nas empresas que contam com mais de 200 empregados – art. 11 da Constituição Federal; indicação de um representante dos empregados para compor a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – art. 164 da CLT; instituição da Comissão de Conciliação Prévia – arts. 625-A e ss. da CLT; e a possibilidade dos empregados se reunirem em comissão para debaterem sobre a conveniência da greve, quando ausente a entidade sindical – art. 4.º, § 2.º, da Lei 7.783/1989. A Convenção 135 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil por meio do Dec. 131, de 22.05.1991, incentiva a reunião de trabalhadores no local de trabalho a fim de possibilitar um maior diálogo entre empregados e empregador e, desta maneira, contribuir para maior participação do trabalhador na atividade empresarial. Graziela de Oliveira, por sua vez, esclarece que “enquanto os sindicatos levam uma luta mais geral, pela determinação de políticas de empresas e salário, entre outras reivindicações de condições de trabalho, as comissões de fábrica (CF) atuam em nível local, como intermediárias entre o coletivo de trabalhadores e a gerência empresarial”.17 Ressalta, outrossim, que para negociar, os trabalhadores precisam conhecer as condições reais de operação da empresa, o que pode ser reivindicado pelas comissões dos empregados. Recorda Rodrigo Chagas Soares que o constituinte brasileiro “quis inserir o direito de representação dos trabalhadores para promoção de entendimento direto com o empregador, inserto no art. 11 da CF, dentro do Título II que versa sobre os ‘Direitos e garantias fundamentais’, alçando essa negociação de representação dos trabalhadores ao patamar de garantia fundamental, tal como preconizado pela OIT”.18 15. SILVA, Walküre Lopes Ribeiro da. Representação e participação dos trabalhadores na gestão da empresa. São Paulo: Ltr, 1998. p. 154. 16. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit. 17. OLIVEIRA, Graziela de. Relações industriais e democracia empresarial: teoria e prática. São Paulo: Ltr, 1998. p. 70. 18. ALMEIDA, Renato Rua de (org.). PIMENTA, Adriana Calvo; FILHO, Roberto Carneiro (coords.). Direitos fundamentais aplicados ao direito sindical. São Paulo: Ltr, 2014. p. 102-103. Santoro, Gabriel Henrique. A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 127-138. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 134 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Postas estas realidades, e dada a natural legitimidade que os eleitos para compor os Comitês de Fábricas possuem – afinal, foram escolhidos pelos próprios colegas de maneira voluntária e sem interesse escuso –, parece-nos que esta espécie de representação dos trabalhadores surge como grande alternativa para solucionar problemas de representatividade ligados à inércia da entidade sindical, notadamente no que tange às reivindicações postas em caso de greve, uma vez que esta, como se verá adiante, é um direito fundamental do trabalhador. 4. A greve como direito fundamental dos trabalhadores Não obstante a dificuldade de conceituar os direitos fundamentais, dado seu caráter universal, entendemos que Júlio Ricardo de Paula Amaral o faz de maneira didática. Para este autor, os “direitos fundamentais podem ser concebidos como atributos naturais atinentes ao homem, ligados essencialmente aos valores da dignidade, liberdade e igualdade, decorrentes da sua própria existência, com fundamento na ‘dignidade da pessoa’ ou ‘dignidade humana’”.19 Vidal Serrano Nunes Junior acrescenta que “os direitos fundamentais constituem um sistema, na medida em que suas normas estão em constante interação, reconduzindo sempre ao mesmo objeto: a proteção do ser humano. Assim, um direito fundamental implica outro e um influencia o conteúdo do outro, de tal modo que, fora de uma análise sistemática, não poderiam ser enfocados como uma espécie de somatória de disposições analiticamente isoladas”.20 A greve, por sua vez, é a “paralisação coletiva provisória, parcial ou total, das atividades dos trabalhadores em face de seus empregadores ou tomadores de serviços, com o objetivo de lhes exercer pressão, visando à defesa ou conquista de interesses coletivos, ou com objetivos sociais mais amplos”.21 Advertem Giancarlo Perone e Luís Felipe Lopes Boson que a “importância da greve, que constitui o mecanismo adequado para os trabalhadores conseguirem, em plano coletivo, uma força de pressão – contratual e mesmo sociopolítica que os compense da desigualdade que os marca quando singularmente considerados – é demonstrada pelo fato de que o direito ao conflito coletivo, 19. AMARAL, Júlio Ricardo de Paula. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas. 2. ed. São Paulo: Ltr, 2015. p. 33. 20. NUNES JR., Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988 – Estratégias de positivação e exigibilidade dos direitos sociais. São Paulo: Verbatim, 2009. p. 15. 21. DELGADO, Maurício Godinho. Direito coletivo do trabalho. 4. ed. São Paulo: Ltr, 2011. p. 191. Santoro, Gabriel Henrique. A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 127-138. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Nacionais 135 que é exercido mediante a greve, é também considerado como o substrato de organização sindical”.22 Henrique Macedo Hiniz recorda que não bastasse ser assegurada constitucionalmente (art. 9.º da CF), a “greve é o mecanismo máximo de autodefesa dos trabalhadores em face daqueles que detêm os meios de produção. É por meio dela que os trabalhadores afetarão o ponto mais sensível do empregador, sua produção, suas atividades, de onde retira seu faturamento, seu lucro”.23 É certo que o direito de greve, inserido na Constituição Federal de 1988 no capítulo dos Direitos Sociais e no título que trata Dos Direitos e Garantias Fundamentais, é um direito fundamental do trabalhador24 e, como tal, não lhe pode ser suprimido ou tolhido. A defesa de que apenas as entidades sindicais têm legitimidade para estar à frente do movimento paredista é demasiadamente arcaica e contraria por completo o espírito garantista e democrático da Carta Magna de 1988, mormente se levarmos em consideração a crise de representatividade das entidades sindicais retratada no capítulo anterior. Ora, se os próprios trabalhadores não se sentem representados pelos sindicatos de sua categoria profissional, como, aliás, ocorrera nos exemplos citados no introito deste ensaio, e se a greve é a expressão máxima da vontade coletiva, por certo que o operador do direito juslaboral precisa flexibilizar o entendimento de que apenas o sindicato da categoria profissional tem legitimidade para deflagrar greve, sob pena de haver um esvaziamento do principal instrumento de luta dos trabalhadores. Se entendermos que apenas a entidade sindical, essa que sofre com a crise de representatividade explanada alhures, tem legitimidade para dar efetividade ao principal instrumento de luta dos trabalhadores, por certo que haverá um 22. PERONE, Giancarlo; BOSON, Luís Felipe Lopes. Op. cit., p. 179. 23. HINIZ, Henrique Macedo. Direito coletivo do trabalho. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 161. 24. A alçada à categoria de direito fundamental do trabalhador é muito bem observada por Gisele Alves de Oliveira em artigo intitulado O direito fundamental de greve e a atuação do Ministério Público do Trabalho. A autora, abordando o histórico do movimento paredista, ressalta que a “greve deixa de ser vista como um ilícito penal e passa por uma fase de tolerância, até ser reconhecida como direito humano e fundamental, albergada em instrumentos internacionais e nas próprias Constituições dos Estados”. ALMEIDA, Renato Rua de (org.); PIMENTA, Adriana Calvo; FILHO, Roberto Carneiro (coords.). Op. cit., p. 64. Santoro, Gabriel Henrique. A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 127-138. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 136 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 preocupante entrave que pode colocar em risco a constante busca dos trabalhadores por melhoria dos direitos sociais. 5. Conclusão Diante do quadro apresentado, forçoso concluir que o sistema sindical brasileiro enfrenta uma grave crise de representatividade, a qual reflete diretamente nas conquistas da classe trabalhadores. Se pensarmos no principal instrumento de resistência e conquista dos empregados – o direito de greve –, veremos que o quadro é ainda mais grave, porquanto diante da falta de legitimidade do movimento sindical, por vezes o citado direito fundamental (de greve) acaba não sendo exercido em sua plenitude. Neste cenário, parece-nos equivocado supor que a Carta Magna, que elevou o direito de greve à categoria dos direitos fundamentais, limitaria o mais importante instrumento coletivo de resistência dos trabalhadores. Interpretação diversa viola a lógica construída na Constituição Federal, além de não respeitar os princípios fundamentais do direito social. As normas constitucionais e infraconstitucionais que preveem a participação do sindicato no movimento paredista têm caráter protetivo e objetivam resguardar o direito da classe obreira. Por consequência, podem ser relativizados quando o sindicato não demonstra atuação condizente com os anseios de sua própria categoria. Uma solução viável para contornar a crise de representatividade das entidades sindicais e, assim, possibilitar que os trabalhadores exerçam integralmente um dos mais preciosos direitos que lhes foi conferido pela Carta Constitucional é permitir que eles próprios (os obreiros) tenham legitimidade para conduzir o movimento paredista. Não é demais lembrar que as Comissões de Empresa, relembra-se mais uma vez que a alcunha dada é de somenos, surgem como uma legítima alternativa para tomar a frente das reivindicações dos trabalhadores, pois, não bastassem conviver com os problemas rotineiros da classe obreira, ainda terão sido eleitas de maneira democrática e sem qualquer interferência tergiversa. Admitirmos que os empregados não podem assumir a negociação e tomar a frente do movimento paredista, quando o sindicato não estiver agindo adequadamente ou quando não possuir representatividade, esvaziaria o sentido protetivo construído no texto constitucional relativo aos direitos fundamentais do trabalhador, bem como dificultaria a efetivação de conquistas da classe obreira. Santoro, Gabriel Henrique. A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 127-138. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Nacionais 6.Referências bibliográficas ALMEIDA, Renato Rua de (org.). PIMENTA, Adriana Calvo; FILHO, Roberto Carneiro (coords.). Direitos fundamentais aplicados ao direito sindical. São Paulo: Ltr, 2014. AMARAL, Júlio Ricardo de Paula. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas. 2. ed. São Paulo: Ltr, 2015. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: Ltr, 2009. BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Direito sindical – Análise do modelo brasileiro de relações coletivas de trabalho à luz do direito comparado e da doutrina da OIT – Proposta de inserção da comissão de empresa. 5. ed. São Paulo: Ltr, 2015. DELGADO, Maurício Godinho. Direito coletivo do trabalho. 4. ed. São Paulo: Ltr, 2011. HINIZ, Henrique Macedo. Direito coletivo do trabalho. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. MASSONI, Túlio de Oliveira. Representatividade sindical. São Paulo: Ltr, 2007. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de direito sindical. 4. ed. São Paulo: Ltr, 2005. NUNES JR., Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988 – Estratégias de positivação e exigibilidade dos direitos sociais. São Paulo: Verbatim, 2009. OLIVEIRA, Graziela de. Relações industriais e democracia empresarial: teoria e prática. São Paulo: Ltr, 1998. PERONE, Giancarlo; BOSON, Luís Felipe Lopes. Sindicatos na União Europeia e no Brasil: estímulos para uma reflexão comparativa. São Paulo: Ltr, 2015. SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Direito coletivo moderno: da LACP e do CDC ao direito de negociação coletiva no setor público. São Paulo: Ltr, 2006. SILVA, Walküre Lopes Ribeiro da. Representação e participação dos trabalhadores na gestão da empresa. São Paulo: Ltr, 1998. SIQUEIRA NETO, José Francisco. Liberdade sindical e representação dos trabalhadores no local de trabalho. São Paulo: Ltr, 2000. SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. Referências da Internet BABOIN, José Carlos de Carvalho. A legitimidade da comissão dos representantes dos trabalhadores o caso da greve dos garis no Rio de Janeiro em 2014.Revista Eletrônica Conjur. Disponível em: [www.conjur.com.br/2014-mar-18/ jose-carlos-baboin-greve-garis-rj-foi-passo-importante-democracia]. Acesso em: 21.11.2015. Santoro, Gabriel Henrique. A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 127-138. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 137 138 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Garis conquistam reajuste de 37% e encerram greve no Rio. Rede Brasil Atual. Disponível em: [www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2014/03/garis-conquistam-piso-salarial-de-r-1-100-e-encerram-greve-no-rio-8129.html]. Acesso em: 21.11.2015. Pesquisas do Editorial Veja também Doutrina • A atuação judicial das associações de empregados e suas nuances. Limites, requisitos, possibilidades, benefícios e alcance da demanda coletiva, de Carolina Tupinambá e Mariana Ferradeira – RePro 242/305 (DTR\2015\3684); • Modelo de relações trabalhistas: reflexão sobre propostas de reforma – O negociado e o legislado, de Nelson Mannrich – RDT 101/71, Doutrinas Essenciais de Direito do Trabalho e da Seguridade Social 3/1381 (DTR\2001\64); e • Participação, concerto, acordos sociais nas relações trabalhistas contemporâneas direito dos trabalhadores à informação – A participação dos trabalhadores por métodos diferentes da negociação coletiva, de Octavio Bueno Magano – RDT 62/59, Doutrinas Essenciais de Direito do Trabalho e da Seguridade Social 3/311 (DTR\1986\251). Santoro, Gabriel Henrique. A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 127-138. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 139 LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico Law 150/2015. New protection of domestic workers’ paradigm André Eduardo Dorster Araujo Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduando em Direito do Trabalho pelo Instituto de Direito do Trabalho da Universidade de Lisboa. Professor dos cursos preparatórios para concursos públicos ProMagis Concursos e FMB. Tutor em cursos de Ensino à Distância (EaD) da Escola Judicial do TRT da 2.ª Região (EJUD2). Juiz do Trabalho Substituto do TRT da 2.ª Região. [email protected] Área do Direito: Trabalho Resumo: Artigo analisando o novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico no âmbito do direito brasileiro com o advento da LC 150/2015. Parte-se de uma contextualização histórica do trabalho doméstico no Brasil, conceituando-o no contexto atual e abordando o atual cenário de proteção, especialmente: restrições à contratação, duração do trabalho, contratação a termo e direitos em geral. Abstract: Article analyzing the new protection paradigm to domestic workers under Brazilian law with the enactment of Law 150/2015. It starts with a historical context of domestic work in Brazil, conceptualizing it in the current context and addressing the current security scenario, especially: restrictions on hiring, hours of work, fixed term contracts and rights in general. Palavras-chave: Trabalho doméstico – LC 150/2015 – Contratação a termo – Duração do trabalho – Restrições à contratação. Keywords: Housework – Law 150/15 – Fixed-term contracts – Hours of work – Restrictions on hiring. Sumário: 1. Introdução. 2. Histórico legislativo. 3. Objeto da lei. Trabalho doméstico. Conceito. 4. Restrições ao trabalho doméstico. 5. Duração do trabalho. 5.1 Limitação de jornada. Horas extras. Compensação. 5.2 Escala 12x36. 5.3 Intervalo intrajornada. Redução. Fracionamento. 5.4 Trabalho noturno. 6. Contratação a termo. 7. Direitos em geral. 7.1 Férias. 7.2 Vale-transporte. 7.3 Descontos salariais. 7.4 FGTS e seguro-desemprego. 7.5 Rescisão contratual. Aviso prévio. Justa causa. Rescisão indireta. 8. Conclusão. 9. Referências bibliográficas. Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 140 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 1.Introdução Talvez porque finca raízes históricas na escravidão e em razão de uma errônea noção de que seu mister é de menor valor, o trabalhador doméstico, no Brasil e no mundo como um todo,1 sempre foi tutelado de forma bastante tímida frente aos demais trabalhadores, gozando de um discriminatório status inferior. Retrato de uma categoria pouco aglutinada coletivamente e de um trabalho pouco valorizado, menos visível, prestado em regra por mulheres (vítimas de histórica discriminação e que somente nos dias atuais vem sendo superada – vide inúmeras Convenções da OIT sobre o tema, a exemplo as de n. 89, 100 e 103) de baixa qualificação e integrantes de segmentos sociais mais vulneráveis e menos afortunados. Não por outra razão, a proteção do trabalhador doméstico é tema de relevo na agenda internacional, que culminou na aprovação da Convenção 189 e da Recomendação 201, ambas da OIT, aprovadas após debates ocorridos entre 2010 e 2011. Tais normas impõem aos Estados-membros signatários alçar o trabalho doméstico a um patamar mínimo de civilidade, equiparando o trabalhador doméstico aos demais trabalhadores,2 observadas, é claro, as especificidades desta especial forma de trabalho. Assim, a festejada LC 150/2015 vem em boa hora sepultar um ranço histórico de discrímen injustificado, merecendo dos operadores do direito um detido estudo, com o qual modestamente pretendemos contribuir, especialmente considerando a estimativa de que no Brasil há cerca de 7,2 milhões de trabalhadores 1. Segundo dados da OIT, o regramento de diversos países prevê tratamento diferido e menor proteção ao trabalhador doméstico. Dados completos em: Domestic workers across the world: Global and regional statistics and the extent of legal protection. p. 46-47. Disponível em: [www.oitbrasil.org.br/content/entra-em-vigor-convencao-sobre-trabalho-domestico-da-oit]. Acesso em: 10.06.2015. 2. Digno de nota o art. 10 da Convenção 189 da OIT: “Artigo 10 – 1. Todo Membro deverá adotar medidas para garantir a igualdade de tratamento entre os trabalhadores domésticos e os trabalhadores em geral com relação às horas normais de trabalho, à compensação de horas extras, aos períodos de descanso diários e semanais e férias anuais remuneradas, em conformidade com a legislação nacional e com acordos coletivos, considerando as características específicas do trabalho doméstico”. Disponível em: [www.trt13.jus.br/institucional/ejud/material-dos-cursos-e-eventos/cursos-ofertados-em-2013/debate-sobre-o-novo-empregado-domestico/Convencao%20 189%20OIT%202011%20e%20Recomendacao%20201%20OIT.pdf/view]. Acesso em: 10.06.2015. Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Nacionais 141 domésticos, número recorde na América Latina, a esmagadora maioria deles do sexo feminino, segundo dados apurados em relatório da OIT de 2013.3 2. Histórico legislativo Após a abolição da escravatura pela Lei Imperial 3.353 de 13.05.1888 o trabalho doméstico no Brasil, até então eminentemente escravo, passou por vácuo legislativo até o advento do Código Civil de 1916 que regulava a locação de serviços em geral. A primeira regulamentação específica em território pátrio se deu em 02.08.1923 com o Dec. 16.107,4 editado pelo presidente da República, com amparo na Lei 4.632/1923,5 regulamentado a locação de serviços domésticos no âmbito do Distrito Federal. Em 1941 editou-se o Dec.-lei 3.078, regulamentando a locação de serviços domésticos em todo o território nacional.6 Obviamente, inclusive pelo lento avanço da sociedade recém-saída de um estágio escravocrata, estas primeiras regulamentações do trabalho doméstico no Brasil previam pouquíssima proteção ao trabalhador, focando-se principalmente em questões burocráticas de identificação do trabalhador, com a emissão da Carteira Profissional respectiva, fixação de aviso prévio de oito dias após seis meses de prestação de serviços em caráter exclusivo e os deveres mínimos dos contratantes. À época houve juristas defendendo que o diploma Dec.-lei 3.078/1941 não entrara em vigor, por falta de regulamentação, outros defenderam sua autoexe- 3. OIT. Domestic workers across the world... cit., p. 26. Merece especial transcrição a seguinte passagem do relatório da OIT: “Within the region, the prevalence of domestic work is particularly high in the countries of the Southern Cone – namely Argentina, Brazil, Chile, Paraguay and Uruguay. By far the largest employer of domestic workers is Brazil, where the sector has experienced a steady growth from 5.1 million to 7.2 million domestic workers between 1995 and 2009 (the last year for which data are available).26 The data indicate that – like in the rest of the region – the majority of domestic workers are women (93 per cent)”. 4. Senado Federal. Disponível em: [http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaNormas. action?numero=”16107&tipo_norma=DEC&data=19230730&link=s].” Acesso em: 09.06.2015. 5.Câmara dos Deputados. Disponível em: [www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/19201929/lei-4632-6-janeiro-1923-566566-republicacao-90139-pl.html]. Acesso em: 09.06.2015. 6. Senado Federal. Disponível em: [http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaNormas. action?numero=”3078&tipo_norma=DEL&data=19410227&link=s].” Acesso em: 09.06.2015. Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 142 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 cutoriedade no que fosse possível e parte da doutrina defendeu sua revogação pela CLT7 em 01.05.1943. Fato é que parcela substancial da jurisprudência8 se inclinou no sentido da caducidade do Dec.-lei 3.078, de modo que o trabalhador doméstico passou a ocupar uma condição de subemprego, criando um abismo entre a proteção destinada aos trabalhadores em geral e aos domésticos, mesmo com o advento da Lei 5.859/1972, que evoluiu de forma tímida, assegurando como direitos, além do registro em CTPS, apenas férias de 20 dias úteis e a condição de segurado obrigatório da previdência social. Somente com a Constituição Federal de 1988 houve uma ampliação significativa na proteção destinada aos trabalhadores domésticos, que passaram a gozar de direitos mais próximos aos dos demais trabalhadores, como salário mínimo, aviso prévio de 30 dias, gratificação natalina, repouso semanal remunerado etc. Ainda assim, o Constituinte originário fez distinção iníqua, deixando o empregado doméstico sob regramento menos benéfico quanto às férias, sem limitação de jornada, sem regulamentação do trabalho noturno, dentre outros direitos assegurados aos trabalhadores em geral. Com a Lei 11.324/2006 ampliou-se um pouco mais o rol de direitos dos domésticos, para incluir férias de 30 dias e a garantia provisória da empregada gestante no emprego. Somente com o advento da EC 72/2013 houve equiparação substancial dos trabalhadores domésticos aos demais, cuja concretude e regulamentação efetiva se dá pela LC 150/2015. 3.Objeto da lei. Trabalho doméstico. Conceito A raiz etimológica latina domus (casa), de plano nos revela sob que perspectiva se visualiza o trabalho doméstico, qual seja, o trabalho prestado no âmbito da residência, em prol da família. Segundo a doutrina sempre conceituou, o trabalhador doméstico é a pessoa natural que, de forma subordinada e pessoal, em caráter contínuo e one- 7. Segundo Alice Monteiro de Barros, J. Antero de Carvalho defendeu que o Dec.-lei 3.078 não entrou em vigor, por não regulamentado, enquanto Mozart Victor Russomano defendia sua autoexecutoriedade. Pontua, ainda, que doutrinadores de escol como Arnaldo Süssekind e Evaristo de Moraes Filho defendiam que a CLT teria revogado o Decreto em questão. BARROS, Maria Alice. Contratos e regulamentações especiais de trabalho. São Paulo: Ed. LTr, 2008. p. 186. 8. Vide, por exemplo: TST, AgIn em RR 1.307/2002-771-04-00.0, 2.ª T., rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, DJ 10.12.2004. Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Nacionais 143 roso, presta serviços sem destinação lucrativa no âmbito residencial de uma pessoa ou família. Trata-se da conjugação de elementos essenciais de qualquer vínculo empregatício (pessoa natural, pessoalidade, subordinação e onerosidade), acrescido de requisitos próprios e peculiares previstos na então vigente Lei 5.859/1972 (art. 1.º),9 quais sejam, a continuidade (mais intensa que a não eventualidade, segundo doutrina e jurisprudência dominantes), a finalidade não lucrativa dos serviços, a apropriação dos serviços por pessoa natural ou por família, e a prestação de serviços no âmbito residencial dos tomadores. Para nosso estudo, a continuidade ganha um relevo especial. Nos dizeres da doutrina majoritária sobre o tema, para o liame empregatício doméstico: “É necessário, portanto, que o trabalho executado seja seguido, não sofra interrupção. Portanto, um dos pressupostos do conceito de empregado doméstico é a continuidade, inconfundível com a não eventualidade exigida como elemento da relação jurídica advinda do contrato de emprego firmado entre empregado e empregador, regido pela CLT. Ora, a continuidade pressupõe a ausência de interrupção, enquanto a não eventualidade diz respeito ao serviço que se vincula aos fins normais da atividade da empresa”.10 Noutras palavras, a não eventualidade revelar-se-ia pela necessidade permanente de mão de obra, demonstrada pela repetição, ainda que em apenas um ou alguns dias da semana, da quinzena ou do mês, enquanto a continuidade exigiria o trabalho sem interrupção, com uma repetição, uma regularidade mais intensa, reiterada. Não por outra razão, a jurisprudência inclinou-se no mesmo sentido, distinguindo continuidade de não eventualidade e exigindo, com maior rigor, a ausência de interrupção da prestação de serviços, de modo a distinguir o emprego doméstico e o trabalho autônomo da, mal nominada, diarista. A frequência de comparecimento semanal à residência do tomador transformou-se, então, no principal distintivo entre diarista e empregado doméstico. Ainda assim, a jurisprudência sempre foi vacilante. Abaixo alguns julgados do TST fixando como parâmetro quantitativo o comparecimento mais de três vezes por semana na residência do tomador de serviços: 9. “Art. 1.º Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas, aplica-se o disposto nesta lei.” 10. BARROS, Alice Monteiro de. Op. cit., p. 198. Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 144 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 “Recurso de revista. 1. Vínculo de emprego. Trabalhador doméstico. Prestação de serviços três vezes por semana. Continuidade. Ausência. Não conhecimento. É cediço que a atual, notória e iterativa jurisprudência desta Colenda Corte Superior é no sentido de que a atividade de diarista exercida durante três dias por semana para empregador doméstico não enseja o reconhecimento de vínculo de emprego. Precedentes. Incidência da Súmula 333 e do art. 896, § 4.º, da CLT. Recurso de revista de que não se conhece” (RR 1602-82.2011.5.01.0003, 5.ª T., j. 10.09.2014, rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 19/09/2014). “A) Agravo de instrumento em recurso de revista. Relação de emprego doméstico. Continuidade. Não caracterização. Constatada a violação do art. 1.º da Lei 5.859/1972, impõe-se prover o agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido. B) Recurso de revista. Relação de emprego doméstico. Continuidade. Não caracterização. Do exame do art. 1.º da Lei 5.859/1972, percebe-se que o reconhecimento do vínculo empregatício do doméstico está condicionado à continuidade na prestação dos serviços, não se prestando ao reconhecimento do liame a realização de trabalho durante alguns dias da semana. No caso, nota-se que efetivamente não restou demonstrado o preenchimento do requisito da continuidade previsto no art. 1.º da Lei 5.859/1972, mas, sim, o labor exercido em três vezes da semana. Recurso de revista conhecido e provido” (RR 2776-87.2011.5.02.0201, 8.ª T., j. 06.08.2014, rel. Min. Dora Maria da Costa, DEJT 15.08.2014). “Agravo de instrumento. Vínculo de emprego. Empregada doméstica. Prestação de serviços três vezes por semana. Demonstrada a divergência jurisprudencial, há de ser dado provimento ao Agravo de Instrumento para determinar o processamento do Recurso de Revista. Agravo de Instrumento provido. Recurso de revista. Vínculo de emprego. Empregada doméstica. Prestação de serviços três vezes por semana. Não caracterização. Empregado doméstico é a pessoa física que presta, com pessoalidade, onerosidade e subordinadamente, serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, em função do âmbito residencial destas. Evidenciando-se o labor por somente três vezes por semana, configura-se o caráter descontínuo da prestação de trabalho, fora, portanto, do pressuposto específico da Lei 5.859/1972. Recurso de Revista conhecido e provido” (RR 137800-73.2007.5.05.0030, 4.ª T., j. 10.04.2013, rel. Min. Maria de Assis Calsing, DEJT 24.05.2013). “Vínculo empregatício – Diarista – Art. 1.º da Lei 5.859/1972 – Prestação de serviços três vezes por semana – Empregada doméstica – Não caracterização. A jurisprudência desta Corte tem caminhado no sentido de não reconhecer Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Nacionais 145 o vínculo de emprego doméstico entre o tomador dos serviços e a diarista que labora em sua residência apenas dois ou três dias na semana, ativando-se também em outras residências ante o não preenchimento do requisito da continuidade, previsto no art. 1.º da Lei 5.859/1972. Na hipótese, a Reclamante laborava apenas três dias da semana para a Reclamada e prestava serviços em outras residências durante o mesmo período em que laborou para a ora Recorrida. Assim, ao não reconhecer o vínculo de emprego doméstico, o Regional decidiu a matéria em consonância com a jurisprudência desta Corte, sendo certo que, para se chegar a conclusão em sentido contrário seria necessário o reexame do conjunto probatório dos autos, pois sequer foram reconhecidos expressamente pelo Regional os demais elementos configuradores do vínculo empregatício, o que encontra óbice na Súmula 126 do TST. Recurso de revista não conhecido” (RR 59300-54.2007.5.03.0060, 7.ª T., j. 03.10.2012, rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, DEJT 19.10.2012). Em sentido oposto, mesmo no âmbito do TST, localizamos julgados reconhecendo o vínculo mesmo em casos onde o trabalho se deu apenas três vezes por semana, levando em conta como fator determinante o tempo de contrato: “Faxineira. Vínculo de emprego. Doméstica. Continuidade. O doméstico que prestou serviços por 12 (doze) anos para a mesma família, três vezes por semana, e mediante pagamento mensal, ainda que em serviços de faxina, atende o pressuposto da continuidade, suficiente para se reconhecer a existência de vínculo de emprego. Recurso de Embargos de que se conhece e a que se nega provimento” (Embargos em EDiv em RR 250040-44.2004.5.02.0078, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, j. 08.09.2011, rel. Min. João Batista Brito Pereira, DEJT 16.09.2011). “Recurso de revista. Reconhecimento de relação de emprego. Empregado doméstico. Trabalho prestado três vezes por semana. Empregado doméstico é a pessoa física que presta, com pessoalidade, onerosidade e subordinadamente, serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas. Evidenciando-se do contexto fático que a Autora laborou para a Recorrida por 11 anos, com exclusividade, e em três dias na semana, afigura-se de natureza contínua a prestação de trabalho, nos termos do art. 1.º da Lei 5.859/1972. Recurso de Revista conhecido e provido” (RR 1132-47.2011.5.01.0069, 4.ª T., j. 22.04.2015, rel. Min. Maria de Assis Calsing, DEJT 24.04.2015). Superando esta insegurança jurídica, a LC 150/2015 adotou a mesma delimitação do trabalho doméstico, prevendo os mesmos requisitos. Porém, o legislador atento à hesitação jurisprudencial, fixou parâmetro quantitativo semanal para fins de continuidade, pacificando e ampliando a proteção ao trabalhador doméstico, ao dispor: Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 146 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 “Art. 1.º Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana, aplica-se o disposto nesta Lei” (grifei). Logo, a partir de então a prestação de serviços três vezes por semana, preencherá o requisito da continuidade exigida por lei. Trata-se de salutar opção legislativa, que sacramenta eterna polêmica sobre o tema. Claro, todavia, que a inovação legislativa não soluciona impasses outros, como no caso de trabalhadores que apesar de prestarem serviços em âmbito doméstico por mais de duas vezes por semana o fazem em jornada extremamente reduzida, valendo aqui os exemplos trazidos por Vólia Bomfim Cassar11 ao apontar o personal trainer, a manicure e o professor particular que podem comparecer vários dias da semana, em jornada de apenas uma hora. Inclusive porque a nova lei autoriza a contratação de empregado doméstico em regime de tempo parcial, o que possibilitaria o labor doméstico em jornadas bastante reduzidas (art. 3.º). Porém aí, a nosso ver, a questão soluciona-se por critérios outros que não a continuidade, especialmente a subordinação, que nos parece demasiadamente tênues nestes exemplos. Sintetizando, pode-se dizer o objeto da Lei 150/2015 é o emprego doméstico, que se distingue da relação empregatícia comum urbana pela figura do trabalhador doméstico que é a pessoa natural que, de forma subordinada e pessoal, em caráter contínuo (mais de duas vezes por semana) e oneroso, presta serviços sem destinação lucrativa no âmbito residencial de uma pessoa ou família. 4.Restrições ao trabalho doméstico Imperioso notar que o trabalho doméstico, à luz da Constituição Federal de 1988, era permitido a partir dos 16 anos, valendo notar que o art. 7.º, XXXIII traz regra de proibição geral do trabalho antes dos 16 anos, autorizando exclusivamente o trabalho do aprendiz a partir dos 14 anos. Isto, mesmo antes da EC 72/2013, na medida em que a restrição ao trabalho do menor é matéria de ordem pública e geral, para qualquer espécie de mister, como deixa claro o texto constitucional.12 Com o advento do Dec. 6.481/2008, a proteção se estendeu ao inserir o trabalho doméstico na lista TIP (piores formas de trabalho infantil), dando 11. CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 5. ed. Niterói: Impetus, 2011. p. 365. 12. Neste sentido, idem, p. 402. Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Nacionais 147 eficácia à Convenção 182 da OIT, ratificada e internalizada no Brasil por meio do Dec. 3.597/2000. A LC 150/2015 vem referendar a conquista histórica e os compromissos internacionais brasileiros, delimitando no parágrafo único do art. 1.º a vedação ao trabalho doméstico por menores de 18 anos.13 5. Duração do trabalho Regulamentando os direitos conquistados pela EC 72/2013, e atenta às peculiaridades do labor doméstico, a LC 150/2015 trouxe relevantes balizas à limitação de jornada, pagamento de eventual sobrejornada e trabalho noturno. Primeiramente, imperioso destacar que a lei se antecipa a interpretações açodadas e preceitua que para fins de duração de trabalho em geral deve-se levar em conta o tempo à disposição. Assim, excluem-se do horário de trabalho os intervalos previstos em lei, o tempo de repouso e, para o empregado que mora no local de trabalho e nele permaneça (art. 2.º, § 7.º), bem como para o empregado doméstico que acompanha o empregador em viagens (art. 11 da CLT), as horas não trabalhadas em geral. No caso de viagens, contudo, a lei assegura uma contraprestação pela privação do convívio familiar e social do empregado, assegurando uma remuneração horária 25% superior ao salário-hora normal, autorizada a compensação desta remuneração extraordinária com banco de horas a ser usufruído a critério exclusivo do empregado. Além disso, a lei traz tratamento legal idêntico aos dos empregados em geral ao tratar do intervalo interjornada mínimo de 11 horas e do gozo de descanso semanal remunerado e feriados (arts. 15 e 16). Noutros pontos, porém, a legislação trouxe inovações. Vejamos algumas a seguir: 5.1 Limitação de jornada. Horas extras. Compensação Em primeiro lugar, no que tange aos limites legais, remuneração e parâmetros de cálculo, a lei seguiu as balizas constitucionais e os parâmetros consa- 13. “Art. 1.º Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana, aplica-se o disposto nesta Lei. Parágrafo único. É vedada a contratação de menor de 18 (dezoito) anos para desempenho de trabalho doméstico, de acordo com a Convenção n.182, de 1999, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e com o Dec. 6.481, de 12.12.2008.” Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 148 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 grados na doutrina e jurisprudência, fixando limites de 8 horas diárias e 44 semanais (art. 2.º, caput), o adicional de 50% (art. 2.º e seu § 1.º) e apontando o divisor 220 para cálculo do salário-hora (art. 2.º, § 2.º). No que tange à compensação de jornada, sanou vácuo legislativo até então existente quanto à possibilidade de compensação de horas no âmbito doméstico, autorizando-a desde que objeto de acordo individual escrito entre empregador e empregado (art. 2.º, §§ 4.º, 5.º e 6.º) e criando um sistema de banco de horas híbrido. Note-se que, distintamente do que ocorre com o trabalhador urbano, em que o banco de horas exige negociação coletiva (art. 59, § 2.º, da CLT e Súmula 85 do C. TST),14 o legislador, atento às dificuldades de negociação coletiva no âmbito doméstico, autoriza este banco de horas mediante acordo escritoindividual, sem a participação dos sindicatos. Diz-se híbrido, pois, pela interpretação sistemática dos incisos que disciplinam o § 5.º, revela-se que as horas em prorrogação de um mês poderão ser compensadas por folgas ou redução da jornada dentro do próprio mês e, caso não sejam compensadas na íntegra dentro do módulo mensal, as primeiras 40 horas necessariamente deverão ser pagas como extraordinárias e as que sobe- 14. “85 – Compensação de jornada (RA 69/1978, DJ 26.09.1978. Redação alterada – Res 121/2003, DJ 19.11.2003. Nova redação em decorrência da incorporação das Orientações Jurisprudenciais ns. 182, 220 e 223 da SDI-1 – Res. 129/2005, DJ 20.04.2005. Item V inserido pela Res. 174/2011 – DeJT 27.05.2011). I. A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva (ex-Súmula 85 – primeira parte – Res 121/2003, DJ 19.11.2003). II. O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário (ex-OJ 182 – Inserida em 08.11.2000). III. O mero não atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional (ex-Súmula 85 – segunda parte – Res. 121/2003, DJ 19.11.2003). V. A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário (ex-OJ 220 – Inserida em 20.06.2001). V. As disposições contidas nesta súmula não se aplicam ao regime compensatório na modalidade “banco de horas”, que somente pode ser instituído por negociação coletiva”. Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Nacionais 149 jem a este patamar, ou seja, da 41ª hora extra em diante, poderão ser compensadas no prazo de 1 ano (como num banco de horas). Esta é a interpretação que a nosso ver parece a mais acertada, em razão da leitura conjunta dos três incisos do § 5.º, que regulamenta o regime de compensação do § 4.º, in verbis: “§ 4.º Poderá ser dispensado o acréscimo de salário e instituído regime de compensação de horas, mediante acordo escrito entre empregador e empregado, se o excesso de horas de um dia for compensado em outro dia. § 5.