RDT 163 (Mai • Jun 2016)

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Revista de
DIREITO DO
TRABALHO
Ano 42 • vol. 169 • maio-jun. / 2016
Revista de
DIREITO DO
TRABALHO
Ano 42 • vol. 169 • maio-jun. / 2016
Coordenação
ivEs gaNdra da silva martiNs Filho
thErEza christiNa Nahas
SECRETÁRIA EDITORIAL
Marcia Lovane Sott
SECRETÁRIOS ADJUNTOS
Paula Colessi
Rafael Del Faveri
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CONSELHO EDITORIAL
Augusto César Leite de Carvalho (Ministro do TST)
Bento Herculano Duarte Neto (TRT-21.ª Reg./RN)
Mônica Sette Lopes (Desembargadora do TRT/MG e Professora Doutora da UFMG)
Fabiano Coelho de Souza (Juiz do Trabalho TRT/GO)
Ney Maranhão (Juiz do Trabalho TRT/PA)
Norma Sueli Padilha (Professora da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul)
Yone Frediani (Desembargadora Aposentada TRT/SP e membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho)
Fernando Araújo (Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa – Clássica)
Joaquín Aparicio Tovar (Decano de la Facultad de Relaciones Laborales y Recursos
Humanos de Albacete, de la Universidad Castilla la Mancha – Espanha)
María José Romero Rodenas (Catedrática de Derecho del Trabajo y de Seguridad
Social de La Universidad Castilla la Mancha – Espanha)
María Belén Cardona Rubert (Catedrática de Derecho del Trabajo y de Seguridad
Social de la Universidad de Valencia – Espanha)
Sérgio Pinto Martins (TRT-2.ª Reg./SP)
PARECERISTAS
Renato Sabino (Juiz do Trabalho no TRT/SP)
Lorena de Mello Rezende Colnago (Juíza do Trabalho no TRT/PR)
ISSN 0102-8774
Revista de
DIREITO DO
TRABALHO
Ano 42 • vol. 169 • maio-jun. / 2016
Coordenação
ivEs gaNdra da silva martiNs Filho
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Repositório de jurisprudência autorizado pelo
Tribunal Superior do Trabalho
ISSN 0102-8774
Revista de
DIREITO DO
TRABALHO
Ano 42 • vol. 169 • maio-jun. / 2016
Os colaboradores desta Revista gozam da mais ampla liberdade de opinião e de crítica, cabendo-lhes a
responsabilidade das ideias e conceitos emitidos em seus trabalhos.
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marisa harms
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Revista de
DIREITO DO
TRABALHO
Ano 42 • vol. 169 • maio-jun. / 2016
Coordenação
ivEs gaNdra da silva martiNs Filho
thErEza christiNa Nahas
Diretora Responsável
marisa harms
Diretora de Operações de Conteúdo
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Editoras: Aline Darcy Flôr de Souza e Marcella Pâmela da Costa Silva
Coordenação Editorial
daniel Cesar leal dias de CarValho
Analistas de Operações Editoriais: André Furtado de Oliveira, Felipe Jordão Magalhães, Rafaella Araujo Akiyama,
Thiago César Gonçalves de Souza
Equipe de Jurisprudência
Analistas de Operações Editoriais: Felipe Augusto da Costa Souza, Juliana Cornacini Ferreira,
Patrícia Melhado Navarra e Thiago Rodrigo Rangel Vicentini
Qualidade Editorial e Revisão
Coordenação
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Analistas de Qualidade Editorial: Carina Xavier Silva, Cinthia Santos Galarza, Daniela Medeiros Gonçalves Melo, Marcelo
Ventura e Maria Angélica Leite
Analistas Editoriais: Daniele de Andrade Vintecinco e Mayara Crispim Freitas
Capa: Andréa Cristina Pinto Zanardi
Administrativo e Produção Gráfi ca
Coordenação
Caio henrique andrade
Analista Administrativo: Antonia Pereira
Assistente Administrativo: Francisca Lucélia Carvalho de Sena
Analista de Produção Gráfica: Rafael da Costa Brito
9
Editorial
Ao assumir a presidência do TST, muitos desafios se apresentam à nova
direção da Corte, que podem ser aqui elencados, com propostas concretas de
enfrentamento.
O contexto histórico já é, de per si, desafiador: uma crise econômica de
dimensões assustadoras, ocasionada por grave crise política, ambas umbilicalmente ligadas também quanto ao seu desenlace, uma vez que a economia, não
sendo ciência exata mas psicossocial, tem na confiança fator essencial.
Justamente nesse contexto adverso, a Justiça do Trabalho parece ter um papel fundamental, se pretende superá-lo e alcançar a retomada do crescimento
econômico, a plena empregabilidade e a pacificação dos conflitos sociais, com
harmonização das relações entre patrões e empregados.
Não é demais dizer que a Justiça do Trabalho se nos apresenta como o mais
belo dos ramos da Justiça brasileira, por promover a Justiça Social e ter por
matéria-prima o trabalho humano, em torno do qual todos nós organizamos
nossas vidas e que, portanto, deve ser valorizado, compreendido e bem regulado, sob pena de outros aspectos com ele conflitarem.
Não é por menos que, desde a publicação da Encíclica “Rerum Novarum”
do Papa Leão XIII em 1891, sempre considerada como a Magna Carta do Trabalhador, a Igreja Católica foi desenvolvendo, pontífice após pontífice, a Doutrina Social Cristã, cujos princípios nem sempre são bem compreendidos e
conjugados.
Basta lembrar que, sendo princípios básicos dessa doutrina os da “primazia
do trabalho sobre o capital” e da “proteção”, também o é o da “subsidiariedade”, pelo qual a intervenção estatal somente se justifica quando sociedades
menores, como sindicatos e empresas, não conseguem se entender diretamente
para estabelecer as melhores condições de trabalho em cada segmento produtivo.
O excesso de intervencionismo estatal, quer legiferante, quer judicante,
pode desorganizar a economia mais do que proteger o trabalhador e promover
o desenvolvimento produtivo. Haveria que se conhecer e refletir mais sobre
tais princípios.
10
Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
Indo mais além, dos princípios aos fins, vemos estampadas na bandeira institucional do TST as palavras do Profeta Isaías (32, 17): “Opus Justitiae Pax” (a
obra da justiça é a paz). A finalidade da Justiça do Trabalho é fundamentalmente a harmonização das relações trabalhistas, pacificando os conflitos sociais.
O juiz do trabalho, que, pelo seu ofício deve ser um especialista em relações
humanas, deve interpretar e aplicar imparcialmente uma legislação que já é, de
per si, parcial e protetiva. Nesse sentido, é o Livro do Levítico que cobra esse
equilíbrio, especialmente ao julgar as demandas sociais: “Não cometas injustiças no exercício de julgar; não favoreças o pobre nem prestigies os poderosos”
(19,15).
Para que a Justiça do Trabalho, nesta quadra em que vivemos, seja efetivamente pacificadora e harmonizadora das relações laborais, deve estar atenta ao
comando do art. 766 da CLT, que, aplicável aos dissídios coletivos, traduz o
espírito de todas as decisões que se possam proferir pelos juízes do trabalho,
inclusive em dissídios individuais: “assegurando justos salários aos trabalhadores, permitam também justa retribuição às empresas”.
Como chegar a esse equilíbrio na interpretação e aplicação do Direito do
Trabalho, que construa uma jurisprudência ao mesmo tempo promotora de
uma maior inclusão social e dignificação do trabalho humano, mas não comprometedora da empregabilidade dos trabalhadores e da sustentabilidade das
empresas?
Sem efetiva justiça para ambos os segmentos, não há paz social. No exercício da vice-presidência do TST, nos anos de 2014 e 2015, tivemos a sorte
de conciliar praticamente todos os dissídios coletivos nacionais, ajuizados ou
incoados, por acreditar que a conciliação é a melhor solução, a forma menos
traumática de terminar uma lide.
E em conciliação, os juízes do trabalho são mestres. Não é demais lembrar,
nesse sentido, da forma como Guimarães Rosa terminava um de seus contos:
“E viveram felizes e infelizes misturadamente”. Esse é o realismo da conciliação: reduzir expectativas para se chegar ao ponto de equilíbrio justo.
Os mais recentes embates congressuais em torno da regulamentação da terceirização estão a demonstrar, pela ideologização a que a temática acabou se
sujeitando, que não será com excessos de um lado ou de outro que se chegará
a um marco regulatório protetivo e seguro, que reconheça os direitos dos trabalhadores, mas também uma realidade econômica irreversível de cadeia produtiva, em que o esforço produtivo empresarial se concentra em suas áreas de
especialização. E esse marco regulatório nos parece imprescindível.
Editorial
11
O que atualmente dificulta esse trabalho de pacificação social pela Justiça
do Trabalho? O que explica o crescimento desmesurado das demandas trabalhistas e a pletora de recursos, atolando e paralisando todos os nossos tribunais? Como tirar do papel a garantia constitucional da celeridade processual?
Parece-nos que, além das causas exógenas à própria Justiça, que são os defeitos e imperfeições em nossa legislação social, a requerer aperfeiçoamento,
as causas endógenas são, em nosso humilde olhar, a complexidade de nosso
sistema processual e recursal e o desprestígio dos meios alternativos de composição dos conflitos sociais.
Nesse sentido, faz-se mister promover uma maior racionalização judicial,
simplificação recursal e valorização da negociação coletiva, fazendo do processo meio e não fim, prestigiando as soluções que tornem mais célere e objetivo
o processo, reduzindo ao mesmo tempo as demandas judiciais.
Se a missão institucional do próprio TST é a uniformização da jurisprudência trabalhista, esse deve ser o foco principal da nova gestão da Corte, extraindo todas as potencialidades da Lei 13.015/2014, de modo a dar segurança
jurídica à sociedade e orientação clara a nossos magistrados de 1.º e 2.º graus
de jurisdição.
Essa segurança jurídica será dada, v.g., com a edição da IN 39 do TST, gestada em comissão de nove Ministros, sobre dispositivos do novo CPC, de caráter
novidadeiro e controvertido, que seriam aplicáveis e não aplicáveis ao Processo
do Trabalho, em rol não taxativo, dando sinalização do entendimento da Corte
sobre questão que não admite demoras em sua definição.
Outros mecanismos serão implementados para dinamizar sessões e a tramitação dos processos no TST, como a introdução do plenário virtual, a criação
do núcleo de recursos de revista repetitivos, a sistematização da uniformização
jurisprudencial em sede de recurso de revista, o concurso nacional para ingresso na magistratura trabalhista, entre outros.
Em suma, o que se espera do TST é a uniformização da jurisprudência
de forma segura e rápida. Para tanto, a mudança de paradigma que a Lei
13.015/2014 introduziu deve ser aperfeiçoada, de modo a que a Corte efetivamente passe a julgar temas e não casos.
As medidas adotadas de imediato pela nova administração do TST, com esse
fito, não deixaram de parecer heterodoxas: se, por um lado, foram reforçados
os gabinetes dos Ministros, deslocando-se servidores da atividade-meio para a
atividade-fim, por outro, decidiu-se pela não convocação de desembargadores
para atuação conjunta na Corte.
12
Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
A razão é simples. No modelo do julgamento de casos, a avalanche crescente de processos que chegam ao TST exige cada vez mais juízes e servidores para
fazer-lhe frente, batendo-se recordes após recordes de produção, chegando-se a
300.000 recursos solucionados por ano. Esse modelo já está exaurido.
No paradigma do julgamento de temas, quanto menos magistrados decidindo, mais rápida e segura será a jurisprudência. Nesse sentido, a esperança
é a de que a normalidade no funcionamento do Tribunal, com seu número
fixo de Ministros, com suficiente suporte de recursos humanos e materiais,
aproveitando todo o arsenal normativo processual que se oferece atualmente,
possa resultar numa aceleração na pacificação jurisprudencial, objetivo maior
da Corte.
Enfim, racionalizando-se o sistema processual e recursal, prestigiando-se a
negociação coletiva e incentivando-se a conciliação, num entendimento que
possa ser inclusive nacional, abrangendo Centrais Sindicais e Confederações
Patronais e Obreiras em torno de convergências, possa-se ajudar o país a sair
da crise econômica em que se encontra.
Ives Gandra da Silva Martins Filho
Coordenador da RDT
sumário
Editorial ..............................................................................................................................
9
Em dEstaquE
Resolução nº 203, de 15 de março de 2016 ...........................................
19
Fórum Nacional de Processo do Trabalho
lorenA de mello rezende ColnAGo ................................................................
27
Enunciados aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho ...........................................................................................
29
atualidadEs
Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar
as causas envolvendo relação jurídica entre representante e
representado
The (in)jurisdiction of Labor Justice to process and judge cases
involving the legal relationship between the representative and the
represented
FeliPe Probst Werner e veridiAnA toCzeKi sAntos........................................
53
Breves linhas sobre a competência da justiça do trabalho para
apreciar as fraudes cometidas por cooperativas de trabalho – uma
visão compatível com a nova ordem processual
Summary lines on the jurisdiction of Labor Justice to appreciation
the fraud committed by working cooperative – A compatible with
the new vision of procedure order
tHerezA CHristinA nAHAs ................................................................................
73
14
Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no
novo CPC e a influência no processo do trabalho
The impact of judicial precedents as source of law and its influence
in the labor process
Cleusy Araújo Galindo....................................................................................
83
Estudos Nacionais
O teletrabalho, o direito à desconexão do ambiente de trabalho e
os possíveis meios de inibição da prática
The telework, the right of disconnection from the working
environment and possible inhibition means of practice
Daniela Favilla Vaz de Almeida e Lorena de Mello Rezende Colnago............ 113
A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade
de deflagração de greve pela comissão de empresa como forma de
efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores
The union´s representability crisis and the possibility of the company
committee starting strikes as a way of enforcing the fundamental
rights of the workers
Gabriel Henrique Santoro.................................................................................. 127
LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico
Law 150/2015. New protection of domestic workers’ paradigm
André Eduardo Dorster Araujo......................................................................... 139
Estudos Estrangeiros
Estados Unidos da América – Restrições nas importações de
produtos de atum (EUA–Atum I), DS21/R – 39S/155
United States of America – Restrictions on imports of tuna products
(US – Tuna I), DS21 / R – 39S / 155
Marina Amaral Egydio de Carvalho e Lucas Mandelbaum Bianchini............ 169
O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de
flexibilização na comunidade europeia
Sumário
15
The labor contract of part-time work as an instrument of flexicurity
in the European Community
Gilberto Stürmer e Rodrigo Coimbra................................................................ 187
O direito laboral à venda – reflexões sobre o dumping social no
capitalismo globalizado
Labour law for sale – Some considerations about social dumping in
globalized capitalism
Alessandra Pearce de Carvalho Monteiro........................................................ 209
Jurisprudência
Supremo Tribunal Federal
COMPETÊNCIA – Previdência privada – Discussão acerca de
complementação de aposentadoria – Direito previdenciário que
possui autonomia em relação ao direito trabalhista – Julgamento
afeto à Justiça Comum
Comentário por Paula Castro Collesi............................................................ 235
Tribunal Regional do Trabalho 2ª Região
EXECUÇÃO – Verbas rescisórias – Créditos trabalhistas de empresa
aérea falida – Liberação imediata de valores referentes à alienação
de bens do executado, ainda pendente de recurso – Execução da
pena na esfera penal que torna legítima a cumprimento total da
sentença trabalhista
Comentário por Vera Amaral Carvalho Momo............................................. 243
Normas de Publicação para Autores de Colaboração Autoral Inédita........ 253
Em Destaque
19
Resolução 203, de 15 de Março de 2016
Edita a IN 39, que dispõe sobre as normas do Código de Processo Civil de 2015 aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho, de forma não exaustiva.
O EGRÉGIO PLENO DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, em Sessão
Extraordinária hoje realizada, sob a Presidência do Excelentíssimo Senhor Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, Presidente do Tribunal, presentes os
Excelentíssimos Senhores Ministros Emmanoel Pereira, Vice-Presidente do Tribunal, Renato de Lacerda Paiva, Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho, João
Oreste Dalazen, Antonio José de Barros Levenhagen, João Batista Brito Pereira,
Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Aloysio Corrêa da Veiga, Luiz Philippe Vieira
de Mello Filho, Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Maria de Assis Calsing,
Dora Maria da Costa, Guilherme Augusto Caputo Bastos, Márcio Eurico Vitral
Amaro, Walmir Oliveira da Costa, Maurício Godinho Delgado, Kátia Magalhães
Arruda, Augusto César Leite de Carvalho, José Roberto Freire Pimenta, Delaíde
Alves Miranda Arantes, Hugo Carlos Scheuermann, Alexandre de Souza Agra Belmonte, Cláudio Mascarenhas Brandão, Douglas Alencar Rodrigues, Maria Helena
Mallmann e a Excelentíssima Vice-Procuradora-Geral do Trabalho, Dra. Cristina
Aparecida Ribeiro Brasiliano,
considerando a vigência de novo Código de Processo Civil (Lei 13.105, de
17.03.2015) a partir de 18 de março de 2016,
considerando a imperativa necessidade de o Tribunal Superior do Trabalho
posicionar-se, ainda que de forma não exaustiva, sobre as normas do Código de
Processo Civil de 2015 aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho,
considerando que as normas dos arts. 769 e 889 da CLT não foram revogadas
pelo art. 15 do CPC de 2015, em face do que estatui o art. 2.º, § 2.º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,
considerando a plena possibilidade de compatibilização das normas em apreço,
considerando o disposto no art. 1.046, § 2.º, do CPC, que expressamente preserva
as “disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leis”, dentre as
quais sobressaem as normas especiais que disciplinam o Direito Processual do
Trabalho,
considerando o escopo de identificar apenas questões polêmicas e algumas das
questões inovatórias relevantes para efeito de aferir a compatibilidade ou não de
aplicação subsidiária ou supletiva ao Processo do Trabalho do Código de Processo
Civil de 2015,
Resolução 203, de 15 de Março de 2016.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 19-26. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
20
Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
considerando a exigência de transmitir segurança jurídica aos jurisdicionados
e órgãos da Justiça do Trabalho, bem assim o escopo de prevenir nulidades processuais em detrimento da desejável celeridade,
considerando que o Código de Processo Civil de 2015 não adota de forma absoluta a observância do princípio do contraditório prévio como vedação à decisão
surpresa, como transparece, entre outras, das hipóteses de julgamento liminar de
improcedência do pedido (art. 332, caput e § 1.º, conjugado com a norma explícita do parágrafo único do art. 487), de tutela provisória liminar de urgência ou
da evidência (parágrafo único do art. 9.º) e de indeferimento liminar da petição
inicial (CPC, art. 330),
considerando que o conteúdo da aludida garantia do contraditório há que se
compatibilizar com os princípios da celeridade, da oralidade e da concentração de
atos processuais no Processo do Trabalho, visto que este, por suas especificidades
e pela natureza alimentar das pretensões nele deduzidas, foi concebido e estruturado para a outorga rápida e impostergável da tutela jurisdicional (CLT, art. 769),
considerando que está sub judice no Tribunal Superior do Trabalho a possibilidade de imposição de multa pecuniária ao executado e de liberação de depósito em
favor do exequente, na pendência de recurso, o que obsta, de momento, qualquer
manifestação da Corte sobre a incidência no Processo do Trabalho das normas dos
arts. 520 a 522 e § 1.º do art. 523 do CPC de 2015,
considerando que os enunciados de súmulas dos Tribunais do Trabalho a que
se referem os incisos V e VI do § 1.º do art. 489 do CPC de 2015 são exclusivamente os que contenham os fundamentos determinantes da decisão (ratio decidendi
– art. 926, § 2.º),
RESOLVE:
Aprovar a Instrução Normativa n. 39, nos seguintes termos:
INSTRUÇÃO NORMATIVA n. 39/2016.
Dispõe sobre as normas do Código de Processo Civil de 2015 aplicáveis e inaplicáveis
ao Processo do Trabalho, de forma não exaustiva.
Art. 1.º Aplica-se o Código de Processo Civil, subsidiária e supletivamente, ao
Processo do Trabalho, em caso de omissão e desde que haja compatibilidade com
as normas e princípios do Direito Processual do Trabalho, na forma dos arts. 769
e 889 da CLT e do art. 15 da Lei n. 13.105, de 17.03.2015.
§ 1.º Observar-se-á, em todo caso, o princípio da irrecorribilidade em separado
das decisões interlocutórias, de conformidade com o art. 893, § 1.º, da CLT e Súmula n. 214 do TST.
§ 2.º O prazo para interpor e contra-arrazoar todos os recursos trabalhistas, inclusive agravo interno e agravo regimental, é de oito dias (art. 6.º da Lei n. 5.584/70
e art. 893 da CLT), exceto embargos de declaração (CLT, art. 897-A).
Resolução 203, de 15 de Março de 2016.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 19-26. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Em Destaque
21
Art. 2.º Sem prejuízo de outros, não se aplicam ao Processo do Trabalho, em
razão de inexistência de omissão ou por incompatibilidade, os seguintes preceitos
do Código de Processo Civil:
I – art. 63 (modificação da competência territorial e eleição de foro);
II – art. 190 e parágrafo único (negociação processual);
III – art. 219 (contagem de prazos em dias úteis);
IV – art. 334 (audiência de conciliação ou de mediação);
V – art. 335 (prazo para contestação);
VI – art. 362, III (adiamento da audiência em razão de atraso injustificado superior a 30 minutos);
VII – art. 373, §§ 3.º e 4.º (distribuição diversa do ônus da prova por convenção
das partes);
VIII – arts. 921, §§ 4.º e 5.º, e 924, V (prescrição intercorrente);
IX – art. 942 e parágrafos (prosseguimento de julgamento não unânime de
apelação);
X – art. 944 (notas taquigráficas para substituir acórdão);
XI – art. 1010, § 3.º (desnecessidade de o juízo a quo exercer controle de admissibilidade na apelação);
XII – arts. 1.043 e 1.044 (embargos de divergência);
XIII – art. 1.070 (prazo para interposição de agravo).
Art. 3.º Sem prejuízo de outros, aplicam-se ao Processo do Trabalho, em face de
omissão e compatibilidade, os preceitos do Código de Processo Civil que regulam
os seguintes temas:
I – art. 76, §§ 1.º e 2.º (saneamento de incapacidade processual ou de irregularidade de representação);
II – art. 138 e parágrafos (amicus curiae);
III – art. 139, exceto a parte final do inciso V (poderes, deveres e responsabilidades do juiz);
IV – art. 292, V (valor pretendido na ação indenizatória, inclusive a fundada
em dano moral);
V – art. 292, § 3.º (correção de ofício do valor da causa);
VI – arts. 294 a 311 (tutela provisória);
VII – art. 373, §§ 1.º e 2.º (distribuição dinâmica do ônus da prova);
VIII – art. 485, § 7.º (juízo de retratação no recurso ordinário);
IX – art. 489 (fundamentação da sentença);
X – art. 496 e parágrafos (remessa necessária);
XI – arts. 497 a 501 (tutela específica);
Resolução 203, de 15 de Março de 2016.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 19-26. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
22
Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
XII – arts. 536 a 538 (cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade
de obrigação de fazer, de não fazer ou de entregar coisa);
XIII – arts. 789 a 796 (responsabilidade patrimonial);
XIV – art. 805 e parágrafo único (obrigação de o executado indicar outros
meios mais eficazes e menos onerosos para promover a execução);
XV – art. 833, incisos e parágrafos (bens impenhoráveis);
XVI – art. 835, incisos e §§ 1.º e 2.º (ordem preferencial de penhora);
XVII – art. 836, §§ 1.º e 2.º (procedimento quando não encontrados bens penhoráveis);
XVIII – art. 841, §§ 1.º e 2.º (intimação da penhora);
XIX – art. 854 e parágrafos (BacenJUD);
XX – art. 895 (pagamento parcelado do lanço);
XXI – art. 916 e parágrafos (parcelamento do crédito exequendo);
XXII – art. 918 e parágrafo único (rejeição liminar dos embargos à execução);
XXIII – arts. 926 a 928 (jurisprudência dos tribunais);
XXIV – art. 940 (vista regimental);
XXV – art. 947 e parágrafos (incidente de assunção de competência);
XXVI – arts. 966 a 975 (ação rescisória);
XXVII – arts. 988 a 993 (reclamação);
XXVIII – arts. 1.013 a 1.014 (efeito devolutivo do recurso ordinário – força
maior);
XXIX – art. 1.021 (salvo quanto ao prazo do agravo interno).
Art. 4.º Aplicam-se ao Processo do Trabalho as normas do CPC que regulam o
princípio do contraditório, em especial os artigos 9.º e 10, no que vedam a decisão
surpresa.
§ 1.º Entende-se por “decisão surpresa” a que, no julgamento final do mérito da
causa, em qualquer grau de jurisdição, aplicar fundamento jurídico ou embasar-se
em fato não submetido à audiência prévia de uma ou de ambas as partes.
§ 2.º Não se considera “decisão surpresa” a que, à luz do ordenamento jurídico
nacional e dos princípios que informam o Direito Processual do Trabalho, as partes
tinham obrigação de prever, concernente às condições da ação, aos pressupostos
de admissibilidade de recurso e aos pressupostos processuais, salvo disposição
legal expressa em contrário.
Art. 5.º Aplicam-se ao Processo do Trabalho as normas do art. 356, §§ 1.º a 4.º,
do CPC que regem o julgamento antecipado parcial do mérito, cabendo recurso
ordinário de imediato da sentença.
Resolução 203, de 15 de Março de 2016.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 19-26. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Em Destaque
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Art. 6.º Aplica-se ao Processo do Trabalho o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica regulado no Código de Processo Civil (arts. 133 a 137),
assegurada a iniciativa também do juiz do trabalho na fase de execução (CLT,
art. 878).
§ 1.º Da decisão interlocutória que acolher ou rejeitar o incidente:
I – na fase de cognição, não cabe recurso de imediato, na forma do art. 893, § 1.º
da CLT;
II – na fase de execução, cabe agravo de petição, independentemente de garantia do juízo;
III – cabe agravo interno se proferida pelo Relator, em incidente instaurado
originariamente no tribunal (CPC, art. 932, inciso VI).
§ 2.º A instauração do incidente suspenderá o processo, sem prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 do CPC.
Art. 7.º Aplicam-se ao Processo do Trabalho as normas do art. 332 do CPC,
com as necessárias adaptações à legislação processual trabalhista, cumprindo ao
juiz do trabalho julgar liminarmente improcedente o pedido que contrariar:
I – enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal Superior
do Trabalho (CPC, art. 927, inciso V);
II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Tribunal Superior do Trabalho em julgamento de recursos repetitivos (CLT, art. 896-B; CPC,
art. 1.046, § 4.º);
III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas
ou de assunção de competência;
IV – enunciado de súmula de Tribunal Regional do Trabalho sobre direito local,
convenção coletiva de trabalho, acordo coletivo de trabalho, sentença normativa
ou regulamento empresarial de observância obrigatória em área territorial que não
exceda à jurisdição do respectivo Tribunal (CLT, art. 896, b, a contrario sensu).
Parágrafo único. O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o
pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência.
Art. 8.º Aplicam-se ao Processo do Trabalho as normas dos arts. 976 a 986 do
CPC que regem o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR).
§ 1.º Admitido o incidente, o relator suspenderá o julgamento dos processos
pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam na Região, no tocante ao tema
objeto de IRDR, sem prejuízo da instrução integral das causas e do julgamento dos
eventuais pedidos distintos e cumulativos igualmente deduzidos em tais processos, inclusive, se for o caso, do julgamento antecipado parcial do mérito.
Resolução 203, de 15 de Março de 2016.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
§ 2.º Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso de revista para o Tribunal Superior do Trabalho, dotado de efeito meramente devolutivo, nos termos
dos arts. 896 e 899 da CLT.
§ 3.º Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo Tribunal Superior do Trabalho será aplicada no território nacional a todos os processos, individuais ou coletivos, que versem sobre idêntica questão de direito.
Art. 9º O cabimento dos embargos de declaração no Processo do Trabalho, para
impugnar qualquer decisão judicial, rege-se pelo art. 897-A da CLT e, supletivamente, pelo Código de Processo Civil (arts. 1.022 a 1.025; §§ 2.º, 3.º e 4.º do
art. 1.026), excetuada a garantia de prazo em dobro para litisconsortes (§ 1.º
do art. 1.023).
Parágrafo único. A omissão para fins do prequestionamento ficto a que alude
o art. 1.025 do CPC dá-se no caso de o Tribunal Regional do Trabalho, mesmo
instado mediante embargos de declaração, recusar-se a emitir tese sobre questão
jurídica pertinente, na forma da Súmula n. 297, item III, do Tribunal Superior do
Trabalho.
Art. 10. Aplicam-se ao Processo do Trabalho as normas do parágrafo único do
art. 932 do CPC, §§ 1.º a 4.º do art. 938 e §§ 2.º e 7.º do art. 1.007.
Parágrafo único. A insuficiência no valor do preparo do recurso, no Processo
do Trabalho, para os efeitos do § 2.º do art. 1.007 do CPC, concerne unicamente
às custas processuais, não ao depósito recursal.
Art. 11. Não se aplica ao Processo do Trabalho a norma do art. 459 do CPC no
que permite a inquirição direta das testemunhas pela parte (CLT, art. 820).
Art. 12. Aplica-se ao Processo do Trabalho o parágrafo único do art. 1.034 do
CPC. Assim, admitido o recurso de revista por um fundamento, devolve-se ao
Tribunal Superior do Trabalho o conhecimento dos demais fundamentos para a
solução apenas do capítulo impugnado.
Art. 13. Por aplicação supletiva do art. 784, I (art. 15 do CPC), o cheque e
a nota promissória emitidos em reconhecimento de dívida inequivocamente de
natureza trabalhista também são títulos extrajudiciais para efeito de execução perante a Justiça do Trabalho, na forma do art. 876 e segs. da CLT.
Art. 14. Não se aplica ao Processo do Trabalho o art. 165 do CPC, salvo nos
conflitos coletivos de natureza econômica (Constituição Federal, art. 114, §§ 1.º
e 2.º).
Art. 15. O atendimento à exigência legal de fundamentação das decisões judiciais (CPC, art. 489, § 1.º) no Processo do Trabalho observará o seguinte:
I – por força dos arts. 332 e 927 do CPC, adaptados ao Processo do Trabalho,
para efeito dos incisos V e VI do § 1.º do art. 489 considera-se “precedente” apenas:
Resolução 203, de 15 de Março de 2016.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 19-26. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Em Destaque
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a) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Tribunal Superior
do Trabalho em julgamento de recursos repetitivos (CLT, art. 896-B; CPC, art. 1.046,
§ 4.º);
b) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas
ou de assunção de competência;
c) decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
d) tese jurídica prevalecente em Tribunal Regional do Trabalho e não conflitante com súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho
(CLT, art. 896, § 6.º);
e) decisão do plenário, do órgão especial ou de seção especializada competente
para uniformizar a jurisprudência do tribunal a que o juiz estiver vinculado ou do
Tribunal Superior do Trabalho.
II – para os fins do art. 489, § 1.º, incisos V e VI do CPC, considerar-se-ão unicamente os precedentes referidos no item anterior, súmulas do Supremo Tribunal
Federal, orientação jurisprudencial e súmula do Tribunal Superior do Trabalho,
súmula de Tribunal Regional do Trabalho não conflitante com súmula ou orientação jurisprudencial do TST, que contenham explícita referência aos fundamentos
determinantes da decisão (ratio decidendi).
III – não ofende o art. 489, § 1.º, inciso IV do CPC a decisão que deixar de
apreciar questões cujo exame haja ficado prejudicado em razão da análise anterior
de questão subordinante.
IV – o art. 489, § 1.º, IV, do CPC não obriga o juiz ou o Tribunal a enfrentar os
fundamentos jurídicos invocados pela parte, quando já tenham sido examinados
na formação dos precedentes obrigatórios ou nos fundamentos determinantes de
enunciado de súmula.
V – decisão que aplica a tese jurídica firmada em precedente, nos termos do
item I, não precisa enfrentar os fundamentos já analisados na decisão paradigma,
sendo suficiente, para fins de atendimento das exigências constantes no art. 489,
§ 1.º, do CPC, a correlação fática e jurídica entre o caso concreto e aquele apreciado no incidente de solução concentrada.
VI – é ônus da parte, para os fins do disposto no art. 489, § 1.º, V e VI, do CPC,
identificar os fundamentos determinantes ou demonstrar a existência de distinção
no caso em julgamento ou a superação do entendimento, sempre que invocar precedente ou enunciado de súmula.
Art. 16. Para efeito de aplicação do § 5.º do art. 272 do CPC, não é causa de
nulidade processual a intimação realizada na pessoa de advogado regularmente
habilitado nos autos, ainda que conste pedido expresso para que as comunicações
Resolução 203, de 15 de Março de 2016.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 19-26. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
dos atos processuais sejam feitas em nome de outro advogado, se o profissional
indicado não se encontra previamente cadastrado no Sistema de Processo Judicial
Eletrônico, impedindo a serventia judicial de atender ao requerimento de envio da
intimação direcionada. A decretação de nulidade não pode ser acolhida em favor
da parte que lhe deu causa (CPC, art. 276).
Art. 17. Sem prejuízo da inclusão do devedor no Banco Nacional de Devedores
Trabalhistas (CLT, art. 642-A), aplicam-se à execução trabalhista as normas dos
artigos 495, 517 e 782, §§ 3.º, 4.º e 5.º do CPC, que tratam respectivamente da
hipoteca judiciária, do protesto de decisão judicial e da inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes.
Art. 18. Esta Instrução Normativa entrará em vigor na data da sua publicação.
Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho
Presidente do Tribunal Superior do Trabalho
Resolução 203, de 15 de Março de 2016.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 19-26. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Fórum Nacional de Processo do Trabalho
O Fórum Nacional de Processo do Trabalho é uma organização não governamental criada para promover eventos de estudo, a partir do debate democrático para melhor aproximar e unir os profissionais que atuam na Justiça
do Trabalho – magistrados, servidores públicos, procuradores do trabalho e
advogados –, além de professores, todos com o intuito de aprofundar os estudos sobre a autonomia do Processo do Trabalho aproveitando o momento de
alteração da norma subsidiária, o Código de Processo Civil, e a necessidade
de debater os novos institutos, que poderão ser compatíveis com a sistemática
adotada pela Justiça do Trabalho ou não.
A primeira reunião ocorreu em Curitiba, Estado do Paraná, dias 04 e
05.03.2016, com uma grande homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio, que, em
brilhante palestra, destacou como princípios do Direito Processual do Trabalho, que tem influência vertical do direito material a que serve.
Assim, nosso querido professor destacou os cinco princípios mais importantes do Direito Processual do Trabalho, que permitem a afirmação de autonomia: (1) princípio protecionista, uma vez que a ausência do reclamado
induz revelia e confissão ficta enquanto a ausência do reclamante gera o mero
arquivamento da reclamação trabalhista; (2) princípio da gratuidade, pois em
regra os atos processuais trabalhistas são gratuitos, com pagamento de eventuais emolumentos ao final do processo; (3) princípio da oralidade, os atos praticados são em regra orais – atermação da reclamação trabalhista e defesa do
reclamado em audiência; (4) princípio da celeridade, que pode ser observado
por meio da concentração de atos em uma única audiência (art. 847 da CLT);
(5) princípio da inversão do ônus da prova, pois a documentação relativa às
relações de emprego está sempre na posse do empregador e não do empregado.
Na explicação do eminente jurista e professor, Wagner D. Giglio, o Direito
Processual do Trabalho tem fins próprios de transformação social e de melhor
distribuição da renda, considerando o sistema capitalista adotado pelo país.
Além de ter institutos próprios como a sentença normativa para dirimir conflitos coletivos, o impulso oficial na fase executória, a irrecorribilidade imediata
das decisões interlocutórias e o jus postulandi. Sob esses pilares tão bem elucidados pelo nosso querido mestre foram desenvolvidos os trabalhos no Fórum
Nacional de Processo do Trabalho.
Colnago, Lorena de Mello Rezende. Fórum Nacional de Processo do Trabalho.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 27-28. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
Os debates foram realizados inicialmente em grupos temáticos, onde se
pode verificar a diversidade de pensamentos a partir da própria composição de
cada grupo de relatores. Tentamos agregar em cada grupo, representantes da
Magistratura, da Advocacia e do Ministério Público, a fim de entender cada um
dos polos da relação processual do trabalho, na tentativa de diagnosticar problemas comuns e problemas inerentes a cada uma das profissões por meio de
um diálogo técnico e fraterno, sempre subsidiado pelos conhecimentos aprofundados da Academia.
No sábado (05 de março), nos reunimos em Plenária, aberta com a brilhante palestra do Prof. Manoel Antônio Teixeira Filho sobre a necessidade
de manutenção do art. 769 do Texto Celetista como filtro de contenção das
regras processuais civis incompatíveis com a sistemática do Direito Processual
do Trabalho. As votações ocorreram por maioria qualificada, ou seja, os enunciados aprovados pelos grupos somente foram aprovados quanto atingiam a
votação positiva de 2/3 da Plenária presente, que funcionou como uma assembleia geral qualificada. Assim, destacamos ao final os enunciados aprovados
por unanimidade dos presentes e sem qualquer objeção, daqueles aprovados
por maioria qualificada. Terminamos os trabalhos às 20h00min, com bastante
cansaço e alegria por vencer essa primeira etapa.
A próxima reunião ocorrerá no Estado das Minas Gerais, Belo Horizonte,
nos dias 26 e 27.08.2016, tendo por novidade um grupo formado com enfoque
acadêmico para estudar os institutos típicos do Direito Processual do Trabalho,
além dos temas pragmáticos como ocorreu na primeira reunião.
Esperamos contar novamente com a presença dos grandes profissionais e juristas juslaborais de todas as carreiras jurídicas atuantes na Justiça do Trabalho e na
Academia a fim de que esse encontro seja sedimentado como um espaço harmônico de estudo, reflexão e promoção da Autonomia do Processo do Trabalho.
Curitiba, 13 de março de 2016.
Lorena de Mello Rezende Colnago
Coordenadora Científica do Fórum Nacional de Processo do Trabalho
[email protected]
Colnago, Lorena de Mello Rezende. Fórum Nacional de Processo do Trabalho.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 27-28. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Enunciados aprovados
no Fórum Nacional de Processo do Trabalho
1.ª Reunião na cidade de Curitiba –
Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio
Comissão organizadora:
Advocacia: Ana Maria Maximiliano, Erika Coronha Benassi, Maíra Silva
Marques da Fonseca, Marco Antônio César Villatore, Marcus de Oliveira Kaufmann, Miriam Klahold, Nuredin Ahmad Allan, Ricardo Nunes de Mendonça,
Simone Malek Rodrigues Pilon.
Ministério Público do Trabalho: Gláucio Araújo de Oliveira, Gisele Góes
Coutinho e João Hilário Valentim.
Magistratura: Ben-Hur Silveira Claus, Bento Herculano Duarte Neto, Carlos
Eduardo Oliveira Dias, Cleber Martins Sales, Jonatas dos Santos Andrade, José
Eduardo Resende Chaves Jr. (Pepe Chaves), Lorena de Mello Rezende Colnago, Maximiliano Carvalho, Ney Maranhão.
Academia: Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante.
Enunciados:
1.º Grupo: Princípios do Direito Processual do Trabalho e lacunas
do processo
Relatores: Lorena de Mello Rezende Colnago (Juíza do Trabalho e Professora), Marco Aurélio Guimarães (Advogado e Professor), Janete Aparecida Deste
(Juíza do Trabalho e Professora), Gláucio Araújo de Oliveira (Procurador do
Trabalho – Chefe da PRT9).
1. NCPC, art. 15 e CLT, art. 769. Subsistência deste, em sua plenitude.
Autonomia do processo do trabalho. A cláusula de contenção ou norma principiológica, fundamental, do processo do trabalho, prevista no art. 769 da CLT,
permanece hígida e incólume até pelo reconhecimento, no art. 15 do NCPC,
da autonomia do processo do trabalho ou mesmo pela ausência de revogação
expressa ou derrogação tácita daquele comando, notadamente pela impossibilidade de a lei geral revogar a lei especial (CLT).
Resultado: aprovado por unanimidade.
Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba
– Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
2. Art. 769 da CLT. O Direito Processual do Trabalho não exige a obrigatoriedade de preenchimento de todas as aparentes lacunas normativas, é
instrumental e visa precipuamente a resolução de conflitos sociais. O devido
processo legal importa na resposta à pretensão trazida e à satisfação do direito
material violado.
Resultado: aprovado por unanimidade.
3. Art. 8.º da DUDH, art. 5.º, XXXV, da CF, art. 839 da CLT. Jus postulandi.
O jus postulandi é uma característica do processo do trabalho que atende ao art.
5.º, XXXV, da CF/1988 e ao art. 8.º da DUDH, independente do meio utilizado
para a tramitação da demanda. É a realização do princípio do acesso à Justiça.
Onde houver dificuldade de acesso digital deverá haver um servidor com atribuição para atermar a reclamação trabalhista em questão, podendo ser oficiado
o sindicato profissional, ou a Defensoria Pública da União ou a OAB.
Resultado: aprovado unanimidade.
4. Arts. 774 e 769 da CLT e arts. 15 e 218 do NCPC. O art. 218 do NCPC
é aplicado ao processo do trabalho, por compatibilidade. Inteligência dos
arts. 774 e 769 da CLT e arts. 15 e 218 do NCPC.
Resultado: aprovado por unanimidade.
5. Art. 775 da CLT e art. 219 do NCPC. Contagem de prazo. Por haver
norma própria na CLT (art. 775) os prazos processuais trabalhistas são contados em dias corridos e não em dias úteis. Aplicação do art. 775 da CLT e
art. 219 do NCPC.
Resultado: aprovado por maioria qualificada.
6. CLT, arts. 769, 849, 852-C e NCPC, art. 190. Negócio jurídico processual. Inexistência de lacuna ontológica ou axiológica. Previsão na CLT e na
Lei 5.584/1970. Celeridade dos ritos trabalhistas, ordinário, sumaríssimo ou
alçada. Duração razoável do processo. A previsão contida no art. 190 do NCPC,
não se aplica aos processos que envolvam dissídios individuais de relação de
trabalho, tendo em vista que a CLT tem rito próprio (ordinário, sumaríssimo
ou alçada), conforme arts. 849, 852-C e art. 2.º, §§ 3.º e 4.º, da Lei 5.584/1970.
Aplicação dos arts. 769, 849 e 852-C da CLT e NCPC, art. 190.
Resultado: aprovado por maioria qualificada.
7. Art. 764, § 3.º, da CLT e art. 3.º, § 3.º, do NCPC. O art. 3.º, § 3.º, do
NCPC tem clara inspiração no princípio da conciliação do art. 764, § 3.º, da
CLT, sendo desnecessária sua aplicação por haver norma celetista.
Resultado: aprovado por maioria qualificada.
Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba
– Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Em Destaque
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8. Art. 651 da CLT e art. 147 do ECA. Acidente de trabalho. Ação movida
por criança e adolescente. Competência territorial concorrente. Local do domicílio dos reclamantes ou locais da prestação do trabalho. Ausência de disciplina legal específica na CLT. Aplicação analógica do disposto no art. 147, I, do
ECA. 1. Na hipótese de julgamento de dissídio individual movido por criança
e adolescente, admite-se excepcionalmente a fixação da competência territorial pelo foro do local do domicílio dos reclamantes ou do local de trabalho.
2. Aplicação analógica do disposto no art. 147, I, do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), diante da ausência de disciplina legal específica na CLT.
Resultado: aprovado por unanimidade.
9. Art. 651 da CLT e art. 53, III, e, do NCPC c/c art. 2.º da Lei 10.741/2003
(Estatuto do Idoso). Ação movida por idoso. Pretensão deduzida em nome
próprio. Competência territorial concorrente. Local do domicílio do reclamante ou local da prestação de trabalho. Ausência de disciplina legal específica na
CLT. Aplicação analógica do disposto no art. 2.º da Lei 10.741/2003 (Estatuto
do Idoso) c/c art. 53, III, e, do NCPC. 1. Na hipótese de julgamento de dissídio
individual movido por idoso, admite-se excepcionalmente a fixação da competência territorial pelo foro do local do domicílio do reclamante. 2. Aplicação
analógica do disposto no art. 53, III, e, do NCPC c/c art. 2.º da Lei 10.741/2003
(Estatuto do Idoso), diante da ausência de disciplina legal específica na
CLT. Aplicação do art. 651 da CLT e art. 53, III, e, do NCPC c/c art. 2.º da
Lei 10.741/2003.
Resultado: aprovado por maioria qualificada.
10. Trabalho de preso. Competência material da Justiça do Trabalho e competência funcional. local da prestação de serviços. Após a EC 45/2004, a Justiça
do Trabalho não está adstrita a controvérsias alusivas às relações de emprego,
estando revogado o parágrafo único do art. 28 da LEP que dispõe que não se
aplica ao trabalho do preso o regime da CLT. A discussão salarial decorrente de
trabalho de preso deve ser dirimida pela Justiça Especializada, por se tratar de
espécie de relação de trabalho, atraindo assim o disposto no art. 651 da CLT
para fins de se estabelecer o foro competente para dirimir a controvérsia.
Resultado: aprovada por maioria qualificada
11. Art. 114 da CF/1988 e art. 15 do NCPC. EC 45/2004. Competência
material da Justiça do Trabalho. Intervenção judicial. Relevância social. Após
a EC 45/2004, a Justiça do Trabalho não está adstrita a controvérsias alusivas
às relações de emprego, comportando a intervenção judicial em empresas e
organizações para evitar a dilapidação patrimonial, garantir a manutenção dos
Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba
– Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
postos de trabalho e promover a regularidade das obrigações trabalhistas. Inteligência dos art. 114 da CF/1988 e art. 15 do NCPC.
Resultado: aprovado por unanimidade
12. Art. 22 da CF/1988 e art. 709 da CLT. Reclamação correicional. Regimento Interno da Corregedoria-Geral do TST. Afronta ao disposto no art. 22 da
CF/1988. Competência privativa da União para legislar sobre matéria processual. O art. 22 da CF/1988 confere privativamente à União a competência para
legislar em matéria processual. O ordenamento legal não comporta a criação
de remédio jurídico de natureza recursal, denominado de reclamação correicional e disposto em Regimento Interno de Tribunal. Aplicação dos arts. 22 da
CF/1988 e 709 da CLT.
Resultado: aprovado por unanimidade.
13. Art. 847 da CLT e art. 340 do NCPC. Arguição de incompetência relativa. O art. 340 do NCPC, no que diz respeito à arguição de incompetência
relativa, não se aplica ao processo do trabalho, na medida em que a resposta
deverá ser deduzida em audiência, na forma do art. 847 da CLT, por existir
regramento próprio, sendo, portanto, incompatível com a norma processual
trabalhista na forma dos arts. 769 da CLT e 15 do NCPC (art. 847 da CLT e
art. 340 do NCPC).
Resultado: aprovado por maioria qualificada.
14. Art. 114 da CF/1988 e art. 18 da Lei 12.690/2012, e art. 15 do NCPC
c/c competência da Justiça do Trabalho. Dissolução de cooperativas de trabalho. Fraudes. Após a EC 45/2004, a Justiça do Trabalho passou a dirimir todas
as controvérsias decorrentes de relações de trabalho. A Justiça do Trabalho tem
atribuição para dirimir conflito de interesses que diga respeito à atuação de
cooperativa de trabalho e, constatada a fraude na atuação do ente cooperativo,
cabível o manejo da ação competente para fins de se perseguir a dissolução
da cooperativa, tudo nos termos do art. 114 da CF/1988 c/c art. 18 da Lei
12.690/2012. Inteligência dos art. 114 da CF/1988 e art. 18 da Lei 12.690/2012
e art. 15 do NCPC.
Resultado: aprovado por unanimidade.
15. NCPC, art. 319, §§ 1.º, 2.º e 3.º. Relativização. Lacuna normativa na
CLT, art. 840, § 1.º, c/c art. 769. Petição inicial. Elementos para qualificação
das partes. Compatibilidade com os preceitos de acesso à justiça, simplicidade, economia processual e celeridade. Aplicabilidade no Processo do Trabalho.
Aplica-se o disposto nos §§ 1.º, 2.º e 3.º do art. 319 do NCPC, ao processo do
Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba
– Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Em Destaque
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trabalho, diante da omissão da CLT sobre as hipóteses que trata (art. 840,
§ 1.º) e considerando a compatibilidade dos ordenamentos. Cumprimento dos
princípios da simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade,
conforme preceitua o art. 769 da CLT. Com isso, preserva-se a garantia Constitucional do acesso à Justiça (art. 5.º, XXXV). Realização das regras do art. 319,
§§ 1.º, 2.º e 3.º do NCPC; e art. 840, § 1.º, c/c art. 769 da CLT.
Resultado: aprovado por maioria qualificada.
16. CLT, art. 790, § 3.º, e NCPC, art. 99, § 3.º. Gratuidade judiciária. Veracidade da alegação de insuficiência por pessoa natural. Presunção. Justiça
gratuita à pessoa jurídica. Necessidade de comprovação de insuficiência econômica. Lacuna normativa na CLT. Compatibilidade com os preceitos que regem o processo do trabalho. Aplicabilidade do preceito. Acesso à Justiça aos
necessitados. Garantia constitucional assegurada. A presunção relativa de veracidade sobre a insuficiência de meios para demandar em Juízo, sem prejuízo
próprio ou da família, milita em favor da pessoa natural. A pessoa jurídica
deverá provar, pelos meios de prova em direito admitidos, que não pode arcar
com os custos do processo, sem prejuízo de sua manutenção. Harmonização
dos princípios Constitucionais relativos à ordem econômica e financeira (art.
170) e art. 790, § 3.º, da CLT e art. 99, § 3.º, do NCPC.
Resultado: aprovado por maioria qualificada.
17. NCPC, art. 10. Art. 769 da CLT. Proibição de fundamento “surpresa”,
em decisão sem prévio contraditório. Inaplicabilidade no processo do trabalho. Prevalência da simplicidade, celeridade e informalismo.
Não se aplica ao processo do trabalho o art. 10 do NCPC, que veda motivação diversa da utilizada pelas partes, ainda que se trate de matéria sobre a qual
deva decidir de ofício. Prevalência dos princípios da simplicidade, da celeridade, da informalidade e do jus postulandi, norteadores do processo do trabalho.
Resultado: aprovado por unanimidade.
18. CLT, art. 769 e NCPC, art. 343. Reconvenção. Diante de lacuna da CLT
quanto à reconvenção, a regra do art. 343 que possibilita ao réu apresentar essa
ação contra o autor na contestação, aplica-se no processo do trabalho. Não se
admite a possibilidade de ampliação subjetiva da lide prevista nos §§ 3.º e 4.º
do art. 343 do NCPC.
Resultado: aprovado por maioria qualificada.
19. CLT, art. 357, § 9.º; arts. 765, 813, § 2.º, 852-B, III, 852-C e NCPC,
arts. 334, § 12. Audiências trabalhistas. Intervalos mínimos. Inaplicabilidade
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ao processo do trabalho. Independência funcional do magistrado. Ampla direção na condução das causas. Art. 765 da CLT. Necessidade de verificação
caso a caso. Inexistência de lacuna ontológica ou axiológica. Não se aplica
ao processo do trabalho a fixação de intervalo mínimo entre as audiências,
prevista no NCPC, quer pelas peculiaridades do processo do trabalho, quer
pela independência funcional do juiz, que tem ampla liberdade na direção dos
processos, conforme preceitua o art. 765 da CLT.
Resultado: aprovado por unanimidade.
2.º Grupo: Tutela de urgência
Relatores: Cássio Colombo Filho (Desembargador do Trabalho e Professor),
Maíra Silva Marques da Fonseca (Advogada e Professora), José Carlos Rizk
Filho (Advogado e Professor) e Cristiane Sbalqueiro Lopes (Procuradora do
Trabalho e Professora).
20. Art. 769 da CLT e art. 294 do NCPC. Tutela cautelar. O art. 294, caput
e parágrafo único, do NCPC, é aplicável ao processo do trabalho no que diz
respeito à concessão de tutela provisória de urgência cautelar, seja de forma
antecedente ou incidental, ou de tutela provisória de urgência antecipada em
caráter incidental. Inteligência do art. 769 da CLT e art. 294 do NCPC.
Resultado: aprovado por unanimidade.
21. Art. 769 da CLT e art. 297 do NCPC. Nas tutelas de urgência, autorizado pelo poder geral de cautela, o juiz poderá conceder tutela diversa da
pleiteada para assegurar resultado prático à demanda, e, principalmente para
asseguração de direitos e garantias fundamentais (art. 769 da CLT c/c art. 297
do NCPC).
Resultado: aprovado por unanimidade.
22. Art. 769 da CLT e art. 297 do NCPC. Tutela de urgência. É compatível
com o processo do trabalho o art. 297 do NCPC (art. 769 da CLT c/c art. 297
do NCPC).
Resultado: aprovado por unanimidade.
23. Art. 769 da CLT e art. 298 do NCPC. Tutela provisória. Fundamentação. Em razão de norma específica e da compatibilidade de institutos, bem
como ante o comando do art. 93, IX, da CF, o art. 298 do NCPC, é aplicável ao
processo do trabalho, devendo o juiz fundamentar todas as decisões (art. 769
da CLT c/c art. 298 do NCPC).
Resultado: aprovado por unanimidade.
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24. Art. 769 da CLT e art. 299 do NCPC. Competência funcional. Tutela provisória. Diante da lacuna normativa e por compatibilidade, é adequado
aplicar ao processo do trabalho as regras do art. 299 do NCPC, que tratam
da competência funcional para a apreciação dos requerimentos de tutela provisória. A tutela provisória deverá ser requerida ao Juízo da causa e, quando
antecedente, ao Juízo competente para conhecer do pedido principal (art. 769
da CLT c/c art. 299 do NCPC).
Resultado: aprovado por unanimidade.
25. Art. 769 da CLT e art. 300 do NCPC. Tutela de urgência. Perigo de
reversibilidade. A natureza e a relevância do direito em discussão na causa
podem afastar o requisito da inexistência de perigo de irreversibilidade dos
efeitos da decisão, quando da concessão de tutelas de urgência (art. 769 da
CLT c/c art. 300, § 3.º, do NCPC).
Resultado: aprovado por maioria qualificada.
26. Art. 769 da CLT e art. 300, § 1.º, do NCPC. Tutela de urgência. Caução.
Para os fins do § 1.º do art. 300 do NCPC (exigência de caução), que é aplicável ao processo do trabalho, o trabalhador, em regra, é considerado economicamente hipossuficiente.
Resultado: aprovado por unanimidade.
27. Art. 769 da CLT e art. 300, § 2.º, do NCPC. Tutela de urgência liminar. É aplicável ao processo do trabalho o § 2.º do art. 300, segundo o qual as
tutelas de urgência podem ser concedidas liminarmente ou após justificação
prévia.
Resultado: aprovado por unanimidade.
28. Art. 769 da CLT e art. 305 e art. 310 do NCPC. Tutela de urgência antecedente e incidental. A partir da vigência do NCPC, tanto o pedido de tutela
cautelar, quer na modalidade antecedente ou na incidental, como o pedido
principal, serão formulados nos mesmos autos (caput dos arts. 305 e 308),
podendo ser concedida liminarmente ou após justificação prévia (art. 9.º, parágrafo único, I, e art. 300, § 2.º). A tutela cautelar, em suas modalidades, é
compatível com o processo do trabalho e com as medidas liminares previstas
art. 659, IX e X, da CLT, devendo o autor indicar, na petição inicial, quando
antecedente, “a lide e seu fundamento” e a “exposição sumária do direito que
se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo” (NCPC, art. 300, caput).
Resultado: aprovado por unanimidade.
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29. Art. 769 da CLT e art. 311 do NCPC. Tutela de evidência. A tutela de
evidência é compatível com o Direito Processual do Trabalho e deve ser amplamente utilizada. Pode ser requerida na petição inicial junto com o pedido
principal, bem como no curso do processo, mas sempre nos mesmos autos do
pleito atinente à tutela de mérito (analogia do caput do art. 303, § 1.º, II, c/c
caput dos arts. 305 e 308). A tutela da evidência, que não pressupõe demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, mas apenas
de uma das situações legalmente elencadas (NCPC, art. 311, I a IV), pode ser
concedida liminarmente nas hipóteses dos incs. II e III do art. 311 do NCPC
(arts. 9.º, parágrafo único, II, e 311, parágrafo único) e guarda compatibilidade
com o processo do trabalho, notadamente por propiciar celeridade, razoável
duração do processo e efetividade.
Resultado: aprovado por unanimidade.
3.º Grupo: Incidente de desconsideração da personalidade jurídica
Relatores: Ben-Hur Silveira Claus (Juiz do Trabalho e Professor), Érika Coronha Benassi (Advogada), Luciano Coelho (Juiz do Trabalho e Professor) e
Fernanda Antunes Marques Junqueira (Juíza do Trabalho).
30. CLT, art. 769 e NCPC, arts. 133-137 c/c art. 789, 790, II, e art. 792, IV.
Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. O incidente de desconsideração de personalidade jurídica (arts. 133 a 137 do NCPC) é incompatível com o Processo do Trabalho, uma vez que neste a execução se processa de
ofício, a teor dos arts. 876, parágrafo único, e 878 da CLT, diante da análise do
comando do art. 889 celetista (c/c art. 4.º, § 3.º, da Lei 6.830/1980), além do
princípio de simplificação das formas e procedimentos que informa o processo
do trabalho, tendo a nova sistemática processual preservado a execução dos
bens dos sócios (arts. 789, 790, II, e art. 792, IV, do NCPC).
Resultado: aprovado por maioria qualificada.
4.º Grupo: Produção de provas no processo
Relatores: Marco Antônio Cesar Villatore (Advogado e Professor), Rosivaldo
da Cunha Oliveira (Procurador do Trabalho) e Cleber Martins Salles (Juiz do
Trabalho e Professor).