º No regime de compensação previsto no § 4.º: I – será devido o pagamento, como horas extraordinárias, na forma do § 1.º, das primeiras 40 (quarenta) horas mensais excedentes ao horário normal de trabalho; II – das 40 (quarenta) horas referidas no inciso I, poderão ser deduzidas, sem o correspondente pagamento, as horas não trabalhadas, em função de redução do horário normal de trabalho ou de dia útil não trabalhado, durante o mês; III – o saldo de horas que excederem as 40 (quarenta) primeiras horas mensais de que trata o inciso I, com a dedução prevista no inciso II, quando for o caso, será compensado no período máximo de 1 (um) ano” (grifei). Com efeito, o inc. II ao mencionar que das 40 (quarenta) horas referidas no inc. I, poderão ser deduzidas, sem o correspondente pagamento, claramente autoriza a compensação das horas em prorrogação, desde que realizadas dentro do próprio mês, como arremata a passagem final do inc. II. Assim, a previsão do inc. I, que determina o pagamento das primeiras 40 horas em prorrogação como extras deve ser interpretada considerando a limitação do inc. II, ou seja, somente se não houver compensação no próprio mês é que as 40 primeiras horas necessariamente devem ser pagas como extraordinárias. Parece-nos que a previsão do inc. I visa evitar que todas as horas em prorrogação sejam destinadas ao banco de horas anual (previsto no inc. III). Ou seja, somente podem ser inseridas de banco anual aquelas que, após a compensação mensal, superem 40 horas, afinal, até este limite, as horas não compensadas no mês devem necessariamente ser quitadas com o adicional de 50%. O inc. III, aliás, arremata a questão ao dispor que o saldo das primeiras 40 horas, com a dedução prevista no inc. II, será compensado no prazo máximo de um ano. Num exemplo prático, se o trabalhador prestou 60 horas em prorrogação no mês, sem compensar nenhuma dentro do próprio mês, 40 serão pagas como Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 150 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 extraordinárias e as outras 20 poderão ser compensadas em até um ano. Noutro exemplo, se o empregado prestou as mesmas 60 horas em prorrogação no mês e compensou 10 dentro do próprio mês, 40 serão pagas como extraordinárias e o saldo de 10 horas poderá ser compensado no prazo de um ano – a lei não fala, mas no nosso sentir, extrapolado o prazo de um ano sem a devida compensação, automaticamente as horas em prorrogação passam a ser exigíveis como extras, numa interpretação teleológica da norma. Logo, parece-nos equivocada a interpretação açodada, à luz do inc. I, no sentido de que necessariamente as 40 primeiras horas em prorrogação devem ser remuneradas como extras e, somente aquelas que superem este limite podem ser compensadas. Isto porque, os dispositivos legais não devem ser pinçados para fins hermenêuticos, mas sim, devem ser interpretados à luz do sistema em que inseridos. Vale aqui o ensinamento do saudoso mestre Miguel Reale:15 “Nada mais errôneo do que, tão logo promulgada uma lei, pinçarmos um de seus artigos para aplicá-lo isoladamente, sem nos darmos conta de seu papel ou função no contexto do diploma legislativo. Seria tão precipitado e ingênuo como dissertarmos sobre uma lei, sem estudo de seus preceitos, baseando-nos apenas em sua ementa (...)”. Do contrário, o inc. II em suso destacado carecerá de sentido e vigência, já que não terá aplicabilidade alguma. Por fim, no que pertine à compensação, a lei assegura que as horas do banco não compensadas até a rescisão, serão pagas como horas extraordinárias, considerando a remuneração vigente no ato rescisório. 5.2 Escala 12x36 Atento às peculiaridades do trabalho doméstico, notadamente em funções como as de babá e cuidador – em que se faz necessário um tempo diário à disposição superior aos limites legais –, o legislador possibilitou que empregado e empregador ajustem o labor na escala 12x36, ou seja, aquela em que há 12 horas de trabalho, que são seguidas de 36 horas de descanso. Trata-se de previsão salutar do art. 10, que autoriza o ajuste individual escrito entre os contraentes, ou seja, sendo despicienda negociação coletiva, o que vem a mitigar o rigor da jurisprudência consolidada para os trabalhadores urbanos em geral (Súmula 444 do C. TST). 15. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 290-291. Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Nacionais 151 Interessante notar que a lei restringe o espectro de proteção destinado ao doméstico ao tratar do tema, preceituando que nesta escala reputar-se-ão compensados os feriados, o que contraria a jurisprudência Consolidada do TST, na já citada Súmula 444. No nosso sentir, neste aspecto, a Lei criou um discrímen indevido e equivocado, já que a escala em questão não compensa os feriados, mas tão somente gera uma distinta divisão das horas de trabalho ao longo do módulo semanal e mensal. Compensa-se, de fato, os DSR e as horas em prorrogação, nãos feriados. 5.3 Intervalo intrajornada. Redução. Fracionamento Desde o advento da EC 72/2013, o tema desperta muita controvérsia, notadamente diante da exclusão dos domésticos do âmbito de proteção da CLT (art. 7.º, a), o que os deixaria, ao menos em tese frente a letra fria da lei, desprovidos do direito ao intervalo intrajornada (art. 71 da CLT). De todo modo, a jurisprudência passou a aplicar analogicamente aos domésticos o art. 71 da CLT, tomando em conta a omissão legislativa da Lei 5.859/1972, o espectro de proteção assegurado pela Emenda Constitucional no tema jornada e os direitos fundamentais à dignidade humana (art. 1.º, III, da CF) e ao lazer (art. 6.º da CF). Neste sentido, destaco trechos de acórdãos dos Tribunais Regionais do Trabalho da 2.ª e 3.ª Regiões: “(...) Busca a reclamante a reforma do julgado de origem, objetivando a condenação dos reclamados ao pagamento das horas extras decorrentes da ausência do intervalo mínimo de uma hora para descanso e refeição. Alega a existência de confissão de um dos reclamados a respeito da fruição de pausa alimentar de apenas 30 minutos. O acolhimento do apelo é medida que se impõe. Diante da EC 72 de 02.04.2013 (publicada no DOU em 03.04.2013), – que ampliou os direitos dos trabalhadores domésticos previstos no art. 7.º, parágrafo único, da CF, para incluir, entre outros títulos, a jornada normal de 8 horas diárias, as horas extras com adicional mínimo de 50% e a redução dos riscos inerentes o trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança –, não há dúvida de que o doméstico também passou a fazer jus às horas extras fundadas no art. 71, § 4.º, da CLT. E cito três motivos: primeiro, seria ilógico não reconhecer o direito à pausa mínima de uma hora, quando a própria Carta Magna passou a estabelecer à categoria a jornada de 8 horas diárias; segundo, a Constituição garante, agora, ao doméstico o direito às horas extras, não impondo qualquer restrição quanto ao seu fato gerador; e terceiro, a concessão do intervalo intrajornada mínimo de uma hora constitui norma de higiene, saúde e segurança do trabalho, direito este também assegurado aos domésticos Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 152 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 (...)” (Processo 0000462-33.2014.5.02.0018, 9.ª T., rel. Des. Mauro Vignotto, DJ 03.11.2014). “(...) O direito reconhecido, por óbvio, sedimentou-se somente após o advento da EC 72/2013, publicada no Diário Oficial da União em 03.04.2013, quanto entrou em vigor. Respondendo às demais indagações defensivas, reiteradas em contrarrazões, posiciono-me no sentido de que a questão do intervalo para refeição, em relação aos domésticos, não depende de regulamentação. Embora as normas previstas na CLT, relativas ao descanso, não estejam explicitamente inseridas na Constituição Federal, considerando que o inciso XXII do art. 7.º, garante ao trabalhador doméstico o acesso às normas de segurança e saúde no trabalho, tenho por incluído, no rol das garantias advindas com a EC 72/2013, também o direito à no mínimo uma hora para refeição em jornadas de oito horas diárias. Provejo em parte o apelo, para acrescer à condenação o pagamento de horas extras, assim consideradas as excedentes da 44.ª hora semanal laborada, além de 01 (uma) hora extra diária aos sábados, acrescidas do adicional legal de 50%, a partir de 03.04.2013, com reflexos em aviso prévio, RSR’s, 13º salário e férias + 1/3. Na apuração deverão ser observados o período abarcado, os dias efetivamente laborados, a jornada fixada e os valores e limites contidos no rol dos pedidos finais (sem prejuízo do cômputo de juros e atualização monetária)” (Processo 0010578-81.2014.5.03.0144, 4.ª T., rel. Des. Júlio Bernardo do Carmo, DJ 16.12.2014). A despeito desta tendência jurisprudencial, fato é que a LC 150 sacramenta o tema, trazendo a necessária segurança jurídica às relações domésticas de trabalho ao assegurar intervalo mínimo de uma hora (e máximo de duas horas), nos termos do art. 13. A grande inovação, contudo, é a possibilidade de redução do intervalo para 30 minutos, mediante acordo individual escrito entre trabalhador e empregador. Trata-se de inovação relevante, atenta às peculiaridades do labor doméstico em que, como regra, o empregado faz suas refeições e descanso no próprio local de trabalho e que, por vezes, torna-se inviável o gozo de uma hora completa de pausa. Ainda no tema intervalo, ciosa das peculiaridades do labor doméstico, a lei autoriza o fracionamento do intervalo em dois períodos, desde que respeitado o mínimo de uma hora e o máximo de quatro horas no total diário, para os trabalhadores que residem no emprego (art. 13, § 1.º). A nosso ver, a despeito de não ser expresso no particular, o § 1.º em questão deve ser interpretado à luz do caput, de modo que os intervalos fracionados não podem superar duas horas. Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Nacionais 153 Tal possibilidade de fracionamento é relevante, na medida em que estes períodos de descanso não são considerados como tempo de trabalho, o que repercute no tempo em que o empregado doméstico pode permanecer nas dependências do empregador (art. 2.º, § 7.º, da LC 150/2015), obviamente, sem permanecer à disposição. Neste particular, contudo, o § 2.º do art. 13 traz restrição relevante, ao vedar a prenotação do intervalo fracionado, como ferramenta a coibir fraudes tendentes a majorar o tempo à disposição do empregado sem o gozo efetivo das pausas. Tal previsão legal revela que, contrario sensu, caso o intervalo intrajornada seja de uma hora, ou reduzido de 30 minutos, será possível a prenotação, tal qual se dá com os trabalhadores urbanos regidos pela CLT (art. 72, § 4.º). Isto porque, o § 2.º do art. 13 é restritivo ao preceituar que “em caso de modificação do intervalo, na forma do § 1.º, é obrigatória a sua anotação no registro diário de horário, vedada sua prenotação” (grifei). Ou seja, apenas e tão somente para a hipótese do § 1.º que, vale lembrar, é justamente a hipótese de fracionamento do intervalo para os domésticos que residem no emprego, é vedada a prenotação. No nosso sentir esta distinção traz consequências práticas no que tange ao ônus probatório numa eventual lide trabalhista, na medida em que, autorizada a prenotação, o ônus probatório acerca do trabalho no intervalo recairá integralmente sobre o trabalhador, já que a ele caberá a prova do fato constitutivo de seu direito. Neste sentido firme jurisprudência: “Recurso de Revista. Intervalo intrajornada. Pré-assinalação. Ônus da prova. 1. O Tribunal de origem registrou que ‘os controles contêm pré-anotação de uma hora de intervalo’, de modo que ‘cabia ao autor desconstituir os registros de ponto, provando o fato constitutivo do direito a horas extras intervalares (arts. 818 da CLT e 333, I, do CPC/1973), inclusive porque admitiu a correção dos registros de entrada e saída’. Consignou, contudo, que o autor não se desonerou de seu ônus probatório, pois os depoimentos testemunhais ‘atestam a divisão da prova no que diz respeito ao tempo de intervalo, situação que desautoriza a condenação’. Assim, considerou ‘correto o intervalo pré-anotado nos controles, não desconstituídos’, e reformou a sentença ‘para afastar da condenação os 30 minutos de horas extras intervalares e seus reflexos’. 2. Decisão regional em consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que, apresentados pelo empregador cartões de ponto com a pré-assinalação do intervalo intrajornada, cabe ao empregado comprovar que o período para repouso e alimentação pré-assinalado não era efetivamente concedido – ônus Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 154 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 do qual o reclamante, no caso, não se desvencilhou. Precedentes. 3. Incidência do art. 896, § 4.º, da CLT e aplicação da Súmula 333 do TST (...)” (RR 25600-35.2008.5.09.0594, 1.ª T., j. 25.02.2015, rel. Min. Hugo Carlos Scheuermann, DEJT 06.03.2015). “Embargos sujeitos à sistemática da Lei 11.496/2007 – Horas extras – Intervalo intrajornada – Ônus da prova 1. Tendo o acórdão embargado sido publicado posteriormente ao início da vigência da Lei 11.496/2007, os presentes Embargos sujeitam-se à nova redação do art. 894, II, da CLT. 2. No tocante à contrariedade à Súmula 126 do TST, é voltada a eventual acerto da C. Turma na apreciação das premissas fáticas consignadas no acórdão regional, não se compatibilizando com a exclusiva finalidade uniformizadora da SBDI-1, após o advento da Lei 11.496/2007. 3. O § 2.º do art. 74 da CLT determina apenas a pré-assinalação do período de repouso, procedimento adotado pela Portaria 3.626/1991 do Ministério do Trabalho, que disciplina o registro de empregados, de horário e a anotação na CTPS. A falta de registro diário do intervalo intrajornada não transfere ao empregador o ônus de provar a concessão do descanso. Incumbe à parte provar os fatos que alega, constitutivos do seu direito, a teor dos arts. 818 da CLT e 333, I, do CPC/1973. Honorários advocatícios. O acórdão embargado está em consonância com súmula do TST, o que atrai o óbice da parte final do art. 894 da CLT. Embargos conhecidos parcialmente e desprovidos” (Embargos em EDiv em RR 135300-57.1999.5.17.0005, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, j. 02.04.2009, rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 07.04.2009). Diferentemente, vedada a prenotação do intervalo fracionado na forma do § 1.º do art. 13, caso este não seja apontado diariamente ou haja prenotação ao arrepio da lei, o ônus probatório recairá sobre o empregador, à luz da Súmula 338 do C. TST aplicada ao caso. Neste sentido, precedentes do C. TST: “Recurso de embargos interposto sob a égide da Lei 11.496/2007. Horas extras. Ônus da prova. Intervalo para alimentação e repouso. Ausência de pré-assinalação nos cartões de ponto. 1. A jurisprudência desta Corte superior, consubstanciada no item I da Súmula 338, encerra tese no sentido de que ‘é ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2.º, da CLT’, sendo que ‘a não apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário’. 2. De outro lado, o art. 74, § 2.º, da CLT prevê que, nos estabelecimentos com mais de dez empregados, é obrigatória a anotação do horário de entrada e saída dos empregados, restando autorizada a pré-assinalação do período destinado a alimentação e repouso. 3. Conclui-se, daí, que compete ao reclamado Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Nacionais 155 comprovar a concessão do período destinado a alimentação e repouso – apresentando, para tanto, os cartões de frequência devidamente pré-assinalados, visto que se trata de fato extintivo do direito às horas extras. Precedentes da SBDI-I. 4. Na presente hipótese, a reclamada não se desincumbiu do encargo que lhe competia, pois os cartões de ponto carreados aos autos não continham pré-assinalação do período destinado ao intervalo intrajornada. 5. Nesse caso, afigura-se irretocável a decisão proferida pela Turma no sentido de não conhecer do recurso de revista empresarial, não havendo falar em violação dos arts. 818 da CLT e 333, I, do CPC/1973. 6. Recurso de embargos conhecido e não provido” (Embargos em EDiv em RR 2913-59.2011.5.02.0075, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, j. 14.05.2015, rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, DEJT 22.05.2015). “Recurso de embargos. Intervalo intrajornada. Ônus da prova. Ausência de pré-assinalação. A jurisprudência da C. SDI é no sentido de que o ônus da prova do intervalo intrajornada não usufruído é do empregador, quando este não procede à assinalação do intervalo nos cartões de ponto. Isso porque (...) – compete à reclamada comprovar a concessão do período destinado a alimentação e repouso – apresentando, para tanto, os cartões de frequência devidamente pré-assinalados, visto que se trata de fato extintivo do direito às horas extras. Não se desincumbindo a reclamada do encargo que lhe competia, afigura-se inviável reconhecer, por mera presunção, a pré-assinalação do período destinado ao intervalo intrajornada no período não coberto pela prova documental trazida aos autos pela reclamada (Embargos em EDiv em RR 716300-65.2002.5.02.0900, Min. Lelio Bentes Corrêa, DEJT 29.04.2011). Embargos conhecidos e providos” (Embargos em EDiv em RR 74100-62.2006.5.04.0006, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, j. 02.06.2011, rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DEJT 10.06.2011). 5.4 Trabalho noturno Neste ponto, a LC 150/2015 em seu art. 14 praticamente repete os preceitos da CLT, assegurando ao trabalhador doméstico adicional noturno de 20% para o labor entre às 22h00 de um dia e às 05h00 do dia seguinte, bem como consigna para fins de cálculo a hora noturna reduzida à razão de 52 minutos e 30 segundos. Merece menção o § 3.º do art. 14, que a nosso ver visa apenas coibir a figura do salário complessivo, que de longa data não é admitido pela jurisprudência pátria, nos termos da Súmula 91 do C. TST. Trata-se de uma redundância do legislador que, cautelosamente, vem evitar interpretações que privem o emAraujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 156 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 pregado doméstico contratado para trabalhar exclusivamente à noite da justa contraprestação por este trabalho mais penoso. 6. Contratação a termo A jurisprudência pátria já aceitava largamente a contratação a título de experiência do empregado doméstico, aplicando analogicamente os preceitos da CLT. A Lei Complementar, portanto, veio sacramentar aquilo que já era admitido pela jurisprudência, trazendo segurança jurídica à questão, repetindo na íntegra o regramento celetista sobre o tema ao delimitar o prazo máximo de 90 dias de contrato e a possibilidade de prorrogação do contrato de experiência por uma vez (desde que respeitado o limite máximo de 90 dias para os dois períodos somados) – art. 5.º, §§ 1.º e 2.º. A grande inovação está no art. 4.º, II, que autoriza a contratação a termo para necessidades familiares de natureza transitória ou substituição de outro empregado doméstico cujo contrato esteja interrompido ou suspenso, desde que observados como limites máximos o término do evento que motivou a contratação e o tempo máximo de dois anos. Assim, possível ao empregador doméstico contratar empregado para substituir outro que esteja em férias ou afastado em gozo de benefício previdenciário, por exemplo. Quanto às necessidades familiares de natureza transitória os exemplos são mais difíceis, mas podemos elucubrar a hipótese da contratação de cuidador para zelar por familiar enfermo. Ou então, a contratação de babá para auxiliar a mãe nos primeiros anos de vida do bebê. Em qualquer caso, é claro, observado o limite temporal de dois anos e o término do evento que motivou a contratação. Em ambas as formas de contratação a nova lei dos domésticos é silente sobre a necessidade de contrato escrito. A doutrina, ao tratar dos contratos a termo regidos pela CLT é dividida. Parcela entende essencial a forma escrita, porquanto as cláusulas essenciais do contrato devem ser anotadas em CTPS.16 Outra parcela admite a contratação verbal, ponderando que a forma escrita só exigível quando o legislador expressamente a prevê.17 16. Neste sentido Valentin Carrion e Amauri Mascaro Nascimento apud CASSAR, Vólia Bomfim. Op. cit., p. 606. 17. Neste sentido Octávio Bueno Magano, José Augusto Rodrigues Pinto, Alice Monteiro de Barros e Vólia Bomfim Cassar apud, idem, p. 606. Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Nacionais 157 A nosso ver, contudo, por se tratarem de formas excepcionais de contratação, com requisitos próprios, prefixação de prazo e motivos, entendemos que necessariamente devem ser contratos escritos, sob pena de se fomentar fraudes à legislação trabalhista. Neste sentido, aliás, vem se inclinando os julgados mais recentes do C. TST: “Recurso de Revista. 1. Contrato de experiência. Inviabilidade de prova meramente testemunhal. Falta de evidência escrita, seja em documento próprio, seja em anotação em CTPS. O contrato de experiência, por possuir termo certo, à base de data específica, sendo também excepcional, somente pode ser provado por escrito, mas não por simples depoimento testemunhal (aqui a forma é da essência do ato). Ausente tal prova nos autos, segundo o TRT, incide a presunção de indeterminação do pacto celebrado. De par com tudo, a análise das argumentações da Reclamada, no que toca ao tema em epígrafe, esbarra no óbice da Súmula 126 do TST. Recurso de revista não conhecido, neste tópico. 2. Honorários advocatícios. Hipótese de cabimento. Súmula 219 do TST. Consoante orientação contida na Súmula 219 do TST, interpretativa da Lei 5.584/1970, para o deferimento de honorários advocatícios, nas lides oriundas de relação de emprego, é necessário que, além da sucumbência, haja o atendimento de dois requisitos, a saber: a assistência sindical e a comprovação da percepção de salário inferior ao dobro do mínimo legal, ou que o empregado se encontre em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família. Com efeito, se o Autor não está assistido por sindicato de sua categoria, impossível subsistir a condenação ao pagamento da verba postulada. Recurso de revista conhecido e provido, no aspecto” (RR 31100-56.2009.5.04.0022, 3.ª T., j. 24.10.2012, rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, DEJT 31.10.2012). “Agravo de instrumento em recurso de revista em face de decisão publicada antes da vigência da Lei 13.015/2014. Contrato de experiência. Ausência de instrumento escrito. Estabilidade gestante. Indenização substitutiva. Embora não haja previsão expressa na CLT acerca do formalismo inerente ao contrato de experiência, a jurisprudência desta Corte assentou-se no sentido da necessidade de certa formalidade para a configuração válida dessa modalidade de contrato de trabalho, seja por meio de anotação na CTPS, seja por contrato escrito. Ainda que se admitisse a validade do contrato de experiência sob a forma verbal, essa circunstância não afastaria o direito à estabilidade gestante, convertida em indenização substitutiva, haja vista a orientação contida na Súmula 244, III, do TST. Agravo de instrumento desprovido” (AgIn em RR 2272-73.2012.5.02.0063, 7.ª T., j. 29.04.2015, rel. Des. Convocado Arnaldo Boson Paes, DEJT 05.05.2015). Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 158 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Por fim, no que pertine à rescisão destes contratos a termo, a Lei Complementar repete o regramento dos arts. 479 e 480 da CLT prevendo, em caso de rescisão antecipada, indenização da metade do valor devido até o término do contrato pelo empregador ou indenização pelo empregado pelos prejuízos que causar, limitada ao valor da indenização que o empregador deveria em iguais condições. Tal qual o regramento da CLT (art. 487, caput), é desnecessário aviso prévio para rescisão contratual – art. 8.º. 7.Direitos em geral A nova Lei dos Domésticos regulamentou direitos que já eram consagrados por meio do texto constitucional, que foram incluídos pela EC 72, ou que já eram previstos na antiga lei do doméstico com suas alterações. É o caso, por exemplo, das férias, cuja regulamentação trouxe equiparação plena aos trabalhadores urbanos, ao assegurar 30 dias de férias após 12 meses de prestação de serviços, resguardar férias proporcionais em caso de dispensa sem justa causa e possibilitar de conversão de 1/3 das férias em abono pecuniário – art. 17 da LC 150. De igual modo, já havia previsão na revogada Lei 5.859/1972 acerca da vedação de descontos salariais por fornecimento de alimentação, moradia (salvo se fornecida em local diverso da prestação de serviços, mediante ajuste expresso), vestuário e higiene, o que foi repetido no novo regramento ora vigente. A condição do doméstico como segurado obrigatório e a garantia de emprego à gestante também foram repetidos na novel legislação. Há, porém, algumas peculiaridades e novidades que merecem destaque: 7.1Férias Primeira peculiaridade é a possibilidade de gozo das férias no local de trabalho, aos empregados que residem no emprego (art. 17, § 5.º). Trata-se de previsão salutar, dando segurança jurídica à relação contratual doméstica e suas peculiaridades. Além disso, o legislador previu que o abono de férias deve ser requerido até 30 dias antes do término do período aquisitivo (art. 17, § 4.º), prazo superior aos 15 dias previstos pela CLT (art. 143, § 1.º, da CLT), aspecto que merece atenção dos operadores do direito. O fracionamento das férias é possível, desde que respeitado um período mínimo de 14 dias (art. 17, § 1.º). A lei, portanto, tem previsão distinta da ceAraujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Nacionais 159 letista, que possibilita o fracionamento desde que respeitado o mínimo de 10 dias (art. 134, § 1.º, da CLT). Sinceramente não enxergamos motivos para a distinção feita pelo legislador neste particular, o que a nosso ver apenas gera confusão no meio jurídico e nas relações empregatícias, já que a praxe consagrada seguia os parâmetros da CLT. Mais uma vez, é um aspecto que merecerá atenção dos militantes na área trabalhista. Ainda neste ponto, a nova lei assegura ao empregador a prerrogativa de fracionamento das férias, ao dispor que o “período de férias poderá, a critério do empregador, ser fracionado” (grifei), o que difere substancialmente do texto celetista, que somente permite o fracionamento “em casos excepcionais”. Assim, não há se perquirir, no âmbito doméstico, sobre os motivos do fracionamento, que pode ser exercido como direito potestativo do empregador. No mais, o regramento de férias da CLT será aplicado supletivamente, consoante permissivo do art. 19 da LC 150/2015. 7.2Vale-transporte Segundo a Lei 7.418/1985, o empregador deve custear as despesas de locomoção residência-trabalho através do chamado vale-transporte, cuja comercialização fica a cargo da empresa operadora de transporte público (art. 5.º). Tal benesse não possui natureza salarial, à luz do art. 2.º da Lei 7.418/1985. Antecipando discussões sobre a natureza salarial do benefício e desburocratizando a relação doméstica, a LC 150 permite que o empregador doméstico efetue o pagamento dos valores de transporte em pecúnia, sem a necessidade de aquisição do vale-transporte. Via de consequência, não pairam dúvidas de que, na relação doméstica, o pagamento do benefício em epígrafe pode se dar em dinheiro sem que isto implique em natureza salarial da parcela. 7.3 Descontos salariais Como visto, a revogada Lei 5.859/1972 já tratava do tema de forma bastante satisfatória. A nova lei dos domésticos, contudo, supriu lacunas relevantes ao estabelecer que despesas com moradia, alimentação, vestuário, higiene e moradia, não se integram a remuneração para qualquer fim, fazendo distinção relevante em relação ao texto da CLT (art. 458, caput) que prevê a natureza salarial destas Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 160 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 benesses. A legislação foi atenta à peculiaridade do trabalho doméstico, que se dá no seio familiar e se antecipou encerrando discussões acerca do tema. Foi feliz ao majorar a proteção salarial do empregado, vedando descontos referentes a despesas em viagens para acompanhar o empregador (englobando transporte, estadia e alimentação) – art. 18, caput. Atento à dignidade humana e visando estimular benefícios não salariais que melhorem o padrão de vida dos trabalhadores, o § 1.º do art. 18 possibilita a inclusão, mediante ajuste expresso, do empregado em planos médico-hospitalares e odontológicos, seguro e previdência privada, autorizando a dedução de percentual até 20% do salário do empregado como participação no custeio. Neste aspecto, a lei ficou silente sobre a natureza salarial destes benefícios, o que no nosso sentir pode possibilitar discussões judiciais. Entendemos, contudo, que são parcelas de cunho indenizatório e não integráveis à remuneração, por aplicação analógica da CLT no particular (art. 458, § 2.º, IV, V e VI)18 com fulcro no art. 19 da LC 150/2015. 7.4 FGTS e seguro-desemprego Neste particular a Lei Complementar assegurou idênticos direitos ao empregado doméstico, porém, regulamentou a forma de recolhimento do título de forma diversa das demais relações empregatícias. Considerando que o empregador doméstico necessariamente é uma pessoa natural e, portanto, é mais vulnerável às variáveis da economia nacional, inclusive podendo ser vítima do desemprego, o legislador foi atento às possível dificuldades de provisionamento de recursos financeiros e estabeleceu que o empregador recolherá mensalmente, além dos 8% de FGTS, 3,2% calculados sobre 18. “Art. 458. Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações in natura que a empresa, por fôrça do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas. (Redação dada pelo Dec.-lei 229, de 28.02.1967) (...) § 2.º Para os efeitos previstos neste artigo, não serão consideradas como salário as seguintes utilidades concedidas pelo empregador:(Redação dada pela Lei 10.243, de 19.06.2001) (...) IV – assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente ou mediante seguro-saúde;(Incluído pela Lei 10.243, de 19.06.2001) V – seguros de vida e de acidentes pessoais;(Incluído pela Lei 10.243, de 19.06.2001) VI – previdência privada.” Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Nacionais 161 a remuneração do mês anterior destinados a fazer frente às despesas futuras com a indenização de 40% em caso de eventual dispensa sem justa causa (art. 22). Ressalva a lei que, em caso de dispensa por justa causa, demissão por iniciativa do empregado, falecimento ou aposentadoria, os valores atinentes aos 3,2% mensais serão movimentados pelo empregador. Merece atenção a menção à aposentadoria, na medida em que o legislador desatentou à jurisprudência pacífica trabalhista, mormente após as ADIn 1770-4 e 1721-3 que reputaram inconstitucionais os §§ 1.º e 2.º do art. 453 da CLT. Entendemos que, como a aposentadoria não gera a extinção automática do liame empregatício, à luz das ADIns mencionadas, não será possível ao empregador movimentar os valores depositados para a indenização dos 40% sobre o FGTS nesta hipótese, salvo se o empregado efetivamente der causa à rescisão por iniciativa própria ou por justa causa. Isto porque, a aposentadoria é direito do trabalhador que mantém relação jurídica com a previdência social, relação totalmente distinta da empregatícia, a qual não pode sofrer extinção automática pelo regular exercício de um direito social. Neste particular, vale a transcrição da ementa do acórdão na ADIn 1721-3: “3. A Constituição Federal versa a aposentadoria como um benefício que se dá mediante o exercício regular de um direito. E o certo é que o regular exercício de um direito não é de colocar o seu titular numa situação jurídico-passiva de efeitos ainda mais drásticos do que aqueles que resultariam do cometimento de uma falta grave (sabido que, neste caso, a ruptura do vínculo empregatício não opera automaticamente). 4. O direito à aposentadoria previdenciária, uma vez objetivamente constituído, se dá no âmago de uma relação jurídica entre o segurado do Sistema Geral de Previdência e o Instituto Nacional de Previdência Social. Às expensas, portanto, de um sistema atuarial-financeiro que é gerido por este Instituto mesmo, e não às custas desse ou daquele empregador. 5. O ordenamento constitucional não autoriza o legislador a criar modalidade de rompimento automático do vínculo de emprego em desfavor do trabalhador, na situação em que este apenas exercita o seu direito de aposentadoria espontânea, sem cometer deslize algum. 6. A mera concessão de aposentadoria voluntária ao trabalhador não tem por efeito extinguir, instantânea e automaticamente, o seu vínculo de emprego”. No mais, os recolhimentos do FGTS pelo empregador somente se tornarão obrigatórios após regulamentação pelo Conselho Curador do FGTS, consoante vaticina o art. 22, caput e § 1.º, da nova Lei dos Domésticos. Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 162 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Quanto ao seguro-desemprego, considerando a inscrição obrigatória dos domésticos no sistema do FGTS, passou a ser benefício garantido a todos os domésticos, observando como parâmetros o valor de um salário mínimo de benefício e o limite máximo de três meses de recebimento, na forma da Lei 7.998/1990 e regulamento do Codefat. 7.5 Rescisão contratual. Aviso prévio. Justa causa. Rescisão indireta A nova legislação repete os parâmetros da Lei 12.506/2011, no que tange à proporcionalidade do aviso prévio, e o art. 488 da CLT, quanto à redução de jornada ou ausência por sete dias corridos durante este período. Esclarecendo o tema, o legislador não deixa margem para dúvidas ao preceituar que o aviso prévio proporcional é devido apenas ao empregado, nos moldes do § 1.º do art. 23 que prevê: “ao aviso prévio previsto neste artigo, devido ao empregado, serão acrescidos”. Ou seja, é benefício exclusivo do trabalhador e, nem se poderia cogitar de forma diversa, já que o aviso prévio e sua proporcionalidade são assegurados constitucionalmente como direitos do trabalhador, não do empregador (art. 7.º, XXI). Além disso, a nova lei preceitua as modalidades de justa causa ao empregado doméstico em seu art. 27. Repetem-se as modalidades do art. 482 da CLT e acrescenta-se a hipótese de “submissão a maus tratos de idoso, de enfermo, de pessoa com deficiência ou de criança sob cuidado direto ou indireto do empregado”. Trata-se de hipótese bastante afeta ao trabalho doméstico, mas cuja previsão textual faz-se desnecessária, diante das hipóteses X e XII do mesmo art. 27. Ao ensejo, no que tange às hipóteses do citado inc. XI, temos que a legislação elasteceu a tipicidade da conduta grave ao prever que configura justa causa não apenas o ato lesivo à honra ou boa fama ou ofensas físicas em face do empregador, como também, em face de sua família. Assim, diversamente do art. 482, k, da CLT, aqui há uma ampliação da conduta passível de tipificar uma justa causa. De outro lado, no que tange ao abandono de emprego disciplinou de forma taxativa que este só se configura em caso de ausência injustificada ao trabalho por 30, ou mais, dias corridos. Trata-se de parâmetro já consagrado pela jurisprudência e entendemos que os demais requisitos, como a prova de convocação para retorno, capaz de evidenciar o animus abandonandi, aplicam-se aqui como em qualquer relação empregatícia. O silêncio da lei a este respeito não autoriza tal interpretação, já que se trata de construção doutrinária e jurisprudencial acerca do tema para disciplinar o art. 482, i, que também é lacônico. Por fim, vê-se que a lei silenciou acerca da negociação habitual e a revelação de segredo de empresa, figuras que são incompatíveis com uma relação doméstica. Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Nacionais 163 No que tange às condutas graves patronais a justificar a rescisão indireta, a lei repete a dicção do art. 483 da CLT, acrescentando como hipótese o caso de violência doméstica familiar contra a mulher, na forma da Lei 11.340/2006. Além disso, adaptando à realidade doméstica as hipóteses de agressão física ou moral, prevê que configura justa causa patronal a prática de agressões pelo empregador ou pela família do empregador, bem como nos casos em que a agressão não seja ao trabalhador, mas à família deste (ex. o empregador que agride a filha da trabalhadora doméstica). Vê-se que há um alargamento em relação ao texto do art. 483 da CLT, que não prevê textualmente como justa causa patronal a agressão física à família dos empregados urbanos em geral (art. 483, f). Família é conceito indeterminado, de modo que nos parece mais acertado avaliar casuisticamente como família aquele núcleo de indivíduos que nutrem laços afetivos relevantes, independentemente da consanguinidade. “No século XXI é preciso reconhecer que a família não é formada como outrora, com a finalidade de procriação, mas, essencialmente, com a liberdade de constituição democrática, afastando-se os conceitos prévios, principalmente religiosos, na medida em que família é linguagem, diálogo, conversação infinita e modos de ser-no-mundogenético, de ser-no-mundo-(des)afetivo e de ser-no-mundo-ontológico”.19 Sob este viés, portanto, deve-se avaliar casuisticamente os casos de lesão pela família do empregador e à família do trabalhador. Logo, como exemplo pode-se cogitar como causa de rescisão indireta a agressão ao irmão “de criação” do empregado doméstico, ou a um primo muito próximo. 8. Conclusão O trabalho doméstico sempre foi objeto de uma injusta discriminação, gozando de menor proteção legal que só agora, com o advento da LC 150/2015, foi extirpada. A nova Lei dos Domésticos tem muitas qualidades, notadamente ao disciplinar de forma exaustiva e detalhada os direitos desta especial categoria de trabalhadores, sendo atenta às peculiaridades deste tipo de trabalho e traçando parâmetros especiais que permitem a boa harmonização das relações trabalhistas. 19. WELTER, Belmiro Pedro. Teoria tridimensional no direito de família: reconhecimento de todos os direitos das filiações genética e socioafetiva.Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul. n. 62. p. 19-20. Porto Alegre, nov. 2008-abr. 2009. Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 164 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Podemos sintetizar como principais destaques os seguintes aspectos da Lei Complementar: – A vedação do trabalho doméstico ao menor de 18 anos; – A delimitação precisa da assiduidade do trabalhador doméstico para fins de configuração continuidade e, consequentemente, da relação de emprego; – Possibilidade de compensação de horários no âmbito doméstico, mediante acordo individual escrito; – Possibilidade de redução do intervalo intrajornada e o fracionamento do intervalo intrajornada em dois períodos mínimos de uma hora, para os trabalhadores que residem no local de trabalho, sempre mediante ajuste individual expresso prévio; – Remuneração diferida para o salário-hora dos períodos de viagem; – A desburocratização do pagamento do vale-transporte; – A regulamentação dos depósitos do FGTS, valendo-se de mecanismo em que se reduzem os riscos de inadimplência da indenização dos 40% ao tempo da rescisão; – Possibilidade de inclusão do trabalhador doméstico em planos de saúde médico-hospitalares ou odontológicos, bem como seguros de vida e previdência privada, com coparticipação do empregado no custeio, limitada a 20% de seu salário; – A não integração à remuneração das benesses espontaneamente concedidas ao empregado doméstico a título de alimentação, vestuário, higiene pessoal e moradia; – O tratamento detalhado das hipóteses de justa causa e rescisão indireta do contrato de trabalho, atentando para o meio em que se desenvolve o trabalho doméstico. Importante, ainda, ressaltar como grande virtude da lei assegurar a aplicação subsidiária da CLT, da Lei 605/1949, da Lei 4.090/1962, 4.749/1985 e 7.418/1985, ao emprego doméstico, sepultando quaisquer dúvidas acerca da dimensão e alcance dos direitos assegurados aos domésticos naquilo em que a LC 150 for omissa. Conclusivamente, entendemos que a lei veio em bom momento, firmando passo importante na solidificação das duras conquistas da categoria, sem olvidar das peculiaridades que cercam este tipo de trabalho, o que fomentará segurança jurídica aos contratantes. Sem dúvidas, a LC 150/2015 é um marco histórico no incremento de direitos sociais, com foco na proteção cada vez maior do valor social trabalho e da dignidade da pessoa humana, pilares da República Federativa do Brasil (art. 1.