31. CLT, art. 765 e NCPC, arts. 139, VI, e 456, parágrafo único. Inversão do ônus da prova. No processo do trabalho a concordância das partes
é desnecessária para a inversão da ordem da produção de provas, inclusive
depoimentos pessoais, interrogatório e inquirição de testemunhas. InteliEnunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba
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gência dos art. 765 da CLT e art. 139, VI, e art. 456, parágrafo único, ambos
do NCPC.
Resultado: aprovado por unanimidade.
32. CLT, arts. 825 e 852-H, § 3.º, e NCPC, art. 455, § 4.º. Arrolamento de
testemunhas. Na hipótese de arrolamento de testemunhas, aplica-se a sistemática
do art. 455, § 4.º, do NCPC, mediante prévia cientificação das partes interessadas.
Resultado: aprovado por unanimidade.
33. CLT, art. 769 e NCPC, art. 345, IV. Revelia. Diante de lacuna da CLT
quanto ao regramento da revelia, a regra do art. 345, IV, se aplica ao processo
do trabalho.
Resultado: aprovado por unanimidade.
34. CLT, art. 769 e NCPC, art. 95, §§ 1.º, 2.º e 3.º, I E II. Perícia judicial.
Pagamento. Em se tratando de perícia requerida por ambas as partes ou determinada de ofício pelo juiz, cabe a elas o pagamento, “pro rata”, do adiantamento dos honorários periciais, exceto ao beneficiário da justiça gratuita, sendo
plenamente aplicável no processo do trabalho as hipóteses previstas no art. 95,
§§ 1.º, 2.º e 3.º, I e II, do NCPC.
Resultado: aprovado por unanimidade
5.º Grupo: Cooperação judicial
Relatores: José Resende Chaves Junior (Pepe Chaves – Desembargador do
Trabalho e Professor), Patrícia Caproni Li Votti (Advogada), Antônio Gomes
de Vasconcelos (Juiz do Trabalho e Professor), Sandra Mara De Oliveira Dias
(Juíza do Trabalho e Professora), Anelore Rotemberg (Juíza do Trabalho) e
Margaret Matos de Carvalho (Procuradora do Trabalho).
35. CLT, art. 769 e NCPC: art. 67. Cooperação judicial. Os preceitos da cooperação nacional são compatíveis com os princípios do processo do trabalho.
Resultado: aprovado por maioria qualificada.
36. CLT, art. 769 e NCPC, art. 69, II, c/c art. 55, § 3.º. Cooperação nacional. Reunião de processos. Aplicabilidade ao processo do trabalho. O art. 69,
II, do NCPC é compatível com o processo do trabalho e, em consonância com
a novel racionalidade que decorre dos preceitos de cooperação judiciária, cria
uma nova modalidade concertada de modificação de competência, como forma de gestão coletiva dos dissídios, sem os pressupostos clássicos da conexão
ou da continência. Aplicação do art. 69, II, c/c art. 55, § 3.º.
Resultado: aprovado por maioria qualificada.
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37. CLT, art. 769 e NCPC, art. 34 c/c art. 237. Cooperação internacional
passiva – Competência processual concorrente. Compete ao Juízo federal comum ou do trabalho apreciar pedido de auxílio direto passivo que demande
prestação de atividade jurisdicional (art. 34 c/c art. 237, ambos do NCPC).
Resultado: aprovado por unanimidade.
38. CLT, art. 769 e NCPC, arts. 67, 68, 69 E § 2.º. Cooperação entre órgãos.
A cooperação judiciária entre órgãos judiciários, no âmbito dos respectivos
Tribunais, regiões ou comarcas, prevista no art. 67 do NCPC compreende: (a)
a cooperação para a prática de atos processuais (arts. 68 e 69); (b) a cooperação destinada à concentração de atos de gestão judiciária e de administração
de justiça entre órgãos judiciais concernentes à harmonização, racionalização
e agilização de rotinas, procedimentos e práticas comuns (art. 1.º, I, Recomendação 38 do CNJ); (c) a cooperação para a gestão coletiva de conflitos e a
formulação de políticas jurisdicionais, de gestão judiciária e de administração
da justiça (art. 9.º, anexo da Recomendação 38 do CNJ).
Resultado: aprovado por unanimidade.
39. CLT, art. 769 e NCPC, art. 67. Sistema nacional de cooperação judicial. O conjunto de normas legais sobre a cooperação judiciária, incluídas as
normas legais e administrativas, compõem o sistema nacional de cooperação
judiciária que inclui todos os ramos do Poder Judiciário e a rede nacional de
cooperação judiciária, respondendo pela organização, operacionalidade e definição das estratégias relacionadas à implementação, consolidação e aprimoramento da cooperação judiciária (art. 67do NCPC).
Resultado: aprovado por maioria qualificada.
6.º Grupo: Mandado de segurança, suspeição e impedimento
Relatores: Simone Malek Rodrigues Pillon (Advogada e Professora), Ari Pedro Lorenzetti (Juiz do Trabalho e Professor), Homero Batista Mateus da Silva
(Juiz do Trabalho e Professor) e Ricardo Nunes de Mendonça (Advogado).
40. CLT, art. 769, arts. 6.º e 10 da Lei 12.016/2009 e art. 321 e 322 do
NCPC. Mandado de segurança. Interpretação sistemática. São incompatíveis
com o mandado de segurança as modalidades de emenda e saneamento previstas nos arts. 321 e 932, parágrafo único, do NCPC, em virtude da existência de
norma especial (arts. 6.º e 10, ambos da Lei 12.016/2009).
Resultado: aprovado por maioria qualificada.
41. CLT, art. 769, arts. 6.º e 10 da Lei 12.016/2009 e art. 942 do NCPC.
Mandado de segurança e ação rescisória. Não se aplica novo julgamento em
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virtude de decisão não unânime. Não se aplica a técnica do art. 942 do NCPC
no mandado de segurança e na ação rescisória, porque no processo do trabalho
está assegurado o recurso ordinário em ambas as hipóteses.
Resultado: aprovado por unanimidade.
7.º Grupo: Fazenda Pública em Juízo
Relatores: Paulo Opuszka (Professor), Patrícia Blanc Gaidex (Procuradora
do Trabalho e Professora), Alessandra Barichello Boskovic (Professora) e Valéria Rodrigues Franco Da Rocha (Juíza do Trabalho e Professora).
42. Art. 769 da CLT e art. 85 §§ 3.º e 4.º, do NCPC. Honorários advocatícios. Fazenda Pública. Nas ações de competência da Justiça do Trabalho por
força do art. 114, VII, da CF, quando devidos honorários advocatícios pela
Fazenda Pública, são aplicáveis os parâmetros previstos no art. 85, §§ 3.º e 4.º,
do NCPC.
Resultado: aprovado por unanimidade.
8.º Grupo: Processo coletivo do Trabalho
Relatores: Marcos Kaufman (Advogado e Professor), Paulo Douglas de Moraes (Procurador do Trabalho, João Hilário Valentim (Procurador Regional do
Trabalho) e Lorena de Mello Rezende Colnago (Juíza do Trabalho e Professora)).
43. Art. 769 da CLT. Lacunas. Processo coletivo do trabalho. Mesmo após
o advento do NCPC, as lacunas do processo coletivo do trabalho, típico ou
atípico, são superadas pela aplicação do chamado microssistema processual
coletivo formado, em sua fundação, pela Constituição Federal, Lei 7.347/1985
(Lei da Ação Civil Pública – LACP: arts. 1.º, IV; 19; e 21) e pela Lei 8.078/1990
(Código de Proteção e Defesa do Consumidor – CPDC: arts. 81 a 90).
Resultado: aprovado por unanimidade.
44. CLT, art. 769 e NCPC, art. 138. Possibilidade de intervenção do amicus
curiae no processo trabalhista. O instituto da intervenção do amicus curiae,
perante a primeira e as instâncias superiores, contida no art. 138 do NCPC, é
compatível com o processo do trabalho, nas hipóteses específicas de sua previsão.
Resultado: aprovado por maioria qualificada.
45. CLT, art. 769 e art. 94 da Lei 8.078/1990. Para otimizar o acesso metaindividual ou transindividual à Justiça do Trabalho, os demais Juízos deverão
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ser notificados das decisões proferidas em ações civis públicas e ações coletivas
que produzam efeitos em empresas com filiais em outras jurisdições distintas
da competência do Juízo prolator da decisão. Essa notificação poderá ser realizada por ofício enviado via meio eletrônico.
Resultado: aprovado por unanimidade.
46. Art. 769 da CLT. Ação civil pública. Ação civil coletiva. Cumprimento
de sentença. Interventor. No cumprimento de sentença do processo coletivo
o magistrado poderá nomear interventor judicial para acompanhar o cumprimento das obrigações de fazer, devendo este ser responsável pela prestação de
contas periódica à Justiça do Trabalho no lapso determinado em sentença.
Resultado: aprovado por unanimidade.
47. Art. 765 da CLT e art. 301 do NCPC. Tutela cautelar. Arresto. Dissídio
coletivo do trabalho. Viabilidade excepcional. Em situações excepcionais, após
justificação prévia e em caráter incidental, é possível, diante do poder geral
de cautela inscrito no art. 765 da CLT e na parte final do art. 301 do NCPC, a
concessão de tutela cautelar de arresto em sede de dissídio coletivo de greve
fundada no inadimplemento de obrigações fundamentais pelo empregador ou
quando fundada em comprovada antissindicalidade patronal.
Resultado: aprovado por unanimidade.
9.º Grupo: Decisão judicial
Relatores: Ricardo Tadeu Marques da Fonseca (Desembargador do Trabalho
e Professor), Luiz Eduardo Gunther (Desembargador do Trabalho e Professor),
Ana Carolina Reis Paes Leme (Servidora Pública e Professora), Leonardo Vieira
Wandelli (Juiz do Trabalho e Professor), Alberto Emiliano de Oliveira Neto
(Procurador do Trabalho e Professor) Janete Aparecida Deste (Juíza do Trabalho e Professora) e Paulo Ricardo Opuszka (Professor).
48. CLT, 769 e NCPC, art. 4.º. Princípio da primazia do julgamento. O
princípio da primazia do julgamento de mérito, inserido no sistema processual
pelo art. 4.º do NCPC tem aplicação no direito processual do trabalho, uma
vez que o Poder Judiciário deve buscar a solução definitiva da lide em qualquer
espécie de conflito, com o fim de que a jurisdição possa atingir seus escopos
jurídicos e sociais. Tal dispositivo se coaduna, ainda, com o princípio da simplicidade que permeia o processo do trabalho, observando, assim, a regra do
art. 769 da CLT.
Resultado: aprovado por unanimidade.
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49. Art. 769 e 840 da CLT e art. 322, § 2.º, do NCPC. Interpretação dos
pedidos. Simplicidade processual. Boa-fé. A regra do art. 322, § 2.º, do NCPC
é recebida pelo processo do trabalho, pois está de acordo com suas finalidades,
pondo fim às interpretações restritivas e impondo nova mentalidade para interpretar observando o conjunto da postulação e boa-fé. Trata-se de adequado
preenchimento da lacuna normativa e compatibilidade do instituto.
Resultado: aprovado por unanimidade.
50. CLT, § 2.º, do art. 795 e NCPC, § 4.º, do art. 64. Incompetência. Atos
decisórios. A decisão sobre competência absoluta ou relativa conserva seu
efeito até que outra seja proferida pelo juízo competente. Houve mudança de
diretriz do legislador no direito processual comum, que aproveita ao direito
processual do trabalho, na medida em que é constatado o ancilosamento da
norma trabalhista. A norma traz maior efetividade, não sendo prejudicial às
partes. Inteligência do art. 795, § 2.º, da CLT c/c art. 64, § 4.º, do NCPC.
Resultado: aprovada por unanimidade.
51. CLT, Art. 769 e 847; NCPC, art. 367, §§ 5.º e 6.º. Direito da parte de
gravar integralmente a audiência em imagem e em áudio, em meio digital ou
analógico. As partes têm direito de gravar integralmente em áudio (digital
ou analógico) os atos ocorridos em audiência, assegurado o rápido acesso à
parte contrária e aos órgãos julgadores, desde que haja prévia comunicação
à autoridade judicial, pois os §§ 5.º e 6.º do art. 367 são compatíveis com o
processo do trabalho, em razão dos princípios da boa-fé, da cooperação, da
eficiência e do contraditório.
Resultado: aprovado por maioria qualificada.
52. NCPC, art. 503, § 1.º, I a III, § 2.º, e 1.054. Resolução de questão prejudicial. Incidência de coisa julgada material, mesmo sem pedido na inicial.
Compatibilidade com o processo do trabalho. Presentes os requisitos legais,
a resolução de questão prejudicial pode ser realizada ainda sem pedido das
partes. A alteração legislativa deve ser aplicada aos processos iniciados apenas
após a vigência da Lei 13.105/2015. Aplicação harmônica dos arts. 503, § 1.º,
I a III, § 2.º, e 1.054, ambos do NCPC.
Resultado: aprovado por unanimidade.
53. NCPC, art. 927, III a V. Decisão vinculativa. Inconstitucionalidade. Os
incs. III, IV e V do art. 927 do NCPC são inconstitucionais, pois somente a
Constituição da República Federativa do Brasil pode autorizar um Tribunal
a adotar súmula ou construção jurisprudencial vinculativa dos outros órgãos
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integrantes do Poder Judiciário brasileiro, ou normas de caráter impositivo,
genéricas e abstratas.
Resultado: aprovado por maioria qualificada.
54. NCPC, art. 947, § 3.º. Decisão vinculativa. Inconstitucionalidade. É
inconstitucional o § 3.º do art. 947 do NCPC, que determina que o acórdão
emitido nos casos de assunção de competência terá efeito vinculativo para todos os juízes e órgãos fracionários, pois somente a Constituição da República
pode autorizar a lei a atribuir a um Tribunal a competência para editar súmulas
ou adotar decisão com efeito vinculante.
Resultado: aprovado por maioria qualificada.
55. NCPC, art. 932, II, III, IV e V. Decisão monocrática de relator. São admissíveis as decisões monocráticas dos relatores, nos TRTs, com base nos incs.
II, III, IV e V do art. 932, desde que previstas nos regimentos internos, com
a ressalva de que não há autorização constitucional para que a norma atribua
efeito vinculativo às súmulas simples do STF, do STJ, do próprio Tribunal, ou
mesmo do TST.
Resultado: aprovado por maioria qualificada.
10. Grupo: Recursos
Relatores: Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante (Professor), Reinaldo
Branco de Moraes (Juiz do Trabalho), Arion Marzukevic (Desembargador do
Trabalho e Professor) e Joelson Costa Dias (Advogado e Professor).
56. CLT, art. 659, VI e § 1.º, do art. 897; NCPC, art. 1.010, § 3.º. Dispensa
de exame de admissibilidade. Inaplicabilidade no processo do trabalho em recursos interpostos na primeira instância (Vara do Trabalho). O art. 1.010,
§ 3.º, do NCPC é inaplicável ao processo do trabalho por existir regra própria,
art. 659, VI e § 1.º, do art. 897 da CLT.
Resultado: aprovado por unanimidade.
57. CLT, art. 899, § 1.º, e Lei 8.177/1991, art. 40 e NCPC, art. 98, VIII.
Gratuidade de justiça. Dispensa de depósito recursal. Inaplicabilidade no
processo do trabalho. O depósito recursal tem natureza jurídica de garantia,
em razão do princípio protetivo do direito do trabalho (CLT, art. 899, § 1.º, e
Lei 8.177/1991, art. 40). Assim, o art. 98, VIII, do NCPC é inaplicável ao processo do trabalho.
Resultado: aprovado por unanimidade.
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58. CLT, arts. 893, § 1.º, e 895, I, e NCPC, art. 356 e 357. Recorribilidade
imediata da decisão parcial de mérito. O recurso ordinário, e não o mandado
de segurança é o meio impugnativo adequado para atacar, de imediato, as decisões parciais de mérito.
Resultado: aprovado por unanimidade.
59. CLT, art. 769 e NCPC, art. 1.013, § 3.º, I a IV, e § 4.º. Recurso. Causa
madura. É compatível com o processo do trabalho a ampliação das hipóteses
de cabimento da complementação do ato decisório pelos Tribunais em razão
da causa madura (art. 1.013, § 3.º, I a IV, e § 4.º, do NCPC).
Resultado: aprovado por unanimidade.
60. CLT, art. 769 e NCPC, art. 932, I, c/c 938, §§ 1.º a 4.º. Conversão de
julgamento do recurso em diligência. O novo direcionamento do modelo do
processo civil para converter o julgamento do recurso em diligência quando
houver necessidade de produção de prova é compatível com o processo do
trabalho (art. 932, I, c/c art. 938, §§ 1.º a 4.º, NCPC).
Resultado: aprovado por unanimidade.
61. Art. 5º., LV, da CF; art. 769 da CLT e arts. 10, 15, 938, § 1.º, do NCPC.
Guias de preparo. Documento ilegível. Necessidade de intimação da parte. Em
caso de problemas na visualização das guias do preparo ou documentos apresentados em sede recursal ou ainda de parte do recurso por problemas do
arquivo eletrônico, o relator deve permitir ao recorrente sanar a irregularidade
do ato processual antes da decisão, assegurando o exercício do contraditório.
Interpretação conforme o art. 5.º, LV, da CF; art. 769 da CLT e arts. 10, 15, 938,
§ 1.º, todos do NCPC.
Resultado: aprovado por unanimidade.
62. CLT, art. 899, § 1.º, e NCPC, art. 1.007, §§ 2.º e 4.º. Depósito recursal.
A necessidade de intimação da parte para complementar ou efetuar o preparo
recursal prevista no art. 1.007, §§ 2.º e 4.º, do NCPC é incompatível com o
processo do trabalho por existência de regra própria.
Resultado: aprovado por unanimidade.
63. CLT, art. 769 e NCPC, arts. 76, § 2.º, e 104. Regularização de representação em recurso. É admissível, em fase recursal, a regularização da representação processual, na forma do art. 76, § 2.º, do NCPC, bem como o oferecimento
tardio de procuração, nos termos do art. 104 do NCPC.
Resultado: aprovado por unanimidade.
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– Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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64. CLT, art. 769 e 897-A, NCPC, art. 1.021, §§ 4.º e 5.º. Embargos declaratórios. Multa. Dispensa. É compatível com o processo do trabalho a dispensa
de pagamento da multa como pressuposto recursal pela pessoa jurídica de direito público (arts. 897-A, 1.021, §§ 4.º e 5.º, ambos do NCPC).
Resultado: aprovado por unanimidade.
65. CLT, arts. 769 e 899. Direito de petição (art. 5.º, XXXIV, da CF). NCPC,
arts. 15, 1.012, V, arts. 294 e ss., 1.029, § 5.º. Tutelas provisórias concedidas
em sentença. Recurso ordinário com efeito meramente devolutivo. Extinção da
ação cautelar disciplinada pelo CPC/1973. O recurso ordinário trabalhista não
tem efeito suspensivo, ainda que a sentença tenha concedido tutela provisória. Inaplicável o previsto no art. 1.012, V, do NCPC, ao processo do trabalho.
Demonstrando a ausência dos requisitos legais para a concessão da medida ou
equívoco em sua concessão, o recorrente deverá solicitar excepcionalmente
o efeito suspensivo ao recurso ordinário em razões recursais dirigidas ao Tribunal e requerer em petição, devidamente instruída, o efeito suspensivo ao
recurso imediatamente ao Tribunal Regional (incidente de efeito suspensivo)
(art. 1.012, § 3.º, do NCPC).
Resultado: aprovado por unanimidade.
11. Grupo: Resolução de Demandas Repetitivas e Incidente de
Uniformização de Jurisprudência
Relatores: Roberta Ferme Sivollella (Juíza do Trabalho e Professora), Bento Herculano Duarte Neto (Desembargador do Trabalho e Professor), Sergio
Torres Teixeira (Desembargador do Trabalho e Professor) e Marcelo Giovani
Batista Maia (Advogado e Professor).
Não houve enunciado aprovado em Plenária de 05.03.2015.
12. Grupo: Execução e ação rescisória
Relatores: José Aparecido dos Santos (Juiz do Trabalho e Professor), Nuredin Ahmad Allan (Advogado), Antônio Umberto de Souza Junior (Juiz do
Trabalho e Professor) e Thais Poliana de Andrade (Advogada e Professora).
66. CLT, art. 889; NCPC, art. 15. Manutenção da aplicação das leis que
regem a execução fiscal como norma subsidiária na execução trabalhista. As
leis que regem a execução fiscal continuam a anteceder as normas de execução
previstas no NCPC para efeitos de aplicação subsidiária e supletiva ao processo
do trabalho à luz do art. 889 da CLT.
Resultado: aprovado por unanimidade.
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67. CLT, art. 899; NCPC, art. 515, II, § 2.º. Acordo judicial. Envolvimento
de terceiros e amplitude do objeto. O acordo judicial trabalhista pode envolver
sujeito estranho ao processo e objeto mais amplo, sendo-lhe aplicável o disposto no art. 515, II e § 2.º, do NCPC.
Resultado: aprovado por unanimidade.
68. CLT, art. 769 e 899; NCPC, arts. 772 a 774. Aplicação subsidiária
das normas do processo de conhecimento. Poderes do juiz na execução.
Ato atentatório à dignidade da Justiça. Compatibilidade. Aplicam-se ao
processo do trabalho as disposições dos arts. 772, 773 e 774 do NCPC que
tratam dos poderes do juiz na execução e dos atos atentatórios à dignidade
da Justiça.
Resultado: aprovado por maioria qualificada.
69. CLT, art. 899; NCPC, arts. 139, IV, e 916, § 7.º. Execução. Parcelamento do débito. Possibilidade eventual. A vedação expressa de parcelamento do
débito nas execuções fundadas em título judicial (NCPC, art. 916, § 7.º) retira
do executado o direito subjetivo líquido e certo a esse modo de facilitação de
pagamento. Contudo, dentro da amplitude de poderes conferidos ao juiz do
trabalho na execução (NCPC, art. 139, IV), poderá o magistrado, mediante decisão devidamente fundamentada, autorizar o pagamento parcelado do débito,
com juros e correção monetária, com ou sem o consentimento do exequente,
nas execuções de difícil solução.
Resultado: aprovado por maioria qualificada.
70. CLT, art. 899; NCPC, art. 833, § 2.º; OJ SDI-2/TST 153. Impenhorabilidade relativa dos salários e da caderneta de poupança. Créditos trabalhistas.
Possibilidade de penhora. O art. 833, § 2.º, do NCPC, que autoriza a penhora
sobre salários e caderneta de poupança para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, aplica-se às execuções trabalhistas (art.
899, CLT; art. 833, § 2.º, NCPC; e OJ SDI-2/TST 153).
Resultado: aprovado por unanimidade.
71. CLT, art. 899; NCPC, arts. 833, § 2.º, e 529, § 3.º. Penhora sobre parte
dos salários. Possibilidades. Nos termos do art. 833, § 2.º, do NCPC é admitida
em qualquer execução trabalhista, a penhora de salário para as importâncias
excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos, considerada a remuneração
bruta recebida pelo executado (art. 899 da CLT; art. 833, § 2.º, e art. 529, § 3.º,
ambos do NCPC).
Resultado: aprovado por unanimidade.
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72. CLT, art. 642-A; NCPC, arts. 495, 517 e 782, § 3.º. Protesto de decisão
judicial, inclusão do nome do executado trabalhista em cadastro de inadimplentes e hipoteca judiciária. Viabilidade. Sem prejuízo da inclusão dos devedores no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas (CLT, art. 642-A), são
aplicáveis à execução trabalhista os arts. 495, 517 e 782, § 3.º, do NCPC, que
tratam da hipoteca judiciária, do protesto de decisão judicial e da inclusão do
nome do executado em cadastros de inadimplentes (SPC, Serasa, Cadin etc.).
Resultado: aprovado por unanimidade.
73. CLT, art. 899; NCPC, arts. 700 e 702, § 6.º. Ação monitória trabalhista.
Possibilidade. O art. 700 do NCPC, que trata da ação monitória, aplica-se ao
processo do trabalho, observados o procedimento especial ali previsto e, convertido o título apresentado em título executivo, o procedimento de cumprimento da sentença próprio do NCPC.
Resultado: aprovado por maioria qualificada.
74. CLT, art. 899; CTN, art. 185. NCPC, art. 792, V; NCPC/1973, art. 593,
III. Fraude à execução. Regime do art. 185 do CTN. Inaplicabilidade do regime
do art. 792 do NCPC. Nas execuções trabalhistas, aplica-se o regime especial
da fraude à execução fiscal previsto no art. 185 do CTN e não o regime geral da
fraude à execução previsto no art. 792, IV do NCPC, tendo como marco inicial
a notificação válida do executado.
Resultado: aprovado por unanimidade.
75. CLT, art. 899; NCPC, art. 795. Responsabilidade subsidiária patrimonial dos sócios. Incompatibilidade. Os §§ 3.º e 4.º do art. 795 do NCPC, que
autorizam a execução regressiva do sócio pagador contra a sociedade devedora
e condicionam a desconsideração da personalidade à instauração de incidente
autônomo, não se aplicam ao processo do trabalho por incompatibilidade.
Resultado: aprovado por unanimidade.
76. CLT, art. 899; NCPC, art. 805. Regra da menor onerosidade na execução. Compatibilidade. Desde que o executado requeira, indicando meio mais
eficaz para solução da execução, a execução trabalhista correrá pelo meio menos oneroso (NCPC, art. 805, parágrafo único).
Resultado: aprovado por maioria qualificada.
77. CLT, art. 765; NCPC, art. 792, I. Dever de cooperação na execução.
Obrigação de notificação da existência de ação judicial. Fraude à execução.
Em busca da máxima cooperação e da boa-fé objetiva dos litigantes diretos e
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indiretos, pode o magistrado, de ofício ou a pedido das partes, emitir ordem
mandamental com base no art. 765 da CLT, para prevenir ato ilícito na execução e exigir dos sócios das reclamadas que sempre informem ao comprador a
existência da ação judicial contra sua empresa e declarem se a alienação poderá
reduzi-lo à insolvência.
Resultado: aprovado por unanimidade.
78. CLT, art. 899; NCPC, art. 676, parágrafo único. Embargos de terceiro. Execução por carta precatória. Competência territorial. Nas execuções por
carta, os embargos de terceiro serão oferecidos no Juízo trabalhista deprecado,
salvo se a penhora recair sobre bem indicado pelo Juízo deprecante ou se já
devolvida a carta (art. 676, parágrafo único, do NCPC c/c art. 899 da CLT).
Resultado: aprovado por unanimidade.
79. CLT, art. 878; NCPC, art. 854. Penhora em dinheiro. Sistema BacenJud.
Exigência de requerimento do exequente. Incompatibilidade com o processo
do trabalho. É inaplicável o art. 854 do NCPC, visto que o art. 878 da CLT prevê o impulso de ofício da execução, portanto, após a citação da parte e tendo
em vista o caráter primordial da penhora em dinheiro, independe de requerimento da parte a utilização do sistema BacenJud.
Resultado: aprovado por unanimidade.
80. CLT, art. 899; NCPC, art. 835, § 1.º; Súmula 417,III, do TST. Penhora
em dinheiro. Execução provisória. Por força do disposto no art. 835, § 1.º, do
NCPC, a penhora em dinheiro é sempre prioritária, inclusive em execução provisória, não estando ao alcance do juiz alterar esta ordem de prioridade para
oportunizar constrição sobre outro tipo de bem disponível no patrimônio do
devedor (art. 899 da CLT; art. 835, § 1.º, do NCPC; Súmula 417,III, do TST).
Resultado: aprovado por unanimidade.
81. CLT, art. 769 e 888; NCPC, art. 895. Expropriação de bens penhorados. Aquisição parcelada. Art. 895 e parágrafos, NCPC. Omissão da CLT. Compatibilidade com o processo do trabalho. Aplicação do preceito civil. O juiz do
trabalho pode deferir a aquisição parcelada do bem penhorado (NCPC, art. 895
e seus parágrafos) uma vez que o art. 888 da CLT não contém correspondente normativo e o preceito se compatibiliza com a efetividade da execução
trabalhista.
Resultado: aprovado por unanimidade.
82. CLT, art. 884, § 1.º; NCPC, art. 921, III, §§ 1.º a 5.º. Prescrição intercorrente. Possibilidade eventual na execução trabalhista. A prescrição intercorrenEnunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
te (CLT, art. 884, § 1.º) somente será reconhecida, nas execuções trabalhistas,
nas hipóteses em que a paralisação do processo for imputável exclusivamente
ao exequente, não se aplicando às situações de desconhecimento do paradeiro
do executado ou de bens deste para garantia da execução (NCPC, art. 921, III,
§§ 1.º a 5.º).
Resultado: aprovado por unanimidade.
83. CLT, art. 899; NCPC, art. 966, § 2.º. Ação rescisória. Competência. A
competência da ação rescisória fundada no art. 966, § 2.º, II, do NCPC, é do
Juízo que proferiu a decisão negativa de admissibilidade do recurso. Nessa
hipótese, o Tribunal limita-se a proferir o juízo rescindente.
Resultado: aprovado por unanimidade.
84. CLT, art. 836; NCPC, art. 968, § 2.º. Ação rescisória. Inaplicabilidade
do § 2.º do art. 968 do NCPC ao processo do trabalho. O limite de 1.000 salários mínimos ao depósito para ajuizamento da ação rescisória, previsto no § 2.º
do art. 968 do NCPC não se aplica ao processo do trabalho, pois este contém
regra específica acerca do tema (art. 836 da CLT), inexistindo lacuna apta a
permitir a aplicação subsidiária ou supletiva do NCPC.
Resultado: aprovado por unanimidade.
85. CLT, art. 769; NCPC, art. 966, § 2.º, I. Ação rescisória. Aplicação do
art. 966 § 2.º, I, do NCPC ao processo do trabalho. A decisão rescindenda
que extingue o processo sem resolução de mérito por acolhimento da coisa
julgada, apesar de possuir conteúdo meramente processual, comporta corte
rescisório, pois impede a propositura de nova demanda.
Resultado: aprovado por unanimidade.
86. A CLT, art. 769; NCPC, art. 966, § 2.º, II. Ação rescisória. Aplicação
do art. 966, § 2.º, II, do NCPC no processo do trabalho. A decisão do TST
que nega provimento ao agravo de instrumento interposto contra decisão do
Regional que não conheceu do recurso de revista é rescindível, ainda que não
examine o mérito, uma vez que impede a admissibilidade do recurso correspondente.
Resultado: aprovado por unanimidade.
87. CLT, art. 769; NCPC, art. 968, §§ 5.º e 6.º. Ação rescisória. Aplicação
do art. 968, §§ 5.º e 6.º do NCPC ao processo do trabalho. Em sede de ação
rescisória, o vício de incompetência pode ser solucionado pela intimação do
autor para emendar a petição inicial, a fim de adequar o objeto e fundamentos
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da ação, com posterior remessa dos autos ao Juízo competente, não havendo
falar em extinção do processo sem resolução do mérito, por inépcia da inicial.
Resultado: aprovado por unanimidade.
88. CLT, art. 769; NCPC, art. 292, § 3.º. Ação rescisória. Aplicação do
art. 292, § 3.º, do NCPC ao processo do trabalho. O juiz corrigirá de ofício o
valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial
em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor.
Resultado: aprovado por unanimidade.
89. CLT, art. 769; CPC, art. 142. Ação rescisória. Aplicação do art. 142 do
NCPC. Diante da redação do art. 142 do NCPC, antigo art. 129 do CPC/1973,
acrescentando a expressão “aplicando, de ofício, as penalidades da litigância
de má-fé”, é possível, inclusive na ação rescisória, a condenação de ofício dos
litigantes em colusão.
Resultado: aprovado por unanimidade.
Moções de apoio
EC 45. CF/1988, art. 114. CP, art. 149, 203, 204, 205, 206, 207. CLT, art. 8.º,
769. Proposta: Cabe ao Poder Judiciário dar vigência e eficácia à EC 45 no que
diz respeito à fixação da competência penal para a Justiça do Trabalho. Diante
dos pressupostos lógicos e racionais de que as Varas do Trabalho e os seus
os Tribunais Regionais, bem como o TST, são os órgãos mais especializados
para lidar com as condutas que envolvem o trabalho em condições análogas à
escravidão, nos crimes contra a organização do trabalho e nos crimes comuns
praticados pelos contratantes, desde que sejam cometidos em razão do vínculo
de emprego. A Justiça do Trabalho tem o dever institucional de processar e
julgar as ações em que são partes os trabalhadores, as pessoas jurídicas, os seus
representantes legais ou prepostos, nos crimes previstos no Código Penal que
são associados à exploração da mão de obra, com a possibilidade de tramitação
de ações trabalhistas mistas com matéria penal, administrativa e trabalhista,
trazendo economia processual e reduzindo a impunidade na aplicação conjunta das sanções de pena restritiva de direito e liberdade, pagamento de multa relacionada à fiscalização tutelar do trabalho e a condenação no pagamento dos
consectários trabalhistas decorrentes de fraude ou abuso de poder de direção
do empregador, inclusive, nos casos de dano moral ou existencial.
RE 589.998 – STF. O ato de dispensa sem justa causa do empregado das
empresas de economia mista, empresas públicas, organizações sociais (OS)
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e fundações de direito privado necessitam de motivação, nos termos do RE
589.998 – STF, que atribuiu repercussão geral ao tema 131 da “Tabela de Temas” daquela Corte.
Leis 8.666/1993, 8.987/1995 e 11.079/2004. Responsabilidade. Fiscalização de contratos. As entidades públicas, nos termos das Leis 8.666/1993,
8.987/1995 e 11.079/2004, quando comprovado o reiterado descumprimento
de obrigações trabalhistas por parte do contratado, devem promover a rescisão
por interesse público de forma unilateral. A responsabilidade do ente estatal
deve levar em conta a comprovação de fiscalização dos contratos administrativos na forma da lei.
Pesquisas do Editorial
Veja também Doutrina
• Constitucionalização do Direito Processual do Trabalho e Teoria Geral do Processo, de Gustavo Filipe Barbosa Garcia – RT 915/333-350, Doutrinas Essenciais de Direito do Trabalho e
da Seguridade Social 4/219-236, Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional 7/515-531
(DTR\2012\3); e
• O novo CPC e as regras supletiva e subsidiária ao Processo do Trabalho, de Edilton Meireles
– RDT 157/129-137 (DTR\2014\3166).
Enunciados Aprovados no Fórum Nacional de Processo do Trabalho 1.ª Reunião na cidade de Curitiba
– Paraná Homenagem ao Prof. Wagner D. Giglio. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 29-50. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Atualidades
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Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar
e julgar as causas envolvendo relação jurídica entre
representante e representado
The (in)jurisdiction of Labor Justice to process
and judge cases involving the legal relationship between
the representative and the represented
Felipe Probst Werner
Doutorando em Direito Civil pela PUC-SP. Mestre em Ciência Jurídica
pela Universidade do Vale do Itajaí/SC. Professor do Curso de Pós-Graduação
em Direito Imobiliário da Faculdade Avantis. Professor do Curso
de Direito da Faculdade Avantis. Advogado.
[email protected]
Veridiana Toczeki Santos
Pós-graduada em Direito do Processo do Trabalho.
Pós-graduanda em Direito Marítimo e Portuário pela Universidade do Vale do Itajaí.
Professora do Curso de Direito da Faculdade Avantis/SC. Advogada.
[email protected]
Área do Direito: Trabalho
Resumo: O presente artigo científico visa esclarecer se a Justiça do Trabalho, diante da superveniência da EC 45/2004 é a competente para
julgar as causas envolvendo relação jurídica
entre representante e representado. Através de
pesquisa doutrinária e jurisprudencial, o trabalho expõe o conceito de representação comercial, princípios, classificação e seus principais
aspectos, bem como diferencia relação de trabalho, relação de emprego e contrato de trabalho, concluindo ao final sobre a competência ou
não da Justiça do Trabalho no julgamento das
lides envolvendo o contrato de representação
comercial.
Abstract: This research paper aims to clarify
whether the Labour Court, before the occurrence of the Constitutional Amendment 45/2004, is
competent to judge cases involving legal relationship between the representative and the represented. Through doctrinal and jurisprudential
research, the work exposes the concept of commercial representation, principles, classification
and its main aspects, as well as it differentiates
working relationship, employment relationship
and the employment contract, concluding the
competence or otherwise of justice work in
the trial of litigations involving the commercial
agency agreement.
Werner, Felipe Probst; Santos, Veridiana Toczeki. Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as
causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 53-71. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
Palavras-chave: Competência – Justiça do
Trabalho – Representante comercial – EC
45/2004 – Relação de trabalho – Relação de
emprego.
Keywords: Competence – Labour Justice – Trade representative constitutional – Amendment
45/2004 – Work relationship – Employment relationship.
Sumário: 1. Introdução. 2. O contrato de representação comercial. 3. Relação de trabalho,
relação de emprego e contrato de trabalho. 3.1 Representação mercantil versus relação
de trabalho: contrapontos. 3.1.1 Das relações jurídicas fraudulentas – reconhecimento do
vínculo empregatício. 4. Da (in)competência da Justiça do Trabalho para julgar as lides
envolvendo relação jurídica entre representante e representado. 5. Considerações finais. 6.
Referências bibliográficas.
1.Introdução
A EC 45/2004 deu nova redação ao art. 114 da CF, sendo que a competência
da Justiça do Trabalho passou a abranger não somente as lides decorrentes da
relação de emprego, como aquelas oriundas da relação de trabalho, na forma
prevista nos incs. I e IX do artigo mencionado.
A chamada “reforma do Poder Judiciário” tinha o intuito de propiciar aos
trabalhadores um tratamento adequado de suas demandas, diante da visão protetiva da Justiça do Trabalho.
Em razão da ampliação da competência, tendo em vista que a redação original se referia apenas à relação entre “empregados e empregadores”, diversas
ações envolvendo relação de trabalho em sentido amplo passaram a ser ingressadas diretamente na Justiça do Trabalho.
Contudo, necessário se faz uma delimitação desse conceito de relação de
trabalho, para que não venham a ser ingressadas na Justiça laboral ações com
pedidos decorrentes de relações comerciais/mercantis, como o direito ao recebimento de comissões decorrentes do contrato de representação comercial,
que é o tema deste artigo científico.
Isto porque, conforme será verificado nesta pesquisa, a relação jurídica entre representante (pessoa física ou jurídica) e representado não é laboral, e sim
mercantil, empresarial, decorrente do contrato civil específico de representação comercial, regulado pela Lei 4.886/1965, devendo seguir o que dita o art.
39 do referido regramento, e ser processado perante à Justiça comum.
Para a pesquisa serão abordados os conceitos de representante comercial, a
classificação desse contrato e seus principais aspectos. Serão explicitadas ainda as diferenças entre relação de trabalho, relação de emprego e contrato de
trabalho. No último item, será abordado, através da jurisprudência e doutrina
Werner, Felipe Probst; Santos, Veridiana Toczeki. Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as
causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 53-71. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Atualidades
55
atual, a (in)competência da Justiça do Trabalho para conhecer e julgar tais demandas. A metodologia que será aplicada é a dedutiva, eis que serão trazidas
informações de doutrinadores renomados e julgados recentes para confirmar a
premissa da competência da Justiça comum.
2.O contrato de representação comercial
O ponto de partida para o presente estudo e uma das chaves para desvendar
a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar relações oriundas
de uma relação jurídica de representação comercial é o correto entendimento
do que vem a ser, no ordenamento jurídico brasileiro, o contrato de representação comercial em si.
Para que se entenda o que é um contrato de representação comercial, primeiro se faz necessário demonstrar o que é de fato um contrato, pois apenas assim
será possível dar passos concretos rumo ao objetivo a que este estudo se propõe.
Sobre esse tema, Silvio de Salvo Venosa dispõe didaticamente que “quando
o ser humano usa de sua manifestação de vontade com a intenção precípua
de gerar efeitos jurídicos, a expressão dessa vontade constitui-se num negócio
jurídico”.1
Este negócio jurídico quando visa criar, modificar ou extinguir obrigações
e é bilateral, será denominado “contrato” eis que para Orlando Gomes, “o
contrato é uma espécie de negócio jurídico que se distingue, na formação, por
exigir a presença pelo menos de duas partes”.2
Sabe-se que o contrato promove a circulação de riquezas e estimula a segurança jurídica, logo, é socialmente útil e de interesse público sua preservação,
não por outro motivo é tutelado pelo direito por meio de princípios fundamentais deste instituto, como a autonomia de vontade, força obrigatória – pacta
sunt servanda, consensualismo, boa-fé e função social.
É verdade que muitas vezes os princípios acima são relativizados em função
de choques com outros aspectos do direito também chancelados pelo Estado,
como, por exemplo, pelas normas de ordem pública oriundas do Direito do
Trabalho.
São das premissas acima destacadas que se parte para os elementos essenciais da relação de representação comercial, contrato este conceituado por Ar-
1. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos
contratos. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 357.
2. GOMES, Orlando. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 04.
Werner, Felipe Probst; Santos, Veridiana Toczeki. Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as
causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado. Revista de Direito do Trabalho.
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noldo Wald como “aquele pelo qual uma pessoa jurídica ou física, sem relação
de dependência e em caráter não eventual, se obriga a realizar negócios por
conta de outra, em zona determinada e mediante retribuição”.3
Regulamentado pela Lei 4.886/1965 com suas posteriores alterações e também pelo Código Civil de 2002, o contrato de representação comercial é bilateral, consensual, comutativo, oneroso e de duração.
Em regra a coisa objeto do negócio fica em poder do proponente, aqui denominado representado, e, a partir da concretização do negócio com terceiro,
o representante pode pleitear a coisa para que possa de fato efetivar o negócio.
Em outras palavras, não tem o representante a disponibilidade imediata do
bem a ser negociado.
A relação contratual não será de prestação única, mas de duração. Haverá,
em regra, limitação de circunscrição para o exercício da atividade por parte
do representante, e, em muitos casos, pode existir cláusula de exclusividade
quando não haverá concomitantes representantes de um mesmo representado
em área delimitada.
Característica fundamental deste tipo de contrato, além da estabilidade da
relação jurídica – habitualidade e delimitação de zona para exercício de atividade, é a autonomia na prestação do serviço por parte do representante.
É a autonomia que diferenciará este tipo de contrato de uma relação trabalhista comum, ou seja, aquela que pressupõe pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação. Assim, para diferenciar um vendedor externo com
vínculo empregatício de um representante comercial, bastará identificar se esta
pessoa possui ou não autonomia para exercer suas funções.
Segundo Orlando Gomes, “a independência da ação do agente permite distingui-lo do empregado”.4 Nas relações de representação comercial não haverá
subordinação hierárquica entre representante e representado, mas sim meros
atos de instrução praticados pelo representado a título de orientar o representante para o bom exercício de suas tarefas, observando-se, logicamente, os
interesses do representado.
Examinados os conceitos e características do contrato de representação comercial, passar-se-á adiante às considerações acerca de sua temática dentro do
direito do trabalho.
3. WALD, Arnoldo. Direito civil: contratos em espécie. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
p. 270.
4. GOMES, Orlando. Op. cit., p. 452.
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3.Relação de trabalho, relação de emprego e contrato de trabalho
Com a alteração do art. 114 da CF/1988, que ampliou a competência material da Justiça do Trabalho, surgiram inúmeras controvérsias acerca do alcance
do termo “relação de trabalho”, agora constante nos incs. I e IX do referido
dispositivo legal.
Para se compreender a abrangência do termo expressado em lei, é necessário diferenciar os conceitos de relação de trabalho, relação de emprego e,
ainda, de contrato de trabalho.
A delimitação dos conceitos é necessária para que haja a correta interpretação da Carta Magna, em compasso com o princípio da máxima efetividade das
normas constitucionais e para que se possa chegar ao que temos atualmente
como a nova competência material da Justiça laboral, verificando se engloba
ou não as lides envolvendo os contratos de representação comercial.
Antes de adentrar nos conceitos citados, define-se o contrato de atividade,
nas palavres de Jean Vincent, como sendo “todos os contratos nos quais a atividade pessoal de uma das partes constitui o objeto da convenção ou uma das
obrigações que ela comporta”.5
Amauri Mascaro do Nascimento conceitua: “Correspondentemente no plano do direito material ganha importância a distinção entre contratos de atividade e contratos de resultado, aqueles tendo como objeto a atividade do
prestador de serviços independentemente do resultado, estes tendo como objeto o resultado alcançado independentemente da atividade. Os contratos de
atividade são submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho”.6
Portanto, os contratos de atividade geram uma relação de trabalho, que é gênero, ao passo que a relação de emprego é espécie desse gênero, sendo que a relação de emprego é a que está presente nos arts. 2.º e 3.º da CLT. Logo, toda relação
de emprego é relação de trabalho, mas nem toda relação de trabalho é relação de
emprego.
Destaca-se que tanto a relação de trabalho como a relação de emprego são
modalidades de relação jurídica, através da qual se vinculam duas pessoas ju-
5. VINCENT, Jean. La dissolucion du contrat de travail. p. 27. Apud GOMES, Orlando;
e GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2005. p. 131.
6. NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Rumos atuais do debate sobre relações de trabalho e a competência da Justiça do Trabalho. Revista do Tribunal Superior do Trabalho.
vol. 73. n. 3. p. 48. Porto Alegre, jul.-set. 2007.
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ridicamente, tendo por objeto um interesse a ser discutido no ordenamento
jurídico. Destaca-se a definição de Miguel Reale: “Para existir relação jurídica
é preciso a presença de dois requisitos. Em primeiro lugar uma relação intersubjetiva, ou seja, um vínculo entre duas ou mais pessoas. Em segundo lugar,
que esse vínculo corresponda a uma hipótese normativa, de tal maneira que
derivem consequências obrigatórias o plano da experiência”.7
Os termos podem ser conceituados da seguinte forma: “Relação de trabalho
é a situação jurídica entre duas pessoas visando à prestação de serviços. Contrato de trabalho é o negócio firmado entre empregado e empregador sobre
condições de trabalho (...) a relação de emprego está compreendida na competência da Justiça do Trabalho, pois é uma relação de trabalho”.8
Para Maurício Godinho Delgado, relação de trabalho é “toda relação jurídica caracterizada por ter sua prestação essencial centrada em uma obrigação de
fazer consubstanciada em labor humano”.9
As modalidades de relação de trabalho que não se constituem em relações
empregatícias são inúmeras, como, por exemplo, o trabalho autônomo, o trabalho eventual, estágio e o trabalho voluntário. Cada uma dessas modalidades
apresenta peculiaridades próprias, as quais devem ser distinguidas, para que se
dê tratamento jurídico adequado à demanda do trabalhador. Destaca-se que o
sistema protetivo da Justiça laboral deve alcançar apenas os empregados (trabalhadores subordinados, detentores de relação de emprego).
No entendimento de Renato Saraiva, “relação de trabalho corresponde a
qualquer vínculo jurídico por meio do qual uma pessoa natural executa obra
ou serviços para outrem, mediante o pagamento de uma contraprestação”.10
Arnaldo Sussekind traz o conceito de relação de trabalho, destacando que
deve ser aquele prestado por pessoa física mediante remuneração, nos seguintes termos:
“Para mim, relação de trabalho corresponde ao vínculo jurídico estipulado,
expressa ou tacitamente, entre um trabalhador e uma pessoa física ou jurídica,
7. REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 26. ed. Saraiva: São Paulo, 2002. p.
216.
8. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho: doutrina e prática forense: modelos de petições, recursos, sentenças e outros. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 104.
9. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr,
2010. p. 265.
10. SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho para concursos públicos. 4. ed. São Paulo:
Método, 2006. p. 34.
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que o remunera pelo serviço prestado. Ela vincula duas pessoas, sendo que o
sujeito da obrigação há de ser uma pessoa física, em relação à qual o contratante tem direito subjetivo de exigir o trabalho ajustado”.11
Já Mauro Schiavi entende que a relação de trabalho se constitui em trabalho prestado por conta alheia, em que o trabalhador (pessoa física) coloca
sua força de trabalho em prol de outra pessoa (física ou jurídica), podendo o
trabalhador correr ou não os riscos da atividade.12
Assim, estariam evidentemente excluídas as relações de trabalho em que o
labor for prestado por pessoa jurídica, eis que o trabalho humano não é objeto
dessas relações jurídicas e sim um contrato de natureza cível ou comercial.
Isso porque o requisito da pessoalidade mostra-se essencial na configuração da relação de trabalho, como ensina Mauro Schiavi: “Entendemos que o
requisito da pessoalidade também deve ser preponderante para que ocorra a
relação de trabalho, embora possa haver uma substituição ocasional, com a
concordância do tomador. (...) o trabalho prestado por vários trabalhadores
ao mesmo tempo pode configurar a prestação de serviços por intermédio de
uma sociedade de fato ou de uma empresa, o que descaracteriza a relação de
trabalho”.13
E para que seja configurada uma relação de emprego, é necessária a presença dos seus principais elementos: (a) pessoalidade; (b) não eventualidade; (c)
onerosidade e (d) subordinação jurídica.
O elemento da pessoalidade significa afirmar que a relação de emprego é
marcada pela natureza intuitu personae do empregado em relação ao empregador, isto é, o empregador contrata o empregado para que esse lhe preste serviços pessoalmente, e nunca através de prepostos.
A não eventualidade traz a ideia de que o trabalho deverá ser necessário à
atividade normal do empregador, nos dizeres de Alice Monteiro de Barros.14
A relação de emprego pressupõe também a onerosidade da prestação, sob
a forma de remuneração pelos serviços prestados, ou seja, o empregado aceita
trabalhar em favor de outrem, sendo compensado com um salário.
11. SÜSSEKIND, Arnaldo. A EC – 45 e as relações individuais do trabalho. Revista da
Escola Nacional da Magistratura. n. 3. p. 10. abr. 2007.
12. SCHIAVI, Mauro. O alcance da expressão “relação de trabalho” e a competência da
Justiça do Trabalho um ano após a promulgação da EC n. 45/04. Revista do Tribunal
Superior do Trabalho. vol. 72. n. 1. p. 38. Porto Alegre, RS, jan.-abr. 2006.
13. Idem, p. 40.
14. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2011. p. 173.
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E como principal elemento diferenciador entre a relação de emprego e as
demais relações de trabalho, temos a subordinação jurídica, que decorre do
contrato de trabalho estabelecido entre as partes. A contraposição à subordinação é a autonomia.
As relações de trabalho subordinadas são aquelas descritas nos arts. 2.º e 3.º
da CLT,15 que dispõem:
“Art. 2.º Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que,
assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
(...)
Art. 3.º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de
natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único. Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à
condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual”.
Já o art. 442 do mesmo Codex preceitua o que é o contrato individual de
trabalho:
“Art. 442. Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso,
correspondente à relação de emprego”.
Referente à subordinação jurídica, Alice Monteiros de Barros define que não
é necessária a vigilância constante para configuração do requisito da subordinação, bastando apenas que se possa comandar a atividade do empregado: “Esse
poder de comando do empregador não precisa ser exercido de forma constante,
tampouco torna-se necessária a vigilância técnica contínua dos trabalhos efetuados, mesmo porque, em relação aos trabalhadores intelectuais, ela é difícil de
ocorrer. O importante é que haja a possibilidade de o empregador dar ordens,
comandar, dirigir e fiscalizar a atividade do empregado. Em linhas gerais, o que
interessa é a possibilidade que assiste ao empregador de intervir na atividade do
empregado. Por isso, nem sempre a subordinação jurídica se manifesta pela submissão a horário ou pelo controle direto do cumprimento de ordens”.16
Alguns doutrinadores adicionam o elemento da alteridade, revelando que o
empregado deve desempenhar suas tarefas por conta alheia.17 Ou seja, os riscos
da atividade econômica exercida pelo empregador cabem apenas a ele, como
15. BRASIL, Dec.-lei 5.452, Consolidação das Leis do Trabalho, de 01.05.1943.
16. BARROS, Alice Monteiro de. Op. cit., p. 189.
17. Idem, p. 186.
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expressa Renato Saraiva: “Tendo laborado para o empregador, independentemente da empresa ter auferido lucros ou prejuízos, as parcelas salariais sempre
serão devidas ao obreiro, o qual não assume o risco da atividade econômica”.18
Quanto ao termo “contrato de trabalho”, elucida Sergio Pinto Martins:19
“Representa o contrato de trabalho um pacto de atividade, pois não se contrata
um resultado. Deve haver continuidade na prestação de serviços, que deverão
ser remunerados e dirigidos por aquele que obtém a referida prestação. Tais características evidenciam a existência de um acordo de vontades caracterizando
a autonomia privada das partes”.
Tem-se, contudo, que não é qualquer relação de trabalho que atrai a aplicação do Direito do Trabalho, mas apenas as relações que contêm todos os
elementos acima citados.
3.1 Representação mercantil versus relação de trabalho: contrapontos
Entende-se que a relação jurídica entre representante e representado não
deve ser considerada relação de trabalho, diante da ausência de elementos caracterizadores dessa relação jurídica, sendo os principais a subordinação e o
salário (contraprestação por serviços prestados).
Deve ser compreendido, primeiramente, que o contrato de representação comercial é uma relação jurídica não empregatícia, caracterizada pela autonomia
do representante comercial perante o representado. Portanto, diferencia-se do
tipo legal previsto nos arts. 2.º e 3.º da CLT, ante a inexistência de subordinação.
“A relação mercantil/civil em análise é necessariamente autônoma, ao passo em
que é necessariamente subordinada a relação trabalhista de emprego”.20
Além da autonomia, os contratos de representação comercial normalmente caracterizam-se pela impessoalidade da figura do representante, diante da
possibilidade da intermediação de negócios ser realizada através de prepostos.
Sabe-se que pode ser o representante comercial pessoa física, contudo, embora não seja um elemento atávico, é comum a fungibilidade da figura pessoal
do representante no dia-a-dia da representação comercial.
18. SARAIVA, Renato. Direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: Método, 2008. (Concursos
públicos), p. 44.
19. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
20. DELGADO, Maurício Godinho. Contrato de trabalho e afins: comparações e distinções. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3.ª Região. vol. 31. n. 61. p. 85. Belo
Horizonte, jan.-jun. 2000.
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Além disso, tem-se que a remuneração do representante comercial não pode
ser vista como um salário, por não ser contraprestação pelos serviços prestados, e sim resultado da mediação realizada pelo representante, como explica
Rubens Requião: “A remuneração do agente ou representante comercial, cujo
pagamento e obrigação da empresa representada, chama-se comissão, e é geralmente calculada em termos de percentagem sobre o valor do negócio por
ele agenciado. (...). A comissão não constitui retribuição pelo trabalho prestado, mas contraprestação resultante da utilizada de que decorre da mediação
efetuada. Assim, se da mediação nenhum resultado econômico resulta para o
representado, a comissão não é devida”.21
Portanto, o representante comercial, através de contrato típico específico
de representação comercial, é aquele que assume os riscos do seu negócio, em
nome de uma ou mais pessoas, para mediação na realização de negócios mercantis, com o objetivo de produzir o resultado útil e não um serviço como um
valor em si, como ocorre no contrato de prestação de serviços, motivo pelo
qual não pode a relação jurídica ser considerada um contrato de trabalho.
3.1.1 Das relações jurídicas fraudulentas – reconhecimento do vínculo
empregatício
Mesmo diante da diferenciação realizada entre contrato de representação
comercial, relação de trabalho (gênero) e relação de emprego (espécie), deve
ser esclarecido que são recorrentes na rotina empresarial relações sócio-jurídicas imprecisas e turvas, as quais podem constituir situações de fraude aos
direitos trabalhistas, devendo desse modo ser verificada a ocorrência ou não
do vínculo empregatício entre as partes.
Prevalecendo no Direito do Trabalho o princípio da primazia da realidade,
sendo que os fatos se sobrepõem à forma, mesmo a pessoa jurídica pode pleitear na Justiça laboral o vínculo empregatício, desde que comprove a presença
dos elementos do contrato de emprego acima citadas. Nesse caso, desfaz-se
o envoltório civil/comercial que encobre a relação socioeconômica concreta,
despontando o caráter empregatício do pacto efetivamente formado.
Na verificação da existência da relação civil/comercial da representação comercial ou relação empregatícia, devem ser observadas principalmente as seguintes características já citadas: pessoalidade, subordinação e salário.22
21. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 23. ed. atual. de Rubens Edmundo
Requião. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 20.
22. DELGADO, Maurício Godinho. Curso... cit., p. 303.
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Como já dito, a pessoalidade pressupõe que o trabalhador preste o serviço
pessoalmente, não se fazendo representar por prepostos, prevalecendo a regra
da infungibilidade.
Sabe-se que na relação entre representante e representado costuma-se contratar prepostos para representação dos produtos ou serviços da representada,
potencializando a sua capacidade laborativa. Caso haja o elemento da pessoalidade, pode-se estar diante de uma relação jurídica falsa, desde que observados
também os demais elementos da relação de emprego.
Deve ser observada ainda, como principal elemento diferenciador, se a subordinação existe entre as partes, eis que tipifica as ordens do tomador de
serviços com respeito ao obreiro.
Portanto, se houver continuidade, repetição e intensidade de ordens em
relação ao modo como o empregador deve desempenhar suas funções, apenas
assim estaremos diante da figura do empregado.
Entretanto, caso não haja essa contínua, repetida e intensa ação do tomador
sobre o obreiro, estar-se-á diante da figura do representante comercial, regulada pela Lei 4.886/1965 e pelo Código Civil de 2002.
No entendimento de Renato Saraiva, o empregado é subordinado ao empregador, devendo o empregado acatar as ordens e determinações emanadas, sendo que o tomador de serviços pode aplicar sanções “em caso de cometimento
de falta ou descumprimento das ordens emitidas”.23
A subordinação pode ser verificada em casos concretos, como, por exemplo,
no comparecimento diário na empresa; cumprimento de roteiro de visitas determinado pelo empregador; presença obrigatória a reuniões; recebimento de
ordens diretas e sanções em caso de execução inadequada de serviços; estabelecimento de metas;24 fiscalização sobre as atividades; exclusividade, entre outras.25
23. SARAIVA, Renato. Direito do trabalho... cit., p. 43 e 44.
24. “Representante comercial. Vínculo trabalhista. Reconhecido. A imposição de metas
fixadas pela reclamada retira do representante comercial a disponibilidade de seu
tempo livre e de sua natural autonomia no desenvolvimento do labor, exsurgindo, assim, a subordinação jurídica, requisito diferencial, que aliado à pessoalidade
na prestação de serviços por pessoa física, com onerosidade e não eventualidade, caracteriza a relação de trabalho com liame empregatício.” (TRT-2.ª Reg. Ac
20141010724, j. 05.11.2014. rel. Anisio de Sousa Gomes. Fonte: disponível em:
[http://aplicacoes1.trtsp.jus.br/vdoc/TrtApp.action?viewPdf=”&id=2768750].”
Acesso em: 26.12.2015.
25. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 31. ed. São Paulo:
Ltr, 2005. p. 188.
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Destaca-se importante esclarecimento feito por Maurício Godinho
Delgado:26 “Ressalte-se, contudo, que há outros traços que, mesmo despontando no plano concreto, não têm aptidão de traduzir, necessariamente, a
existência de subordinação. É que são aspectos comuns quer ao contrato
de representação mercantil ou agência e distribuição, quer ao contrato de
vendedor empregado (CLT e Lei 3.207/1957). São estes os traços fronteiriços
usualmente identificados: remuneração parcialmente fixa; cláusula de não
concorrência; presença de diretivas e orientações gerais do representado ao
representante; presença de planos específicos de atividades em função de
certo produto”.
Portanto, havendo as características de uma relação laboral, tipificando-se
relação de emprego, afasta-se a incidência das normas específicas citadas na
Lei 4.886/1965 e no Código Civil de 2002, aplicando-se as normas justrabalhistas.
4.Da (in)competência da Justiça do Trabalho para julgar as lides
envolvendo relação jurídica entre representante e representado
Considerando o contexto da multiplicidade de lides existentes na sociedade, para que a jurisdição atue adequadamente, criaram-se critérios para que
“os conflitos fossem distribuídos de forma uniforme aos juízes, a fim de que
a jurisdição pudesse atuar com maior efetividade e também proporcionar ao
jurisdicionado um acesso mais célere e efetivo à jurisdição”. Assim, a competência é a “distribuição da jurisdição entre os diversos juízes”.27
A competência material da Justiça do Trabalho sofreu impactantes mudanças após a aprovação da Emenda de Reforma do Poder Judiciário (EC 45/2004
de 08.12.2004).
Antes da referida Emenda, o art. 114 da CF/1988 trazia os seguintes dizeres: “Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios
individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes
de direito público externo e da Administração Pública direta e indireta dos
Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei,
outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios
que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas. (...)”.
26. DELGADO, Mauricio Godinho. Contrato de trabalho... cit., p. 87.
27. SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2009.
p. 158.
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Desse modo, não havia discussão quanto á competência da Justiça comum
no julgamento das relações jurídicas entre representante e representado, na
inteligência do art. 39 da Lei 4.886/1965:28
“Art. 39. Para julgamento das controvérsias que surgirem entre representante e representado é competente a Justiça comum e o foro do domicílio do
representante, aplicando-se o procedimento sumaríssimo previsto no art. 275
do Código de Processo Civil, ressalvada a competência do Juizado de Pequenas
Causas”.
Após as alterações, o art. 114 da CF/198829 passou a vigorar nos seguintes
termos:
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito
público externo e da Administração Pública direta e indireta da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
(...)
IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei”
(destaques nossos).
Extrai-se do dispositivo supracitado que a principal mudança ocorreu na
competência material da Justiça laboral, que julgava apenas os conflitos entre
empregados e empregadores e, excepcionalmente, as lides decorrentes da relação de trabalho.
Sobre este tema merece destaque entendimento de Mauro Schiavi: “Assim,
o critério da competência da Justiça do Trabalho que era pessoal, ou seja, em
razão das pessoas dos trabalhadores e empregadores, passou a ser em razão de
uma relação jurídica, que é a de trabalho”.30
Diante da vigência da Emenda, que teria ampliado a competência material
da Justiça do Trabalho, diversas demandas envolvendo a relação entre representante e representado foram ingressadas na Justiça laboral sob a alegação
de que a representação comercial, independentemente do seu conteúdo estar
definido numa lei de natureza civil (Lei 4.486/1965), seria considerada relação de trabalho e, também em razão da suposta hipossuficiência do representante, a Justiça do Trabalho seria a competente para conhecer e julgar as
ações.
28. BRASIL, Lei 4.886, de 09.12.1965.
29. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05.10.1988.
30. SCHIAVI, Mauro. Manual... cit., p. 162.
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Explicitado o conceito de relação de trabalho no item anterior, resta saber
se a competência material da Justiça do Trabalho realmente abrange as relações
jurídicas entre representantes e representados.
Primeiramente, destaca-se que a matéria não se encontra pacificada na doutrina, nem jurisprudência, o que transforma a questão em uma celeuma jurídica, abrindo margem para questionamentos e controvérsias.
A matéria debatida, inclusive, é objeto de recurso extraordinário no
STF31 em que foi já reconhecida a repercussão geral do tema, sendo que
a decisão de um caso específico servirá como orientação para os recursos
semelhantes.
No recurso que tramita na Suprema Corte, ainda não julgado no seu mérito,
uma empresa do Rio Grande do Sul alega violação dos arts. 5.º, LIII e LXXVIII,
e 114, I e IX, da CF/1988 e pede que a Justiça comum julgue uma ação de cobrança de comissões movida por um representante comercial. O argumento é
de que não há relação de trabalho, diante da ausência do requisito da subordinação. Assim, as modificações trazidas pela EC 45/2004 não alcançariam esse
tipo de contrato.
Sobre essa questão, já foi esclarecido que o contrato de representação comercial não se caracteriza como relação de emprego, conforme dicção do art. 1.º
da Lei 4.886/1965.
Fica evidente, portanto, que o vínculo existente numa representação comercial não se enquadra nos dizeres do art. 3.º da CLT, eis que, dentre os requisitos que definem uma relação de emprego, não há o da relação de dependência
ou subordinação.
Repisa-se, ainda, que não pode a relação jurídica entre representante e representado ser reconhecida como relação de trabalho, considerando que se encontra ausente, além da subordinação, o salário, eis que as comissões recebidas
pelo representante comercial advêm do resultado dos negócios intermediados
pelo representante, não tendo caráter de contraprestação pelos serviços prestados.
Entretanto, mesmo que seja entendido que se trata de relação de trabalho, ad argumentandum tantum, destaca-se que, em que pese o art. 114, I, da
CF/1988, disponha que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as
ações oriundas da relação de trabalho, a competência ratione materiae deve
31. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 606003. rel. Min. Marco Aurélio. DJe-118,
divulg. 15.06.2012, public. 18.06.2012.
Werner, Felipe Probst; Santos, Veridiana Toczeki. Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as
causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 53-71. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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ser definida em face da natureza jurídica da quaestio, deduzida dos respectivos
pedidos e causa de pedir, conforme entendimento do STJ:
“1. Malgrado o art. 114, I, da CF/1988, disponha que compete à Justiça do
Trabalho processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, na 2.ª Seção
desta Corte Superior é firme a orientação de que a competência ratione materiae
deve ser definida em face da natureza jurídica da quaestio, deduzida dos respectivos pedido e causa de pedir. 2. O art. 1.º da Lei 4.886/1965 é claro quanto
ao fato de o exercício da representação comercial autônoma não caracterizar
relação de emprego. 3. Não se verificando, in casu, pretensão de ser reconhecido
ao autor vínculo empregatício, uma vez que objetiva ele o recebimento de importância correspondente pelos serviços prestados, a competência para conhecer de
causas envolvendo contratos de representação comercial é da Justiça comum, e não
da Justiça laboral, mesmo após o início da vigência da EC 45/2004. 4. Conflito
conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 1.ª Vara de Canoinhas/SC, o suscitado”.32
Mister destacar, ainda, a situação de que, independente da ação ser ajuizada
por pessoa física ou jurídica, a competência para a causa julgar ainda será da
Justiça comum:
“Conflito negativo de competência. Justiça comum e laboral. Contrato de
representação comercial. Rescisão. Ação proposta por pessoa jurídica. Natureza civil. Competência da Justiça comum. – A jurisprudência da 2.ª Seção já se
manifestou no sentido de que, se a ação é ajuizada por pessoa jurídica, buscando a rescisão de contrato de prestação de serviços, a competência para apreciar
a causa é da Justiça comum.
– Independentemente dessa circunstância, a competência para conhecer de causas envolvendo contratos de representação comercial é da Justiça comum, e não
da Justiça laboral, mesmo após o início da vigência da EC 45/2004. Isso porque a
representação comercial se caracteriza, entre outros fatores, pela ausência de subordinação, que é um dos elementos da relação de emprego”.33
Ainda, os precedentes do STJ são firmes ao afirmar que, inobstante a ampliação da competência decorrente da chamada Reforma do Poder Judiciário,
diante do caráter civil do contrato entre representante e representado, é a Justiça
estadual a competente para apreciação das demandas: “Mesmo com a ampliação
32. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. CComp 96851/SC, 2.ª Seção, Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz Federal convocado do TRF-1.ª Reg.), DJe 20.03.2009.
33. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. CComp 77.034/SP, rel. Min. Humberto Gomes
de Barros, DJ 01.08.2007.
Werner, Felipe Probst; Santos, Veridiana Toczeki. Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as
causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 53-71. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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da competência da Justiça do Trabalho em decorrência da alteração da expressão
‘relação de emprego’ para ‘relação de trabalho’, a EC HYPERLINK “http://www.
jusbrasil.com.br/legislacao/96987/emenda-constitucional-45-04” \o “Emenda
Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004” 45/2004 não retirou a atribuição da Justiça estadual para processar e julgar ação alusiva a relações contratuais
de caráter eminentemente civil, diversa da relação de trabalho”. 34
Ademais, ainda na remota hipótese da representação comercial ser reconhecida como relação de trabalho, como citado, tem-se a previsão do art. 39 da
Lei da Representação Comercial, a qual, por tratar-se de norma específica, no
confronto com norma de ordem geral, abstrata, deve prevalecer a primeira.35
Portanto, as ações em que não se pleiteia o vínculo empregatício ou o recebimento de verbas trabalhistas e objetivam apenas o recebimento de importância correspondente pelos serviços prestados por representante comercial, quer
seja pessoa física ou jurídica, devem ser julgadas pela Justiça comum e não
pela Justiça laboral, mesmo após o início da vigência da EC 45/2004, já que
as demandas não seriam de índole laboral, e sim, de natureza eminentemente
civil/mercantil.
5. Considerações finais
Analisa-se que a jurisprudência e a doutrina têm se esforçado no intuito de
definir a abrangência do termo relação de trabalho, objetivando determinar a competência material da Justiça laboral, o que tem grande valia, diante da necessidade
de preservação dos valores sociais do trabalho e a dignidade da pessoa humana.
Constata-se que a constante evolução das normas trabalhistas decorre das
transformações do Direito do Trabalho, diante da globalização e fatores do
desenvolvimento tecnológico.
Assim, após anos de tramitação no Congresso Nacional, foi aprovada e publicada a Emenda de Reforma do Judiciário (EC 45/2004, de 08.12.2004), a
qual incluiu na competência da Justiça laboral as ações oriundas da relação de
trabalho.
34. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. CComp 117.722/BA, 1.ª Seção, j. 23.11.2011,
rel. Min. Castro Meira, DJe 02.12.2011.
35. “Constitui princípio hermenêutico o afastamento da norma geral, na existência de
norma especial específica para determinada situação jurídica, não podendo as duas
serem conjugadas, de forma a aplicar-se cumulativamente, visto sua natureza mutuamente excludente. Precedentes desta Corte.” BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Ap/Reexame Necessário 1190/SC (2006.72.11.001190-6), 2.ª T., j.
27.07.2010, rel. Carla Evelise Justino Hendges, DE 09.08.2010.
Werner, Felipe Probst; Santos, Veridiana Toczeki. Da (in)competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as
causas envolvendo relação jurídica entre representante e representado. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 53-71. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Atualidades
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Denota-se, entretanto, que ainda não se encontra pacificado na doutrina e
jurisprudência se a Emenda passou a incluir a relação jurídica existente entre
representante e representado como competência da Justiça do trabalho, pois
além de tal relação possuir regime próprio disciplinado por lei específica, inexiste entre as partes elemento primordial para caracterização de uma relação
de trabalho, qual seja: subordinação.
A questão é de suma importância, devendo ser enfatizado que o prosseguimento de processo por juiz posteriormente declarado absolutamente incompetente ocasiona a anulação de todos os atos decisórios, conforme § 2.º do
art. 113 do CPC/1973.
Diante disso, verificou-se que a questão é objeto de recurso extraordinário
no STF, no qual já foi reconhecida a sua repercussão geral, diante da possibilidade de repetição do tema em inúmeras ações. Inclusive, a Procuradoria Geral
da República deu parecer opinando pelo provimento do recurso, diante da
inexistência de vínculo empregatício entre o representante comercial e o representado, sendo a que relação revelaria um mero contrato comercial.
Conclui-se, portanto, que em que pese os entendimentos contrários, a relação jurídica legítima entre representante e representado trata-se de mera relação comercial/mercantil, tendo como objetivo resultado útil do trabalho realizado, relação jurídica definida em lei como não empregatícia e que também
não pode ser considerada relação de trabalho, diante da ausência de subordinação, salário e comumente da pessoalidade.
Em tempo, destaca-se que a inclusão do termo relação de trabalho, que
enseja a competência da Justiça obreira vincula-se à existência de labuta de
pessoa natural ou física, diante da preocupação do Judiciário com a venda da
força de trabalho da pessoa humana; e não pretende trazer para o âmbito da
Justiça do Trabalho relações oriundas de contratos mercantis nos quais impera
a igualdade entre os contratantes.
Portanto, não sendo verificada a pretensão de ser reconhecido um vínculo
empregatício, ou seja, quando o autor objetiva apenas direitos sonegados decorrentes do contrato de representação comercial, a competência para conhecer a causa é da Justiça comum e não da Justiça laboral, mesmo após o início
da vigência da EC 45/2004, já que as demandas não seriam de índole laboral,
e sim, de natureza eminentemente civil/mercantil.
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Pesquisas do Editorial
Veja também Doutrina
•Comentários ao contrato de representação comercial e a configuração do vínculo de
emprego, de Bianca Maria Ventura Carvalho Dias – RTNE 7/349-352, RTNE 8/349-352
(DTR\2014\21365);
• Contrato de representação comercial, de Sérgio Haas – Doutrinas Essenciais Obrigações e
Contratos 6/535-548 (DTR\2012\1342); e
• Representação comercial em relações paritárias e prescrição na cobrança de comissões:
incidência da disciplina contratual para negócios celebrados pelo representante durante as
tratativas, de Gustavo Tepedino – RDCC 4/323-351 (DTR\2015\13128).
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vol. 169. ano 42. p. 53-71. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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73
Breves linhas sobre a competência da justiça do trabalho para
apreciar as fraudes cometidas por cooperativas de trabalho –
uma visão compatível com a nova ordem processual
Summary lines on the jurisdiction of labor justice to appreciation
the fraud committed by working cooperative – a compatible with
the new vision of procedure order
Thereza Christina Nahas
Doutora em Direito do Trabalho e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP.
Doutora em Direito Internacional pela Escola Internacional
da Universidad Castilla la Mancha (Espanha) e investigadora pela mesma universidade.
Juíza do Trabalho (TRT-SP).
[email protected]
Área do Direito: Trabalho; Processual
Resumo: A nova ordem processual civil tem causado várias discussões e estudos no âmbito do
processo do trabalho com objetivo de se fixar os
institutos que se aplicarão de forma subsidiária
e compatível com esse último sistema. Reflexiono aqui sobre a questão da competência quanto
ao conhecimento e julgamento de arguições de
fraudes na constituição das cooperativas de trabalho, começando pela análise muito breve das
mudanças mundiais operadas no âmbito da produção e das relações de trabalho.
Abstract: The new civil procedural has caused
Palavras-chave: Código de Processo Civil (2015)
– Cooperativa – Fraude – Fórum Nacional de Processo do Trabalho e Enunciado publicado sobre o
tema – Transnacionalização.
Keywords: Civil Procedure Code (2015) – Cooperative – Fraud – National Forum of Labour Procedure and Statement published on the subject
– Transnationalization.
many discussions and studies on the work process in order to establish the institutions that
shall implement subsidiary form consistent with
this last system. Reflexiono here on the issue of
competence to daily graded recitations fraud
trial of knowledge in the constitution of labor
unions, starting with the very brief analysis of
global changes made in the production and labor
relations.
A entrada em vigor do Código de Processo Civil tem provocado várias discussões quanto à aplicação de seus reflexos no processo do trabalho. Como
se sabe, o processo do trabalho tem poucas normas reguladas na CLT e, com
Nahas, Thereza Christina. Breves linhas sobre a competência da justiça do trabalho para apreciar as fraudes
cometidas por cooperativas de trabalho – uma visão compatível com a nova ordem processual.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 73-82. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
a complexidade das relações fáticas e jurídicas que circundam o mundo do
trabalho e da economia, é certo que o âmbito conferido à norma processual
trabalhista restou insuficiente a tutelar eventuais conflitos, seja preveni-los,
seja com caráter repressivo ou reparador.
A discussão quanto à competência da Justiça Especializada já é antiga. A EC
45/2004, que cuidou da reforma do Poder Judiciário, já havia cuidado de elastecer a competência justamente para permitir que se inserissem situações jurídicas
que não cabiam no âmbito da CLT, como ocorre, por exemplo, com o trabalhador autônomo. Sabe-se que a CLT se destinou a regular as relações entre o
empregado subordinado, isto é, contratos de trabalho com subordinação estrita.
Todavia, as relações econômicas, os processos de integrações empresariais,
os ajustes econômicos entre países decorrentes dos pactos econômicos aceleraram as mudanças empresariais e a posição dos Estados quanto à quebra de
fronteiras, à redução de impostos, à entrada de capital e, principalmente, à ordem mundial até então vigente sobre estado soberano e comunidade política.1
O Consenso de Washington (1989) foi responsável pela fixação do processo
desencadeado na economia e pela etapa neoliberal do capital. Banco Mundial,
FMI e o Departamento do Tesouro americano decidiram estabelecer regras que
entendiam ser essenciais à promoção da economia dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades e cimentaram regras que foram aderidas
pelos vários países, dentre os quais, Brasil. Entre os objetivos traçados, citemos
a desregulamentação das relações econômicas e do trabalho, a mudança de
mercado e a abertura comercial. Em 1995, com a criação da OMC e as regras
expostas no Acordo Geral de Comércio e Serviços (AGCS), do qual o Brasil é
signatário, as relações se flexibilizaram ainda mais, pois o grande universo dos
serviços estava agora sob o regramento de uma instituição absolutamente econômica. Tudo isso contribuiu, no entanto, para que as relações entre trabalhadores e empregadores se aperfeiçoassem, isto é, tornassem-se mais complexas.
A cadeia de produção abrange vários países e não mais uma única região. E,
com isso, os pequenos produtores encontram muitas dificuldades para satisfazer as exigências do mercado global, seja pela ausência de tecnologia, seja pela
ausência de conhecimento e especialidade.
Um exemplo para marcar este entrelaçamento é dado pelo informe da OIT
sobre Desarrollo de Cadenas de Valor para El Trabajo Decente (Decav),2 em que
1. APARÍCIO TOVAR, Joaquín. Introducción al Derecho de la Unión Europea. Albacete
(Espanha): Editorial Bomarzo, 2005. p. 33.
2. Desarrollo de Cadenas de Valor para El Trabajo Decente (Decav). 2011. Disponível
em: [http://www.ilo.org]. Acesso em: março de 2016.
Nahas, Thereza Christina. Breves linhas sobre a competência da justiça do trabalho para apreciar as fraudes
cometidas por cooperativas de trabalho – uma visão compatível com a nova ordem processual.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 73-82. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Atualidades
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se conclui num caso concreto sobre a produção de bolsas de couro, em que a
culpa sobre o valor elevado do preço é das “vacas tontas”:
É certo que a interconexão entre empresas está tornando-se cada vez maior
em todo o mundo. O fenômeno decorre das mudanças no mercado mundial,
do enfraquecimento da posição do Estado que, para reduzir custos e sanear
a economia, optou pelas cláusulas do Consenso de Washington e por outros
fatores semelhantes que decorrem dos compromissos assumidos junto a organismos internacionais e pactos econômicos e financeiros realizados na escola
global.
Não quero aqui fazer nenhum estudo crítico ou relacionado ao fenômeno
das interferências das relações econômicas de trabalho. Nem sequer o enfoque
Nahas, Thereza Christina. Breves linhas sobre a competência da justiça do trabalho para apreciar as fraudes
cometidas por cooperativas de trabalho – uma visão compatível com a nova ordem processual.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 73-82. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
destas linhas está na interconexão entre as relações do trabalho e as econômicas, fatores que não se podem dissociar e que têm levado a vários estudos
da OIT justamente para realizar o programa do trabalho decente e que tem
justificado os informes e projetos para uma globalização equitativa3 e uma globalização justa para todos.4
Todavia, não se pode entender as alterações pontuais que vêm tendo a legislação do trabalho se não se analisa a interferência da economia transnacional
dentro do território nacional. Não só isso, mas a crise política e social que vem
atravessando o país faz com que não haja intenção do governo em tocar na
reforma trabalhista, fato este que se constata na mensagem da Presidente ao
Congresso Nacional para 2016. Não se pode permitir que o país siga regulando
as relações do trabalho atuais por um sistema da década de 40 do século passado, quando os contratos eram basicamente rurais e não se falava em tecnologia
no país.
Esta introdução torna-se necessária, ainda, para expor o ambiente político
e mundial que serviu para a reforma do art. 442 da CLT o qual, a partir de
1994, passou a ter a seguinte redação com a inserção do parágrafo único pela
Lei 8.949/1994:
“Art. 442. Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso,
correspondente à relação de emprego.
Parágrafo único. Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem
entre estes e os tomadores de serviços daquela”.
Não havia necessidade de que o legislador acrescentasse ao artigo a exclusão da relação jurídica subordinada. Os arts. 2.º e 3.º da CLT já dão os contornos de como se caracterizará o contrato de trabalho. Deste modo, a relação
de trabalho subordinada e com as cláusulas contratuais celetistas, formalizada
por escrito ou não, enquadrar-se-á na hipótese fática da CLT e por essa será
regulado. Some-se a isso o art. 90 da Lei 5.764/1971, que previa não existir
vínculo empregatício entre a cooperativa e seus associados, qualquer que fosse
o tipo de cooperativa.
O que explica a inserção do parágrafo ao citado artigo celetista nada mais é
do que a adesão aos acordos internacionais e a necessidade de se flexibilizar os
termos da contratação dos trabalhadores. Ao cenário internacional o que se lhe
vê são, justamente, as ações tomadas pelos governos para se cumprir os pactos.
3. Informe disponível em: [http://www.ilo.org]. Acesso em março de 2016.
4.Idem.
Nahas, Thereza Christina. Breves linhas sobre a competência da justiça do trabalho para apreciar as fraudes
cometidas por cooperativas de trabalho – uma visão compatível com a nova ordem processual.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 73-82. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Atualidades
77
Todavia, as cooperativas de trabalho não são uma novidade no cenário jurídico. Sempre existiram e não se pode dizer que são sempre fraudulentas. O que
ocorre é que, em face da ganância por se inserir no novo modelo de mercado
e sabendo-se que não há incentivos para a formação das empresas nacionais,
principalmente as pequenas, a necessidade de se estabelecer no mercado contribuiu para a formação de relações fraudulentas. Assim, algumas formações
de cooperativas foram (e são) fraudulentas, acobertando verdadeiros contratos
de trabalho típicos e subordinados, justamente para viabilizar a prestação de
serviços, isto é, a intermediação de mão de obra.
Todavia, há que se entender como funcionam e são regulamentadas as cooperativas de modo geral.
A sociedade cooperativa foi regulamentada no Código Civil, nos arts. 1.093
a 1.096, não revogando necessariamente a Lei 5.764/1971, que, por disposição
expressa do art. 1.093, segue em vigor. No contexto daquela lei, é um tipo de
sociedade simples que deve ser registrada em cartório (de pessoas jurídicas)
nos termos do art. 982 do CC/2002.
O legislador reservou à cooperativa a natureza jurídica de sociedade simples, justamente em razão da posição que têm os cooperados em relação à
pessoa jurídica, somando-se a isso o fato de a Constituição Federal incentivar
a formação destas pessoas jurídicas, reconhecendo que é fundamental para a
socialização da produção diante das novas fases que o mercado apresenta e dos
desafios trazidos pela nova ordem econômica mundial (art. 174, §§ 2.º a 5.º, e
art. 170, VIII). Assim, as sociedades cooperativas subordinam-se aos mesmos
princípios relativos às associações e gozam de liberdade de criação e funcionamento, desvinculada no controle estatal.
A Política Nacional de Cooperativismo, agasalhada pela Lei 5.764/1971,
dispõe que as atividades desenvolvidas poderão ser públicas ou privadas e que
podem agir de forma isolada ou coordenada, mas sempre voltadas a uma finalidade que seja reconhecidamente de interesse público.
As cooperativas possuem natureza sui generis, pois possuem uma dupla face,
interna e externa. Internamente, são uma organização civil, em que os cooperados se reúnem visando à melhoria de sua condição social e econômica. A sociedade cooperativa tem por fim voltar-se para o associado “visando a sua melhoria
econômica e social, o que vai ao encontro dos princípios inspiradores do cooperativismo, em contraposição aos interesses mercantilistas daqueles que prefeririam negociar diretamente com as pessoas naturais, ora associados cooperados”.5
5. MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967. p.
262-263.
Nahas, Thereza Christina. Breves linhas sobre a competência da justiça do trabalho para apreciar as fraudes
cometidas por cooperativas de trabalho – uma visão compatível com a nova ordem processual.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 73-82. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Portanto, internamente considerada, a cooperativa é uma sociedade de natureza eminentemente civil. Todavia, se observarmos seu caráter externo, age
como verdadeira sociedade empresária, negociando o produto ou mão de obra,
base e razão de ser da sua constituição.
Caracteriza-se por ser uma sociedade de pessoas, o que a diferencia da sociedade de capital. Observe-se que, originariamente, toda sociedade é de pessoas e
capitais, não sendo possível a constituição de uma coisa sem a outra. Ocorre que,
dependendo do tipo social, há prevalência do elemento pessoa sobre o capital
ou vice-versa. Conforme ensina Fábio Ulhoa Coelho “as sociedades de pessoas
são aquelas em que a realização do objeto sociedade depende mais dos atributos
individuais dos sócios que da contribuição material que eles dão. As de capital
são as sociedades em que essa contribuição material é mais importante que as
características subjetivas dos sócios. A natureza da sociedade importa diferenças
no tocante à alienação da participação societária (quota ou ações), à sua penhorabilidade por dívida particular do sócio e à questão da sucessão por norte”.6
Há que se observar que para que uma sociedade seja cooperativa terá que
respeitar as regras do art. 1.094 do CC/2002, quais sejam:
“I – variabilidade, ou dispensa do capital social;
II – concurso de sócios em número mínimo necessário a compor a administração da sociedade, sem limitação de número máximo;
III – limitação do valor da soma de quotas do capital social que cada sócio
poderá tomar;
IV – intransferibilidade das quotas do capital a terceiros estranhos à sociedade, ainda que por herança;
V – quorum, para a assembleia geral funcionar e deliberar, fundado no número de sócios presentes à reunião, e não no capital social representado;
VI – direito de cada sócio a um só voto nas deliberações, tenha ou não capital a sociedade, e qualquer que seja o valor de sua participação;
VII – distribuição dos resultados, proporcionalmente ao valor das operações efetuadas pelo sócio com a sociedade, podendo ser atribuído juro fixo ao
capital realizado;
VIII – indivisibilidade do fundo de reserva entre os sócios, ainda que em
caso de dissolução da sociedade”.
Fixadas estas premissas, parece induvidoso que, na relação cooperada, não se
aplicarão as regras da CLT. Isso se torna absolutamente claro com a promulgação
da Lei 12.690/2012 que regulou a chamada cooperativa de trabalho, o que resolve uma questão relacionada aos trabalhadores semidependentes. Fixa-se que
6. ULHOA COELHO, Fábio. Manual de direito comercial. São Paulo: Atlas, 2009.
Nahas, Thereza Christina. Breves linhas sobre a competência da justiça do trabalho para apreciar as fraudes
cometidas por cooperativas de trabalho – uma visão compatível com a nova ordem processual.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 73-82. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Atualidades
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resolve parte da questão, pois os trabalhadores cooperados são apenas uma parte
do vasto universo de trabalhadores semidependentes e não todas as situações.
Em boa hora veio a lei para conferir-lhes alguns diretos e inseri-los no sistema e
não os deixar marginalizados, como se passa com tantos outros.
Todavia, o fato da lei referida regular a relação dos trabalhadores cooperados para prestação de serviços, não permite que seja utilizada uma interpretação dissociada da regra geral das cooperativas que está prevista no Código
Civil. Isto é, esta lei especial em termos de organização social continua sujeita
às regras do Código Civil e se aplica a ela tudo que já se disse sobre as cooperativas. Sua constituição será feita nos termos do Código Civil e da Lei específica. Isso quer dizer que a formação, registro e dissolução seguirão as regras
civis, fato este que não se altera em face de ser fiscalizada pelo Ministério do
Trabalho (art. 17 da Lei 12.690/2012).
Caso a constituição da sociedade cooperativa seja irregular ou fraudulenta,
competirá ao Juízo civil apreciar ou julgar a questão quando levada ao Judiciário. Isso porque a matéria é de natureza civil e não mais trabalhista.
É certo que caso ocorra, por exemplo, o não cumprimento do art. 7.º da
Lei 12.690/2012, a competência para apreciar e julgar a questão é do Juízo
trabalhista que poderá, inclusive, incidentalmente, reconhecer que há fraude
na constituição da cooperativa. Todavia, o art. 114 da CF/1988 não estende a
competência do juiz do trabalho aos contratos de natureza civil ou mercantil e
não se pode confundir as relações de formação da sociedade cooperativa e sua
dissolução como pessoa jurídica, com aquela que se forma entre os trabalhadores e a cooperativa pessoa jurídica.
A competência da Justiça do Trabalho foi fixada pelo art. 114 da CF/1988 e não
há dúvidas de que estará adstrita às relações de trabalho, subordinado ou não, e às
relações atípicas desde que prevista no rol do referido artigo, quais sejam:
“III – as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;
IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato
questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;
V – os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista,
ressalvado o disposto no art. 102, I, o;
VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes
da relação de trabalho;
V – os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista,
ressalvado o disposto no art. 102, I, o;
VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes
da relação de trabalho;
Nahas, Thereza Christina. Breves linhas sobre a competência da justiça do trabalho para apreciar as fraudes
cometidas por cooperativas de trabalho – uma visão compatível com a nova ordem processual.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 73-82. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;
VII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I,
a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;
VIII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195,
I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;
IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei”.
Num conflito entre trabalhador e sociedade cooperativa e/ou tomador de mão
de obra, não cabe ao juiz do trabalho declarar com força de coisa julgada a desconstituição de uma sociedade cooperativa ou a anulação ou nulidade do ato que
a criou. Não se pode entender que a questão decorre da relação de trabalho, pois a
extensão do inciso não pode interferir ou atingir a esfera de outras competências.
Como tradicionalmente ocorre nas relações jurídicas, é certo que pode o
juiz decidir e declarar de forma incidente que uma relação é nula ou anulável,
mas só poderá fazê-lo com força de coisa julgada quando a matéria estiver
sujeita a sua jurisdição, caso que não se passa na situação jurídica aqui aventada. Tampouco o Código de Processo Civil de 2015 aventa ou viabiliza esta
possibilidade, qual seja, do juiz incompetente em razão da matéria julgar uma
questão incidental com força de coisa julgada.
Portanto, a redação proposta pelo Enunciado n. 14, aprovado no Fórum
de Direito Processual de Trabalho, ocorrido em março deste ano em Curitiba,
parece infringir a regra da competência material quando fixa o entendimento
de que “a Justiça do Trabalho tem atribuição para dirimir conflito de interesses
que diga respeito à atuação de cooperativa de trabalho e, constatada a fraude
na atuação do ente cooperativo, cabível o manejo da ação competente para fins
de se perseguir a dissolução da cooperativa”.
É certo que o juiz do trabalho terá competência para apreciar as questões
relativas ao eventual contrato de emprego existente entre o trabalhador e cooperativa ou cliente dela, inclusive para decidir sobre a existência ou não de
fraude no eventual contrato de trabalho. Todavia, não terá competência o juiz
do trabalho para decidir sobre a regular constituição ou dissolução da sociedade. Sendo assim, a sociedade simples, natureza essa da sociedade cooperativa,
será dissolvida caso ocorra (art. 1.033 do CC/2002):
“I – o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará
por tempo indeterminado;
II – o consenso unânime dos sócios;
III – a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo
indeterminado;
Nahas, Thereza Christina. Breves linhas sobre a competência da justiça do trabalho para apreciar as fraudes
cometidas por cooperativas de trabalho – uma visão compatível com a nova ordem processual.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 73-82. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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IV – a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e
oitenta dias;
V – a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar”.
Poderá, ainda, ser dissolvida judicialmente, a requerimento de qualquer
dos sócios, quando (art. 1034 do CC/2002):
“I – anulada a sua constituição;
II – exaurido o fim social, ou verificada a sua inexequibilidade”.
Sabendo-se que as cooperativas do trabalho guardam uma característica
especial ante sua proximidade com o contrato de trabalho e por regular uma
situação de trabalho semidependente, a fiscalização de seu fundamento é realizada, também, pelo Ministério do Trabalho, que poderá impor multas e penalidades e, nos casos ser constituída ou utilizada para fraudar deliberadamente
a legislação trabalhista, previdenciária e o disposto nesta lei acarretará aos responsáveis as sanções penais, cíveis e administrativas cabíveis, sem prejuízo da
ação judicial visando à dissolução da cooperativa.
Como se vê, a lei não dispõe sobre a dissolução e nem haveria necessidade
para tanto, já que, possuindo a natureza de sociedade simples, há procedimento próprio para que se concretize.
Portanto, entender-se que a desconstituição da cooperativa de trabalho possa ser declarada pelo Juiz do Trabalho no âmbito de sua competência é, data
máxima venia, contrariar o espírito da lei que procura inserir no sistema jurídico este tipo de trabalhador semidependente, que é por natureza uma espécie de
trabalhador autônomo, contrariando e permitindo que se associem por meio
de um tipo específico de sociedade; e ainda contrariar as regras gerais sobre
as sociedades estabelecidas no Código Civil, usurpando a competência do juiz
civil no âmbito de sua competência territorial.
Neste sentido acenou o TJDF quando decidiu conflito negativo de competência:
“Conflito negativo de competência. Vara de Falências, Recuperações Judiciais, Insolvência Civil e Litígios Empresariais. Vara Cível. Res. 23/2010.
Rol taxativo de competência. Ação rescisória c/c restituição e danos morais.
Inadimplemento contratual. Matéria eminentemente civil. Competência do Juízo Cível” (CComp 20130020235063CCP, 1.ª Câm. Civ.).
O STF, analisando reclamação constitucional, aparelhada com pedido de
medida liminar, proposta pelo Estado de Roraima contra decisão do Juízo da
3.ª Vara do Trabalho de Boa Vista/RR, acaba por manifestar sua posição de que
a competência para o julgamento das questões que envolvam o reconhecimento de fraude na constituição e funcionamento da cooperativa seria da Justiça
comum, ficando impedido de decidir sobre esta matéria em razão dos limites
Nahas, Thereza Christina. Breves linhas sobre a competência da justiça do trabalho para apreciar as fraudes
cometidas por cooperativas de trabalho – uma visão compatível com a nova ordem processual.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
da lide analisada. Reporta-se o Tribunal ao “parecer do Procurador-Geral da
República na Rcl 10.203. Confira-se:
“Ainda que, por outras razões, essa demanda não esteja submetida à competência da Justiça do Trabalho, não é possível aferir a competência nesta reclamação por ausência de identidade material entre o fundo de direito impugnado
e a interpretação consagrada na ADIn 3.395, o que, consoante a pacífica jurisprudência dessa Corte, impede o conhecimento da matéria pela via estreita da
reclamação.” 7. Por fim, imperioso registrar que não há presunção absoluta de
competência da Justiça comum quando seja parte na demanda a Administração Pública direta, autárquica e fundacional. Por mais que se saliente o restabelecimento do regime jurídico único pela MC na ADIn 2.315 e se entenda ali
inseridos também os servidores temporários, vários casos permanecem como
de alçada da Justiça obreira. São eles: (a) os trabalhadores que prestarem serviço subordinado e não eventual a órgão da Administração Pública direta, em
situação totalmente irregular, sem qualquer formalização; (b) os servidores
legitimamente contratados pela CLT no período entre a promulgação da EC
19/1998 e a concessão da medida cautelar na ADIn 2.135; (c) os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias, contratados nos
termos da Lei 11.350/2006. Pelo que se faz indispensável a prova do vínculo
estatutário, ou então de natureza singelamente administrativa”. Assim negou
seguimento a reclamação proposta (STF – Rcl 13304/DF, j. 07.03.2012, rel.
Min. Ayres Britto, DJe-052, divulg. 12.03.2012, public. 13.03.2012).
A busca da matéria em julgados é árdua. Quiçá em razão da novidade da
matéria. Sendo assim, o debate torna-se imperioso para discussão e fixação
daquilo que efetivamente for a melhor interpretação da lei para a efetividade
da jurisdição e em respeito as regras processuais do devido processo legal. Não
só deste enunciado, mas de muito outros, há que se guardar a maturação da
discussão o que somente se torna possível com a polêmica estabelecida e com
o estudo aprofundado de cada tema.
Pesquisas do Editorial
Veja também Doutrina
• Das cooperativas de trabalho instrumento usado na dissimulação da relação de emprego e
consequente alijamento dos direitos sociais, de Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson – RDT
153/73-90 (DTR\2013\10117); e
• O Ministério Público do Trabalho no combate às cooperativas de intermediação de mão-de-obra, de Erich Vinicius Schramm – RDPriv 38/63-119 (DTR\2009\271).
Nahas, Thereza Christina. Breves linhas sobre a competência da justiça do trabalho para apreciar as fraudes
cometidas por cooperativas de trabalho – uma visão compatível com a nova ordem processual.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 73-82. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Impactação dos precedentes judiciais como fonte
de direito no novo
CPC
e a influência
no processo do trabalho
The impact of judicial precedents as source of law
and its influence in the labor process
Cleusy Araújo Galindo
Especialista em Direito Judiciário e Magistratura do Trabalho e em Direito Previdenciário
pela Escola Superior da Magistratura Trabalhista da 6.ª Região. Especialista em Direito
do Trabalho e Processual do Trabalho pela Faculdade Damas (Pernambuco). Doutoranda
em Direito do Trabalho pela Universidade de Buenos Aires (Argentina). Pós-graduanda
em Direito do Trabalho pela Universidade de Buenos Aires (Argentina). Engenheira Civil pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Tutora on-line do CNJ. Docente da EJ6/PE. Assistente
de Gabinete do Desembargador Ruy Salathiel do TRT da 6.ª Região. Autora de artigos científicos
publicados na doutrina de renomadas revistas e periódicos especializados.
[email protected]
Área do Direito: Trabalho; Processual
Resumo: O tema central em estudo faz menção
aos precedentes judiciais tratados de forma incisiva no Novo Código de Processo Civil, que
está diretamente ligado ao Estado Democrático
de Direito no regime do civil law. Apesar de sua
aproximação com o common law verifica-se a
prevalência de cláusulas gerais, maior poder aos
magistrados e aplicabilidade de precedentes vinculantes. O legislador, na busca pela efetividade
do Processo Civil, sugere reformas significativas
que propiciam a celeridade, modelando-se conforme os anseios da sociedade e tendo como
meta atingir a celeridade e informalidade do
Processo do Trabalho, sua marca registrada, e
foco da problematização a ser trabalhada. Será
contextualizado o caminhar do Direito por um
sistema de precedentes vinculantes, onde se permeiam conceitos e técnicas a serem analisados.
Abstract: The central theme in the study mentions the judicial precedents dealt incisively Project in the new Code of Civil Procedure which
is directly connected to the democratic state of
law. The regime of civil law and their approach to
the common law where there is a prevalence of
general clauses, more power to the judges and
applicability of binding precedent. The legislature
in the quest for effectiveness of Civil Procedure suggests significant reforms that provide the
speed, shaping up as the desires of the society,
and with the goal of achieving the speed and informality of the Labour Process, its trademark. It
will be contextualized in firm steps of the Law for
a system of binding precedents where permeate
concepts and techniques to be analyzed.
Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no
processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
Palavras-chave: Precedentes vinculantes – Efetividade – Commom law – Civil.
Keywords: Binding precedent – Effective access
to justice – Speed.
Sumário: Introdução. 1. Noções gerais sobre hermenêutica e princípios na teoria geral do
direito. 2. Mudanças e rupturas trazidas pelo novo CPC no processo do trabalho. 3. Caracterização dos sistemas da civil law e common law. 4. O ativismo judicial e a supremacia
constitucional. 5. O precedente judicial como fonte do direito e seus efeitos no novo CPC.
Conclusão. Referências.
Introdução
Este trabalho tem como objetivo geral analisar as principais alterações contidas na Lei 13.105/2015, publicada em 16.03.2015, o novo Código de Processo Civil (CPC) brasileiro, e sua impactação no Processo do Trabalho. Será
abordada a segurança jurídica e celeridade na área civil, reconhecendo-se a
relevância do conjunto de mudanças inseridas no novo CPC, que teve sua
última reforma em 1973, gerando influência significativa, inclusive, no âmbito trabalhista, de modo que esta especificidade justifica o interesse no tema.
Assim, tal problemática será discutida no desenvolvimento deste artigo. Tem
como objetivo específico mostrar a importância da interpretação normativa
como vetor de conciliação e paz social, impulsionando o operador do Direito
a aplicar a norma escrita ao objeto do litígio, sem esquecer os elementos concretos e viventes no meio social, analisando as mudanças trazidas pelo novo
CPC1 ao Processo do Trabalho na tentativa de dirimir dúvidas acerca da real
efetividade e celeridade a ser atingida pelo referido diploma processual com a
utilização dos precedentes judiciais. Serão caracterizados os sistemas do commom law e do civil law, seus principais institutos, definições, suas origens e
aplicações nos dias atuais.
Em sequência será tratado o ativismo judicial e a sua relação com o Poder
Judiciário brasileiro, em face do modelo constitucional aplicado em 1988 e a
supremacia constitucional acompanhando as modificações do Direito Constitucional fundadas na forma de pensar e na efetiva prática do Direito. O estudo
do sistema jurídico brasileiro será tratado para, ao final, identificar a possibilidade ou não da adoção de precedentes no Direito brasileiro e extrair algumas
conclusões e outros questionamentos acerca do tema proposto.
1. BRASIL. Lei 13.105/2015. Código de Processo Civil. Disponível em: [www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm]. Acesso em: 11.10.2015.
Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no
processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Atualidades
85
Nessa esteira de condutas, serão trabalhados os precedentes judiciais como
fonte do Direito e seus efeitos no Novo CPC, trazendo à baila a uniformização
das decisões proferidas nos Tribunais nos processos que apresentem conteúdos
semelhantes nos litígios, de modo que as demandas repetitivas sejam facilmente sanadas com o reconhecimento de precedentes judiciais. Enfatizando-se,
ainda, o reconhecimento da jurisprudência como fonte do Direito comum aos
diversos ordenamentos jurídicos, são verificadas divergências quanto a sua eficácia e operacionalização nos sistemas do civil law e common law.
Frise-se que a pesquisa bibliográfica será baseada em fontes doutrinárias
nacionais sobre o tema proposto, e, consequentemente, chegando a conclusões
palpáveis.
1.Noções gerais sobre hermenêutica e princípios na teoria geral do
direito
A ciência do Direito imputa à hermenêutica uma característica controvertida com discussões nos meios jurídicos, que se origina do grego, hermeneúein
e deriva do Deus Hermes, o intérprete da vontade divina,2 do ponto de vista
etimológico. O termo vem de intérprete, palavra latina inter pres, que significa
“aquele que”, “o advindo”, como menciona Raimundo Itamar L. F. Júnior apud
Luiz Fernando Coelho, ao expor que:
“(...) atividade de interpretação, pelo visto, também tem gênese religiosa,
especialmente nas tarefas do adivinho, objetivando predizer o futuro. O conteúdo jurídico que aderiu a expressão fez com que a palavra interpretar, no
decorrer da historia, ganhasse o sentido de ‘desentranhar’ o significado das
palavras da lei”.3
O conhecimento humano parte de princípios cuja origem é a ciência e as
aplicações. No mundo jurídico, a hermenêutica estabelece critérios, métodos,
com diretrizes gerais, ou melhor, fixa princípios que regem a interpretação
por ter caráter prático no que se refere a sua aplicabilidade, buscando nela
ensinamentos. É o repertório construído por enunciados respeitados pela via
interpretativa. Do ponto de vista prático, o magistrado, na análise do caso concreto, precisa conhecer, além dos fatos que envolvem o litígio, o Direito pro-
2. BARROS, Alice Monteiro. Curso de direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: Ed. LTr, 2006.
p. 125.
3. COELHO, Luiz Fernando. Lógica jurídica e interpretação das leis. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 182-183.
Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no
processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
priamente dito, para que possa revelar o alcance das normas aplicáveis e sua
exitosa aplicabilidade no seio da comunidade, para que triunfe a ordem social,
a segurança jurídica e consequentemente a justiça. Os lexicólogos costumam
tratar os termos interpretação e hermenêutica como sinônimos, não obstante
na esfera jurídica eles se mostrem de forma distinta, técnica e ciência, respectivamente.
Citando Machado Neto, Luiz Fernando Coelho explica que a hermenêutica jurídica trata dos princípios que disciplinam a definição dos conteúdos,
sentidos e fins das normas jurídicas, enquanto que a interpretação significa,
na prática, o referencial teórico elaborado por aquela, adaptando os preceitos
às situações de fato.4 Assim, o aplicador do Direito deve imergir nas técnicas
jurídicas para que haja a correta aplicação da norma ao caso sub judice, sem se
esquecer de analisar os fatos sociais onde está inserida a amostra social, identificando, por conseguinte, as causas dos problemas que afligem a coletividade
e, assim, interpretar o texto de lei com o ideário de justiça, requerendo uma
interpretação clara cuja aplicação não deixe dúvidas. Porém, podem acontecer
diversas interpretações, já que a linguagem normativa pode não apresentar
significados unívocos. Sem contar que em algumas hipóteses o texto legal vem
empobrecido com erros gramaticais, que confundem sobremaneira a interpretação correta da norma jurídica.
Portanto, as considerações mencionadas, apesar de informarem com evidência a importância da interpretação normativa, não são suas únicas justificativas: a maior razão de ser da atividade interpretativa consiste na obrigatoriedade do Estado na realização da paz social, dirimindo conflitos de
interesses, visando manter a ordem jurídica, obrigando o operador jurídico a
aplicar regras de interpretação jurídica, visando a adequar e aplicar a norma
escrita ao objeto do litígio, sempre atento aos elementos concretos e vivos da
experiência social.5
No entanto, a análise jurídica de forma superficial poder-se-á mostrar
transparente em seus conceitos e aplicação, ao passo que se revelará com nova
roupagem e complexidade se considerada em seus fins, nos seus precedentes
históricos, nas suas conexões com os elementos sociais que agem sobre a vida
do Direito na sua aplicação a relações que, como produto de novas exigências
e condições, não poderiam ser consideradas, ao tempo da formação da lei, na
4. Idem, p. 177.
5. DELFINO, Lúcio. A importância da interpretação jurídica na busca da realização
da justiça. Disponível em: [https://jus.com.br/artigos/29/a-importancia-da-interpretacao-juridica-na-busca-da-realizacao-da-justica]. Acesso em: 25.10.2015.
Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no
processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Atualidades
87
sua conexão com o sistema geral do Direito positivado vigente. Celso Ribeiro
Bastos6 assevera que a interpretação é verdadeiramente uma arte e a compara
às tintas que se apresentam ao pintor como enunciados hermenêuticos que são
deixados ao tirocínio do intérprete, bem assim que a hermenêutica e a interpretação levam a atitudes intelectuais muito distintas, a seguir:
“(...) Por isso, não é possível negar, da mesma forma, o caráter evidentemente artístico da atividade desenvolvida pelo intérprete. A interpretação já
tangencia com a própria retórica. Não é ela neutra e fria como o é a hermenêutica. Ela tem de persuadir, de convencer. O Direito está constantemente em
busca de reconhecimento. Não se quer que o intérprete coloque sua opinião,
mas sim que ele seja capaz de oferecer o conteúdo da norma jurídica de acordo com enunciados ou formas de raciocínio explícito, previamente traçados e
aceitos de maneira mais ou menos geral, (...).
(...) para evitar a confusão com as regras jurídicas propriamente ditas, preordenem-se a uma atividade ulterior de aplicação, o fato é que eles podem
existir autonomamente do uso que depois se vai deles fazer. Já a interpretação
não permite este caráter teórico-jurídico, mas há de ter uma vertente pragmática, consistente em trazer para o campo de estudo o caso sobre o qual vai se
aplicar a norma”.7
Não se pode apenas conhecer as regras a serem aplicáveis para determinar o
sentido e o alcance dos textos, faz-se imprescindível reuni-las harmonicamente
e oferecê-las ao estudo, em um encadeamento lógico, como ensina Carlos Maximiliano.8 Frise-se que os métodos e formas de interpretação, bem como de
integrar a ordem jurídica e aplicar o Direito ao caso concreto têm sofrido mutações no decorrer da história, o que implica uma maior ou menor valorização
dos princípios pelos juristas.9
Quanto aos princípios na Teoria Geral do Direito, não há mais espaço na
ciência jurídica para compreendê-los como meras técnicas integrativas subsidiárias, incidentes apenas em face da omissão da lei, assim como se observa
6. BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso
Bastos Ed., 1997. p. 79-80.
7. Idem, p. 22.
8. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense,
1994. p. 5.
9. FERNANDES JÚNIOR, Raimundo Itamar Lemos. O direito processual do trabalho à
luz do princípio constitucional da razoável duração: a aplicação da reforma do CPC ao
processo do trabalho fase por fase. São Paulo: Ed. LTr, 2008. p. 18.
Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no
processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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no disposto na Lei de Introdução ao Código Civil10 em seu art. 4.º. São como
modalidades de normas, as quais se mostram capazes de guiar, direcionar e
conduzir comportamentos sociais, de igual sorte como as regras, as quais são
espécies de normas que têm sua origem no termo latino principium – século
XIV, do qual advém a expressão principiare, originariamente do latim que significa iniciar, começar, abrir – século XV, como menciona Antônio Cunha.11
Na visão de Miguel Reale, a expressão princípio, em sentido figurado, pode
ser vista como sendo as vigas mestras de um edifício, que atuam como ponto
de referência e, ao mesmo tempo, elementos que dão unidade ao todo. Conclui
dizendo que uma ciência é como um grande edifício que possui também colunas mestras. A tais elementos básicos, que servem de apoio lógico ao edifício
científico, é que se chama de princípios, havendo entre eles diferenças de destinação e de índices, na estrutura geral do conhecimento humano.12
Para o autor clássico Américo Plá Rodrigues, ao tratar em trabalho de sua
autoria sobre o tema, o define como sendo “linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções, pelas
quais podem servir para promover e embasar a aprovação de novas normas,
orientar a interpretação das existentes e resolver casos não previstos”.13
Celso Antônio Bandeira de Mello aduz que a violação de um princípio pode
ser considerada de maior gravidade, da mesma forma que a transgressão de
uma norma, uma vez que ele se revela como sendo um “mandamento nuclear
de um sistema, seu verdadeiro alicerce, disposição fundamental que se irradia
sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para
sua exata compreensão e inteligência, exatamente por exigir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido
harmônico”.14
10. BRASIL. Lei 10.406/2002. Institui o Código Civil. Disponível em: [www.planalto.
gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm]. Acesso em: 25.10.2015. “Art. 4.º Quando a
lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
11. CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico nova fronteira da língua portuguesa. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1982. p. 635.
12. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1985. p. 57.
13. RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. São Paulo: Ed. LTr, 1993.
p. 16.
14. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Elementos de direito administrativo. São Paulo: Ed. RT, 1981. p. 230.
Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no
processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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A temática dos princípios teve alguns ciclos na história do Direito. Pode-se dizer que o primeiro momento foi a fase jusnaturalista, no qual não se
observava a normatização dos princípios, porém eles influenciavam na construção do Direito ou mesmo serviam de arcabouço para se criar regras como
fontes materiais para a produção do ordenamento jurídico, deixando certo
que o espírito ético de justiça era o norte a ser atingido. Havia considerável
distanciamento dos efeitos do Estado para essa construção de valores e pretensões legítimas.
A partir do século XX surge o positivismo radical, deixando-se para trás o
ideário jusnaturalista, efetivando-se o espírito revolucionário, que se materializou desde a Revolução Francesa em 1789, época em que se priorizava uma
visão estática do Direito, sem possibilitar abertura para as transformações jurídicas, imperando a visão privatista com a preeminência do Código Civil. Fase
em que o valor principiológico decresce e se instala o positivismo radical, que
em momento posterior assume a existência de lacunas no ordenamento jurídico, indo encontrar subsídios nos princípios como método auxiliar supletório
do Direito, de modo que os princípios são inferidos do próprio ordenamento,
por um processo de indução e abstração, como alega Fernandes Júnior.15
Portanto, os princípios se colocam como fonte supletiva e com papel influenciador e auxiliar na interpretação das regras, como recomenda a hermenêutica jurídica. E, por este motivo, Maurício Godinho Delgado16 entende que
se incorpora a função informativa aos princípios, com a finalidade de auxiliar
no processo de revelação e compreensão das regras. Pode ser que sejam também utilizados de forma supletiva, como verdadeiras normas jurídicas na qualidade de fontes formais.
Na teoria geral do Direito, os princípios gerais são de certa forma introduzidos no processo de indução ou abstração, e, para suprir os gaps,17 deve-se buscar a analogia. Contudo, existe certa celeuma acerca do entendimento
sobre tais institutos, os quais possuem função interpretativa e integrativa, de
modo que alguns doutrinadores entendem que há relação com o Direito pátrio,
abstraídos por indução, à luz do normativo jurídico de cada nação. Outros já
defendem que têm relação com o ordenamento de todos os povos, os quais
são comuns a determinados sistemas característicos, o civil law e common law,
15. FERNANDES JÚNIOR, Raimundo Itamar Lemos. Op. cit., p. 72.
16. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Ed. LTr, 2002.
p. 19.
17. Gaps: omissões
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como aponta Miguel Reale.18 Há, ainda, os que entendem que os princípios
gerais do Direito são os princípios do Direito Natural.
A predominância é no sentido de que tais princípios gerais do Direito são
extraídos do ordenamento jurídico de um dado Estado, mesmo que alguns
deles tenham suporte no Direito Comparado, como entende Fernandes Júnior.19 Assumem os princípios, papel auxiliar na interpretação ou, até mesmo,
suprem lacunas com sua hegemonia axiológica e caráter normativo próprio,
minimizando ou atribuindo dimensão própria ao pensamento dogmático do
Direito, retirando o fim ético e a legitimidade do Direito, fatores que definem
os sistemas totalitários e fascistas. É por esta razão que Luís Roberto Barroso
aponta que a superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do
positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de
reflexões sobre o Direito, sua função social e sua interpretação.20
Estudados estes institutos, passa-se à análise das mudanças que os precedentes provocam e sua interpretação no Direito do Trabalho.
2.Mudanças e rupturas trazidas pelo novo CPC no processo do
trabalho
A intenção do novo Código é promover um processo mais célere, justo e
com menor complexidade, de forma que tais mudanças seriam incorporadas
de imediato ao Processo do Trabalho para atingir a máxima efetividade e menor tempo na contenda judicial. Neste instituto processual codificado, em seus
arts. 1.º, 6.º e 8.º, verificam-se verdadeira harmonia com o art. 8.º da CLT,21 ao
tratar que na ausência de dispositivo legal ou contratual na esfera trabalhista, ser possível decidir, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia,
por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente
do direito do trabalho e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito
comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público, como reza o referido dispositivo
consolidado. Estando, inclusive, este mesmo artigo em perfeita consonância
18. REALE, Miguel. Op. cit., p. 73.
19. FERNANDES JÚNIOR, Raimundo Itamar Lemos. Op. cit., p. 73.
20. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6. ed. São Paulo:
Saraiva, 2004. p. 363.
21. BRASIL. Lei 5.869/1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: [www.
planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869compilada.htm]. Acesso em: 04.09.2015.
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processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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com o art. 769 do NCPC: “Nos casos omissos, o direito processual comum
será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que
for incompatível com as normas deste Título”, que foi preconizado no projeto
do código em seu art. 14: “na ausência de normas que regulem os processos
penais, eleitorais, administrativos ou trabalhistas, as disposições deste Código
lhes serão aplicadas supletivamente”. Importante alertar que nas novas disposições, em comparação com o CPC de 1973,22 não será possível abolir o que
dispõem os arts. 769 e 889 da CLT, sob pena de configurar-se a contramão do
Processo do Trabalho. A preocupação reside no fato de o art. 10 do NCPC,23
que traz:
“Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base
em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade
de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual tenha que decidir
de ofício”.