º da CF). Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Nacionais 9.Referências bibliográficas BARROS, Maria Alice. Contratos e regulamentações especiais de trabalho. São Paulo: Ed. LTr, 2008. ______. Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: Ed. LTr, 2010. CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 5. ed. Niterói: Impetus, 2011. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: Ed. LTr, 2008. LENZA, Pedro. Direito constitucional. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. MIESSA, Élisson; CORREA, Henrique. Súmulas e Orientações Jurisprudenciais do TST comentadas. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2014. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de direito do trabalho aplicado. Processo do trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 8. ed. São Paulo: Ed. LTr, 2015. WELTER, Belmiro Pedro. Teoria tridimensional no direito de família: reconhecimento de todos os direitos das filiações genética e socioafetiva. Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul. n. 62. p. 19-20. Porto Alegre, nov. 2008-abr. 2009. Pesquisas do Editorial Veja também Doutrina • A fiscalização do trabalho doméstico: um possível conflito entre a inviolabilidade do domicílio do empregador e a proteção do trabalho, de Késia Rodrigues da Costa e Ana Virgínia Moreira Gomes – RDT 168 (DTR\2016\2974); •A proteção previdenciária do empregado doméstico e a LC 150/2015, de André Studart Leitão e Eduardo Rocha Dias – RT 962/239-253 (DTR\2015\17072); e • Reconhecimento e concretização dos direitos constitucionais das trabalhadoras domésticas pós-EC 72/2013 no contexto brasileiro de constitucionalização simbólica, de Sarah Hora Rocha e Nelson Camatta Moreira – RDCI 92/149-170 (DTR\2015\12674). Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 165 Estudos Estrangeiros 169 Estados Unidos da América – Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155 United States of America – Restrictions on imports of tuna products (US – Tuna i), DS21/R – 39S/155 Marina Amaral Egydio de Carvalho Doutoranda e Mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela PUC-SP. Professora de Direito Internacional na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Advogada. Lucas Mandelbaum Bianchini Advogado. Área do Direito: Internacional Resumo: O presente artigo objetiva analisar, sob a égide do sistema de solução de controvérsias constituído pelo Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas (“GATT”), o caso Estados Unidos da América – Restrições nas importações de produtos de atum (doravante caso “EUA – Atum I”) dentro de seu contexto histórico, expondo as questões fáticas e jurídicas pertinentes ao caso, em especial no que tange à aplicação de medidas comerciais relacionadas ao meio ambiente. Abstract: This article aims to analyze, under the aegis of the dispute settlement system constituted by the General Agreement on Tariffs and Trade (“GATT”), the case United States of America – Restrictions on imports of tuna products (hereinafter case “US – Tuna I”) within its historical context, explaining the factual and legal issues relevant to the case, in particular as regards the implementation of trade measures related to the environment. Palavras-chave: Acordo Geral sobre Comércio e Keywords: General Agreement on Tariffs and Trade (“GATT”) – US – Tuna I – Historical context. Tarifas (GATT) – EUA – Atum I – Contexto histórico. Sumário: 1. Introdução. 2. O caso EUA – Atum I. 3. O MMPA, a Pelly Amendmente e os artigos III: 4 e XI do GATT. 3.1 A imposição de Regulamento Interno sob o artigo III: 4 e a questão “produto – processo”. 3.2 O descumprimento do artigo XI do GATT. 3.3 A Pelly Amendment e o artigo XI do GATT. 4. As exceções do artigo XX do GATT. 5. O DPCIA. 6. Considerações finais. 7. Referências bibliográficas. Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América – Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 169-186. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 170 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 1.Introdução O presente artigo objetiva analisar o caso Estados Unidos da América – Restrições nas importações de produtos de atum (doravante caso “EUA – Atum I”) dentro de seu contexto histórico, expondo as questões fáticas e jurídicas pertinentes ao caso, em especial no que tange à aplicação de medidas comerciais relacionadas ao meio ambiente. A discussão atinente ao caso perdurou durante os anos 1990 a 1992, sob a égide do sistema de solução de controvérsias constituído pelo Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas (“GATT”), assinado em 1947, sob o qual também restou a fundamentação adotada pelo México para o questionamento das medidas impostas pelos Estados Unidos. Tanto o ordenamento jurídico que regula o comércio internacional quanto o sistema de solução de controvérsias que se encontra atualmente em vigor seria apenas colocado em prática ao final da Rodada Uruguai, em 1995, com a instituição da Organização Mundial do Comércio (“OMC”). O caso EUA – Atum I, apesar de ter ocorrido ainda na década de 90, mantém sua relevância nos dias atuais. Trata-se de um dos primeiros casos que trata da temática ambiental, discutindo o confronto entre o liberalismo comercial proposto pelo GATT e as medidas restritivas ao comércio fundamentadas na proteção ao meio ambiente.1 Este artigo analisa o caso EUA – Atum I e apresenta as conclusões jurídicas encontradas pelo Painel, em relação aos artigos relevantes do GATT. Assim, a seção [u11] 2 apresenta o contexto fático que gerou o início da controvérsia e um breve resumo dos argumentos das partes. A seção 3 demonstra a argumentação estabelecida pelos membros do Painel no que tange ao não enquadramento das medidas aplicadas pelos EUA como regulamentos internos, nos termos do Artigo III:4 do GATT. A seção 4 aborda as considerações do Relatório do Painel a respeito da alegada justificativa ambiental da medida, nos termos das exceções do GATT, e a dificuldade em torno da aplicação extraterritorial de medidas potencialmente restritivas ao comércio. A seção 5 conclui o presente artigo, apresentando as considerações finais quanto aos temas estudados. Vale ressaltar que as implicações deste caso levaram ao seu “ressurgimento” em 2009, mas desta vez analisado sob o ordenamento normativo do Acordo de Barreiras Técnicas ao Comércio (“Acordo TBT”) da OMC. Este caso será 1. JACKSON, John H.; The jurisprudence of GATT & the WTO. Nova Iorque: Cambridge University Press,: 2000. p.. Página 120. Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América – Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 169-186. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 171 tratado no capítulo seguinte deste livro, no qual serão apresentados eventuais contrapontos entre as duas controvérsias. 2.O caso EUA – Atum I Em 1990 vigia o sistema de solução de controvérsias estabelecido pelo GATT 1947. Este sistema era baseado em consultas prévias2 entre as partes-contratantes e, caso não fosse encontrada uma solução satisfatória, poder-se-ia estabelecer um Painel para a resolução do caso, sob alegação de existência de prejuízo ou “nulificação”3 de um benefício garantido pelo GATT. O Painel colocava-se acima das partes, como uma instância independente, e formulava um parecer com conclusões motivadas pela interpretação jurídica do GATT.4 Em 05.11.1990, o México iniciou consultas com os Estados Unidos em razão de restrições aplicadas sobre assuas exportações de atum para aquele país. As partes não conseguiram chegar a uma solução satisfatória e, após requisição pelo México,5 foi estabelecido um Painel em 06.02.1991. As medidas questionadas pelo México incluíam três atos normativos, nomeadamente: (i) certas Seções6 do Marine Mammal Protection Act, de 1972 (“MMPA”); (ii) a Pelly Amendment e; (iii) o Dolphin Protection Consumer Information Act (“DPCIA”). O MMPA estabelecia a proibição da importação de peixes utilizados para fins comerciais que fossem pescados com certa tecnologia de pesca comercial, que resultasse na morte acidental de mamíferos do oceano em excesso aos padrões estabelecidos pelos Estados Unidos. No caso específico, tratava-se da importação de atum cujo método de pesca por meio de redes de cerco causava a captura acidental de golfinhos, sendo que os EUA estabeleceram um limite 2. Artigo XXII, Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas 1947. 3. Artigo XXIII, Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas 1947. 4. LAFER, Celso.; A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. Páginas p. 117-118. 5. Requisição para o estabelecimento de um Painel sob o Artigo XXIII:2 pelo México. DS21/1, 25.01. de janeiro de 1991. Disponível em: [http://sul-derivatives.stanford.edu/derivative?CSNID=91530106&mediaType=application/pdf]. Acessado em: 24.08. de agosto de 2013. 6. As Seções específicas do MMPA questionadas pelo México foram: (i) Seção 101(a) (2); (ii) Seção 101(a)(2)(B); (iii) Seção 101(a)(2)(B)(I), (II) e (III); (iv) Seção 101(a) (2)(D); (v) Seção 104(h)(2)(A) e (B) e; (vi) Seção 101(a)(2)(C), conforme o Relatório do Painel, paras. 3.1-5. Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América – Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 169-186. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 172 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 quantitativo considerado tolerável para esta captura incidental. No âmbito do MMPA, caberia ao país cuja proibição fosse estabelecida demonstrar que possuía programa de controle sobre a tomada incidental de mamíferos marinhos e que a sua ocorrência enquadrava-se nos limites estabelecidos pelos EUA. Em conjunto ao MMPA, a Pelly Amendment estabelecia que, caso a aplicação de um embargo às importações de atum perdurasse por mais de 60 dias, o Presidente dos EUA teria a discricionariedade de ordenar a proibição da importação de todos os produtos derivados de peixe daquele país.7 Adicionalmente, o MMPA estabelecia que, após a aplicação de um embargo pelos EUA às importações de atum e produtos de atum pescados comercialmente e produzidos por entidades de um determinado país, os países intermediários que também exportassem tais produtos aos EUA seriam notificados e caso eles não proibissem também a importação de atum e produtos de atum originários do país embargado, após certo decurso de tempo, seriam eles também objeto da proibição. Decorridos sessenta 60 dias da aplicação da proibição, o Presidente dos EUA teria a discricionariedade para ordenar a proibição da importação de todos os produtos derivados de atum do país intermediário.8 Por último, o DPCIA especificava um padrão de rotulagem para produtos de atum e derivados do atum importados pelos EUA ou colocados à venda naquele país e estabelecia critérios que autorizavam a inserção da designação “Dolphin-Safe” no rótulo destes produtos. Sob este estatuto, produtos que possuíssem em seu conteúdo qualquer derivado de atum obtido de forma danosa aos golfinhos não estariam autorizados a utilizar esta designação.9 Durante o Painel, o México alegou que o MMPA: (i) seria inconsistente com a proibição geral de restrições quantitativas ao comércio, violando o Artigo XI do GATT;10 (ii) estabelecia condições discriminatórias específicas para uma área geográfica determinada, violando o Artigo XIII do GATT11 e que; (iii) após a análise do Painel quanto a à violação destes artigos, ele deveria considerar que as condições de comparação entre o regulamento americano e o de terceiros países, para efeitos de cumprimento dos requisitos estabelecidos na me- 7. Relatório do Painel. Paras. 2.1-9. Disponível em: [http://sul-derivatives.stanford.edu/ derivative?CSNID=91530924&mediaType=application/pdf]. Acessado em: 24.08. de agosto de 2013. 8. Relatório do Painel. Paras. 2.10-11. 9. Relatório do Painel. Para. 2.12. 10. Relatório do Painel. Paras. 3.10-13. 11. Relatório do Painel. Paras. 3.14-15. Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América – Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 169-186. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 173 dida, violava o Artigo III do GATT.12 Adicionalmente, sob a Pelly Amendment e o MMPA, argumentou que tanto a extensão da proibição para os produtos derivados de peixe quanto a extensão do embargo para países intermediários, violariam o Artigo XI do GATT. Em relação ao DPCIA, o México requereu ao Painel que o determinasse inconsistente com os Artigos I e IX do GATT, por estabelecer condições específicas desfavoráveis e discriminatórias para uma determinada área geográfica.13 Por sua vez, os Estados Unidos alegaram que as medidas impostas sob o MMPA e a Pelly Amendment, tanto para o México quanto para países intermediários, se enquadravam na definição de regulamentos internos que afetam a venda, oferta para venda, compra, transporte, distribuição ou utilização de atum e produtos de atum, estando em conformidade com o Artigo III:4 do GATT. Subsidiariamente, os EUA argumentaram que as medidas impostas ao México estariam cobertas pelas exceções dos Artigos XX do GATT. Em relação ao DPCIA, a defesa alegou que a medida não estaria sujeita ao Artigo IX, como alegado pelo México, e que respeitaria os Artigos I e III do GATT, vez que a discriminação feita pelo ato seria em referência às águas em que o atum seria pescado, e não quanto à origem deste. Ao final da controvérsia, o Painel entendeu14 que a proibição à importação de atum imposta ao México e às nações intermediárias não se enquadravam na definição de regulamento interno estabelecida no Artigo III:4 do GATT, não eram consistentes com o Artigo XI:1 e nem justificáveis sob o âmbito das exceções previstas no GATT. O Painel entendeu que a exceção do Artigo XX, que trata de proteção ambiental, não permitiria a aplicação de medidas domésticas de forma extraterritorial. Por outro lado, o Painel decidiu que a Pelly Amendment não era inconsistente com as obrigações dos EUA no GATT, e que as provisões relacionadas à rotulagem dos produtos de atum, constantes no DPCIA não eram inconsistentes com o Artigo I:1 do GATT. A decisão deste Painel não foi adotada, uma vez que o México decidiu não prosseguir com o caso, embora alguns dos países intermediários tenham pressionado pela sua adoção. O México e os EUA então realizaram suas próprias consultas bilaterais para chegar a um acordo fora do sistema do GATT.15 Apesar 12. Relatório do Painel. Paras. 3.16-26. 13. Relatório do Painel. Paras. 3.1-5. 14. Relatório do Painel. Paras. 7.1-3. 15. Disponível em: [http://www.wto.org/english/tratop_e/envir_e/edis04_e.htm]. Acesso em: 24.08. de agosto de 2013. Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América – Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 169-186. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 174 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 disto, o caso ainda atrai muita atenção, considerando suas implicações para as disputas ambientais. 3.O MMPA, a Pelly Amendmente e os artigos III: 4 e XI do GATT O Painel enfrentou alegações opostas de que, ou o MMPA seria um regulamento interno permitido no âmbito do Artigo III:4, aplicado internamente no momento e local de importação dos produtos de atum (argumento de defesa dos EUA), ou; o MMPA impunha restrições quantitativas às importações de produtos de atum, proibidas pelo Artigo XI do GATT (violação principal alegada pelo México). O Painel optou por analisar estes argumentos na mesma ordem em que foram apresentados, respectivamente, pelos EUA e pelo México.16 Assim, analisou primeiro se a medida enquadrar-se-ia na definição de regulamento interno e após se haveria violação ao Artigo XI.17 3.1 A imposição de Regulamento Interno sob o artigo III: 4 e a questão “produto – processo” O Artigo III do GATT regula o princípio do tratamento nacional, que objetiva assegurar que medidas internas de um país não sejam tomadas de modo a conferir proteção à produção doméstica em relação à produção estrangeira.18 Em resumo, este princípio define que as partes contratantes do GATT não podem conferir tratamento diferenciado a produtos importados similares daquele conferido a produtos nacionais. Assim, visa-se impossibilitar que o produto importado seja desfavorecido em relação ao nacional. Por sua vez, o Artigo III:4 e a nota de rodapé do Artigo III permitem aos países a imposição de regulamentos internos que afetem a “venda interna, colocação à venda, compra, transporte, distribuição e uso” de produtos importados de outros Membros, desde que tais regulamentos não violem o princípio da nação mais favorecida, o princípio do tratamento nacional e não confiram tratamento menos favorável do que aquele concedido aos produtos similares de origem nacional.19 Segundo Hestemeyer, o escopo das medidas sujeitas a 16. Relatório do Painel. Para. 5.7. 17. Relatório do Painel. Paras. 5.8-16. 18. WOLFRUM, Rüdiger; STOLL, Peter Tobias and; SEIBERT-FOHR, Anja (Eeds.).; WTO – Technical Barriers and SPS Measures. Boston: Martinus Nijhoff Publishers: Boston, 2007. vol., Volume 3., p.Página 6-8. 19. Relatório do Painel. Para. 5.9. Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América – Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 169-186. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 175 este artigo é amplo, incorporando as medidas que modifiquem as condições de competição entre o produto similar doméstico e importado.20 Para os EUA, a medida se enquadrava nos requisitos do artigo, vez que ela seria aplicada ao tempo da importação, para determinar que o atum importado fosse pescado de forma a reduzir a captura acidental de golfinhos. O Painel iniciou sua interpretação analisando se a medida se encaixaria no escopo do Artigo em questão (caso entendesse positivamente, a alegação de violação do Artigo XI apontada pelo México restaria prejudicada): notou que o MMPA não regulava produtos de atum em si, não regulava a venda destes produtos e também não prescrevia técnicas de pesca que resultavam em um efeito sob o produto em si. Na visão do Painel, o Artigo III como um todo faz referência a uma medida, seja ela uma lei ou regulamento, que afete produtos em si. Igualmente, a nota de rodapé do Artigo III se refere a medidas que se apliquem ao produto no momento da importação e o respectivo produto similar nacional. Em casos anteriores decididos sob a égide do GATT 1947, o Painel já havia analisado este artigo, no que se refere à aplicação de medidas diretamente relacionadas a produtos. No caso EUA – Impostos de petróleo e de certas substâncias importadas21 o Painel considerou que o Artigo III:2 “obriga as partes contratantes a estabelecer certas condições de competitividade para produtos importados em relação a produtos domésticos.”.22 Já no caso EUA – Seção 337 da Lei de Tarifas de 193023 o Painel entendeu que o termo “tratamento não menos favorável” do Artigo III:4 deveria ser interpretado como a necessidade de uma igualdade de oportunidades entre o regulamento aplicável ao produto importado e seu produto similar nacional. O ponto a ser destacado é que ficava claro que a compa- 20. HESTEMEYER, Holgen.; In: WOLFRUM, Rüdiger; STOLL, Peter Tobias and; SEIBERT-FOHR, Anja (eEds.). Op. cit.,; WTO – Technical Barriers and SPS Measures. Martinus Nijhoff Publishers: Boston, 2007, Volume 3. Página p. 33. 21. Relatório do Painel no caso Organização Mundial do Comércio. Estados Unidos – Impostos de petróleo e de certas substâncias importadas, adotado em 17.06. de junho e 1987 – BISD 34S/136, 158. Disponível em: [http://www.wto.org/english/tratop_e/ dispu_e/87superf.pdf]. Acesso em: 29.08. de agosto de 2013. 22. Vide nota de rodapé 16. Para. 5.1.9. Tradução livre do original em inglês: “obliges contracting parties to establish certain competitive conditions for imported products in relation to domestic products”. 23.Relatório do Painel no caso Organização Mundial do Comércio. Estados Unidos – Seção 337 das Lei de Tarifas de 1930, adotado em 07.11. de novembro de 1989 – BISD 36S/345, 386-7. Disponível em: [http://www.wto.org/english/tratop_e/ dispu_e/87tar337.pdf]. Acesso em: 29.08. de agosto de 2013. Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América – Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 169-186. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 176 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 ração sob o Artigo III tratava de medidas aplicadas entre produtos importados e produtos similares domésticos. O Painel concluiu, então, que medidas impostas sob o Artigo III e sua nota de rodapé abrigam apenas aquelas aplicadas diretamente a produtos em si, não cobrindo seu processo produtivo. Na opinião do Painel, o MMPA regulava a forma de pesca do atum, no que se referia à captura incidental de golfinhos, regulando, portanto, o processo produtivo, e não o produto em si, nem as vendas do produto. Por este motivo, a medida não foi enquadrada no escopo do artigo. Este entendimento ficou conhecido como a distinção “produto-processo”.24 A jurisprudência pontuou a diferença entre um produto em si e o processo ou modo de produção pelo qual o produto é feito. Nestes termos, o Painel definiu que o escopo de aplicação do Artigo III era direcionado apenas a medidas que se aplicam ou afetam a característica de um produto em si. Medidas que não afetem o produto em si, ou que tratem de meio de produção, que não altere as características do produto não são regulamentos caracterizados no âmbito do Artigo III: 4. Adicionalmente, o Painel entendeu que a distinção entre processos produtivos que não afetam o produto em si não pode ser considerado considerada um critério relevante para a determinação de similaridade entre o produto importado e o nacional. Neste sentido, produtos não similares precisariam ter características finais distintas entre si, não relacionadas ao processo produtivo. No presente caso, este entendimento levou o Painel a entender que os produtos eram similares, mesmo que tivessem processos produtivos diferentes. Assim, ao banir as importações do produto mexicano, similar ao nacional, os EUA estariam fazendo uma discriminação entre produtos similares. Para os ambientalistas, a necessidade de distinção na característica final do produto foi seriamente criticada, pois este critério mostra-se muito rígido para a determinação de similaridade na aplicação de uma medida ambiental.25 Ao contrário, se produtos pudessem ser considerados como “não similares” por terem diferentes processos produtivos, seria possibilitada a aplicação ampla de regulamentos ambientais que privilegiem produtos com processos produtivos 24. MATSUSHITA, Mitsuo; SCHOENBAUM, Thomas J.; MAVROIDIS, Petros C.; The World Trade Organization – Law, practice and policy. 2. ed. Nova Iorque: The Oxford International Library: Second Edition, 2006. p. 240-241. 25. Idem, p. 808-811. Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América – Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 169-186. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 177 ambientalmente sustentáveis, sem que isso seja considerada uma medida discriminatória.26 3.2 O descumprimento do artigo XI do GATT Ao estabelecer que a medida não era permitida pelo Artigo III:4, o Painel analisou a violação do Artigo XI:1 do GATT. Restrições quantitativas à importação são proibidas: especificamente, o texto do artigo prevê que: “Nenhuma proibição ou restrição (...) se tornadas efetivas por meio de cotas, licenças de importação ou exportação ou outras medidas, devem ser instituídas ou mantidas por qualquer parte contratante na importação de qualquer produto do território de qualquer outra parte contratante (...)”.27 A aplicação deste artigo difere do âmbito de aplicação do Artigo III do GATT. O Artigo XI trata da proibição de barreiras não tarifárias, como restrições e proibições, no momento da importação em si, sem maiores classificações; já o Artigo III trata de regulamentos que, embora também possam ser aplicados ao tempo da importação,28 se referem à forma pela qual o produto será tratado após sua importação durante a comercialização no mercado doméstico.29 O Artigo XI se preocupa com as restrições quantitativas à importação impostas na fronteira, enquanto o Artigo III trata de certo tratamento a um produto, por meio de um regulamento interno, que pode ser aplicado no momento da importação. Ao mesmo tempo, o Artigo XI:1 possui escopo maior, pois inclui “outras medidas”, devendo este termo ser entendido em sua forma ampla. Nesse sentido, diferentemente das provisões do acordo que explicitamente mencionam “leis” e “regulamentos”, as restrições quantitativas podem ser quaisquer me- 26. HESTEMEYER, Holgen.; In: WOLFRUM, Rüdiger; STOLL, Peter Tobias and; SEIBERT-FOHR, Anja (eEds.). Op. cit.,; WTO – Technical Barriers and SPS Measures. Martinus Nijhoff Publishers: Boston, 2007, Volume 3. Páginap. 29-31. 27. Artigo XI:1 do GATT em tradução livre, na parte relevante “No prohibitions or restrictions (...). whether made effective through quotas, import or exportlicences or other measures, shall be instituted or maintained by any contracting party on the importation of any product of the territory of any other contracting party (...).””. 28. Conforme disposto pela Ad Note do Artigo III. 29. WOLFRUM, Rüdiger; STOLL, Peter Tobias; SEIBERT-FOHR, Anja (eds.). Op. cit., p. Wolfrum, Rüdiger; Stoll, Peter Tobias and; Seibert-Fohr, Anja (Eds.); WTO – Technical Barriers and SPS Measures. Martinus Nijhoff Publishers: Boston, 2007, Volume 3. Página 57. Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América – Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 169-186. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 178 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 didas mantidas por uma parte que restrinjam a importação de um produto, independentemente do status legal da medida.30 Para avaliar o alegado descumprimento da medida americana o Painel realizou análise objetiva. Interpretando os fatos da controvérsia, restou claro para o Painel que os EUA haviam anunciado e implementado uma proibição às importações de atum e de produtos de atum capturados a partir de determinado processo produtivo. Nestes termos, as provisões do MMPA impunham uma proibição direta às importações de atum do México e foram interpretadas como inconsistentes com o Artigo XI:1. Os EUA não apresentaram argumentos que levassem a uma conclusão diferente da adotada31 e o Painel não fez uma análise mais aprofundada da violação a este artigo. O México ainda havia alegado um eventual descumprimento ao Artigo XIII do GATT, entretanto, o Painel exerceu seu direito de economia judicial, e entendeu que não precisava se manifestar a respeito deste Artigo, visto que a medida já havia sido determinada como inconsistente com o Artigo XI:1. 3.3A Pelly Amendment e o artigo XI do GATT O México também alegou que a Pelly Amendment violava o Artigo XI do GATT. Tal instrumento normativo estabelecia o poder discricionário do Presidente dos EUA de proibir as importações de todos os produtos derivados de atum, pela duração em que entendesse adequado, desde que isto fosse feito seis meses após a entrada em vigor da efetiva proibição de importação de produtos de atum. A Pelly Amendment não foi utilizada no caso em questão – a proibição não foi efetivamente estendida a todos os produtos derivados de atum. Ademais, este instrumento estabelecia apenas uma possibilidade dade a autoridade tomar ação, não a obrigava a de fato agir. Foi neste ponto que o Painel centrou sua análise. Como a extensão do embargo não havia sido aplicada, o Painel entendeu que seu trabalho seria dizer se uma provisão que autoriza, mas não obriga, seria uma medida inconsistente com o GATT. Assim, o Painel apresentou seu entendimento no sentido de que se a legislação demandasse que a proibição fosse estendida obrigatoriamente, ela estaria 30. Esta visão foi apresentada pelo Relatório do Painel do caso Organização Mundial do Comércio. Japão – Comércio de semicondutores – adotado em 04.05. de maio de 1988, L/6309 – 35S/116, parágrafo 106. Disponível em: [http://www.wto.org/english/ tratop_e/dispu_e/87semcdr.pdf]. Acessado em: 30.08.2013. 31. Relatório do Painel,. Paras. 5.17-19. Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América – Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 169-186. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 179 violando o GATT. Entendeu que a medida em si – estender a proibição a todos os produtos derivados de peixe – não estaria em conformidade com o Acordo. Apesar disto, como a legislação meramente concedia o poder de agir a aquelas autoridades, não as obrigando a tomar nenhuma ação, o Painel entendeu que a Pelly Amendment como legislação não infringia o GATT. 4. As exceções do artigo XX do GATT Após determinar que as medidas violavam o Artigo III:4 e eram inconsistentes com o Artigo XI:1, o Painel partiu para a análise da suposta justificativa da medida nas exceções do GATT. O Artigo XX traz as exceções gerais às normas do GATT. Sob o âmbito destas exceções os países têm a opção de tomar medidas nacionais protetivas, cumpridos certos requisitos, ainda que isto leve ao descumprimento das obrigações de livre comércio. Conforme explica Wolfrum: “A provisão reconhece, assim, que os Membros podem decidir que certas políticas devem ter precedência sobre o objetivo de se liberalizar o comércio. É o direito de cada Membro enraizado em sua soberania decidir por optar por introduzir exceções ou por honrar integralmente seus compromissos em respeito à liberalização do comércio.”32 No presente caso, o Painel estabeleceu que o fato de um país invocar o Artigo XX para justificar sua medida não significa, a priori, uma confissão de que a medida não esteja em conformidade com o GATT, desde que este seja um argumento alternativo da parte. Afirmou também que tal possibilidade de alternatividade de pedidos é possibilitada pela operação eficiente do sistema de solução de controvérsias.33 Os EUA alegaram que as medidas sob o MMPA, mesmo que fossem determinadas como inconsistentes com os artigos do GATT pelo Painel, seriam autorizadas pelas exceções do Artigo XX. Nomeadamente, o argumento fazia 32. WOLFRUM, Rüdiger; STOLL, Peter Tobias; SEIBERT-FOHR, Anja (eds.). Op. cit., p.Wolfrum, Rüdiger; Stoll, Peter Tobias and; Seibert-Fohr, Anja (Eds.); WTO- Technical Barriers and SPS Measures. Martinus Nijhoff Publishers: Boston, 2007, Volume 3. Página 63. Tradução livre, do original em inglês: “The provision thus acknowledges that Members may decide that such policies should take precedence over the objective of liberalizing trade. It is the right of each member rooted in sovereignty to decide to opt for introducing exceptions or to fully honour its commitments in respect of trade liberalization”. 33. Relatório do Painel. Paras. 5.22-24. Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América – Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 169-186. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 180 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 referência às alíneas (b)34 e (g)35 do Artigo XX, para todas as medidas sob o MMPA, e adicionalmente a alínea (d)36 quanto às medidas direcionadas a países intermediários. A análise do Painel considerou as três alíneas. A discussão em torno da alínea (b) do Artigo XX lidou com a possibilidade da aplicação extraterritorial de critérios de proteção à vida animal e vegetal. Se, por um lado, os EUA alegavam que a medida era “necessária” à proteção da saúde e vida dos golfinhos, sendo a única forma de garantir a sua proteção fora de sua jurisdição; por outro, o México entendia que a alínea não seria aplicável, por haverem medidas menos restritivas disponíveis e pela medida não poder ser aplicada extraterritorialmente. A análise do Painel remontou à época da elaboração do GATT, para entender se a intenção do legislador à época da criação do Acordo seria a de permitir a aplicação de medidas que trespassavam a jurisdição dos Membros. A conclusão a que se chegou é que a possibilidade de aplicação de medidas para a proteção da vida e saúde animal e vegetal seria apenas quanto à jurisdição do país importador do produto em questão.37 Não fosse assim, um entendimento mais amplo desta alínea, poderia viabilizar que cada país, de forma unilateral, determine políticas protetivas a serem seguidas e aplicadas no território dos outros países. O Acordo deixaria de representar uma estrutura multilateral de regulação do comércio entre todas as partes contratantes, pois os privaria do direito de estabelecer critérios próprios de proteção animal e vegetal e ao mesmo tempo possibilitaria que cada país estabelecesse regras para serem aplicadas em outros territórios. Adicionalmente, o Painel também entendeu que a medida não era considerada “necessária”, (i) por limitar o comércio de produtos ao cumprimento de condições imprevisí- 34. A alínea (b) do Artigo XX trata da exceção de medidas “necessárias à proteção da saúde e da vida das pessoas e dos animais e à preservação dos vegetais;”. 35. A alínea (g) do Artigo XX trata da exceção de medidas “relativas à conservação dos recursos naturais esgotáveis, se tais medidas forem aplicadas conjuntamente com restrições à produção ou ao consumo nacionais;”. 36. A alínea (d) do Artigo XX trata da exceção de medidas “necessárias a assegurar a aplicação das leis e regulamentos que não sejam incompatíveis com as disposições do presente acordo, tais como, por exemplo, as leis e regulamentos que dizem respeito à aplicação de medidas alfandegárias, à manutenção em vigor dos monopólios administrados na conformidade do § 4.º do art. II e do art. XVII à proteção das patentes, marcas de fábrica e direitos de autoria e de reprodução, e a medidas próprias a impedir as práticas de natureza a induzir em erro;”. 37. Relatório do Painel. Paras. 5.24-25. Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América – Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 169-186. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 181 veis38 e (ii) porque os EUA não demonstraram terem exaurido todas as opções disponíveis menos restritivas ao comércio.39 Ressalte-se que esse “teste de necessidade” já havia sido implementado pelo Painel em decisões anteriores. Para uma medida ser considerada necessária, não poderia estar disponível qualquer outra medida consistente com o GATT, nem alguma medida que embora inconsistente, fosse menos restritiva.40 A alínea (g) permite a aplicação de medidas relacionadas à conservação de recursos naturais, desde que elas sejam aplicadas em conjunto com restrições de produção e consumo nacional. Para os EUA a medida seria primariamente direcionada à conservação de golfinhos, gerando restrições efetivas na produção e consumo domésticos destes.41 O México alegou que a medida não seria justificada sob esta alínea e que, igualmente à alínea (b), a medida não poderia ser aplicada extraterritorialmente. Para resolver a questão, o Painel se apoiou em entendimentos prévios de que a medida em questão, para ser considerada justificável, deveria ser primariamente direcionada à conservação dos recursos naturais a que se destinava.42 Para definir se a medida americana se direcionava primariamente à conservação dos golfinhos, o Painel analisou os critérios impostos pelos EUA para efeitos de cumprimento dos requisitos de importação. O Painel entendeu que, como tais critérios eram incertos e impossibilitavam as autoridades mexicanas 38. Para o México comprovar que estaria em conformidade com os critérios de proteção à vida dos golfinhos estabelecidos no MMPA, ele deveria demonstrar que não havia atingido o limite máximo de tomada acidental de golfinhos na pesca de atum, conforme estabelecido pelas autoridades americanas. Este limite era definido como o número da tomada acidental de golfinhos efetivamente feita em cada período pela frota americana. Este número era, então, comparado ao número de golfinhos efetivamente capturados incidentalmente pela frota mexicana, no mesmo período. Como este limite era variável, e de aferição prática apenas pela autoridade americana, as autoridades mexicanas não teriam como prever se o praticado por elas estava efetivamente em conformidade com os critérios americanos, em cada período. 39. Relatório do Painel. Paras. 5.25-27. 40. Relatório do Painel: Organização Mundial do Comércio. Tailândia – Restrições às importações de cigarros. DS10/R – 37S/200. Disponível em: [http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/90cigart.pdf]. Acesso em: 27.08.2013. Parágrafo 75. 41. Relatório do Painel. Paras. 3.41-42. 42. Relatório do Painel no caso “Canada – Medidas Afetando a Exportação de arenque e salmão não processados”, adotado em 22 de Março de 1988, BISD 35S/98, 11, Para. 4.6. Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América – Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 169-186. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 182 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 de saber quando estariam cumprindo a medida, a restrição não poderia ser considerada como primariamente direcionada à conservação de golfinhos.43 Adicionalmente, o Painel relembrou que um país poderia controlar efetivamente a produção ou o consumo de um recurso natural apenas na medida em que aquele produto fosse produzido ou consumido dentro de sua jurisdição. Desta forma, seria inaplicável um caráter extraterritorial à medida, pois teria sua eficácia plena restrita à jurisdição do país importador do produto. Por fim, o Painel apresentou considerações idênticas no que se refere à justificativa da medida aplicável aos “países intermediários”44. O Painel também refutou o argumento de que estas medidas seriam justificáveis sob a alínea (d) do Artigo XX. Isto decorreu por já haver sido preestabelecido a inconsistência da medida com o GATT e a referida alínea requer que as medidas em questão sejam necessárias a assegurar a aplicação das leis e regulamentos que não sejam incompatíveis com as disposições do GATT. Atualmente, o Órgão de Apelação da OMC vem apresentando entendimento mais permissivo em suas interpretações no que se refere à possibilidade de imposição de medidas de proteção ao meio ambiente.45 5.O DPCIA Ao fim de sua análise, o Painel discutiu a conformidade do DPCIA com os artigos do GATT.46. Em síntese, o México alegava que o padrão de rotulagem criado, com critérios determinados para a utilização da designação “Dolphin-Safe” na venda do produto, estava em desconformidade com o Artigo IX:1 e que, subsidiariamente, descumpria o Artigo I.1 do GATT. Por sua vez, os EUA entendiam que o DPCIA não estava sujeito ao Artigo IX, mas sim aos princípios de nação mais favorecida e de tratamento nacional estabelecidos respectivamente nos Artigo I.1 e III.4 do GATT. O Artigo IX:1 é intitulado “Marcas de Origem”,47 e estabelece que as partes devem fornecer tratamento não menos favorável entre o território de outras 43. Relatório do Painel. Paras. 