Citado dispositivo impõe ao juiz a impossibilidade de decidir em grau algum de jurisdição sem que seja dada a oportunidade às partes de se manifestarem, mesmo que sua decisão seja de ofício. Visível agressão à celeridade processual, de forma que tal dispositivo não poderá ser aplicado subsidiariamente
na esfera trabalhista, uma vez que haveria a violação direta aos princípios da
informalidade, concentração e celeridade, como já mencionado acima.
Dispõe José Antonio Pancotti24 sobre as polêmicas geradas pelos novos artigos do CPC, desde a sua elaboração (anteprojeto elaborado pela Comissão
de Juristas instituída pelo Ato do Presidente do Senado Federal 379, de 2009),
discordando, inclusive do Prof. Antônio Teixeira Filho, como segue:
“Neste ponto, ouso discordar do ilustre e respeitado professor Manoel Antonio Teixeira Filho, quando sustenta que não há harmonia, mas polêmica,
entre o art. 14 do anteprojeto e o art. 769 da CLT, afirmando que ‘a aplicação
é subsidiária por omissão axiológica, ontológica ou normativa’. Os requisitos
para se admitir a subsidiariedade do Código de Processo Civil ao processo do
22. BRASIL. Decreto-lei 5.542/1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: [www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm]. Acesso em:
04.09.2015.
23. BRASIL. Lei 13.105/2015. Código de Processo Civil. Disponível em: [www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm]. Acesso em: 11.10.2015.
24. PACOTTI, José Antonio. Anteprojeto do CPC e repercussões no processo do trabalho. Revista do TST. vol. 78. n. 1. p. 109. Disponível em: [http://aplicacao.tst.jus.br/
dspace/bitstream/handle/1939/29617/005_pancotti.pdf?sequence=”4].” Acesso em:
09.11.2015.
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trabalho são simultâneos: omissão e compatibilidade com a normatização da
Consolidação das Leis do Trabalho. Destes parâmetros não se pode prescindir
para a aplicação supletiva do Código”.
Defendeu, à época, Antonio Pancotti25 o que segue:
“(...) a marca de celeridade do processo do trabalho pode perder terreno, em alguns aspectos, com os avanços das sucessivas minirreformas do
atual Código de Processo Civil (antes do NCPC), especialmente na fase de
liquidação e cumprimento da sentença, se se comparar o procedimento da
liquidação por simples cálculo, a teor do art. 475-A e ss. e com o que estabelece art. 879 da CLT. Estas inovações do Código de Processo Civil albergadas
no anteprojeto imprimem maior celeridade, ainda, na medida em que elimina a
necessidade de citação do devedor, mediante simples intimação, enquanto a CLT
conserva a determinação de citação (art. 880), inclusive para a execução de
acordos inadimplidos, mesmo celebrados em audiência com a presença das partes. Sustenta-se, portanto, que a Consolidação das Leis do Trabalho, mesmo
nos pontos em que for omissa, não veda ao juiz do trabalho lançar mão de
preceito do Código de Processo Civil que melhor atenda à celeridade e à efetividade do processo do trabalho, porque se estará procurando dar cumprimento ao preceito de direito fundamental da razoável duração do processo
e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, consoante o inciso
LXXVII da CF/1988, agora reproduzido no art. 4.º ao dispor que: As partes
têm direito de obter em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a
atividade satisfativa. Não se pode, porém, criar um ambiente de crise ou de
afronta, ao contrário, deve priorizar o princípio da segurança jurídica, por
uma hermenêutica conforme a Constituição, afastando a aplicação tumultuária dos avanços do Código de Processo Civil a pretexto de subsidiariedade
ou, como queira, em caráter supletivo. O anteprojeto do novo Código de Processo Civil é enfático em estabelecer regras no caminhar do procedimento,
a fim de que os litigantes tenham à sua disposição normas claras, precisas,
objetivas e concisas. Obriga o magistrado a tomar atitudes antes impensadas.
Assim, a ausência de pressupostos processuais deve ser noticiada à parte para
que, se possível, a corrija (art. 350) ou se os atos e procedimentos revelarem-se inadequados às peculiaridades da causa, deverá o juiz, ouvidas as partes
e observados o contraditório e ampla defesa, promover o necessário ajuste
(§ 1.º do art. 151), ou como se verá logo abaixo, introduz a estabilização da
demanda, consoante (art. 314). É visível no anteprojeto a prioridade da ausência de surpresas para os litigantes, a flexibilidade formal dos atos e proce-
25.Idem.
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dimentos e a exigência da mais completa fundamentação dos despachos e das
decisões, com absoluta atenção e à relevância dos princípios constitucionais
que informam o direito processual: o contraditório, a ampla defesa, do devido processo legal, iniciando expressamente por preconizar que, ao aplicar
a lei, o juiz atenderá aos princípios aos fins sociais a que se dirige e às exigências do bem comum, observando os princípios da dignidade humana, da
razoabilidade, da impessoalidade da decisão, da moralidade, da publicidade
e da eficiência (CPC, art. 6.º)” (grifo nosso).
Portanto, será possível que o juiz trabalhista possa reconhecer e legitimar
a aplicação dos novos dispositivos processuais codificados, uma vez que se
mostrarem peculiares, mesmo existindo pontos de divergências e até mesmo
se observe outros aspectos absolutamente incompatíveis com o processo trabalhista, na tentativa de tornar o processo mais célere e eficaz. Cite-se o art. 140
do NCPC,26 que restringe a atuação do juiz para proferir sentença a partir da
equidade, indo de encontro com o que dispõe o art. 8.º da CLT.
Verificam-se, ainda, tópicos passíveis de análise quanto à aplicação subsidiária ao Processo Trabalhista, os quais não serão tratados nesta pesquisa, em
virtude de o foco ser os precedentes judiciais.
Frise-se a ausência no texto do NCPC acerca do processo coletivo, uma
vez que se utilizam das regras do Código de Defesa do Consumidor27 (CDC)
para sanar a ausência, emitindo, inclusive, sentimento contrário à demanda coletiva, como se verifica no parágrafo único do art. 18 do novo CPC,
que em caso de substituição processual o substituído será cientificado e, se
nele intervir, fará cessar a substituição, transformando em representação
processual. Mais um aspecto relevante é a limitação do litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes contida nos §§ 1.º e 2.º do art. 113
do novo CPC.
Observa-se no art. 186 do CPC outra inaplicabilidade para o Processo do
Trabalho, porquanto dispõe de regramento segundo o art. 8.º da CLT. Outros
dispositivos estão se mostrando inservíveis ao Processo Trabalhista na medida
em que ferem dispositivo existente ou mesmo vão de encontro com princípios
basilares dos Direitos materiais e processuais do Trabalho.
26. BRASIL. Lei 13.105/2015. Código de Processo Civil. Disponível em: [www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm]. Acesso em: 11.10.2015.
27. BRASIL. Lei 8.078/1990. Código de Defesa do Consumidor. Dispõe sobre a proteção
do consumidor e dá outras providências. Disponível em: [www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm]. Acesso em: 11.10.2015.
Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no
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3. Caracterização dos sistemas da civil law e common law
Para estruturar a análise dos temas acima enumerados, algumas digressões teóricas são necessárias. Após a Segunda Guerra mundial, ocorreu a
“americanização”28 da vida em múltiplos domínios, inclusive na vida jurídica,
podendo ser citado o Direito Constitucional. A disseminação do modelo que
teve seu marco inicia como o case em Marbury versus Madison, quando estava
na presidência da Suprema Corte americana Earl Warren. Luís Roberto Barroso29 assevera que:
“Havia a centralidade da Constituição, controle de constitucionalidade com
supremacia judicial e judicialização das grandes controvérsias em torno da
realização dos direitos fundamentais. Nesse contexto, é observada essa mesma
corrente no direito brasileiro. Será feito um breve relato sobre os seus principais institutos, definições acerca do common law e civil law, suas origens, seus
conceitos e aplicações nos dias atuais. Em sequência, passa-se ao estudo do
ativismo jurídico e constitucionalização no sistema jurídico brasileiro, para,
ao final, identificar a possibilidade ou não da adoção de precedentes no direito
brasileiro e extrair algumas conclusões e outros questionamentos. É observada
a americanização do direito brasileiro. No curso do processo de incorporação
desse modelo de constitucionalismo, os países da tradição romano-germânica
passaram por transformações extensas e profundas. Dentre elas é possível destacar o fenômeno referido como constitucionalização do Direito, no qual se
inserem a aplicação direta e imediata da Constituição às relações jurídicas em
geral, o controle de constitucionalidade e a leitura do direito infraconstitucional à luz dos princípios e regras constitucionais. Juízes, tribunais, e, especialmente, os tribunais constitucionais tornaram-se mais atuantes e ativistas,
potencializando o desenvolvimento de novas categorias da interpretação constitucional”.
Historicamente o Brasil adotou o sistema jurídico civil law, de origem romano-germânica, no qual as leis se consubstanciam nas principais fontes de
28. Commonização – seria uma nomenclatura mais adequada, uma vez que o Direito Inglês deu origem a esse sistema que usa os costumes para resolver suas demandas
judiciais.
29. BARROSO, Luís Roberto. A americanização do direito constitucional e seus paradoxos: teoria e jurisprudência constitucional no mundo contemporâneo. Interesse Público. ano 12. n. 59. Belo Horizonte, jan.-fev. 2010. Disponível em: [www.editoraforum.
com.br/ef/wp-content/uploads/2014/09/A-americanizacao-do-direito-constitucional-e-seus-paradoxos.pdf]. Acesso em: 10.10.2015.
Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no
processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Direito. Todavia, com o passar dos anos, com a sua constitucionalização, e sob
a influência americana, tem cada vez mais se aproximado do sistema jurídico
common law, de origem anglo-saxônica, cujos fundamentos advêm dos usos,
costumes e jurisprudência. Sofre os reflexos das divergências jurisprudenciais,
de modo que a sociedade transpira insegurança jurídica. Diferentemente do
que ocorre no common law que se mostra respeitoso aos precedentes judiciais
como fonte primária do Direito, conferindo tranquilidade aos que recorrem ao
Judiciário, dada à previsibilidade nas decisões proferidas pelo Juízo tanto de
primeira como de segunda ou terceira instância.
Nos dias atuais, observa-se uma tendência ao hibridismo no Brasil com a
utilização de precedentes vinculantes na solução dos conflitos no judiciário,
não esquecendo o que Dworkin30 aponta precipuamente acerca da necessidade
de coerência na aplicação do Direito.
Subsiste no common law uma valorização dos precedentes judiciais, decisões tomadas em face de casos concretos, cuja essência é extraída para
orientar casos posteriores que versem sobre matéria semelhante. Isso culminou na teoria dos precedentes stare decisis (força obrigatória do precedente),
segundo a qual as cortes inferiores estão vinculadas aos precedentes proferidos pelas cortes superiores. Da teoria dos precedentes destacam-se alguns
institutos, tais como a ratio decidendi (nominado pelo norte-americano de
holding), que abrange a norma jurídica aplicada na decisão do caso concreto
(aspecto objetivo) e a motivação empregada pelo julgador para solucionar a
questão que lhe foi submetida (aspecto subjetivo), bem como o obiter dictum,
fundamentos acessórios da decisão judicial, tais como impressões, opiniões,
que embora expostas, são dispensáveis à individualização da norma pelo
magistrado. A técnica denominada distinguishing, por sua vez, corresponde
à comparação existente entre o caso em análise e um precedente anterior,
sendo que quando restar constatado que existe dissonância entre ambos,
não se aplicará ao caso posterior a ratio decidendi aplicada em momento antecedente, ou seja, ela busca essa análise de similitude ou distanciamento
entre o caso concreto e outro paradigma, chegando a uma conclusão acerca
da inexistência de semelhança entre os fatos fundamentais discutidos com
aqueles que serviram de base a ratio decidendi (tese jurídica) do precedente,
afastando a possibilidade de aplicação deste.
30.DWORKIN, Ronald. Law’s Empire. Oxford: Hart Publishing, 1998. p. 225-238;
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo:
Martins Fontes, 2007. p. 271-286.
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Frise-se que não é o caso de o precedente não poder mais ser usado em
outras circunstâncias. Na verdade, o holding31 do precedente não se aplica ao
caso concreto que está sendo analisado, e não provoca a exclusão dele, diferentemente do que ocorre com o overruling, onde há um rompimento brusco
e irremediável abandono deste instituto. É, portanto, a superação total de um
precedente anterior por outro mais moderno, por razões de adequação ao novo
entendimento do magistrado, que procede a uma nova valoração das circunstâncias relativas àquela matéria. Assim, observa-se a possibilidade de revisão
do precedente a qualquer tempo, muito embora tal conduta não seja tomada
com frequência, porém, faz-se necessário uma maior argumentação com fundamentos novos, ainda não trazidos à baila, uma vez que será criado um novo
instituto jurídico. O órgão julgador descarta a orientação antiga por estar obsoleta e adota nova postura em função do distanciamento do referido instituto,
que perdeu a congruência social e inconsistência sistêmica ao não guardar
mais qualquer relação com as outras decisões, como menciona Ataíde Júnior.32
Cabe mencionar a existência do anticipatory overruling que se mostra como
a não aplicação preventiva por órgãos inferiores do precedente das cortes superiores, as quais já sinalizaram a possível superação do precedente, de modo
que o juízo a quo aguarda a modificação dele. A outra forma de superação do
precedente é chamada de overriding e se caracteriza pela limitação da incidência do precedente pelo tribunal, em função da superveniência de uma regra ou
princípio legal. Ocorre na verdade uma superação parcial, semelhante a uma
revogação parcial da lei. Frise-se que a superação do precedente não se confunde com o reversal, quando ocorre a modificação do julgamento do recurso na
segunda instância alterando entendimento do órgão a quo.
Conclui-se que as técnicas de overruling e overriding proporcionam o arejamento do Direito costumeiro e impedem seu engessamento, uma vez que
trazem novos olhares ao sistema, mantendo-o atualizado. Permitem, assim,
que ocorra a flexibilização do ordenamento jurídico presente no common law,
indispensável à evolução e ao progresso do Direito. Em que pesem entendimentos, no sentido de que ainda não vigora no ordenamento jurídico pátrio a
teoria dos precedentes, sob o argumento de que a eficácia das decisões judiciais
31. Holding termo utilizado pelos norte-americanos que tem o mesmo significado do
ratio decidendi, norma de caráter geral constante na fundamentação da decisão, construída pela jurisprudência, compreendida à luz do caso concreto; eficácia transcendente dos motivos determinantes.
32. ATAÍDE JÚNIOR, Jaldemiro Rodrigues de. Precedentes vinculantes e irretroatividade
do direito no sistema processual brasileiro:os precedentes dos tribunais superiores e sua
eficácia temporal. Curitiba: Juruá, 2012. p. 130-131.
Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no
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é definida por lei, já se faz presente, não só por meio das súmulas vinculantes
editadas pelo STF (art. 103-A da CF/1988,), como também da jurisprudência,
em geral, porquanto é inerente à própria atividade do Poder Judiciário, que
decisões precursoras proferidas à luz do caso concreto acabem por influenciar
futuros julgamento em casos análogos.
Outras considerações de absorção do common law são as súmulas impeditivas de recurso (art. 518, § 1.º, do CPC/1973), incidente de uniformização
da jurisprudência (art. 476 do CPC/1973) e julgamento de recursos repetitivos (art. 543-C do CPC/1973). De fato, a Lei 13.105/2015 (NCPC), trata
dos institutos supracitados relativos aos precedentes judiciais, demonstrando
claramente a tendência de “americanização” do Direito brasileiro (tratada em
item a seguir). Nela tornou-se obrigatória, no âmbito do Processo do Trabalho
a instauração de Incidentes de Uniformização de Jurisprudência, que quando
solucionados firmam paradigmas capazes de viabilizar, ou não, o conhecimento de Recursos de Revista por divergência (art. 896, § 6.º, da CLT).
Assim, entende-se importante a utilização da teoria dos precedentes, que
pode significar um grande avanço, porquanto visa dar mais estabilidade e segurança jurídica ao ordenamento jurídico, aplicando-se, aos casos semelhantes
em julgamento, precedentes anteriormente firmados, garantindo previsibilidade e isonomia às decisões, além de diminuir o excessivo número de demandas
e recursos para os tribunais superiores.
Numa visão panorâmica acerca das principais distinções entre os dois sistemas pode-se dizer que no de civil law o Direito é escrito, com jurisdição que se
molda na atuação do Direito objetivo, no qual o magistrado exerce seu poder
com base no texto da lei, observando a subordinação entre os juízes inferiores
e superiores no cumprimento fiel de sua atuação como cumpridor da lei e prevalência da vontade soberana estatal. Por outro lado, o sistema de common law
adota um Direito costumeiro, aplicado pela jurisprudência, onde, no modelo
de justiça, prepondera a visão de pacificação dos litigantes. Assim, no civil law,
busca-se a segurança jurídica, enquanto no direito common law a paz entre os
litigantes, a reharmonização e a reconciliação são os objetivos diretos; nessa
pacificação dos litigantes pouco importa se é à luz da lei ou de outro critério,
desde que seja adequado ao caso concreto, pois o importante é harmonizar os
litigantes, havendo um profundo enraizamento na vida da comunidade.33 Nota-se a paridade desse sistema com a comunidade, segundo Leonardo Greco:34
33. GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2010. vol. I,
p. 2.
34. Idem, p. 3.
Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no
processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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“(...) diante da perda de credibilidade ou de confiança da sociedade na justiça e nos juízes, decorrente da elevação da consciência jurídica da população
e do seu grau de exigência em relação ao desempenho do Judiciário, os países
que adotam o civil law têm se voltado para alguns parâmetros do common law,
e vice-versa”.
Logo, a busca por maior segurança nas decisões judiciais e a otimização
destas, evitando-se o desnecessário exame de casos idênticos já anteriormente
decididos e, consequentemente, por uma maior segurança jurídica em prol da
sociedade, levou vários países a adotarem mecanismos com o objetivo de uniformizar a jurisprudência, como afirma Streck.35
Houve a adoção dos precedentes no sistema jurídico inglês, o qual se baseia
em decisões anteriores da mesma natureza. Neil Maccormick36 diz que “nos
sistemas jurídicos de case-law, nos tempos recentes, o direito jurisprudencial
puro é relativamente raro, já que ‘muito do direito jurisprudencial toma a forma de interpretações explicativas da lei’”. Ressalta, ainda, a existência de sistemas que não consideram os juízes como legisladores e suas decisões não
podem ser aceitas como algo mais do que o Direito produzido pelo legislador;
enquanto outros não têm essa característica.
Assim, considera que os sistemas de common law não se confundem com
os do civil law. Essa possibilidade de buscar maneira igual ou análoga aos
casos que já tiveram um julgamento e solucionar os novos litígios baseados
em precedentes proporciona efetividade jurídica, além de minimizar esforços.
Corroborando com o desafogamento do Judiciário, o qual se apresenta com
crescente número de demandas provocando um cenário desanimador, já que
não ter como escoar com celeridade e eficácia o acervo de ações, submetidos
ao Judiciário, provoca um clima de insegurança jurídica. De modo que, buscar
novos modelos e mecanismos que facilitem a solução dos litígios é o novo
desafio.
Nesse contexto, pode-se falar do sistema jurídico inglês, o qual, adotando
a técnica de precedentes ou da stare decisis, se baseia em decisões já proferidas
em identidade de natureza e permite previsibilidade diante de uma controvérsia já solucionada, garantindo a segurança jurídica pretendida. Definir precedente é, portanto, ter em mente um caso concreto que já foi submetido ao
35. STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1998. p. 93.
36. MACCORMICK, Neil. Retórica e o estado de direito. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
p. 192.
Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no
processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Judiciário e teve decisão proferida devidamente fundamentada, a qual servirá
de parâmetro em novas contendas análogas. Contudo, o núcleo meritório indicado na decisão deve mostrar-se com robustez e potencialidade argumentativa,
que envolva o litígio para que possam atuar como paradigma, norteando condutas dos magistrados e jurisdicionados. Quando ocorrer do juiz desistir da
linha jurisprudencial adotada por ele, é importante que justifique o motivo do
seu desvio. Esta modalidade de ação é chamada de autorreferência, porquanto
até mesmo a superação do precedente deve guardar riquezas de argumentação,
bem fundamentada.
Marinoni37 ensina que o precedente é a primeira decisão que elabora a tese
jurídica ou é a decisão que definitivamente a delineia, deixando-a cristalina.
Importante mencionar que o instituto do precedente não se confunde com
jurisprudência.
Já Didier38 entende que o precedente “é a decisão judicial tomada à luz
de um caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o
julgamento posterior e casos análogos”, enquanto que a jurisprudência é a reiterada aplicação de um determinado precedente, podendo transformar-se em
uma jurisprudência dominante, dada a prevalência da orientação. Caso essa
jurisprudência seja sequencialmente aplicada, é provável que se transforme em
Súmula, Orientação Jurisprudencial ou Precedente Normativo, no caso trabalhista. Portanto, um sistema de precedentes obriga o magistrado e os tribunais
a fazerem referência aos julgados passados, qualquer descuido relacionado a
não referência dos casos passados, inviabilizará o uso de precedentes. Afinal, a
não observância dos precedentes gera um desequilíbrio entre a coerência e respeito aos tribunais e juízes inferiores e, consequentemente, se instala a insegurança jurídica. As decisões dos magistrados geram normas jurídicas de caráter
geral e outra individual. A norma geral que tem como origem a jurisprudência,
denominada de ratio decidendi, significa a exposição de ideias relativas aos fundamentos jurídicos essenciais que sustentam a decisão e tem efeito erga omnes.
Considera-se que todos os sistemas jurídicos se mostram capazes de permitir mudanças, até mesmo no commom law, pois o regime de imutabilidade
jurisdicional não é imune a modificações. No caso do Direito brasileiro, verificam-se inúmeras ações como as reformas processuais e constitucionais, na tentativa de uniformização do entendimento jurisprudencial, como se verifica no
disposto no art. 475, § 3.º, do CPC/1973, e também no art. 103-A da CF/1988.
37. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentesobrigatórios. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2011.
38. DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 6. ed. Salvador: JusPodivm, 2011.
vol. II, p. 385.
Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no
processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Outras fontes de proximidade ao sistema de precedente podem ser citadas, tais como: o art. 105 da CF/1988 no qual compete ao STJ a uniformização da jurisprudência sobre a lei federal; o art. 557 do CPC/1973 (decisão
monocrática); o art. 285-A do CPC/1973; o art. 518, § 1.º, do CPC/1973.
Esses modelos propiciam um vínculo com a decisão proferida por outras
instituições ou mesmo em momento pretérito, como se observa no Direito
inglês, por meio do sistema dos precedentes. Das semelhanças e divergências
entre esses dois modelos, concluiu-se que a importação de precedentes ao
direito brasileiro ocorreu por ter sido um instituto bem-sucedido no âmbito
estrangeiro.
4.O ativismo judicial e a supremacia constitucional
Observa-se a redemocratização crescente após a 2.ª Guerra Mundial, segundo Lenio Streck,39 percebe-se a formação de uma terceira forma de Estado
de Direito. Os pilares do Direito Constitucional – os direitos fundamentais e a
democracia – tomam espaço no corpo das grandes cartas constitucionais, que
até então focavam no bem-estar de um estado intervencionista. No Brasil, este
efeito é sentido na Constituição Federal de 1988, quando perpassa de Estado
autoritário para um Estado Democrático de Direito, vislumbrando garantia de
direitos sociais e fundamentais, observando-se três grandes mudanças de paradigmas: o reconhecimento da Constituição Federal como força normativa, a
expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de novas categorias
da interpretação constitucional.
Após estes marcos, emergiu a constitucionalização do Direito e a judicialização das relações sociais, que proporcionaram a atitude ativista dos Ministros
do STF. Destarte, para melhor compreender o ativismo judicial que é, em efeito, uma atitude, um modo específico e proativo de interpretar a Constituição,
expandindo seu alcance, torna-se necessário analisar a expansão da jurisdição
constitucional e o fenômeno da judicialização.40 Tem relação direta com a
ascensão do Poder Judiciário brasileiro, em face do novo modelo constitucional adotado de 1988, comungando com as modificações do Direito Constitu-
39. STRECK, Lenio apud LOPES, Bruno de Souza; KARLINSKI, José Gonçalves; CARDOSO, Tiago Cougo. Algumas considerações acerca do ativismo judicial. Disponível
em: [www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?artigo_id=”8831&n_link=revista_
artigos_leitura]. Acesso em: 24.10.2015.
40. LOPES, Bruno de Souza; KARLINSKI, José Gonçalves; CARDOSO, Tiago Cougo.
Op. cit.
Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no
processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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cional fundadas na forma de pensar e na efetiva prática do Direito. Segundo
Valle,41 em obra dedicada ao tema, alega sua ambiguidade, pois congrega caráter finalista e comportamental. O primeiro refere-se ao compromisso com a
expansão dos direitos individuais, ao passo que no segundo prevalece a visão
pessoal de cada magistrado na interpretação da norma constitucional. Complementa o autor dizendo que o parâmetro a ser utilizado para caracterizar
uma decisão como sendo proveniente de ativismo ou não, reside em identificar a correta leitura do dispositivo constitucional e o controle de constitucionalidade, bem assim:
“(...) consequentemente, o repúdio ao ato do poder legislativo – que permite a identificação do ativismo como traço marcante de um órgão jurisdicional,
mas a reiteração dessa mesma conduta de desafio aos atos de outro poder,
perante casos difíceis”.42
Apontar um caso como sendo de difícil solução é na verdade constatar as
várias formas de interpretação da norma, as nuances existentes entre os princípios constitucionais, e, ainda, observar a inexistência de precedente judicial. É
importante enfocar a contradição do tema sob a ótica de Ronald Dworkin e Hebert Hart. Dworkin43 afirma que a solução pode ser atingida com a utilização
dos princípios e sua coerência com a justiça, equidade e devido processo legal
adjetivo, sendo eles aplicados aos novos conflitos submetidos ao Judiciário de
forma que cada pessoa tenha tratamento justo e equânime segundo as mesmas
normas, in verbis:
“(...) estruturado por um conjunto coerente de princípios sobre a justiça, a
equidade e o devido processo legal adjetivo, e pede-lhes que os apliquem nos
novos casos que se lhes apresentem, de tal modo que a situação de cada pessoa
seja justa e eqüitativa segundo as mesmas normas. Esse estilo de deliberação
judicial respeitada ambição que a integridade assume a ambição de ser uma
comunidade de princípios”.
Diferente é o pensamento de Herbert Hart,44 que afirma a divergência do seu
entendimento com a teoria de Dworkin ao afirmar que em qualquer sistema
jurídico haverá sempre situações jurídicas que não se enquadrarão em decisão
41. VALLE, Vanice Regina Lírio do. Ativismo jurisdicional e o Supremo Tribunal Federal.
São Paulo: Juruá, 2009. p. 19.
42. Idem, p. 21.
43. DWORKIN, Ronald.O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 291.
44. HART, Hebert L. A.O conceito de direito. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
2001. p. 335.
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alguma ditada pelo Direito, deixando-o como sendo parcialmente indeterminado ou incompleto, que segue:
“Se, em tais casos, o juiz tiver de proferir uma decisão, em vez de, como
Bentham chegou a advogar em tempos, se declarar privado de jurisdição, ou
remeter os pontos não regulados pelo direito existente para a decisão do órgão
legislativo, então deve exercer o seu poder discricionário e criar direito para o
caso, em vez de aplicar meramente o direito estabelecido pré-existente. Assim,
em tais casos juridicamente não previstos ou não regulados, o juiz cria direito
novo e aplica o direito estabelecido que não só confere, mas também restringe
os seus poderes de criação do direito”.
A discricionariedade é o ponto chave para solucionar os casos difíceis, até
porque não se terá solução para todas as demandas que surjam, não podendo
o juiz se valer, para um caso inédito, dos princípios, precedentes ou mesmo
da lei, segundo Hart. Diferentemente do que defende Dworkin, no seu sentir,
sempre será obtida a resposta no Direito, ou por meio da lei, ou princípios,
mesmo que não escritos, impedindo a discricionariedade por completo.
O ativismo judicial impulsiona a ascensão institucional do Poder Judiciário,
de modo que não se isola como fenômeno único ou por decisão política. Induz
o Poder Judiciário a ter uma atuação proativa, influenciando decisões política
dos demais Poderes Estatais.45 Essa postura invasiva sofre críticas por parte
de doutrinadores brasileiros, tais como Daniel Sarmento,46 que menciona “o
ideário humanitário do neoconstitucionalismo, o qual aposta na possibilidade
de emancipação pela via jurídica, através de um uso engajado da moderna dogmática constitucional”. Momento em que os direitos e garantias fundamentais
alcançam um status jamais imaginado nessa nova fase, traduzindo-se como a
base da estrutura lógica e de coerência da Constituição.
Portanto, o neoconstitucionalismo assume função estrutural como sustentáculo do ativismo judicial na medida em que impõe a necessidade de proteção
aos princípios constitucionais, principalmente em face da efetivação dos direitos e garantias fundamentais, de modo que o caráter de generalidade e abstratividade dos princípios contidos no corpo do Texto Constitucional propiciam
a aplicação interpretativa que suplanta a simples letra da lei, priorizando a sua
finalidade.
45. Ativismo judicial. Wikipedia. Disponível em: [https://pt.wikipedia.org/wiki/Ativismo_judicial]. Acesso em: 06.10.2015.
46. SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. In:
FELLET, André Luiz Fernandes; PAULA, Daniel Giotti de; NOVELINO, Marcelo
(org.). As novas faces do ativismo judicial. Salvador: JusPodivm, 2011. p. 56.
Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no
processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Enfim, o ativismo judicial, não se distanciando das mudanças ocorridas no
âmbito do Direito Constitucional, interfere sobremaneira no modo de se pensar
e no próprio Direito. O constitucionalista Luís Roberto Barroso47 afirma que tais
mudanças podem ser compreendidas se forem analisadas no panorama histórico, filosófico e teórico, denominados, pelo autor, como os três marcos fundamentais da nova percepção da Constituição e de seu papel na interpretação em
geral. De outra banda, a Constituição Federal é o primado normativo hierárquico de maior relevância, que apresenta dois sistemas jurídicos autônomos e independentes: o Direito Material, disciplinando as relações pessoais que estabelece
regras de caráter geral e abstratas para o alcance da paz quando ocorre o conflito
de interesses na satisfação das necessidades humanas e a escassez de bens satisfativos; e no outro vértice existe o Direito Processual, pelo qual o Estado exerce
a sua jurisdição, dirimindo conflitos por meio da aplicação do Direito Material.
A autocontenção judicial é o oposto do ativismo judicial.
Isto porque em situações em que a Constituição não traz a norma expressa, os
juízes evitam aplicá-la, aguardando uma atitude do Poder Legislativo. Da mesma
forma, a declaração de inconstitucionalidade é feita através de critérios rígidos
e conservadores, sem interferência na definição de políticas públicas. Em que
pese a distinção entre o uso do precedente do common law no civil law, deixa-se
margem a indagações acerca de suas aproximações e usos entre os dois sistemas.
5.O precedente judicial como fonte do direito e seus efeitos no
novo
CPC
Nos dias atuais, diferentemente do que se tinha no século XIX, a lei sofreu
perdas ao deslocar-se da posição nuclear de fonte do Direito, dando lugar à sua
interpretação segundo o texto constitucional, numa adequação ao conteúdo
dos direitos fundamentais. Assim, a função do juiz passa do modelo de aplicação irrestrita do texto da lei para assumir uma postura de interação desta com o
texto constitucional, interagindo com os direitos fundamentais, propiciando a
judicialreview, o controle da constitucionalidade das leis e dos atos normativos,
diferentemente do que pregava Giuseppe Chiovenda48 no início do século XX,
47. BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista Atualidades Jurídicas – Revista Eletrônica do Conselho Federal da OAB.
n. 4. jan.-fev. 2009. Disponível em: [www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf]. Acesso em: 06.10.2015.
48. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Saraiva,
1969. vol. II, p. 37.
Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no
processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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para quem o magistrado tinha esta atuação pautada exclusivamente na vontade
concreta da lei “por meio de substituição, pela atividade de órgãos públicos, da
atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade concreta da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva”.
Aponta Fredie Didier49 que nos dias atuais a jurisdição é vista como uma
atividade criativa da norma jurídica aplicada ao caso concreto, podendo, inclusive, ser criada a própria regra abstrata reguladora do caso em análise. Segundo
ele, a afirmação da vontade concreta da lei bem como a efetivação da mesma
se dá através do Processo Civil, por ele conceituado como “o complexo dos
atos coordenados ao objetivo da atuação da vontade da lei (com respeito a
um bem que se pretende garantido por ela) por parte dos órgãos da jurisdição
ordinária”.50
No Brasil são extraídos dos precedentes os seguintes efeitos, como resume
Haroldo Lourenço:51 (a) persuasivo, que objetiva convencer o julgador, gerando uma solução razoável e socialmente adequada, à luz do art. 285-A do incidente previsto nos arts. 476 a 479 do CPC/1973, dos embargos de divergência
(art. 546, do CPC/1973), bem como do recurso especial por dissídio jurisprudencial (art. 105, III, c, da CF/1988; (b) impeditivo ou obstativo da revisão das
decisões, quando os precedentes impedem sua discussão através de recurso,
como as súmulas do STJ ou do STF (art. 518, § 1.º, do CPC/1973), impedem o
reexame necessário (art. 475, § 3.º do CPC/1973), impedem a revisão da matéria recursal, como se extrai do art. 557 do CPC/1973; (c) vinculante, quando
alguns precedentes estão relacionados vinculam e, obrigatoriamente, devem
ser observados, pois ostentam uma eficácia normativa.52
49. DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 11. ed. Salvador: JusPodivm,
2009. vol. I, p. 70.
50. CHIOVENDA, Giuseppe. Op. cit., p. 37.
51. LOURENÇO, Haroldo. Precedente judicial como fonte do direito: algumas considerações sob a ótica do novo CPC. Disponível em: [www.temasatuaisprocessocivil.
com.br/edicoes-anteriores/53-v1-n-6-dezembro-de-2011-/166-precedente-judicial-como-fonte-do-direito-algumas-consideracoes-sob-a-otica-do-novo-cpc]. Acesso em:
01.10.2015.
52. Complementa, Haroldo Lourenço dizendo que no sistema da common law essa é a
regra. As súmulas vinculantes, produzidas pelo STF (art. 103-A da CF/1988), de
ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após
reiteradas decisões sobre matéria constitucional, que, a partir de sua publicação na
imprensa oficial, terão efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e
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processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Como antes já ventilado, a doutrina sinaliza vantagens no uso do precedente tais como: segurança jurídica, previsibilidade, estabilidade tanto perante a
jurisdição como perante a lei, coerência da ordem jurídica, garantia da atuação
do juiz de forma imparcial, definição de expectativas, desestímulo à litigância,
incentivo ao acordo entre as partes, racionalização do duplo grau de jurisdição,
duração razoável do processo, economia processual e maior eficácia do Poder
Judiciário.
De outra banda, elencam-se inúmeras desvantagens: obstáculo ao desenvolvimento do Direito e ao surgimento de decisões adequadas às novas realidades
sociais, óbice à realização da isonomia substancial, violação aos princípios da
separação dos poderes, da independência dos juízes, do juiz natural e da garantia à justiça. Portanto, a teoria do precedente judicial e os institutos a ela
inerentes foram incorporados no Novo Código de Processo Civil, tendo o referido diploma legal atribuído eficácia vinculante a determinados precedentes
judiciais.
Conclusão
Ao deste trabalho acerca da Impactação dos Precedentes Judiciais como
fonte de direito no novo CPC brasileiro no processo do trabalho, deduz-se
que as mudanças que está sofrendo o ordenamento jurídico pátrio são fatos
notórios, pois há uma tendência à influência do sistema do common law com
introdução do stare decisis, na qual se define uma fundamentação aprofundada
para que se aplique o precedente judicial no caso concreto. Contudo, deve
existir coerência nos comandos jurídicos nacionais, assegurando um Estado
Democrático de Direito pertinente e voltado para os interesses de toda a sociedade, na busca pela efetividade do Processo do Trabalho, concretizando os
princípios e direitos fundamentais, além de proporcionar uma vida melhor ao
trabalhador.
Não se pode olvidar de que novo CPC tem um animus conciliador, buscando celeridade e eficiência, bem como evitando que a resolução dos litígios não
se perpetue no tempo. Há, de fato, uma tendência do litigante em buscar a conciliação ao invés de ter uma postura inflexível, intransigente. A composição é
a meta para propiciar a celebração de mais acordos entre as partes envolvidas,
desestimulado a inserção de recursos para o segundo grau de jurisdição. Im-
municipal. Observe-se que a súmula vinculante determina não só a norma geral do
caso concreto, como impedem também o recurso.
Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no
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portante mencionar que a previsibilidade quando da aplicação de precedentes
é algo que inibe sentenças contraditórias quando aplicadas a casos concretos
semelhantes donde poderia gerar uma insegurança jurídica.
Observou-se que no âmbito do Processo do Trabalho é importante que se
faça uso do Direito Processual comum, à exceção naquilo em que este for incompatível com aquele. A intenção do legislador em buscar a efetividade no
Processo Civil por meio de reformas significativas para estampar a celeridade,
em atenção ao clamor social, indo ao encontro do espírito informal e ágil no
Processo do Trabalho, de maneira a concretizar os princípios fundamentais,
sem esquecer a melhoria das condições sociais dos brasileiros, reprimindo as
posturas socialmente repudiadas dos tomadores de serviços que lesam os direitos sociais trabalhistas de modo a impelir o Judiciário trabalhista a assumir
posturas incisivas no papel de guardiã que a Justiça do Trabalho exerce na
ordem justrabalhista.
O ordenamento jurídico brasileiro guarda em elevado patamar o princípio
do Direito, cuja máxima é a aplicabilidade da norma mais favorável à pessoa
humana, como sendo verdadeiras cláusulas de direito fundamental, à luz do
que dispõe o art. 5.º, § 2.º, da CF/1988, e em particular ao próprio indivíduo,
como retrata o art. 7.º, caput, do mesmo dispositivo legal, sem ressalva constitucional acerca do que seja Direito Material ou Direito Processual, como alega
Carlos Henrique Bezerra Leite.53
Será importante aos operadores do Direito fazerem valer todo o esforço
desprendido na elaboração do NCPC para que tais mudanças se concretizem
de fato e que em breve tais benefícios sejam notados, diante da nova realidade
imposta ao processo, ou seja, atingir a efetividade da forma mais célere, tendo
a concretude da reparação dos direitos violados, dignificando o indivíduo com
razoável e efetiva imposição da duração e principalmente atingindo a celeridade em toda sua tramitação processual. Registre-se que não é somente o sistema
da civil law que está se aproximando do sistema do common law, há relatos
doutrinários que afirmam que países do common law, como a Inglaterra, têm
buscado soluções para suas deficiências em técnicas adotadas em países da
civil law.54
53. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. As recentes reformas do CPC e as lacunas ontológicas e axiológicas do processo do trabalho sob a perspectiva da efetividade do
acesso a justiça. Revista da Academia Nacional de Direito do Trabalho. vol. 15. n. 15.
p. 103-110. 2007.
54. GRECO, Leonardo. Op. cit., p. 4. Afirmando que no sistema da civil law existe referência à jurisprudência, bem como na common law há amplo uso da lei escrita:
Galindo, Cleusy Araújo. Impactação dos precedentes judiciais como fonte de direito no novo CPC e a influência no
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Enfim, o processo se coloca à disposição para novas experiências ocorridas
em outros sistemas, propiciando um debate salutar entre eles, no qual se observa a evolução do instituto jurídico, vislumbrando coerência entre o ordenamento legislativo positivado e o que é produzido nos Tribunais, de modo que a
criação do novo CPC se justifica por adaptar aos poucos mudanças necessárias,
aproveitando o momento para regulamentar o tema com eficácia vinculante.
O NCPC representa grande avanço, uma vez que se tentou dar uma roupagem
mais didática, de fácil interpretação, e, sobretudo, com a simplificação de procedimentos, incorporando valores constitucionais. A população brasileira foi
presenteada com um diploma legal voltado à solução de demandas com maior
celeridade, comprometido com efetividade. Sinalize-se que, lamentavelmente,
o novo instituto pecou acerca das ações coletivas, porque a proposta da Comissão de Juristas lançada no projeto do novo CPC se mostrava vanguardista,
corrigindo, inclusive, distorções de que foram vítimas a ação civil pública e o
Código de Defesa do Consumidor. Conclui-se, portanto, que o processo laboral foi palco de experiência favorável à simplificação dos procedimentos, em
prol da celeridade e efetividade, sem que tais condutas trouxessem riscos à
segurança jurídica dos litigantes em suas demandas trabalhistas.
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Pesquisas do Editorial
Veja também Doutrina
•Decisões paradigmáticas e dever de fundamentação: técnica para a formação e aplicação dos precedentes judiciais, de Sabrina Nasser de Carvalho – RePro 249/421-448
(DTR\2015\16587);
• O novo CPC e as regras supletiva e subsidiária ao processo do trabalho, de Edilton Meireles
– RDT 157/129-137 (DTR\2014\3166); e
• Os desafios da efetividade na execução trabalhista e as alterações do Código de Processo
Civil, de Adriana Jardim Alexandre Supioni – RDT 159/189-199 (DTR\2014\17811).
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processo do trabalho. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 83-110. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Estudos
Nacionais
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O teletrabalho, o direito à desconexão do ambiente
de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática
The telework, the right of disconnection from the working
environment and possible inhibition means of practice
Daniela Favilla Vaz de Almeida
Pós-Graduada em Direito Privado pela Universidade Candido Mendes (2007);
em Direito do Trabalho pela Universidade Anhanguera – Uniderp (2011);
e em Direito de Empresa pelo CAD em parceria com a Universidade Fumec (2015).
Analista Judiciário do TRT-3.ª Reg.
[email protected]
Lorena de Mello Rezende Colnago
Mestre em Processo. Pós-Graduada em Direito Processual do Trabalho,
Direito do Trabalho e Previdenciário. Membro do Ipeatra e da REDLAJ.
Juíza do Trabalho. Professora.
[email protected]
Área do Direito: Trabalho
Resumo: O presente trabalho busca apresentar
um panorama sobre o teletrabalho e, por conseguinte, a problemática que envolve o direito do
empregado à desconexão do ambiente de trabalho, principalmente quando esse se desenvolve
em sua própria residência, local por excelência,
destinado ao descanso e convívio familiar.
Abstract: This study aims to present an overview
of telework and therefore the issue involving the
right of the employee to the disconnection of
the working environment, especially when it develops in his own residence, place par excellence,
for the rest and family life.
Palavras-chave: Teletrabalho – Trabalho em re-
Keywords: Telework – Residente work – Disconnection of the working environment.
sidência – Desconexão do ambiente de trabalho.
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceitos, modalidades e características do teletrabalho. 3. Trabalho à distância, teletrabalho e trabalho a domicílio. 4. A jornada de trabalho do teletrabalhador. 5. O direito à desconexão do ambiente de trabalho. 6. Considerações finais. 7.
Referências.
Almeida, Daniela Favilla Vaz de; Colnago, Lorena de Mello Rezende. O teletrabalho, o direito à desconexão
do ambiente de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 113-126. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
1.Introdução
A rotina tradicional dos trabalhadores, que engloba o deslocamento diário
até a empresa e seu retorno, em algumas profissões está prestes a terminar. No
mundo moderno, frente às novas tecnologias de informação e de telecomunicação, além das inúmeras ferramentas telemáticas de controle, surgiram novas
formas de organização do trabalho que se amoldaram às atuais necessidades da
transformada sociedade de massa, que vive no caos das grandes cidades, sendo
uma delas o teletrabalho.
Permeado dos conceitos clássicos de trabalho, acrescido do fato de poder
ser realizado fora das dependências e da vista do empregador, o teletrabalho
tornou-se, rapidamente, uma forma relevante de trabalho do mundo contemporâneo, sendo bastante atrativo sem que o trabalho ofertado tenha qualquer
prejuízo de qualidade ou produção, uma vez que o contato com o empregador
permanece, ante a utilização essencial de tecnologias de informática para o
desenvolvimento da atividade.
Dessa forma, o presente trabalho tem por objetivo analisar os conceitos,
características e modalidades de teletrabalho, as peculiaridades do trabalho em
residência, o direito à desconexão do ambiente de trabalho e por fim, ressaltar
a importância do descanso físico e mental do empregado, enfocando a legislação vigente acerca do assunto.
A preocupação com esta temática advém da constatação da elevação do
número de trabalhadores que exercem sua atividade profissional, com vínculo
empregatício, em suas próprias residências ou em outros locais, distintos do
estabelecimento empresarial. Além disso, a discussão sobre o limite de trabalho imposto aos teletrabalhadores e o direito à desconexão do ambiente de trabalho são assuntos discutidos de maneira aquém da importância do assunto,
sendo certo que, o debate jurídico-social auxiliará, demasiadamente, o amadurecimento da importância de se respeitar o descanso de um teletrabalhador,
seja para garantir a sua dignidade de pessoa humana, seja para permitir a sua
inserção social, seja para preservar a sua saúde.
2. Conceitos, modalidades e características do teletrabalho
A Revolução Tecnológica permitiu uma maior e constante comunicação entre empregado e empregador, ainda que o trabalho seja executado fora das dependências da empresa. Pode-se dizer que a criação de ferramentas, tais como:
fax, e-mail, Internet, Skype, celular, bem como, a gradual redução do custo
tecnológico aliado com o aumento exponencial do processamento de dados,
Almeida, Daniela Favilla Vaz de; Colnago, Lorena de Mello Rezende. O teletrabalho, o direito à desconexão
do ambiente de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 113-126. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Estudos Nacionais
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frutos do desenvolvimento dos microprocessadores, foram fatores essenciais,
não só para o surgimento, mas para a consolidação dessa nova forma de organização do trabalho.
No que concerne ao conceito de teletrabalho, importante pontuar que, dentro da doutrina, não há um consenso, sendo um tema ainda em constante
evolução e construção.
Como o próprio nome sugere, teletrabalho, em seu sentido etimológico,
significa “trabalho à distância”. Hodiernamente, se apresenta por diversas nomenclaturas, dentre elas, trabalho remoto, trabalho periférico, telecommuting,
telework e o conhecido home office, sendo “a atividade do trabalhador desenvolvida total ou parcialmente em locais distantes da rede principal da empresa,
de forma telemática”.1
Especificamente sobre o trabalho fora do ambiente da empresa, dispõe a
Convenção 177 da Organização Internacional do Trabalho que:
“Trabalho a domicílio significa trabalho realizado por uma pessoa, na sua
residência ou em outro local que não seja o local de trabalho do empregador,
remunerado, resultando num produto ou serviço especificado pelo empregador, independentemente de quem provê o equipamento, materiais ou outros
insumos, a não ser que esta pessoa tenha o grau de autonomia e independência econômica para ser considerado trabalhador independente segundo as leis
nacionais”.2
E, dentre os mais variados conceitos e definições de teletrabalho, depreende-se que algumas características são comuns a todos, tais como, trabalho realizado por um empregado em local distinto do empregador, mediante
contraprestação pecuniária, utilizando-se de mecanismos de transmissão ou
processamento de dados e com objetivo de elaborar um produto ou prestar um serviço conforme as especificações do empregador, independente de
quem proporciona o equipamento, os materiais ou outros elementos utilizados para tanto.
A quantidade expressiva de conceitos sobre teletrabalho é fruto da pouca
maturidade que se tem sobre o assunto. No entanto, percebe-se que a maioria
dos conceitos já possuem pontos consensuais, o que permite visualizar uma
convergência de opiniões formadas sobre o teletrabalho.
1. SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. O teletrabalho. Revista de Legislação do Trabalho LTr.
vol. 64. n. 5. p. 583. São Paulo: LTr, maio 2000.
2. FERREIRA, José Carlos. Aspectos econômicos e sociais do teletrabalho. Disponível
em: [www.sobratt.org.br/cbt2006/pdf/jose_carlos_ferreira.pdf]. Acesso em: maio 2015.
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do ambiente de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 113-126. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
Sobre a natureza jurídica do teletrabalho, importante dizer que, o contrato
de teletrabalho pode admitir a natureza civil, comercial e trabalhista.3 Dessa
forma, a sua natureza jurídica é complexa, pois sempre dependerá do conteúdo obrigacional da prestação, decorrendo do fato de encontrar-se à disposição
do contratante uma gama de procedimentos jurídicos que são utilizados para
a contratação do teletrabalho, sendo que, em qualquer das modalidades apresentadas, o teletrabalho poderá ser prestado tanto de forma autônoma, como
de forma subordinada.
A subordinação é um elemento essencial para a caracterização da relação de
emprego, onde o empregador controla, dirige e fiscaliza a prestação de serviço
de seu empregado (arts. 2.º e 3.º da CLT). Por outro lado, a forma autônoma
se caracteriza quando o empregado trabalha por conta própria e com assunção
de seus próprios riscos. E, sendo o teletrabalho uma nova forma flexível de organização do trabalho, cujas características demonstram um modo peculiar de
subordinação jurídica, com a inserção plena do trabalhador na atividade produtiva, surge, conceitualmente, a subordinação estrutural. Essa criação doutrinária e jurisprudencial, que motivou a alteração legislativa do art. 4.º da CLT,
busca reconhecer a relação de emprego de determinados trabalhadores que se
encontram em um limbo, como é caso do teletrabalhador. Portanto, têm-se que
a subordinação estrutural se manifesta por meio da “inserção do trabalhador na
dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não)
suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento”,4 não necessitando da presença física das partes para se
aferir probatoriamente este importante requisito da relação de emprego.
Com relação ao local da prestação dos serviços, o teletrabalho pode se apresentar em domicílio, em telecentros, pode ser nômade ou transnacional. A
diferença essencial entre eles é que o trabalho em telecentros (centro satélite
ou centro local de telesserviço) é aquele realizado em um espaço devidamente
preparado para o desempenho do teletrabalho, que podem ou não pertencer à
empresa. O trabalho nômade, também chamado de móvel, por sua vez, é aquele em que o teletrabalhador não tem local fixo para a prestação dos serviços,5
tal como, o vendedor externo. Já o teletrabalho transnacional é aquele realiza-
3. Cf. ALVES, Rubens Valtecides. Natureza jurídica do teletrabalho no Brasil. In: Diritto
it. Diponível em: [www.diritto.it/docs/30998-natureza-jur-dica-do-teletrabalho-no-brasil]. Acesso em: maio 2015.
4. DELGADO, Maurício Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho. Revista LTr. vol. 70. n. 06. p. 667. São Paulo: LTr.
5. CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; e NETO, Francisco Ferreira Jorge. O fenômeno do teletrabalho: uma abordagem jurídica trabalhista. Disponível em: [http://
Almeida, Daniela Favilla Vaz de; Colnago, Lorena de Mello Rezende. O teletrabalho, o direito à desconexão
do ambiente de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 113-126. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Estudos Nacionais
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do por trabalhadores situados em países distintos, com trocas de informações
e elaboração de projetos em conjunto. Por fim, o trabalho em domicílio, que
corresponde ao trabalho tradicional realizado na própria residência do empregado ou em qualquer outro local por ele escolhido.
3.Trabalho à distância, teletrabalho e trabalho a domicílio
Inicialmente, pensa-se que falar de trabalho à distância, teletrabalho ou
trabalho em residência significa falar de coisas sinônimas. Porém, o estudo
minucioso sobre o aspecto, permite concluir diferenças importantes e caracterizadores da cada um dos institutos. Verifica-se que o trabalho à distância é o
gênero do qual defluem as demais espécies, sendo uma delas o teletrabalho.6
Além disso, o trabalho em residência ou a domicílio também é espécie desse
mesmo gênero, porém encontra regulamentação originária no texto celetista
até o advento da Lei 12.551, de 15.12.2011, que inseriu a previsão legal para o
teletrabalho no Brasil.
E, mesmo sendo espécies do mesmo gênero – trabalho à distância –, tanto
o trabalho em domicílio quanto o teletrabalho possuem distinções marcantes
que os particularizam.
“(...) O teletrabalho distingue-se do trabalho a domicílio tradicional não
só por implicar, em geral, a realização de tarefas mais complexas do que as
manuais, mas também porque abrange setores diversos como: tratamento,
transmissão e acumulação de informação; atividade de investigação; secretariado, consultoria, assistência técnica e auditoria; gestão de recursos, vendas e
operações mercantis em geral; desenho, jornalismo, digitação, redação, edição,
contabilidade, tradução, além da utilização de novas tecnologias, como informática e telecomunicações afetas ao setor terciário.”7
O trabalho em domicílio é aquele desenvolvido na residência do empregado, sendo uma modalidade de trabalho à distância mais restrita sob a óptica
do local de trabalho, enquanto o teletrabalho ou trabalho desenvolvido por
meios telemáticos é uma forma de exercício das funções cotidianas laborais
em qualquer lugar do globo terrestre que permita uma conexão com a Internet
ambito-juridico.com.br/site/?n_link=”revista_artigos_leitura&artigo_id=11504#_
ftn5].” Acesso em: maio 2015.
6. Cf. SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. Op. cit., p. 583-597.
7. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr,
2010.
Almeida, Daniela Favilla Vaz de; Colnago, Lorena de Mello Rezende. O teletrabalho, o direito à desconexão
do ambiente de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 113-126. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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e o acesso aos meios de comunicação telemáticos – celular, rádio, pager, bip,
Skype, WhatsApp, e-mail, dentre outros que ainda podem surgir.
4. A jornada de trabalho do teletrabalhador
Atualmente, após a promulgação da Lei 12.551/2011 que conferiu nova redação para o art. 6.º da CLT, para fins da caracterização da subordinação, não
existe mais qualquer distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento
do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado à distância, sendo que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e
supervisão foram equiparados aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.
Essa equiparação em termos de regulamentação do trabalho atraiu as consequências jurídicas decorrentes do vínculo empregatício referentes ao controle da jornada de trabalho. Nos termos do art. 62, I, da CLT o empregado
que trabalha de modo externo e sem controle é excluído da regulamentação
celetista referente à duração do trabalho, ou seja, não tem direito à percepção
de horas extras. Se a atividade exercida pelo empregado for incompatível com
a fixação de horário de trabalho, considerando que a natureza da atividade
desempenhada traga dificuldade intransponível para a aferição da jornada pelo
empregador, desde que devidamente consignada essa situação na CTPS do empregado, estaria caracterizada a excludente prevista na lei trabalhista, para o
não pagamento de horas extras.8
A prática nos mostra que os meios telemáticos e informativos de comando, visam, além de direcionar a prestação de serviços, também controlar o
volume de horas trabalhadas. Demonstrada processualmente essa hipótese, o
empregado faz jus ao recebimento de horas extras. São exemplos cotidianos:
empregado submetido a uma jornada diária pré-estabelecida pelo empregador; empregado que tem a obrigação de ficar à disposição do empregador, de
forma on-line, retornado qualquer contato instantaneamente; empregado que
precisa executar tarefa com prazo determinado pelo empregador; empregado
com carga diária de tarefas repassadas pelo empregador em forma de roteiro;
empregador com acesso remoto a programa de controle de jornada do empregado, dentre outras.
Conforme se observa, os meios telemáticos e informatizados de controle
permitem que os empregados trabalhem cumprindo jornadas controladas,
8. Cf. RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de direito do trabalho. 9. ed., rev. e atual. 4.
tir. Curitiba: Juruá, 2005.
Almeida, Daniela Favilla Vaz de; Colnago, Lorena de Mello Rezende. O teletrabalho, o direito à desconexão
do ambiente de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 113-126. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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mesmo que estejam fora das dependências do empregador, tendo, portanto, direito às horas laboradas além do limite constitucional (art. 7.º, XIII, da
CF/1988) ou negocial, coletivo (acordos e convenções coletivas) ou individual
(contrato de trabalho).
5.O direito à desconexão do ambiente de trabalho
O homem é um ser social, já dizia Hobbes,9 por isso parcela de sua dignidade está intrinsecamente relacionada com o tempo potencial de convívio em
sociedade – família, amigos e membros da comunidade mais próxima –, ao
trabalhar o homem é naturalmente ceifado deste convívio, agregando-se ao
mundo ou comunidade do trabalho, que é outra parcela de sua dignidade humana (art. 1.º, III, da CF/1988). Assim, para considerar-se completo ele deve
ter, ao menos em potencial, tempo para o trabalho e tempo para a desconexão
do trabalho, manifestado pelos intervalos dos arts. 66 e 71 da CLT, além do
repouso hebdomandário constitucional (art. 7.º, XV, da CF/1988). Quando o
empregador reduz esse tempo, utilizando ou não a tecnologia para demandar o
trabalhador em seu tempo livre, ele impede a desconexão ao trabalho fazendo
com que o indivíduo perca o período biológico necessário para a recomposição
de sua saúde física e mental.
Descansar, após exposto a determinado desgaste, é essencial para higidez
física e mental de qualquer ser humano, sendo requisito para proporcionar
uma saúde integral ao homem – físico, social e psíquico (conceito da OMS),10
ao qual acrescentamos a dimensão espiritual. Sendo assim, é inerente a todo
e qualquer empregado o direito de se desconectar, de se desligar do ambiente
de trabalho, a fim de melhor interagir com a família, com amigos, ou mesmo
consigo próprio – momentos de estímulo cerebral distintos das tarefas rotineiras do trabalho, o que irá proporcionar maior disposição ao empregado, além
do aumento de sua criatividade, melhora do humor, maior concentração no
retorno ao trabalho, dentre outros benefícios que serão revertidos em favor do
próprio empregador.
Frisa-se novamente que o afastamento biológico e mental das atividades
laborais proporciona ao empregado o descanso salutar para a compensação
9. HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e
civil. Primeira Parte: do homem. n. 13 e 14. São Paulo: Martin Claret, 2007.
10. FERRAZ, Flavio Carvalho; SEGRE, Marcos. O conceito de saúde. Revista de Saúde
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do desgaste físico e psíquico gerado pelo trabalho, proporcionando sua revigoração, o que também propicia tempo de fruição de convivência familiar e
períodos de lazer, considerando sua natureza humano-social11 que o distingue
enquanto ser pensante e emocional dos demais seres vivos.
O direito à desconexão do ambiente de trabalho está intrinsicamente relacionado com os direitos fundamentais relativos às normas de saúde, higiene
e segurança do trabalho, bem como o direito à limitação da jornada, ao descanso, às férias, à redução de riscos de doenças e acidentes de trabalho, todos
previstos na Constituição Federal, (arts. 6.º e 7.º), além do direito à intimidade
e à vida privada (art. 5.º, V e X, da CF/1988).
(...) O trabalhador tem direito à “desconexão”, isto é, a se afastar totalmente
do ambiente de trabalho, preservando seus momentos de relaxamento, de lazer, seu ambiente domiciliar, contra as novas técnicas invasivas que penetram
na vida íntima do empregado.12
Todavia, o direito à desconexão do ambiente de trabalho, tão caro, encontra-se, constantemente abalado quando o empregado é obrigado a suportar
um excesso de trabalho incompatível com a jornada contratual ou quando é
obrigado, após o término do horário de trabalho, a portar ou a estar perto de
qualquer tipo de aparelho eletrônico em que possa ser acionado pelo empregador, tanto para trabalhar, quanto para resolver problemas imediatos.
O Poder Judiciário atento à problemática vem firmando jurisprudência no
sentido de reconhecer que o trabalho em jornadas extensivas, no qual o empregado é impedido de se desconectar de seu ambiente de trabalho, é muito
mais do que um mero caso de pagamento de horas extras e, sim, a ocorrência
de dano existencial na vida do empregado.
Nesse sentido, cita-se o voto proferido pelo Des. Luiz Otavio Linhares Renault, do TRT-3.ª Reg., que tratou do dano existencial, gerado pela ausência de
convívio familiar, senão vejamos:
“Dano existencial – ‘O Direito do Trabalho é reconhecidamente instrumento de justiça social, historicamente sistematizado para se buscar a efetivação do
direito à igualdade entre o capital e o trabalho, humanizando esta relação que
é tão desigual. As mudanças sociais, econômicas e políticas elevaram a pessoa
humana ao centro do ordenamento jurídico, entendendo que o valor da dignidade humana é início e fim de tutela do Direito. Nesta perspectiva, mudou-se
a metodologia de tutela, passando o Direito a se (re)orientar, a fim de buscar
11. HOBBES, Thomas. Op. cit.
12. VÓLIA, Bomfim Cassar. Direito do trabalho. 6. ed. Niterói: Impetus, 2012. p. 660.
Almeida, Daniela Favilla Vaz de; Colnago, Lorena de Mello Rezende. O teletrabalho, o direito à desconexão
do ambiente de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 113-126. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Estudos Nacionais
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a efetivação da tutela da pessoa humana. Com esse objetivo, a metodologia de
estudo do dever de reparar sofreu impactos da elevação da pessoa ao centro
do ordenamento jurídico, passando, então, a tutelar a proteção dos danos patrimoniais e extrapatrimonais, dentre eles, o dano existencial. Defendemos,
por conseguinte, que o dano existencial constitui uma afronta à dignidade da
pessoa humana, culminando no desrespeito à solidariedade social, ao ter como
consequência um dano injusto que afeta a existência digna do sujeito. O dano
existencial restringe a existência do trabalhador, ao limitar a sua liberdade de
se autodeterminar socialmente. No plano do Direito do Trabalho, o dano existencial, provocado, por exemplo por jornadas exaustivas, trabalho análogo à
condição de escravo e por acidentes do trabalho, obriga o trabalhador a se
(re)orientar socialmente, limitado que foi em sua liberdade. O empregador
interfere diretamente nas relações sociais do empregado, ao desrespeitar a sua
dignidade, causando-lhe o dano existencial. Com efeito, o dano existencial é
autônomo em relação dano moral, que afeta a subjetividade da pessoa humana,
e assim, deve ser reparado de forma distinta. Descabe o entendimento, segundo o qual o dano existencial e o dano moral são sinônimos, pois se trata de restringir a tutela à pessoa humana, o que se mostra contrário à normativa constitucional. O reconhecimento do dano existencial e a sua reparação pelo Direito
do Trabalho constituem exercício de resistência contra (...) ‘uma colonização
do mundo da vida pelo imperativo do trabalhado, que, ao absorver as categorias da existência, constrói personalidades metamorfoseadas de acordo com as
condições históricas e alienadas, antissolidárias e concorrenciais do mundo do
trabalho’. Assim, por meio do reconhecimento do dano existencial, o Direito
do Trabalho amplia o seu espectro de proteção, caminha rente à realidade e à
pulsação da vida, e reconhece o dever de respeito às condições dignas de trabalho, fazendo cumprido o seu papel de dignificação, bem como de realização da
pessoa humana pelo trabalho’ (OLIVEIRA, Ariete Pontes de; e RENAULT, Luiz
Otávio Linhares. O dever de reparar o dano existencial no plano do direito do
trabalho. In: Direitos do trabalhador: teoria e prática: homenagem à Professora
Alice Monteiro de Barros. Belo Horizonte: RTM, 2014. p. 98-99)”.13
O dano existencial é uma subespécie de lesão aos bens imateriais do indivíduo que está intimamente relacionado à jornada de trabalho praticada e à
sua elasticidade, em violação às normas trabalhistas.14 Como observado, essa
violação tem como primeira consequência o pagamento da hora acrescida do
13. TRT-3.ª Reg. RO 0001073-93.2014.5.03.0135. Bradesco Vida e Previdência S.A. x Mirielli Miranda Ventura. 1.ª T. j. 22.05.2015. Rel. Des. Luiz Otavio Linhares Renault.
14. Cf. COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. Sustentabilidade humana: limitação de
jornada, direito à desconexão e o dano existencial. In: COLNAGO, L. M. R.; ALAlmeida, Daniela Favilla Vaz de; Colnago, Lorena de Mello Rezende. O teletrabalho, o direito à desconexão
do ambiente de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 113-126. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
adicional mínimo de 50% ou outro mais benéfico previsto em norma coletiva.
Caso a prática torne-se sistemática e extenuante, o ordenamento pátrio previu
a tipificação da conduta do empregador como crime – art. 149, caput, do CP,
alterado pela Lei 10.803, de 11.12.2003:
“Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação
dada pela Lei 10.803, de 11.12.2003). Pena – reclusão, de dois a oito anos, e
multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei 10.803,
de 11.12.2003)”.15
Assim, no atual conceito de trabalho em condições análogas a escravo, que
ultrapassa os limites do trabalho forçado previsto nas Convenções 29 e 105
da OIT, o legislador pátrio inseriu a jornada extenuante que viola a dignidade
humana do indivíduo, sendo esse, outro aspecto ou consequência legal, da
jornada exaustiva.
Por fim, surge no direito civil a reprimenda com fins pedagógicos a essa
prática nociva à saúde do trabalhador, que é a configuração do dano existencial
causado pela jornada extenuante, incluindo a jornada praticada no teletrabalho, como uma faceta da lesão individual causada pelo empregador em violação e abuso às normas do trabalho referentes à limitação de sua duração (art. 7.º,
XIII e XVI, da CF/1988, arts. 2.º, 58, 59 e 157 da CLT).
Essa conduta, no âmbito civil atrai a incidência dos arts. 186, 187 e 422 do
CC/2002, que versam sobre o ato ilícito ou abusivo e a função social do contrato, sendo o contrato de trabalho um tipo especial de contrato, deve seguir sua
regulamentação, observando os princípios gerais contratuais quando houver
compatibilidade (art. 8.º, parágrafo único, da CLT).
Nesse mister, a violação aos limites da duração do trabalho quando sistemática e extenuante pode afetar o ser humano como cidadão e ser social, em seus
projetos de vida. E para coibir essa prática degradante surge na doutrina pátria
o chamado dano existencial. O dano existencial distingue-se do dano moral na
medida em que atinge um aspecto público do indivíduo, ou seja, sua relação
com outros seres, com o mundo social, enquanto o dano moral consiste na
lesão ao patrimônio imaterial interno da pessoa.
VARENGA, R. Z. Direitos humanos e direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2013. p.
170-184.
15. BRASIL. Congresso Nacional. Código Penal. Disponível em: [www.planalto.gov.br/
ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm]. Acesso em: 01.07.2012.
Almeida, Daniela Favilla Vaz de; Colnago, Lorena de Mello Rezende. O teletrabalho, o direito à desconexão
do ambiente de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 113-126. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Pode-se afirmar que a Lei Maior abarca tanto o dano moral como o existencial no art. 5.º, V e X. Essa lesão não se confunde com o dano estético, que
é a proteção concedida aos aspectos físicos da pessoa em sua integralidade
(art. 5.º, V, da CF/1988 e Súmula 387 do STJ). Portanto, essa nova categoria de
lesão vem agregar-se às demais para imprimir um caráter pedagógico à conduta lesiva ao patrimônio imaterial e interpessoal do indivíduo, na tentativa de
restabelecer o equilíbrio do ser social, em atenção ao novel aspecto do direito
à saúde e à participação equilibrada do homem junto ao meio ambiente, a sustentabilidade humana,16 que advém da eficácia horizontal do direito que todo
indivíduo tem de ser respeitado como pessoa inserida na biota, ou seja, como
destinatário de direitos humanos reconhecidos na Lei Fundamental.
Portanto, impedir o empregado de se desconectar do ambiente de trabalho
telemático, caracteriza a ocorrência de dano existencial, porquanto a conduta
do empregador compromete a liberdade de escolha do empregado, frustrando
projetos de vida pessoal, na medida em que não lhe sobra tempo para outras
atividades, que não o trabalho, causando-lhe doenças mentais, por vezes irreversíveis.
6. Considerações finais
Diante das grandes evoluções tecnológicas, o teletrabalho, como forma de
organização do trabalho, explorada não só no Brasil, mas em toda parte do
mundo, passou a ser uma realidade constante do mundo do trabalho.
Se por um lado as vantagens são inúmeras, tanto para o empregado quanto
para o empregador, há que se ressalvar, com bastante cautela, as desvantagens
trazidas por essa nova forma de organização do trabalho.
Dentre elas, a ausência de desconexão do ambiente de trabalho, quando o
empregado é obrigado a suportar um excesso de trabalho incompatível com a
jornada contratual ou quando é obrigado, após o término do horário de trabalho, a portar ou a estar perto de qualquer tipo de aparelho eletrônico em que
possa ser acionado pelo empregador, tanto para trabalhar, quanto para resolver
problemas imediatos.
O desrespeito ao direito da desconexão do ambiente de trabalho gera prejuízos ao empregado, tanto no que ser refere à sua saúde física e mental, pois
frustra a revigoração de seu corpo e mente, quanto no seu convívio social e
familiar.
16. Cf. COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. Op. cit., p. 170-184.
Almeida, Daniela Favilla Vaz de; Colnago, Lorena de Mello Rezende. O teletrabalho, o direito à desconexão
do ambiente de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática. Revista de Direito do Trabalho.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
Se por um lado não há dúvida de que o trabalho é essencial na vida de um
indivíduo, por outro não se pode permitir que surja uma nova forma de organização de trabalho que escravize o trabalhador dentro de sua própria residência.
A tecnologia nasce e se reinventa todos os dias com o único propósito de
facilitar a vida do homem. Por isso, não há espaço para conceber que meios
informatizados e telemáticos de controle, essenciais para o desenvolvimento
do trabalho remoto, possam também, escravizar um empregado, na medida
em que lhe prive de descanso, saúde, lazer, vida em sociedade, vida íntima e
privada.
E, se já houve espaço para justificar o excesso de trabalho, diante da inviabilidade de fiscalização, hoje tal alegação não é plausível. A tecnologia, cada
dia mais, vem permitindo ao empregador efetiva fiscalização dos teletrabalhadores, motivo pelo qual há um crescente número de empresas aderindo ao
teletrabalho.
Portanto, resguardar o direito do empregado à desconexão ao ambiente de
trabalho telemático é cada dia mais de responsabilidade do empregador, em
razão de sua função socioambiental (art. 170 da CF/1988).
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125
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VÓLIA, Bomfim Cassar. Direito do trabalho. 6. ed. Niterói: Impetus, 2012.
Pesquisas do Editorial
Veja também doutrina
• Das condições legais do trabalho à distância no brasil, de Ana Paula Cazarini Ribas de Oliveira – RDT 158/157 (DTR\2014\9449);
• Tempo de trabalho e teletrabalho, de Francesca Columbu e Túlio de Oliveira Massoni – RDT
161/65 (DTR\2015\259); e
• Trabalho à distância e teletrabalho: considerações sobre a Lei 12.551/2011, de Gustavo Filipe
Barbosa Garcia – RDT 145/119 – Doutrinas Essenciais de Direito do Trabalho e da Seguridade
Social 1/853 (DTR\2012\2496).
Almeida, Daniela Favilla Vaz de; Colnago, Lorena de Mello Rezende. O teletrabalho, o direito à desconexão
do ambiente de trabalho e os possíveis meios de inibição da prática. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 113-126. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
127
A crise de representatividade das entidades sindicais
e a possibilidade de deflagração de greve pela
comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos
fundamentais dos trabalhadores
The union´s representability crisis and the possibility of the company committee
starting strikes as a way of enforcing the fundamental rights of the workers
Gabriel Henrique Santoro
Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Mestrando em Direito do Trabalho pela PUC-SP. Professor de Direito do Trabalho
e Processo do Trabalho do Complexo Educacional das Faculdades
Metropolitanas Unidas – FMU. Advogado.
[email protected]
Área do Direito: Trabalho; Constitucional
Resumo: O presente estudo não pretende abordar
a celeuma acerca de classificações doutrinárias
ou definições precisas a respeito da representação dos trabalhadores no local de trabalho e sua
participação no dia a dia dos empregados. Pelo
contrário, o ensaio ora proposto busca demonstrar que qualquer ente que represente de fato os
trabalhadores possui legitimidade para representá-los junto aos empregadores, podendo, inclusive, deflagrar greve, caso não sejam acolhidas
as principais reivindicações dos representados.
Desta feita, serão analisados institutos fundamentais dentro do modelo sindical brasileiro, tais
quais: a unicidade sindical; a representatividade
das entidades sindicais; a greve; as Comissões de
Empresas; e os direitos fundamentais dos trabalhadores. Após todas as ponderações necessárias,
o objetivo deste trabalho é sugerir uma alternativa aos empregados para que eles possam ser representados em situações que envolvam a coletividade por aquele ente que de fato os representa.
Abstract: The unions’ representability crisis and
the possibility of the Company Committee starting
strikes as a way of enforcing the fundamental rights of the workers. This essay shall not approach
the discussion about the precise doctrinal qualifications or definitions regarding the representation of workers in their work environments and
its participation on their routine. On the contrary,
the proposed essay aims to point out the legitimacy that any representative has to represent the
workers before their employers, being even able to
suggest strikes in case their main conditions are
not respected. In that sense, the essay shall analyze
fundamental precepts within the Brazilian union
model, including union individuality, unions’ relevance, strikes and the effectiveness of the worker´s,
Company Committee and fundamental rights. After all considerations, this essay’s outcome is to
propose an alternative to employees, so they can
be represented by the legitimate representative in
situations that involve their entire category.
Santoro, Gabriel Henrique. A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de
greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 127-138. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
128
Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
Palavras-chave: Greve – Comissão de empresa
– Representatividade sindical – Direitos fundamentais.
Keywords: Strikes – Company Committee –
Union representability – Fundamental rights.
Sumário: 1. Introdução. 2. A questão da liberdade sindical no Direito brasileiro e a crise de
representatividade das entidades sindicais. 3. A Comissão de Empresa como alternativa à
representação dos sindicatos. 4. A greve como direito fundamental dos trabalhadores. 5.
Conclusão. 6. Referências bibliográficas.
1.Introdução
Pode-se dizer que o estalo inicial para elaboração do presente estudo foi a
greve dos garis no Rio de Janeiro no ano de 2014.
Naquela ocasião, por não se sentirem representados por sua entidade
sindical, os garis se insurgiram e não obedeceram ao comando de greve,
uma vez que rechaçavam o acordo feito pelo sindicato profissional e, assim, não voltaram ao trabalho após a celebração do acordo realizado com
a empresa.
E tal irresignação fez sentido, se levarmos em consideração que o acordo
realizado pelo sindicato da categoria dos garis em 03.03.2014 previa aumento
de 9% do salário base e de 33,33% do vale alimentação. Já o acordo realizado
pela comissão dos representantes dos trabalhadores em 08.03.2014 logrou um
aumento de 37% do salário base e de 66,66% do vale alimentação. A diferença
é inquestionável e leva à conclusão de que o sindicato não atuava adequadamente na defesa dos interesses da categoria.1
Tamanha a repercussão do movimento que o então Secretário-chefe da Casa
Civil do Município do Rio de Janeiro Pedro Paulo disse que “a greve foi um
aprendizado para a Prefeitura, que entendeu sobre a necessidade de negociar
de maneira mais ampla com os trabalhadores”.2
1. Conforme análise de José Carlos de Carvalho Baboin publicada na Revista Eletrônica Conjur. A legitimidade da comissão dos representantes dos trabalhadores o caso
da greve dos garis no Rio de Janeiro em 2014. Disponível em: [www.conjur.com.
br/2014-mar-18/jose-carlos-baboin-greve-garis-rj-foi-passo-importante-democracia].
Acesso em: 21.11.2015.
2. Garis conquistam reajuste de 37% e encerram greve no Rio. Rede Brasil Atual. Disponível em: [www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2014/03/garis-conquistam-piso-salarial-de-r-1-100-e-encerram-greve-no-rio-8129.html]. Acesso em: 21.11.2015.
Santoro, Gabriel Henrique. A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de
greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 127-138. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Estudos Nacionais
129
Semelhante situação pode ser verificada nos Dissídios Coletivos 000630010.1998.5.15.0000 e 20142200200002002, nos quais a categoria dos trabalhadores deflagrou o movimento grevista sem a participação da entidade sindical
justamente por não se sentir representada por essa.
Ocorre, entretanto, que a jurisprudência pátria entende ser abusiva a greve
que não seja deflagrada por entidade sindical representativa da categoria profissional.
Especialmente no Dissídio Coletivo julgado no TRT-2.ª Reg. (Processo
20142200200002002) o desembargador relator consignou expressamente que
a abusividade da greve e sua consequente ilegalidade dava-se principalmente
pela ausência do sindicato representante da categoria profissional no polo ativo da demanda:
“Analisados os termos da contestação apresentada às f., em conjunto com
as informações prestadas pelos trabalhadores presentes à audiência, e tendo
em vista o certificado pelo sr. Oficial de Justiça (f.), verifica-se que o movimento
de paralisação foi deflagrado por um grupo de trabalhadores, sem qualquer participação do sindicato profissional (...)
De qualquer sorte, ficou comprovado nos autos a existência de greve parcial
dos trabalhadores deflagrada sem atendimento dos requisitos previstos na Lei
7.783/1989 (...)
Abusiva a greve, impõe-se o desconto dos dias de paralisação e, como decorrência natural, o término do movimento”.
Da análise desses casos concretos, e sem se olvidar que o sindicalismo no
Brasil enfrenta uma crise de representatividade – fato que será oportunamente
tratado por pormenores –, podemos imaginar que, sendo a greve um direito
fundamental dos trabalhadores, cabe ao sindicato ser apenas um instrumento
em defesa da melhoria das condições de vida dos trabalhadores e não mero
aparato burocrático de pacificação social.
Faltando aos trabalhadores esse instrumento (representatividade do sindicato), cabe-lhes reunirem e definirem a maneira para viabilizar a negociação, sem que isso ofenda a unicidade sindical ou o art. 8.º, III e VI, da CF.
2. A questão da liberdade sindical no Direito brasileiro e a crise de
representatividade das entidades sindicais
Pode-se definir liberdade sindical como sendo o “direito dos trabalhadores
(em sentido genérico) e empregadores de constituir as organizações sindicais
que reputarem convenientes, na forma que desejarem, ditando suas regras de
Santoro, Gabriel Henrique. A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de
greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 127-138. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
funcionamento e ações que devam ser empreendidas, podendo nelas ingressar
ou não, permanecendo enquanto for sua vontade”.3
José Francisco Siqueira Neto entende que a “liberdade sindical é, na verdade, um dos direitos fundamentais do homem, integrante dos direitos sociais,
componente essencial das sociedades democrático-pluralistas”.4
No sistema brasileiro, não obstante o art. 8.º, caput, da CF preveja a liberdade sindical no sistema jurídico brasileiro, fato é que as limitações impostas
pelos incisos subsequentes acabam por fulminar esta regra.
Com efeito, a imposição prevista no inc. II do art. 8.º da CF de apenas permitir um sindicato de determinada categoria profissional ou econômica por
base territorial, desde que não inferior à área de um Munícipio, somada com
o agrupamento dos trabalhadores por categoria (art. 511, § 2.º, da CLT) e a
cobrança de contribuição sindical obrigatória (art. 578 da CLT), acaba por
engessar o sistema sindical brasileiro e, por consequência, leva a uma crise de
representatividade.
Alice Monteiro de Barros observa que embora “consagrasse a liberdade sindical no caput do art. 8.º, a Constituição de República de 1988, no inc. II, do
mesmo artigo, traz resquício do regime corporativista existente no art. 516 da
CLT, ao prever a unicidade sindical, e com isso limitou a liberdade sindical”.5
Arnaldo Süssekind leciona que a “Assembleia Constituinte brasileira de
1988, apesar de ter cantado em prosa e verso que asseguraria a liberdade sindical, na verdade a violou, seja ao impor o monopólio de representação sindical
e impedir a estruturação do sindicato conforme a vontade do grupo de trabalhadores ou de empresários, seja ao obrigar os não associados a contribuir para
a associação representativa de sua categoria”.6
As regras sindicais estabelecidas na Constituição Federal de 1988 são um
ranço da fase intervencionista na história do sindicalismo no Brasil e que le-
3. BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Direito sindical – Análise do modelo brasileiro de relações coletivas de trabalho à luz do direito comparado e da doutrina da OIT
– Proposta de inserção da comissão de empresa. 5. ed. São Paulo: Ltr, 2015. p. 75.
4. SIQUEIRA NETO, José Francisco. Liberdade sindical e representação dos trabalhadores
no local de trabalho. São Paulo: Ltr, 2000. p. 68.
5. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: Ltr, 2009.
p. 1233.
6. SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 364.
Santoro, Gabriel Henrique. A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de
greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 127-138. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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vam, por conseguinte, a uma fraca atuação das entidades sindicais, notadamente nos locais de trabalho.7
Túlio de Oliveira Massoni ensina que a Constituição Brasileira, ao adotar
os critérios acima expostos, “impede, pela via reflexa, que se possa falar propriamente em representatividade sindical, uma vez que essa noção pressupõe
pluralidade sindical (ao menos a sua possibilidade), o que não se verifica no
caso brasileiro”. E continua o autor alertando que, em “regime de unicidade
sindical, portanto, não há espaço para se discutir a noção de representatividade, conceito vinculado a sistemas democráticos que prestigiam a liberdade
sindical em todas as suas dimensões”.8
Giancarlo Perone e Luís Felipe Lopes Boson, analisando o movimento
sindical no Brasil, pontuam que o “exercício da liderança sindical tem sido
utilizado no Brasil, lamentavelmente, como mero trampolim do exercício da
atividade política. De modo que não há conflito entre tais entidades, ou esse
conflito é mero instrumento de outro, o verdadeiro, que é político”.9 Os autores ainda lembram que deste cenário resulta a baixa taxa de sindicalização no
país, a qual, segundo dados do Dieese, estava em 30% no ano de 2012.10
Presentes esses fundamentos, pode-se concluir com facilidade que o sistema
adotado pela Carta Magna de 1988 mitiga a liberdade sindical dos trabalhadores
e, com isso, gera uma crise de representatividade, em virtude da qual os empregados, por inúmeras vezes, não se sentem representados por seu sindicato.
Para agravar o quadro, a citada unicidade sindical e a divisão por categoria
acabam por inviabilizar que os trabalhadores formem novas entidades de classe representativas, culminando, assim, em um apequenamento das conquistas
coletivas.
3. A Comissão de Empresa como alternativa à representação dos
sindicatos
Diante da crise de representatividade das entidades sindicais posta acima, mister se faz buscar um caminho alternativo para que os trabalhadores
7. Tal quadro é pontuado por Enoque Ribeiro dos Santos em sua obra Direito coletivo
moderno: da LACP e do CDC ao direito de negociação coletiva no setor público. São Paulo: Ltr, 2006. p. 112 e 115.
8. MASSONI, Túlio de Oliveira. Representatividade sindical. São Paulo: Ltr, 2007. p. 162-163.
9. PERONE, Giancarlo; BOSON, Luís Felipe Lopes. Sindicatos na União Europeia e no
Brasil: estímulos para uma reflexão comparativa. São Paulo: Ltr, 2015. p. 90.
10. Idem, ibidem.
Santoro, Gabriel Henrique. A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de
greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
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não fiquem desemparados na constante busca de melhores condições de
trabalho.
Neste sentido, é necessário realizar importante distinção entre representação e representatividade. Nos dizeres de Amauri Mascaro Nascimento “aquela
é uma questão de legalidade, esta um problema de legitimidade. Pode um sindicato ter a representação legal, mas não a real e efetiva. Nesse caso, é possível
dizer que falta representatividade ao sindicato, embora portador dos poderes
legais de atuar em nome dos representados. Esse problema é mais visível nos
sistemas de unicidade sindical”.11
Ora, se as entidades sindicais atualmente, conquanto detenham a legitimidade jurídica para representar os empregados (representação), não possuem
legitimidade fática para tal e muito menos respaldo dos trabalhadores (representatividade), parece ser legítimo que os obreiros, quando entenderem necessário, se reúnam e elejam representantes que possam lutar por objetivos que
aquele grupo entende por legítimo.
Neste contexto ganha importância a Comissão de Empresa,12 esta que, sendo espécie do gênero representação dos trabalhadores, acaba por ser uma força
legítima dos empregados.
Nos ensinamentos de José Claudio Monteiro de Brito Filho, a Comissão de
Empresa é “órgão colegiado de representação direta de todos os trabalhadores,
composta por membros escolhidos por eles, com exercício no interior da empresa, e tendo como atribuição a coordenação e defesa dos interesses de seus
representados perante o empregador”.13
Relembra o citado autor, ainda, que a “comissão é catalisadora das demandas dos trabalhadores, no Brasil, pelo vazio deixado pelos sindicatos, na atuação interna à empresa, encontrando os empregados, em órgãos mais próximos
a eles, meio de expressar seus anseios, o que é difícil, senão impossível, em
organização que está distante de ‘suas bases’”.14
Walküre Lopes Ribeiro da Silva destaca que as comissões são importantes,
pois “houve uma certa deterioração das relações entre as organizações sindi-
11. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de direito sindical. 4. ed. São Paulo: Ltr,
2005. p. 188-189.
12. Adotamos aqui a nomenclatura utilizada por José Claudio Monteiro de Brito Filho
em sua obra Direito sindical... cit., ressaltando, entretanto, que existem inúmeros nomes que são atribuídos à Comissão de Empresa, conforme, aliás, muito bem observado por José Francisco Siqueira Neto na sua obra Liberdade... cit., p. 154.
13. BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Op. cit., p. 338-339.
14. Idem, p. 328.
Santoro, Gabriel Henrique. A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de
greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
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cais majoritariamente representativas e os trabalhadores (...) Os trabalhadores
cansaram-se de ver os próprios interesses transacionados por sujeitos coletivos
cuja deficiência de representação real enfraquece o fundamento consensual de
suas decisões”.15
Frisa Amauri Mascaro Nascimento16 que a legislação pátria traz algumas menções à representação dos trabalhadores: possibilidade dos empegados elegerem representantes nas empresas que contam com mais de 200 empregados – art. 11 da
Constituição Federal; indicação de um representante dos empregados para compor a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – art. 164 da CLT; instituição
da Comissão de Conciliação Prévia – arts. 625-A e ss. da CLT; e a possibilidade
dos empregados se reunirem em comissão para debaterem sobre a conveniência
da greve, quando ausente a entidade sindical – art. 4.º, § 2.º, da Lei 7.783/1989.
A Convenção 135 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada
pelo Brasil por meio do Dec. 131, de 22.05.1991, incentiva a reunião de trabalhadores no local de trabalho a fim de possibilitar um maior diálogo entre
empregados e empregador e, desta maneira, contribuir para maior participação
do trabalhador na atividade empresarial.
Graziela de Oliveira, por sua vez, esclarece que “enquanto os sindicatos levam uma luta mais geral, pela determinação de políticas de empresas e salário,
entre outras reivindicações de condições de trabalho, as comissões de fábrica
(CF) atuam em nível local, como intermediárias entre o coletivo de trabalhadores e a gerência empresarial”.17 Ressalta, outrossim, que para negociar, os
trabalhadores precisam conhecer as condições reais de operação da empresa, o
que pode ser reivindicado pelas comissões dos empregados.
Recorda Rodrigo Chagas Soares que o constituinte brasileiro “quis inserir
o direito de representação dos trabalhadores para promoção de entendimento
direto com o empregador, inserto no art. 11 da CF, dentro do Título II que
versa sobre os ‘Direitos e garantias fundamentais’, alçando essa negociação de
representação dos trabalhadores ao patamar de garantia fundamental, tal como
preconizado pela OIT”.18
15. SILVA, Walküre Lopes Ribeiro da. Representação e participação dos trabalhadores na
gestão da empresa. São Paulo: Ltr, 1998. p. 154.
16. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Op. cit.
17. OLIVEIRA, Graziela de. Relações industriais e democracia empresarial: teoria e prática.
São Paulo: Ltr, 1998. p. 70.
18. ALMEIDA, Renato Rua de (org.). PIMENTA, Adriana Calvo; FILHO, Roberto Carneiro (coords.). Direitos fundamentais aplicados ao direito sindical. São Paulo: Ltr, 2014.
p. 102-103.
Santoro, Gabriel Henrique. A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de
greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
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Postas estas realidades, e dada a natural legitimidade que os eleitos para
compor os Comitês de Fábricas possuem – afinal, foram escolhidos pelos próprios colegas de maneira voluntária e sem interesse escuso –, parece-nos que
esta espécie de representação dos trabalhadores surge como grande alternativa para solucionar problemas de representatividade ligados à inércia da entidade sindical, notadamente no que tange às reivindicações postas em caso
de greve, uma vez que esta, como se verá adiante, é um direito fundamental
do trabalhador.
4. A greve como direito fundamental dos trabalhadores
Não obstante a dificuldade de conceituar os direitos fundamentais, dado
seu caráter universal, entendemos que Júlio Ricardo de Paula Amaral o faz de
maneira didática. Para este autor, os “direitos fundamentais podem ser concebidos como atributos naturais atinentes ao homem, ligados essencialmente aos
valores da dignidade, liberdade e igualdade, decorrentes da sua própria existência, com fundamento na ‘dignidade da pessoa’ ou ‘dignidade humana’”.19
Vidal Serrano Nunes Junior acrescenta que “os direitos fundamentais constituem um sistema, na medida em que suas normas estão em constante interação, reconduzindo sempre ao mesmo objeto: a proteção do ser humano. Assim,
um direito fundamental implica outro e um influencia o conteúdo do outro,
de tal modo que, fora de uma análise sistemática, não poderiam ser enfocados
como uma espécie de somatória de disposições analiticamente isoladas”.20
A greve, por sua vez, é a “paralisação coletiva provisória, parcial ou total,
das atividades dos trabalhadores em face de seus empregadores ou tomadores
de serviços, com o objetivo de lhes exercer pressão, visando à defesa ou conquista de interesses coletivos, ou com objetivos sociais mais amplos”.21
Advertem Giancarlo Perone e Luís Felipe Lopes Boson que a “importância
da greve, que constitui o mecanismo adequado para os trabalhadores conseguirem, em plano coletivo, uma força de pressão – contratual e mesmo sociopolítica que os compense da desigualdade que os marca quando singularmente
considerados – é demonstrada pelo fato de que o direito ao conflito coletivo,
19. AMARAL, Júlio Ricardo de Paula. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas. 2. ed. São Paulo: Ltr, 2015. p. 33.
20. NUNES JR., Vidal Serrano. A cidadania social na Constituição de 1988 – Estratégias de
positivação e exigibilidade dos direitos sociais. São Paulo: Verbatim, 2009. p. 15.
21. DELGADO, Maurício Godinho. Direito coletivo do trabalho. 4. ed. São Paulo: Ltr,
2011. p. 191.
Santoro, Gabriel Henrique. A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de
greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
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que é exercido mediante a greve, é também considerado como o substrato de
organização sindical”.22
Henrique Macedo Hiniz recorda que não bastasse ser assegurada constitucionalmente (art. 9.º da CF), a “greve é o mecanismo máximo de autodefesa
dos trabalhadores em face daqueles que detêm os meios de produção. É por
meio dela que os trabalhadores afetarão o ponto mais sensível do empregador, sua produção, suas atividades, de onde retira seu faturamento, seu
lucro”.23
É certo que o direito de greve, inserido na Constituição Federal de 1988
no capítulo dos Direitos Sociais e no título que trata Dos Direitos e Garantias
Fundamentais, é um direito fundamental do trabalhador24 e, como tal, não lhe
pode ser suprimido ou tolhido.
A defesa de que apenas as entidades sindicais têm legitimidade para estar à
frente do movimento paredista é demasiadamente arcaica e contraria por completo o espírito garantista e democrático da Carta Magna de 1988, mormente
se levarmos em consideração a crise de representatividade das entidades sindicais retratada no capítulo anterior.
Ora, se os próprios trabalhadores não se sentem representados pelos sindicatos de sua categoria profissional, como, aliás, ocorrera nos exemplos citados
no introito deste ensaio, e se a greve é a expressão máxima da vontade coletiva,
por certo que o operador do direito juslaboral precisa flexibilizar o entendimento de que apenas o sindicato da categoria profissional tem legitimidade
para deflagrar greve, sob pena de haver um esvaziamento do principal instrumento de luta dos trabalhadores.
Se entendermos que apenas a entidade sindical, essa que sofre com a crise
de representatividade explanada alhures, tem legitimidade para dar efetividade
ao principal instrumento de luta dos trabalhadores, por certo que haverá um
22. PERONE, Giancarlo; BOSON, Luís Felipe Lopes. Op. cit., p. 179.
23. HINIZ, Henrique Macedo. Direito coletivo do trabalho. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
p. 161.
24. A alçada à categoria de direito fundamental do trabalhador é muito bem observada
por Gisele Alves de Oliveira em artigo intitulado O direito fundamental de greve e a
atuação do Ministério Público do Trabalho. A autora, abordando o histórico do movimento paredista, ressalta que a “greve deixa de ser vista como um ilícito penal e passa
por uma fase de tolerância, até ser reconhecida como direito humano e fundamental,
albergada em instrumentos internacionais e nas próprias Constituições dos Estados”.
ALMEIDA, Renato Rua de (org.); PIMENTA, Adriana Calvo; FILHO, Roberto Carneiro (coords.). Op. cit., p. 64.
Santoro, Gabriel Henrique. A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de
greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
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preocupante entrave que pode colocar em risco a constante busca dos trabalhadores por melhoria dos direitos sociais.
5. Conclusão
Diante do quadro apresentado, forçoso concluir que o sistema sindical brasileiro enfrenta uma grave crise de representatividade, a qual reflete diretamente nas conquistas da classe trabalhadores.
Se pensarmos no principal instrumento de resistência e conquista dos empregados – o direito de greve –, veremos que o quadro é ainda mais grave, porquanto diante da falta de legitimidade do movimento sindical, por vezes o citado direito fundamental (de greve) acaba não sendo exercido em sua plenitude.
Neste cenário, parece-nos equivocado supor que a Carta Magna, que elevou
o direito de greve à categoria dos direitos fundamentais, limitaria o mais importante instrumento coletivo de resistência dos trabalhadores.
Interpretação diversa viola a lógica construída na Constituição Federal,
além de não respeitar os princípios fundamentais do direito social.
As normas constitucionais e infraconstitucionais que preveem a participação do sindicato no movimento paredista têm caráter protetivo e objetivam
resguardar o direito da classe obreira. Por consequência, podem ser relativizados quando o sindicato não demonstra atuação condizente com os anseios de
sua própria categoria.
Uma solução viável para contornar a crise de representatividade das entidades sindicais e, assim, possibilitar que os trabalhadores exerçam integralmente
um dos mais preciosos direitos que lhes foi conferido pela Carta Constitucional é permitir que eles próprios (os obreiros) tenham legitimidade para conduzir o movimento paredista.
Não é demais lembrar que as Comissões de Empresa, relembra-se mais uma
vez que a alcunha dada é de somenos, surgem como uma legítima alternativa
para tomar a frente das reivindicações dos trabalhadores, pois, não bastassem
conviver com os problemas rotineiros da classe obreira, ainda terão sido eleitas
de maneira democrática e sem qualquer interferência tergiversa.
Admitirmos que os empregados não podem assumir a negociação e tomar
a frente do movimento paredista, quando o sindicato não estiver agindo adequadamente ou quando não possuir representatividade, esvaziaria o sentido
protetivo construído no texto constitucional relativo aos direitos fundamentais do trabalhador, bem como dificultaria a efetivação de conquistas da classe obreira.
Santoro, Gabriel Henrique. A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de
greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 127-138. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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6.Referências bibliográficas
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
Garis conquistam reajuste de 37% e encerram greve no Rio. Rede Brasil Atual.
Disponível em: [www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2014/03/garis-conquistam-piso-salarial-de-r-1-100-e-encerram-greve-no-rio-8129.html].
Acesso em: 21.11.2015.
Pesquisas do Editorial
Veja também Doutrina
• A atuação judicial das associações de empregados e suas nuances. Limites, requisitos, possibilidades, benefícios e alcance da demanda coletiva, de Carolina Tupinambá e Mariana
Ferradeira – RePro 242/305 (DTR\2015\3684);
• Modelo de relações trabalhistas: reflexão sobre propostas de reforma – O negociado e o
legislado, de Nelson Mannrich – RDT 101/71, Doutrinas Essenciais de Direito do Trabalho e
da Seguridade Social 3/1381 (DTR\2001\64); e
• Participação, concerto, acordos sociais nas relações trabalhistas contemporâneas direito
dos trabalhadores à informação – A participação dos trabalhadores por métodos diferentes
da negociação coletiva, de Octavio Bueno Magano – RDT 62/59, Doutrinas Essenciais de
Direito do Trabalho e da Seguridade Social 3/311 (DTR\1986\251).
Santoro, Gabriel Henrique. A crise de representatividade das entidades sindicais e a possibilidade de deflagração de
greve pela comissão de empresa como forma de efetivação dos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 127-138. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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LC 150/2015. Novo paradigma de proteção
ao trabalhador doméstico
Law 150/2015. New protection of domestic workers’ paradigm
André Eduardo Dorster Araujo
Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduando em Direito do Trabalho pelo Instituto de Direito
do Trabalho da Universidade de Lisboa. Professor dos cursos preparatórios para concursos
públicos ProMagis Concursos e FMB. Tutor em cursos de Ensino à Distância (EaD)
da Escola Judicial do TRT da 2.ª Região (EJUD2). Juiz do Trabalho Substituto do TRT da 2.ª Região.
[email protected]
Área do Direito: Trabalho
Resumo: Artigo analisando o novo paradigma de
proteção ao trabalhador doméstico no âmbito do
direito brasileiro com o advento da LC 150/2015.
Parte-se de uma contextualização histórica do
trabalho doméstico no Brasil, conceituando-o no
contexto atual e abordando o atual cenário de
proteção, especialmente: restrições à contratação, duração do trabalho, contratação a termo e
direitos em geral.
Abstract: Article analyzing the new protection
paradigm to domestic workers under Brazilian law with the enactment of Law 150/2015.
It starts with a historical context of domestic
work in Brazil, conceptualizing it in the current
context and addressing the current security scenario, especially: restrictions on hiring, hours of
work, fixed term contracts and rights in general.
Palavras-chave: Trabalho doméstico – LC 150/2015
– Contratação a termo – Duração do trabalho –
Restrições à contratação.
Keywords: Housework – Law 150/15 – Fixed-term contracts – Hours of work – Restrictions
on hiring.
Sumário: 1. Introdução. 2. Histórico legislativo. 3. Objeto da lei. Trabalho doméstico. Conceito. 4. Restrições ao trabalho doméstico. 5. Duração do trabalho. 5.1 Limitação de jornada.
Horas extras. Compensação. 5.2 Escala 12x36. 5.3 Intervalo intrajornada. Redução. Fracionamento. 5.4 Trabalho noturno. 6. Contratação a termo. 7. Direitos em geral. 7.1 Férias.
7.2 Vale-transporte. 7.3 Descontos salariais. 7.4 FGTS e seguro-desemprego. 7.5 Rescisão
contratual. Aviso prévio. Justa causa. Rescisão indireta. 8. Conclusão. 9. Referências bibliográficas.
Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
1.Introdução
Talvez porque finca raízes históricas na escravidão e em razão de uma errônea
noção de que seu mister é de menor valor, o trabalhador doméstico, no Brasil e
no mundo como um todo,1 sempre foi tutelado de forma bastante tímida frente
aos demais trabalhadores, gozando de um discriminatório status inferior.
Retrato de uma categoria pouco aglutinada coletivamente e de um trabalho
pouco valorizado, menos visível, prestado em regra por mulheres (vítimas de
histórica discriminação e que somente nos dias atuais vem sendo superada –
vide inúmeras Convenções da OIT sobre o tema, a exemplo as de n. 89, 100 e
103) de baixa qualificação e integrantes de segmentos sociais mais vulneráveis
e menos afortunados.
Não por outra razão, a proteção do trabalhador doméstico é tema de relevo
na agenda internacional, que culminou na aprovação da Convenção 189 e da
Recomendação 201, ambas da OIT, aprovadas após debates ocorridos entre
2010 e 2011.
Tais normas impõem aos Estados-membros signatários alçar o trabalho doméstico a um patamar mínimo de civilidade, equiparando o trabalhador doméstico aos demais trabalhadores,2 observadas, é claro, as especificidades desta
especial forma de trabalho.
Assim, a festejada LC 150/2015 vem em boa hora sepultar um ranço histórico de discrímen injustificado, merecendo dos operadores do direito um detido
estudo, com o qual modestamente pretendemos contribuir, especialmente considerando a estimativa de que no Brasil há cerca de 7,2 milhões de trabalhadores
1. Segundo dados da OIT, o regramento de diversos países prevê tratamento diferido e
menor proteção ao trabalhador doméstico. Dados completos em: Domestic workers
across the world: Global and regional statistics and the extent of legal protection.
p. 46-47. Disponível em: [www.oitbrasil.org.br/content/entra-em-vigor-convencao-sobre-trabalho-domestico-da-oit]. Acesso em: 10.06.2015.
2. Digno de nota o art. 10 da Convenção 189 da OIT: “Artigo 10 – 1. Todo Membro
deverá adotar medidas para garantir a igualdade de tratamento entre os trabalhadores
domésticos e os trabalhadores em geral com relação às horas normais de trabalho,
à compensação de horas extras, aos períodos de descanso diários e semanais e férias anuais remuneradas, em conformidade com a legislação nacional e com acordos
coletivos, considerando as características específicas do trabalho doméstico”. Disponível em: [www.trt13.jus.br/institucional/ejud/material-dos-cursos-e-eventos/cursos-ofertados-em-2013/debate-sobre-o-novo-empregado-domestico/Convencao%20
189%20OIT%202011%20e%20Recomendacao%20201%20OIT.pdf/view]. Acesso em:
10.06.2015.
Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico.
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domésticos, número recorde na América Latina, a esmagadora maioria deles do
sexo feminino, segundo dados apurados em relatório da OIT de 2013.3
2. Histórico legislativo
Após a abolição da escravatura pela Lei Imperial 3.353 de 13.05.1888 o
trabalho doméstico no Brasil, até então eminentemente escravo, passou por
vácuo legislativo até o advento do Código Civil de 1916 que regulava a locação
de serviços em geral.
A primeira regulamentação específica em território pátrio se deu em
02.08.1923 com o Dec. 16.107,4 editado pelo presidente da República, com
amparo na Lei 4.632/1923,5 regulamentado a locação de serviços domésticos
no âmbito do Distrito Federal.
Em 1941 editou-se o Dec.-lei 3.078, regulamentando a locação de serviços
domésticos em todo o território nacional.6
Obviamente, inclusive pelo lento avanço da sociedade recém-saída de um estágio escravocrata, estas primeiras regulamentações do trabalho doméstico no Brasil previam pouquíssima proteção ao trabalhador, focando-se principalmente em
questões burocráticas de identificação do trabalhador, com a emissão da Carteira
Profissional respectiva, fixação de aviso prévio de oito dias após seis meses de
prestação de serviços em caráter exclusivo e os deveres mínimos dos contratantes.
À época houve juristas defendendo que o diploma Dec.-lei 3.078/1941 não
entrara em vigor, por falta de regulamentação, outros defenderam sua autoexe-
3. OIT. Domestic workers across the world... cit., p. 26. Merece especial transcrição a
seguinte passagem do relatório da OIT: “Within the region, the prevalence of domestic work is particularly high in the countries of the Southern Cone – namely Argentina, Brazil, Chile, Paraguay and Uruguay. By far the largest employer of domestic
workers is Brazil, where the sector has experienced a steady growth from 5.1 million
to 7.2 million domestic workers between 1995 and 2009 (the last year for which data
are available).26 The data indicate that – like in the rest of the region – the majority
of domestic workers are women (93 per cent)”.
4. Senado Federal. Disponível em: [http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaNormas.
action?numero=”16107&tipo_norma=DEC&data=19230730&link=s].” Acesso em:
09.06.2015.
5.Câmara dos Deputados. Disponível em: [www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/19201929/lei-4632-6-janeiro-1923-566566-republicacao-90139-pl.html]. Acesso em:
09.06.2015.
6. Senado Federal. Disponível em: [http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaNormas.
action?numero=”3078&tipo_norma=DEL&data=19410227&link=s].” Acesso em:
09.06.2015.
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cutoriedade no que fosse possível e parte da doutrina defendeu sua revogação
pela CLT7 em 01.05.1943.
Fato é que parcela substancial da jurisprudência8 se inclinou no sentido da
caducidade do Dec.-lei 3.078, de modo que o trabalhador doméstico passou
a ocupar uma condição de subemprego, criando um abismo entre a proteção
destinada aos trabalhadores em geral e aos domésticos, mesmo com o advento
da Lei 5.859/1972, que evoluiu de forma tímida, assegurando como direitos,
além do registro em CTPS, apenas férias de 20 dias úteis e a condição de segurado obrigatório da previdência social.
Somente com a Constituição Federal de 1988 houve uma ampliação significativa na proteção destinada aos trabalhadores domésticos, que passaram a gozar
de direitos mais próximos aos dos demais trabalhadores, como salário mínimo,
aviso prévio de 30 dias, gratificação natalina, repouso semanal remunerado etc.
Ainda assim, o Constituinte originário fez distinção iníqua, deixando o
empregado doméstico sob regramento menos benéfico quanto às férias, sem
limitação de jornada, sem regulamentação do trabalho noturno, dentre outros
direitos assegurados aos trabalhadores em geral.
Com a Lei 11.324/2006 ampliou-se um pouco mais o rol de direitos dos
domésticos, para incluir férias de 30 dias e a garantia provisória da empregada
gestante no emprego.
Somente com o advento da EC 72/2013 houve equiparação substancial dos
trabalhadores domésticos aos demais, cuja concretude e regulamentação efetiva se dá pela LC 150/2015.
3.Objeto da lei. Trabalho doméstico. Conceito
A raiz etimológica latina domus (casa), de plano nos revela sob que perspectiva se visualiza o trabalho doméstico, qual seja, o trabalho prestado no âmbito
da residência, em prol da família.
Segundo a doutrina sempre conceituou, o trabalhador doméstico é a pessoa natural que, de forma subordinada e pessoal, em caráter contínuo e one-
7. Segundo Alice Monteiro de Barros, J. Antero de Carvalho defendeu que o Dec.-lei
3.078 não entrou em vigor, por não regulamentado, enquanto Mozart Victor Russomano defendia sua autoexecutoriedade. Pontua, ainda, que doutrinadores de escol como Arnaldo Süssekind e Evaristo de Moraes Filho defendiam que a CLT teria
revogado o Decreto em questão. BARROS, Maria Alice. Contratos e regulamentações
especiais de trabalho. São Paulo: Ed. LTr, 2008. p. 186.
8. Vide, por exemplo: TST, AgIn em RR 1.307/2002-771-04-00.0, 2.ª T., rel. Min. Renato
de Lacerda Paiva, DJ 10.12.2004.
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roso, presta serviços sem destinação lucrativa no âmbito residencial de uma
pessoa ou família.
Trata-se da conjugação de elementos essenciais de qualquer vínculo empregatício (pessoa natural, pessoalidade, subordinação e onerosidade), acrescido
de requisitos próprios e peculiares previstos na então vigente Lei 5.859/1972
(art. 1.º),9 quais sejam, a continuidade (mais intensa que a não eventualidade,
segundo doutrina e jurisprudência dominantes), a finalidade não lucrativa dos
serviços, a apropriação dos serviços por pessoa natural ou por família, e a prestação de serviços no âmbito residencial dos tomadores.
Para nosso estudo, a continuidade ganha um relevo especial. Nos dizeres
da doutrina majoritária sobre o tema, para o liame empregatício doméstico:
“É necessário, portanto, que o trabalho executado seja seguido, não sofra interrupção. Portanto, um dos pressupostos do conceito de empregado doméstico é a continuidade, inconfundível com a não eventualidade exigida como
elemento da relação jurídica advinda do contrato de emprego firmado entre
empregado e empregador, regido pela CLT. Ora, a continuidade pressupõe a
ausência de interrupção, enquanto a não eventualidade diz respeito ao serviço
que se vincula aos fins normais da atividade da empresa”.10
Noutras palavras, a não eventualidade revelar-se-ia pela necessidade permanente de mão de obra, demonstrada pela repetição, ainda que em apenas
um ou alguns dias da semana, da quinzena ou do mês, enquanto a continuidade exigiria o trabalho sem interrupção, com uma repetição, uma regularidade
mais intensa, reiterada.
Não por outra razão, a jurisprudência inclinou-se no mesmo sentido, distinguindo continuidade de não eventualidade e exigindo, com maior rigor, a
ausência de interrupção da prestação de serviços, de modo a distinguir o emprego doméstico e o trabalho autônomo da, mal nominada, diarista.
A frequência de comparecimento semanal à residência do tomador transformou-se, então, no principal distintivo entre diarista e empregado doméstico.
Ainda assim, a jurisprudência sempre foi vacilante. Abaixo alguns julgados
do TST fixando como parâmetro quantitativo o comparecimento mais de três
vezes por semana na residência do tomador de serviços:
9. “Art. 1.º Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de
natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas, aplica-se o disposto nesta lei.”
10. BARROS, Alice Monteiro de. Op. cit., p. 198.
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“Recurso de revista. 1. Vínculo de emprego. Trabalhador doméstico. Prestação de serviços três vezes por semana. Continuidade. Ausência. Não conhecimento. É cediço que a atual, notória e iterativa jurisprudência desta Colenda
Corte Superior é no sentido de que a atividade de diarista exercida durante três dias por semana para empregador doméstico não enseja o reconhecimento de vínculo de emprego. Precedentes. Incidência da Súmula 333 e do
art. 896, § 4.º, da CLT. Recurso de revista de que não se conhece” (RR 1602-82.2011.5.01.0003, 5.ª T., j. 10.09.2014, rel. Min. Guilherme Augusto Caputo
Bastos, DEJT 19/09/2014).
“A) Agravo de instrumento em recurso de revista. Relação de emprego doméstico. Continuidade. Não caracterização. Constatada a violação do art. 1.º
da Lei 5.859/1972, impõe-se prover o agravo de instrumento para determinar
o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e
provido. B) Recurso de revista. Relação de emprego doméstico. Continuidade.
Não caracterização. Do exame do art. 1.º da Lei 5.859/1972, percebe-se que o
reconhecimento do vínculo empregatício do doméstico está condicionado à
continuidade na prestação dos serviços, não se prestando ao reconhecimento
do liame a realização de trabalho durante alguns dias da semana. No caso,
nota-se que efetivamente não restou demonstrado o preenchimento do requisito da continuidade previsto no art. 1.º da Lei 5.859/1972, mas, sim, o labor
exercido em três vezes da semana. Recurso de revista conhecido e provido”
(RR 2776-87.2011.5.02.0201, 8.ª T., j. 06.08.2014, rel. Min. Dora Maria da
Costa, DEJT 15.08.2014).
“Agravo de instrumento. Vínculo de emprego. Empregada doméstica. Prestação de serviços três vezes por semana. Demonstrada a divergência jurisprudencial, há de ser dado provimento ao Agravo de Instrumento para determinar o processamento do Recurso de Revista. Agravo de Instrumento provido.
Recurso de revista. Vínculo de emprego. Empregada doméstica. Prestação de
serviços três vezes por semana. Não caracterização. Empregado doméstico é
a pessoa física que presta, com pessoalidade, onerosidade e subordinadamente, serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à
família, em função do âmbito residencial destas. Evidenciando-se o labor por
somente três vezes por semana, configura-se o caráter descontínuo da prestação de trabalho, fora, portanto, do pressuposto específico da Lei 5.859/1972.
Recurso de Revista conhecido e provido” (RR 137800-73.2007.5.05.0030, 4.ª
T., j. 10.04.2013, rel. Min. Maria de Assis Calsing, DEJT 24.05.2013).
“Vínculo empregatício – Diarista – Art. 1.º da Lei 5.859/1972 – Prestação de
serviços três vezes por semana – Empregada doméstica – Não caracterização.
A jurisprudência desta Corte tem caminhado no sentido de não reconhecer
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o vínculo de emprego doméstico entre o tomador dos serviços e a diarista
que labora em sua residência apenas dois ou três dias na semana, ativando-se
também em outras residências ante o não preenchimento do requisito da continuidade, previsto no art. 1.º da Lei 5.859/1972. Na hipótese, a Reclamante
laborava apenas três dias da semana para a Reclamada e prestava serviços em
outras residências durante o mesmo período em que laborou para a ora Recorrida. Assim, ao não reconhecer o vínculo de emprego doméstico, o Regional
decidiu a matéria em consonância com a jurisprudência desta Corte, sendo
certo que, para se chegar a conclusão em sentido contrário seria necessário o
reexame do conjunto probatório dos autos, pois sequer foram reconhecidos
expressamente pelo Regional os demais elementos configuradores do vínculo
empregatício, o que encontra óbice na Súmula 126 do TST. Recurso de revista
não conhecido” (RR 59300-54.2007.5.03.0060, 7.ª T., j. 03.10.2012, rel. Min.
Ives Gandra Martins Filho, DEJT 19.10.2012).
Em sentido oposto, mesmo no âmbito do TST, localizamos julgados reconhecendo o vínculo mesmo em casos onde o trabalho se deu apenas três vezes
por semana, levando em conta como fator determinante o tempo de contrato:
“Faxineira. Vínculo de emprego. Doméstica. Continuidade. O doméstico
que prestou serviços por 12 (doze) anos para a mesma família, três vezes por
semana, e mediante pagamento mensal, ainda que em serviços de faxina, atende o pressuposto da continuidade, suficiente para se reconhecer a existência de
vínculo de emprego. Recurso de Embargos de que se conhece e a que se nega
provimento” (Embargos em EDiv em RR 250040-44.2004.5.02.0078, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, j. 08.09.2011, rel. Min. João Batista Brito Pereira, DEJT 16.09.2011).
“Recurso de revista. Reconhecimento de relação de emprego. Empregado doméstico. Trabalho prestado três vezes por semana. Empregado doméstico é a pessoa física que presta, com pessoalidade, onerosidade e subordinadamente, serviços
de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito
residencial destas. Evidenciando-se do contexto fático que a Autora laborou para a
Recorrida por 11 anos, com exclusividade, e em três dias na semana, afigura-se de
natureza contínua a prestação de trabalho, nos termos do art. 1.º da Lei 5.859/1972.
Recurso de Revista conhecido e provido” (RR 1132-47.2011.5.01.0069, 4.ª T., j.
22.04.2015, rel. Min. Maria de Assis Calsing, DEJT 24.04.2015).
Superando esta insegurança jurídica, a LC 150/2015 adotou a mesma delimitação do trabalho doméstico, prevendo os mesmos requisitos. Porém, o
legislador atento à hesitação jurisprudencial, fixou parâmetro quantitativo semanal para fins de continuidade, pacificando e ampliando a proteção ao trabalhador doméstico, ao dispor:
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“Art. 1.º Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta
serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade
não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2
(dois) dias por semana, aplica-se o disposto nesta Lei” (grifei).
Logo, a partir de então a prestação de serviços três vezes por semana, preencherá o requisito da continuidade exigida por lei. Trata-se de salutar opção
legislativa, que sacramenta eterna polêmica sobre o tema.
Claro, todavia, que a inovação legislativa não soluciona impasses outros,
como no caso de trabalhadores que apesar de prestarem serviços em âmbito
doméstico por mais de duas vezes por semana o fazem em jornada extremamente reduzida, valendo aqui os exemplos trazidos por Vólia Bomfim Cassar11
ao apontar o personal trainer, a manicure e o professor particular que podem
comparecer vários dias da semana, em jornada de apenas uma hora.