5.32-34. 44. Relatório do Painel. Paras. 5.38-40. 45. MATSUSHITA, Mitsuo; SCHOENBAUM, Thomas J.; MAVROIDIS, Petros C. Op. cit., p. Matsushita, Mitsuo; Schoenbaum, Thomas J.; Mavroids Petros C.; The World Trade Organization – Law, Practice and Policy. Nova Iorque: The Oxford International Library: Second Edition, 2006. Página 794-797. 46. Relatório do Painel. Paras. 5.41-44. 47. Tradução livre: “Marks of Origin”. Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América – Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 169-186. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 183 Partes contratantes e terceiros países, no que diz respeito aos requisitos de marcação de produtos. Segundo o entendimento do Painel, tal artigo diz respeito apenas à marcação de origem dos produtos importados, não se aplicando a marcações e rotulagens de maneira genérica. Assim, o Painel desqualificou o argumento do México de que a medida violaria o Artigo IX:1, e partiu para a análise de sua conformidade com o Artigo I.1. O México apresentou o argumento que o DPCIA o discriminava como país, por executar pesca de atum no oceano pacífico tropical oriental, utilizando-se de redes de cerco.48 Nesse sentido, o Painel apontou que as provisões de rotulagem não obrigavam que o produto tivesse a denominação “Dolphin-Safe” para ser vendido e que tal denominação não conferia nenhuma vantagem governamental. Foi apontado que qualquer vantagem que fosse aferida pelos produtos contendo esta denominação resultaria diretamente das preferências dos consumidores.49 O Painel então resolveu que teria que analisar apenas se a medida cumpria as obrigações do Artigo I:1. A questão analisada pelo Painel era a seguinte: (i) se o DPCIA criava critérios que discriminavam em relação a uma área geográfica específica, nomeadamente o oceano pacífico tropical oriental e (ii) se o DPCIA discriminava o México como país em detrimento de outras Partes contratantes. O Painel entendeu que o critério definido no DPCIA relativo à área do oceano pacífico tropical oriental se dava pela natureza particular desta área. Esta havia sido escolhida tendo em vista a relação única identificada neste local entre os golfinhos e o atum. Adicionalmente, o Painel apontou que a legislação americana considerava que a origem do atum não era determinada pelo local onde o produto fosse pescado, mas sim sob qual bandeira operava o barco que o havia pescado. Assim, o Painel entendeu que o critério geográfico da medida se baseava em uma peculiaridade ambiental específica deste local, e no fato de que a metodologia utilizada na pesca neste local implicava na morte acidental de golfinhos. Além disto, o Painel concluiu que a área em que o atum era pescado não era relevante para a determinação de sua origem, sendo relevante para tal, o barco em que o atum seria pescado. Nesse sentido, o DPCIA não discriminaria o México, vez que qualquer barco sob a bandeira de outro país que pescasse naquele 48. Relatório do Painel. Paras 5.42. Um dos critérios que impedem a utilização da denominação “Dolphin-Safe” é no caso em que o atum tenha sido pescado no oceano pacífico tropical oriental por um barco que utilize redes de cerco, não cumprindo então com as condições específicas para ser considerado seguro aos golfinhos. 49. Relatório do Painel. Paras 5.42. Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América – Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 169-186. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 184 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 local, daquela forma, não estaria apto a utilizar a denominação “Dolphin-Safe”.50 Por estes motivos, o Painel entendeu que o DPCIA, relacionado à pesca de atum no oceano pacífico tropical oriental não era inconsistente com as provisões do Artigo I:1 do GATT, não ocorrendo uma discriminação ao México. 6. Considerações finais O caso EUA – Atum I cuidou de uma temática que até então havia sido pouco tratada no âmbito do comércio internacional. Ao concluir pela inconsistência do MMPA com o GATT, a decisão acabou por dar prevalência aos princípios que norteiam o livre comércio, em detrimento das medidas cujo objetivo é relacionado à proteção ambiental. O Painel analisou a distinção entre a aplicação de um regulamento direcionado a um produto em si, ou a um processo produtivo que não altere as suas características finais. O entendimento de que o GATT, Artigo III.4, não inclui regulamentos técnicos aplicados a processos produtivos, adicionada a irrelevância, para efeitos de definição de similaridade, entre o processo produtivo do produto nacional e do produto importado, nortearam a definição de regulamento interno presente no Artigo III:4. O MMPA foi então caracterizado como uma restrição quantitativa às importações de produtos de atum do México. O Painel ainda rejeitou o argumento de que a medida se justificaria pelas exceções gerais do GATT. Para tal, contribuição relevante foi no sentido da impossibilidade de aplicação extraterritorial de medidas destinadas à conservação da vida ambiental e à proteção de vida animal e vegetal. Prevaleceu o entendimento de que os países possuem o direito de determinar o nível de proteção ambiental dentro de sua jurisdição. Ademais, a medida não foi considerada necessária pelo Painel, vez que o membro não utilizou de medidas disponíveis, menos restritivas ao comércio. Ao final, a decisão do caso EUA – Atum I gerou discussões que perduraram por diversos anos, seja por parte dos que entendiam que a interpretação dada ao Acordo deveria ser menos restritiva à aplicação de medidas direcionadas ao meio ambiente, seja pelas partes que a entenderam como correta. Vale lembrar que esta decisão ocorre antes do estabelecimento da OMC e dos demais acordos que hoje formam o arcabouço jurídico da OMC. De certa forma, a decisão ora analisada deixa de lado diversos conceitos jurídicos que darão sustentação ao caso Atum – II, objeto de controvérsia já na vigência da OMC. 50. Relatório do Painel. Paras 5.43-4.0 Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América – Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 169-186. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 7.Referências bibliográficas Obras Jackson, John H. The Jurisprudence of GATT & the WTO. Nova Iorque: Cambridge University Press,: 2000. Lafer, Celso.; A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. Wolfrum, Rüdiger; Stoll, Peter Tobias and; Seibert-Fohr, Anja (eEds.).; WTO – Technical Barriers and SPS Measures. Boston: Martinus Nijhoff Publishers, 2007. 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Tailândia – Restrições às importações de cigarros (DS10/R – 37S/200). 07.11. de novembro de 1990. Disponível em: [http://www.wto.org/enCarvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América – Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 169-186. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 185 186 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 glish/tratop_e/dispu_e/90cigart.pdf”>http://www.wto.org/english/tratop_e/ dispu_e/90cigart.pdfwww.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/90cigart.pdf]. Acesso em: 09.11.2013. ______. Canadá – Medidas Afetando a Exportação de arenque e salmão não processados (BISD 35S/98, 11). 22.03. de março de 1988. Disponível em: [http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/87hersal.pdf”>http:// www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/87hersal.pdfwww.wto.org/english/ tratop_e/dispu_e/87hersal.pdf]. Acesso em: 09.11.2013. 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Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 169-186. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 187 O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na comunidade europeia The labor contract of part-time work as an instrument of flexicurity in the European Community Gilberto Stürmer Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Sevilha (Espanha). Doutor em Direito pela UFSC. Mestre em Direito pela PUC-RS. Professor de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho na PUC-RS – Graduação, Especialização, Mestrado e Doutorado. Coordenador do Curso de Especialização em Direito e Processo do Trabalho da Faculdade de Direito da PUC-RS. Coordenador e Pesquisador do Grupo de Pesquisa “Estado, Processo e Sindicalismo” do PPGD da PUC-RS. Advogado e parecerista. [email protected] Rodrigo Coimbra Doutor em Direito pela PUC-RS. Mestre em Direito pela UFRGS. Professor de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho da UFRGS e da Unisinos. Advogado. [email protected] Área do Direito: Trabalho; Internacional Resumo: O presente artigo visa discutir o contrato de trabalho a tempo parcial, enquanto instrumento da flexisegurança – pauta do momento na Comunidade Europeia – que objetiva conciliar a flexibilização dos direitos dos trabalhadores com a suposta segurança de que continuarão havendo empregos, ou, pelo menos, medidas de proteção para os desempregados, aliadas a uma política de recolocação no mercado de trabalho. Partindo-se da contextualização e de alguns precedentes da flexibilização dos direitos trabalhistas em alguns países da União Europeia e nos Estados Unidos da América, passa-se pelo estudo das Diretrizes da Comunidade Europeia sobre a matéria, desde o Acordo marco europeu em matéria de trabalho a tempo parcial reconhecido pela Diretiva 97/81/ CE (1997), culminado com uma análise crítica do trabalho a tempo parcial no Direito Espanhol. Abstract: This article aims to discuss the contract of part-time work as an instrument of flexicurity – the agenda of the moment in the European Community – which aims to combine the flexibility of labor rights with the supposed security that will continue having jobs, or at least measures protection for the unemployed, coupled with a policy of replacement labor market. Based on the foregoing and the contextualization of flexibility of labor rights in some countries of the European Union and the United States, shall be the study of the European Community Guidelines on the matter, since the European Framework Agreement on work part time recognized by Directive 97/81/EC (1997), culminating in a critical analysis of part-time work in Spanish law. Palavras-chave: Trabalho a tempo parcial – Fle- Keywords: Part-time work – Flexibility – Flexecu- xibilização – Flexiseguridad – Comunidade Europeia – Direito Espanhol. rity – European Community – Spanish law. Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 188 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Sumário: 1. Introdução. 2. Contexto e alguns precedentes da flexibilização dos direitos trabalhistas. 3. O trabalho a tempo parcial como instrumento de política de emprego da Comunidade Europeia e estratégia de flexisegurança. 4. O Acordo marco europeu em matéria de trabalho a tempo parcial reconhecido pela Diretiva 97/81/CE (1997). Definições e princípios. 5. A noção de trabalho a tempo parcial no Direito Espanhol. Análise crítica. 6. Considerações finais. Referências. 1.Introdução A modalidade de contratação de trabalho a tempo parcial, enquanto instrumento da sempre polêmica, mas inarredável “flexicurity” (“flexiseguridad” ou “flexisegurança”) – segundo a tradução literal do termo originário em língua inglesa para o castelhano ou para o português –, tem sido muito utilizada na União Europeia nos últimos 20 anos, tendo aumentado a sua importância notadamente após a crise econômica de 2008-2012, também chamada de grande recessão ou crise dos subprimes,1 iniciada nos Estados Unidos da América, que, 1. A crise econômica de 2008-2012, também chamada de Grande Recessão, “é um desdobramento da http://pt.wikipedia.org/wiki/Crise_financeira” title=”Crise financeira”>crise financeira internacional precipitada pela falência do tradicional banco de investimento http://pt.wikipedia.org/wiki/Estadunidense” title=”Estadunidense”>estadunidense http://pt.wikipedia.org/wiki/Lehman_Brothers” title=”Lehman Brothers”>Lehman Brothers, fundado em http://pt.wikipedia.org/wiki/1850” title=”1850”>1850. Em http:// pt.wikipedia.org/wiki/Efeito_domin%C3%B3” title=”Efeito dominó”>efeito dominó, outras grandes http://pt.wikipedia.org/wiki/Institui%C3%A7%C3%B5es_financeiras” title=”Instituições financeiras”>instituições financeiras quebraram, no processo também conhecido como ‘http://pt.wikipedia.org/wiki/Crise_dos_subprimes” title=”Crise dos subprimes”>crise dos subprimes’. Alguns economistas, no entanto, consideram que a crise dos http://pt.wikipedia.org/wiki/Subprime” title=”Subprime”>subprimes tem sua causa primeira no estouro da ‘http://pt.wikipedia.org/wiki/Bolha_da_internet” title=”Bolha da internet”>bolha da Internet’ (em http://pt.wikipedia.org/ wiki/L%C3%ADngua_inglesa” title=”Língua inglesa”>inglês, dot-com bubble), em http://pt.wikipedia.org/wiki/2001” title=”2001”>2001, quando o índice http:// pt.wikipedia.org/wiki/Nasdaq” title=”Nasdaq”>Nasdaq (que mede a variação de preço das ações de empresas de informática e telecomunicações) despencou. De todo modo, a quebra do Lehman Brothers foi seguida, no espaço de poucos dias, pela falência técnica da maior empresa http://pt.wikipedia.org/wiki/Seguradora” title=”Seguradora”>seguradora dos http://pt.wikipedia.org/wiki/Estados_Unidos_da_ Am%C3%A9rica” title=”Estados Unidos da América”>Estados Unidos da América, a http://pt.wikipedia.org/wiki/American_International_Group” title=”American International Group”>American International Group (http://pt.wikipedia.org/wiki/AIG” title=”AIG”>AIG). O governo norte-americano, que se recusou a oferecer garantias Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 189 em efeito dominó, afetou significativamente alguns países da Comunidade Europeia, dentre os quais a Espanha onde a situação é uma das mais graves nesse particular. Dados da última Pesquisa Força de Trabalho revelam que a taxa de desemprego é de 5.273.600 pessoas, um aumento de 295.300 no quarto trimestre de 2011 e 577.000 no quarto trimestre de 2010.2 A taxa de desemprego na Espanha bateu novo recorde recentemente chegando a 24,3%. O número de desempregados chegou a 4,7 milhões em fevereiro de 2012 – o índice mais elevado entre as nações industrializadas, segundo o Instituto Nacional da Estatística da Espanha.3 Esse panorama demonstra a importância, a atualidade e a justificativa de estudo desse tema. Conforme estudo de Rodríguez4 o trabalho a tempo parcial passou de 13% a 18% do emprego total da União Europeia entre 1990 e 2005 e desde 2000 representa aproximadamente 60% dos empregos, sendo que 1/3 das mulheres estão empregadas nessa modalidade (homens – 7%). Pretende-se, no presente artigo, a partir desse contexto, trazer a lume precedentes da flexibilização dos direitos trabalhistas em alguns países da União Europeia e nos Estados Unidos da América, após analisar as Diretrizes da Comunidade Europeia sobre a matéria – a partir do Acordo marco europeu em matéria de trabalho a tempo parcial reconhecido pela Diretiva 97/81/CE para que o banco http://pt.wikipedia.org/wiki/Inglaterra” title=”Inglaterra”>inglês http://pt.wikipedia.org/wiki/Barclays” title=”Barclays”>Barclays adquirisse o controle do cambaleante Lehman Brothers, alarmado com o http://pt.wikipedia.org/wiki/Risco_sist%C3%AAmico” title=”Risco sistêmico”>efeito sistêmico que a falência dessa tradicional e poderosa instituição financeira – abandonada às ‘soluções de mercado’ – provocou nos mercados financeiros mundiais, resolveu, em 24 horas, injetar 85 bilhões de http://pt.wikipedia.org/wiki/D%C3%B3lar” title=”Dólar”>dólares de dinheiro público na http://pt.wikipedia.org/wiki/AIG” title=”AIG”>AIG para salvar suas operações. Mas, em poucas semanas, a crise norte-americana já atravessava o http://pt.wikipedia.org/wiki/Atl%C3%A2ntico” title=”Atlântico”>Atlântico”. Disponível em: [http://pt.wikipedia.org/wiki/Crise_econ%C3%B4mica_de_2008-2012]. Acesso em: 24.03.2012. 2. Esses dados, e outros tantos, constam na exposição de motivos do Real Decreto-ley 3/2012. 3. Notícia de 03.03.2012. Disponível em: [www.portugues.rfi.fr/europa/20120302-espanha-taxa-de-desemprego-bate-novo-recorde-e-chega-243]. Acesso em: 20.03.2012. 4. RODRÍGUEZ, Jesús Baz. El marco jurídico comunitario del trabajo a tiempo parcial. reflexiones en el contexto de la “flexiseguridad”. In: ______ (org.). Trabajo a tiempo parcial y flexiseguridad. Granada: Comares, 2008. p. 9. Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 190 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 (1997) –, culminado com uma análise crítica do trabalho a tempo parcial no Direito Espanhol. Como método científico de abordagem do assunto será utilizado o método dedutivo, que é aquele cujo antecedente é constituído de princípios universais, plenamente inteligíveis, do qual se chega a um consequente menos universal, inferir e concluir ao final.5 A abordagem da pesquisa se dará pelo modelo qualitativo na medida em que se buscará o entendimento do fenômeno em seu próprio contexto.6 2. Contexto e alguns precedentes da flexibilização dos direitos trabalhistas Nos anos 1980 e 1990 importantes países da Europa e os Estados Unidos da América tomaram uma série de medidas que revigoraram o liberalismo econômico, o que ficou conhecido como “neoliberalismo”, norteado pela concepção de pouca intervenção do Estado na economia e nas relações de trabalho. Essa significativa retomada das ideias liberais7 começou nos governos de Margareth Thatcher na Inglaterra (1979-1990) e de Ronald Reagan nos Estados Unidos (1980-1988). Nos EUA houve uma variação no modelo, pois sempre foram mais liberais e menos regulamentadores que os países Europeus, conquanto seja possível destacar algumas semelhanças entre as principais reformas neoliberais praticadas por estes países: contraíram a emissão monetária, produzindo valorização da moeda e também um efeito potencialmente recessivo; baixaram consideravelmente os impostos, principalmente sobre as grandes empresas; enfrentaram greves; criaram uma legislação antissindical; e, cortaram gastos sociais.8 Depois se seguiu um programa de privatização.9 5. FINCATO, Denise Pires. A pesquisa jurídica sem mistérios: do projeto de pesquisa à banca. Porto Alegre: Notadez, 2008. p. 38. 6. MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de metodologia da pesquisa no direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 110. 7. CATHARINO chama essa retomada de “o rebrote da doutrina liberal” (CATHARINO, José Martins. El rebrote de la doctrina liberal y los modelos flexibilizadores. In: BARBAGELATA, Héctor Hugo; ACKERMAN, Mario Eduardo. Evolución del pensamiento juslaboralista. Montevideo: Fundación de Cultura Universitaria, 1997. p. 103-122). 8. COIMBRA, Rodrigo; ARAÚJO, Francisco Rossal de. Direito do trabalho: evolução do modelo normativo e tendências atuais na Europa. Revista LTr. ano 73. n. 08. t. II. p. 960. 9. Para um detalhamento dos problemas estruturais das relações industriais europeias na década de 80 ver BAGLIONI. Guido. O mundo do trabalho – Crise e mudança no final do século. São Paulo: Scritta, 1994. p. 54-58. Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 191 Nesta esteira, a Alemanha (Helmut Kohl 1982-1998), a Espanha (reformas de 1994) e a Itália (reformas dos anos 1990), seguiram a ordem econômica internacional promovendo reformas de cunho neoliberais.10 Gerard Lyon-Caen explica de forma direta a geração da onda neoliberal no direito do trabalho: “o sistema de relações profissionais, ligado ao forte poder da organização sindical foi progressivamente destruído no curso da era Thatcher. A desregulamentação virou moda”.11 Nesse cenário, o desenvolvimento do processo de internacionalização do capital define o que se chama de globalização da economia, que constitui um novo cenário para a década de 1990 e seguintes, tendo importantes reflexos no Direito do Trabalho. A globalização, ou “os processos de globalização”, na expressão que dá maior dinâmica a este fenômeno que segue em andamento nos dias atuais cunhada por Boaventura de Souza Santos,12 é um tema que tem adquirido grande importância, sobretudo nas últimas décadas, tendo se caracterizado mais recentemente por um fenômeno multifacetado com dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais e jurídicas interligadas de modo complexo. Esclarece o sociólogo português, que a globalização das últimas três décadas, em vez de encaixar no padrão moderno ocidental de globalização, parece combinar a universalização e a eliminação das fronteiras nacionais, por um lado, o particularismo, da diversidade local; a identidade étnica e o regresso ao comunitarismo, por outro.13 10. COIMBRA, Rodrigo; ARAÚJO, Francisco Rossal de. Op. cit., p. 960. 11. LYON-CAEN, Gerard. Derecho del trabajo o derecho del emprego? In: BARBAGELATA, Héctor Hugo; ACKERMAN, Mario Eduardo. Evolución del pensamiento juslaboralista. Montevideo: Fundación de Cultura Universitaria, 1997. p. 267. 12. SANTOS, Boaventura de Souza. Os processos de globalização. In: ______ (org.). A globalização e as ciências sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 25; André-Noel Roth sustenta que uma das principais causas, se não for a principal, da crise do Estado, cujos mecanismos econômicos sociais e jurídicos de regulação, postos há mais de um século, já não funcionam, encontra-se no fenômeno da globalização. Salienta que essa interdependência dos Estados influi sempre mais na definição das políticas públicas internas de cada Estado. O autor chama atenção que o desenvolvimento das forças econômicas a um nível planetário diminui o poder de coação dos Estados nacionais sobre estas. Adverte, ainda, que o Estado está limitado em suas políticas fiscais e intervencionistas, em termos de alcance interno, pelas coações da competência econômica mundial. ROTH, André-Noel. O Direito em crise: fim do Estado moderno. In: FARIA, José Eduardo (org.). Direito e globalização econômica: implicações e perspectivas. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 17-18 e 26. 13. SANTOS, Boaventura de Souza. Op. cit., p. 26. Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 192 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Impulsionada por elementos econômicos e por fatores políticos neoliberais, a globalização tem reclamado um dos ajustes estruturais mais selvagens da história, de acordo com Rodolfo Capón Filas,14 uma vez que tem modificado toda a ordem econômica e social, gerando o deslocamento do trabalho: desemprego crescente em alguns países e aumento de postos de trabalho em outros; precarização de trabalho; deterioração da qualidade de vida; entre outros reflexos, como o crescimento da dívida externa nos países periféricos. A partir da queda do muro do Berlin, em 09.11.1989 (existente desde 13.08.1961), tem-se um novo ciclo da globalização, que, vale lembrar não é algo novo, conquanto tenha sido retomada com novos moldes. Assim, como o Direito do Trabalho não surgiu na revolução industrial, que foi na célebre expressão de Segadas Viana15, a “fermentação” que daria origem ao surgimento das posteriores normatizações iniciais tutelando as relações de trabalho de forma lenta e gradual, a “fermentação” ou o marco simbólico inicial impulsionador do fenômeno denominado de globalização – cuja efetivação nos moldes atuais se dá por volta dos anos 2000 – foi a queda do muro de Berlim, que marca o final da guerra fria e a superação do conflito ideológico, de dimensão universal. Foi um momento histórico e de grande impacto.16 No entanto, a queda do muro de Berlin não contribuiu apenas para o achatamento das alternativas ao capitalismo de livre mercado e a libertação de gigantescas reservas reprimidas de energia de centenas de milhões de pessoas de lugares como Índia, Brasil, China e o antigo Império Soviético: permitiu-nos encarar o mundo como um todo de uma nova forma, vendo-o como uma unidade mais homogênea. Enfatiza Thomas Friedman que “o muro não somente bloqueava a passagem, como também a visão, isto é, nossa capacidade de ver o mundo como um único mercado, um só ecossistema, uma mesma comunidade”.17 14. FILAS, Rodolfo Capón. Trabajo y globalización propuesta para una praxis popular alternativa. Justiça do Trabalho. ano 18. n. 205. p. 10. 15. SUSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho. 20. ed. São Paulo : Ed. LTr, 2002. vol. 1, p. 41. 16. FRIEDMAN, Thomas L. O mundo é plano: o mundo globalizado no século XXI. 3. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. p. 66-69; Nesse sentido, no âmbito do Direito do Trabalho ver: SUSSEKIND, Arnaldo. A globalização da economia e o Direito do Trabalho. Revista LTr 61/40. 17. FRIEDMAN, Thomas L. Op. cit., p. 69; Para uma visão europeia da globalização ver DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. 5. ed. Brasília: UnB, 2000. p. 147-155; Conforme a concepção de Friedman a plataforma Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 193 Nesse quadro, explica Romita que no mundo desenvolvido e em vias de desenvolvimento ocorreu, nos últimos 25 anos, uma verdadeira revolução científico-tecnológica, que deflagrou um processo de globalização em escala e em intensidade sem precedentes. Esse processo, que é irreversível, permite o deslocamento rápido, barato e maciço de mercadorias, serviços, capitais e trabalhadores. Grandes mercados regionais se tornaram possíveis e pode-se pensar, num futuro próximo, no surgimento de um único mercado planetário de bens e de trabalho.18 Juntamente com a globalização, também merecem destaque nessa época os movimentos de flexibilização de direitos trabalhistas, que exigem das empresas melhores níveis de competitividade, levando ao uso de novas técnicas de organização da produção e demandas de flexibilização dos direitos trabalhistas.19 A flexisegurança é assunto do dia na União Europeia atualmente e pretende conciliar dois valores sensivelmente antagônicos, quais sejam: a flexibilidade do mundo plano é produto de uma convergência entre: (a) o computador pessoal, que subitamente permitiu a cada indivíduo tornar-se autor de seu próprio conteúdo digital; (b) o cabo de fibra ótica, que viabilizou tais indivíduos de acessar cada vez mais conteúdo digital no mundo, por quase nada; (c) o aumento de softwares de trabalho, que possibilitou aos indivíduos, de todo o mundo, se relacionar e colaborar com esse conteúdo digital em muito aumentado, estando em qualquer lugar, independente da distância entre eles. Essa convergência e democratização das tecnologias estão formando o que se chama de sociedade global ou sociedade da informação e evidenciam uma nova ordem econômica mundial, importante, complexa e inevitável. O autor esclarece que ninguém previu essa convergência, ela simplesmente aconteceu por volta dos anos 2000 (FRIEDMAN, Thomas L. Op. cit., p. 22). 18. ROMITA, Arion Saião. Globalização da economia e direito do trabalho. São Paulo: Ed. LTr, 1997. p. 28; sobre essa matéria ver também: SUSSEKIND, Arnaldo. A globalização da economia... cit., p. 41-44; REALE, Miguel. A globalização da economia e o direito do trabalho. Revista LTr. vol. 61. n. 1. p. 11-13. 19. LYON-CAEN, Gerard. Op. cit., p. 267; CATHARINO, José Martins. El rebrote de la doctrina liberal y los modelos flexibilizadores. In: BARBAGELATA, Héctor Hugo; ACKERMAN, Mario Eduardo (org.). Evolución del pensamiento juslaboralista. Montevideo: Fundación de Cultura Universitaria, 1997. p. 103-121; VÁSQUEZ, Jorge Rendón. El carácter protector del Derecho del trabajo y la flexibilidad com ideologias. In: BARBAGELATA, Héctor Hugo; ACKERMAN, Mario Eduardo (org.). Op. cit., p. 419-430; VAN DER LAAT, Benardo. Límites a la flexibildad: algunas situaciones que se han dado en Costa Rica. In: BARBAGELATA, Héctor Hugo; ACKERMAN, Mario Eduardo (org.). Op. cit., p. 501-510; ERRAZURIZ, Francisco Walker. La flexibildad laboral y los princípios orientadores del derecho del trabajo, teniendo en cuenta, en forma particular, algunos aspectos de la legislación chilena. In: BARBAGELATA, Héctor Hugo; ACKERMAN, Mario Eduardo (org.). Op. cit., p. 599-620. Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 194 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 do mercado de trabalho e a segurança dos trabalhadores contra o desemprego. Essa conciliação ou ao menos uma maior aproximação se faz necessária e já é clamada expressamente desde a edição do “Livro verde sobre relações laborais da União Europeia”, editado em novembro de 2006, que propugna pela “modernização do Direito do Trabalho para fazer frente ao desafio do século XXI”. Nesse quadro, a Diretiva n. 21 da União Europeia objetiva “promover a flexibilidade combinada com segurança”. Esse é o significado do neologismo “flexisegurança”, inspirado nos exemplos da Dinamarca (principalmente), Holanda e Suécia: promover a flexibilização dos direitos dos trabalhadores, sem retirar os direitos trabalhistas (geralmente constitucionalizados) conquistados pelos países membros da Comunidade Europeia. Esse conceito procura aproximar as necessidades dos empregadores, mediante modalidades de contratação diferentes das tradicionais (por isso chamadas de atípicas), à necessidade fundamental da existência de empregos, em condições não menos favoráveis. Sobre a busca da flexisegurança na Comunidade Europeia destacam-se três aspectos essenciais: (a) a flexibilidade passa a ser uma exigência quase universal em ambientes industrializados e um dos problemas dominantes nos países europeus; (b) a exigência expressa pelos empresários encontrou consensos mesmo fora dos seus âmbitos, principalmente por parte dos poderes públicos; (c) a flexibilidade envolve, in totum, os conteúdos tradicionais, as regras das relações industriais e, portanto, a atuação sindical das empresas, na medida em que esta atuação representa a capacidade das empresas se reorganizarem em prazos curtos diante das flutuações da macroeconomia em um contexto geral já caracterizado por profundas incertezas e crescente competitividade.20 Essas necessidades referem-se tanto à flexibilidade interna (mudanças na organização do trabalho, administração dos horários, modalidades das tarefas e evolução das responsabilidades, sistemas retributivos), quanto à flexibilidade externa (variações do número de funcionários, contratos atípicos e anormais, mobilidade).21 Formas novas e atípicas de contratação, redistribuição do tempo e do trabalho (aqui entra o trabalho a tempo parcial), liberdade de supressão de empregos no caso de reestruturação, resumem as medidas tomadas no conjunto dos 20. BAGLIONI. Guido. Op. cit., p. 61-62. 21. Para um relato da busca da flexibilidade nos países europeus, separadamente, ver BAGLIONI. Guido. Op. cit. Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 195 países europeus. Todas elas expressam a busca de uma redução do custo do trabalho e permitiram aos grupos europeus enfrentar a Ásia e os Estados Unidos, mas ao preço de uma insegurança e de um empobrecimento, que excluíram da tutela do Direito do Trabalho frações inteiras da população.22 Analisando o renovado debate Europeu em torno da “flexisegurança” e suas medidas, José Affonso Dallegrave Neto23 faz a seguinte apreciação crítica: “De uma análise fria e sem romantismo, chega-se a inferência de que se trata de mais uma medida em sintonia com a ideologia neoliberal, vez que os objetivos são claros: facilitar a vida da iniciativa privada em detrimento das condições de trabalho que se tornarão mais precárias em face da política de flexibilidade em seus diversos aspectos: contratação temporária; dispensa sem ônus; modalidades de salário vinculadas ao resultado; fixação de horários flexíveis visando atender exclusivamente a demanda da produção”. A “flexisegurança” parece estar mais focada com a “flexi” do que com a “segurança”. Nos momentos de altas taxas de desemprego as ideias normalmente se resumem a sugerir a flexibilização das normas trabalhistas e o endividamento do Estado com aumento de quotas de seguro-desemprego. Poucas vezes se dirige o foco principal ao aquecimento da economia por meio do aumento da oferta de crédito pessoal com juros baixos e da elevação do consumo aliada a uma política de desoneração previdenciária da folha de pagamento. 3.O trabalho a tempo parcial como instrumento de política de emprego da Comunidade Europeia e estratégia de flexisegurança O Tratado de Amsterdã (1997) ensaiou o método de coordenação das políticas trabalhistas estatais a cargo das instituições comunitárias em matéria de emprego, substancializado no denominado Livro Verde (2006), cujo lema era “modernizar o Direito do Trabalho face aos desafios do século XXI”, tendo maior efetividade a partir das diretrizes para as políticas de emprego dos Estados-Membros (2005-2008). A promoção da flexibilidade combinada com a segurança do emprego, na ordem da redução da segmentação do mercado de trabalho, postula, entre ou- 22. LYON-CAEN, Gerard. Op. cit., p. 268. 23. DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Flexisegurança nas relações de trabalho. O novo debate europeu. Disponível em: [www.nucleotrabalhistacalvet.com.br/artigos/ Flexiseguran%C3%A7a%20-%20Jos%C3%A9%20Affonso%20Dallegrave%20Neto. pdf]. Acesso em: 05.10.2012. Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 196 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 tras ações, a revisão das diferentes modalidades contratuais e das disposições relativas ao tempo de trabalho, de acordo com Rodríguez.24 A flexibilização dos direitos trabalhistas na Comunidade Europeia possui noção indeterminada, altamente difusa e multidirecional, forjada a partir de uma combinação transacionada de elementos políticos ideológicos e aderências tanto liberais como socialdemocratas. Essas características refletem na heterogeneidade da sua regulamentação nos países da Comunidade Europeia.25 24. RODRÍGUEZ, Jesús Baz. Op. cit., p. 5 e 10-11. 25. Idem, p. 8 e 9; No Brasil a flexibilização dos direitos trabalhistas foi iniciada há muito tempo, em 1967, com a troca da estabilidade pelo FGTS. Conforme Jorge Luiz Souto Maior “várias iniciativas se seguiram nesta linha: (a) em 1974, após não se renovar a assinatura da Convenção 96 da OIT, admitiu-se o trabalho temporário; (b) em 1977, os estagiários deixaram de ser considerados empregados, para serem afastados da proteção da legislação trabalhista; (c) em 1983, regulamentou-se o trabalho de vigilância, para excluir os vigilantes do benefício da jornada reduzida de seis horas destinada ao setor bancário; (d) em 1993, a jurisprudência do TST foi radicalmente alterada (originando a Súmula 331) para, mesmo sem uma autorização legal, considerar possível a elaboração de um contrato entre empresas para prestação de serviço no estabelecimento da empresa “tomadora” da mão de obra. (...); (e) em 1998, tentou-se alargar as possibilidades de concluir contratos com duração determinada. A lei criou um novo tipo de contrato, denominado ‘contrato provisório’. De acordo com a lei, passou a ser possível a formação de um contrato por prazo determinado, sem vinculação a qualquer motivo específico, a não ser o fato de estar previsto em um instrumento coletivo e ser destinado ao aumento do número de empregados da empresa; (f) em 1998, flexibilizaram-se ainda mais os limites da jornada de trabalho pela criação do chamado ‘de banco de horas’. De acordo com este sistema, as horas suplementares podem ser compensadas dentro do período de um ano, sem nenhum pagamento adicional; (g) em 1999, foi criado o contrato a tempo parcial, embora na realidade, seja pouco utilizado devido ao baixo nível do salário dos empregados a tempo completo. Nesta linha de ‘flexibilização’ situam-se também decisões judiciais que consideram possível a supressão de direitos previstos na lei por meio de acordos e convenções coletivas de trabalho” (MAIOR, Jorge Luiz Souto. Opinião pública e direito do trabalho: tentando transpor as barreiras da comunicação. Justiça do Trabalho 286/31-32). Além disso, a Constituição Federal de 1988, adotou, em limitadas hipóteses, a relativização de importantes direitos trabalhistas, mas em todos os casos requer previsão em acordo ou convenção coletiva (a chamada tutela sindical): art. 7.º, XIII e XIV, que dispõe sobre a jornada de trabalho e sobre turnos de revezamento e art. 7.º, VI que excepciona o princípio da irredutibilidade salarial. Note-se que a Consolidação das Leis do Trabalho (publicada originalmente em 1943) já autorizava a flexibilização de direitos trabalhistas principalmente em casos de jornada de trabalho de profissões regulamentadas um tratamento excepcional, via acordo ou convenção coletiva. Exemplificando vejam-se os seguintes dispositivos consolidados: arts. 227, Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 197 Tendo por freio o princípio da proteção do trabalhador, a flexibilização das normas trabalhistas requer muita razoabilidade e a ideia espanhola de “flexiseguridad” procura justamente combinar as aspirações empresariais de alternativas de maior flexibilidade dos direitos dos empregados, sem retirar os direitos trabalhistas constitucionalizados pelos países membros da Comunidade Europeia. Nesse contexto, surge o trabalho a tempo parcial com grande utilização na Comunidade Europeia, também chamado de part time service, sendo principalmente adotado em relação ao trabalho de mulheres, idosos e estudantes, muitas vezes impossibilitados de cumprir um contrato de trabalho de jornada integral, em razão das responsabilidades familiares e profissão que precisam ser conciliadas.26 Ainda que tenha os seus problemas, que serão destacados no item 5 infra, o contrato de trabalho a tempo parcial tem se constituído em um dos importantes instrumentos que procuram responder as necessidades de flexibilidade reclamada pela política de emprego comunitária.27 4.O Acordo marco europeu em matéria de trabalho a tempo parcial reconhecido pela Diretiva 97/81/CE (1997). Definições e princípios A União Europeia posicionou-se de maneira expressa sobre a necessidade de encontrar novos caminhos para as relações de trabalho a partir da Diretiva 97/81/CE (1997). Mediante interessante comparação entre a regulação do trabalho a tempo parcial na Espanha e na Alemanha (Lei federal de 21.12.2000 – Gesetz über § 2.º; 235; Para hipóteses de flexibilização aplicáveis para todas as profissões ver os seguintes artigos da CLT: 58, § 3.º; 59 e § 2.º; 143, § 2.º; 413, I; 462; 476-A. 26. ARAÚJO, Gisele Ferreira de. Flexibilização do direito laboral e a Constituição Federal de 1988. Justiça do Trabalho 262/9. Para um estudo do trabalho a tempo parcial como instrumento de conciliação da vida familiar e laboral, no Direito Espanhol, destacando que as políticas de tal conciliação não são exclusivas das mulheres, mas exigências das sociedades modernas, independentemente do sexo de seus destinatários, ver: MORGADO PANADERO, Purificación. El trabajo a tiempo parcial como conciliación de la vida familiar e laboral. In: RODRÍGUEZ, Jesús Baz (org.). Op. cit., p. 85-121. 27. MARTÍN HERNÁNDEZ, María Luisa. La protección social de los trabajadores a tiempo parcial en el nuevo marco de la flexiseguridad. In: RODRÍGUEZ, Jesús Baz (org.). Op. cit., p. 151. Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 198 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Teilzeitarbeit und befristete Arbeitsverträge), Alberto Arufe Varela28 defende que ambas possuem grandes semelhanças, inclusive com alguns clones, o que se justifica por tratar-se de normas que regulamentam internamente as imposições da Diretiva Comunitária 97/81/CE (1997), todavia ressalva que possuem importantes diferenças quanto a sua concepção e quanto ao seu conteúdo. De uma forma, a regulação interna espanhola concebe o trabalho a tempo parcial como uma modalidade odiosa de contrato de trabalho e a prova disso está especialmente no fato de que o art. 12 do Estatuto de los Trabajadores dedica uma atenção preferencial (no item 5) à possibilidade de aumentar a jornada, caso queira o empresário, através das horas complementares. De outra forma, a regulação interna alemã concebe o trabalho a tempo parcial como um fenômeno normal e cobre especificamente a “redução da jornada de trabalho” (Verringerung der Arbeitszeit), que, como seu próprio nome indica, é a possibilidade que se outorga ao trabalhador de exigir que sua jornada contratualmente pactuada se reduza, apenas se reduza.29 Os objetivos da modalidade contratual do trabalho a tempo parcial por um lado não se limitam apenas a mera redução da jornada, mas também a flexibilização da prestação do trabalho (poder diretivo do empregador) e, por outro lado, (em relação ao empregado), podem proporcionar a compatibilização do tempo destinado ao trabalho com outras prioridades vitais dos trabalhadores, tais como vida familiar, estudos, outras ocupações profissionais etc.30 Para efeitos desse acordo da Comunidade Europeia, entende-se por trabalhador a tempo parcial o assalariado cujo tempo normal de trabalho, calculado numa base semanal ou como média ao longo de um período de emprego até um ano, é inferior ao tempo normal de trabalho de um trabalhador comparável a tempo inteiro. Trabalhador comparável a tempo inteiro significa um trabalhador a tempo inteiro do mesmo estabelecimento, com o mesmo contrato ou relação de emprego e que exerça funções iguais ou semelhantes, tendo em conta outros fatores, como antiguidade, qualificações, conhecimentos etc. Se no estabelecimento não houver qualquer trabalhador comparável a tempo inteiro, a comparação será efetuada em consonância com a convenção coletiva aplicá- 28. VARELA, Alberto Arufe. La regulación de los contratos de trabajo a tiempo parcial y a plazo en Alemania. Estudio comparativo con la regulación de los contratos precarios en España. Anuario da Facultade de Dereito da Universidade da Coruña. n. 11. p. 75. 29.Idem. 30. RODRÍGUEZ, Jesús Baz. Op. cit., p. 9; MARTÍN HERNÁNDEZ, María Luisa. Op. cit., p. 161. Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 199 vel ou, na ausência desta, em conformidade com a legislação, as convenções coletivas ou as práticas vigentes a nível nacional.31 Um dos princípios destacados pela Diretiva 97/81/CE é o princípio da não discriminação em relação às formas de emprego típica com jornada completa: no que respeitam às condições de emprego, os trabalhadores a tempo parcial não devem ser tratados em condições menos favoráveis do que os trabalhadores comparáveis a tempo inteiro unicamente pelo fato de trabalharem a tempo parcial, a menos que, por razões objetivas, a diferença de tratamento se justifique.32 Outro princípio considerado vertebral no texto comunitário é o princípio da voluntariedade: a conversão de um trabalho a tempo completo em um trabalho a tempo parcial e vice-versa terá sempre caráter voluntário para o trabalhador e não se poderá impor de forma unilateral e o trabalhador não poderá ser despedido nem sofrer nenhum outro tipo de sanção ou prejuízo apenas por ele não aceitar a conversão, sem prejuízo da possibilidade de, nos termos da legislação, das convenções coletivas ou das práticas nacionais, proceder a despedimentos por outras razões, como as que podem resultar de contingências de funcionamento do estabelecimento em causa.33 31. Conforme a cláusula 3, itens 1 e 2, da Diretiva 97/81/CE do Conselho da União Europeia, de 15.12.1997; No Brasil, a MedProv 2.164 -41/2001 introduziu o art. 58-A na CLT instituindo o regime de tempo parcial, considerado como aquele cuja duração não exceda a 25 horas semanais, mediante pagamento de salário proporcional a sua jornada, em relação aos empregados que cumprem, nas mesmas funções, tempo integral (§ 1.º do art. 58-A da CLT). Esse sistema exige previsão em instrumento decorrente de negociação coletiva (§ 2.º do art. 58-A da CLT). O empregado sujeito a tempo parcial não poderá prestar horas extras (art. 59, § 4.º, da CLT), salvo as situações excepcionais previstas no art. 61 da CLT (em face de motivo de força maior, seja para atender à realização ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto). O empregado contratado sob o regime de tempo parcial terá direito a férias após cada período de 12 meses de vigência do contrato de trabalho, na proporção prevista no art. 130-A da CLT, conforme a sua duração de trabalho semanal. Aos empregados sob o regime de tempo parcial não se aplica a faculdade de converter 1/3 do período de férias a que tiver direito em abono pecuniário, no valor da remuneração que lhe seria devida nos dias correspondentes, em face de expressa previsão contida no § 3.º do art. 143 da CLT. Esse regime de trabalho efetivamente não “pegou” no Brasil, mas continua vigente e pode ser utilizado. 32. Conforme a cláusula 4, item 1, da Diretiva 97/81/CE do Conselho da União Europeia, de 15.12.1997. 33. Conforme a cláusula 5, item 2, da Diretiva 97/81/CE do Conselho da União Europeia, de 15.12.1997. Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 200 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Cabe destacar ainda o princípio da proporcionalidade (princípio pro rata temporis), segundo o qual os trabalhadores a tempo parcial terão os mesmos direitos que os trabalhadores a tempo completo, de acordo com o tempo proporcionalmente trabalhado em comparação com o trabalho a tempo completo.34 As principais críticas formalizadas por Rodríguez35 a diretriz comunitária (Diretiva 97/81/CE) são: (a) há necessidade de se encontrar novos equilíbrios entre a lógica econômica e a lógica social e da mesma forma entre flexibilidade e segurança, sendo que a estratégia europeia para o emprego omitiu-se sobre a necessidade de se impulsionar reformas em outros âmbitos; (b) os documentos comunitários iniciadores deste processo além de ter ignorado clamorosamente toda referência aos direitos sociais fundamentais inerentes ao constitucionalismo social reconhecidos tanto no âmbito comunitário como nas experiências nacionais, se conformam com efetuar indicações sumamente não concretas, que oscilam o etéreo princípio ordenador da “flexiseguridad”; (c) o critério de adequação dos países membros36 abre margem de discricionariedade tanto para o legislador como para a autonomia coletiva. Um dos cuidados necessários na implantação interna da flexisegurança e dos seus instrumentos – como o trabalho a tempo parcial – está no receio de dumping social. E o caminho apontado para que se evite essa mazela está no diálogo entre os interlocutores sociais.37 5. A noção de trabalho a tempo parcial no Direito Espanhol. Análise crítica O Estatuto de los Trabajadores – Real Decreto Ley 1/1995, prevê no art. 12, introduzido pelo RDL 15/1998e alterado pelo RDL 3/2012, as principais características do trabalho a tempo parcial no Direito Espanhol: (a) por escrito, necessariamente; (b) prestação de serviços durante um número de horas ao dia, na semana, ao mês ou ao ano inferior a 77% da jornada a tempo completo;38 (c) 34. Conforme a cláusula 4, item 2, da Diretiva 97/81/CE do Conselho da União Europeia, de 15.12.1997. 35. RODRÍGUEZ, Jesús Baz. Op. cit., p. 6-7 e 28. 36. Conforme a cláusula 4, item 2, da Diretiva 97/81/CE do Conselho da União Europeia, de 15.12.1997. 37. RODRÍGUEZ, Jesús Baz. Op. cit., p. 16. 38. A jornada a tempo completo na Espanha é de no máximo 40 horas semanais. Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 201 poderá ser por tempo indefinido ou por duração determinada.39 Se entenderá celebrado por tempo indefinido quando: (c.1) firmado para realizar trabalhos fixos e periódicos dentro do volume normal de atividade da empresa; (c.2) firmado para realizar trabalhos que tenham caráter de fixos-descontínuos e não se repitam em períodos certos; a jornada diária poderá realizar-se de forma continuada ou fracionada (caso em que só será possível efetuar uma única interrupção, salvo que se disponha diferentemente mediante convênio coletivo); (d) os trabalhadores a tempo parcial terão os mesmos direitos que os trabalhadores a tempo completo;40 (e) é permitida a realização de horas extraordinárias cujo número será o legalmente previsto em proporção a jornada pactuada; (f) a conversão de um trabalho a tempo completo em um trabalho a tempo parcial e vice-versa terá sempre caráter voluntário para os trabalhadores, não se poderá impor de forma unilateral e o trabalhador não poderá ser despedido nem sofrer nenhum outro tipo de sanção ou prejuízo por não aceitar a conversão, sem prejuízo das medidas que, de conformidade com o disposto nos arts. 51 e 52 do Estatuto de los Trabajadores, possam ser adotadas em face de causas econômicas, técnicas, organizativas ou de produção. Acerca da possibilidade de redução das horas de trabalho por razões econômicas, técnicas, organizacionais ou produção, Carmen Ferradans Caramés41 esclarece ser uma das medidas de flexibilidade interna promovidas pelo Real Decreto Ley 10/2010, de 16 de junho, que alterou o art. 47.2 do Estatuto de los Trabajadores, objetivando conservar o emprego dos trabalhadores que estão no mercado de trabalho, mantendo a empresa seu pessoal qualificado. 39. Lembra-se que o período de prova na Espanha (contrato de experiência) não pode ser superior a 6 meses para os técnicos titulados, a 3 meses para os trabalhadores em empresas de menos de 25 trabalhadores e a 2 meses para o resto dos trabalhadores, conforme o disposto no art. 14 do Estatuto de los Trabajadores. 40. Art. 12.4. “d” do ET: “Los trabajadores a tiempo parcial tendrán los mismos derechos que los trabajadores a tiempo completo. Cuando corresponda en atención a su naturaleza, tales derechos serán reconocidos en las disposiciones legales y reglamentarias y en los Convenios Colectivos de manera proporcional, en función del tiempo trabajado”; Tejedor sustenta que este dispositivo legal contém clara restrição a autonomia individual da vontade, conforme TEJEDOR, José Antonio Baz. El principio de igualdad, no discriminación (y proporcionalidad) en el trabajo a tiempo parcial. In: RODRÍGUEZ, Jesús Baz (org.). Op. cit., p. 80. 41. CARAMÈS, Carmen Ferradans. La reducción de la jornada de trabajo como mecanismo de reestructuración empresarial frente a las crisis de empleo. Rev. Temas Laborales 107/243, 263-264. Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 202 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Ressalta a autora,42 que a diferença em relação à regra geral da modalidade contratual por prazo indeterminado está essencialmente nas bonificações das cotas empresariais para com a Seguridade Social e no direito à reposição da prestação por desemprego, impulsionares dessa medida. Conclui que a redução temporária da jornada de trabalho, como medida de ajuste do emprego em situações de crise, é uma ferramenta positiva, não obstante resta pendente a maior agilidade de seu procedimento nos casos em que sejam afetados poucos trabalhadores, pois do contrário será pouco utilizada. Todo o esforço conciliatório de nada adiantará se empregados e empregadores não cumprirem efetivamente as normas diferenciadas dessa modalidade atípica de contrato de trabalho. Com essa preocupação, Benavente Torres43 reclama que se exija um firme compromisso obrigacional das partes optantes do trabalho a tempo parcial, a recuperação de equilíbrio contratual (insatisfeito com a mera aplicação do princípio da proporcionalidade) e uma resposta contundente dos Tribunais aos descumprimentos contratuais da jornada de trabalho diferenciada nessa modalidade contratual. Analisando a legislação sobre trabalho a tempo parcial existente na Espanha (art. 12 do ET, acima reproduzido), Rodriguez tece as seguintes críticas: (a) não lhe parece acertado o legislador espanhol ter assumido literalmente a definição da norma comunitária, pois dessa forma não se observaram as peculiaridades espanholas; (b) sustenta que, na aplicação do direito trabalhista espanhol, por vezes há confusão entre várias modalidades contratuais existentes44 e que isso atrapalha a adequada utilização do trabalho a tempo parcial; (c) destaca a revitalização da atuação jurisdicional protetora ao apreciar discriminação indireta por razão de sexo das trabalhadoras a tempo parcial; (d) destaca o papel transcendental da negociação coletiva, tanto no contexto comunitário quanto no espanhol, para a verificação das razões objetivas que podem autorizar tratamentos diferenciados, não discriminatório do trabalho a tempo parcial, como autêntica peça de ajuste na busca da “flexiseguridad”;45 (e) esclarece que o legislador espanhol tem buscado de- 42. Idem, p. 243, 263-264. 43. BENAVENTE TORRES, Maria Immaculada. El trabajo a tiempo parcial. Sevilha: Consejo Económico y Social de Andalucía, 2005. 44. Arts. 10 a 13 do Estatuto delos Trabajadores. 45. Morato García adverte que a observação do panorama negocial atual revela, todavia, que são poucos os convênios coletivos que contemplam a contratação de trabalho fixo descontínuo de execução incerta ou irregular com o devido esmero e previsão Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 203 sesperadamente aumentar os índices quantitativos de emprego, recorrendo a esta modalidade de contratação; (f) defende que a negociação coletiva não poderá delimitar conceitualmente essa modalidade contratual, restringindo o âmbito de aplicação da norma; (g) prega a harmonização (afirma que o método clássico de harmonização das legislações laborais internas está esclerosado), a coordenação (sustenta a substituição das técnicas de hard law por uma metodologia de coordenação menos vinculante e mais voluntarista – soft law, amparada por interpretações extensivas dos princípios comunitários de subsidiariedade e proporcionalidade) e a atuação coletiva em matéria de trabalho a tempo parcial, por meio dos interlocutores sociais, para efetivação da “flexiseguridad”.46 Martín Hernández acrescenta que se deve mudar a maneira de pensar a proteção dos trabalhadores a tempo parcial fixando a atenção não tanto em suas diferenças técnicas em relação ao trabalho a tempo completo: sugere a autora que se deixe de considerar o princípio da proporcionalidade como critério absoluto central e essencial do desenho do regime de proteção aplicável aos trabalhadores a tempo parcial. Essa mudança de ótica implicaria a adoção de medidas que ultrapassem a mera equiparação formal entre trabalhadores a tempo completo e que tenderão a igualdade real e efetiva de uns e outros.47 Frise-se o ponto: a igualdade formal não é suficiente.48 6. Considerações finais O histórico de altos índices de desemprego na Espanha foi acentuado pelos desdobramentos da crise financeira internacional ocorrida em 2008, marcada pela falência do tradicional banco de investimento estadunidense Lehman Brothers, no qual, em efeito dominó, outras grandes instituições financeiras “quebraram”, no processo também conhecido como crise dos subprimes ou grande recessão. Todavia, os direitos sociais, e mais especificamente os dos trabalhadores, não podem ser reduzidos a uma questão de custo. Essa premissa é fundamental para que não se caminhe para uma perigosa parente próxima da flexibilização: a desregulamentação dos direitos trabalhistas. (MORATO GARCÍA, Rosa Maria. Contratación fija-discontínua de carácter irregular y la reincorporación al trabajo. In: RODRÍGUEZ, Jesús Baz (org.). Op. cit., p. 149). 46. RODRÍGUEZ, Jesús Baz. Op. cit., p. 23-24, 26, 28 e 33, 29, 30, 34-35, respectivamente. 47. MARTÍN HERNÁNDEZ, María Luisa. Op. cit., p. 184. 48. Idem, p. 181. Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 204 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Nesse contexto, a situação econômica e social espanhola é realmente grave e o trabalho a tempo parcial aparece como um dos instrumentos da “flexiseguridad” e uma das poucas alternativas até então apresentadas para enfrentar essa imensa problemática. Ocorre que, em face desse contexto atual, o trabalho a tempo parcial tem sido utilizado na Espanha em forma bastante superior ao que seria adequado (tanto em quantidade, quanto em finalidades), pois ainda que seja uma modalidade contratual válida para inserção no mercado de trabalho de jovens, por exemplo, sua utilização predominante está longe de ser o ideal para todos envolvidos (trabalhadores, empregadores e o próprio país) e revela a precarização do trabalho,49 pois quanto menor a jornada, menor é o salário (proporcionalmente ao tempo trabalhado), diminuindo a renda das famílias que possuem trabalhadores nessa modalidade contratual, sem falar nas modalidades informais de trabalho onde a precarização é ainda maior.50 Uma crise da grandeza da que passa a Espanha, entre outros países da Europa, não se resolve com medidas isoladas, mas necessita um conjunto de medidas e de mudanças efetivas (culturais, inclusive), que não se processam “da noite para o dia”. O caminho para essa situação complexa também é complexo e difícil, mas não é novo: está na harmonização entre o capital e o trabalho (ou entre o social e o econômico numa roupagem mais abrangente), “segundo a qual a finalidade protetora combina-se com a coordenação dos interesses entre o capital e o trabalho”.51 Em verdade, essa necessidade recíproca já era salientada em 1891, 49. “A precariedade, embora não seja um atributo da flexibilidade, pode conduzir a precarização” (BARROS JR., Cássio de Mesquita. Flexibilização do direito do trabalho. Revista LTr. ano 59. n. 8. p. 1035). 50. Essa modalidade de contrato “tenta evitar a elevação das altas taxas de desemprego no mundo”, conforme ARAÚJO, Gisele Ferreira de. Op. cit., p. 9; Tratando da precarização no Direito Espanhol, Morato García afirma que tem existido um crescente interesse por regulamentar apaixonadamente as peculiaridades da contratação de trabalho fixo descontínuo de execução incerta ou irregular, fruto das oscilações do mercado que se repetem em ciclos conjunturais (MORATO GARCÍA, Rosa Maria. Op. cit., p. 149). 51. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito contemporâneo do trabalho. São Paulo: Ed. LTr, 2011. p. 37; Adverte Romagnoli que a ameaça mais séria contra a qual o Direito do Trabalho deverá defender-se “é a desintegração ao contato com um mundo da produção extremadamente diversificado em uma pluralidade de interesses que se negam a adequar-se a lógica de harmonização” (ROMAGNOLI, Umberto. El derecho del trabajo: qué futuro? In: BARBAGELATA, Héctor Hugo; ACKERMAN, Mario Eduardo. Op. cit., p. 437). Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 205 pelo Papa Leão XIII, na famosa carta encíclica Rerum Novarum (Coisas Novas): sobre a condição dos trabalhadores, de que “não pode haver capital sem trabalho, nem trabalho sem capital”.52 Trata-se de umas equações de mais difícil conciliação em face da complexidade de fatores que a envolvem, mas o seu enfrentamento efetivo é de vital importância não apenas para os países que passam por tais problemas como o da Espanha, mas por todos os países, em face da globalização. Em situações graves como essa é comum haver maior cedência de posicionamentos, estando aí uma ótima oportunidade para que haja efetivamente o necessário diálogo entre os interlocutores sociais e medidas efetivas e não o contrário como fez recentemente a Espanha, por meio do Real Decreto-ley 3/2012, ao limitar a atuação da negociação coletiva. Referências ARAÚJO, Gisele Ferreira de. Flexibilização do direito laboral e a Constituição Federal de 1988. Justiça do Trabalho. vol. 262. p. 8-23. Porto Alegre: HS, out. 2005. BAGLIONI. Guido. O mundo do trabalho – Crise e mudança no final do século. São Paulo: Scritta, 1994. BARROS JR., Cássio de Mesquita. Flexibilização do direito do trabalho. Revista LTr. ano 59. n. 8. p. 1034-1035. São Paulo: Ed. LTr, ago. 1995. BENAVENTE TORRES, Maria Immaculada. El trabajo a tiempo parcial. Sevilha: Consejo Económico y Social de Andalucía, 2005. COIMBRA, Rodrigo; ARAÚJO, Francisco Rossal de. Direito do trabalho: evolução do modelo normativo e tendências atuais na Europa. Revista LTr. ano 73. t. II. n. 08. p. 953-962. São Paulo: Ed. LTr, ago. 2009. 52. LEÃO XIII. Carta encíclica Rerum Novarum sobre a condição dos operários. Disponível em: [www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_ enc_15051891_rerum-novarum_po.html]. Acesso em: 22.11.2011: (...) “O erro capital na questão presente é crer que as duas classes são inimigas natas uma da outra, como se a natureza tivesse armado os ricos e os pobres para se combaterem mutuamente num duelo obstinado. Isto é uma aberração tal, que é necessário colocar a verdade numa doutrina contrariamente oposta, porque, assim como no corpo humano os membros, apesar da sua diversidade, se adaptam maravilhosamente uns aos outros, de modo que formam um todo exactamente proporcionado e que se poderá chamar simétrico, assim também, na sociedade, as duas classes estão destinadas pela natureza a unirem-se harmoniosamente e a conservarem-se mutuamente em perfeito equilíbrio. Elas têm imperiosa necessidade uma da outra: não pode haver capital sem trabalho, nem trabalho sem capital (...)”. Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 206 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 CARAMÈS, Carmen Ferradans. La reducción de la jornada de trabajo como mecanismo de reestructuración empresarial frente a las crisis de empleo. 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Pesquisas do Editorial Veja também Doutrina • Dano existencial por jornada de trabalho excessiva – critérios objetivos (horizontais e verticais) de configuração, de André Araújo Molina – RDT 164/15-43 (DTR\2015\13253); • Desemprego, flexibilização e o Direito do Trabalho, de Piaza Merigue da Cunha e Roberta Freitas Guerra – RDT 137/289-308 (DTR\2010\393); • Flexibilização da jornada de trabalho, de Cássio Ramos Báfero – Crise Econômica e Soluções Jurídicas 25 (DTR\2015\16347); • Flexibilização trabalhista e desemprego – a recente polêmica da lei de primeiro emprego na França, de Lorena Vasconcelos Porto e Márcio Túlio Viana – RDT 126/96-106, Doutrinas Essenciais de Direito do Trabalho e da Seguridade Social 3/1217 (DTR\2007\286); e • Programa de proteção ao emprego: solução?, de Georgenor de Sousa Franco Filho – RDT 164/103-112, Crise Econômica e Soluções Jurídicas 15 (DTR\2015\13252). Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 209 O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado Labour law for sale – Some considerations about social dumping in globalized capitalism Alessandra Pearce de Carvalho Monteiro Mestre e Doutoranda em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra. [email protected] Área do Direito: Trabalho Resumo: Este trabalho busca analisar a juridicidade da flexibilização do direito trabalhista por motivos de ordem econômica, nomeadamente, com o objetivo de captação e manutenção de investimentos no país. Tal estudo se mostra relevante a partir do momento em que se percebe que há uma progressiva flexibilização do direito trabalhista em escala global – algo que a doutrina tem chamado de “corrida da desregulamentação” ou “race to the bottom” –, o que fortalece as acusações de dumping social que algumas nações desenvolvidas têm feito aos países em desenvolvimento. Palavras-chave: Dumping social – Race to the bottom – Standard laboral mínimo – Desenvolvimento econômico – Instrumentalização do direito do trabalho. Abstract: This paper seeks to analyze the juridicity of the flexibilization of labour law for economic reasons, namely with the aim of attracting and retaining investments in the country. This study proves to be relevant from the moment one realizes that there is a progressive flexibilization of labor law on a global scale – something that the doctrine has called “race for deregulation” or “race to the bottom” –, which strengthens the allegations of social dumping that some developed nations have made to developing countries. Keywords: Social dumping – Race to the bottom – Minimal labour standard – Economic development – Instrumentalization of labour law. Sumário: Introdução. 1. O perigo do efeito “race to the bottom”. 2. O mínimo laboral. 3. Sobre o desenvolvimento de uma nação. 4. A instrumentalização do direito laboral. 5. Considerações finais. 6. Referências. Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 210 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Introdução Em 2011 foi aprovado na Romênia um novo código laboral que flexibilizou em mais de uma dezena de pontos as garantias trabalhistas presentes no diploma anterior.1 A intenção anunciada pelo governo foi tornar o país mais atrativo para investimentos estrangeiros, e, assim, conseguir uma maior geração de empregos e crescimento econômico. A flexibilização da legislação trabalhista na Romênia com o propósito de atrair capital estrangeiro é um exemplo ilustrativo do problema que será enfrentado neste trabalho: a possível ocorrência globalizada de um fenômeno conhecido por dumpingsocial, prática de reduzir ou manter propositalmente em níveis mínimos as condições de trabalho para baratear os custos dos bens produzidos e torná-los mais competitivos no mercado internacional. O dumping social é tema bastante discutido na doutrina, e, apesar do enfoque poder ser bastante diferente de acordo com a área de expertise do autor (economia; direitos humanos; direito internacional; direito comercial etc.), os argumentos e posições centrais são geralmente os mesmos. Primeiro, há a posição dos países desenvolvidos (PD) – especialmente os Estados Unidos – que denunciam e combatem o dumping social afirmando que este é responsável pelo desemprego em seus territórios e pelo desmoronamento dos padrões sociolaborais internacionais diante da concorrência desleal e da deslocalização das empresas que “fogem” para locais com custos trabalhistas inferiores. Depois, há a refutação dos países em desenvolvimento (PED) e subdesenvolvidos (PSD), que afirmam que a doutrina do dumping social, com suas preocupações humanitárias e de lealdade na concorrência, é apenas um disfarce para os verdadeiros interesses protecionistas dos PD. Os PED e os PSD ainda defendem o próprio “direito ao desenvolvimento a nascer do crescimento econômico assente nas vantagens concorrenciais nacionais – o baixo custo do trabalho (...) – capaz 1. As mudanças foram tão severas que se chegou a dizer que os romenos estariam se tornando os escravos do século XXI. Dentre elas, destaco a possibilidade de o empregador aumentar unilateralmente a jornada de trabalho; a redução da primeira parte das férias de 15 para 10 dias; a desnecessidade de concessão de férias caso o empregador alegue ser preciso um “treinamento profissional”; e a diminuição do poder de ação dos sindicatos, vistos como “blockers of effective legislation”. BUNESCU, Luisa Maria. The allegation of social dumping. A case study on Romania. p. 76. Disponível em: [www.ieei.eu/bibliotheque/memoires2011/ LBunescu.pdf]. Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 211 de ensejar um reequilíbrio nas distâncias entre os povos”.2 Como coloca Rodrigo Gava, parece que estão “todos a sustentar argumentos altruístas com doses de protecionismo ou argumentos comerciais com doses de barbárie”.3 O fato é que não dá para negar que diante da globalização e da progressiva abertura nas trocas comerciais entre nações, a grande discrepância mundial em relação aos níveis de proteção e custos sociolaborais4 tem provocado a fuga de empresas de países com níveis altos de proteção ao trabalhador (normalmente os países desenvolvidos) para aqueles com níveis mínimos desta tutela. Assim, os PD alegam que só lhes restariam duas opções: (1) retroceder (flexibilizar) nos seus níveis de proteção laboral para reequilibrar a competição no mercado internacional, o que significaria a confirmação das funestas previsões de que o dumping social pode provocar um efeito race to the bottom; (2) agregar esforços para induzir a elevação das condições sociolaborais nos PED e PSD, inclusive através de medidas sancionatórias aos países acusados da prática – nomeadamente a adoção de cláusulas sociais. Esta é a visão geral da problemática do dumping social. Porém, para efeitos deste trabalho, irei abordar o tema sob uma ótica levemente diferenciada: primeiro, atentai que não busco aqui destrinchar os conceitos de dumping econômico e, em um esforço técnico-jurídico, tentar encaixar neste a questão laboral, pois já adoto desde o princípio um conceito de dumping social proveniente mais do direito do trabalho do que do direito concorrencial,5 o que me permite 2. GAVA, Rodrigo. Ricos e mendazes. O dilema das cláusulas sociais nas relações multilaterais de comércio internacional. Coimbra: Almedina, 2008. p. 35. 3. Idem, p. 35. 4. Mesmo dentro da União Europeia, a diferença entre os mínimos salariais impressiona. Em 2011, o salário mínimo mais baixo era encontrado na Bulgária, €121,77, e o mais alto estava previsto em Luxemburgo, €1757,56. Ver: BUNESCU, Luisa Maria. Op. cit., p. 18. 5. Para a doutrina laboral, o fenômeno do dumping social já resta caracterizado quando há uma grande disparidade entre o lucro e o custo porque o último foi minimizado por meio de violações a direitos laborais mínimos. Porém, para o direito concorrencial o dumping só ocorreria quando se verificasse condições bem específicas, dentre elas, quando o produto fosse comercializado no mercado externo a preço inferior àquele normalmente praticado no mercado interno. Não utilizo este segundo conceito – que se baseia principalmente no conceito de “valor normal” e na diferença entre os valores praticados em mercados – porque o considero demasiado tecnicista e desvirtuado do problema que é posto. Para compreender melhor a diferença entre as duas abordagens, ver: FERNANDEZ, Leandro. Dumping social. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 85-86. Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 212 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 “pular” todo o problema clássico da não configuração dos quatro requisitos do dumping que é sempre apontado por juristas-economistas.6 Ao contrário, parto já do pressuposto de que, sim, existe um retrocesso (ou um não avanço proposital) em matéria laboral por todo o globo,7 causado ao menos em parte pelo fato de que é mais fácil para um PED ou para um PSD atrair investidores estrangeiros utilizando justamente “o que tem de sobra”: a mão de obra barata e abundante. Diante deste pressuposto, surge o questionamento central deste trabalho: mas este retrocesso ou não avanço proposital8 é, em si, algo reprovável perante o direito? De outra forma, seria esta uma prática antijurídica, que merece ser combatida inclusive por medidas sancionatórias agressivas? A proposta é, então, falar sobre a juridicidade de uma prática, e não sobre a estrita legalidade ou constitucionalidade da mesma – até porque leis e constituições 6. Para muitos juristas que aderem a uma visão mais econômica do problema, o termo “dumping social” é utilizado de forma apressada ou equivocada. Argumentam que o Acordo sobre a Implementação do art. VI do GATT-1994 estabelece quatro elementos substantivos caracterizadores de dumping – preço normal, comparação justa, margem e dano com nexo causal –, mas que as práticas que normalmente recebem o rótulo de “dumping social” não possuem a configuração destes quatros elementos. Assim, seria falha a caracterização do ato de rebaixar as condições sociolaborais de um país para diminuir os custos de um produto como dumping social. Ver: FERNANDEZ, Leandro. Op. cit., p. 80-81; GAVA, Rodrigo. Op. cit., p. 140-141. 7. Para Leal Amado, “nos nossos dias, a flexibilidade do mercado de trabalho constitui um objetivo omnipresente e incontornável, assumindo-se aquela, nas certeiras palavras de Riccardo del Punta, como um valor “sociologicamente pós-industrial e culturalmente pós-moderno”. Ver: AMADO, João Leal. Flexigurança: “free to hire, free to fire?” (Nótula em torno da reforma da nossa legislação laboral). In: ANDRADE, Manuel da Costa et al. Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge Figueiredo Dias. Coimbra: Coimbra Ed., 2009. p. 24. 8. A doutrina frequentemente verifica duas hipóteses de dumpingsocial: ou o retrocesso intencional dos padrões trabalhistas, ou que estes se mantenham desnecessariamente em níveis débeis em comparação com outros países. Benarciak explica que para efeitos de caracterização de dumping social, “the decline can take the form of erosion of the existing levels of social protection or the so-called arrested development of social regulation, which refers to situations where social standards do not advance at a pace proportional to economic growth as a result of external competitive pressures”. Contudo, sugere que a noção do que seja um “arrested development of social policies” pode se tornar problemática diante da dificuldade de se determinar exatamente em que nível de desenvolvimento social o país estaria se não fosse a alegada prática de dumping social. Ver: BENARCIAK, Magdalena. Social dumping and the EU integration process. Brussels: ETUI, 2014. p. 8. Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 213 mudam, e o caso é justamente sobre a mudança “para pior” de uma legislação. Uma vez que a base da juridicidade não é um código ou uma constituição, mas o próprio direito em si, é necessário explicar desde já que assumo aquele sentido de direito ocidental de base cristão-romana e com pretensão de universalidade de que nos fala Castanheira Neves ao longo de várias obras e textos: aquele sentido que se baseia no reconhecimento das criaturas humanas como pessoas detentoras de direitos e obrigações, e assim com valor e fim em si próprias – dignas –, não apenas objetos disponíveis para serem utilizadas e mercantilizadas por outrem.9 Sempre com base neste sentido de direito irei analisar os argumentos que se relacionam com o problema da juridicidade daflexibilização dos direitos trabalhistas para a atração de investimentos estrangeiros, que são, em última análise, uma releitura de algumas das principais questões sobre dumping social. Especificamente, considerarei o perigo do efeito race to the bottom: (i) a caracterização do “mínimo laboral”; (ii) o problema do necessário desenvolvimento econômico dos PED e PSD; (iii) e as consequências advindas da instrumentalização econômica do direito laboral; (iv) não abordarei o problema da possível concorrência desleal em comércio internacional, porque penso que especialmente neste caso os argumentos humanitários são mais relevantes que os econômicos. Por fim, em sede de conclusão, refletirei sobre que medidas se revelariam mais adequadas para combater o dumping social ou, de outra forma, para impedir a “flexibilização infinita” dos direitos trabalhistas,10 garantindo a proteção da dignidade dos trabalhadores – que são, antes de tudo, pessoas, e não mercadorias para serem vendidas. 1.O perigo do efeito “race to the bottom” A expressão “race to the bottom” foi bem traduzida para o português como “corrida ladeira abaixo”,11 e descreve a situação em que os baixos padrões so- 9. NEVES, Castanheira. Direito hoje e com que sentido? O problema actual da actual da autonomia do direito. In: ______. Digesta III. Coimbra: Coimbra Ed., 2010. 10. Leal Amado questiona acerca das reformas legislativas em Portugal, “até onde irá, e até quando perdurará, esta vertigem flexibilizadora? Talvez até reformular o art. 53 da Constituição da República? Talvez até se consagrar, com ou sem ambiguidades, o princípio do despedimento livre, ad nutum? “Free to hire, free to fire”, permitindo-se que o empregador despeça o trabalhador por qualquer razão, ou mesmo sem razão? Ver: AMADO, João Leal. Flexigurança... cit., p. 30-31. 11. DI SENA JR., Roberto. Comércio internacional & globalização: a cláusula social na OMC. Curitiba: Juruá, 2003. p. 117. Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 214 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 ciolaborais dos PED e dos PSD tenderiam a provocar um retrocesso nas garantias sociais já conquistadas nos países desenvolvidos, uma que vez estes últimos seriam pressionados a reduzi-las para que seus produtos – naturalmente mais caros porque embutem o preço dos direitos sociais e trabalhistas – pudessem competir em igualdade no mercado contra os produtos mais baratos fabricados em países que não têm as mesmas garantias. No plano da explicação teórica, é bastante fácil compreender como se chegaria à situação de retrocesso generalizado: no mercado internacional, as empresas buscam se tornar sempre mais competitivas. Dentre vários quesitos que influenciam a competitividade – como a qualidade, a estética, a inovação tecnológica do produto – destaca-se a importância do “preço”, que por sua vez tem os “custos laborais” como um dos seus principais fatores de conformação. Portanto, especialmente as grandes companhias e indústrias, com o intuito de aumentar a própria competitividade, se deslocam para países com menores custos sociolaborais, de forma a diminuir as suas despesas de produção e aumentarem suas vendas e lucros. Exemplo paradigmático é o do setor têxtil nos EUA: desde a década de 70, as indústrias de vestuário americanas têm “fugido” para locais com mão de obra mais barata – especialmente China e Bangladesh –, o que resultou na impressionante estatística de que atualmente apenas 2% das roupas vendidas nos Estados Unidos são produzidas no país.12 As empresas buscam, assim, no mercado globalizado, o local que lhes garanta a maior rentabilidade possível,13 o que poderia fazer com que os PD se sentissem pressionados a reduzir os próprios níveis de proteção trabalhista para manterem (ou recapturarem) suas companhias. Como coloca Marco Viana, uma estratégia muito usada pelas empresas para conseguirem diminuir suas despesas através da redução legislativa de encargos laborais é a ameaça de deslocalização. Em geral, “as empresas canadenses falam em ir para os EUA, a dos EUA para o México e as mexicanas para a China”.14 12. MENDES, Lucas. Roupas e operários descartáveis. BBC Brasil. 09.05.2013. Disponível em: [www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/05/130509_lucasmendes_tp]. 13. Rodrigo Gava explica que uma das consequências desta lógica é “a fragmentação das atividades produtivas nos diferentes territórios e continentes, o que permite aos conglomerados transnacionais praticar o comércio interempresas, acatando seletivamente as distintas legislações nacionais e concentrando seus investimentos nos países onde elas são-lhes mais favoráveis”. Ver: GAVA, Rodrigo. Op. cit., p. 154. 14. VIANA, Marco Túlio. A flexibilização pelo mundo: breves notas do XVIII Congresso Mundial de direito do trabalho e seguridade socia. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3.