Inclusive porque a nova lei autoriza a contratação de empregado doméstico
em regime de tempo parcial, o que possibilitaria o labor doméstico em jornadas bastante reduzidas (art. 3.º).
Porém aí, a nosso ver, a questão soluciona-se por critérios outros que não a
continuidade, especialmente a subordinação, que nos parece demasiadamente
tênues nestes exemplos.
Sintetizando, pode-se dizer o objeto da Lei 150/2015 é o emprego doméstico, que se distingue da relação empregatícia comum urbana pela figura do trabalhador doméstico que é a pessoa natural que, de forma subordinada e pessoal,
em caráter contínuo (mais de duas vezes por semana) e oneroso, presta serviços
sem destinação lucrativa no âmbito residencial de uma pessoa ou família.
4.Restrições ao trabalho doméstico
Imperioso notar que o trabalho doméstico, à luz da Constituição Federal de
1988, era permitido a partir dos 16 anos, valendo notar que o art. 7.º, XXXIII
traz regra de proibição geral do trabalho antes dos 16 anos, autorizando exclusivamente o trabalho do aprendiz a partir dos 14 anos.
Isto, mesmo antes da EC 72/2013, na medida em que a restrição ao trabalho
do menor é matéria de ordem pública e geral, para qualquer espécie de mister,
como deixa claro o texto constitucional.12
Com o advento do Dec. 6.481/2008, a proteção se estendeu ao inserir o
trabalho doméstico na lista TIP (piores formas de trabalho infantil), dando
11. CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 5. ed. Niterói: Impetus, 2011. p. 365.
12. Neste sentido, idem, p. 402.
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eficácia à Convenção 182 da OIT, ratificada e internalizada no Brasil por meio
do Dec. 3.597/2000.
A LC 150/2015 vem referendar a conquista histórica e os compromissos
internacionais brasileiros, delimitando no parágrafo único do art. 1.º a vedação
ao trabalho doméstico por menores de 18 anos.13
5. Duração do trabalho
Regulamentando os direitos conquistados pela EC 72/2013, e atenta às peculiaridades do labor doméstico, a LC 150/2015 trouxe relevantes balizas à
limitação de jornada, pagamento de eventual sobrejornada e trabalho noturno.
Primeiramente, imperioso destacar que a lei se antecipa a interpretações
açodadas e preceitua que para fins de duração de trabalho em geral deve-se
levar em conta o tempo à disposição.
Assim, excluem-se do horário de trabalho os intervalos previstos em lei, o
tempo de repouso e, para o empregado que mora no local de trabalho e nele permaneça (art. 2.º, § 7.º), bem como para o empregado doméstico que acompanha
o empregador em viagens (art. 11 da CLT), as horas não trabalhadas em geral.
No caso de viagens, contudo, a lei assegura uma contraprestação pela privação do convívio familiar e social do empregado, assegurando uma remuneração horária 25% superior ao salário-hora normal, autorizada a compensação
desta remuneração extraordinária com banco de horas a ser usufruído a critério exclusivo do empregado.
Além disso, a lei traz tratamento legal idêntico aos dos empregados em
geral ao tratar do intervalo interjornada mínimo de 11 horas e do gozo de descanso semanal remunerado e feriados (arts. 15 e 16).
Noutros pontos, porém, a legislação trouxe inovações. Vejamos algumas a seguir:
5.1 Limitação de jornada. Horas extras. Compensação
Em primeiro lugar, no que tange aos limites legais, remuneração e parâmetros de cálculo, a lei seguiu as balizas constitucionais e os parâmetros consa-
13. “Art. 1.º Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de
forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana,
aplica-se o disposto nesta Lei.
Parágrafo único. É vedada a contratação de menor de 18 (dezoito) anos para desempenho de trabalho doméstico, de acordo com a Convenção n.182, de 1999, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e com o Dec. 6.481, de 12.12.2008.”
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grados na doutrina e jurisprudência, fixando limites de 8 horas diárias e 44
semanais (art. 2.º, caput), o adicional de 50% (art. 2.º e seu § 1.º) e apontando
o divisor 220 para cálculo do salário-hora (art. 2.º, § 2.º).
No que tange à compensação de jornada, sanou vácuo legislativo até então
existente quanto à possibilidade de compensação de horas no âmbito doméstico, autorizando-a desde que objeto de acordo individual escrito entre empregador e empregado (art. 2.º, §§ 4.º, 5.º e 6.º) e criando um sistema de banco de
horas híbrido.
Note-se que, distintamente do que ocorre com o trabalhador urbano, em
que o banco de horas exige negociação coletiva (art. 59, § 2.º, da CLT e Súmula
85 do C. TST),14 o legislador, atento às dificuldades de negociação coletiva no
âmbito doméstico, autoriza este banco de horas mediante acordo escritoindividual, sem a participação dos sindicatos.
Diz-se híbrido, pois, pela interpretação sistemática dos incisos que disciplinam o § 5.º, revela-se que as horas em prorrogação de um mês poderão ser
compensadas por folgas ou redução da jornada dentro do próprio mês e, caso
não sejam compensadas na íntegra dentro do módulo mensal, as primeiras 40
horas necessariamente deverão ser pagas como extraordinárias e as que sobe-
14. “85 – Compensação de jornada (RA 69/1978, DJ 26.09.1978. Redação alterada – Res
121/2003, DJ 19.11.2003. Nova redação em decorrência da incorporação das Orientações Jurisprudenciais ns. 182, 220 e 223 da SDI-1 – Res. 129/2005, DJ 20.04.2005.
Item V inserido pela Res. 174/2011 – DeJT 27.05.2011).
I. A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual
escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva (ex-Súmula 85 – primeira parte – Res
121/2003, DJ 19.11.2003).
II. O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma
coletiva em sentido contrário (ex-OJ 182 – Inserida em 08.11.2000).
III. O mero não atendimento das exigências legais para a compensação de jornada,
inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional (ex-Súmula 85 – segunda
parte – Res. 121/2003, DJ 19.11.2003).
V. A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de
jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário (ex-OJ
220 – Inserida em 20.06.2001).
V. As disposições contidas nesta súmula não se aplicam ao regime compensatório
na modalidade “banco de horas”, que somente pode ser instituído por negociação
coletiva”.
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jem a este patamar, ou seja, da 41ª hora extra em diante, poderão ser compensadas no prazo de 1 ano (como num banco de horas).
Esta é a interpretação que a nosso ver parece a mais acertada, em razão da
leitura conjunta dos três incisos do § 5.º, que regulamenta o regime de compensação do § 4.º, in verbis:
“§ 4.º Poderá ser dispensado o acréscimo de salário e instituído regime de
compensação de horas, mediante acordo escrito entre empregador e empregado, se o excesso de horas de um dia for compensado em outro dia.
§ 5.º No regime de compensação previsto no § 4.º:
I – será devido o pagamento, como horas extraordinárias, na forma do § 1.º,
das primeiras 40 (quarenta) horas mensais excedentes ao horário normal de
trabalho;
II – das 40 (quarenta) horas referidas no inciso I, poderão ser deduzidas, sem
o correspondente pagamento, as horas não trabalhadas, em função de redução do
horário normal de trabalho ou de dia útil não trabalhado, durante o mês;
III – o saldo de horas que excederem as 40 (quarenta) primeiras horas mensais de que trata o inciso I, com a dedução prevista no inciso II, quando for o
caso, será compensado no período máximo de 1 (um) ano” (grifei).
Com efeito, o inc. II ao mencionar que das 40 (quarenta) horas referidas no
inc. I, poderão ser deduzidas, sem o correspondente pagamento, claramente autoriza a compensação das horas em prorrogação, desde que realizadas dentro do
próprio mês, como arremata a passagem final do inc. II.
Assim, a previsão do inc. I, que determina o pagamento das primeiras 40
horas em prorrogação como extras deve ser interpretada considerando a limitação do inc. II, ou seja, somente se não houver compensação no próprio mês
é que as 40 primeiras horas necessariamente devem ser pagas como extraordinárias.
Parece-nos que a previsão do inc. I visa evitar que todas as horas em prorrogação sejam destinadas ao banco de horas anual (previsto no inc. III). Ou seja,
somente podem ser inseridas de banco anual aquelas que, após a compensação
mensal, superem 40 horas, afinal, até este limite, as horas não compensadas no
mês devem necessariamente ser quitadas com o adicional de 50%.
O inc. III, aliás, arremata a questão ao dispor que o saldo das primeiras 40
horas, com a dedução prevista no inc. II, será compensado no prazo máximo de
um ano.
Num exemplo prático, se o trabalhador prestou 60 horas em prorrogação
no mês, sem compensar nenhuma dentro do próprio mês, 40 serão pagas como
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extraordinárias e as outras 20 poderão ser compensadas em até um ano. Noutro exemplo, se o empregado prestou as mesmas 60 horas em prorrogação no
mês e compensou 10 dentro do próprio mês, 40 serão pagas como extraordinárias e o saldo de 10 horas poderá ser compensado no prazo de um ano – a
lei não fala, mas no nosso sentir, extrapolado o prazo de um ano sem a devida
compensação, automaticamente as horas em prorrogação passam a ser exigíveis como extras, numa interpretação teleológica da norma.
Logo, parece-nos equivocada a interpretação açodada, à luz do inc. I, no
sentido de que necessariamente as 40 primeiras horas em prorrogação devem
ser remuneradas como extras e, somente aquelas que superem este limite podem ser compensadas. Isto porque, os dispositivos legais não devem ser pinçados para fins hermenêuticos, mas sim, devem ser interpretados à luz do sistema em que inseridos.
Vale aqui o ensinamento do saudoso mestre Miguel Reale:15 “Nada mais
errôneo do que, tão logo promulgada uma lei, pinçarmos um de seus artigos
para aplicá-lo isoladamente, sem nos darmos conta de seu papel ou função no
contexto do diploma legislativo. Seria tão precipitado e ingênuo como dissertarmos sobre uma lei, sem estudo de seus preceitos, baseando-nos apenas em
sua ementa (...)”.
Do contrário, o inc. II em suso destacado carecerá de sentido e vigência, já
que não terá aplicabilidade alguma.
Por fim, no que pertine à compensação, a lei assegura que as horas do banco
não compensadas até a rescisão, serão pagas como horas extraordinárias, considerando a remuneração vigente no ato rescisório.
5.2 Escala 12x36
Atento às peculiaridades do trabalho doméstico, notadamente em funções
como as de babá e cuidador – em que se faz necessário um tempo diário à disposição superior aos limites legais –, o legislador possibilitou que empregado
e empregador ajustem o labor na escala 12x36, ou seja, aquela em que há 12
horas de trabalho, que são seguidas de 36 horas de descanso.
Trata-se de previsão salutar do art. 10, que autoriza o ajuste individual escrito entre os contraentes, ou seja, sendo despicienda negociação coletiva, o
que vem a mitigar o rigor da jurisprudência consolidada para os trabalhadores
urbanos em geral (Súmula 444 do C. TST).
15. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.
290-291.
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Interessante notar que a lei restringe o espectro de proteção destinado ao
doméstico ao tratar do tema, preceituando que nesta escala reputar-se-ão compensados os feriados, o que contraria a jurisprudência Consolidada do TST, na
já citada Súmula 444. No nosso sentir, neste aspecto, a Lei criou um discrímen
indevido e equivocado, já que a escala em questão não compensa os feriados,
mas tão somente gera uma distinta divisão das horas de trabalho ao longo do
módulo semanal e mensal. Compensa-se, de fato, os DSR e as horas em prorrogação, nãos feriados.
5.3 Intervalo intrajornada. Redução. Fracionamento
Desde o advento da EC 72/2013, o tema desperta muita controvérsia, notadamente diante da exclusão dos domésticos do âmbito de proteção da CLT
(art. 7.º, a), o que os deixaria, ao menos em tese frente a letra fria da lei, desprovidos do direito ao intervalo intrajornada (art. 71 da CLT).
De todo modo, a jurisprudência passou a aplicar analogicamente aos domésticos o art. 71 da CLT, tomando em conta a omissão legislativa da Lei
5.859/1972, o espectro de proteção assegurado pela Emenda Constitucional no
tema jornada e os direitos fundamentais à dignidade humana (art. 1.º, III, da
CF) e ao lazer (art. 6.º da CF). Neste sentido, destaco trechos de acórdãos dos
Tribunais Regionais do Trabalho da 2.ª e 3.ª Regiões:
“(...) Busca a reclamante a reforma do julgado de origem, objetivando a
condenação dos reclamados ao pagamento das horas extras decorrentes da ausência do intervalo mínimo de uma hora para descanso e refeição. Alega a
existência de confissão de um dos reclamados a respeito da fruição de pausa
alimentar de apenas 30 minutos. O acolhimento do apelo é medida que se
impõe. Diante da EC 72 de 02.04.2013 (publicada no DOU em 03.04.2013),
– que ampliou os direitos dos trabalhadores domésticos previstos no art. 7.º,
parágrafo único, da CF, para incluir, entre outros títulos, a jornada normal de
8 horas diárias, as horas extras com adicional mínimo de 50% e a redução dos
riscos inerentes o trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança
–, não há dúvida de que o doméstico também passou a fazer jus às horas extras
fundadas no art. 71, § 4.º, da CLT. E cito três motivos: primeiro, seria ilógico
não reconhecer o direito à pausa mínima de uma hora, quando a própria Carta
Magna passou a estabelecer à categoria a jornada de 8 horas diárias; segundo,
a Constituição garante, agora, ao doméstico o direito às horas extras, não impondo qualquer restrição quanto ao seu fato gerador; e terceiro, a concessão
do intervalo intrajornada mínimo de uma hora constitui norma de higiene,
saúde e segurança do trabalho, direito este também assegurado aos domésticos
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(...)” (Processo 0000462-33.2014.5.02.0018, 9.ª T., rel. Des. Mauro Vignotto,
DJ 03.11.2014).
“(...) O direito reconhecido, por óbvio, sedimentou-se somente após o advento da EC 72/2013, publicada no Diário Oficial da União em 03.04.2013,
quanto entrou em vigor. Respondendo às demais indagações defensivas, reiteradas em contrarrazões, posiciono-me no sentido de que a questão do intervalo para refeição, em relação aos domésticos, não depende de regulamentação.
Embora as normas previstas na CLT, relativas ao descanso, não estejam explicitamente inseridas na Constituição Federal, considerando que o inciso XXII do
art. 7.º, garante ao trabalhador doméstico o acesso às normas de segurança e
saúde no trabalho, tenho por incluído, no rol das garantias advindas com a EC
72/2013, também o direito à no mínimo uma hora para refeição em jornadas
de oito horas diárias. Provejo em parte o apelo, para acrescer à condenação o
pagamento de horas extras, assim consideradas as excedentes da 44.ª hora semanal laborada, além de 01 (uma) hora extra diária aos sábados, acrescidas do
adicional legal de 50%, a partir de 03.04.2013, com reflexos em aviso prévio,
RSR’s, 13º salário e férias + 1/3. Na apuração deverão ser observados o período
abarcado, os dias efetivamente laborados, a jornada fixada e os valores e limites
contidos no rol dos pedidos finais (sem prejuízo do cômputo de juros e atualização monetária)” (Processo 0010578-81.2014.5.03.0144, 4.ª T., rel. Des. Júlio
Bernardo do Carmo, DJ 16.12.2014).
A despeito desta tendência jurisprudencial, fato é que a LC 150 sacramenta
o tema, trazendo a necessária segurança jurídica às relações domésticas de trabalho ao assegurar intervalo mínimo de uma hora (e máximo de duas horas),
nos termos do art. 13.
A grande inovação, contudo, é a possibilidade de redução do intervalo para
30 minutos, mediante acordo individual escrito entre trabalhador e empregador.
Trata-se de inovação relevante, atenta às peculiaridades do labor doméstico
em que, como regra, o empregado faz suas refeições e descanso no próprio local de trabalho e que, por vezes, torna-se inviável o gozo de uma hora completa
de pausa.
Ainda no tema intervalo, ciosa das peculiaridades do labor doméstico, a lei
autoriza o fracionamento do intervalo em dois períodos, desde que respeitado
o mínimo de uma hora e o máximo de quatro horas no total diário, para os
trabalhadores que residem no emprego (art. 13, § 1.º). A nosso ver, a despeito
de não ser expresso no particular, o § 1.º em questão deve ser interpretado à
luz do caput, de modo que os intervalos fracionados não podem superar duas
horas.
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Tal possibilidade de fracionamento é relevante, na medida em que estes
períodos de descanso não são considerados como tempo de trabalho, o que
repercute no tempo em que o empregado doméstico pode permanecer nas dependências do empregador (art. 2.º, § 7.º, da LC 150/2015), obviamente, sem
permanecer à disposição.
Neste particular, contudo, o § 2.º do art. 13 traz restrição relevante, ao
vedar a prenotação do intervalo fracionado, como ferramenta a coibir fraudes
tendentes a majorar o tempo à disposição do empregado sem o gozo efetivo
das pausas.
Tal previsão legal revela que, contrario sensu, caso o intervalo intrajornada
seja de uma hora, ou reduzido de 30 minutos, será possível a prenotação, tal
qual se dá com os trabalhadores urbanos regidos pela CLT (art. 72, § 4.º).
Isto porque, o § 2.º do art. 13 é restritivo ao preceituar que “em caso de
modificação do intervalo, na forma do § 1.º, é obrigatória a sua anotação no
registro diário de horário, vedada sua prenotação” (grifei). Ou seja, apenas e
tão somente para a hipótese do § 1.º que, vale lembrar, é justamente a hipótese
de fracionamento do intervalo para os domésticos que residem no emprego, é
vedada a prenotação.
No nosso sentir esta distinção traz consequências práticas no que tange ao
ônus probatório numa eventual lide trabalhista, na medida em que, autorizada
a prenotação, o ônus probatório acerca do trabalho no intervalo recairá integralmente sobre o trabalhador, já que a ele caberá a prova do fato constitutivo
de seu direito. Neste sentido firme jurisprudência:
“Recurso de Revista. Intervalo intrajornada. Pré-assinalação. Ônus da prova. 1. O Tribunal de origem registrou que ‘os controles contêm pré-anotação de
uma hora de intervalo’, de modo que ‘cabia ao autor desconstituir os registros
de ponto, provando o fato constitutivo do direito a horas extras intervalares
(arts. 818 da CLT e 333, I, do CPC/1973), inclusive porque admitiu a correção
dos registros de entrada e saída’. Consignou, contudo, que o autor não se desonerou de seu ônus probatório, pois os depoimentos testemunhais ‘atestam
a divisão da prova no que diz respeito ao tempo de intervalo, situação que
desautoriza a condenação’. Assim, considerou ‘correto o intervalo pré-anotado
nos controles, não desconstituídos’, e reformou a sentença ‘para afastar da condenação os 30 minutos de horas extras intervalares e seus reflexos’. 2. Decisão regional em consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido de
que, apresentados pelo empregador cartões de ponto com a pré-assinalação
do intervalo intrajornada, cabe ao empregado comprovar que o período para
repouso e alimentação pré-assinalado não era efetivamente concedido – ônus
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do qual o reclamante, no caso, não se desvencilhou. Precedentes. 3. Incidência
do art. 896, § 4.º, da CLT e aplicação da Súmula 333 do TST (...)” (RR 25600-35.2008.5.09.0594, 1.ª T., j. 25.02.2015, rel. Min. Hugo Carlos Scheuermann,
DEJT 06.03.2015).
“Embargos sujeitos à sistemática da Lei 11.496/2007 – Horas extras – Intervalo intrajornada – Ônus da prova 1. Tendo o acórdão embargado sido publicado posteriormente ao início da vigência da Lei 11.496/2007, os presentes
Embargos sujeitam-se à nova redação do art. 894, II, da CLT. 2. No tocante à
contrariedade à Súmula 126 do TST, é voltada a eventual acerto da C. Turma
na apreciação das premissas fáticas consignadas no acórdão regional, não se
compatibilizando com a exclusiva finalidade uniformizadora da SBDI-1, após
o advento da Lei 11.496/2007. 3. O § 2.º do art. 74 da CLT determina apenas
a pré-assinalação do período de repouso, procedimento adotado pela Portaria
3.626/1991 do Ministério do Trabalho, que disciplina o registro de empregados, de horário e a anotação na CTPS. A falta de registro diário do intervalo
intrajornada não transfere ao empregador o ônus de provar a concessão do descanso. Incumbe à parte provar os fatos que alega, constitutivos do seu direito,
a teor dos arts. 818 da CLT e 333, I, do CPC/1973. Honorários advocatícios.
O acórdão embargado está em consonância com súmula do TST, o que atrai
o óbice da parte final do art. 894 da CLT. Embargos conhecidos parcialmente
e desprovidos” (Embargos em EDiv em RR 135300-57.1999.5.17.0005, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, j. 02.04.2009, rel. Min. Maria
Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 07.04.2009).
Diferentemente, vedada a prenotação do intervalo fracionado na forma do
§ 1.º do art. 13, caso este não seja apontado diariamente ou haja prenotação ao
arrepio da lei, o ônus probatório recairá sobre o empregador, à luz da Súmula
338 do C. TST aplicada ao caso. Neste sentido, precedentes do C. TST:
“Recurso de embargos interposto sob a égide da Lei 11.496/2007. Horas
extras. Ônus da prova. Intervalo para alimentação e repouso. Ausência de pré-assinalação nos cartões de ponto. 1. A jurisprudência desta Corte superior,
consubstanciada no item I da Súmula 338, encerra tese no sentido de que ‘é
ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da
jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2.º, da CLT’, sendo que ‘a não apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de
veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário’. 2. De outro lado, o art. 74, § 2.º, da CLT prevê que, nos estabelecimentos
com mais de dez empregados, é obrigatória a anotação do horário de entrada
e saída dos empregados, restando autorizada a pré-assinalação do período destinado a alimentação e repouso. 3. Conclui-se, daí, que compete ao reclamado
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comprovar a concessão do período destinado a alimentação e repouso – apresentando, para tanto, os cartões de frequência devidamente pré-assinalados,
visto que se trata de fato extintivo do direito às horas extras. Precedentes da
SBDI-I. 4. Na presente hipótese, a reclamada não se desincumbiu do encargo
que lhe competia, pois os cartões de ponto carreados aos autos não continham
pré-assinalação do período destinado ao intervalo intrajornada. 5. Nesse caso,
afigura-se irretocável a decisão proferida pela Turma no sentido de não conhecer do recurso de revista empresarial, não havendo falar em violação dos
arts. 818 da CLT e 333, I, do CPC/1973. 6. Recurso de embargos conhecido e
não provido” (Embargos em EDiv em RR 2913-59.2011.5.02.0075, Subseção
I Especializada em Dissídios Individuais, j. 14.05.2015, rel. Min. Lelio Bentes
Corrêa, DEJT 22.05.2015).
“Recurso de embargos. Intervalo intrajornada. Ônus da prova. Ausência
de pré-assinalação. A jurisprudência da C. SDI é no sentido de que o ônus
da prova do intervalo intrajornada não usufruído é do empregador, quando
este não procede à assinalação do intervalo nos cartões de ponto. Isso porque
(...) – compete à reclamada comprovar a concessão do período destinado a
alimentação e repouso – apresentando, para tanto, os cartões de frequência
devidamente pré-assinalados, visto que se trata de fato extintivo do direito às
horas extras. Não se desincumbindo a reclamada do encargo que lhe competia,
afigura-se inviável reconhecer, por mera presunção, a pré-assinalação do período destinado ao intervalo intrajornada no período não coberto pela prova documental trazida aos autos pela reclamada (Embargos em EDiv em RR 716300-65.2002.5.02.0900, Min. Lelio Bentes Corrêa, DEJT 29.04.2011). Embargos
conhecidos e providos” (Embargos em EDiv em RR 74100-62.2006.5.04.0006,
Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, j. 02.06.2011, rel. Min.
Aloysio Corrêa da Veiga, DEJT 10.06.2011).
5.4 Trabalho noturno
Neste ponto, a LC 150/2015 em seu art. 14 praticamente repete os preceitos da CLT, assegurando ao trabalhador doméstico adicional noturno de 20%
para o labor entre às 22h00 de um dia e às 05h00 do dia seguinte, bem como
consigna para fins de cálculo a hora noturna reduzida à razão de 52 minutos
e 30 segundos.
Merece menção o § 3.º do art. 14, que a nosso ver visa apenas coibir a figura
do salário complessivo, que de longa data não é admitido pela jurisprudência
pátria, nos termos da Súmula 91 do C. TST. Trata-se de uma redundância do
legislador que, cautelosamente, vem evitar interpretações que privem o emAraujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico.
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pregado doméstico contratado para trabalhar exclusivamente à noite da justa
contraprestação por este trabalho mais penoso.
6. Contratação a termo
A jurisprudência pátria já aceitava largamente a contratação a título de experiência do empregado doméstico, aplicando analogicamente os preceitos da CLT.
A Lei Complementar, portanto, veio sacramentar aquilo que já era admitido pela jurisprudência, trazendo segurança jurídica à questão, repetindo na
íntegra o regramento celetista sobre o tema ao delimitar o prazo máximo de 90
dias de contrato e a possibilidade de prorrogação do contrato de experiência
por uma vez (desde que respeitado o limite máximo de 90 dias para os dois
períodos somados) – art. 5.º, §§ 1.º e 2.º.
A grande inovação está no art. 4.º, II, que autoriza a contratação a termo
para necessidades familiares de natureza transitória ou substituição de outro
empregado doméstico cujo contrato esteja interrompido ou suspenso, desde
que observados como limites máximos o término do evento que motivou a
contratação e o tempo máximo de dois anos.
Assim, possível ao empregador doméstico contratar empregado para substituir outro que esteja em férias ou afastado em gozo de benefício previdenciário, por exemplo.
Quanto às necessidades familiares de natureza transitória os exemplos são
mais difíceis, mas podemos elucubrar a hipótese da contratação de cuidador
para zelar por familiar enfermo. Ou então, a contratação de babá para auxiliar a
mãe nos primeiros anos de vida do bebê. Em qualquer caso, é claro, observado o
limite temporal de dois anos e o término do evento que motivou a contratação.
Em ambas as formas de contratação a nova lei dos domésticos é silente sobre a necessidade de contrato escrito.
A doutrina, ao tratar dos contratos a termo regidos pela CLT é dividida.
Parcela entende essencial a forma escrita, porquanto as cláusulas essenciais do
contrato devem ser anotadas em CTPS.16 Outra parcela admite a contratação
verbal, ponderando que a forma escrita só exigível quando o legislador expressamente a prevê.17
16. Neste sentido Valentin Carrion e Amauri Mascaro Nascimento apud CASSAR, Vólia
Bomfim. Op. cit., p. 606.
17. Neste sentido Octávio Bueno Magano, José Augusto Rodrigues Pinto, Alice Monteiro
de Barros e Vólia Bomfim Cassar apud, idem, p. 606.
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A nosso ver, contudo, por se tratarem de formas excepcionais de contratação, com requisitos próprios, prefixação de prazo e motivos, entendemos que
necessariamente devem ser contratos escritos, sob pena de se fomentar fraudes
à legislação trabalhista. Neste sentido, aliás, vem se inclinando os julgados
mais recentes do C. TST:
“Recurso de Revista. 1. Contrato de experiência. Inviabilidade de prova meramente testemunhal. Falta de evidência escrita, seja em documento próprio,
seja em anotação em CTPS. O contrato de experiência, por possuir termo certo, à base de data específica, sendo também excepcional, somente pode ser provado por escrito, mas não por simples depoimento testemunhal (aqui a forma
é da essência do ato). Ausente tal prova nos autos, segundo o TRT, incide a
presunção de indeterminação do pacto celebrado. De par com tudo, a análise
das argumentações da Reclamada, no que toca ao tema em epígrafe, esbarra
no óbice da Súmula 126 do TST. Recurso de revista não conhecido, neste tópico. 2. Honorários advocatícios. Hipótese de cabimento. Súmula 219 do TST.
Consoante orientação contida na Súmula 219 do TST, interpretativa da Lei
5.584/1970, para o deferimento de honorários advocatícios, nas lides oriundas
de relação de emprego, é necessário que, além da sucumbência, haja o atendimento de dois requisitos, a saber: a assistência sindical e a comprovação da
percepção de salário inferior ao dobro do mínimo legal, ou que o empregado se
encontre em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo
do próprio sustento ou da respectiva família. Com efeito, se o Autor não está
assistido por sindicato de sua categoria, impossível subsistir a condenação ao
pagamento da verba postulada. Recurso de revista conhecido e provido, no aspecto” (RR 31100-56.2009.5.04.0022, 3.ª T., j. 24.10.2012, rel. Min. Mauricio
Godinho Delgado, DEJT 31.10.2012).
“Agravo de instrumento em recurso de revista em face de decisão publicada
antes da vigência da Lei 13.015/2014. Contrato de experiência. Ausência de
instrumento escrito. Estabilidade gestante. Indenização substitutiva. Embora
não haja previsão expressa na CLT acerca do formalismo inerente ao contrato
de experiência, a jurisprudência desta Corte assentou-se no sentido da necessidade de certa formalidade para a configuração válida dessa modalidade de
contrato de trabalho, seja por meio de anotação na CTPS, seja por contrato
escrito. Ainda que se admitisse a validade do contrato de experiência sob a
forma verbal, essa circunstância não afastaria o direito à estabilidade gestante,
convertida em indenização substitutiva, haja vista a orientação contida na Súmula 244, III, do TST. Agravo de instrumento desprovido” (AgIn em RR 2272-73.2012.5.02.0063, 7.ª T., j. 29.04.2015, rel. Des. Convocado Arnaldo Boson
Paes, DEJT 05.05.2015).
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Por fim, no que pertine à rescisão destes contratos a termo, a Lei Complementar repete o regramento dos arts. 479 e 480 da CLT prevendo, em caso de
rescisão antecipada, indenização da metade do valor devido até o término do
contrato pelo empregador ou indenização pelo empregado pelos prejuízos que
causar, limitada ao valor da indenização que o empregador deveria em iguais
condições.
Tal qual o regramento da CLT (art. 487, caput), é desnecessário aviso prévio
para rescisão contratual – art. 8.º.
7.Direitos em geral
A nova Lei dos Domésticos regulamentou direitos que já eram consagrados
por meio do texto constitucional, que foram incluídos pela EC 72, ou que já
eram previstos na antiga lei do doméstico com suas alterações.
É o caso, por exemplo, das férias, cuja regulamentação trouxe equiparação
plena aos trabalhadores urbanos, ao assegurar 30 dias de férias após 12 meses
de prestação de serviços, resguardar férias proporcionais em caso de dispensa
sem justa causa e possibilitar de conversão de 1/3 das férias em abono pecuniário – art. 17 da LC 150.
De igual modo, já havia previsão na revogada Lei 5.859/1972 acerca da vedação de descontos salariais por fornecimento de alimentação, moradia (salvo
se fornecida em local diverso da prestação de serviços, mediante ajuste expresso), vestuário e higiene, o que foi repetido no novo regramento ora vigente.
A condição do doméstico como segurado obrigatório e a garantia de emprego à gestante também foram repetidos na novel legislação.
Há, porém, algumas peculiaridades e novidades que merecem destaque:
7.1Férias
Primeira peculiaridade é a possibilidade de gozo das férias no local de trabalho, aos empregados que residem no emprego (art. 17, § 5.º). Trata-se de
previsão salutar, dando segurança jurídica à relação contratual doméstica e
suas peculiaridades.
Além disso, o legislador previu que o abono de férias deve ser requerido até
30 dias antes do término do período aquisitivo (art. 17, § 4.º), prazo superior
aos 15 dias previstos pela CLT (art. 143, § 1.º, da CLT), aspecto que merece
atenção dos operadores do direito.
O fracionamento das férias é possível, desde que respeitado um período
mínimo de 14 dias (art. 17, § 1.º). A lei, portanto, tem previsão distinta da ceAraujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico.
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letista, que possibilita o fracionamento desde que respeitado o mínimo de 10
dias (art. 134, § 1.º, da CLT).
Sinceramente não enxergamos motivos para a distinção feita pelo legislador
neste particular, o que a nosso ver apenas gera confusão no meio jurídico e
nas relações empregatícias, já que a praxe consagrada seguia os parâmetros da
CLT. Mais uma vez, é um aspecto que merecerá atenção dos militantes na área
trabalhista.
Ainda neste ponto, a nova lei assegura ao empregador a prerrogativa de
fracionamento das férias, ao dispor que o “período de férias poderá, a critério
do empregador, ser fracionado” (grifei), o que difere substancialmente do texto
celetista, que somente permite o fracionamento “em casos excepcionais”.
Assim, não há se perquirir, no âmbito doméstico, sobre os motivos do fracionamento, que pode ser exercido como direito potestativo do empregador.
No mais, o regramento de férias da CLT será aplicado supletivamente, consoante permissivo do art. 19 da LC 150/2015.
7.2Vale-transporte
Segundo a Lei 7.418/1985, o empregador deve custear as despesas de locomoção residência-trabalho através do chamado vale-transporte, cuja comercialização fica a cargo da empresa operadora de transporte público (art. 5.º). Tal
benesse não possui natureza salarial, à luz do art. 2.º da Lei 7.418/1985.
Antecipando discussões sobre a natureza salarial do benefício e desburocratizando a relação doméstica, a LC 150 permite que o empregador doméstico
efetue o pagamento dos valores de transporte em pecúnia, sem a necessidade
de aquisição do vale-transporte.
Via de consequência, não pairam dúvidas de que, na relação doméstica,
o pagamento do benefício em epígrafe pode se dar em dinheiro sem que isto
implique em natureza salarial da parcela.
7.3 Descontos salariais
Como visto, a revogada Lei 5.859/1972 já tratava do tema de forma bastante
satisfatória.
A nova lei dos domésticos, contudo, supriu lacunas relevantes ao estabelecer que despesas com moradia, alimentação, vestuário, higiene e moradia, não
se integram a remuneração para qualquer fim, fazendo distinção relevante em
relação ao texto da CLT (art. 458, caput) que prevê a natureza salarial destas
Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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benesses. A legislação foi atenta à peculiaridade do trabalho doméstico, que se
dá no seio familiar e se antecipou encerrando discussões acerca do tema.
Foi feliz ao majorar a proteção salarial do empregado, vedando descontos
referentes a despesas em viagens para acompanhar o empregador (englobando
transporte, estadia e alimentação) – art. 18, caput.
Atento à dignidade humana e visando estimular benefícios não salariais que
melhorem o padrão de vida dos trabalhadores, o § 1.º do art. 18 possibilita a
inclusão, mediante ajuste expresso, do empregado em planos médico-hospitalares e odontológicos, seguro e previdência privada, autorizando a dedução
de percentual até 20% do salário do empregado como participação no custeio.
Neste aspecto, a lei ficou silente sobre a natureza salarial destes benefícios,
o que no nosso sentir pode possibilitar discussões judiciais. Entendemos, contudo, que são parcelas de cunho indenizatório e não integráveis à remuneração, por aplicação analógica da CLT no particular (art. 458, § 2.º, IV, V e VI)18
com fulcro no art. 19 da LC 150/2015.
7.4 FGTS e seguro-desemprego
Neste particular a Lei Complementar assegurou idênticos direitos ao empregado doméstico, porém, regulamentou a forma de recolhimento do título
de forma diversa das demais relações empregatícias.
Considerando que o empregador doméstico necessariamente é uma pessoa
natural e, portanto, é mais vulnerável às variáveis da economia nacional, inclusive podendo ser vítima do desemprego, o legislador foi atento às possível
dificuldades de provisionamento de recursos financeiros e estabeleceu que o empregador recolherá mensalmente, além dos 8% de FGTS, 3,2% calculados sobre
18. “Art. 458. Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os
efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações in natura que
a empresa, por fôrça do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas
nocivas. (Redação dada pelo Dec.-lei 229, de 28.02.1967)
(...)
§ 2.º Para os efeitos previstos neste artigo, não serão consideradas como salário as
seguintes utilidades concedidas pelo empregador:(Redação dada pela Lei 10.243, de
19.06.2001)
(...)
IV – assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente ou mediante
seguro-saúde;(Incluído pela Lei 10.243, de 19.06.2001)
V – seguros de vida e de acidentes pessoais;(Incluído pela Lei 10.243, de 19.06.2001)
VI – previdência privada.”
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a remuneração do mês anterior destinados a fazer frente às despesas futuras com
a indenização de 40% em caso de eventual dispensa sem justa causa (art. 22).
Ressalva a lei que, em caso de dispensa por justa causa, demissão por iniciativa do empregado, falecimento ou aposentadoria, os valores atinentes aos 3,2%
mensais serão movimentados pelo empregador.
Merece atenção a menção à aposentadoria, na medida em que o legislador
desatentou à jurisprudência pacífica trabalhista, mormente após as ADIn 1770-4
e 1721-3 que reputaram inconstitucionais os §§ 1.º e 2.º do art. 453 da CLT.
Entendemos que, como a aposentadoria não gera a extinção automática do
liame empregatício, à luz das ADIns mencionadas, não será possível ao empregador movimentar os valores depositados para a indenização dos 40% sobre o
FGTS nesta hipótese, salvo se o empregado efetivamente der causa à rescisão
por iniciativa própria ou por justa causa.
Isto porque, a aposentadoria é direito do trabalhador que mantém relação jurídica com a previdência social, relação totalmente distinta da empregatícia, a qual
não pode sofrer extinção automática pelo regular exercício de um direito social.
Neste particular, vale a transcrição da ementa do acórdão na ADIn 1721-3:
“3. A Constituição Federal versa a aposentadoria como um benefício que se
dá mediante o exercício regular de um direito. E o certo é que o regular exercício de um direito não é de colocar o seu titular numa situação jurídico-passiva
de efeitos ainda mais drásticos do que aqueles que resultariam do cometimento
de uma falta grave (sabido que, neste caso, a ruptura do vínculo empregatício
não opera automaticamente).
4. O direito à aposentadoria previdenciária, uma vez objetivamente constituído, se dá no âmago de uma relação jurídica entre o segurado do Sistema
Geral de Previdência e o Instituto Nacional de Previdência Social. Às expensas, portanto, de um sistema atuarial-financeiro que é gerido por este Instituto
mesmo, e não às custas desse ou daquele empregador.
5. O ordenamento constitucional não autoriza o legislador a criar modalidade de rompimento automático do vínculo de emprego em desfavor do trabalhador, na situação em que este apenas exercita o seu direito de aposentadoria
espontânea, sem cometer deslize algum.
6. A mera concessão de aposentadoria voluntária ao trabalhador não tem por
efeito extinguir, instantânea e automaticamente, o seu vínculo de emprego”.
No mais, os recolhimentos do FGTS pelo empregador somente se tornarão
obrigatórios após regulamentação pelo Conselho Curador do FGTS, consoante
vaticina o art. 22, caput e § 1.º, da nova Lei dos Domésticos.
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Quanto ao seguro-desemprego, considerando a inscrição obrigatória dos domésticos no sistema do FGTS, passou a ser benefício garantido a todos os domésticos, observando como parâmetros o valor de um salário mínimo de benefício e o limite máximo de três meses de recebimento, na forma da Lei 7.998/1990
e regulamento do Codefat.
7.5 Rescisão contratual. Aviso prévio. Justa causa. Rescisão indireta
A nova legislação repete os parâmetros da Lei 12.506/2011, no que tange à
proporcionalidade do aviso prévio, e o art. 488 da CLT, quanto à redução de
jornada ou ausência por sete dias corridos durante este período.
Esclarecendo o tema, o legislador não deixa margem para dúvidas ao preceituar que o aviso prévio proporcional é devido apenas ao empregado, nos
moldes do § 1.º do art. 23 que prevê: “ao aviso prévio previsto neste artigo,
devido ao empregado, serão acrescidos”. Ou seja, é benefício exclusivo do trabalhador e, nem se poderia cogitar de forma diversa, já que o aviso prévio e
sua proporcionalidade são assegurados constitucionalmente como direitos do
trabalhador, não do empregador (art. 7.º, XXI).
Além disso, a nova lei preceitua as modalidades de justa causa ao empregado doméstico em seu art. 27. Repetem-se as modalidades do art. 482 da CLT e
acrescenta-se a hipótese de “submissão a maus tratos de idoso, de enfermo, de
pessoa com deficiência ou de criança sob cuidado direto ou indireto do empregado”. Trata-se de hipótese bastante afeta ao trabalho doméstico, mas cuja previsão
textual faz-se desnecessária, diante das hipóteses X e XII do mesmo art. 27.
Ao ensejo, no que tange às hipóteses do citado inc. XI, temos que a legislação
elasteceu a tipicidade da conduta grave ao prever que configura justa causa não
apenas o ato lesivo à honra ou boa fama ou ofensas físicas em face do empregador, como também, em face de sua família. Assim, diversamente do art. 482, k,
da CLT, aqui há uma ampliação da conduta passível de tipificar uma justa causa.
De outro lado, no que tange ao abandono de emprego disciplinou de forma
taxativa que este só se configura em caso de ausência injustificada ao trabalho
por 30, ou mais, dias corridos. Trata-se de parâmetro já consagrado pela jurisprudência e entendemos que os demais requisitos, como a prova de convocação para retorno, capaz de evidenciar o animus abandonandi, aplicam-se aqui
como em qualquer relação empregatícia. O silêncio da lei a este respeito não
autoriza tal interpretação, já que se trata de construção doutrinária e jurisprudencial acerca do tema para disciplinar o art. 482, i, que também é lacônico.
Por fim, vê-se que a lei silenciou acerca da negociação habitual e a revelação de
segredo de empresa, figuras que são incompatíveis com uma relação doméstica.
Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico.
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No que tange às condutas graves patronais a justificar a rescisão indireta,
a lei repete a dicção do art. 483 da CLT, acrescentando como hipótese o caso
de violência doméstica familiar contra a mulher, na forma da Lei 11.340/2006.
Além disso, adaptando à realidade doméstica as hipóteses de agressão física
ou moral, prevê que configura justa causa patronal a prática de agressões pelo
empregador ou pela família do empregador, bem como nos casos em que a agressão não seja ao trabalhador, mas à família deste (ex. o empregador que agride a
filha da trabalhadora doméstica). Vê-se que há um alargamento em relação ao
texto do art. 483 da CLT, que não prevê textualmente como justa causa patronal
a agressão física à família dos empregados urbanos em geral (art. 483, f).
Família é conceito indeterminado, de modo que nos parece mais acertado
avaliar casuisticamente como família aquele núcleo de indivíduos que nutrem
laços afetivos relevantes, independentemente da consanguinidade.
“No século XXI é preciso reconhecer que a família não é formada como outrora, com a finalidade de procriação, mas, essencialmente, com a liberdade de
constituição democrática, afastando-se os conceitos prévios, principalmente
religiosos, na medida em que família é linguagem, diálogo, conversação infinita e modos de ser-no-mundogenético, de ser-no-mundo-(des)afetivo e de
ser-no-mundo-ontológico”.19
Sob este viés, portanto, deve-se avaliar casuisticamente os casos de lesão
pela família do empregador e à família do trabalhador. Logo, como exemplo
pode-se cogitar como causa de rescisão indireta a agressão ao irmão “de criação” do empregado doméstico, ou a um primo muito próximo.
8. Conclusão
O trabalho doméstico sempre foi objeto de uma injusta discriminação, gozando de menor proteção legal que só agora, com o advento da LC 150/2015,
foi extirpada.
A nova Lei dos Domésticos tem muitas qualidades, notadamente ao disciplinar de forma exaustiva e detalhada os direitos desta especial categoria de trabalhadores, sendo atenta às peculiaridades deste tipo de trabalho e traçando parâmetros especiais que permitem a boa harmonização das relações trabalhistas.
19. WELTER, Belmiro Pedro. Teoria tridimensional no direito de família: reconhecimento de todos os direitos das filiações genética e socioafetiva.Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul. n. 62. p. 19-20. Porto Alegre, nov. 2008-abr. 2009.
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Podemos sintetizar como principais destaques os seguintes aspectos da Lei
Complementar:
– A vedação do trabalho doméstico ao menor de 18 anos;
– A delimitação precisa da assiduidade do trabalhador doméstico para fins
de configuração continuidade e, consequentemente, da relação de emprego;
– Possibilidade de compensação de horários no âmbito doméstico, mediante acordo individual escrito;
– Possibilidade de redução do intervalo intrajornada e o fracionamento do
intervalo intrajornada em dois períodos mínimos de uma hora, para os trabalhadores que residem no local de trabalho, sempre mediante ajuste individual
expresso prévio;
– Remuneração diferida para o salário-hora dos períodos de viagem;
– A desburocratização do pagamento do vale-transporte;
– A regulamentação dos depósitos do FGTS, valendo-se de mecanismo em
que se reduzem os riscos de inadimplência da indenização dos 40% ao tempo
da rescisão;
– Possibilidade de inclusão do trabalhador doméstico em planos de saúde médico-hospitalares ou odontológicos, bem como seguros de vida e previdência privada, com coparticipação do empregado no custeio, limitada a 20% de seu salário;
– A não integração à remuneração das benesses espontaneamente concedidas ao empregado doméstico a título de alimentação, vestuário, higiene pessoal e moradia;
– O tratamento detalhado das hipóteses de justa causa e rescisão indireta do
contrato de trabalho, atentando para o meio em que se desenvolve o trabalho
doméstico.
Importante, ainda, ressaltar como grande virtude da lei assegurar a aplicação subsidiária da CLT, da Lei 605/1949, da Lei 4.090/1962, 4.749/1985 e
7.418/1985, ao emprego doméstico, sepultando quaisquer dúvidas acerca da
dimensão e alcance dos direitos assegurados aos domésticos naquilo em que a
LC 150 for omissa.
Conclusivamente, entendemos que a lei veio em bom momento, firmando passo importante na solidificação das duras conquistas da categoria, sem
olvidar das peculiaridades que cercam este tipo de trabalho, o que fomentará
segurança jurídica aos contratantes.
Sem dúvidas, a LC 150/2015 é um marco histórico no incremento de direitos
sociais, com foco na proteção cada vez maior do valor social trabalho e da dignidade da pessoa humana, pilares da República Federativa do Brasil (art. 1.º da CF).
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Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 139-165. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Estudos Nacionais
9.Referências bibliográficas
BARROS, Maria Alice. Contratos e regulamentações especiais de trabalho. São
Paulo: Ed. LTr, 2008.
______. Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: Ed. LTr, 2010.
CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 31. ed.
São Paulo: Saraiva, 2006.
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 5. ed. Niterói: Impetus, 2011.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo:
Ed. LTr, 2008.
LENZA, Pedro. Direito constitucional. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
MIESSA, Élisson; CORREA, Henrique. Súmulas e Orientações Jurisprudenciais
do TST comentadas. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2014.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de direito do trabalho aplicado. Processo
do trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 8. ed. São Paulo: Ed.
LTr, 2015.
WELTER, Belmiro Pedro. Teoria tridimensional no direito de família: reconhecimento de todos os direitos das filiações genética e socioafetiva. Revista do
Ministério Público do Rio Grande do Sul. n. 62. p. 19-20. Porto Alegre, nov.
2008-abr. 2009.
Pesquisas do Editorial
Veja também Doutrina
• A fiscalização do trabalho doméstico: um possível conflito entre a inviolabilidade do domicílio do empregador e a proteção do trabalho, de Késia Rodrigues da Costa e Ana Virgínia
Moreira Gomes – RDT 168 (DTR\2016\2974);
•A proteção previdenciária do empregado doméstico e a LC 150/2015, de André Studart
Leitão e Eduardo Rocha Dias – RT 962/239-253 (DTR\2015\17072); e
• Reconhecimento e concretização dos direitos constitucionais das trabalhadoras domésticas
pós-EC 72/2013 no contexto brasileiro de constitucionalização simbólica, de Sarah Hora
Rocha e Nelson Camatta Moreira – RDCI 92/149-170 (DTR\2015\12674).
Araujo, André Eduardo Dorster. LC 150/2015. Novo paradigma de proteção ao trabalhador doméstico.
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Estrangeiros
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Estados Unidos da América – Restrições nas importações
de produtos de atum
(EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155
United States of America – Restrictions on imports of tuna products
(US – Tuna i), DS21/R – 39S/155
Marina Amaral Egydio de Carvalho
Doutoranda e Mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela PUC-SP.
Professora de Direito Internacional na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Advogada.
Lucas Mandelbaum Bianchini
Advogado.
Área do Direito: Internacional
Resumo: O presente artigo objetiva analisar, sob
a égide do sistema de solução de controvérsias
constituído pelo Acordo Geral sobre Comércio e
Tarifas (“GATT”), o caso Estados Unidos da América – Restrições nas importações de produtos de
atum (doravante caso “EUA – Atum I”) dentro de
seu contexto histórico, expondo as questões fáticas e jurídicas pertinentes ao caso, em especial
no que tange à aplicação de medidas comerciais
relacionadas ao meio ambiente.
Abstract: This article aims to analyze, under the
aegis of the dispute settlement system constituted by the General Agreement on Tariffs and
Trade (“GATT”), the case United States of America
– Restrictions on imports of tuna products (hereinafter case “US – Tuna I”) within its historical
context, explaining the factual and legal issues
relevant to the case, in particular as regards the
implementation of trade measures related to the
environment.
Palavras-chave: Acordo Geral sobre Comércio e
Keywords: General Agreement on Tariffs and
Trade (“GATT”) – US – Tuna I – Historical context.
Tarifas (GATT) – EUA – Atum I – Contexto histórico.
Sumário: 1. Introdução. 2. O caso EUA – Atum I. 3. O MMPA, a Pelly Amendmente e os artigos
III: 4 e XI do GATT. 3.1 A imposição de Regulamento Interno sob o artigo III: 4 e a questão
“produto – processo”. 3.2 O descumprimento do artigo XI do GATT. 3.3 A Pelly Amendment
e o artigo XI do GATT. 4. As exceções do artigo XX do GATT. 5. O DPCIA. 6. Considerações
finais. 7. Referências bibliográficas.
Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América –
Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
1.Introdução
O presente artigo objetiva analisar o caso Estados Unidos da América – Restrições nas importações de produtos de atum (doravante caso “EUA – Atum I”)
dentro de seu contexto histórico, expondo as questões fáticas e jurídicas pertinentes ao caso, em especial no que tange à aplicação de medidas comerciais
relacionadas ao meio ambiente.
A discussão atinente ao caso perdurou durante os anos 1990 a 1992, sob
a égide do sistema de solução de controvérsias constituído pelo Acordo Geral
sobre Comércio e Tarifas (“GATT”), assinado em 1947, sob o qual também
restou a fundamentação adotada pelo México para o questionamento das medidas impostas pelos Estados Unidos. Tanto o ordenamento jurídico que regula o comércio internacional quanto o sistema de solução de controvérsias
que se encontra atualmente em vigor seria apenas colocado em prática ao final
da Rodada Uruguai, em 1995, com a instituição da Organização Mundial do
Comércio (“OMC”).
O caso EUA – Atum I, apesar de ter ocorrido ainda na década de 90, mantém
sua relevância nos dias atuais. Trata-se de um dos primeiros casos que trata
da temática ambiental, discutindo o confronto entre o liberalismo comercial
proposto pelo GATT e as medidas restritivas ao comércio fundamentadas na
proteção ao meio ambiente.1
Este artigo analisa o caso EUA – Atum I e apresenta as conclusões jurídicas
encontradas pelo Painel, em relação aos artigos relevantes do GATT. Assim, a
seção [u11] 2 apresenta o contexto fático que gerou o início da controvérsia e
um breve resumo dos argumentos das partes. A seção 3 demonstra a argumentação estabelecida pelos membros do Painel no que tange ao não enquadramento das medidas aplicadas pelos EUA como regulamentos internos, nos termos do Artigo III:4 do GATT. A seção 4 aborda as considerações do Relatório
do Painel a respeito da alegada justificativa ambiental da medida, nos termos
das exceções do GATT, e a dificuldade em torno da aplicação extraterritorial de
medidas potencialmente restritivas ao comércio. A seção 5 conclui o presente
artigo, apresentando as considerações finais quanto aos temas estudados.
Vale ressaltar que as implicações deste caso levaram ao seu “ressurgimento” em 2009, mas desta vez analisado sob o ordenamento normativo do Acordo
de Barreiras Técnicas ao Comércio (“Acordo TBT”) da OMC. Este caso será
1. JACKSON, John H.; The jurisprudence of GATT & the WTO. Nova Iorque: Cambridge
University Press,: 2000. p.. Página 120.
Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América –
Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 169-186. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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tratado no capítulo seguinte deste livro, no qual serão apresentados eventuais
contrapontos entre as duas controvérsias.
2.O caso EUA – Atum I
Em 1990 vigia o sistema de solução de controvérsias estabelecido pelo
GATT 1947. Este sistema era baseado em consultas prévias2 entre as partes-contratantes e, caso não fosse encontrada uma solução satisfatória, poder-se-ia estabelecer um Painel para a resolução do caso, sob alegação de existência
de prejuízo ou “nulificação”3 de um benefício garantido pelo GATT. O Painel
colocava-se acima das partes, como uma instância independente, e formulava
um parecer com conclusões motivadas pela interpretação jurídica do GATT.4
Em 05.11.1990, o México iniciou consultas com os Estados Unidos em
razão de restrições aplicadas sobre assuas exportações de atum para aquele
país. As partes não conseguiram chegar a uma solução satisfatória e, após
requisição pelo México,5 foi estabelecido um Painel em 06.02.1991. As medidas questionadas pelo México incluíam três atos normativos, nomeadamente: (i) certas Seções6 do Marine Mammal Protection Act, de 1972 (“MMPA”);
(ii) a Pelly Amendment e; (iii) o Dolphin Protection Consumer Information Act
(“DPCIA”).
O MMPA estabelecia a proibição da importação de peixes utilizados para
fins comerciais que fossem pescados com certa tecnologia de pesca comercial,
que resultasse na morte acidental de mamíferos do oceano em excesso aos
padrões estabelecidos pelos Estados Unidos. No caso específico, tratava-se da
importação de atum cujo método de pesca por meio de redes de cerco causava
a captura acidental de golfinhos, sendo que os EUA estabeleceram um limite
2. Artigo XXII, Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas 1947.
3. Artigo XXIII, Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas 1947.
4. LAFER, Celso.; A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. Páginas p. 117-118.
5. Requisição para o estabelecimento de um Painel sob o Artigo XXIII:2 pelo México. DS21/1, 25.01. de janeiro de 1991. Disponível em: [http://sul-derivatives.stanford.edu/derivative?CSNID=91530106&mediaType=application/pdf]. Acessado em:
24.08. de agosto de 2013.
6. As Seções específicas do MMPA questionadas pelo México foram: (i) Seção 101(a)
(2); (ii) Seção 101(a)(2)(B); (iii) Seção 101(a)(2)(B)(I), (II) e (III); (iv) Seção 101(a)
(2)(D); (v) Seção 104(h)(2)(A) e (B) e; (vi) Seção 101(a)(2)(C), conforme o Relatório do Painel, paras. 3.1-5.
Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América –
Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
quantitativo considerado tolerável para esta captura incidental. No âmbito do
MMPA, caberia ao país cuja proibição fosse estabelecida demonstrar que possuía programa de controle sobre a tomada incidental de mamíferos marinhos e
que a sua ocorrência enquadrava-se nos limites estabelecidos pelos EUA. Em
conjunto ao MMPA, a Pelly Amendment estabelecia que, caso a aplicação de um
embargo às importações de atum perdurasse por mais de 60 dias, o Presidente
dos EUA teria a discricionariedade de ordenar a proibição da importação de
todos os produtos derivados de peixe daquele país.7
Adicionalmente, o MMPA estabelecia que, após a aplicação de um embargo
pelos EUA às importações de atum e produtos de atum pescados comercialmente e produzidos por entidades de um determinado país, os países intermediários que também exportassem tais produtos aos EUA seriam notificados e
caso eles não proibissem também a importação de atum e produtos de atum
originários do país embargado, após certo decurso de tempo, seriam eles também objeto da proibição. Decorridos sessenta 60 dias da aplicação da proibição, o Presidente dos EUA teria a discricionariedade para ordenar a proibição
da importação de todos os produtos derivados de atum do país intermediário.8
Por último, o DPCIA especificava um padrão de rotulagem para produtos
de atum e derivados do atum importados pelos EUA ou colocados à venda
naquele país e estabelecia critérios que autorizavam a inserção da designação
“Dolphin-Safe” no rótulo destes produtos. Sob este estatuto, produtos que possuíssem em seu conteúdo qualquer derivado de atum obtido de forma danosa
aos golfinhos não estariam autorizados a utilizar esta designação.9
Durante o Painel, o México alegou que o MMPA: (i) seria inconsistente com
a proibição geral de restrições quantitativas ao comércio, violando o Artigo XI
do GATT;10 (ii) estabelecia condições discriminatórias específicas para uma
área geográfica determinada, violando o Artigo XIII do GATT11 e que; (iii) após
a análise do Painel quanto a à violação destes artigos, ele deveria considerar
que as condições de comparação entre o regulamento americano e o de terceiros países, para efeitos de cumprimento dos requisitos estabelecidos na me-
7. Relatório do Painel. Paras. 2.1-9. Disponível em: [http://sul-derivatives.stanford.edu/
derivative?CSNID=91530924&mediaType=application/pdf]. Acessado em: 24.08. de
agosto de 2013.
8. Relatório do Painel. Paras. 2.10-11.
9. Relatório do Painel. Para. 2.12.
10. Relatório do Painel. Paras. 3.10-13.
11. Relatório do Painel. Paras. 3.14-15.
Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América –
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Estudos Estrangeiros
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dida, violava o Artigo III do GATT.12 Adicionalmente, sob a Pelly Amendment
e o MMPA, argumentou que tanto a extensão da proibição para os produtos
derivados de peixe quanto a extensão do embargo para países intermediários,
violariam o Artigo XI do GATT. Em relação ao DPCIA, o México requereu ao
Painel que o determinasse inconsistente com os Artigos I e IX do GATT, por
estabelecer condições específicas desfavoráveis e discriminatórias para uma
determinada área geográfica.13
Por sua vez, os Estados Unidos alegaram que as medidas impostas sob o
MMPA e a Pelly Amendment, tanto para o México quanto para países intermediários, se enquadravam na definição de regulamentos internos que afetam a
venda, oferta para venda, compra, transporte, distribuição ou utilização de
atum e produtos de atum, estando em conformidade com o Artigo III:4 do
GATT. Subsidiariamente, os EUA argumentaram que as medidas impostas ao
México estariam cobertas pelas exceções dos Artigos XX do GATT. Em relação
ao DPCIA, a defesa alegou que a medida não estaria sujeita ao Artigo IX, como
alegado pelo México, e que respeitaria os Artigos I e III do GATT, vez que a
discriminação feita pelo ato seria em referência às águas em que o atum seria
pescado, e não quanto à origem deste.
Ao final da controvérsia, o Painel entendeu14 que a proibição à importação
de atum imposta ao México e às nações intermediárias não se enquadravam
na definição de regulamento interno estabelecida no Artigo III:4 do GATT,
não eram consistentes com o Artigo XI:1 e nem justificáveis sob o âmbito das
exceções previstas no GATT. O Painel entendeu que a exceção do Artigo XX,
que trata de proteção ambiental, não permitiria a aplicação de medidas domésticas de forma extraterritorial. Por outro lado, o Painel decidiu que a Pelly
Amendment não era inconsistente com as obrigações dos EUA no GATT, e que
as provisões relacionadas à rotulagem dos produtos de atum, constantes no
DPCIA não eram inconsistentes com o Artigo I:1 do GATT.
A decisão deste Painel não foi adotada, uma vez que o México decidiu não
prosseguir com o caso, embora alguns dos países intermediários tenham pressionado pela sua adoção. O México e os EUA então realizaram suas próprias
consultas bilaterais para chegar a um acordo fora do sistema do GATT.15 Apesar
12. Relatório do Painel. Paras. 3.16-26.
13. Relatório do Painel. Paras. 3.1-5.
14. Relatório do Painel. Paras. 7.1-3.
15. Disponível em: [http://www.wto.org/english/tratop_e/envir_e/edis04_e.htm]. Acesso
em: 24.08. de agosto de 2013.
Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América –
Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 169-186. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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disto, o caso ainda atrai muita atenção, considerando suas implicações para as
disputas ambientais.
3.O MMPA, a Pelly Amendmente e os artigos III: 4 e XI do GATT
O Painel enfrentou alegações opostas de que, ou o MMPA seria um regulamento interno permitido no âmbito do Artigo III:4, aplicado internamente no
momento e local de importação dos produtos de atum (argumento de defesa
dos EUA), ou; o MMPA impunha restrições quantitativas às importações de
produtos de atum, proibidas pelo Artigo XI do GATT (violação principal alegada pelo México). O Painel optou por analisar estes argumentos na mesma
ordem em que foram apresentados, respectivamente, pelos EUA e pelo México.16 Assim, analisou primeiro se a medida enquadrar-se-ia na definição de
regulamento interno e após se haveria violação ao Artigo XI.17
3.1 A imposição de Regulamento Interno sob o artigo III: 4 e a questão
“produto – processo”
O Artigo III do GATT regula o princípio do tratamento nacional, que objetiva assegurar que medidas internas de um país não sejam tomadas de modo a
conferir proteção à produção doméstica em relação à produção estrangeira.18
Em resumo, este princípio define que as partes contratantes do GATT não podem conferir tratamento diferenciado a produtos importados similares daquele
conferido a produtos nacionais. Assim, visa-se impossibilitar que o produto
importado seja desfavorecido em relação ao nacional.
Por sua vez, o Artigo III:4 e a nota de rodapé do Artigo III permitem aos
países a imposição de regulamentos internos que afetem a “venda interna, colocação à venda, compra, transporte, distribuição e uso” de produtos importados de outros Membros, desde que tais regulamentos não violem o princípio
da nação mais favorecida, o princípio do tratamento nacional e não confiram
tratamento menos favorável do que aquele concedido aos produtos similares
de origem nacional.19 Segundo Hestemeyer, o escopo das medidas sujeitas a
16. Relatório do Painel. Para. 5.7.
17. Relatório do Painel. Paras. 5.8-16.
18. WOLFRUM, Rüdiger; STOLL, Peter Tobias and; SEIBERT-FOHR, Anja (Eeds.).; WTO
– Technical Barriers and SPS Measures. Boston: Martinus Nijhoff Publishers: Boston,
2007. vol., Volume 3., p.Página 6-8.
19. Relatório do Painel. Para. 5.9.
Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América –
Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155.
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este artigo é amplo, incorporando as medidas que modifiquem as condições de
competição entre o produto similar doméstico e importado.20
Para os EUA, a medida se enquadrava nos requisitos do artigo, vez que ela
seria aplicada ao tempo da importação, para determinar que o atum importado
fosse pescado de forma a reduzir a captura acidental de golfinhos. O Painel
iniciou sua interpretação analisando se a medida se encaixaria no escopo do
Artigo em questão (caso entendesse positivamente, a alegação de violação do
Artigo XI apontada pelo México restaria prejudicada): notou que o MMPA
não regulava produtos de atum em si, não regulava a venda destes produtos e
também não prescrevia técnicas de pesca que resultavam em um efeito sob o
produto em si.
Na visão do Painel, o Artigo III como um todo faz referência a uma medida, seja ela uma lei ou regulamento, que afete produtos em si. Igualmente, a
nota de rodapé do Artigo III se refere a medidas que se apliquem ao produto
no momento da importação e o respectivo produto similar nacional. Em casos
anteriores decididos sob a égide do GATT 1947, o Painel já havia analisado
este artigo, no que se refere à aplicação de medidas diretamente relacionadas
a produtos. No caso EUA – Impostos de petróleo e de certas substâncias importadas21 o Painel considerou que o Artigo III:2 “obriga as partes contratantes a
estabelecer certas condições de competitividade para produtos importados em
relação a produtos domésticos.”.22 Já no caso EUA – Seção 337 da Lei de Tarifas
de 193023 o Painel entendeu que o termo “tratamento não menos favorável” do
Artigo III:4 deveria ser interpretado como a necessidade de uma igualdade de
oportunidades entre o regulamento aplicável ao produto importado e seu produto similar nacional. O ponto a ser destacado é que ficava claro que a compa-
20. HESTEMEYER, Holgen.; In: WOLFRUM, Rüdiger; STOLL, Peter Tobias and; SEIBERT-FOHR, Anja (eEds.). Op. cit.,; WTO – Technical Barriers and SPS Measures.
Martinus Nijhoff Publishers: Boston, 2007, Volume 3. Página p. 33.
21. Relatório do Painel no caso Organização Mundial do Comércio. Estados Unidos – Impostos de petróleo e de certas substâncias importadas, adotado em 17.06. de junho
e 1987 – BISD 34S/136, 158. Disponível em: [http://www.wto.org/english/tratop_e/
dispu_e/87superf.pdf]. Acesso em: 29.08. de agosto de 2013.
22. Vide nota de rodapé 16. Para. 5.1.9. Tradução livre do original em inglês: “obliges
contracting parties to establish certain competitive conditions for imported products
in relation to domestic products”.
23.Relatório do Painel no caso Organização Mundial do Comércio. Estados Unidos – Seção 337 das Lei de Tarifas de 1930, adotado em 07.11. de novembro de
1989 – BISD 36S/345, 386-7. Disponível em: [http://www.wto.org/english/tratop_e/
dispu_e/87tar337.pdf]. Acesso em: 29.08. de agosto de 2013.
Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América –
Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155.
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ração sob o Artigo III tratava de medidas aplicadas entre produtos importados
e produtos similares domésticos.
O Painel concluiu, então, que medidas impostas sob o Artigo III e sua
nota de rodapé abrigam apenas aquelas aplicadas diretamente a produtos
em si, não cobrindo seu processo produtivo. Na opinião do Painel, o MMPA
regulava a forma de pesca do atum, no que se referia à captura incidental de
golfinhos, regulando, portanto, o processo produtivo, e não o produto em si,
nem as vendas do produto. Por este motivo, a medida não foi enquadrada no
escopo do artigo.
Este entendimento ficou conhecido como a distinção “produto-processo”.24
A jurisprudência pontuou a diferença entre um produto em si e o processo ou
modo de produção pelo qual o produto é feito. Nestes termos, o Painel definiu
que o escopo de aplicação do Artigo III era direcionado apenas a medidas que
se aplicam ou afetam a característica de um produto em si. Medidas que não
afetem o produto em si, ou que tratem de meio de produção, que não altere
as características do produto não são regulamentos caracterizados no âmbito
do Artigo III: 4.
Adicionalmente, o Painel entendeu que a distinção entre processos produtivos que não afetam o produto em si não pode ser considerado considerada
um critério relevante para a determinação de similaridade entre o produto importado e o nacional. Neste sentido, produtos não similares precisariam ter
características finais distintas entre si, não relacionadas ao processo produtivo.
No presente caso, este entendimento levou o Painel a entender que os produtos eram similares, mesmo que tivessem processos produtivos diferentes.
Assim, ao banir as importações do produto mexicano, similar ao nacional,
os EUA estariam fazendo uma discriminação entre produtos similares. Para
os ambientalistas, a necessidade de distinção na característica final do produto foi seriamente criticada, pois este critério mostra-se muito rígido para
a determinação de similaridade na aplicação de uma medida ambiental.25 Ao
contrário, se produtos pudessem ser considerados como “não similares” por
terem diferentes processos produtivos, seria possibilitada a aplicação ampla de
regulamentos ambientais que privilegiem produtos com processos produtivos
24. MATSUSHITA, Mitsuo; SCHOENBAUM, Thomas J.; MAVROIDIS, Petros C.; The
World Trade Organization – Law, practice and policy. 2. ed. Nova Iorque: The Oxford
International Library: Second Edition, 2006. p. 240-241.
25. Idem, p. 808-811.
Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América –
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ambientalmente sustentáveis, sem que isso seja considerada uma medida discriminatória.26
3.2 O descumprimento do artigo XI do GATT
Ao estabelecer que a medida não era permitida pelo Artigo III:4, o Painel
analisou a violação do Artigo XI:1 do GATT. Restrições quantitativas à importação são proibidas: especificamente, o texto do artigo prevê que:
“Nenhuma proibição ou restrição (...) se tornadas efetivas por meio de cotas, licenças de importação ou exportação ou outras medidas, devem ser instituídas ou mantidas por qualquer parte contratante na importação de qualquer
produto do território de qualquer outra parte contratante (...)”.27
A aplicação deste artigo difere do âmbito de aplicação do Artigo III do GATT.
O Artigo XI trata da proibição de barreiras não tarifárias, como restrições e
proibições, no momento da importação em si, sem maiores classificações; já
o Artigo III trata de regulamentos que, embora também possam ser aplicados
ao tempo da importação,28 se referem à forma pela qual o produto será tratado após sua importação durante a comercialização no mercado doméstico.29 O
Artigo XI se preocupa com as restrições quantitativas à importação impostas
na fronteira, enquanto o Artigo III trata de certo tratamento a um produto,
por meio de um regulamento interno, que pode ser aplicado no momento da
importação.
Ao mesmo tempo, o Artigo XI:1 possui escopo maior, pois inclui “outras
medidas”, devendo este termo ser entendido em sua forma ampla. Nesse sentido, diferentemente das provisões do acordo que explicitamente mencionam
“leis” e “regulamentos”, as restrições quantitativas podem ser quaisquer me-
26. HESTEMEYER, Holgen.; In: WOLFRUM, Rüdiger; STOLL, Peter Tobias and; SEIBERT-FOHR, Anja (eEds.). Op. cit.,; WTO – Technical Barriers and SPS Measures.
Martinus Nijhoff Publishers: Boston, 2007, Volume 3. Páginap. 29-31.
27. Artigo XI:1 do GATT em tradução livre, na parte relevante “No prohibitions or restrictions (...). whether made effective through quotas, import or exportlicences or
other measures, shall be instituted or maintained by any contracting party on the
importation of any product of the territory of any other contracting party (...).””.
28. Conforme disposto pela Ad Note do Artigo III.
29. WOLFRUM, Rüdiger; STOLL, Peter Tobias; SEIBERT-FOHR, Anja (eds.). Op. cit., p.
Wolfrum, Rüdiger; Stoll, Peter Tobias and; Seibert-Fohr, Anja (Eds.); WTO – Technical Barriers and SPS Measures. Martinus Nijhoff Publishers: Boston, 2007, Volume 3.
Página 57.
Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América –
Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155.
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didas mantidas por uma parte que restrinjam a importação de um produto,
independentemente do status legal da medida.30
Para avaliar o alegado descumprimento da medida americana o Painel realizou análise objetiva. Interpretando os fatos da controvérsia, restou claro para
o Painel que os EUA haviam anunciado e implementado uma proibição às
importações de atum e de produtos de atum capturados a partir de determinado processo produtivo. Nestes termos, as provisões do MMPA impunham
uma proibição direta às importações de atum do México e foram interpretadas
como inconsistentes com o Artigo XI:1. Os EUA não apresentaram argumentos
que levassem a uma conclusão diferente da adotada31 e o Painel não fez uma
análise mais aprofundada da violação a este artigo.
O México ainda havia alegado um eventual descumprimento ao Artigo XIII
do GATT, entretanto, o Painel exerceu seu direito de economia judicial, e entendeu que não precisava se manifestar a respeito deste Artigo, visto que a
medida já havia sido determinada como inconsistente com o Artigo XI:1.
3.3A Pelly Amendment e o artigo XI do GATT
O México também alegou que a Pelly Amendment violava o Artigo XI do GATT.
Tal instrumento normativo estabelecia o poder discricionário do Presidente dos
EUA de proibir as importações de todos os produtos derivados de atum, pela
duração em que entendesse adequado, desde que isto fosse feito seis meses após
a entrada em vigor da efetiva proibição de importação de produtos de atum.
A Pelly Amendment não foi utilizada no caso em questão – a proibição não
foi efetivamente estendida a todos os produtos derivados de atum. Ademais,
este instrumento estabelecia apenas uma possibilidade dade a autoridade tomar ação, não a obrigava a de fato agir. Foi neste ponto que o Painel centrou
sua análise. Como a extensão do embargo não havia sido aplicada, o Painel
entendeu que seu trabalho seria dizer se uma provisão que autoriza, mas não
obriga, seria uma medida inconsistente com o GATT.
Assim, o Painel apresentou seu entendimento no sentido de que se a legislação demandasse que a proibição fosse estendida obrigatoriamente, ela estaria
30. Esta visão foi apresentada pelo Relatório do Painel do caso Organização Mundial
do Comércio. Japão – Comércio de semicondutores – adotado em 04.05. de maio de
1988, L/6309 – 35S/116, parágrafo 106. Disponível em: [http://www.wto.org/english/
tratop_e/dispu_e/87semcdr.pdf]. Acessado em: 30.08.2013.
31. Relatório do Painel,. Paras. 5.17-19.
Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América –
Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155.
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violando o GATT. Entendeu que a medida em si – estender a proibição a todos
os produtos derivados de peixe – não estaria em conformidade com o Acordo.
Apesar disto, como a legislação meramente concedia o poder de agir a aquelas
autoridades, não as obrigando a tomar nenhuma ação, o Painel entendeu que
a Pelly Amendment como legislação não infringia o GATT.
4. As exceções do artigo XX do GATT
Após determinar que as medidas violavam o Artigo III:4 e eram inconsistentes com o Artigo XI:1, o Painel partiu para a análise da suposta justificativa da medida nas exceções do GATT. O Artigo XX traz as exceções gerais
às normas do GATT. Sob o âmbito destas exceções os países têm a opção de
tomar medidas nacionais protetivas, cumpridos certos requisitos, ainda que
isto leve ao descumprimento das obrigações de livre comércio. Conforme
explica Wolfrum:
“A provisão reconhece, assim, que os Membros podem decidir que certas
políticas devem ter precedência sobre o objetivo de se liberalizar o comércio.
É o direito de cada Membro enraizado em sua soberania decidir por optar por
introduzir exceções ou por honrar integralmente seus compromissos em respeito à liberalização do comércio.”32
No presente caso, o Painel estabeleceu que o fato de um país invocar o
Artigo XX para justificar sua medida não significa, a priori, uma confissão de
que a medida não esteja em conformidade com o GATT, desde que este seja
um argumento alternativo da parte. Afirmou também que tal possibilidade de
alternatividade de pedidos é possibilitada pela operação eficiente do sistema de
solução de controvérsias.33
Os EUA alegaram que as medidas sob o MMPA, mesmo que fossem determinadas como inconsistentes com os artigos do GATT pelo Painel, seriam
autorizadas pelas exceções do Artigo XX. Nomeadamente, o argumento fazia
32. WOLFRUM, Rüdiger; STOLL, Peter Tobias; SEIBERT-FOHR, Anja (eds.). Op. cit.,
p.Wolfrum, Rüdiger; Stoll, Peter Tobias and; Seibert-Fohr, Anja (Eds.); WTO- Technical Barriers and SPS Measures. Martinus Nijhoff Publishers: Boston, 2007, Volume 3.
Página 63. Tradução livre, do original em inglês: “The provision thus acknowledges
that Members may decide that such policies should take precedence over the objective of liberalizing trade. It is the right of each member rooted in sovereignty to decide
to opt for introducing exceptions or to fully honour its commitments in respect of
trade liberalization”.
33. Relatório do Painel. Paras. 5.22-24.
Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América –
Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155.
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referência às alíneas (b)34 e (g)35 do Artigo XX, para todas as medidas sob o
MMPA, e adicionalmente a alínea (d)36 quanto às medidas direcionadas a países intermediários. A análise do Painel considerou as três alíneas.
A discussão em torno da alínea (b) do Artigo XX lidou com a possibilidade
da aplicação extraterritorial de critérios de proteção à vida animal e vegetal.
Se, por um lado, os EUA alegavam que a medida era “necessária” à proteção
da saúde e vida dos golfinhos, sendo a única forma de garantir a sua proteção
fora de sua jurisdição; por outro, o México entendia que a alínea não seria
aplicável, por haverem medidas menos restritivas disponíveis e pela medida
não poder ser aplicada extraterritorialmente.
A análise do Painel remontou à época da elaboração do GATT, para entender se a intenção do legislador à época da criação do Acordo seria a de permitir
a aplicação de medidas que trespassavam a jurisdição dos Membros. A conclusão a que se chegou é que a possibilidade de aplicação de medidas para a
proteção da vida e saúde animal e vegetal seria apenas quanto à jurisdição do
país importador do produto em questão.37
Não fosse assim, um entendimento mais amplo desta alínea, poderia viabilizar que cada país, de forma unilateral, determine políticas protetivas a serem
seguidas e aplicadas no território dos outros países. O Acordo deixaria de representar uma estrutura multilateral de regulação do comércio entre todas as
partes contratantes, pois os privaria do direito de estabelecer critérios próprios
de proteção animal e vegetal e ao mesmo tempo possibilitaria que cada país estabelecesse regras para serem aplicadas em outros territórios. Adicionalmente,
o Painel também entendeu que a medida não era considerada “necessária”, (i)
por limitar o comércio de produtos ao cumprimento de condições imprevisí-
34. A alínea (b) do Artigo XX trata da exceção de medidas “necessárias à proteção da
saúde e da vida das pessoas e dos animais e à preservação dos vegetais;”.
35. A alínea (g) do Artigo XX trata da exceção de medidas “relativas à conservação dos
recursos naturais esgotáveis, se tais medidas forem aplicadas conjuntamente com
restrições à produção ou ao consumo nacionais;”.
36. A alínea (d) do Artigo XX trata da exceção de medidas “necessárias a assegurar a
aplicação das leis e regulamentos que não sejam incompatíveis com as disposições do
presente acordo, tais como, por exemplo, as leis e regulamentos que dizem respeito
à aplicação de medidas alfandegárias, à manutenção em vigor dos monopólios administrados na conformidade do § 4.º do art. II e do art. XVII à proteção das patentes,
marcas de fábrica e direitos de autoria e de reprodução, e a medidas próprias a impedir as práticas de natureza a induzir em erro;”.
37. Relatório do Painel. Paras. 5.24-25.
Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América –
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veis38 e (ii) porque os EUA não demonstraram terem exaurido todas as opções
disponíveis menos restritivas ao comércio.39
Ressalte-se que esse “teste de necessidade” já havia sido implementado pelo
Painel em decisões anteriores. Para uma medida ser considerada necessária,
não poderia estar disponível qualquer outra medida consistente com o GATT,
nem alguma medida que embora inconsistente, fosse menos restritiva.40
A alínea (g) permite a aplicação de medidas relacionadas à conservação de
recursos naturais, desde que elas sejam aplicadas em conjunto com restrições
de produção e consumo nacional. Para os EUA a medida seria primariamente
direcionada à conservação de golfinhos, gerando restrições efetivas na produção e consumo domésticos destes.41 O México alegou que a medida não seria
justificada sob esta alínea e que, igualmente à alínea (b), a medida não poderia
ser aplicada extraterritorialmente.
Para resolver a questão, o Painel se apoiou em entendimentos prévios de
que a medida em questão, para ser considerada justificável, deveria ser primariamente direcionada à conservação dos recursos naturais a que se destinava.42
Para definir se a medida americana se direcionava primariamente à conservação dos golfinhos, o Painel analisou os critérios impostos pelos EUA para
efeitos de cumprimento dos requisitos de importação. O Painel entendeu que,
como tais critérios eram incertos e impossibilitavam as autoridades mexicanas
38. Para o México comprovar que estaria em conformidade com os critérios de proteção
à vida dos golfinhos estabelecidos no MMPA, ele deveria demonstrar que não havia
atingido o limite máximo de tomada acidental de golfinhos na pesca de atum, conforme estabelecido pelas autoridades americanas. Este limite era definido como o número da tomada acidental de golfinhos efetivamente feita em cada período pela frota
americana. Este número era, então, comparado ao número de golfinhos efetivamente
capturados incidentalmente pela frota mexicana, no mesmo período. Como este limite era variável, e de aferição prática apenas pela autoridade americana, as autoridades
mexicanas não teriam como prever se o praticado por elas estava efetivamente em
conformidade com os critérios americanos, em cada período.
39. Relatório do Painel. Paras. 5.25-27.
40. Relatório do Painel: Organização Mundial do Comércio. Tailândia – Restrições às
importações de cigarros. DS10/R – 37S/200. Disponível em: [http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/90cigart.pdf]. Acesso em: 27.08.2013. Parágrafo 75.
41. Relatório do Painel. Paras. 3.41-42.
42. Relatório do Painel no caso “Canada – Medidas Afetando a Exportação de arenque e
salmão não processados”, adotado em 22 de Março de 1988, BISD 35S/98, 11, Para.
4.6.
Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América –
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de saber quando estariam cumprindo a medida, a restrição não poderia ser
considerada como primariamente direcionada à conservação de golfinhos.43
Adicionalmente, o Painel relembrou que um país poderia controlar efetivamente a produção ou o consumo de um recurso natural apenas na medida em
que aquele produto fosse produzido ou consumido dentro de sua jurisdição.
Desta forma, seria inaplicável um caráter extraterritorial à medida, pois teria
sua eficácia plena restrita à jurisdição do país importador do produto.
Por fim, o Painel apresentou considerações idênticas no que se refere à justificativa da medida aplicável aos “países intermediários”44. O Painel também
refutou o argumento de que estas medidas seriam justificáveis sob a alínea (d)
do Artigo XX. Isto decorreu por já haver sido preestabelecido a inconsistência
da medida com o GATT e a referida alínea requer que as medidas em questão
sejam necessárias a assegurar a aplicação das leis e regulamentos que não sejam incompatíveis com as disposições do GATT.
Atualmente, o Órgão de Apelação da OMC vem apresentando entendimento mais permissivo em suas interpretações no que se refere à possibilidade de
imposição de medidas de proteção ao meio ambiente.45
5.O DPCIA
Ao fim de sua análise, o Painel discutiu a conformidade do DPCIA com os
artigos do GATT.46. Em síntese, o México alegava que o padrão de rotulagem
criado, com critérios determinados para a utilização da designação “Dolphin-Safe” na venda do produto, estava em desconformidade com o Artigo IX:1 e
que, subsidiariamente, descumpria o Artigo I.1 do GATT. Por sua vez, os EUA
entendiam que o DPCIA não estava sujeito ao Artigo IX, mas sim aos princípios de nação mais favorecida e de tratamento nacional estabelecidos respectivamente nos Artigo I.1 e III.4 do GATT.
O Artigo IX:1 é intitulado “Marcas de Origem”,47 e estabelece que as partes
devem fornecer tratamento não menos favorável entre o território de outras
43. Relatório do Painel. Paras. 5.32-34.
44. Relatório do Painel. Paras. 5.38-40.
45. MATSUSHITA, Mitsuo; SCHOENBAUM, Thomas J.; MAVROIDIS, Petros C. Op. cit.,
p. Matsushita, Mitsuo; Schoenbaum, Thomas J.; Mavroids Petros C.; The World Trade
Organization – Law, Practice and Policy. Nova Iorque: The Oxford International Library: Second Edition, 2006. Página 794-797.
46. Relatório do Painel. Paras. 5.41-44.
47. Tradução livre: “Marks of Origin”.
Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América –
Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155.
Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 169-186. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Partes contratantes e terceiros países, no que diz respeito aos requisitos de
marcação de produtos. Segundo o entendimento do Painel, tal artigo diz respeito apenas à marcação de origem dos produtos importados, não se aplicando
a marcações e rotulagens de maneira genérica. Assim, o Painel desqualificou o
argumento do México de que a medida violaria o Artigo IX:1, e partiu para a
análise de sua conformidade com o Artigo I.1.
O México apresentou o argumento que o DPCIA o discriminava como país,
por executar pesca de atum no oceano pacífico tropical oriental, utilizando-se
de redes de cerco.48 Nesse sentido, o Painel apontou que as provisões de rotulagem não obrigavam que o produto tivesse a denominação “Dolphin-Safe” para
ser vendido e que tal denominação não conferia nenhuma vantagem governamental. Foi apontado que qualquer vantagem que fosse aferida pelos produtos
contendo esta denominação resultaria diretamente das preferências dos consumidores.49 O Painel então resolveu que teria que analisar apenas se a medida
cumpria as obrigações do Artigo I:1.
A questão analisada pelo Painel era a seguinte: (i) se o DPCIA criava critérios que discriminavam em relação a uma área geográfica específica, nomeadamente o oceano pacífico tropical oriental e (ii) se o DPCIA discriminava
o México como país em detrimento de outras Partes contratantes. O Painel
entendeu que o critério definido no DPCIA relativo à área do oceano pacífico
tropical oriental se dava pela natureza particular desta área. Esta havia sido
escolhida tendo em vista a relação única identificada neste local entre os golfinhos e o atum. Adicionalmente, o Painel apontou que a legislação americana considerava que a origem do atum não era determinada pelo local onde o
produto fosse pescado, mas sim sob qual bandeira operava o barco que o havia
pescado.
Assim, o Painel entendeu que o critério geográfico da medida se baseava em
uma peculiaridade ambiental específica deste local, e no fato de que a metodologia utilizada na pesca neste local implicava na morte acidental de golfinhos.
Além disto, o Painel concluiu que a área em que o atum era pescado não era
relevante para a determinação de sua origem, sendo relevante para tal, o barco
em que o atum seria pescado. Nesse sentido, o DPCIA não discriminaria o México, vez que qualquer barco sob a bandeira de outro país que pescasse naquele
48. Relatório do Painel. Paras 5.42. Um dos critérios que impedem a utilização da denominação “Dolphin-Safe” é no caso em que o atum tenha sido pescado no oceano
pacífico tropical oriental por um barco que utilize redes de cerco, não cumprindo
então com as condições específicas para ser considerado seguro aos golfinhos.
49. Relatório do Painel. Paras 5.42.
Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América –
Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155.
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local, daquela forma, não estaria apto a utilizar a denominação “Dolphin-Safe”.50
Por estes motivos, o Painel entendeu que o DPCIA, relacionado à pesca de atum
no oceano pacífico tropical oriental não era inconsistente com as provisões do
Artigo I:1 do GATT, não ocorrendo uma discriminação ao México.
6. Considerações finais
O caso EUA – Atum I cuidou de uma temática que até então havia sido pouco tratada no âmbito do comércio internacional. Ao concluir pela inconsistência do MMPA com o GATT, a decisão acabou por dar prevalência aos princípios
que norteiam o livre comércio, em detrimento das medidas cujo objetivo é
relacionado à proteção ambiental.
O Painel analisou a distinção entre a aplicação de um regulamento direcionado a um produto em si, ou a um processo produtivo que não altere as suas
características finais. O entendimento de que o GATT, Artigo III.4, não inclui
regulamentos técnicos aplicados a processos produtivos, adicionada a irrelevância, para efeitos de definição de similaridade, entre o processo produtivo
do produto nacional e do produto importado, nortearam a definição de regulamento interno presente no Artigo III:4. O MMPA foi então caracterizado como
uma restrição quantitativa às importações de produtos de atum do México.
O Painel ainda rejeitou o argumento de que a medida se justificaria pelas
exceções gerais do GATT. Para tal, contribuição relevante foi no sentido da
impossibilidade de aplicação extraterritorial de medidas destinadas à conservação da vida ambiental e à proteção de vida animal e vegetal. Prevaleceu o
entendimento de que os países possuem o direito de determinar o nível de
proteção ambiental dentro de sua jurisdição. Ademais, a medida não foi considerada necessária pelo Painel, vez que o membro não utilizou de medidas
disponíveis, menos restritivas ao comércio.
Ao final, a decisão do caso EUA – Atum I gerou discussões que perduraram
por diversos anos, seja por parte dos que entendiam que a interpretação dada
ao Acordo deveria ser menos restritiva à aplicação de medidas direcionadas ao
meio ambiente, seja pelas partes que a entenderam como correta. Vale lembrar
que esta decisão ocorre antes do estabelecimento da OMC e dos demais acordos que hoje formam o arcabouço jurídico da OMC. De certa forma, a decisão
ora analisada deixa de lado diversos conceitos jurídicos que darão sustentação
ao caso Atum – II, objeto de controvérsia já na vigência da OMC.
50. Relatório do Painel. Paras 5.43-4.0
Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América –
Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155.
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7.Referências bibliográficas
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Casos
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Pesquisas do Editorial
Veja também Doutrina
• A cláusula da nação mais favorecida,de Michelle Lúcia Silva de Souza e Homero Francisco
Tavares Junior – RIBRAC 11/183 (DTR\2011\1979);
• O sistema de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio, de Celso Lafer
– RIBRAC 3/7 – Doutrinas Essenciais de Direito Internacional 2/237 – Doutrinas Essenciais
Arbitragem e Mediação 5/893 (DTR\2011\4869); e
• O sistema multilateral de comércio e a cláusula social: a posição dos países latino-americanos, de Roberto Di Sena Júnior – RDPriv 14/317 (DTR\2003\243).
Carvalho, Marina Amaral Egydio de; Bianchini, Lucas Mandelbaum. Estados Unidos da América –
Restrições nas importações de produtos de atum (EUA – ATUM I), DS21/R – 39S/155.
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O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento
de flexibilização na comunidade europeia
The labor contract of part-time work as an instrument
of flexicurity in the European Community
Gilberto Stürmer
Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Sevilha (Espanha). Doutor em Direito pela UFSC. Mestre
em Direito pela PUC-RS. Professor de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho na PUC-RS –
Graduação, Especialização, Mestrado e Doutorado. Coordenador do Curso de Especialização em Direito
e Processo do Trabalho da Faculdade de Direito da PUC-RS. Coordenador e Pesquisador do Grupo de
Pesquisa “Estado, Processo e Sindicalismo” do PPGD da PUC-RS. Advogado e parecerista.
[email protected]
Rodrigo Coimbra
Doutor em Direito pela PUC-RS. Mestre em Direito pela UFRGS. Professor de Direito do Trabalho e
Direito Processual do Trabalho da UFRGS e da Unisinos. Advogado.
[email protected]
Área do Direito: Trabalho; Internacional
Resumo: O presente artigo visa discutir o contrato de trabalho a tempo parcial, enquanto instrumento da flexisegurança – pauta do momento na
Comunidade Europeia – que objetiva conciliar a
flexibilização dos direitos dos trabalhadores com
a suposta segurança de que continuarão havendo
empregos, ou, pelo menos, medidas de proteção
para os desempregados, aliadas a uma política de
recolocação no mercado de trabalho. Partindo-se
da contextualização e de alguns precedentes da
flexibilização dos direitos trabalhistas em alguns
países da União Europeia e nos Estados Unidos
da América, passa-se pelo estudo das Diretrizes
da Comunidade Europeia sobre a matéria, desde
o Acordo marco europeu em matéria de trabalho
a tempo parcial reconhecido pela Diretiva 97/81/
CE (1997), culminado com uma análise crítica do
trabalho a tempo parcial no Direito Espanhol.
Abstract: This article aims to discuss the contract
of part-time work as an instrument of flexicurity – the agenda of the moment in the European
Community – which aims to combine the flexibility of labor rights with the supposed security
that will continue having jobs, or at least measures protection for the unemployed, coupled with
a policy of replacement labor market. Based on
the foregoing and the contextualization of flexibility of labor rights in some countries of the European Union and the United States, shall be the
study of the European Community Guidelines on
the matter, since the European Framework Agreement on work part time recognized by Directive
97/81/EC (1997), culminating in a critical analysis
of part-time work in Spanish law.
Palavras-chave: Trabalho a tempo parcial – Fle-
Keywords: Part-time work – Flexibility – Flexecu-
xibilização – Flexiseguridad – Comunidade Europeia – Direito Espanhol.
rity – European Community – Spanish law.
Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na
comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Sumário: 1. Introdução. 2. Contexto e alguns precedentes da flexibilização dos direitos trabalhistas. 3. O trabalho a tempo parcial como instrumento de política de emprego da Comunidade Europeia e estratégia de flexisegurança. 4. O Acordo marco europeu em matéria de
trabalho a tempo parcial reconhecido pela Diretiva 97/81/CE (1997). Definições e princípios.
5. A noção de trabalho a tempo parcial no Direito Espanhol. Análise crítica. 6. Considerações
finais. Referências.
1.Introdução
A modalidade de contratação de trabalho a tempo parcial, enquanto instrumento da sempre polêmica, mas inarredável “flexicurity” (“flexiseguridad” ou
“flexisegurança”) – segundo a tradução literal do termo originário em língua
inglesa para o castelhano ou para o português –, tem sido muito utilizada na
União Europeia nos últimos 20 anos, tendo aumentado a sua importância notadamente após a crise econômica de 2008-2012, também chamada de grande
recessão ou crise dos subprimes,1 iniciada nos Estados Unidos da América, que,
1. A crise econômica de 2008-2012, também chamada de Grande Recessão, “é um desdobramento da http://pt.wikipedia.org/wiki/Crise_financeira” title=”Crise financeira”>crise
financeira internacional precipitada pela falência do tradicional banco de investimento http://pt.wikipedia.org/wiki/Estadunidense” title=”Estadunidense”>estadunidense
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lehman_Brothers” title=”Lehman Brothers”>Lehman Brothers, fundado em http://pt.wikipedia.org/wiki/1850” title=”1850”>1850. Em http://
pt.wikipedia.org/wiki/Efeito_domin%C3%B3” title=”Efeito dominó”>efeito dominó,
outras grandes http://pt.wikipedia.org/wiki/Institui%C3%A7%C3%B5es_financeiras”
title=”Instituições financeiras”>instituições financeiras quebraram, no processo também conhecido como ‘http://pt.wikipedia.org/wiki/Crise_dos_subprimes” title=”Crise
dos subprimes”>crise dos subprimes’. Alguns economistas, no entanto, consideram
que a crise dos http://pt.wikipedia.org/wiki/Subprime” title=”Subprime”>subprimes
tem sua causa primeira no estouro da ‘http://pt.wikipedia.org/wiki/Bolha_da_internet” title=”Bolha da internet”>bolha da Internet’ (em http://pt.wikipedia.org/
wiki/L%C3%ADngua_inglesa” title=”Língua inglesa”>inglês, dot-com bubble), em
http://pt.wikipedia.org/wiki/2001” title=”2001”>2001, quando o índice http://
pt.wikipedia.org/wiki/Nasdaq” title=”Nasdaq”>Nasdaq (que mede a variação de
preço das ações de empresas de informática e telecomunicações) despencou. De
todo modo, a quebra do Lehman Brothers foi seguida, no espaço de poucos dias,
pela falência técnica da maior empresa http://pt.wikipedia.org/wiki/Seguradora”
title=”Seguradora”>seguradora dos http://pt.wikipedia.org/wiki/Estados_Unidos_da_
Am%C3%A9rica” title=”Estados Unidos da América”>Estados Unidos da América, a
http://pt.wikipedia.org/wiki/American_International_Group” title=”American International Group”>American International Group (http://pt.wikipedia.org/wiki/AIG”
title=”AIG”>AIG). O governo norte-americano, que se recusou a oferecer garantias
Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na
comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Estudos Estrangeiros
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em efeito dominó, afetou significativamente alguns países da Comunidade Europeia, dentre os quais a Espanha onde a situação é uma das mais graves nesse
particular.
Dados da última Pesquisa Força de Trabalho revelam que a taxa de desemprego é de 5.273.600 pessoas, um aumento de 295.300 no quarto trimestre
de 2011 e 577.000 no quarto trimestre de 2010.2 A taxa de desemprego na
Espanha bateu novo recorde recentemente chegando a 24,3%. O número de
desempregados chegou a 4,7 milhões em fevereiro de 2012 – o índice mais
elevado entre as nações industrializadas, segundo o Instituto Nacional da Estatística da Espanha.3 Esse panorama demonstra a importância, a atualidade e
a justificativa de estudo desse tema.
Conforme estudo de Rodríguez4 o trabalho a tempo parcial passou de 13%
a 18% do emprego total da União Europeia entre 1990 e 2005 e desde 2000
representa aproximadamente 60% dos empregos, sendo que 1/3 das mulheres
estão empregadas nessa modalidade (homens – 7%).
Pretende-se, no presente artigo, a partir desse contexto, trazer a lume precedentes da flexibilização dos direitos trabalhistas em alguns países da União
Europeia e nos Estados Unidos da América, após analisar as Diretrizes da
Comunidade Europeia sobre a matéria – a partir do Acordo marco europeu
em matéria de trabalho a tempo parcial reconhecido pela Diretiva 97/81/CE
para que o banco http://pt.wikipedia.org/wiki/Inglaterra” title=”Inglaterra”>inglês
http://pt.wikipedia.org/wiki/Barclays” title=”Barclays”>Barclays adquirisse o controle
do cambaleante Lehman Brothers, alarmado com o http://pt.wikipedia.org/wiki/Risco_sist%C3%AAmico” title=”Risco sistêmico”>efeito sistêmico que a falência dessa
tradicional e poderosa instituição financeira – abandonada às ‘soluções de mercado’ – provocou nos mercados financeiros mundiais, resolveu, em 24 horas, injetar
85 bilhões de http://pt.wikipedia.org/wiki/D%C3%B3lar” title=”Dólar”>dólares de
dinheiro público na http://pt.wikipedia.org/wiki/AIG” title=”AIG”>AIG para salvar
suas operações. Mas, em poucas semanas, a crise norte-americana já atravessava o
http://pt.wikipedia.org/wiki/Atl%C3%A2ntico” title=”Atlântico”>Atlântico”. Disponível em: [http://pt.wikipedia.org/wiki/Crise_econ%C3%B4mica_de_2008-2012].
Acesso em: 24.03.2012.
2. Esses dados, e outros tantos, constam na exposição de motivos do Real Decreto-ley
3/2012.
3. Notícia de 03.03.2012. Disponível em: [www.portugues.rfi.fr/europa/20120302-espanha-taxa-de-desemprego-bate-novo-recorde-e-chega-243]. Acesso em: 20.03.2012.
4. RODRÍGUEZ, Jesús Baz. El marco jurídico comunitario del trabajo a tiempo parcial.
reflexiones en el contexto de la “flexiseguridad”. In: ______ (org.). Trabajo a tiempo
parcial y flexiseguridad. Granada: Comares, 2008. p. 9.
Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na
comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
(1997) –, culminado com uma análise crítica do trabalho a tempo parcial no
Direito Espanhol.
Como método científico de abordagem do assunto será utilizado o método
dedutivo, que é aquele cujo antecedente é constituído de princípios universais,
plenamente inteligíveis, do qual se chega a um consequente menos universal,
inferir e concluir ao final.5
A abordagem da pesquisa se dará pelo modelo qualitativo na medida em
que se buscará o entendimento do fenômeno em seu próprio contexto.6
2. Contexto e alguns precedentes da flexibilização dos direitos
trabalhistas
Nos anos 1980 e 1990 importantes países da Europa e os Estados Unidos da
América tomaram uma série de medidas que revigoraram o liberalismo econômico, o que ficou conhecido como “neoliberalismo”, norteado pela concepção
de pouca intervenção do Estado na economia e nas relações de trabalho.
Essa significativa retomada das ideias liberais7 começou nos governos de
Margareth Thatcher na Inglaterra (1979-1990) e de Ronald Reagan nos Estados Unidos (1980-1988). Nos EUA houve uma variação no modelo, pois
sempre foram mais liberais e menos regulamentadores que os países Europeus,
conquanto seja possível destacar algumas semelhanças entre as principais reformas neoliberais praticadas por estes países: contraíram a emissão monetária, produzindo valorização da moeda e também um efeito potencialmente
recessivo; baixaram consideravelmente os impostos, principalmente sobre as
grandes empresas; enfrentaram greves; criaram uma legislação antissindical; e,
cortaram gastos sociais.8 Depois se seguiu um programa de privatização.9
5. FINCATO, Denise Pires. A pesquisa jurídica sem mistérios: do projeto de pesquisa à
banca. Porto Alegre: Notadez, 2008. p. 38.
6. MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de metodologia da pesquisa no direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 110.
7. CATHARINO chama essa retomada de “o rebrote da doutrina liberal” (CATHARINO,
José Martins. El rebrote de la doctrina liberal y los modelos flexibilizadores. In: BARBAGELATA, Héctor Hugo; ACKERMAN, Mario Eduardo. Evolución del pensamiento
juslaboralista. Montevideo: Fundación de Cultura Universitaria, 1997. p. 103-122).
8. COIMBRA, Rodrigo; ARAÚJO, Francisco Rossal de. Direito do trabalho: evolução do
modelo normativo e tendências atuais na Europa. Revista LTr. ano 73. n. 08. t. II. p. 960.
9. Para um detalhamento dos problemas estruturais das relações industriais europeias
na década de 80 ver BAGLIONI. Guido. O mundo do trabalho – Crise e mudança no
final do século. São Paulo: Scritta, 1994. p. 54-58.
Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na
comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Nesta esteira, a Alemanha (Helmut Kohl 1982-1998), a Espanha (reformas
de 1994) e a Itália (reformas dos anos 1990), seguiram a ordem econômica
internacional promovendo reformas de cunho neoliberais.10
Gerard Lyon-Caen explica de forma direta a geração da onda neoliberal no
direito do trabalho: “o sistema de relações profissionais, ligado ao forte poder
da organização sindical foi progressivamente destruído no curso da era Thatcher. A desregulamentação virou moda”.11
Nesse cenário, o desenvolvimento do processo de internacionalização do
capital define o que se chama de globalização da economia, que constitui um
novo cenário para a década de 1990 e seguintes, tendo importantes reflexos no
Direito do Trabalho.
A globalização, ou “os processos de globalização”, na expressão que dá
maior dinâmica a este fenômeno que segue em andamento nos dias atuais
cunhada por Boaventura de Souza Santos,12 é um tema que tem adquirido
grande importância, sobretudo nas últimas décadas, tendo se caracterizado
mais recentemente por um fenômeno multifacetado com dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais e jurídicas interligadas de modo complexo.
Esclarece o sociólogo português, que a globalização das últimas três décadas, em vez de encaixar no padrão moderno ocidental de globalização, parece
combinar a universalização e a eliminação das fronteiras nacionais, por um
lado, o particularismo, da diversidade local; a identidade étnica e o regresso ao
comunitarismo, por outro.13
10. COIMBRA, Rodrigo; ARAÚJO, Francisco Rossal de. Op. cit., p. 960.
11. LYON-CAEN, Gerard. Derecho del trabajo o derecho del emprego? In: BARBAGELATA,
Héctor Hugo; ACKERMAN, Mario Eduardo. Evolución del pensamiento juslaboralista.
Montevideo: Fundación de Cultura Universitaria, 1997. p. 267.
12. SANTOS, Boaventura de Souza. Os processos de globalização. In: ______ (org.). A globalização e as ciências sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 25; André-Noel Roth sustenta
que uma das principais causas, se não for a principal, da crise do Estado, cujos mecanismos econômicos sociais e jurídicos de regulação, postos há mais de um século, já não
funcionam, encontra-se no fenômeno da globalização. Salienta que essa interdependência
dos Estados influi sempre mais na definição das políticas públicas internas de cada Estado. O autor chama atenção que o desenvolvimento das forças econômicas a um nível planetário diminui o poder de coação dos Estados nacionais sobre estas. Adverte, ainda, que
o Estado está limitado em suas políticas fiscais e intervencionistas, em termos de alcance
interno, pelas coações da competência econômica mundial. ROTH, André-Noel. O Direito
em crise: fim do Estado moderno. In: FARIA, José Eduardo (org.). Direito e globalização
econômica: implicações e perspectivas. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 17-18 e 26.
13. SANTOS, Boaventura de Souza. Op. cit., p. 26.
Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na
comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Impulsionada por elementos econômicos e por fatores políticos neoliberais,
a globalização tem reclamado um dos ajustes estruturais mais selvagens da história, de acordo com Rodolfo Capón Filas,14 uma vez que tem modificado toda
a ordem econômica e social, gerando o deslocamento do trabalho: desemprego
crescente em alguns países e aumento de postos de trabalho em outros; precarização de trabalho; deterioração da qualidade de vida; entre outros reflexos,
como o crescimento da dívida externa nos países periféricos.
A partir da queda do muro do Berlin, em 09.11.1989 (existente desde
13.08.1961), tem-se um novo ciclo da globalização, que, vale lembrar não é
algo novo, conquanto tenha sido retomada com novos moldes. Assim, como
o Direito do Trabalho não surgiu na revolução industrial, que foi na célebre
expressão de Segadas Viana15, a “fermentação” que daria origem ao surgimento das posteriores normatizações iniciais tutelando as relações de trabalho de
forma lenta e gradual, a “fermentação” ou o marco simbólico inicial impulsionador do fenômeno denominado de globalização – cuja efetivação nos moldes
atuais se dá por volta dos anos 2000 – foi a queda do muro de Berlim, que
marca o final da guerra fria e a superação do conflito ideológico, de dimensão
universal. Foi um momento histórico e de grande impacto.16
No entanto, a queda do muro de Berlin não contribuiu apenas para o achatamento das alternativas ao capitalismo de livre mercado e a libertação de gigantescas reservas reprimidas de energia de centenas de milhões de pessoas
de lugares como Índia, Brasil, China e o antigo Império Soviético: permitiu-nos encarar o mundo como um todo de uma nova forma, vendo-o como uma
unidade mais homogênea. Enfatiza Thomas Friedman que “o muro não somente bloqueava a passagem, como também a visão, isto é, nossa capacidade
de ver o mundo como um único mercado, um só ecossistema, uma mesma
comunidade”.17
14. FILAS, Rodolfo Capón. Trabajo y globalización propuesta para una praxis popular
alternativa. Justiça do Trabalho. ano 18. n. 205. p. 10.
15. SUSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho. 20. ed. São Paulo : Ed.
LTr, 2002. vol. 1, p. 41.
16. FRIEDMAN, Thomas L. O mundo é plano: o mundo globalizado no século XXI. 3. ed.
Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. p. 66-69; Nesse sentido, no âmbito do Direito do
Trabalho ver: SUSSEKIND, Arnaldo. A globalização da economia e o Direito do Trabalho. Revista LTr 61/40.
17. FRIEDMAN, Thomas L. Op. cit., p. 69; Para uma visão europeia da globalização ver
DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. 5.
ed. Brasília: UnB, 2000. p. 147-155; Conforme a concepção de Friedman a plataforma
Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na
comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Nesse quadro, explica Romita que no mundo desenvolvido e em vias de
desenvolvimento ocorreu, nos últimos 25 anos, uma verdadeira revolução
científico-tecnológica, que deflagrou um processo de globalização em escala
e em intensidade sem precedentes. Esse processo, que é irreversível, permite
o deslocamento rápido, barato e maciço de mercadorias, serviços, capitais e
trabalhadores. Grandes mercados regionais se tornaram possíveis e pode-se
pensar, num futuro próximo, no surgimento de um único mercado planetário
de bens e de trabalho.18
Juntamente com a globalização, também merecem destaque nessa época os
movimentos de flexibilização de direitos trabalhistas, que exigem das empresas
melhores níveis de competitividade, levando ao uso de novas técnicas de organização da produção e demandas de flexibilização dos direitos trabalhistas.19
A flexisegurança é assunto do dia na União Europeia atualmente e pretende
conciliar dois valores sensivelmente antagônicos, quais sejam: a flexibilidade
do mundo plano é produto de uma convergência entre: (a) o computador pessoal,
que subitamente permitiu a cada indivíduo tornar-se autor de seu próprio conteúdo
digital; (b) o cabo de fibra ótica, que viabilizou tais indivíduos de acessar cada vez
mais conteúdo digital no mundo, por quase nada; (c) o aumento de softwares de
trabalho, que possibilitou aos indivíduos, de todo o mundo, se relacionar e colaborar
com esse conteúdo digital em muito aumentado, estando em qualquer lugar, independente da distância entre eles. Essa convergência e democratização das tecnologias
estão formando o que se chama de sociedade global ou sociedade da informação e
evidenciam uma nova ordem econômica mundial, importante, complexa e inevitável.
O autor esclarece que ninguém previu essa convergência, ela simplesmente aconteceu por volta dos anos 2000 (FRIEDMAN, Thomas L. Op. cit., p. 22).
18. ROMITA, Arion Saião. Globalização da economia e direito do trabalho. São Paulo: Ed.
LTr, 1997. p. 28; sobre essa matéria ver também: SUSSEKIND, Arnaldo. A globalização da economia... cit., p. 41-44; REALE, Miguel. A globalização da economia e o
direito do trabalho. Revista LTr. vol. 61. n. 1. p. 11-13.
19. LYON-CAEN, Gerard. Op. cit., p. 267; CATHARINO, José Martins. El rebrote de
la doctrina liberal y los modelos flexibilizadores. In: BARBAGELATA, Héctor Hugo;
ACKERMAN, Mario Eduardo (org.). Evolución del pensamiento juslaboralista. Montevideo: Fundación de Cultura Universitaria, 1997. p. 103-121; VÁSQUEZ, Jorge
Rendón. El carácter protector del Derecho del trabajo y la flexibilidad com ideologias.
In: BARBAGELATA, Héctor Hugo; ACKERMAN, Mario Eduardo (org.). Op. cit., p.
419-430; VAN DER LAAT, Benardo. Límites a la flexibildad: algunas situaciones que
se han dado en Costa Rica. In: BARBAGELATA, Héctor Hugo; ACKERMAN, Mario
Eduardo (org.). Op. cit., p. 501-510; ERRAZURIZ, Francisco Walker. La flexibildad
laboral y los princípios orientadores del derecho del trabajo, teniendo en cuenta, en forma particular, algunos aspectos de la legislación chilena. In: BARBAGELATA, Héctor
Hugo; ACKERMAN, Mario Eduardo (org.). Op. cit., p. 599-620.
Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na
comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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do mercado de trabalho e a segurança dos trabalhadores contra o desemprego.
Essa conciliação ou ao menos uma maior aproximação se faz necessária e já
é clamada expressamente desde a edição do “Livro verde sobre relações laborais da União Europeia”, editado em novembro de 2006, que propugna pela
“modernização do Direito do Trabalho para fazer frente ao desafio do século
XXI”. Nesse quadro, a Diretiva n. 21 da União Europeia objetiva “promover a
flexibilidade combinada com segurança”.
Esse é o significado do neologismo “flexisegurança”, inspirado nos exemplos da Dinamarca (principalmente), Holanda e Suécia: promover a flexibilização dos direitos dos trabalhadores, sem retirar os direitos trabalhistas (geralmente constitucionalizados) conquistados pelos países membros da Comunidade Europeia.
Esse conceito procura aproximar as necessidades dos empregadores, mediante modalidades de contratação diferentes das tradicionais (por isso chamadas de atípicas), à necessidade fundamental da existência de empregos, em
condições não menos favoráveis.
Sobre a busca da flexisegurança na Comunidade Europeia destacam-se três
aspectos essenciais: (a) a flexibilidade passa a ser uma exigência quase universal em ambientes industrializados e um dos problemas dominantes nos países
europeus; (b) a exigência expressa pelos empresários encontrou consensos
mesmo fora dos seus âmbitos, principalmente por parte dos poderes públicos;
(c) a flexibilidade envolve, in totum, os conteúdos tradicionais, as regras das
relações industriais e, portanto, a atuação sindical das empresas, na medida em
que esta atuação representa a capacidade das empresas se reorganizarem em
prazos curtos diante das flutuações da macroeconomia em um contexto geral
já caracterizado por profundas incertezas e crescente competitividade.20
Essas necessidades referem-se tanto à flexibilidade interna (mudanças na
organização do trabalho, administração dos horários, modalidades das tarefas
e evolução das responsabilidades, sistemas retributivos), quanto à flexibilidade
externa (variações do número de funcionários, contratos atípicos e anormais,
mobilidade).21
Formas novas e atípicas de contratação, redistribuição do tempo e do trabalho (aqui entra o trabalho a tempo parcial), liberdade de supressão de empregos no caso de reestruturação, resumem as medidas tomadas no conjunto dos
20. BAGLIONI. Guido. Op. cit., p. 61-62.
21. Para um relato da busca da flexibilidade nos países europeus, separadamente, ver
BAGLIONI. Guido. Op. cit.
Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na
comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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países europeus. Todas elas expressam a busca de uma redução do custo do trabalho e permitiram aos grupos europeus enfrentar a Ásia e os Estados Unidos,
mas ao preço de uma insegurança e de um empobrecimento, que excluíram da
tutela do Direito do Trabalho frações inteiras da população.22
Analisando o renovado debate Europeu em torno da “flexisegurança” e suas
medidas, José Affonso Dallegrave Neto23 faz a seguinte apreciação crítica:
“De uma análise fria e sem romantismo, chega-se a inferência de que se
trata de mais uma medida em sintonia com a ideologia neoliberal, vez que os
objetivos são claros: facilitar a vida da iniciativa privada em detrimento das
condições de trabalho que se tornarão mais precárias em face da política de
flexibilidade em seus diversos aspectos: contratação temporária; dispensa sem
ônus; modalidades de salário vinculadas ao resultado; fixação de horários flexíveis visando atender exclusivamente a demanda da produção”.
A “flexisegurança” parece estar mais focada com a “flexi” do que com a “segurança”. Nos momentos de altas taxas de desemprego as ideias normalmente
se resumem a sugerir a flexibilização das normas trabalhistas e o endividamento do Estado com aumento de quotas de seguro-desemprego. Poucas vezes se
dirige o foco principal ao aquecimento da economia por meio do aumento da
oferta de crédito pessoal com juros baixos e da elevação do consumo aliada a
uma política de desoneração previdenciária da folha de pagamento.
3.O trabalho a tempo parcial como instrumento de política de
emprego da Comunidade Europeia e estratégia de flexisegurança
O Tratado de Amsterdã (1997) ensaiou o método de coordenação das políticas trabalhistas estatais a cargo das instituições comunitárias em matéria
de emprego, substancializado no denominado Livro Verde (2006), cujo lema
era “modernizar o Direito do Trabalho face aos desafios do século XXI”, tendo maior efetividade a partir das diretrizes para as políticas de emprego dos
Estados-Membros (2005-2008).
A promoção da flexibilidade combinada com a segurança do emprego, na
ordem da redução da segmentação do mercado de trabalho, postula, entre ou-
22. LYON-CAEN, Gerard. Op. cit., p. 268.
23. DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Flexisegurança nas relações de trabalho. O
novo debate europeu. Disponível em: [www.nucleotrabalhistacalvet.com.br/artigos/
Flexiseguran%C3%A7a%20-%20Jos%C3%A9%20Affonso%20Dallegrave%20Neto.
pdf]. Acesso em: 05.10.2012.
Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na
comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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tras ações, a revisão das diferentes modalidades contratuais e das disposições
relativas ao tempo de trabalho, de acordo com Rodríguez.24
A flexibilização dos direitos trabalhistas na Comunidade Europeia possui
noção indeterminada, altamente difusa e multidirecional, forjada a partir de
uma combinação transacionada de elementos políticos ideológicos e aderências tanto liberais como socialdemocratas. Essas características refletem na heterogeneidade da sua regulamentação nos países da Comunidade Europeia.25
24. RODRÍGUEZ, Jesús Baz. Op. cit., p. 5 e 10-11.
25. Idem, p. 8 e 9; No Brasil a flexibilização dos direitos trabalhistas foi iniciada há muito
tempo, em 1967, com a troca da estabilidade pelo FGTS. Conforme Jorge Luiz Souto
Maior “várias iniciativas se seguiram nesta linha: (a) em 1974, após não se renovar a
assinatura da Convenção 96 da OIT, admitiu-se o trabalho temporário; (b) em 1977,
os estagiários deixaram de ser considerados empregados, para serem afastados da
proteção da legislação trabalhista; (c) em 1983, regulamentou-se o trabalho de vigilância, para excluir os vigilantes do benefício da jornada reduzida de seis horas
destinada ao setor bancário; (d) em 1993, a jurisprudência do TST foi radicalmente
alterada (originando a Súmula 331) para, mesmo sem uma autorização legal, considerar possível a elaboração de um contrato entre empresas para prestação de serviço no estabelecimento da empresa “tomadora” da mão de obra. (...); (e) em 1998,
tentou-se alargar as possibilidades de concluir contratos com duração determinada.