ª Região. vol. 43. n. 73. p. 30. Importante destacar que nem todos os Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 215 Contudo, diversos pesquisadores argumentam que, na prática, esta “corrida ladeira abaixo” não está acontecendo. As empresas podem até estar “fugindo” para outros países, mas isto não significa necessariamente que o produto irá ser mais competitivo no mercado,15 nem que a prática de deslocalização irá levar outros países a rebaixarem seus níveis de proteção sociolaborais. Na medida em que “diversas outras variáveis são requeridas pelo mercado (importadores) ou exigidas pelos investidores (‘indústrias estrangeiras’)” – em especial, a estabilidade social e política do país –, a vantagem do baixo custo laboral seria compensada/equilibrada pela tecnologia e a alta produtividade típica dos países desenvolvidos. Inclusive, estes dois últimos fatores são van- pensadores do direito consideram que a deslocalização é, em si, uma prática perniciosa – seja esta na forma de transferência completa das unidades fabris ou na forma de subcontratação. Na visão de Rodrigo Gava, a subcontratação industrial é um “eficiente mecanismo de organização da produção industrial à medida que acarreta diversas vantagens para os contratantes – já além da bastante salientada redução de custos, como o fato de possibilitar o acesso a regiões com perspectivas de crescimento potencial e responder de forma eficaz às flutuações da demanda – e para os contratados, em especial quando se trata de algum PED – maiormente por trazer uma maior produtividade e eficiência, seja pela utilização da capacidade excedente, pelas economias de escala ou pela transferência de tecnologia”. Diz ainda que em regra é descabido o argumento de abuso concorrencial para se opor ao fenômeno de deslocalização, visto que se trata apenas da “mais plena concretização das liberdades econômica e organizacional (...) seja por parte das contratantes, mediante a minimização dos custos, seja por parte das subcontratadas, mediante a atração de empresas pelos custos sociolaborais menos onerosos”. Ver: GAVA, Rodrigo. Op. cit., p. 157. 15. Will Martin e Keith Maskus mostram que a discriminação no ambiente de trabalho e outras práticas que caracterizam baixos padrões laborais tendem, na verdade, a reduzir a competitividade de um produto. Isto porque a competitividade só aumenta a médio e longo prazo através de melhorias no processo de produção, como incremento de tecnologias e qualificação de profissionais. Ver: MARTIN, Will; MASKUS, Keith. Core labour standards and competitiveness: implications for global trade policy. Review of International Economics. vol. 9. n. 2. p. 317-328. Drusilla Brown et al. demonstra que bens produzidos por trabalho infantil não gozam de maior competitividade no mercado internacional. VER: BROWN, Drusilla K. et al. “Child labor: theory, evidence and policy. International Labour Standards, por Kaushik Basu; Henrik Horn; Lisa Román; Judith Shapiro. Oxford: Blackwell, 2003. Conclusão semelhante é feita por Panagariya, quando diz que a porcentagem de crianças que trabalham em empresas exportadoras é pequena demais para gerar um grande desequilíbrio na competição internacional. Ver: PANAGARIYA, Arvind. Labor standards and trade sanctions. Disponível em: [www.columbia.edu/~ap2231/Policy%20Papers/ Hawaii3-AP.pdf]. Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 216 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 tagens mais consistentes e sustentáveis, o que colocaria os PD em uma posição favorecida de desempenho concorrencial. Além disso, diversos estudos de economia já concluíram que a diminuição dos padrões sociolaborais (principalmente o salário) em países desenvolvidos não se deve à transação comercial com os PED e os PSD, mas sim às inovações tecnológicas que requerem cada vez menos mão de obra não qualificada.16 Diante destes dados e argumentos, a OMC diz que há mais motivos para acreditar que esteja ocorrendo um race to the top, na medida em que “these take the form of political demands from the rich countries that poor nations upgrade their standards and raise their productions costs as the price for trade advantage”.17 É realmente incontestável a afirmação de que nos últimos 30 anos houve uma tendência de flexibilização do direito trabalhista no ocidente. O que não é assim tão fácil de provar é a ligação entre esta flexibilização e a ocorrência de dumping social. Como revelado pelos estudos mencionados, alguns indícios apontam que os baixos padrões sociolaborais nos países de terceiro mundo não são a causa do retrocesso havido nos de primeiro. Ainda assim, esta “nuvem de dúvida” não esgota o tema estudado, pois mesmo que o efeito race to the bottom não exista – no sentido de não se poder atribuir a “culpa” da flexibilização laboral nos países desenvolvidos à discrepância entre os níveis de proteção trabalhista –, há muitos outros problemas ocorrendo: trabalho forçado, trabalho infantil, discriminação, mortes e acidentes que poderiam ser facilmente evitados, exploração enfim, toda uma gama de desrespeitos à dignidade do trabalhador praticados pelas empresas – e muitas vezes sob uma cegueira proposital do poder público – com a intenção de reduzir os custos da mão de obra.18 Percebo que estas violações escancaradas aos direitos humanos do trabalhador não constituem diretamente o tema deste trabalho, pois ninguém duvida 16. Para Bhagwati, “most trade economists have now conclude that trade with poor countries is not the main driver of the pressure on rich country wages; in fact, it may well have moderated fall that would ensue from technical change that continually reduces the need for unskilled workers”. Ver: BHAGWATI, Jagdish. Free trade and labour, p. 3. Disponível em: [www.columbia.edu/~jb38/papers/pdf/ft_lab.pdf]. 17. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC). The future of WTO. Geneva: WTO, 2014. p. 13. 18. Para exemplos, Ver: BARROS, Anne Caroline Rodrigues. Dumping social e suas inter-relações com o meio ambiente do trabalho. Revista da ESMAT. vol.13. ano V. n. 5. p. 24-32; ROSAS, María Cristina. El comercio internacional, la responsabilidad corporativa y los derechos humanos. Comercio Exterior. vol. 53. n. 9. Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 217 que estas práticas são reprováveis pelo direito19 e, portanto, não há muito o que se indagar sobre a suas juridicidades. É consensual a ideia de que nenhum Estado poderá flexibilizar suas garantias laborais a ponto de legalizar práticas desumanas. O problema aparece, contudo, no momento de estabelecer a linha limítrofe entre um retrocesso que até pode ser considerado “jurídico”, e aquele que não pode ser aceito pelo direito em qualquer hipótese. É o que tentarei fazer no tópico a seguir. 2.O mínimo laboral Em um artigo publicado anteriormente sobre o retrocesso em matéria de direitos sociais, concluí que os princípios da alternância democrática e da revisibilidade das opções político-legislativas permitem uma ampla margem de conformação do legislador para modificar o grau de concretização dos direitos sociais, principalmente em um contexto de crise econômica. Contudo, o princípio da proibição do retrocesso social ainda pode ser arguido em casos-limite, quando se tratar de garantir um conteúdo mínimo essencial para a dignidade humana.20 Ou seja, defendi, naquele momento, a juridicidade de opções político-legislativas que significassem um retrocesso, desde que o núcleo mínimo do direito permanecesse intocado. Assim também é, pelo menos a priori, meu entendimento sobre a possibilidade de flexibilização dos direitos trabalhistas. Ressalto que é “pelo menos a priori” porque a presente problemática envolve também outras questões que precisam ser enfrentadas antes de uma posição definitiva, como a necessidade de um desenvolvimento sustentável (tópico 3) e os problemas de uma instrumentalização do direito (tópico 4). O estabelecimento de um padrão mínimo laboral internacional não é tarefa fácil, diante da variação no grau de desenvolvimento entre os países do globo.21 19. Com uma nota: ninguém duvida que sejam práticas que deveriam ser tendencialmente abolidas, mas há alguns autores que percebem “justificativas” para a existências destas. Sobre o trabalho infantil, por exemplo, não é raro encontrar quem argumente que esta modalidade de trabalho é importante para a renda familiar em alguns países, e que se fosse proibida “do dia pra noite” iria trazer mais prejuízos para a criança e sua família. 20. MONTEIRO, Alessandra Pearce de C. O princípio da proibição do retrocesso social. Diálogo Jurídico. ano XIII. n. 14. p. 50. 21. Para Leandro Fernandez, as “eventuais assimetrias no custo da mão de obra existentes entre diferentes regiões de um país ou entre países distintos são configuram dumping social. Tais distinções são decorrência, em geral, do nível de desenvolvimento Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 218 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Além disso, a realidade cultural de cada nação é diferente das demais, o que faz com que um direito que seja facilmente cumprido em um local (e aceito pela população), possa não sê-lo em outro. Conforme coloca Mina Kaway et al, a estipulação de uma idade mínima para o trabalho é um exemplo de questão muito variável, haja vista o fato de que em países agrícolas os jovens normalmente começam a trabalhar mais cedo do que em países mais urbanizados.22 Contudo, em que pese a dificuldade da elaboração de um standard trabalhista mínimo, a OIT não se esquivou da tarefa e determinou ser de cumprimento obrigatório as suas oito Convenções Fundamentais,23 que tratam dos seguintes temas: (i) liberdade sindical e de negociação coletiva; (ii) combate à discriminação no emprego; (iii) proibição do trabalho infantil; e (iv) proibição do trabalho escravo. Estes quatro pontos se tornam, assim, direitos trabalhistas fundamentais, que se revestem do caráter jus cogens e são irredutíveis.24 Repare que não existe qualquer valor estipulado como “mínimo obrigatório” salarial, justamente porque esta determinação seria ou impossível, ou injusta – impossivelmente justa.25 Na verdade, um defensor ferrenho dos direitos trabalhistas pode até achar que a lista dos fundamentais é escassa e não abrange algumas garantias extremamente importantes, como o direito à saúde e à segurança no trabalho e o próprio direito a um salário mínimo, seja qual valor for. Porém, como coloca Claire La Hovary, “les droits fondamentaux au travail identifiés dans la socioeconômico de determinado local, bem como da qualificação profissional de seus trabalhadores”. Ver: FERNANDEZ, Leandro. Op. cit., p. 92. 22. KAWAY, Mina et al. Dumping social: as normas trabalhistas e sua relação com o comércio internacional. In: BARRAL, Welber Oliveira et al (org.). Direito, desenvolvimento e sistema multilateral de comércio. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008. p. 168. 23. São elas: Convenção 29/1930 sobre Trabalho Forçado; Convenção 87/1948 sobre Liberdade Sindical e Proteção do Direito de Sindicalização; Convenção 98/1949 sobre Direito de Sindicalização e Negociação Coletiva; Convenção 100/1951 sobre Igualdade de Remuneração; Convenção 105/1957 sobre Abolição do Trabalho Forçado; Convenção 111/1958 sobre Discriminação (emprego e ocupação); Convenção 138/1973 sobre Idade Mínima; Convenção 182/1999 sobre Piores Formas de Trabalho Infantil. 24. Neste sentido, Ver: ARAÚJO, Henrique Paiva. O dumping social e a aplicabilidade de medidas repressivas. Revista de Direito e Jurisprudência (TJDFT) 106/70. 25. Não é possível a determinação de um quantum salarial mínimo em contexto internacional. Dentro dos contextos nacionais, contudo, há diversas sugestões doutrinais sobre como se avaliar qual seria o mínimo para uma existência digna. Sobre isto, ver: MONTEIRO, Alessandra Pearce de C. Op. cit., p. 48. Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 219 Déclaration de 1998 sont d’um caractère primordial, touchant directment la sauvegarde de la dignité humaine”.26 Além disso, pode-se argumentar que vale mais buscar a concretização efetiva de um núcleo duro – ainda que restrito – em âmbito internacional, do que estancar em um debate interminável sobre aspectos trabalhistas menos consensuais entre os governantes e legisladores de todo o globo.27 Portanto, a conclusão parcial a que chego é que o primeiro requisito para aferir a juridicidade de uma flexibilização dos direitos trabalhistas de um país seria a adequação da nova lei aos mínimos estabelecidos pela OIT. Mas isto, só, não é suficiente. Como os retrocessos em matéria laboral são frequentemente referidos para a promoção do crescimento econômico e a criação de empregos – muitas das vezes através de captação de investimentos estrangeiros –, cumpre analisar agora se a perspectiva do desenvolvimento da economia realmente justifica a desproteção dos trabalhadores, o que remete ao problema das diferentes noções acerca do que é desenvolvimento, e principalmente aos conceitos de desenvolvimento como liberdade e desenvolvimento sustentável. 3.Sobre o desenvolvimento de uma nação Um dos principais argumentos de quem defende a imposição de sanções às práticas de dumping social é de origem ética: não se pode coisificar o trabalho humano na construção das relações econômicas, ou seja, estas não podem ser realizadas sob um “terreno social débil e lúgubre”,28 onde não sejam garantidos direitos humanos básicos e universais aos trabalhadores. Contudo, esta ideia ético-humanitária é refutada pela noção de que os padrões sociolaborais são “development-dependent”,29 o que significa que a melhoria das condições de dignidade dos trabalhadores de um país não se realizaria nem pela imposição de regras legislativas rígidas, nem pela harmonização internacional dos direi- 26. LA HOVARY, Claire. Les droits fondamentaux au travail. [s.l]: Presses Universitaires de France, 2009. p. 1. 27. Claire de La Hovary ainda explica que a concretização inicial de um núcleo duro iria elevar o grau de respeito aos demais direitos trabalhistas: “L’un des arguments de l’OIT est en effet que le respect des droits fondamentaux devrait servir de tremplin au respecit des autres normes du travail: leur mise em uvre procurera la base sur laquelle tous les autres droits es travailleurs pourront être à leur tour mis en uvre”. Ver: LA HOVARY, Claire. Op. cit., p. 50. 28. GAVA, Rodrigo. Op. cit., p. 33. 29. Idem, p. 34. Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 220 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 tos laborais fundamentais, mas sim através do crescimento econômico que se conseguiria justamente pelo uso da vantagem comparativa dos PED e PSD: a mão de obra farta e barata.30 A teoria das vantagens comparativas é conteúdo básico no direito comercial internacional. Por ela, “cada nação deveria se especializar naquilo que pode produzir competitivamente”,31 concentrando-se em explorar o que tem de melhor, ou – no que considero uma visão deturpada da ideia – o que tem de sobra, seja suas pessoas, seus recursos naturais e minerais, ou sua biodiversidade.32 Guillermo de la Dehesa explica que os salários dos trabalhadores nos PED são baixos em razão da baixa produtividade daqueles, ocasionada principalmente pela falta de qualificação profissional. Esta “desvantagem de produtividade”, contudo, não atinge todos os setores, visto que alguns dependem mais de uma mão de obra intensiva do que de uma mão de obra qualificada. Assim, os PED tenderiam a se especializar “in goods that are intensive in their use of low-skilled labour, cheap land, or abundant natural and energy resources.”33 Já os altos salários pagos aos trabalhadores nos PD se justificam (ou são compensados) pela alta produtividade e qualificação daqueles, principalmente nos setores de tecnologia e inovação, o que “inverte o lado da moeda” e faz com que nestes setores os PD tenham uma larga vantagem na competição contra os PED.34 Assim, para o economista, “both nations gain from focusing on what they do best and trading 30. Na maioria dos PED, os setores que dependem da mão de obra como principal insumo produtivo são os mais representativos, o que leva Rodrigo Gava a concluir que a força de trabalho é uma das principais vantagens comparativas dos PED em relação aos PD. Ver: GAVA, Rodrigo. Op. cit., p. 146. 31. DEHESA, Guillermo de la. Are developing countries engaging in ‘social dumping’? Vox – CEPR’s Policy Portal. 24.05.2007. Disponível em: [www.voxeu.org/article/social-dumping-misconceptions]. 32. Cabe fazer a diferenciação entre “vantagens comparativas” e “vantagens competitivas”: as primeiras não são suficientes para solidificar o desenvolvimento dos Estados. Devem ser dispostas em estratégias de longo prazo para se tornarem vantagens competitivas, mais amplas e com mais consistência. 33. DEHESA, Guillermo de la. Op. cit. 34. A teoria das vantagens comparativas é, assim, muito utilizada para “enterrar” o argumento da concorrência desleal invocada por aqueles que bradam contra o dumping social. Se, “os salários extremamente baixos refletem o menor desenvolvimento econômico e tecnológico dos países que os praticam, haveria aqui uma compensação, no âmbito da concorrência internacional, do menor desenvolvimento tecnológico com a prática de desrespeitos laborais, motivo pelo qual não se poderia falar em concorrência desleal”. Ver: ARAÚJO, Henrique Paiva. Op. cit., p. 71. Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 221 for the rest – a proposition that holds true regardless of the source of the comparative advantages”.35 Inclusive, há quem perceba que as vantagens comparativas são a “primeira estrela-guia para o desenvolvimento de qualquer país”.36 De acordo com esta visão, obstar a livre exploração de uma das principais vantagens comparativas dos PED não apenas seria ineficaz37 para melhorar as suas condições sociolaborais, como também seria contraprodutivo,38 piorando a situação social de várias famílias que teriam sua renda reduzida por conta do desemprego acarretado pela “fuga” das empresas ou por cortes na folha salarial39 e ainda, por exemplo, por conta da perda da renda extra auferida pelas crianças-trabalhadoras.40 Afinal, como diz a máxima em inglês, a low paid job is better than no job at all. 35.Idem. Esta conclusão se coaduna com a ideia comumente difundida de que “nenhuma nação pode ser competitiva em (e ser exportadora líquida de) tudo”. Ver: PORTER, Michael E. A vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro: Elsevier-Campus, 1998. p. 7 citado em GAVA, Rodrigo. Op. cit., p. 145. 36. GAVA, Rodrigo. Op. cit., p. 146. 37. “Poor country workers do not benefit from the imposition of higher labour standards but rather from internal economic and social development. There are better ways to try to improve worker rights and labour standards in poor countries than to impose them (...)”. Ver: DEHESA, Guillermo de la. Op. cit. 38. Bunescu utiliza o exemplo da Alemanha oriental no processo de reunificação para dizer que a harmonização artificial dos padrões laborais entre países, ou seja, através da legislação e não através da “mão invisível do mercado”, prejudicaria muito a economia do país em desenvolvimento. VER: BUNESCU, Luisa Maria. Op. cit., p. 46. 39. Guillermo de la Dehesa mostra que a mera imposição legislativa de padrões laborais mais altos em países subdesenvolvidos piora as condições dos trabalhadores na prática. Isto porque os trabalhadores tendem a ser demitidos quando os custos para mantê-los são superiores ao valor de sua produtividade. Ver: DEHESA, Guillermo de la. Op. cit. 40. Principalmente os juristas com visões econômicas do direito costumam argumentar que a proibição radical do trabalho infantil com a imposição de medidas sancionatórias a países que o permitem (como o estabelecimento de barreiras comerciais) faria mais mal do que bem para estas crianças. O problema de simplesmente suprimir esta forma de trabalho seria a perda do incremento de renda de famílias pobres, o que agravaria “ainda mais o estado do próprio menor, pois, se não à miséria e à fome, essa criança será levada a caminhos ainda piores (o trabalho clandestino, o narcotráfico e a prostituição)”. Ver: GAVA, Rodrigo. Op. cit., p. 183. Desta forma, a proibição do labor infantil apenas teria efeitos positivos se conjugado com três outras práticas: “one, if the reduction in the supply of working children would imply a similar increase in the demand for adult workers (which are natural substitutes); two, if this larger demand of adult workers would increase their wage levels compensating totally the loss of children wages, and three, if adult workers, now employed, would use their higher Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 222 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Há ainda, além disso, a relação demonstrada tanto na teoria41 quanto empiricamente42 entre um comércio internacional livre e o desenvolvimento econômico de uma nação, razão pela qual a imposição, pela comunidade internacional, de sanções comerciais aos PED em razão dos seus baixos níveis de proteção laboral comprometeria os próprios objetivos desejados, quais sejam, a melhoria dos padrões sociais e trabalhistas.43 O crescimento econômico gerado pelo comércio internacional seria, assim, o golden path para a resolução dos problemas sociolaborais – o caminho a ser perseguido sem obstáculos. Contudo, todos estes argumentos relacionados de uma forma ou de outra à “defesa” dos países que retrocedem ou mantêm propositalmente seus padrões laborais em níveis baixos são refutáveis.44 Para começar, chamar a exploração da mão de obra de “vantagem comparativa” revela uma falta de comprometimento com o preceito que permite que uma ordem social possa ser chamada de “ordem de direito”: o compromisso com a dignidade da pessoa humana. Por mais que seja economicamente vantajoso utilizar a própria população como isca para a captação de empresas, não é jurídico relegar pessoas a wages to send their children to school.” Ver: DEHESA, Guillermo de la. Op. cit. Porém, como coloca Ricardo Antunes, “afirmar que as crianças estão melhor a trabalhar do que a viver na miséria ou na prostituição é uma conclusão demasiado redutora, que não tem em consideração o facto de, em certos casos, as crianças serem utilizadas em detrimento dos pais (desempregados), em virtude de se tratar de mão-de-obra mais barata e mais facilmente manipulável, sendo que uma legislação que proibisse sua contratação abriria o mercado de trabalho aos pais e permitiria, consequentemente, sua escolarização”. Ver: ANTUNES, Ricardo Alexandre Pereira. Os direitos fundamentais dos trabalhadores entre a OIT e a OMC. Working Papers do Boletim de Ciências Económicas. Série BCE 1. Coimbra : Instituto Jurídico, 2014. 41. Rodrigo Gava traz, na citação n. 415, um esquema que demonstra como o comércio internacional livre favoreceria um círculo virtuoso de desenvolvimento. Ver: GAVA, Rodrigo. Op. cit., p. 183. 42. Guillermo de la Dehesa menciona evidências empíricas de uma “relação positive entre mais comércio internacional e menos trabalho infantil”. Ver: DEHESA, Guiller de la. Op. cit. 43. A concessão de subsídios e a promoção de políticas sociais que incluam as crianças na escola requer um Estado com condições financeiras de propiciar isto, “razão pela qual se entende a maior necessidade de um comércio internacional pleno e livre (para todos), capaz de propiciar receitas e ingresso de capitais a estes países até então apartados do comércio mundial – ou seja, promover o desenvolvimento econômico”. Ver: GAVA, Rodrigo. Op. cit., p. 447. 44. Com a possível exceção daqueles que falam da contraprodutividade de sanções comerciais aos PED, porque, neste caso, realmente existem medidas alternativas com “efeitos colaterais” menos gravosos, como, por exemplo, a “premiação” dos países que cumprissem determinadas exigências trabalhistas. Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 223 condições indignas de trabalho – condições em que seus direitos laborais mínimos não sejam respeitados. É precisamente por isso que a escravidão não é aceita no paradigma atual de Estado de Direito; por mais, por exemplo, que as fazendas de café no sudeste brasileiro pudessem aumentar as suas vendas e lucros em cifras numéricas incalculáveis se voltassem a utilizar mão de obra escrava, já está impregnado na consciência coletiva que o dinheiro não pode comprar a liberdade das pessoas. Obviamente, percebo que há uma distância considerável entre o ato de “diminuir o tempo de férias de 15 para 10 dias” e o “retorno da escravidão”. Porém, a lógica de sobreposição de critérios econômicos a critérios jurídicos é a mesma nos dois casos, o que faz com que pequenas flexibilizações iniciais possam se tornar uma chave para a abertura da “caixa de pandora”. Por isso reforço novamente a necessidade imperiosa do estabelecimento (e adesão) internacional de um limite para o retrocesso laboral. Ao se garantir pelo menos o respeito àqueles quatro direitos fundamentais do trabalhador (liberdade sindical; proibição do trabalho forçado; proibição do trabalho infantil; proibição da discriminação), evita-se que na “corrida ladeira abaixo” chegue-se realmente no “fundo do poço”. Depois, defender que cada país deve se focar “on what they do best” – considerando aí que “o melhor” dos PED é sua mão de obra barata e desqualificada – é aceitar a perpetuação da discrepância nos padrões de desenvolvimento entre os países do norte e do sul. É condenar eternamente os últimos à situação de atraso tecnológico em que já se encontram. É manter, por um tempo longo demais, as suas populações em situação de exploração – e, além de não ver nenhum problema nisto, ainda achar que é uma “vantagem”. Por fim, a relação entre “livre comércio internacional” e “desenvolvimento econômico” pode até ser válida, mas é uma falha de pensamento concluir que esta “liberdade comercial” não precisa estar atrelada a determinadas condições para que seja capaz de conduzir ao desenvolvimento econômico. De fato, quanto mais trocas comerciais, maior a geração bruta de riqueza. Porém, não adianta gerar riqueza se os atos que a precedem ou antecedem não garantem nem a sua distribuição pela sociedade, nem sua sustentabilidade, e isso pelos motivos que ora passo a expor. Primeiro, porque o mero crescimento econômico não produz automaticamente (ou de forma consequentemente necessária) condições melhores de trabalho, nem maior empregabilidade. A China e a Índia, por exemplos, são líderes mundiais em crescimento da economia, mas não evoluíram significativamente no trato de questões laborais. A Coreia do Sul, apesar do crescimento e destaque econômico que galgou nas últimas décadas, viu suas taxas de desemprego aumentarem na maioria de suas regiões nos últimos cinco anos.45 45. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Alcançar o trabalho decente na Ásia. Relatório preparado para a 14.ª Reunião Regional Asiática, 2006. Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 224 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Depois, porque já está suficientemente estabelecida a diferenciação entre crescimento e desenvolvimento, ainda que o conceito deste último não seja fechado/uniforme na doutrina. Um das conceituações sobre desenvolvimento mais influentes nas últimas décadas foi fornecido pelo vencedor do prêmio Nobel Amartya Sen. Para o economista, desenvolvimento é a expansão da liberdade de agir do indivíduo – da capacidade de ser agente, autor do próprio destino. E isto é conseguido através da eliminação dos fatores que restringem esta liberdade, como a fome, a subnutrição, a privação de direitos básicos e a carência de oportunidades. Neste sentido, o crescimento econômico não pode ser visto como fim em si mesmo, mas apenas como uma forma de auxiliar a emancipação individual. É a liberdade que deve ser considerada como o fim do desenvolvimento e também da justiça.46 Neste ponto, a pergunta que deve ser feita é: a flexibilização das leis trabalhistas traz mais liberdade para os indivíduos de uma sociedade? Por um lado, pode ser que propicie o crescimento econômico ao servir de chamariz para empresas, e isto em teoria traria liberdade se a renda produzida fosse distribuída entre as classes e diminuísse, assim, a pobreza. Porém, como já referi antes, não é fato certo que haverá a distribuição justa desta riqueza gerada, e se isto não acontecer, não haverá real desenvolvimento. Mas, além disso, e principalmente, a flexibilização das leis trabalhistas coloca o trabalhador em situação ainda mais vulnerável na relação empregatícia: a diminuição da força dos sindicatos o deixa mais exposto a violações e mais fraco diante do poder econômico das empresas; a precarização dos contratos de trabalho leva a uma lógica de “leilão de postos de trabalho” e, consequentemente, à desvalorização da mão de obra, que passa a ser considerada “descartável”; a criação de figuras contratuais como a “terceirização” dificulta a responsabilização de empregadores e coloca os empregados em uma espécie de “limbo jurídico”47 46. MAILLART, Adriana Silva; SANCHES, Samira. A perspectiva da ética econômica e o desenvolvimento da Teoria da Justiça de Amartya Sen. In: DE LUCCA, Newton et al (coord.). Direito constitucional contemporâneo: homenagem ao professor Michel Temer. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 545. 47. Ao falar sobre o “direito do trabalho de exceção”, Casimiro Ferreira mostra como este “se apresenta em rutura paradigmática com os pressupostos do direito do trabalho, eliminando o conflito enquanto elemento dinâmico das relações laborais e a proteção do trabalhador enquanto condição de liberdade.” Além disso, mostra também que “a função de organização das relações de poder na esfera laboral colocada sob o efeito da dispensabilidade dos trabalhadores e do estreitamento da negociação coletiva torna a organização da ‘submissão voluntária’ do trabalhador à autoridade do empregador num exercício de poder despótico, sem contrapoder”. Ver: FERREIRA, António Casimiro. Sociedade da austeridade e direito do trabalho de exceção. Porto: Vida Económica, 2012. p. 76. Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 225 etc. Isto tudo me leva a concluir que a extensa camada de trabalhadores de uma nação que flexibiliza suas leis trabalhistas para atrair investimentos estrangeiros irá, na verdade, se tornar menos livre com tal flexibilização – e o propagandeado desenvolvimento não terá passado de falácia. Mas não é só. Além do crescimento econômico baseado na exploração da mão de obra não garantir um real desenvolvimento, é provável que venha a atrasá-lo em razão da sua falta de sustentabilidade. Como explica Ricardo Antunes, o crescimento que se baseia na vantagem comparativa dos baixos padrões sociolaborais se torna frágil e efêmero, “uma vez que aquela vantagem se dissipará assim que os principais concorrentes comerciais ajustarem os seus próprios padrões. Ou seja, em pouco tempo voltar-se-á à situação comercial inicial, sendo que o único resultado visível será uma degradação generalizada das condições sociolaborais”.48 Por isso, o desenvolvimento de uma nação não deve estar calcado em políticas que busquem simplesmente reduzir os custos da mão de obra para fortalecer esta vantagem comparativa, pois esta lógica apenas condenaria o país em questão a um círculo vicioso de baixo desenvolvimento tecnológico e exploração de sua classe trabalhadora. Como já explicava o primeiro diretor da OIT, Albert Thomas, em 1927, “as questões económicas e sociais estão indissoluvelmente ligadas e a reconstrução económica apenas pode ser favorável e duradoura se se basear na justiça social”.49 4. A instrumentalização do direito laboral Na introdução deste trabalho falei sobre que sentido de direito estava assumindo para verificar a juridicidade da flexibilização das leis trabalhistas: o direito como projeto civilizacional que busca a concretização da justiça e tem como fun- 48. ANTUNES, Ricardo Alexandre Pereira. Olvidei minhas competências: um progressivo alargamento a considerações não puramente mercantis, que teima em não abarcar os direitos fundamentais dos trabalhadores. Dissertação do 2.º ciclo de Estudos em Direito, área de especialização em Ciências Jurídico-Económicas, apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra sob a orientação de Luís Pedro Cunha. Coimbra, 2012. p. 50. Rodrigo Gava também tece comentários neste sentido: “Indubitavelmente, ao não serem aglutinados outros fatores à capacidade de competir das indústrias dos PED, ora baseada em baixo preços via baixos custos sociolaborais, desconsidear-se-ão os malignos efeitos que tal atitude acarretará a longo prazo, comprometendo a competitividade e estancando o desenvolvimento – talvez diante deste panorama esteja a razão para um perpétuo estágio embrionário de progresso de muitos países que centralizam as suas políticas públicas em ‘aumentos de produtividade do trabalho engendrados pela simples realocação de recursos visando a obter vantagens comparativas estáticas no comércio internacional (...) sem modificação maiores nas técnicas de produção”. Ver: GAVA, Rodrigo. Op. cit., p. 149. 49. FERREIRA, António Casimira. Op. cit., p. 89. Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 226 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 damento de validade o reconhecimento da dignidade do ser humano, ou seja, o direito que reconhece cada pessoa com um fim em si mesmo, e implicativamente reconhece também a igualdade, a responsabilidade e a liberdade das criaturas humanas. Ninguém pode servir de objeto ou instrumento para a fruição de outrem, pois todos são igualmente sujeitos de direitos e deveres. Este é o “lema” do projeto de direito ocidental que conhecemos. Mas, para que o direito possa ser direito – para que possa efetivamente salvaguardar a dignidade da pessoa – é preciso que seja autônomo, que não esteja ele próprio servindo como instrumento para o poder da política, da ciência ou da economia. Castanheira Neves explica essa interligação entre a questão da autonomia do direito com o problema do sentido: apenas um direito autônomo, que não esteja submetido a qualquer outro poder ou interesse estratégico, seja político, social, ou econômico, pode estar a serviço da própria validade e assim concretizar seu verdadeiro sentido. Assim, o reconhecimento da autonomia do direito perante os outros poderes sociais seria necessário para diferenciar “não apenas objetivo-formalmente o jurídico do político, mas, axiológico-materialmente no seu sentido e na sua intencionalidade – o direito não apenas instrumento político-social, mas uma entidade humano-cultural e prática muito específica.”50 Portanto, o direito deveria operar de forma autônoma e à serviço das pessoas, mas não é isso que acontece no panorama atual de venda do direito laboral nos balcões de comércio internacional.51 O último quarto do século XX assistiu ao início da crise do direito do trabalho, que começou com acusações de que as leis trabalhistas rígidas seriam maléficas para a economia e trariam consequências piores do que os problemas que tentavam resolver, e culminou na conclusão de que a saída para o desemprego e a estagnação da economia seria a flexibilização do direito laboral, que passa a ser concebida como um instrumento a serviço da geração de empregos e captação de investimentos. Como coloca João Leal Amado, “o Direito do Trabalho atravessa, assim, uma profunda crise de identidade, com a sua axiologia própria (centrada em valores como a igualdade, a dignidade, a solidariedade, etc.) a ser abertamente questionada”.52 50. NEVES, Castanheira. A crise actual da filosofia do direito no contexto da crise global da filosofia: tópicos para a possibilidade de uma reflexiva reabilitação. Coimbra: Coimbra Ed., 2003. p. 104. 51. Diante da reforma legislativa do Código do Trabalho em 2012, Portugal, Leal Amado comenta que o direito laboral “está cada vez menos centrado no trabalho e na pessoa de quem o presta e cada vez mais na empresa e nos custos que esta tem que suportar.” Ver: AMADO, João Leal. O despedimento e a revisão do Código do Trabalho: primeiras notas sobre a Lei 23/2012, de 25 de junho. Revista de Legislação e Jurisprudência. ano CXLI. n. 3974. p. 308. 52. AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. Coimbra: Coimbra Ed., 2013. p. 26. Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 227 Ocorre, então, a substituição dos critérios de validade do direito por critérios de eficácia e resultado – para o dizer com Castanheira Neves –, ou então a colonização do mundo jurídico pelo sistema econômico – para o dizer com Habermas. Ocorre, em suma, a submissão do direito laboral à economia: este não existe mais por si, ou para o trabalhador, mas sim para satisfazer as (muitas) exigências do mercado.53 Assim, passa a ser utilizado pela economia como meio de concretização dos objetivos contingentes dela, e não mais como normatividade a serviço da dignidade humana. A situação mais precisa, na verdade, é que o direito do trabalho tem se tornado um objeto de venda e barganha.54 A expressão “mercado de produtos legislativos” designa perfeitamente este novo paradigma de direito em que os ordenamentos jurídico-laborais nacionais são colocados em concorrência feroz, gerando o já explicado efeito race to the bottom.55 O direito torna-se apenas mais um produto no mercado global, sendo os ordenamentos mais flexíveis os mais “competitivos” e, portanto, os mais desejáveis. Tendencialmente, a competição deixará de estar sujeita à lei, e é o direito que ficará sujeito às regras da competição.56 Como bem 53. Castanheira Neves é um grande crítico do paradigma de sentido de direito que chama de “funcionalismo”, pelo qual “o direito deixa de ser um auto-subsistente de sentido e de normatividade para passar a ser um instrumento – um finalístico instrumento e um meio ao serviço de teleologias que de fora o convocam e condicionamente o submetem”. Ver: NEVES, Castanheira. Direito hoje... cit., p. 52. 54. Como um problema similar ao que está sendo tratado neste trabalho, Casimiro Ferreira fala da flexibilização do direito laboral em Portugal em razão das medidas de austeridade, e considera que as reformas legislativas têm eliminado a identidade político-jurídica do direito laboral em troca de financiamento externo, tornando o direito do trabalho um “produto de mercado utilizado como caução do apoio externo”. Ver: António Casimiro. Op. cit., p. 111. No mesmo tom de crítica, Leal Amado diz que “o ‘novo’ e ‘reformado’ Direito do Trabalho parece, cada vez mais, converter-se numa mercadoria depreciada. No quadro da grave crise orçamentária que atravessamos e na verdadeira ‘economia de casino’ em que vivemos, o Governo parece actuar, em relação ao Direito do Trabalho, utilizando uma estratégia que bem poderíamos designar por ‘estratégia Pingo Doce’: vende-o quase que ao desbarato, em ordem a tentar atrair clientes, em ordem a ‘acalmar os mercados’, em ordem a cativar os investidores, isto é, o capital”. Ver: AMADO, João Leal. O despedimento e a revisão... cit., p. 297. 55. O banco mundial produz anualmente, desde 2004, um catálogo sobre a eficiência econômica dos sistemas jurídicos nacionais para o programa “Doing Business”, no qual tem como um dos critérios de avaliação a rigidez e os custos laborais. Os “law shoppers” podem, assim, escolher “os melhores produtos no ‘mercado de normas’”, que serão – não é forçoso presumir – aqueles ordenamentos trabalhistas mais flexíveis e menos custosos, ou seja, aqueles que menos protegerão os direitos de seus trabalhadores. Ver: FERREIRA, António Casimiro. Op. cit., p. 114. 56. Casimiro Ferreira, ao explicar o pensamento de Alain Supiot, fala que “o conceito de mercado total é utilizado pelo autor para realçar a hipótese de que a livre concorrência que se Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 228 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 assevera Leal Amado, “a globalização representou tanto o triunfo das leis do mercado como a consagração do mercado das leis”.57 Mas o leitor pode ainda estar a se indagar: e qual o problema em se considerar o direito um instrumento a serviço da economia, se isto significar uma chance de crescimento ou quiçá de desenvolvimento? Por que não deveria o direito auxiliar a economia na tentativa de maximização do bem-estar social e aumento da riqueza geral? Porque isto legitimaria definitivamente o paradigma de que o trabalho é uma mercadoria, e que, portanto, a pessoa por detrás do trabalho seria também apenas um objeto, sem valor e fim em si mesma – sem dignidade.58 Assim é que, na verdade, Castanheira Neves alerta que um direito funcionalista guiado por critérios econômicos apenas parece favorecer os homens, pois uma vez que não assume o projeto do homem-pessoa, autônomo e digno, o converte em mero objeto, ainda que com vistas a benefícios que pareçam satisfazê-lo à primeira análise.59 Certamente por isso a Declaração de Filadélfia, o maior pilar da formação da OIT, dispõe logo no seu primeiro artigo a máxima que precisa ser constantemente lembrada se quisermos uma sociedade mundial mais justa: o trabalho não é uma mercadoria. 5. Considerações finais O objetivo deste trabalho era verificar se, no contexto das acusações de prática de dumping social pelos PED e PSD, a flexibilização das leis trabalhistas para a captação de investimentos é uma prática revestida de juridicidade. Muitas razões levam a crer que não. Primeiro, em uma perspectiva globalizada, esta prática pode levar ao declínio geral das condições laborais – um race to the bottom – colocando em risco conquistas históricas dos trabalhadores. Isto poderia ser evitado, claro, mediante a assunção de um forte compromisso internacional de respeito a um standard laboral mínimo, que seria constituído pelos direitos dispostos nas oito convenções fundamentais da OIT (já referidos no tópico 2). deveria fundar sobre o direito é ela agora que funda o próprio direito. Daqui resulta um darwinismo normativo que o autor equaciona, sugerindo a existência de um mercado de produtos legislativos, o qual está a conduzir à eliminação progressiva dos sistemas normativos menos aptos para satisfazer as necessidades financeiras dos investidores, e, nessa medida, a conduzir à eliminação do sentido de justiça do direito e do seu contributo para uma sociedade mais justa”. Ver: FERREIRA, António Casimiro. Op. cit., p.110. 57. AMADO, João Leal. Contrato de trabalho cit., p. 25. 58. Cabe aludir ao que foi lembrado por João Leal Amado: “o trabalho não existe, o que existe são pessoas que trabalham (...)”. Ver: idem, p. 28. 59. NEVES, Castanheira. Direito hoje... cit., p. 61. Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Estudos Estrangeiros 229 Ainda assim, quando se indaga se a flexibilização seria uma política benéfica para os Estados nacionais, a resposta é turva: há quem defenda que esta é uma medida necessária para impulsionar o crescimento econômico dos PED e dos PSD, mas, conforme as reflexões feitas no tópico 3, um crescimento econômico baseado na exploração da mão de obra dificilmente será capaz de gerar desenvolvimento e, assim, melhorar efetivamente as condições sociais da população em geral e dos trabalhadores em particular. O mais provável é que a lógica de “flexibilizar para crescer” acarrete um estancamento da qualificação profissional e tecnológica das nações menos desenvolvidas, tornando estes países dependentes de uma “vantagem” comparativa fácil, mas muito custosa para suas populações. O aspecto mais grave da prática flexibilizante, porém, é o perigo que isto representa para a autonomia do direito e, consequentemente, para a salvaguarda da dignidade humana. Quando as leis passam a ter questões econômicas como fonte primária de motivação, a pessoa perde o seu lugar no direito. Não mais interessa o que é justo e o que lhe respeita a dignidade, mas apenas o que é eficiente e o que produz bons resultados numéricos. Por isso, o direito deve parar de ceder ao argumento do capital, e preservar a sua axiologia própria que concerne à humanidade. Contudo, o problema não fica assim resolvido. Depois de concluir que a flexibilização do direito laboral para a captação/manutenção de investimentos, ou de forma mais simples, o dumping social, é uma prática antijurídica, cabe ainda perguntar: o que pode ser feito para coibi-la? A primeira “defesa” pode ser feita pela sociedade civil do país em questão, seja por meio de entidades representativas (sindicatos, movimentos sociais, ONGs), seja diretamente pela voz da população. Lembro aqui o bom exemplo que ocorreu na França: no momento em que o governo tentou implementar um decreto que permitia às empresas contratar jovens-aprendizes por um salário abaixo do mínimo, multidões se reuniram em protesto durante 48 horas, até a medida ser revogada.60 Depois, há a barreira que deve ser colocada pelos tribunais nacionais, órgãos competentes para impedir um retrocesso tão forte em matéria laboral que chegue a atingir o núcleo essencial dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Mas, em razão do princípio da separação dos poderes e do princípio da conformação do legislador, sabemos que os tribunais não podem barrar todas as iniciativas legislativas concernentes a reformas in pejus na legislação trabalhista, mas apenas aquelas que violem o standard mínimo laboral.61 Além disso, considerando os problemas estruturais presentes em grande parte das democracias em desenvolvimento, pen- 60. KAWAY, Mina et al. Op. cit., p. 156. 61. Esta conclusão foi alcançada inicialmente no trabalho de minha autoria já citado anteriormente, sobre a proibição do retrocesso social. Ver: MONTEIRO, Alessandra Pearce de C. Op. cit. Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 230 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 so que os tribunais destes países dificilmente conseguiriam ter poder suficiente na prática para conter os avanços de uma política econômica que manipula o direito para o que melhor lhe convém. Quando isto acontecesse (mas não apenas quando acontecesse), a comunidade internacional seria chamada a agir. E este é provavelmente o ponto mais delicado em relação a medidas anti-dumping. Dentro do grupo de doutrinadores que defendem uma ação internacional para combater práticas laborais duvidosas, há uma divisão profunda: aqueles que só aceitam a OIT como entidade competente para solucionar os problemas relativos ao dumping, e aqueles que clamam pela ação de um órgão que possivelmente resolveria o problema de forma mais eficiente: a OMC. Os mecanismos utilizados pela OIT para melhorar as condições sociolaborais ao redor do globo são bem conhecidos: declarações de direitos; trabalhos de conscientização; elaboração de relatórios e recomendações; fiscalizações constantes etc. Sem dúvidas, a OIT desempenha um relevante papel na luta pela dignidade dos trabalhadores. Porém, esta organização não dispõe de poder coercitivo, o que gera críticas insatisfeitas por aqueles que pretendem uma defesa mais contumaz dos direitos laborais, ou, para não ser ingênua, por aqueles que pretendem proteger seus mercados dos produtos exportados pelas empresas situadas nos PED e PSD. Assim, surge a ideia de inserir a OMC nesta equação através da imposição de cláusulas sociais nos tratados internacionais de comércio e acordos multilaterais. Basicamente, a ideia seria estipular padrões laborais como condição sine qua non para a transação internacional. Os países que desrespeitassem este padrão seriam prejudicados comercialmente, o que constituiria uma sanção penosa o suficiente para coibir o dumping social. Contudo, a sugestão de inserção de cláusulas sociais nos instrumentos de comércio internacional não é pacífica, e, na verdade, encontra mais críticos do que apoiadores na doutrina especializada. A própria OMC repudia a ideia, afirmando que a OIT possui competência material exclusiva para estabelecer padrões normativos sociolaborais internacionais. Se, em algum momento do futuro a lógica de dualidade exclusivista de fontes for substituída por uma lógica de cooperação entre as organizações, cada qual trazendo para a “arena de luta” o que tem de melhor – a OIT, a competência e o conhecimento em matéria laboral; a OMC, as sanções e os estímulos eficazes –, talvez possamos assistir um novo salto de humanidade concernente ao direito laboral. Mas, dessa vez, do lado desprivilegiado do mundo. 6.Referências AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. Coimbra: Coimbra Ed., 2013. ______. Flexigurança: “free to hire, free to fire?” (Nótula em torno da reforma da nossa legislação laboral). In: ANDRADE, Manuel da Costa et al. Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge Figueiredo Dias. Coimbra: Coimbra Ed., 2009. Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 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Pesquisas do Editorial Veja também Doutrina • A flexibilidade do direito do trabalho na Alemanha*, de Wolfgang Däubler – RDT 111/210228, Doutrinas Essenciais de Direito do Trabalho e da Seguridade Social 3/1263-1286 (DTR\2003\392); • A função empresarial do direito do trabalho e a repressão local à concorrência predatória internacional viabilizada pelo dumping social, de Edson Beas Rodrigues Jr. – RDT 160/49107 (DTR\2014\20491); e • Avaliação dos direitos trabalhistas constitucionalizados, de Georgenor de Sousa Franco Filho – RT 964/429-436 (DTR\2016\237). Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Jurisprudência Comentada 235 Supremo Tribunal Federal STF – RE 586.453/SE – Plenário – j. 20.02.2013 – m.v. – rel. p/ acórdão Min. Dias Toffoli – Área do Direito: Previdenciário; Processual. COMPETÊNCIA – Previdência privada – Discussão acerca de complementação de aposentadoria – Direito previdenciário que possui autonomia em relação ao direito trabalhista – Julgamento afeto à Justiça Comum. Jurisprudência no mesmo sentido • RT 881/138 (JRP\2009\1063), RT 877/112 (JRP\2008\1145), RT 869/181 (JRP\2008\343), RT 863/155 (JRP\2007\1770). Jurisprudência em sentido contrário • RT 885/170 (JRP\2009\631). Veja também Doutrina •Aspectos constitucionais e legais do regime jurídico das entidades fechadas de previdência privada, de Arnoldo Wald – RDCI 3/5, Doutrinas Essenciais de Direito do Trabalho e da Seguridade Social 5/1113 (DTR\1993\175); •Entidades de previdência complementar: seguridade social, de Sérgio De Andréa Ferreira – Doutrinas Essenciais de Direito do Trabalho e da Seguridade Social 5/1249 (DTR\2012\450839); e •Previdência social privada, de Ruy Barbosa Nogueira – Doutrinas Essenciais de Direito do Trabalho e da Seguridade Social 5/1233 (DTR\2012\450838). RE 586.453 – Sergipe. Relatora: Min. Ellen Gracie. Redator do acórdão RISTF: Min. Dias Toffoli. Recorrente: Fundação Petrobrás de Seguridade Social – Petros – advogados: Marcos Vinícius Barros Ottoni e outros. Recorridos: Nivaldo Mercenas Santos – advogados: Pedro Lopes Ramos e outros; e Petróleo Brasileiro S.A – Petrobrás – advogados: Candido Ferreira da Cunha Lobo e outros. Comentário ao Processo RE 586.453/SE do STF por Paula Castro Collesi: Competência nas ações de complementação de aposentadoria - comentários sobre o acordão do STF proferido no RE 586.453 e sua repercussão nos Tribunais Regionais. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 235-242. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 236 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Interessados: Federação Nacional das Associações de Aposentados, Pensionistas e Anistiados do Sistema Petrobrás e Petros, Associação dos Aposentados e Pensionistas da Petrobrás e demais Empresas Extrativas e Petroquímicas e de Refinação do Estado da Bahia – Astape – BA, Associação de Mantenedores e Beneficiários da Petros – advogados: Marcos Luís Borges de Resende e outros; Associação dos Engenheiros da Petrobrás – Aepet – advogados: Paulo Teixeira Brandão e outros; Associação de Mantenedores e Beneficiários da Petros – Ambep – Representação Porto Alegre/RS; Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Petróleo do Rio Grande do Sul – Sindipetro/RS, Associação dos Aposentados e Pensionistas da Copesul e suas Sucessoras – Aapec, Associação dos Aposentados e Pensionistas do Sistema Petrobras no Ceará – Aaspece – advogados: César Vergara de Almeida Martins Costa e outros; Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – Anamatra – advogados: Alberto Pavie Ribeiro e outros. Ementa:NE1Recurso extraordinário – Direito previdenciário e processual civil – Repercussão geral reconhecida – Competência para o processamento de ação ajuizada contra entidade de previdência privada e com o fito de obter complementação de aposentadoria – Afirmação da autonomia do direito previdenciário em relação ao direito do trabalho – Litígio de natureza eminentemente constitucional, cuja solução deve buscar trazer maior efetividade e racionalidade ao sistema – Recurso provido para afirmar a competência da Justiça comum para o processamento da demanda – Modulação dos efeitos do julgamento, para manter, na Justiça Federal do Trabalho, até final execução, todos os processos dessa espécie em que já tenha sido proferida sentença de mérito, até o dia da conclusão do julgamento do recurso (20.02.2013). 1. A competência para o processamento de ações ajuizadas contra entidades privadas de previdência complementar é da Justiça comum, dada a autonomia do direito previdenciário em relação ao direito do trabalho. Inteligência do art. 202, § 2.º, da CF a excepcionar, na análise desse tipo de matéria, a norma do art. 114, IX, da Magna Carta. 2. Quando, como ocorre no presente caso, o intérprete está diante de controvérsia em que há fundamentos constitucionais para se adotar mais de uma solução possível, deve ele optar por aquela que efetivamente trará maior efetividade e racionalidade ao sistema. 3. Recurso extraordinário de que se conhece e ao qual se dá provimento para firmar a competência da Justiça comum para o processamento de demandas ajuizadas contra entidades privadas de previdência buscando-se o complemento de aposentadoria. NE Nota do Editorial: O inteiro teor deste acórdão está disponível no site do Tribunal [www.stf.jus.br], para os assinantes do RT Online [www.revistadostribunais.com. br], e na versão eletrônica disponível em Thomson Reuters ProView. Comentário ao Processo RE 586.453/SE do STF por Paula Castro Collesi: Competência nas ações de complementação de aposentadoria - comentários sobre o acordão do STF proferido no RE 586.453 e sua repercussão nos Tribunais Regionais. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 235-242. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Jurisprudência Comentada 4. Modulação dos efeitos da decisão para reconhecer a competência da Justiça Federal do Trabalho para processar e julgar, até o trânsito em julgado e a correspondente execução, todas as causas da espécie em que houver sido proferida sentença de mérito até a data da conclusão, pelo Plenário do STF, do julgamento do presente recurso (20.02.2013). 5. Reconhecimento, ainda, da inexistência de repercussão geral quanto ao alcance da prescrição de ação tendente a questionar as parcelas referentes à aludida complementação, bem como quanto à extensão de vantagem a aposentados que tenham obtido a complementação de aposentadoria por entidade de previdência privada sem que tenha havido o respectivo custeio. Comentário Competência nas ações de complementação de aposentadoria - comentários sobre o acordão do STF proferido no RE 586.453 e sua repercussão nos Tribunais Regionais Contencius jurisdiction in the actions of supplementary retirement - comments about STF`s judgment in RE 586.453 and the nationwide repercussion in Regional Court of appeals Não é de hoje que se discute a competência das ações de complementação de aposentadoria, tema que lotava (ao final verificar-se-á que ainda lotará) os Tribunais Brasileiros de recursos. A fim de pacificar a jurisprudência a respeito, o Supremo Tribunal Federal declarou repercussão geral no 586.456/SE e, em atenção à Resolução nº 312 desta Corte dispor acerca da seleção de apenas dois processos representativos com fundamento em idêntica controvérsia, restou escolhido o RE 583.050/RS para este fim. A decisão final ocorreu em fevereiro de 2013, com publicação do acórdão em junho do mesmo ano. Antes desse julgamento, o Supremo Tribunal Federal se utilizava do seguinte critério para decidir a competência das ações de complementação de aposentadoria: se esta tivesse origem no contrato de trabalho, a competência seria da Justiça Laboral1 mas, caso contrário, a competência era da Justiça Comum.2 O acordão utilizado como paradigma sobre a questão foi o proferido no RE n. 175.673, de relatoria do Ministro Moreira Alves, cuja ementa segue abaixo:3 1. Ver AI n. 735.577, Min. Relatora Carmem Lúcia, DJe06/08/2009 e AI n. 635.685, Min. Relator Ricardo Lewandowski, DJe 20/11/2008. 2. Ver RE 526.615, Min. Relatora Carmen Lúcia, DJe 31/01/2008 e RE 465.529, Min. Relator Cezar Peluso DJe 03/05/07. 3. Trecho extraído do acordão do RE 586.453, dado a impossibilidade de acesso ao acordão do caso mencionado no sítio eletrônico do STF. Comentário ao Processo RE 586.453/SE do STF por Paula Castro Collesi: Competência nas ações de complementação de aposentadoria - comentários sobre o acordão do STF proferido no RE 586.453 e sua repercussão nos Tribunais Regionais. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 235-242. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 237 238 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 “Desde o momento em que o acórdão ora recorrido assentou que o pedido de complementação de aposentadoria se dirigia apenas contra a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil, concluiu corretamente que a Justiça competente para julgar a ação em causa é da Justiça comum, por não decorrer essa complementação pretendida de contrato de trabalho, o que, se ocorrente, daria margem à competência da Justiça do Trabalho em face do disposto no artigo 114 da Constituição. E é de notar-se que a parte do aresto recorrido, que tratou da questão da exclusão do Banco do Brasil S/A da lide por falta de ‘causa de pedir (art. 295, I, parágrafo único, I, do CPC)’ (fls. 74), não foi atacada no recurso extraordinário.” (destaque nosso) Nos leading cases escolhidos, a então Min. Relatora Ellen Gracie (após a sua aposentadoria assumiu a Relatoria o Min. Dias Toffoli) entendeu que tal critério não era apropriado pois, apesar de pacífico posicionamento do Supremo, ainda dava margem a muitas controvérsias, existindo uma enxurrada de recursos. Em razão da repercussão geral, a Ministra achou por bem adotar um critério mais uniforme e sem possibilidade de maiores discussões. No seu entendimento, apesar de algumas complementações decorrerem do contrato de trabalho, a relação jurídica existente era firmada entre o ex-empregado e uma entidade de previdência privada (como no caso dos 586.456/SE e 583.050/RS), e não entre ex-empregado e ex-empregador, não existindo uma relação laboral entre as partes, razão pela qual a competência deveria ser da Justiça Comum, modificando-se assim o parâmetro antes utilizado. Como justificação legal, fundamentou sua decisão no artigo 202, paragrafo 2º da Constitucional Federal4 e no artigo 68 da Lei Complementar n. 109/2001,5 os quais estabelecem que os estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho. Finalizou seu voto propondo, caso fosse acompanhada pelos Colegas, a modulação dos efeitos da decisão, para que os casos já sentenciados permanecessem na Justiça do Trabalho e os que ainda não houvessem sentença de mérito, fossem remetidos à Justiça Comum. Embasou sua decisão na mesma lógica utilizada no julgamento dos processos de acidente do trabalho que, após a Emenda Constitucional n. 45/2004 tiveram sua competência alterada (Tribunal Pleno, Conflito de Competência n. 7.204, Rel. Min. Ayres Britto). Após proclamar seu voto, iniciou-se os debates sobre a questão e o Ministro Cezar Peluso discordou da Relatora e explicou que, no seu ponto de vista, o critério anteriormente adotado deveria prevalecer, separando-o em três situações: “a.1) da Justiça do Trabalho, se a relação jurídica decorra do contrato de trabalho; a.2) da Justiça Comum, se a relação jurídica não provenha do contrato de trabalho; 4. “Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) (…) § 2° As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei.” 5. “Art 68. As contribuições do empregador, os beneficios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de beneficios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos beneficios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei.” Comentário ao Processo RE 586.453/SE do STF por Paula Castro Collesi: Competência nas ações de complementação de aposentadoria - comentários sobre o acordão do STF proferido no RE 586.453 e sua repercussão nos Tribunais Regionais. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 235-242. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Jurisprudência Comentada a.3) sendo, na origem, controversa a natureza da relação jurídica do contrato de previdência privada, enquanto sua solução dependa de reexame dos fatos ou de cláusula contratual, é inviável o recurso extraordinário por óbice das súm. 279 e 454;”6 Assim, com entendimentos diversos, firmaram-se duas correntes no julgamento. Os Ministros Joaquim Barbosa, Marco Aurélio, Carmen Lúcia e Celso de Mello concordaram com o critério adotado pelo Ministro Cezar Peluzo e os Ministros Dias Toffoli Luiz Fux e Gilmar Mendes, acompanharam a Ministra Ellen Gracie. Apesar dos demais Ministros terem se filiado a uma ou outra corrente, os fundamentos pelos quais a aderiram foram distintos em alguns casos. O Min. Dias Toffoli e Luiz Fux embasaram seu entendimento na independência da Previdência Complementar ao Direito do Trabalho, dado o disposto no artigo 202, par. 2º da Constituição Federal estabelecer que “as contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho.” O Ministro Joaquim Barbosa, em contraponto ao defendido pelos Ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, entende que citados artigos fazem menção a não integração da previdência privada ao contrato de trabalho no que tange ao principio da habitualidade e reflexos em verbas trabalhistas. Válido a transcrição de suas palavras:7 “Como é de todos sabido, a Justiça do Trabalho brasileira adota o princípio segundo o qual tudo que é pago ou concedido graciosamente pelo empregador, passado um certo tempo (princípio da habitualidade), passa a integrar o contrato de trabalho com todas as conseqüências laborais que daí possam advir. Assim, se por exemplo o empregador concede uma vantagem financeira, uma gratificação extra, não prevista na legislação, e se o pagamento dessa generosidade se estende no tempo, ela passa a ser parte integrante da remuneração do empregado para todos os efeitos. Como nenhum empregador está legalmente obrigado a instituir plano de previdência privada para os seus funcionários, o que o legislador constituinte quis dizer, com o dispositivo mencionado, é que, uma vez instituído espontaneamente no âmbito de uma determinada empresa um plano de previdência privada, em nenhuma hipótese os benefícios desse plano se somarão definitivamente ou integrarão, por força da habitualidade, o respectivo contrato de trabalho. Não me parece que o dispositivo constitucional mencionado tenha o alcance que se pretende lhe atribuir – isto é, o de segregar o contrato de previdência privada complementar das relações de direito de trabalho eventualmente existentes entre o indivíduo e o patrocinador, com repercussão no que tange à fixação da Justiça Comum para o julgamento dos conflitos decorrentes do aludido ajuste. Refuto, então, a tese de que o art. 202, § 2.º poderia amparar a conclusão de que a Justiça do Trabalho não seria mais competente para decidir as ações que envolvam pleito de complementação de aposentadoria.” Além desses motivos, acrescentou o Ministro Marco Aurélio que referido artigo 202 não dispunha sobre competência, pois presente em Capítulo que não tratava sobre o tema. Com este mesmo entendimento, o Ministro Celso de Mello ressalvou o princípio da unidade da Constituição, o qual consiste numa análise sistemática da Carta, não admitindo interpretações fragmentadas, ou seja, artigos fora de contextos a serem utilizados de qualquer forma. 6. BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, RE 586.456/SE, Min. Relatora Ellen Gracie/Min Dias Toffoli, data da publicação 11/06/2013. Disponível em [http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=630014]. Acesso em 07 fev 2016. 7. BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, RE 586.456/SE, Min. Relatora Ellen Gracie/Min Dias Toffoli, data da publicação 11/06/2013. Disponível em [http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=630014]. Acesso em 07 fev 2016. Comentário ao Processo RE 586.453/SE do STF por Paula Castro Collesi: Competência nas ações de complementação de aposentadoria - comentários sobre o acordão do STF proferido no RE 586.453 e sua repercussão nos Tribunais Regionais. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 235-242. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 239 240 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Outro ponto importante suscitado no julgamento foi a questão da segurança jurídica entre as partes, pois não seria prudente ter-se uma interpretação e uniformização de lei federal pela Justiça do Trabalho e outra interpretação pela Justiça Cível sobre uma mesma questão - a previdência complementar. Apesar de termos 5 votos a 4 para a corrente do Ministro Cezar Peluso, o Ministro Celso de Mello resolveu acompanhar a proposta da Ministra Ellen Gracie por uma questão de solução uniformizadora de critérios, com o intuito de dar maior efetividade e racionalidade ao sistema e preservar o princípio da segurança jurídica, que decorre do Estado Democrático de Direito, bem maior insculpido na Carta Magna. Assim, rechaçou a opção de se ter interpretações diversas sobre um mesmo caso por Tribunais distintos, apesar de não concordar com o fundamento da autonomia da Previdência Complementar ao Direito do Trabalho, pelas razões acima expostas. Portanto, prevaleceu a corrente da Ministra Ellen Gracie, qual seja, quando a relação existente for firmada entre empregados ou ex-empregados com entidade de previdência privada, a competência será da Justiça Comum. Mas, em razão da modulação dos efeitos, os processos que já existirem sentença de mérito até 20/2/2013, permanecem na Justiça do Trabalho e os ainda não sentenciados, serão remetidos a Justiça Comum. Segue abaixo ementa do julgamento: “EMENTA Recurso extraordinário – Direito Previdenciário e Processual Civil – Repercussão geral reconhecida – Competência para o processamento de ação ajuizada contra entidade de previdência privada e com o fito de obter complementação de aposentadoria – Afirmação da autonomia do Direito Previdenciário em relação ao Direito do Trabalho – Litígio de natureza eminentemente constitucional, cuja solução deve buscar trazer maior efetividade e racionalidade ao sistema – Recurso provido para afirmar a competência da Justiça comum para o processamento da demanda - Modulação dos efeitos do julgamento, para manter, na Justiça Federal do Trabalho, até final execução, todos os processos dessa espécie em que já tenha sido proferida sentença de mérito, até o dia da conclusão do julgamento do recurso (20/2/13). 1. A competência para o processamento de ações ajuizadas contra entidades privadas de previdência complementar é da Justiça comum, dada a autonomia do Direito Previdenciário em relação ao Direito do Trabalho. Inteligência do art. 202, § 2º, da Constituição Federal a excepcionar, na análise desse tipo de matéria, a norma do art. 114, inciso IX, da Magna Carta. 2. Quando, como ocorre no presente caso, o intérprete está diante de controvérsia em que há fundamentos constitucionais para se adotar mais de uma solução possível, deve ele optar por aquela que efetivamente trará maior efetividade e racionalidade ao sistema. 3. Recurso extraordinário de que se conhece e ao qual se dá provimento para firmar a competência da Justiça comum para o processamento de demandas ajuizadas contra entidades privadas de previdência buscando-se o complemento de aposentadoria. 4. Modulação dos efeitos da decisão para reconhecer a competência da Justiça Federal do Trabalho para processar e julgar, até o trânsito em julgado e a correspondente execução, todas as causas da espécie em que houver sido proferida sentença de mérito até a data da conclusão, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, do julgamento do presente recurso (20/2/2013). 5. Reconhecimento, ainda, da inexistência de repercussão geral quanto ao alcance da prescrição de ação tendente a questionar as parcelas referentes à aludida complementação, bem como quanto à extensão de vantagem a aposentados que tenham obtido a complementação de aposentadoria por entidade de previdência privada sem que tenha havido o respectivo custeio.” Como exposto alhures, a maior preocupação da Ministra Ellen e dos demais membros do Supremo Tribunal Federal foi a adoção de um critério uníssono, sem margem a controvérsias para solucionar, por fim, a questão da competência nas ações de complementação de aposentadoria. Todavia, depreende-se que o intuito não foi alcançado. Em pesquisa de jurisprudência feita pelos Tribunais Regionais, observamos diversas decisões conflitantes sobre o entendimento do próprio julgamento feito pela Corte Superior. Comentário ao Processo RE 586.453/SE do STF por Paula Castro Collesi: Competência nas ações de complementação de aposentadoria - comentários sobre o acordão do STF proferido no RE 586.453 e sua repercussão nos Tribunais Regionais. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 235-242. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Jurisprudência Comentada No Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região já foi instaurado incidente de uniformização de jurisprudência, pendente de julgamento, com a seguinte tema:8 “Incompetência em razão da matéria. Complementação de aposentadoria decorrente de Lei ou regulamento interno. Não patrocinada por entidade de previdência privada. Ausência de repercussão geral. Recurso Extraordinário n.º 586453.” Isto é, há desembargadores aplicando a tese de repercussão geral mesmo quando não é patrocinada por entidade privada. Nos Tribunais Regionais da 1ª, 4ª e 15ª Região, apesar de não existirem incidente de uniformização sobre o tema, há decisões conflitantes dentro dos Tribunais nos mesmos termos da existente no TRT 2ª Região.9 Como exemplo, reproduziremos dois trechos de acórdãos com entendimento diverso sobre a questão no âmbito do Tribunal Regional da 4ª Região: “Pedindo vênia ao Julgador da origem, tenho que, sendo o benefício pago diretamente pelo empregador, não se insere no objeto dos Recursos Extraordinários 586.456/SE e 583.050/RS, cuja matéria envolveu somente complementação paga por entidade de previdência privada instituída pela patrocinadora (empregador), hipótese na qual não se amolda o presente feito. Enquanto na decisão em que reconhecida a repercussão geral existe uma relação triangular entre empregado, empregador/ patrocinadora e entidade de previdência privada pela segunda instituída, no caso em comento se está diante de uma relação da qual participam unicamente os ex-empregados e a ex-empregadora, inserindo-se a controvérsia na competência material de que trata o artigo 114 da Constituição Federal, em face da relação de trabalho havida entre os autores e as rés.”10 “Ainda, sequer é cabível argumentar, como faz a recorrente nas razões lançados no item 2.1 do seu apelo, no sentido de que o pedido não foi deduzido em face da Fundação, quarta reclamada, tendo em vista que se trata – a complementação temporária de aposentadoria –, de litígio entre empregado e empregador, não havendo pretensão contra “entidade de previdência privada complementar”, não estando o pedido “a” abarcado pelas decisões do STF, porquanto a própria cláusula 25ª do RVDC nº 96.034611-2 (fl. 61), que regula o pagamento da referida complementação temporária, é expressa ao referir que a CEEE, empregadora, assegurará o benefício por intermédio da FUNDAÇÃO ELETROCEEE. Ademais, a própria decisão proferida nos autos do RE nº 583.050 se deu em razão de ação movida contra o empregador, e não contra qualquer Fundação, a evidenciar que a decisão do STF também contempla a hipótese postulada no item “a” do rol de pedidos da petição inicial.”11 (g.o) 8. B RASIL. TRT 2ª Região, Tribunal Pleno nº 00004832920155020000. Des. Relator Manoel Antonio Ariano. Pendente de julgamento. Disponível em [http://www.trtsp.jus.br/jurisprudencia/sumulas-e-ojs-tribunais-superiores/11-jurisprudencia/19763-uniformizacao-de-jurisprudencia-lei-n-13-015-2014]. Acesso em: 08 fev. 2016. 9. T RT 1ª Região, processo nº 00000380920125010076, 1ª Turma, Des. Relatora Mery Bucker Caminha, data de publicacão 18/01/2016, processo nº 0001255022012501007, 10ª Turma, Des. Relator Leonardo Dias Borges, data da publicação 23/07/2014 e processo nº 00000380920125010076, 8ª Turma, Des. Relator Roque Lucarelli Dattoli, data de publicação 26/08/2016; TRT 15ª Região processo nº 0002697-84.2012.5.15.0016, 6ª Turma, Des Relator Jao Batista Cesar Martins, data da publicação 07/03/2014 e processo nº 00129829.2013.5.15.0131, Des Relator Fábio Allegretti Cooper, data de julgamento 07/05/2014. 10. BRASIL. TRT 4ª Região, processo 0020467-05.2015.5.04.0271, 6ª Turma, Des. Relator Raul Zoratto Sanvicente. DJe 04/02/2016. Disponível em [http://gsa6.trt4.jus.br/search?q=cache:vb-z3CmBdJEJ:jbintra.trt4. jus.br:8080/pje_2grau_helper/jurisp%3Fo%3Dd%26c%3D3692656%26v%3D7385312++inmeta:DATA_DOCUMENTO:2015-02-08..2016-02 08++&client=jurisp&site=jurisp_sp&output=xml_no_dtd&proxystylesheet=jurisp&ie=UTF-8&lr=lang_pt&proxyreload=1&access=p&oe=UTF-8]. Acesso em: 08 fev. 2016. 11. BRASIL. TRT 4ª Região, processo 0070400-61.2009.5.04.0010, 10ª Turma, Des. Relator Emilio Papaleo Zin Dje 17.10.2013. Disponível em [http://gsa6.trt4.jus.br/search?q=cache:Qo6SlEuzZnkJ:iComentário ao Processo RE 586.453/SE do STF por Paula Castro Collesi: Competência nas ações de complementação de aposentadoria - comentários sobre o acordão do STF proferido no RE 586.453 e sua repercussão nos Tribunais Regionais. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 235-242. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 241 242 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 No nosso sentir, o julgamento dos RE 586.456/SE e 583.050/RS não dá margem à interpretação diversa, qual seja, a aplicação da competência da Justica Comum em todos os casos que envolverem complementação de aposentadoria, mas tão somente nas ações que envolvem a entidade privada, e não com relação as pagas diretamente pelo empregador. Apesar de existirem teses diversas, a controvérsia girou em torno dos artigos 202 paragrafo 2 da CF e artigo 68 da Lei Complementar 109/2001, que fazem menção expressa a entidade de previdência privada. Assim, não há se falar em autonomia do Direito Previdenciário ao Direito do Trabalho nesses casos, mas somente com relação ao Direito de Previdência Complementar Privada, como os próprios artigos citam. Pelo o observado, não será hoje que essa questão será revolvida. Seria interessante que todos lessem as 150 páginas do voto do Supremo e não se aterem à ementa (apesar dessa já ser bem clara), quem sabe assim a questão seria pacífica. BIBLIOGRAFIA BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, RE 586.456/SE, Min. Relatora Ellen Gracie/Min Dias Toffoli, data da publicação 11/06/2013. Disponível em [http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/ paginador.jsp?docTP=AC&docID=630014]. Acesso em 07 fev 2016 BRASIL. TRT 2ª Região, Tribunal Pleno nº 00004832920155020000. Des. Relator Manoel Antonio Ariano. Pendente de julgamento. Disponível em [http://www.trtsp.jus.br/jurisprudencia/sumulas-e-ojs-tribunais-superiores/11-jurisprudencia/19763-uniformizacao-de-jurisprudencia-lei-n-13-015-2014]. Acesso em: 08 fev. 2016. BRASIL. TRT 4ª Região, processo 0020467-05.2015.5.04.0271, 6ª Turma, Des. Relator Raul Zoratto Sanvicente. DJe 04/02/2016. Disponível em [http://gsa6.trt4.jus.br/search?q=cache:vb-z3CmBdJEJ:jbintra.trt4.jus.br:8080/pje_2grau_helper/jurisp%3Fo%3Dd%26c%3D3692656%26v%3D7385312++inmeta:DATA_DOCUMENTO:2015-02-08..2016-02 08++&client=jurisp&site=jurisp_sp&output=xml_no_dtd&proxystylesheet=jurisp&ie=UTF-8&lr=lang_pt&proxyreload=1&access=p&oe=UTF-8]. Acesso em: 08 fev. 2016. BRASIL. TRT 4ª Região, processo 0070400-61.2009.5.04.0010, 10ª Turma, Des. Relator Emilio Papaleo Zin Dje 17.10.2013. Disponível em [http://gsa6.trt4.jus.br/search?q=cache:Qo6SlEuzZnkJ:iframe.trt4.jus.br/gsa/gsa.jurisp_sdcpssp.baixar%3Fc%3D47653305++inmeta:DATA_DOCUMENTO:2013-02-08..2016-02-08++&client=jurisp&site=jurisp_sp&output=xml_no_dtd&proxystylesheet=jurisp&ie=UTF-8&lr=lang_pt&proxyreload=1&access=p&oe=UTF-8]. Acesso em: 08 fev. 2016. Paula Castro Collesi Mestranda em Ciências Jurídico Laborais pela Universidade de Lisboa. Especialista em Direito do Trabalho pela COGEAE -PUC-SP. Advogada. [email protected] frame.trt4.jus.br/gsa/gsa.jurisp_sdcpssp.baixar%3Fc%3D47653305++inmeta:DATA_DOCUMENTO:2013-02-08..2016-02-08++&client=jurisp&site=jurisp_sp&output=xml_no_dtd&proxystylesheet=jurisp&ie=UTF-8&lr=lang_pt&proxyreload=1&access=p&oe=UTF-8]. Acesso em: 08 fev. 2016. Comentário ao Processo RE 586.453/SE do STF por Paula Castro Collesi: Competência nas ações de complementação de aposentadoria - comentários sobre o acordão do STF proferido no RE 586.453 e sua repercussão nos Tribunais Regionais. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 235-242. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 243 Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região Decisão Interlocutória TRT-2.ª Reg. – Processo 00507008320055020014 – Decisão Interlocutória – j. 18.02.2016 – juiz Flavio Bretas Soares – Área do Direito: Trabalho; Processual. EXECUÇÃO – Verbas rescisórias – Créditos trabalhistas de empresa aérea falida – Liberação imediata de valores referentes à alienação de bens do executado, ainda pendente de recurso – Admissibilidade – Execução da pena na esfera penal que torna legítima a cumprimento total da sentença trabalhista – Adjudicação, ademais, que se insere no conceito de ato jurídico perfeito e acabado. Veja também Doutrina •Efeitos da falência do empregador na ação de execução de crédito trabalhista, de Vinícius José Marques Gontijo, RDT 128/229, Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial 6/895 (DTR\2007\801). Ementa do Editorial: Execução trabalhista de verbas rescisórias de ex-empregados da Vasp. Possibilidade de imediata liberação dos valores referentes à alienação de dois bens imóveis do executado. Execução da pena na esfera penal que torna legítima a execução total da sentença se segundo grau na esfera trabalhista, em que o executado fraudou o direito de inúmeros trabalhadores. Adjudicação de bens, ademais, que se insere no conceito de ato jurídico perfeito e acabado. Comentário ao Processo 00507008320055020014 do TRT-2.ª Reg. por Vera Amaral Carvalho Momo: A antecipação de recursos a trabalhadores da Vasp (decisão TRT de 18.2.2016) frente ao direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 243-252. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 244 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 Comentário A antecipação de recursos a trabalhadores da Vasp (decisão TRT de 18.2.2016) frente ao direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional Anticipation of resources to Vasp workers (TRT decision 02/18/2016) considering the fundamental right to effectiveness of judicial custody Resumo: Este trabalho compreende uma análise jurisprudencial do TRT. O objeto deste estudo é a decisão proferida em 18.2.2016 pelo juiz Flavio Bretas Soares (TRT – 2ª Região), que autorizou a liberação antecipada de valores referentes à alienação de bens da antiga Vasp (Viação Aérea São Paulo) para o pagamento de dívidas com ex-funcionários da empresa. Os argumentos utilizados na decisão foram reforçados com base no entendimento do STF, que admitiu a execução antecipada de decisão penal condenatória. Busca-se demonstrar que a efetividade da prestação jurisdicional é um direito fundamental do cidadão. A decisão do TRT demonstrou que a morosidade do processo estava colocando em risco tal direito. Abstract: This work comprises a jurisprudential analysis of TRT. The object of this study is the judgment delivered on 02.18.2016 by Judge Flavio Soares Bretas (TRT - 2nd Region) which authorized the early release of amounts relating to the sale of assets of the former Vasp (Air Traffic São Paulo) for the payment of debts with former employees of the company. The arguments used in the decision have been strengthened based on the understanding of the Supreme Court which admitted the early implementation of criminal sentencing decision. Seeks to demonstrate that the effectiveness of judicial services is a fundamental right of the citizen. The decision of TRT has shown that the length of the process was jeopardizing this right. Palavras-chave: Direito à tutela jurisdicional. Direito de ação. Efetividade do direito Justiça. Keywords: Right to judicial services. Right of action. Effectiveness of law. Justice. Sumário: Introdução. 1. Decisão do STF – Admissão de execução antecipada de decisões condenatórias. 2. Decisão do TRT – Caso Vasp: 2.1. Fundamentação da decisão - 2.2. Direito à efetividade da tutela jurisdicional. Considerações finais. Referências. Introdução A Justiça do Trabalho aplicou o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) na área penal que deu eficácia plena para decisão que admitiu que um réu condenado em segunda instância da Justiça começasse a cumprir pena de prisão, ainda que estivesse em fase de recurso aos tribunais superiores (STF, 2016). A decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho – TRT- da 2.ª Região, em São Paulo, determinou a liberação imediata de valores referentes à alienação de bens da antiga Vasp (Viação Aérea Comentário ao Processo 00507008320055020014 do TRT-2.ª Reg. por Vera Amaral Carvalho Momo: A antecipação de recursos a trabalhadores da Vasp (decisão TRT de 18.2.2016) frente ao direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 243-252. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Jurisprudência Comentada São Paulo) para o pagamento de dívidas com ex-funcionários da empresa, mesmo ainda estando o processo em fase recursal (TRT, 2016). Tal decisão, proferida pelo juiz trabalhista Flavio Bretas Soares, determinou a imediata liberação dos valores obtidos com a venda das Fazendas Rio Verde e Santa Luzia, que pertenciam ao ex-controlador da companhia, empresário Wagner Canhedo, para o pagamento de trabalhadores da companhia (TRT, 2016). O objetivo deste trabalho é analisar a referida decisão do TRT, à luz do direito fundamental do cidadão à tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva, decorrente do princípio do direito à ação, expresso no art. 5.º, XXXV, da CF/1988. Justifica a escolha do tema o ineditismo da decisão proferida pelo TRT, assim como da decisão proferida pelo STF na área penal, à qual faz referência. 1. Decisão do STF – Admissão de execução antecipada de decisões condenatórias A decisão do STF ocorreu no julgamento do HC 126.292, gerando polêmica ao autorizar a execução antecipada de decisões condenatórias (art. 5.º, LVII), mesmo pendentes recursos aos tribunais superiores. Tal decisão fere garantias constitucionais, como a da presunção da inocência e o da dignidade da pessoa humana, que informa todo o nosso Direito. Além da Constituição Federal, os Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil (por exemplo, a Declaração de Direitos Humanos de 1948 da ONU e o Pacto de São José da Costa Rica aprovado pelo Congresso Nacional pelo Dec. legislativo 27/1992), igualmente garantem o direito da presunção de inocência (STF, 2016). Lembramos que o § 2.º do art. 5.º, da CF/1988 garante a aplicação dos tratados internacionais devidamente aprovados pelo Brasil: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Segundo Damásio de Jesus (2002, p. 11), o princípio da presunção da inocência está previsto na Constituição Federal do Brasil, art. 5.º, LVII, segundo o qual, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Para Tavares (2003. p. 494-495), “trata-se de um princípio penal o de que ninguém pode ser tido por culpado pela prática de qualquer ilícito senão após ter sido como tal julgado pelo juiz natural, com ampla oportunidade de defesa. (...). Ao indivíduo é garantido o não-tratamento como criminoso, salvo quando reconhecido pelo sistema jurídico como tal. Portanto, a autoridade policial, carcerária, administrativa e outras não podem considerar culpado aquele que ainda não foi submetido à definitividade da atuação jurisdicional”. O princípio da presunção da inocência está intimamente ligado ao Estado Democrático de Direito, de onde partem os princípios regradores dos mais diversos campos das ações humanas. Para Capez (2004. p. 10), o princípio da dignidade humana, orientador de toda a formação do direito penal, também tem por fundamento o Estado Democrático de Direito, o que quer dizer que toda construção que contrariar e afrontar a dignidade humana será materialmente inconstitucional, posto que contrário ao próprio fundamento do nosso Estado. É bom lembrar que o exercício do jus puniendi do Estado depende da culpabilidade do agente. Damásio de Jesus (2002, p. 459) entende que a culpabilidade “é o pressuposto da aplicação da pena”. A culpabilidade é compreendida como um limite para a intervenção do Estado na imposição de penas. É a garantia constitucional da presunção de inocência que assegura ao cidadão que ele não Comentário ao Processo 00507008320055020014 do TRT-2.ª Reg. por Vera Amaral Carvalho Momo: A antecipação de recursos a trabalhadores da Vasp (decisão TRT de 18.2.2016) frente ao direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 243-252. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 245 246 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 sofrerá imposição de pena antes de provada sua culpabilidade em última instância, pois o indivíduo só pode ser considerado culpado ao fim de um processo com esse propósito. Ao Estado, cabe investigar o ocorrido e identificar o culpado (TAVARES, 2003. p. 495). Nessa linha, no HC em questão, o ministro Marco Aurélio e a ministra Rosa Weber manifestaram opinião de que a decisão repercutiria diretamente nas garantias constitucionais (STF, 2016). O ministro Celso de Mello, na mesma direção do ministro Marco Aurélio, também se manifestou contrário à execução antecipada da pena antes do trânsito em julgado de decisão condenatória. Em seu voto, afirmou que a presunção de inocência é consagrada constitucionalmente “como direito fundamental de qualquer pessoa – independentemente da gravidade ou da hediondez do delito que lhe haja sido imputado” e que e que tal presunção é “legitimada pela ideia democrática”. (STF, 2016). O ministro Ricardo Lewandowski também votou contra a possibilidade da execução provisória da pena (STF, 2016). O princípio da presunção de inocência é um princípio fundamental no nosso ordenamento jurídico, responsável por tutelar a liberdade dos nossos cidadãos. Os princípios e garantias constitucionais não podem ser desrespeitados sob o pretexto de que o Estado tem o direito e o dever em punir infratores que desrespeitaram nossa ordem jurídica, pois isso traz insegurança para a sociedade brasileira. Defender os princípios que fundamentam nosso ordenamento é condição essencial para preservação do maior bem de que dispomos, que é a nossa liberdade. 2. Decisão do TRT – Caso Vasp 2.1 Fundamentação da decisão A decisão do STF foi um dos argumentos utilizados na Justiça do Trabalho como reforço para determinar que uma dívida fosse quitada antes de finalizado o processo. O juiz Flávio Bretas Soares determinou a liberação imediata dos valores obtidos com as vendas de duas fazendas para pagar dívidas da falida Vasp. A decisão do magistrado foi fundamentada com base numa série de constatações. Transcrevo suas palavras (TRT, 2016): “Após mais de uma década, esta ação ainda busca a satisfação dos créditos dos mais de 6.000 trabalhadores da VASP - Viação Aérea São Paulo. Apesar dos esforços deste juiz e dos demais magistrados responsáveis por esta execução, ainda resta um total de aproximadamente R$ 1,6 bilhões de créditos sem satisfação, boa parte referente a verbas rescisórias”. Mais à frente continua (TRT, 2016): “Como responsável por esta execução, e no pouco à frente desta unidade, tive a oportunidade de constatar as mais variadas situações. Afinal, são incontáveis os casos de trabalhadores que já faleceram. Outros tantos encontram-se em extrema dificuldade, seja por problemas financeiros ou mesmo por problemas de saúde”. O juiz também considerou o fato de os devedores contarem “com razoável suporte financeiro” e utiliza uma notícia veiculada pelo Ministério Público para demostrar que tal suporte decorre “de condutas que buscam frustrar o pagamento dos haveres dos trabalhadores”. O magistrado do TRT reforçou da seguinte forma (TRT, 2016): “Aliás, como reforço de argumento, cito a emblemática decisão proferida pelo STF, nos autos do processo HC 1262921, em que confere eficácia plena a uma decisão de segundo grau. Ora, se em esfera penal, em que o objeto é a própria liberdade da pessoa, é possível a execução da pena, com Comentário ao Processo 00507008320055020014 do TRT-2.ª Reg. por Vera Amaral Carvalho Momo: A antecipação de recursos a trabalhadores da Vasp (decisão TRT de 18.2.2016) frente ao direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 243-252. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Jurisprudência Comentada maior razão é legítima a execução total da sentença de segundo grau na esfera trabalhista, em que o executado fraudou o direito de mais de 6 mil trabalhadores”. A leitura da decisão do TRT demonstra que a fundamentação da decisão do magistrado do TRT partiu de uma série de constatações relacionadas ao andamento do processo Vasp, servindo o caso decidido pelo STF como reforço da decisão. 2.2. Direito à efetividade da tutela jurisdicional O direito de ação é um direito subjetivo do cidadão, expresso na Constituição Federal em seu art. 5.º, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.” A natureza do direito de ação baseia-se no fato de que o Estado, ao proibir a autotutela, assumiu o monopólio da jurisdição. Como contrapartida dessa proibição, conferiu aos particulares o direito de ação e, como corolário, o direito destes a uma prestação jurisdicional efetiva. Nessa linha, Cintra, Dinamarco & Grinover (2003. p. 23) entendem a jurisdição como uma atividade pela qual “os juízes agem em substituição às partes, que não podendo fazer justiça com as próprias mãos (vedada a autodefesa); a elas, que não mais podem agir, resta a possibilidade de fazer agir, provocando o exercício da função jurisdicional”. O Estado exerce assim seu poder para a solução de conflitos entre as pessoas, decidindo sobre as pretensões apresentadas. O Estado, ao exercer a jurisdição, cumpre sua finalidade pacificadora, a fim de eliminar os conflitos que afligem os indivíduos e lhes trazem angústia. “É meio efetivo para a realização da justiça.” (CINTRA, DINAMARCO, GRINOVER, 2003. p. 24-25). O direito de ação não se reduz simplesmente ao direito de ir a juízo, mas também significa o direito que o indivíduo tem à adequada tutela jurisdicional (TAVARES, 2003. p.500). Em outras palavras, o direito de receber a prestação jurisdicional é o reflexo do dever do juiz de dar a referida prestação. O direito a uma prestação jurisdicional deve ser visto sob o ponto de vista de que o Estado, ao criar a jurisdição, teve como finalidade garantir que as normas de direito substancial sejam efetivas ou que conduzam ao resultado para as quais foram criadas. O que quer dizer que a motivação que leva uma pessoa ao processo é alcançar, no caso concreto, os resultados práticos que o direito material preconiza ou a efetividade de seu direito. Nesse sentido, Cintra et al. (2003, p. 135) entende que “é sempre uma insatisfação que motiva a instauração do processo. O titular de uma pretensão (penal, civil, trabalhista, tributária, administrativa, etc.) vem a juízo pedir a prolação de um provimento que, eliminando a resistência, satisfaça a sua pretensão e com isso elimine o estado de insatisfação.” E esses resultados almejados se traduzem numa resposta jurisdicional satisfatória, tempestiva e justa, tornando-a efetiva. Esse é o contexto que entendemos deva ser a analisada a decisão do juiz Bretas no caso Vasp. Pelos fatos relatados na decisão, o processo vem correndo com extrema morosidade. Os trabalhadores da empresa buscam a satisfação de seus créditos há décadas, sem resultado. Os funcionários encontram-se angustiados, com problemas de saúde e financeiros. Muitos já morreram sem ver a satisfação de sua pretensão atendida. Ainda, consta da decisão que, além das “manobras” apontadas pelo Ministério Público, que visam impedir a cobrança da dívida e a satisfação dos créditos, “o executado insiste em discutir matérias já exaustivamente decididas, buscando, como usual, tumultuar o regular andamento processual”. (TRT, 2016). Comentário ao Processo 00507008320055020014 do TRT-2.ª Reg. por Vera Amaral Carvalho Momo: A antecipação de recursos a trabalhadores da Vasp (decisão TRT de 18.2.2016) frente ao direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 243-252. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 247 248 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 O direito ao provimento jurisdicional tempestivo está assegurado pelo art. 5º, LXXVIII da CF/1988, segundo o qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Diante desse quadro, parece-nos acertada a decisão do magistrado. O provimento atendeu a princípios constitucionais que visam garantir direitos fundamentais do cidadão, mais precisamente, o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional, implícito no próprio direito de ação (art. 5.º, XXXV, da CF/1988). Lembramos que se quisermos dar efetividade às normas jurídicas, devemos estar atentos aos princípios que as informam e que garantem os direitos fundamentais do cidadão. Segundo Nascimento (2004, p. 242), princípios e direitos fundamentais “acabam por cumprir o mesmo fim (...) pode um princípio ser invocado por alguém que o quer ver aplicado ao caso concreto, perspectiva sob a qual os princípios seriam a fonte da qual o direito fundamental é a faculdade nela fundamentada”. O papel dos princípios de direito é condicionar e orientar a compreensão do ordenamento jurídico, do qual são “verdades fundantes”, consubstanciando exigências de ordem ética, sociológica, política, ou de caráter técnico (REALE, 2002. p.305-307). Considerações finais A insatisfação das pessoas é sempre um fator apto a colocar em risco a ordem social. A indefinição de situações entre os indivíduos perante os bens pretendidos e perante o próprio direito é sempre motivo de tensões (CINTRA, DINAMARCO, GRINOVER, 2003. p. 20). A função pacificadora do Estado é exteriorizada pela jurisdição. Por meio dela, o juiz decide sobre as pretensões apresentadas, impondo decisões. Ao Estado cumpre garantir a realização dos valores humanos e dos direitos fundamentais do cidadão. A ele compete fazer do processo um meio efetivo para a realização da justiça (CINTRA, DINAMARCO, GRINOVER, 2003. p. 20). O tempo é inimigo da efetividade da função jurisdicional. A permanência de situações indefinidas é sempre é fator de angústia e insatisfação pessoal. A decisão do juiz Flavio Bretas analisada neste trabalho demonstrou o quanto a demora na solução da lide tem causado de prejuízo aos antigos trabalhadores da Vasp, demora esta provocada, em grande parte, pelos próprios executados. Procurou-se demonstrar nesta análise que a decisão do STF, no julgamento do HC 126.292, autorizando a execução antecipada de decisões condenatórias, mesmo pendentes recursos aos Tribunais Superiores, acabou por ferir garantias constitucionais do cidadão, como a da presunção da inocência e o da dignidade da pessoa humana. Já no caso do litígio dos trabalhadores da Vasp a situação foi outra. A decisão proferida acabou por garantir a efetividade do direito à prestação jurisdicional, em conformidade com os princípios constitucionais assegurados ao cidadão e com os tratados internacionais ratificados pelo Brasil. A fundamentação foi reforçada pela decisão do STF no julgamento do HC, a nosso ver com muita propriedade, haja vista que, como o próprio juiz Flavio Bretas expôs, se é possível, na esfera penal, em que está em jogo a liberdade humana, executar antecipadamente uma pena, com maior razão pode-se admitir a execução total da sentença de segundo grau na esfera trabalhista, levando-se em conta que o executado fraudou o direito de milhares de trabalhadores (TRT, 2016). Comentário ao Processo 00507008320055020014 do TRT-2.ª Reg. por Vera Amaral Carvalho Momo: A antecipação de recursos a trabalhadores da Vasp (decisão TRT de 18.2.2016) frente ao direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 243-252. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Jurisprudência Comentada 249 Questão de justiça. Seria impensável admitir que, no caso em questão, o executado, tumultuando o regular andamento do processo (conforme consta na decisão do TRT), aufira alguma vantagem com o alongamento do litígio indefinidamente, colocando em risco a efetividade da tutela jurisdicional à qual os trabalhadores da Vasp têm direito. Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05.10.1988. Disponível em [http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm]. Acesso em 24 fev. 2016. ______. Supremo Tribunal Federal – STF. HC n. 126.292. Relator: Ministro Teori Zavascki. Disponível em [http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC126292.pdf]. Acesso em: 25 fev. 2016. ______.Tribunal Regional do Trabalho – TRT - da 2ª Região. Processo n. 00507008320055020014. Juiz Flavio Bretas Soares. São Paulo, SP, 18.02.2016. Disponível em [http://www.duqueestrada. adv.br/wp-content/uploads/2016/02/TrtApp.action.pdf]. Acesso em: 25 fev. 2016. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. Vera Amaral Carvalho Momo Mestranda em direito comercial pela PUC/SP. Atuação na área de fusões e aquisições. Consultora societária. [email protected] Processo 00507008320055020014 1. Da liberação dos valores referentes à alienação das Fazendas Santa Luzia e Rio Verde Primeiramente, faço um breve histórico sobre o curso desta ação civil pública. Após mais de uma década, esta ação ainda busca a satisfação dos créditos dos mais de 6.000 trabalhadores da Vasp – Viação Aérea São Paulo. Apesar dos esforços deste juiz e dos demais magistrados responsáveis por esta execução, ainda resta um total de aproximadamente R$ 1,6 bilhões de créditos sem satisfação, boa parte referente a verbas rescisórias. Como responsável por esta execução, e no pouco à frente desta unidade, tive a oportunidade de constatar as mais variadas situações. Afinal, são incontáveis os casos de trabalhadores que já faleceram. Outros tantos encontram-se em extrema dificuldade, seja por problemas financeiros ou mesmo por problemas de saúde. É bem verdade que este juízo já deu início à distribuição de valores referentes à alienação da Fazenda Piratininga. Entretanto, somente a título de esclarecimenComentário ao Processo 00507008320055020014 do TRT-2.ª Reg. por Vera Amaral Carvalho Momo: A antecipação de recursos a trabalhadores da Vasp (decisão TRT de 18.2.2016) frente ao direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 243-252. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 250 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 to, é importante frisar que muitos foram os trabalhadores que não se habilitaram tempestivamente, ou mesmo que o fizeram sem atender aos termos do edital de habilitação. Dessa forma, estes trabalhadores estão até a presente data sem nada, friso, nada receber a título de verbas rescisórias e demais haveres contratuais. Na outra ponta, verifico que os devedores ainda contam com razoável suporte financeiro, ainda que isso decorra de condutas que buscam frustrar o pagamento dos haveres dos trabalhadores. Para maior elucidação, transcrevo a notícia extraída do sítio eletrônico do Ministério Público Federal:1 “O Ministério Público Federal (MPF) encaminhou nessa terça-feira, 27 de outubro, à Justiça denúncia contra o empresário Wagner Canhedo Filho e outras sete pessoas pela prática dos crimes de fraude à execução fiscal, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. As investigações começaram em 2014, após representação da Procuradoria da Fazenda Nacional (PFN), que identificou indícios de condutas criminosas adotadas com o objetivo de ocultar bens e valores financeiros do grupo empresarial comandado por Canhedo Filho. A intenção das manobras era impedir a execução de dívidas tributárias. As investigações continuam e novas denúncias envolvendo a atuação do grupo serão levadas à apreciação judicial. A apuração do MPF revelou que, para impedir a cobrança da dívida que, segundo a PFN, ultrapassa R$ 800 milhões, foram criadas empresas de fachada, usadas de forma sistemática para esvaziar o patrimônio e a receita do Hotel Nacional S/A, Viplan – Viação Planalto Limitada e Lotaxi Transportes Urbanos Ltda., contra os quais havia ordens de execução fiscal. Uma farta documentação comprova as irregularidades. Ao todo, já foram identificadas sete empresas fictícias. A primeira denúncia inclui pessoas ligadas a quatro delas: KVZ Fomento Ltda., HBJ Transportes Ltda., RPR Consultoria e Equipamentos Eirelli – ME e Coota DF – Cooperativas de Transportes Alternativos Autônomos e Individuais de Passageiros do DF Ltda. Na ação, a procuradora da República Michele Rangel Vollstedt Bastos lista as práticas que configuram os três crimes mencionados na denúncia, descrevendo a participação das pessoas denunciadas. Caberá à 10.ª Vara Federal em Brasília apreciar a denúncia. Além de Wagner Canhedo Filho, denunciado pelos três crimes praticado por diversas vezes, também constam da ação: Wagner Canhedo Azevedo Neto, Jamel Humber Borghi Junior, Rafael Patini Rienti, Wilson Geraldo, Gilbson Luna Gadelha e Diocílio de Oliveira Simões. Somadas, as penas máximas dos crimes pelos quais Wagner Canhedo Filho foi denunciado ultrapassam 200 anos. Entretanto, no Brasil, o máximo de pena de prisão a ser cumprido é de 30 anos. Entenda o caso – Ainda em 2014, por requisição do Núcleo Criminal da Procuradoria da República no Distrito Federal, foi instaurado um inquérito policial com 1.[http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_criminal/mpf-df-denuncia-a-justica-responsaveispelo-grupo-canhedo]. Comentário ao Processo 00507008320055020014 do TRT-2.ª Reg. por Vera Amaral Carvalho Momo: A antecipação de recursos a trabalhadores da Vasp (decisão TRT de 18.2.2016) frente ao direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 243-252. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Jurisprudência Comentada 251 o objetivo de apurar as suspeitas relatadas pela Divisão de Grandes Devedores da Procuradoria da Fazenda Nacional. As diligências revelaram uma confusão societária, caracterizada pela criação de empresas compostas por pessoas interpostas (laranjas), voltadas para prática de fraudes contra credores, entre outros crimes. Em maio deste ano, a pedido do MPF, a Justiça Federal determinou o cumprimento de vários mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao grupo empresarial ainda o afastamento dos gestores do controle administrativo de empresas do grupo. Três meses mais tarde, novas provas revelaram a continuidade da prática. Um dos documentos mostrou, por exemplo, que no dia 28 de agosto o empresário sacou mais de R$ 1,2 milhão de uma conta bancária em nome da Cooperativa de Transportes Alternativos e Autônomos do DF. A constatação embasou a apresentação de um novo pedido pelos investigadores, desta vez para que Wagner Canhedo Filho fosse preso preventivamente. Na época, os investigadores justificaram o pedido frisando que diante do “robusto” poder econômico, o risco de fuga era inafastável, o que poderia colocar em risco a aplicação da lei penal. A prisão foi efetivada em 09 de outubro, após determinação judicial e mantida pelo TRF-1.ª Reg. e pelo STJ, que já analisaram recursos apresentados pela defesa do empresário”. Superada a questão histórica, passo a analisar a alienação de dois bens do executado (Agropecuária Vale do Araguaia Ltda.), mas que ainda pendem de recurso: (1) Fazenda Rio Verde, AgPet 00013017020145020014; (2) Fazenda Santa Luzia, AgPet 00008570320155020014. Ambas foram alienadas, sendo autorizado o pagamento parcelado do valor total da venda. Dessa forma, já existem valores disponibilizados a favor deste Juízo. Ocorre que ambos os recursos apresentados pela executada, em sede de agravo de petição, foram desprovidos pelo Tribunal Regional do Trabalho. Por sua vez, verifica-se que referidos recursos não versam sobre questões constitucionais, pressuposto objetivo previsto no art. 896, § 2.º, da CLT. Por esse motivo, aliás, é que estatisticamente os agravos de instrumento nos recursos de revista não são providos pelo TST. Aliás, o executado insiste em discutir matérias já exaustivamente decididas, buscando, como usual, tumultuar o regular andamento processual. A partir de tais pressupostos, determino a imediata liberação dos valores disponibilizados neste processo, a título das alienações das Fazendas Santa Luzia e Fazenda Rio Verde. Aliás, como reforço de argumento, cito a emblemática decisão proferida pelo STF, nos autos do processo HC 1262921,2 em que confere eficácia plena a uma decisão 2. Direto do Plenário: STF autoriza cumprimento de pena após decisão de 2.ª instância. Nesta quarta-feira (17), por maioria de votos, o Plenário do STF indeferiu pedido de habeas corpus (HC 126292) e decidiu pela possibilidade do cumprimento da sentença condenatória após o julgamento de apelação. No caso em análise, a Corte Comentário ao Processo 00507008320055020014 do TRT-2.ª Reg. por Vera Amaral Carvalho Momo: A antecipação de recursos a trabalhadores da Vasp (decisão TRT de 18.2.2016) frente ao direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 243-252. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. 252 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 de segundo grau. Ora, se em esfera penal, em que o objeto é a própria liberdade da pessoa, é possível a execução da pena, com maior razão é legítima a execução total da sentença de segundo grau na esfera trabalhista, em que o executado fraudou o direito de mais de 6 mil trabalhadores. Importante lembrar que a adjudicação dos bens em questão se insere no conceito de ato jurídico perfeito e acabado, nos exatos termos do art. 685-B do CPC, entendimento esse, aliás, já exposto no CComp 105345, do STJ, em especial no “EDcl no EDcl no AgRg no CComp 105.345-DF”. Assim, determino a liberação dos valores referentes à alienação das fazendas Rio Verde e Santa Luzia. 2. Da distribuição dos valores Como dito acima, já foram distribuídos os valores decorrentes da alienação da Fazenda Piratininga, direcionados a acerca de 6.000 trabalhadores, que se habilitaram oportunamente. Entretanto, outros tantos tiveram problemas de habilitação, como mídias ilegíveis ou mesmo em branco. Outros nem mesmo se habilitaram, ou o fizerem intempestivamente. Esclareço que não adoto as premissas da Lei de Falência, em que os credores tardios devem “ir para o fim da fila”. A pretensão deste Juízo é quitar todos os trabalhadores da antiga Vasp, que friso, foram lesados por seu antigo empregador. Assim, aqueles que já se habilitaram tardiamente, nada devem fazer neste momento. Os documentos já estão sendo remetidos aos peritos para atualização, com o fim de otimizar a apuração de valores. Aqueles que se habilitaram tempestivamente, e tiveram problemas de origem técnica, devem proceder nova habilitação, no prazo de 30 dias de publicação deste Edital. Por fim, para aqueles que não se habilitaram, devem proceder a competente habilitação, no prazo de 30 dias de publicação deste edital. Após a habilitação, e apuração de valores, os autos virão conclusos para elaboração do plano de pagamento. São Paulo, 18 de fevereiro de 2016 – FLAVIO BRETAS SOARES, Juiz do Trabalho. entendeu válido ato do TJSP que, ao negar recurso da defesa, determinou o início da execução da pena imposta a um condenado por roubo qualificado. A decisão tomada hoje altera o entendimento da Corte sobre a matéria, que condicionava a execução da pena ao trânsito em julgado da condenação, mas ressalvava a possibilidade de prisão preventiva. O voto do relator do HC, Min. Teori Zavascki, foi seguido pelos Ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. De acordo com o relator, a manutenção da sentença condenatória pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado. Eventuais recursos cabíveis ao STJ e ao Supremo restringem-se à análise de questões de direito. Comentário ao Processo 00507008320055020014 do TRT-2.ª Reg. por Vera Amaral Carvalho Momo: A antecipação de recursos a trabalhadores da Vasp (decisão TRT de 18.2.2016) frente ao direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 243-252. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016. Normas dE publicação para autorEs dE colaboração autoral iNédita 1. A seleção de trabalhos (Conteúdo Editorial) para publicação é de competência do Conselho Editorial de cada Revista e da Editora Revista dos Tribunais. Referido Conselho Editorial é formado por vários membros, de forma a preservar o pluralismo, a imparcialidade e a independência na análise dos artigos encaminhados. Eventualmente, os trabalhos poderão ser devolvidos ao Autor com sugestões de caráter científico para, caso as aceite, adaptá-los e reencaminhá-los para nova análise. Não será informada a identidade dos responsáveis pela análise do Conteúdo Editorial de autoria do Colaborador. 2. O envio de Conteúdo Editorial para publicação em qualquer produto editorial da Editora Revista dos Tribunais implica aceitação dos termos e condições da CESSÃO DE DIREITOS AUTORAIS DE COLABORAÇÃO AUTORAL INÉDITA E TERMO DE RESPONSABILIDADE, por meio da qual o Autor cede globalmente os direitos autorais do Conteúdo Editorial enviado exclusivamente para a Editora Revista dos Tribunais e seus sucessores ou cessionários, por todo o prazo de vigência dos direitos patrimoniais de Autor, previsto na Lei Autoral brasileira, para publicação ou distribuição em meio impresso ou eletrônico, ficando autorizada a incluir esse Conteúdo Editorial, nos meios de divul- gação impressos ou digitais, on-line, Intranet, via Internet e hospedagem, isoladamente ou em conjunto com outras obras e serviços de informação eletrônica, em servidores próprios, de terceiros ou de clientes, podendo distribuí-la comercialmente e comercializá-la, por todos os meios eletrônicos existentes ou que venham a ser criados futuramente, inclusive através de armazenamento temporário ou definitivo em memória ou disco dos usuários ou clientes, em aparelhos móveis ou fixos, portáteis ou não, cabendo à Editora Revista dos Tribunais determinar todas as suas características editoriais e gráficas, preço, modos de distribuição, disponibilização, visualização, acesso, download, venda e revenda aos distribuidores, portais de Internet, banco de dados, bem como promoções, divulgação e publicidade. Como contrapartida financeira pela cessão onerosa, o Autor receberá um exemplar da Revista impressa na qual foi publicado o Conteúdo Editorial de sua autoria, dando quitação à Editora Revista dos Tribunais pelo valor de consideração correspondente ao preço de capa praticado com o consumidor final na data da primeira distribuição comercial da Revista. A Editora Revista dos Tribunais fica autorizada a proceder modificações e correções para a adequação do texto às normas de publicação. 254 Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169 3.O Conteúdo Editorial encaminhado para a Editora Revista dos Tribunais não pode ter sido publicado nem estar pendente de publicação em outro veículo, seja em mídia impressa ou eletrônica. 4. O material recebido e não publicado não será devolvido. 5. Os Conteúdos Editoriais devem atender a todas as normas de publicação. A Editora Revista dos Tribunais não se responsabilizará por realizar qualquer complemento, tais como inserção de sumário, resumo ou palavras-chave (em português e em outra língua estrangeira), que ficam à elaboração exclusiva do Autor do artigo. 6. O envio do material relativo aos Conteúdos Editoriais deve ser feito por correio eletrônico para o endereço: [email protected]. Recomenda-se a utilização de processador de texto Microsoft Word. Caso seja usado outro processador de texto, os arquivos devem ser gravados no formato RTF (de leitura comum a todos os processadores de texto). 7. Os artigos deverão ser precedidos por uma página da qual se fará constar: título do trabalho, nome do Autor (ou Autores), qualificação (situação acadêmica, títulos, instituições às quais pertença e a principal atividade exercida), número do CPF, endereço completo para correspondência, telefone, fax, e-mail, relação da produção intelectual anterior, autorização de publicação pela Editora Revista dos Tribunais com a assinatura da CESSÃO DE DIREITOS AUTORAIS DE COLABORAÇÃO AUTORAL INÉDITA E TERMO DE RESPONSABILIDADE. 8. Não há um número predeterminado de páginas para os textos. Esse número deve ser adequado ao assunto tratado. Porém, para publicação nesta Revista, os trabalhos deverão ter um mínimo de 15 laudas (cada lauda deve ter 2.100 toques). Os parágrafos devem ser justificados. Não devem ser usados recuos, deslocamentos, nem espaçamentos anteriores ou posteriores. Não se deve utilizar o tabulador <TAB> para determinar os parágrafos: o próprio <ENTER> já o determina. Como fonte, usar a Times New Roman, corpo 12. Os parágrafos devem ter entrelinha 1,5; as margens superior e inferior 2,0 cm e as laterais 3,0 cm. A formatação do tamanho do papel deve ser A4. 9.O curriculum deve obedecer ao seguinte critério: iniciar com a titulação acadêmica (da última para a primeira); caso exerça o magistério, inserir os dados pertinentes, logo após a titulação; em seguida completar as informações adicionais (associações ou outras instituições de que seja integrante) – máximo de três; finalizar com a função ou profissão exercida (que não seja na área acadêmica). Exemplo: Pós-doutor em Direito Público pela Università Statale di Milano e pela Universidad de Valencia. Doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Professor em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da USP. Membro do IBDP. Juiz Federal em Londrina. 10. Os Conteúdos Editoriais deverão ser precedidos por um breve Resumo (10 linhas no máximo) em português e em outra língua estrangeira, preferencialmente em inglês. Normas de Publicação para Autores 11. Deverão ser destacadas as Palavras-chave (com o mínimo de cinco), que são palavras ou expressões que sintetizam as ideias centrais do texto e que possam facilitar posterior pesquisa ao trabalho; elas também devem ser grafadas em português e em outra língua estrangeira, preferencialmente em inglês, a exemplo do Resumo. (Norma Brasileira da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT – Anexo I). As referências devem ser citadas em notas de rodapé ao final de cada página, e não em notas de final. 14.Todo destaque que se queira dar ao texto deve ser feito com o uso de itálico. Jamais deve ser usado o negrito ou o sublinhado. Citações de outros Autores devem ser feitas entre aspas, sem o uso de itálico ou recuos, a não ser que o próprio original tenha destaque e, portanto, isso deve ser informado (“destaque do original”). 12. A numeração do Sumário deverá sempre ser feita em arábico. É vedada a numeração dos itens em algarismos romanos. No Sumário deverão constar os itens com até três dígitos. Exemplo: Sumário: 1. Introdução – 2. Responsabilidade civil ambiental: legislação: 2.1 Normas clássicas; 2.2 Inovações: 2.2.1 Dano ecológico; 2.2.2 Responsabilidade civil objetiva. 255 15.As referências legislativas ou jurispru- 13.As referências bibliográficas deverão ser feitas de acordo com a NBR 6023/2002 __________ denciais devem conter todos os dados necessários para sua adequada identificação e localização. Em citações de sites de Internet, deve-se indicar expressamente, entre parênteses, a data de acesso. Contrato e racionalidade Contract and racionality Marcos Cáprio Fonseca Soares Mestre em Sociologia pela UFRGS. Advogado. Área do Direito: Civil; Processual; Consumidor Resumo: O presente artigo é fruto de pesquisa empírica levada a cabo junto aos acórdãos do TJRS, especificamente em matéria contratual. Aqui, trago as conclusões obtidas no âmbito dos contratos abrangidos pelo Sistema Financeiro de Habitação. Delimitei a racionalidade jurídica nutrida pelos desembargadores de referido Tribunal ao procederem às tomadas de decisões neste tema. Após precisar o conceito central deste trabalho (racionalidade), exponho e analiso os dados obtidos junto aos acórdãos coletados, promovendo uma classificação dos atores jurídicos consentâneo o teor argumentativo invocado na fundamentação dos votos, ocasião em que a nova teoria dos contratos passa a ser contextualizada em meio a um processo de transformações pelas quais vem passando o direito privado como um todo. Palavras-chave: Cláusulas gerais – Juros – Revisão contratual – Racionalidade – Rematerialização. Abstract: The present article is a result of empiric research mode next to judgements of Tribunal de TJRS, specifically in contractual subject. Here, I bring the conclusions got among the contracts embroced by the “Sistema Financeiro de Habitação”. I delimited the juridical racionality sustained by magistrates of the abovementioned Tribunal when they took decisions on this matter. After precising the main concept of this work (racionality), I expose and analyse data got next to judgements collected, promoting a classification of the juridical actors according to the armentative contents evoked in the fundamentation of votes, occasion where the new theory of contracts starts to be contextualized in a process of transformations by which private law is passing as a whole. o l e d o m Keywords: General clauses – Interest – Contractual review – Racionality – Rematerialization. Sumário: 1. Introdução – 2. A racionalidade jurídica e o contexto atual do direito privado: 2.1 A matriz weberiana; 2.2 Reflexões contemporâneas – 3. A mudança paradigmática no direito privado brasileiro – 4. A pesquisa empírica: o caso do SFH – 5. Considerações finais – 6. Bibliografia. 1. Introdução Nonononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononono. 6. Bibliografia (exemplos) Albergaria, A. Cinco anos sem chover: história de João Louco. Recife: Sertão, 1999. Arruda Alvim Wambier, Teresa. Nulidades da sentença. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. Brasil. Código Penal. 13. ed. São Paulo: Ed. RT, 2008, coleção RT Códigos. Estefam, André. Temas polêmicos sobre a nova lei do júri. Disponível em: [www.damasio.com.br/?category_id=506]. Acesso em: 24.09.2008. Gomes, Luís Gustavo et alii. Direito civil brasileiro. 2. ed. Recife: Sertão, 1999. vol. 3. Kelsen, Hans. Direito positivo. 10. ed. Trad. Celso Bastos. São Paulo: Ed. RT, 2000. Oliveira, José Antonio. Verdade real. In: Stoco, Rui (coord.). Direito penal. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2000. vol. 5, t. II. Silva, José Augusto da. Ação declaratória. Dissertação de mestrado, São Paulo, PUC, 2000. ______. E o Brasil, como vai? Folha de S. Paulo, Cad. Mundo, 24.01.2004. Souza, Artur César. As cortes de Warren e Rehnquist: judicial activism ou judicial self-restraint. Revista dos Tribunais. vol. 874, p. 11. São Paulo: Ed. RT, ago. 2008. A.S. R2087