A lei criou um novo tipo de contrato, denominado ‘contrato provisório’. De acordo
com a lei, passou a ser possível a formação de um contrato por prazo determinado,
sem vinculação a qualquer motivo específico, a não ser o fato de estar previsto em
um instrumento coletivo e ser destinado ao aumento do número de empregados da
empresa; (f) em 1998, flexibilizaram-se ainda mais os limites da jornada de trabalho
pela criação do chamado ‘de banco de horas’. De acordo com este sistema, as horas
suplementares podem ser compensadas dentro do período de um ano, sem nenhum
pagamento adicional; (g) em 1999, foi criado o contrato a tempo parcial, embora na
realidade, seja pouco utilizado devido ao baixo nível do salário dos empregados a
tempo completo. Nesta linha de ‘flexibilização’ situam-se também decisões judiciais
que consideram possível a supressão de direitos previstos na lei por meio de acordos
e convenções coletivas de trabalho” (MAIOR, Jorge Luiz Souto. Opinião pública e
direito do trabalho: tentando transpor as barreiras da comunicação. Justiça do Trabalho 286/31-32). Além disso, a Constituição Federal de 1988, adotou, em limitadas
hipóteses, a relativização de importantes direitos trabalhistas, mas em todos os casos
requer previsão em acordo ou convenção coletiva (a chamada tutela sindical): art. 7.º,
XIII e XIV, que dispõe sobre a jornada de trabalho e sobre turnos de revezamento e
art. 7.º, VI que excepciona o princípio da irredutibilidade salarial. Note-se que a Consolidação das Leis do Trabalho (publicada originalmente em 1943) já autorizava a
flexibilização de direitos trabalhistas principalmente em casos de jornada de trabalho
de profissões regulamentadas um tratamento excepcional, via acordo ou convenção
coletiva. Exemplificando vejam-se os seguintes dispositivos consolidados: arts. 227,
Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na
comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Tendo por freio o princípio da proteção do trabalhador, a flexibilização das
normas trabalhistas requer muita razoabilidade e a ideia espanhola de “flexiseguridad” procura justamente combinar as aspirações empresariais de alternativas de maior flexibilidade dos direitos dos empregados, sem retirar os direitos trabalhistas constitucionalizados pelos países membros da Comunidade
Europeia.
Nesse contexto, surge o trabalho a tempo parcial com grande utilização na
Comunidade Europeia, também chamado de part time service, sendo principalmente adotado em relação ao trabalho de mulheres, idosos e estudantes,
muitas vezes impossibilitados de cumprir um contrato de trabalho de jornada
integral, em razão das responsabilidades familiares e profissão que precisam
ser conciliadas.26
Ainda que tenha os seus problemas, que serão destacados no item 5 infra,
o contrato de trabalho a tempo parcial tem se constituído em um dos importantes instrumentos que procuram responder as necessidades de flexibilidade
reclamada pela política de emprego comunitária.27
4.O Acordo marco europeu em matéria de trabalho a tempo parcial
reconhecido pela Diretiva 97/81/CE (1997). Definições e princípios
A União Europeia posicionou-se de maneira expressa sobre a necessidade
de encontrar novos caminhos para as relações de trabalho a partir da Diretiva
97/81/CE (1997).
Mediante interessante comparação entre a regulação do trabalho a tempo
parcial na Espanha e na Alemanha (Lei federal de 21.12.2000 – Gesetz über
§ 2.º; 235; Para hipóteses de flexibilização aplicáveis para todas as profissões ver os
seguintes artigos da CLT: 58, § 3.º; 59 e § 2.º; 143, § 2.º; 413, I; 462; 476-A.
26. ARAÚJO, Gisele Ferreira de. Flexibilização do direito laboral e a Constituição Federal de 1988. Justiça do Trabalho 262/9. Para um estudo do trabalho a tempo parcial
como instrumento de conciliação da vida familiar e laboral, no Direito Espanhol,
destacando que as políticas de tal conciliação não são exclusivas das mulheres, mas
exigências das sociedades modernas, independentemente do sexo de seus destinatários, ver: MORGADO PANADERO, Purificación. El trabajo a tiempo parcial como
conciliación de la vida familiar e laboral. In: RODRÍGUEZ, Jesús Baz (org.). Op. cit.,
p. 85-121.
27. MARTÍN HERNÁNDEZ, María Luisa. La protección social de los trabajadores a tiempo parcial en el nuevo marco de la flexiseguridad. In: RODRÍGUEZ, Jesús Baz (org.).
Op. cit., p. 151.
Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na
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Teilzeitarbeit und befristete Arbeitsverträge), Alberto Arufe Varela28 defende que
ambas possuem grandes semelhanças, inclusive com alguns clones, o que se
justifica por tratar-se de normas que regulamentam internamente as imposições da Diretiva Comunitária 97/81/CE (1997), todavia ressalva que possuem
importantes diferenças quanto a sua concepção e quanto ao seu conteúdo.
De uma forma, a regulação interna espanhola concebe o trabalho a tempo
parcial como uma modalidade odiosa de contrato de trabalho e a prova disso
está especialmente no fato de que o art. 12 do Estatuto de los Trabajadores
dedica uma atenção preferencial (no item 5) à possibilidade de aumentar a
jornada, caso queira o empresário, através das horas complementares. De outra
forma, a regulação interna alemã concebe o trabalho a tempo parcial como um
fenômeno normal e cobre especificamente a “redução da jornada de trabalho”
(Verringerung der Arbeitszeit), que, como seu próprio nome indica, é a possibilidade que se outorga ao trabalhador de exigir que sua jornada contratualmente pactuada se reduza, apenas se reduza.29
Os objetivos da modalidade contratual do trabalho a tempo parcial por um
lado não se limitam apenas a mera redução da jornada, mas também a flexibilização da prestação do trabalho (poder diretivo do empregador) e, por outro
lado, (em relação ao empregado), podem proporcionar a compatibilização do
tempo destinado ao trabalho com outras prioridades vitais dos trabalhadores,
tais como vida familiar, estudos, outras ocupações profissionais etc.30
Para efeitos desse acordo da Comunidade Europeia, entende-se por trabalhador a tempo parcial o assalariado cujo tempo normal de trabalho, calculado
numa base semanal ou como média ao longo de um período de emprego até
um ano, é inferior ao tempo normal de trabalho de um trabalhador comparável
a tempo inteiro. Trabalhador comparável a tempo inteiro significa um trabalhador a tempo inteiro do mesmo estabelecimento, com o mesmo contrato ou
relação de emprego e que exerça funções iguais ou semelhantes, tendo em conta outros fatores, como antiguidade, qualificações, conhecimentos etc. Se no
estabelecimento não houver qualquer trabalhador comparável a tempo inteiro,
a comparação será efetuada em consonância com a convenção coletiva aplicá-
28. VARELA, Alberto Arufe. La regulación de los contratos de trabajo a tiempo parcial y a
plazo en Alemania. Estudio comparativo con la regulación de los contratos precarios
en España. Anuario da Facultade de Dereito da Universidade da Coruña. n. 11. p. 75.
29.Idem.
30. RODRÍGUEZ, Jesús Baz. Op. cit., p. 9; MARTÍN HERNÁNDEZ, María Luisa. Op. cit.,
p. 161.
Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na
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vel ou, na ausência desta, em conformidade com a legislação, as convenções
coletivas ou as práticas vigentes a nível nacional.31
Um dos princípios destacados pela Diretiva 97/81/CE é o princípio da não
discriminação em relação às formas de emprego típica com jornada completa:
no que respeitam às condições de emprego, os trabalhadores a tempo parcial
não devem ser tratados em condições menos favoráveis do que os trabalhadores comparáveis a tempo inteiro unicamente pelo fato de trabalharem a tempo
parcial, a menos que, por razões objetivas, a diferença de tratamento se justifique.32
Outro princípio considerado vertebral no texto comunitário é o princípio
da voluntariedade: a conversão de um trabalho a tempo completo em um trabalho a tempo parcial e vice-versa terá sempre caráter voluntário para o trabalhador e não se poderá impor de forma unilateral e o trabalhador não poderá
ser despedido nem sofrer nenhum outro tipo de sanção ou prejuízo apenas por
ele não aceitar a conversão, sem prejuízo da possibilidade de, nos termos da
legislação, das convenções coletivas ou das práticas nacionais, proceder a despedimentos por outras razões, como as que podem resultar de contingências
de funcionamento do estabelecimento em causa.33
31. Conforme a cláusula 3, itens 1 e 2, da Diretiva 97/81/CE do Conselho da União Europeia, de 15.12.1997; No Brasil, a MedProv 2.164 -41/2001 introduziu o art. 58-A
na CLT instituindo o regime de tempo parcial, considerado como aquele cuja duração não exceda a 25 horas semanais, mediante pagamento de salário proporcional a
sua jornada, em relação aos empregados que cumprem, nas mesmas funções, tempo
integral (§ 1.º do art. 58-A da CLT). Esse sistema exige previsão em instrumento
decorrente de negociação coletiva (§ 2.º do art. 58-A da CLT). O empregado sujeito
a tempo parcial não poderá prestar horas extras (art. 59, § 4.º, da CLT), salvo as situações excepcionais previstas no art. 61 da CLT (em face de motivo de força maior,
seja para atender à realização ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja inexecução
possa acarretar prejuízo manifesto). O empregado contratado sob o regime de tempo
parcial terá direito a férias após cada período de 12 meses de vigência do contrato
de trabalho, na proporção prevista no art. 130-A da CLT, conforme a sua duração
de trabalho semanal. Aos empregados sob o regime de tempo parcial não se aplica a
faculdade de converter 1/3 do período de férias a que tiver direito em abono pecuniário, no valor da remuneração que lhe seria devida nos dias correspondentes, em
face de expressa previsão contida no § 3.º do art. 143 da CLT. Esse regime de trabalho
efetivamente não “pegou” no Brasil, mas continua vigente e pode ser utilizado.
32. Conforme a cláusula 4, item 1, da Diretiva 97/81/CE do Conselho da União Europeia,
de 15.12.1997.
33. Conforme a cláusula 5, item 2, da Diretiva 97/81/CE do Conselho da União Europeia,
de 15.12.1997.
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Cabe destacar ainda o princípio da proporcionalidade (princípio pro rata
temporis), segundo o qual os trabalhadores a tempo parcial terão os mesmos
direitos que os trabalhadores a tempo completo, de acordo com o tempo
proporcionalmente trabalhado em comparação com o trabalho a tempo completo.34
As principais críticas formalizadas por Rodríguez35 a diretriz comunitária
(Diretiva 97/81/CE) são: (a) há necessidade de se encontrar novos equilíbrios
entre a lógica econômica e a lógica social e da mesma forma entre flexibilidade
e segurança, sendo que a estratégia europeia para o emprego omitiu-se sobre a
necessidade de se impulsionar reformas em outros âmbitos; (b) os documentos
comunitários iniciadores deste processo além de ter ignorado clamorosamente
toda referência aos direitos sociais fundamentais inerentes ao constitucionalismo social reconhecidos tanto no âmbito comunitário como nas experiências
nacionais, se conformam com efetuar indicações sumamente não concretas,
que oscilam o etéreo princípio ordenador da “flexiseguridad”; (c) o critério de
adequação dos países membros36 abre margem de discricionariedade tanto para
o legislador como para a autonomia coletiva.
Um dos cuidados necessários na implantação interna da flexisegurança e
dos seus instrumentos – como o trabalho a tempo parcial – está no receio de
dumping social. E o caminho apontado para que se evite essa mazela está no
diálogo entre os interlocutores sociais.37
5. A noção de trabalho a tempo parcial no Direito Espanhol.
Análise crítica
O Estatuto de los Trabajadores – Real Decreto Ley 1/1995, prevê no art. 12,
introduzido pelo RDL 15/1998e alterado pelo RDL 3/2012, as principais características do trabalho a tempo parcial no Direito Espanhol: (a) por escrito, necessariamente; (b) prestação de serviços durante um número de horas ao dia, na
semana, ao mês ou ao ano inferior a 77% da jornada a tempo completo;38 (c)
34. Conforme a cláusula 4, item 2, da Diretiva 97/81/CE do Conselho da União Europeia,
de 15.12.1997.
35. RODRÍGUEZ, Jesús Baz. Op. cit., p. 6-7 e 28.
36. Conforme a cláusula 4, item 2, da Diretiva 97/81/CE do Conselho da União Europeia,
de 15.12.1997.
37. RODRÍGUEZ, Jesús Baz. Op. cit., p. 16.
38. A jornada a tempo completo na Espanha é de no máximo 40 horas semanais.
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poderá ser por tempo indefinido ou por duração determinada.39 Se entenderá
celebrado por tempo indefinido quando: (c.1) firmado para realizar trabalhos
fixos e periódicos dentro do volume normal de atividade da empresa; (c.2)
firmado para realizar trabalhos que tenham caráter de fixos-descontínuos e
não se repitam em períodos certos; a jornada diária poderá realizar-se de forma
continuada ou fracionada (caso em que só será possível efetuar uma única interrupção, salvo que se disponha diferentemente mediante convênio coletivo);
(d) os trabalhadores a tempo parcial terão os mesmos direitos que os trabalhadores a tempo completo;40 (e) é permitida a realização de horas extraordinárias
cujo número será o legalmente previsto em proporção a jornada pactuada; (f)
a conversão de um trabalho a tempo completo em um trabalho a tempo parcial
e vice-versa terá sempre caráter voluntário para os trabalhadores, não se poderá impor de forma unilateral e o trabalhador não poderá ser despedido nem
sofrer nenhum outro tipo de sanção ou prejuízo por não aceitar a conversão,
sem prejuízo das medidas que, de conformidade com o disposto nos arts. 51
e 52 do Estatuto de los Trabajadores, possam ser adotadas em face de causas
econômicas, técnicas, organizativas ou de produção.
Acerca da possibilidade de redução das horas de trabalho por razões econômicas, técnicas, organizacionais ou produção, Carmen Ferradans Caramés41
esclarece ser uma das medidas de flexibilidade interna promovidas pelo Real
Decreto Ley 10/2010, de 16 de junho, que alterou o art. 47.2 do Estatuto de los
Trabajadores, objetivando conservar o emprego dos trabalhadores que estão no
mercado de trabalho, mantendo a empresa seu pessoal qualificado.
39. Lembra-se que o período de prova na Espanha (contrato de experiência) não pode
ser superior a 6 meses para os técnicos titulados, a 3 meses para os trabalhadores em
empresas de menos de 25 trabalhadores e a 2 meses para o resto dos trabalhadores,
conforme o disposto no art. 14 do Estatuto de los Trabajadores.
40. Art. 12.4. “d” do ET: “Los trabajadores a tiempo parcial tendrán los mismos derechos
que los trabajadores a tiempo completo. Cuando corresponda en atención a su naturaleza, tales derechos serán reconocidos en las disposiciones legales y reglamentarias
y en los Convenios Colectivos de manera proporcional, en función del tiempo trabajado”; Tejedor sustenta que este dispositivo legal contém clara restrição a autonomia individual da vontade, conforme TEJEDOR, José Antonio Baz. El principio de
igualdad, no discriminación (y proporcionalidad) en el trabajo a tiempo parcial. In:
RODRÍGUEZ, Jesús Baz (org.). Op. cit., p. 80.
41. CARAMÈS, Carmen Ferradans. La reducción de la jornada de trabajo como mecanismo de reestructuración empresarial frente a las crisis de empleo. Rev. Temas Laborales
107/243, 263-264.
Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na
comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
Ressalta a autora,42 que a diferença em relação à regra geral da modalidade
contratual por prazo indeterminado está essencialmente nas bonificações das
cotas empresariais para com a Seguridade Social e no direito à reposição da
prestação por desemprego, impulsionares dessa medida. Conclui que a redução temporária da jornada de trabalho, como medida de ajuste do emprego em
situações de crise, é uma ferramenta positiva, não obstante resta pendente a
maior agilidade de seu procedimento nos casos em que sejam afetados poucos
trabalhadores, pois do contrário será pouco utilizada.
Todo o esforço conciliatório de nada adiantará se empregados e empregadores não cumprirem efetivamente as normas diferenciadas dessa modalidade atípica de contrato de trabalho. Com essa preocupação, Benavente Torres43
reclama que se exija um firme compromisso obrigacional das partes optantes
do trabalho a tempo parcial, a recuperação de equilíbrio contratual (insatisfeito com a mera aplicação do princípio da proporcionalidade) e uma resposta
contundente dos Tribunais aos descumprimentos contratuais da jornada de
trabalho diferenciada nessa modalidade contratual.
Analisando a legislação sobre trabalho a tempo parcial existente na Espanha (art. 12 do ET, acima reproduzido), Rodriguez tece as seguintes críticas:
(a) não lhe parece acertado o legislador espanhol ter assumido literalmente
a definição da norma comunitária, pois dessa forma não se observaram as
peculiaridades espanholas; (b) sustenta que, na aplicação do direito trabalhista espanhol, por vezes há confusão entre várias modalidades contratuais
existentes44 e que isso atrapalha a adequada utilização do trabalho a tempo parcial; (c) destaca a revitalização da atuação jurisdicional protetora ao
apreciar discriminação indireta por razão de sexo das trabalhadoras a tempo parcial; (d) destaca o papel transcendental da negociação coletiva, tanto
no contexto comunitário quanto no espanhol, para a verificação das razões
objetivas que podem autorizar tratamentos diferenciados, não discriminatório do trabalho a tempo parcial, como autêntica peça de ajuste na busca da
“flexiseguridad”;45 (e) esclarece que o legislador espanhol tem buscado de-
42. Idem, p. 243, 263-264.
43. BENAVENTE TORRES, Maria Immaculada. El trabajo a tiempo parcial. Sevilha: Consejo Económico y Social de Andalucía, 2005.
44. Arts. 10 a 13 do Estatuto delos Trabajadores.
45. Morato García adverte que a observação do panorama negocial atual revela, todavia,
que são poucos os convênios coletivos que contemplam a contratação de trabalho
fixo descontínuo de execução incerta ou irregular com o devido esmero e previsão
Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na
comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Estudos Estrangeiros
203
sesperadamente aumentar os índices quantitativos de emprego, recorrendo
a esta modalidade de contratação; (f) defende que a negociação coletiva não
poderá delimitar conceitualmente essa modalidade contratual, restringindo
o âmbito de aplicação da norma; (g) prega a harmonização (afirma que o
método clássico de harmonização das legislações laborais internas está esclerosado), a coordenação (sustenta a substituição das técnicas de hard law por
uma metodologia de coordenação menos vinculante e mais voluntarista –
soft law, amparada por interpretações extensivas dos princípios comunitários
de subsidiariedade e proporcionalidade) e a atuação coletiva em matéria de
trabalho a tempo parcial, por meio dos interlocutores sociais, para efetivação
da “flexiseguridad”.46
Martín Hernández acrescenta que se deve mudar a maneira de pensar a
proteção dos trabalhadores a tempo parcial fixando a atenção não tanto em
suas diferenças técnicas em relação ao trabalho a tempo completo: sugere a
autora que se deixe de considerar o princípio da proporcionalidade como critério absoluto central e essencial do desenho do regime de proteção aplicável
aos trabalhadores a tempo parcial. Essa mudança de ótica implicaria a adoção
de medidas que ultrapassem a mera equiparação formal entre trabalhadores
a tempo completo e que tenderão a igualdade real e efetiva de uns e outros.47
Frise-se o ponto: a igualdade formal não é suficiente.48
6. Considerações finais
O histórico de altos índices de desemprego na Espanha foi acentuado pelos
desdobramentos da crise financeira internacional ocorrida em 2008, marcada pela falência do tradicional banco de investimento estadunidense Lehman
Brothers, no qual, em efeito dominó, outras grandes instituições financeiras
“quebraram”, no processo também conhecido como crise dos subprimes ou
grande recessão. Todavia, os direitos sociais, e mais especificamente os dos trabalhadores, não podem ser reduzidos a uma questão de custo. Essa premissa é
fundamental para que não se caminhe para uma perigosa parente próxima da
flexibilização: a desregulamentação dos direitos trabalhistas.
(MORATO GARCÍA, Rosa Maria. Contratación fija-discontínua de carácter irregular
y la reincorporación al trabajo. In: RODRÍGUEZ, Jesús Baz (org.). Op. cit., p. 149).
46. RODRÍGUEZ, Jesús Baz. Op. cit., p. 23-24, 26, 28 e 33, 29, 30, 34-35, respectivamente.
47. MARTÍN HERNÁNDEZ, María Luisa. Op. cit., p. 184.
48. Idem, p. 181.
Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na
comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
Nesse contexto, a situação econômica e social espanhola é realmente grave
e o trabalho a tempo parcial aparece como um dos instrumentos da “flexiseguridad” e uma das poucas alternativas até então apresentadas para enfrentar
essa imensa problemática. Ocorre que, em face desse contexto atual, o trabalho
a tempo parcial tem sido utilizado na Espanha em forma bastante superior ao
que seria adequado (tanto em quantidade, quanto em finalidades), pois ainda
que seja uma modalidade contratual válida para inserção no mercado de trabalho de jovens, por exemplo, sua utilização predominante está longe de ser
o ideal para todos envolvidos (trabalhadores, empregadores e o próprio país)
e revela a precarização do trabalho,49 pois quanto menor a jornada, menor é o
salário (proporcionalmente ao tempo trabalhado), diminuindo a renda das famílias que possuem trabalhadores nessa modalidade contratual, sem falar nas
modalidades informais de trabalho onde a precarização é ainda maior.50
Uma crise da grandeza da que passa a Espanha, entre outros países da Europa, não se resolve com medidas isoladas, mas necessita um conjunto de medidas e de mudanças efetivas (culturais, inclusive), que não se processam “da
noite para o dia”.
O caminho para essa situação complexa também é complexo e difícil, mas
não é novo: está na harmonização entre o capital e o trabalho (ou entre o social
e o econômico numa roupagem mais abrangente), “segundo a qual a finalidade protetora combina-se com a coordenação dos interesses entre o capital e o
trabalho”.51 Em verdade, essa necessidade recíproca já era salientada em 1891,
49. “A precariedade, embora não seja um atributo da flexibilidade, pode conduzir a precarização” (BARROS JR., Cássio de Mesquita. Flexibilização do direito do trabalho.
Revista LTr. ano 59. n. 8. p. 1035).
50. Essa modalidade de contrato “tenta evitar a elevação das altas taxas de desemprego
no mundo”, conforme ARAÚJO, Gisele Ferreira de. Op. cit., p. 9; Tratando da precarização no Direito Espanhol, Morato García afirma que tem existido um crescente interesse por regulamentar apaixonadamente as peculiaridades da contratação de
trabalho fixo descontínuo de execução incerta ou irregular, fruto das oscilações do
mercado que se repetem em ciclos conjunturais (MORATO GARCÍA, Rosa Maria.
Op. cit., p. 149).
51. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito contemporâneo do trabalho. São Paulo: Ed.
LTr, 2011. p. 37; Adverte Romagnoli que a ameaça mais séria contra a qual o Direito
do Trabalho deverá defender-se “é a desintegração ao contato com um mundo da
produção extremadamente diversificado em uma pluralidade de interesses que se negam a adequar-se a lógica de harmonização” (ROMAGNOLI, Umberto. El derecho del
trabajo: qué futuro? In: BARBAGELATA, Héctor Hugo; ACKERMAN, Mario Eduardo.
Op. cit., p. 437).
Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na
comunidade europeia. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 187-208. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Estudos Estrangeiros
205
pelo Papa Leão XIII, na famosa carta encíclica Rerum Novarum (Coisas Novas):
sobre a condição dos trabalhadores, de que “não pode haver capital sem trabalho, nem trabalho sem capital”.52
Trata-se de umas equações de mais difícil conciliação em face da complexidade de fatores que a envolvem, mas o seu enfrentamento efetivo é de vital
importância não apenas para os países que passam por tais problemas como
o da Espanha, mas por todos os países, em face da globalização. Em situações
graves como essa é comum haver maior cedência de posicionamentos, estando
aí uma ótima oportunidade para que haja efetivamente o necessário diálogo
entre os interlocutores sociais e medidas efetivas e não o contrário como fez
recentemente a Espanha, por meio do Real Decreto-ley 3/2012, ao limitar a
atuação da negociação coletiva.
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52. LEÃO XIII. Carta encíclica Rerum Novarum sobre a condição dos operários. Disponível em: [www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_
enc_15051891_rerum-novarum_po.html]. Acesso em: 22.11.2011: (...) “O erro
capital na questão presente é crer que as duas classes são inimigas natas uma da
outra, como se a natureza tivesse armado os ricos e os pobres para se combaterem
mutuamente num duelo obstinado. Isto é uma aberração tal, que é necessário colocar
a verdade numa doutrina contrariamente oposta, porque, assim como no corpo humano os membros, apesar da sua diversidade, se adaptam maravilhosamente uns aos
outros, de modo que formam um todo exactamente proporcionado e que se poderá
chamar simétrico, assim também, na sociedade, as duas classes estão destinadas pela
natureza a unirem-se harmoniosamente e a conservarem-se mutuamente em perfeito
equilíbrio. Elas têm imperiosa necessidade uma da outra: não pode haver capital sem
trabalho, nem trabalho sem capital (...)”.
Stürmer, Gilberto; Coimbra, Rodrigo. O contrato de trabalho a tempo parcial como instrumento de flexibilização na
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Pesquisas do Editorial
Veja também Doutrina
• Dano existencial por jornada de trabalho excessiva – critérios objetivos (horizontais e verticais) de configuração, de André Araújo Molina – RDT 164/15-43 (DTR\2015\13253);
• Desemprego, flexibilização e o Direito do Trabalho, de Piaza Merigue da Cunha e Roberta
Freitas Guerra – RDT 137/289-308 (DTR\2010\393);
• Flexibilização da jornada de trabalho, de Cássio Ramos Báfero – Crise Econômica e Soluções
Jurídicas 25 (DTR\2015\16347);
• Flexibilização trabalhista e desemprego – a recente polêmica da lei de primeiro emprego
na França, de Lorena Vasconcelos Porto e Márcio Túlio Viana – RDT 126/96-106, Doutrinas
Essenciais de Direito do Trabalho e da Seguridade Social 3/1217 (DTR\2007\286); e
• Programa de proteção ao emprego: solução?, de Georgenor de Sousa Franco Filho – RDT
164/103-112, Crise Econômica e Soluções Jurídicas 15 (DTR\2015\13252).
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O direito laboral à venda – reflexões sobre
o dumping social no capitalismo globalizado
Labour law for sale – Some considerations about social
dumping in globalized capitalism
Alessandra Pearce de Carvalho Monteiro
Mestre e Doutoranda em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra.
[email protected]
Área do Direito: Trabalho
Resumo: Este trabalho busca analisar a juridicidade da flexibilização do direito trabalhista por
motivos de ordem econômica, nomeadamente,
com o objetivo de captação e manutenção de
investimentos no país. Tal estudo se mostra relevante a partir do momento em que se percebe
que há uma progressiva flexibilização do direito
trabalhista em escala global – algo que a doutrina tem chamado de “corrida da desregulamentação” ou “race to the bottom” –, o que fortalece
as acusações de dumping social que algumas
nações desenvolvidas têm feito aos países em
desenvolvimento.
Palavras-chave: Dumping social – Race to the
bottom – Standard laboral mínimo – Desenvolvimento econômico – Instrumentalização do direito do trabalho.
Abstract: This paper seeks to analyze the juridicity of the flexibilization of labour law for economic reasons, namely with the aim of attracting
and retaining investments in the country. This
study proves to be relevant from the moment one
realizes that there is a progressive flexibilization
of labor law on a global scale – something that
the doctrine has called “race for deregulation” or
“race to the bottom” –, which strengthens the
allegations of social dumping that some developed nations have made to developing countries.
Keywords: Social dumping – Race to the bottom
– Minimal labour standard – Economic development – Instrumentalization of labour law.
Sumário: Introdução. 1. O perigo do efeito “race to the bottom”. 2. O mínimo laboral. 3. Sobre
o desenvolvimento de uma nação. 4. A instrumentalização do direito laboral. 5. Considerações finais. 6. Referências.
Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre
o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
Introdução
Em 2011 foi aprovado na Romênia um novo código laboral que flexibilizou
em mais de uma dezena de pontos as garantias trabalhistas presentes no diploma anterior.1 A intenção anunciada pelo governo foi tornar o país mais atrativo
para investimentos estrangeiros, e, assim, conseguir uma maior geração de
empregos e crescimento econômico.
A flexibilização da legislação trabalhista na Romênia com o propósito de
atrair capital estrangeiro é um exemplo ilustrativo do problema que será enfrentado neste trabalho: a possível ocorrência globalizada de um fenômeno
conhecido por dumpingsocial, prática de reduzir ou manter propositalmente
em níveis mínimos as condições de trabalho para baratear os custos dos bens
produzidos e torná-los mais competitivos no mercado internacional.
O dumping social é tema bastante discutido na doutrina, e, apesar do enfoque poder ser bastante diferente de acordo com a área de expertise do autor
(economia; direitos humanos; direito internacional; direito comercial etc.), os
argumentos e posições centrais são geralmente os mesmos.
Primeiro, há a posição dos países desenvolvidos (PD) – especialmente os
Estados Unidos – que denunciam e combatem o dumping social afirmando que
este é responsável pelo desemprego em seus territórios e pelo desmoronamento dos padrões sociolaborais internacionais diante da concorrência desleal e da
deslocalização das empresas que “fogem” para locais com custos trabalhistas
inferiores.
Depois, há a refutação dos países em desenvolvimento (PED) e subdesenvolvidos (PSD), que afirmam que a doutrina do dumping social, com suas preocupações humanitárias e de lealdade na concorrência, é apenas um disfarce para os
verdadeiros interesses protecionistas dos PD. Os PED e os PSD ainda defendem
o próprio “direito ao desenvolvimento a nascer do crescimento econômico assente
nas vantagens concorrenciais nacionais – o baixo custo do trabalho (...) – capaz
1. As mudanças foram tão severas que se chegou a dizer que os romenos estariam
se tornando os escravos do século XXI. Dentre elas, destaco a possibilidade de o
empregador aumentar unilateralmente a jornada de trabalho; a redução da primeira parte das férias de 15 para 10 dias; a desnecessidade de concessão de férias
caso o empregador alegue ser preciso um “treinamento profissional”; e a diminuição do poder de ação dos sindicatos, vistos como “blockers of effective legislation”. BUNESCU, Luisa Maria. The allegation of social dumping. A case study
on Romania. p. 76. Disponível em: [www.ieei.eu/bibliotheque/memoires2011/
LBunescu.pdf].
Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre
o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Estudos Estrangeiros
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de ensejar um reequilíbrio nas distâncias entre os povos”.2 Como coloca Rodrigo
Gava, parece que estão “todos a sustentar argumentos altruístas com doses de
protecionismo ou argumentos comerciais com doses de barbárie”.3
O fato é que não dá para negar que diante da globalização e da progressiva
abertura nas trocas comerciais entre nações, a grande discrepância mundial em
relação aos níveis de proteção e custos sociolaborais4 tem provocado a fuga de
empresas de países com níveis altos de proteção ao trabalhador (normalmente
os países desenvolvidos) para aqueles com níveis mínimos desta tutela. Assim,
os PD alegam que só lhes restariam duas opções: (1) retroceder (flexibilizar)
nos seus níveis de proteção laboral para reequilibrar a competição no mercado
internacional, o que significaria a confirmação das funestas previsões de que o
dumping social pode provocar um efeito race to the bottom; (2) agregar esforços
para induzir a elevação das condições sociolaborais nos PED e PSD, inclusive
através de medidas sancionatórias aos países acusados da prática – nomeadamente a adoção de cláusulas sociais.
Esta é a visão geral da problemática do dumping social. Porém, para efeitos
deste trabalho, irei abordar o tema sob uma ótica levemente diferenciada: primeiro, atentai que não busco aqui destrinchar os conceitos de dumping econômico e, em um esforço técnico-jurídico, tentar encaixar neste a questão laboral,
pois já adoto desde o princípio um conceito de dumping social proveniente
mais do direito do trabalho do que do direito concorrencial,5 o que me permite
2. GAVA, Rodrigo. Ricos e mendazes. O dilema das cláusulas sociais nas relações multilaterais de comércio internacional. Coimbra: Almedina, 2008. p. 35.
3. Idem, p. 35.
4. Mesmo dentro da União Europeia, a diferença entre os mínimos salariais impressiona. Em 2011, o salário mínimo mais baixo era encontrado na Bulgária, €121,77, e o
mais alto estava previsto em Luxemburgo, €1757,56. Ver: BUNESCU, Luisa Maria.
Op. cit., p. 18.
5. Para a doutrina laboral, o fenômeno do dumping social já resta caracterizado quando
há uma grande disparidade entre o lucro e o custo porque o último foi minimizado
por meio de violações a direitos laborais mínimos. Porém, para o direito concorrencial o dumping só ocorreria quando se verificasse condições bem específicas, dentre
elas, quando o produto fosse comercializado no mercado externo a preço inferior
àquele normalmente praticado no mercado interno. Não utilizo este segundo conceito – que se baseia principalmente no conceito de “valor normal” e na diferença
entre os valores praticados em mercados – porque o considero demasiado tecnicista
e desvirtuado do problema que é posto. Para compreender melhor a diferença entre
as duas abordagens, ver: FERNANDEZ, Leandro. Dumping social. São Paulo: Saraiva,
2014. p. 85-86.
Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre
o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
212
Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
“pular” todo o problema clássico da não configuração dos quatro requisitos do
dumping que é sempre apontado por juristas-economistas.6
Ao contrário, parto já do pressuposto de que, sim, existe um retrocesso (ou
um não avanço proposital) em matéria laboral por todo o globo,7 causado ao
menos em parte pelo fato de que é mais fácil para um PED ou para um PSD
atrair investidores estrangeiros utilizando justamente “o que tem de sobra”: a
mão de obra barata e abundante. Diante deste pressuposto, surge o questionamento central deste trabalho: mas este retrocesso ou não avanço proposital8 é, em
si, algo reprovável perante o direito? De outra forma, seria esta uma prática antijurídica, que merece ser combatida inclusive por medidas sancionatórias agressivas?
A proposta é, então, falar sobre a juridicidade de uma prática, e não sobre a estrita legalidade ou constitucionalidade da mesma – até porque leis e constituições
6. Para muitos juristas que aderem a uma visão mais econômica do problema, o termo
“dumping social” é utilizado de forma apressada ou equivocada. Argumentam que o
Acordo sobre a Implementação do art. VI do GATT-1994 estabelece quatro elementos
substantivos caracterizadores de dumping – preço normal, comparação justa, margem
e dano com nexo causal –, mas que as práticas que normalmente recebem o rótulo de
“dumping social” não possuem a configuração destes quatros elementos. Assim, seria
falha a caracterização do ato de rebaixar as condições sociolaborais de um país para
diminuir os custos de um produto como dumping social. Ver: FERNANDEZ, Leandro.
Op. cit., p. 80-81; GAVA, Rodrigo. Op. cit., p. 140-141.
7. Para Leal Amado, “nos nossos dias, a flexibilidade do mercado de trabalho constitui
um objetivo omnipresente e incontornável, assumindo-se aquela, nas certeiras palavras de Riccardo del Punta, como um valor “sociologicamente pós-industrial e culturalmente pós-moderno”. Ver: AMADO, João Leal. Flexigurança: “free to hire, free
to fire?” (Nótula em torno da reforma da nossa legislação laboral). In: ANDRADE,
Manuel da Costa et al. Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge Figueiredo Dias.
Coimbra: Coimbra Ed., 2009. p. 24.
8. A doutrina frequentemente verifica duas hipóteses de dumpingsocial: ou o retrocesso
intencional dos padrões trabalhistas, ou que estes se mantenham desnecessariamente
em níveis débeis em comparação com outros países. Benarciak explica que para efeitos de caracterização de dumping social, “the decline can take the form of erosion of
the existing levels of social protection or the so-called arrested development of social
regulation, which refers to situations where social standards do not advance at a pace
proportional to economic growth as a result of external competitive pressures”. Contudo, sugere que a noção do que seja um “arrested development of social policies”
pode se tornar problemática diante da dificuldade de se determinar exatamente em
que nível de desenvolvimento social o país estaria se não fosse a alegada prática de
dumping social. Ver: BENARCIAK, Magdalena. Social dumping and the EU integration
process. Brussels: ETUI, 2014. p. 8.
Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre
o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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mudam, e o caso é justamente sobre a mudança “para pior” de uma legislação.
Uma vez que a base da juridicidade não é um código ou uma constituição, mas
o próprio direito em si, é necessário explicar desde já que assumo aquele sentido
de direito ocidental de base cristão-romana e com pretensão de universalidade de
que nos fala Castanheira Neves ao longo de várias obras e textos: aquele sentido
que se baseia no reconhecimento das criaturas humanas como pessoas detentoras
de direitos e obrigações, e assim com valor e fim em si próprias – dignas –, não
apenas objetos disponíveis para serem utilizadas e mercantilizadas por outrem.9
Sempre com base neste sentido de direito irei analisar os argumentos que se
relacionam com o problema da juridicidade daflexibilização dos direitos trabalhistas para a atração de investimentos estrangeiros, que são, em última análise, uma
releitura de algumas das principais questões sobre dumping social. Especificamente, considerarei o perigo do efeito race to the bottom: (i) a caracterização do
“mínimo laboral”; (ii) o problema do necessário desenvolvimento econômico
dos PED e PSD; (iii) e as consequências advindas da instrumentalização econômica do direito laboral; (iv) não abordarei o problema da possível concorrência
desleal em comércio internacional, porque penso que especialmente neste caso
os argumentos humanitários são mais relevantes que os econômicos.
Por fim, em sede de conclusão, refletirei sobre que medidas se revelariam
mais adequadas para combater o dumping social ou, de outra forma, para impedir a “flexibilização infinita” dos direitos trabalhistas,10 garantindo a proteção
da dignidade dos trabalhadores – que são, antes de tudo, pessoas, e não mercadorias para serem vendidas.
1.O perigo do efeito “race to the bottom”
A expressão “race to the bottom” foi bem traduzida para o português como
“corrida ladeira abaixo”,11 e descreve a situação em que os baixos padrões so-
9. NEVES, Castanheira. Direito hoje e com que sentido? O problema actual da actual da
autonomia do direito. In: ______. Digesta III. Coimbra: Coimbra Ed., 2010.
10. Leal Amado questiona acerca das reformas legislativas em Portugal, “até onde irá, e
até quando perdurará, esta vertigem flexibilizadora? Talvez até reformular o art. 53
da Constituição da República? Talvez até se consagrar, com ou sem ambiguidades, o
princípio do despedimento livre, ad nutum? “Free to hire, free to fire”, permitindo-se
que o empregador despeça o trabalhador por qualquer razão, ou mesmo sem razão?
Ver: AMADO, João Leal. Flexigurança... cit., p. 30-31.
11. DI SENA JR., Roberto. Comércio internacional & globalização: a cláusula social na
OMC. Curitiba: Juruá, 2003. p. 117.
Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre
o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho.
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ciolaborais dos PED e dos PSD tenderiam a provocar um retrocesso nas garantias sociais já conquistadas nos países desenvolvidos, uma que vez estes
últimos seriam pressionados a reduzi-las para que seus produtos – naturalmente mais caros porque embutem o preço dos direitos sociais e trabalhistas –
pudessem competir em igualdade no mercado contra os produtos mais baratos
fabricados em países que não têm as mesmas garantias.
No plano da explicação teórica, é bastante fácil compreender como se chegaria à situação de retrocesso generalizado: no mercado internacional, as empresas buscam se tornar sempre mais competitivas. Dentre vários quesitos que
influenciam a competitividade – como a qualidade, a estética, a inovação tecnológica do produto – destaca-se a importância do “preço”, que por sua vez
tem os “custos laborais” como um dos seus principais fatores de conformação.
Portanto, especialmente as grandes companhias e indústrias, com o intuito de
aumentar a própria competitividade, se deslocam para países com menores
custos sociolaborais, de forma a diminuir as suas despesas de produção e aumentarem suas vendas e lucros. Exemplo paradigmático é o do setor têxtil nos
EUA: desde a década de 70, as indústrias de vestuário americanas têm “fugido”
para locais com mão de obra mais barata – especialmente China e Bangladesh
–, o que resultou na impressionante estatística de que atualmente apenas 2%
das roupas vendidas nos Estados Unidos são produzidas no país.12
As empresas buscam, assim, no mercado globalizado, o local que lhes garanta a maior rentabilidade possível,13 o que poderia fazer com que os PD se
sentissem pressionados a reduzir os próprios níveis de proteção trabalhista
para manterem (ou recapturarem) suas companhias. Como coloca Marco Viana, uma estratégia muito usada pelas empresas para conseguirem diminuir
suas despesas através da redução legislativa de encargos laborais é a ameaça de
deslocalização. Em geral, “as empresas canadenses falam em ir para os EUA, a
dos EUA para o México e as mexicanas para a China”.14
12. MENDES, Lucas. Roupas e operários descartáveis. BBC Brasil. 09.05.2013. Disponível em: [www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/05/130509_lucasmendes_tp].
13. Rodrigo Gava explica que uma das consequências desta lógica é “a fragmentação das
atividades produtivas nos diferentes territórios e continentes, o que permite aos conglomerados transnacionais praticar o comércio interempresas, acatando seletivamente as distintas legislações nacionais e concentrando seus investimentos nos países
onde elas são-lhes mais favoráveis”. Ver: GAVA, Rodrigo. Op. cit., p. 154.
14. VIANA, Marco Túlio. A flexibilização pelo mundo: breves notas do XVIII Congresso
Mundial de direito do trabalho e seguridade socia. Revista do Tribunal Regional do
Trabalho da 3.ª Região. vol. 43. n. 73. p. 30. Importante destacar que nem todos os
Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre
o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho.
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Contudo, diversos pesquisadores argumentam que, na prática, esta “corrida
ladeira abaixo” não está acontecendo. As empresas podem até estar “fugindo”
para outros países, mas isto não significa necessariamente que o produto irá ser
mais competitivo no mercado,15 nem que a prática de deslocalização irá levar
outros países a rebaixarem seus níveis de proteção sociolaborais.
Na medida em que “diversas outras variáveis são requeridas pelo mercado
(importadores) ou exigidas pelos investidores (‘indústrias estrangeiras’)” – em
especial, a estabilidade social e política do país –, a vantagem do baixo custo
laboral seria compensada/equilibrada pela tecnologia e a alta produtividade
típica dos países desenvolvidos. Inclusive, estes dois últimos fatores são van-
pensadores do direito consideram que a deslocalização é, em si, uma prática perniciosa – seja esta na forma de transferência completa das unidades fabris ou na forma de
subcontratação. Na visão de Rodrigo Gava, a subcontratação industrial é um “eficiente mecanismo de organização da produção industrial à medida que acarreta diversas
vantagens para os contratantes – já além da bastante salientada redução de custos,
como o fato de possibilitar o acesso a regiões com perspectivas de crescimento potencial e responder de forma eficaz às flutuações da demanda – e para os contratados,
em especial quando se trata de algum PED – maiormente por trazer uma maior produtividade e eficiência, seja pela utilização da capacidade excedente, pelas economias
de escala ou pela transferência de tecnologia”. Diz ainda que em regra é descabido o
argumento de abuso concorrencial para se opor ao fenômeno de deslocalização, visto
que se trata apenas da “mais plena concretização das liberdades econômica e organizacional (...) seja por parte das contratantes, mediante a minimização dos custos, seja
por parte das subcontratadas, mediante a atração de empresas pelos custos sociolaborais menos onerosos”. Ver: GAVA, Rodrigo. Op. cit., p. 157.
15. Will Martin e Keith Maskus mostram que a discriminação no ambiente de trabalho
e outras práticas que caracterizam baixos padrões laborais tendem, na verdade, a reduzir a competitividade de um produto. Isto porque a competitividade só aumenta
a médio e longo prazo através de melhorias no processo de produção, como incremento de tecnologias e qualificação de profissionais. Ver: MARTIN, Will; MASKUS,
Keith. Core labour standards and competitiveness: implications for global trade
policy. Review of International Economics. vol. 9. n. 2. p. 317-328. Drusilla Brown et
al. demonstra que bens produzidos por trabalho infantil não gozam de maior competitividade no mercado internacional. VER: BROWN, Drusilla K. et al. “Child labor: theory, evidence and policy. International Labour Standards, por Kaushik Basu;
Henrik Horn; Lisa Román; Judith Shapiro. Oxford: Blackwell, 2003. Conclusão
semelhante é feita por Panagariya, quando diz que a porcentagem de crianças que
trabalham em empresas exportadoras é pequena demais para gerar um grande desequilíbrio na competição internacional. Ver: PANAGARIYA, Arvind. Labor standards
and trade sanctions. Disponível em: [www.columbia.edu/~ap2231/Policy%20Papers/
Hawaii3-AP.pdf].
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o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho.
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tagens mais consistentes e sustentáveis, o que colocaria os PD em uma posição
favorecida de desempenho concorrencial.
Além disso, diversos estudos de economia já concluíram que a diminuição
dos padrões sociolaborais (principalmente o salário) em países desenvolvidos
não se deve à transação comercial com os PED e os PSD, mas sim às inovações tecnológicas que requerem cada vez menos mão de obra não qualificada.16 Diante destes dados e argumentos, a OMC diz que há mais motivos para
acreditar que esteja ocorrendo um race to the top, na medida em que “these
take the form of political demands from the rich countries that poor nations
upgrade their standards and raise their productions costs as the price for trade
advantage”.17 É realmente incontestável a afirmação de que nos últimos 30
anos houve uma tendência de flexibilização do direito trabalhista no ocidente. O que não é assim tão fácil de provar é a ligação entre esta flexibilização e
a ocorrência de dumping social. Como revelado pelos estudos mencionados,
alguns indícios apontam que os baixos padrões sociolaborais nos países de
terceiro mundo não são a causa do retrocesso havido nos de primeiro.
Ainda assim, esta “nuvem de dúvida” não esgota o tema estudado, pois
mesmo que o efeito race to the bottom não exista – no sentido de não se poder
atribuir a “culpa” da flexibilização laboral nos países desenvolvidos à discrepância entre os níveis de proteção trabalhista –, há muitos outros problemas
ocorrendo: trabalho forçado, trabalho infantil, discriminação, mortes e acidentes que poderiam ser facilmente evitados, exploração enfim, toda uma gama de
desrespeitos à dignidade do trabalhador praticados pelas empresas – e muitas
vezes sob uma cegueira proposital do poder público – com a intenção de reduzir os custos da mão de obra.18
Percebo que estas violações escancaradas aos direitos humanos do trabalhador não constituem diretamente o tema deste trabalho, pois ninguém duvida
16. Para Bhagwati, “most trade economists have now conclude that trade with poor
countries is not the main driver of the pressure on rich country wages; in fact, it may
well have moderated fall that would ensue from technical change that continually
reduces the need for unskilled workers”. Ver: BHAGWATI, Jagdish. Free trade and
labour, p. 3. Disponível em: [www.columbia.edu/~jb38/papers/pdf/ft_lab.pdf].
17. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC). The future of WTO. Geneva:
WTO, 2014. p. 13.
18. Para exemplos, Ver: BARROS, Anne Caroline Rodrigues. Dumping social e suas inter-relações com o meio ambiente do trabalho. Revista da ESMAT. vol.13. ano V. n. 5. p.
24-32; ROSAS, María Cristina. El comercio internacional, la responsabilidad corporativa y los derechos humanos. Comercio Exterior. vol. 53. n. 9.
Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre
o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho.
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que estas práticas são reprováveis pelo direito19 e, portanto, não há muito o
que se indagar sobre a suas juridicidades. É consensual a ideia de que nenhum
Estado poderá flexibilizar suas garantias laborais a ponto de legalizar práticas
desumanas. O problema aparece, contudo, no momento de estabelecer a linha
limítrofe entre um retrocesso que até pode ser considerado “jurídico”, e aquele
que não pode ser aceito pelo direito em qualquer hipótese. É o que tentarei
fazer no tópico a seguir.
2.O mínimo laboral
Em um artigo publicado anteriormente sobre o retrocesso em matéria de
direitos sociais, concluí que os princípios da alternância democrática e da revisibilidade das opções político-legislativas permitem uma ampla margem de
conformação do legislador para modificar o grau de concretização dos direitos
sociais, principalmente em um contexto de crise econômica. Contudo, o princípio da proibição do retrocesso social ainda pode ser arguido em casos-limite,
quando se tratar de garantir um conteúdo mínimo essencial para a dignidade humana.20 Ou seja, defendi, naquele momento, a juridicidade de opções
político-legislativas que significassem um retrocesso, desde que o núcleo mínimo
do direito permanecesse intocado. Assim também é, pelo menos a priori, meu
entendimento sobre a possibilidade de flexibilização dos direitos trabalhistas.
Ressalto que é “pelo menos a priori” porque a presente problemática envolve
também outras questões que precisam ser enfrentadas antes de uma posição
definitiva, como a necessidade de um desenvolvimento sustentável (tópico 3) e
os problemas de uma instrumentalização do direito (tópico 4).
O estabelecimento de um padrão mínimo laboral internacional não é tarefa
fácil, diante da variação no grau de desenvolvimento entre os países do globo.21
19. Com uma nota: ninguém duvida que sejam práticas que deveriam ser tendencialmente abolidas, mas há alguns autores que percebem “justificativas” para a existências
destas. Sobre o trabalho infantil, por exemplo, não é raro encontrar quem argumente
que esta modalidade de trabalho é importante para a renda familiar em alguns países,
e que se fosse proibida “do dia pra noite” iria trazer mais prejuízos para a criança e
sua família.
20. MONTEIRO, Alessandra Pearce de C. O princípio da proibição do retrocesso social.
Diálogo Jurídico. ano XIII. n. 14. p. 50.
21. Para Leandro Fernandez, as “eventuais assimetrias no custo da mão de obra existentes entre diferentes regiões de um país ou entre países distintos são configuram dumping social. Tais distinções são decorrência, em geral, do nível de desenvolvimento
Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre
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Além disso, a realidade cultural de cada nação é diferente das demais, o que faz
com que um direito que seja facilmente cumprido em um local (e aceito pela
população), possa não sê-lo em outro. Conforme coloca Mina Kaway et al, a
estipulação de uma idade mínima para o trabalho é um exemplo de questão
muito variável, haja vista o fato de que em países agrícolas os jovens normalmente começam a trabalhar mais cedo do que em países mais urbanizados.22
Contudo, em que pese a dificuldade da elaboração de um standard trabalhista mínimo, a OIT não se esquivou da tarefa e determinou ser de cumprimento obrigatório as suas oito Convenções Fundamentais,23 que tratam dos
seguintes temas: (i) liberdade sindical e de negociação coletiva; (ii) combate à
discriminação no emprego; (iii) proibição do trabalho infantil; e (iv) proibição
do trabalho escravo. Estes quatro pontos se tornam, assim, direitos trabalhistas
fundamentais, que se revestem do caráter jus cogens e são irredutíveis.24 Repare
que não existe qualquer valor estipulado como “mínimo obrigatório” salarial,
justamente porque esta determinação seria ou impossível, ou injusta – impossivelmente justa.25
Na verdade, um defensor ferrenho dos direitos trabalhistas pode até achar
que a lista dos fundamentais é escassa e não abrange algumas garantias extremamente importantes, como o direito à saúde e à segurança no trabalho
e o próprio direito a um salário mínimo, seja qual valor for. Porém, como
coloca Claire La Hovary, “les droits fondamentaux au travail identifiés dans la
socioeconômico de determinado local, bem como da qualificação profissional de seus
trabalhadores”. Ver: FERNANDEZ, Leandro. Op. cit., p. 92.
22. KAWAY, Mina et al. Dumping social: as normas trabalhistas e sua relação com o comércio internacional. In: BARRAL, Welber Oliveira et al (org.). Direito, desenvolvimento e sistema multilateral de comércio. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008. p.
168.
23. São elas: Convenção 29/1930 sobre Trabalho Forçado; Convenção 87/1948 sobre Liberdade Sindical e Proteção do Direito de Sindicalização; Convenção 98/1949 sobre
Direito de Sindicalização e Negociação Coletiva; Convenção 100/1951 sobre Igualdade de Remuneração; Convenção 105/1957 sobre Abolição do Trabalho Forçado; Convenção 111/1958 sobre Discriminação (emprego e ocupação); Convenção 138/1973
sobre Idade Mínima; Convenção 182/1999 sobre Piores Formas de Trabalho Infantil.
24. Neste sentido, Ver: ARAÚJO, Henrique Paiva. O dumping social e a aplicabilidade de
medidas repressivas. Revista de Direito e Jurisprudência (TJDFT) 106/70.
25. Não é possível a determinação de um quantum salarial mínimo em contexto internacional. Dentro dos contextos nacionais, contudo, há diversas sugestões doutrinais
sobre como se avaliar qual seria o mínimo para uma existência digna. Sobre isto, ver:
MONTEIRO, Alessandra Pearce de C. Op. cit., p. 48.
Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre
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Déclaration de 1998 sont d’um caractère primordial, touchant directment la
sauvegarde de la dignité humaine”.26 Além disso, pode-se argumentar que vale
mais buscar a concretização efetiva de um núcleo duro – ainda que restrito –
em âmbito internacional, do que estancar em um debate interminável sobre
aspectos trabalhistas menos consensuais entre os governantes e legisladores de
todo o globo.27
Portanto, a conclusão parcial a que chego é que o primeiro requisito para
aferir a juridicidade de uma flexibilização dos direitos trabalhistas de um país
seria a adequação da nova lei aos mínimos estabelecidos pela OIT. Mas isto,
só, não é suficiente. Como os retrocessos em matéria laboral são frequentemente referidos para a promoção do crescimento econômico e a criação de
empregos – muitas das vezes através de captação de investimentos estrangeiros
–, cumpre analisar agora se a perspectiva do desenvolvimento da economia
realmente justifica a desproteção dos trabalhadores, o que remete ao problema
das diferentes noções acerca do que é desenvolvimento, e principalmente aos
conceitos de desenvolvimento como liberdade e desenvolvimento sustentável.
3.Sobre o desenvolvimento de uma nação
Um dos principais argumentos de quem defende a imposição de sanções às
práticas de dumping social é de origem ética: não se pode coisificar o trabalho
humano na construção das relações econômicas, ou seja, estas não podem ser
realizadas sob um “terreno social débil e lúgubre”,28 onde não sejam garantidos
direitos humanos básicos e universais aos trabalhadores. Contudo, esta ideia
ético-humanitária é refutada pela noção de que os padrões sociolaborais são
“development-dependent”,29 o que significa que a melhoria das condições de
dignidade dos trabalhadores de um país não se realizaria nem pela imposição
de regras legislativas rígidas, nem pela harmonização internacional dos direi-
26. LA HOVARY, Claire. Les droits fondamentaux au travail. [s.l]: Presses Universitaires de
France, 2009. p. 1.
27. Claire de La Hovary ainda explica que a concretização inicial de um núcleo duro iria
elevar o grau de respeito aos demais direitos trabalhistas: “L’un des arguments de
l’OIT est en effet que le respect des droits fondamentaux devrait servir de tremplin
au respecit des autres normes du travail: leur mise em œuvre procurera la base sur
laquelle tous les autres droits es travailleurs pourront être à leur tour mis en œuvre”.
Ver: LA HOVARY, Claire. Op. cit., p. 50.
28. GAVA, Rodrigo. Op. cit., p. 33.
29. Idem, p. 34.
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tos laborais fundamentais, mas sim através do crescimento econômico que se
conseguiria justamente pelo uso da vantagem comparativa dos PED e PSD: a
mão de obra farta e barata.30
A teoria das vantagens comparativas é conteúdo básico no direito comercial
internacional. Por ela, “cada nação deveria se especializar naquilo que pode
produzir competitivamente”,31 concentrando-se em explorar o que tem de melhor, ou – no que considero uma visão deturpada da ideia – o que tem de sobra,
seja suas pessoas, seus recursos naturais e minerais, ou sua biodiversidade.32
Guillermo de la Dehesa explica que os salários dos trabalhadores nos PED
são baixos em razão da baixa produtividade daqueles, ocasionada principalmente pela falta de qualificação profissional. Esta “desvantagem de produtividade”,
contudo, não atinge todos os setores, visto que alguns dependem mais de uma
mão de obra intensiva do que de uma mão de obra qualificada. Assim, os PED
tenderiam a se especializar “in goods that are intensive in their use of low-skilled
labour, cheap land, or abundant natural and energy resources.”33 Já os altos salários pagos aos trabalhadores nos PD se justificam (ou são compensados) pela
alta produtividade e qualificação daqueles, principalmente nos setores de tecnologia e inovação, o que “inverte o lado da moeda” e faz com que nestes setores os
PD tenham uma larga vantagem na competição contra os PED.34 Assim, para o
economista, “both nations gain from focusing on what they do best and trading
30. Na maioria dos PED, os setores que dependem da mão de obra como principal insumo produtivo são os mais representativos, o que leva Rodrigo Gava a concluir que a
força de trabalho é uma das principais vantagens comparativas dos PED em relação
aos PD. Ver: GAVA, Rodrigo. Op. cit., p. 146.
31. DEHESA, Guillermo de la. Are developing countries engaging in ‘social dumping’?
Vox – CEPR’s Policy Portal. 24.05.2007. Disponível em: [www.voxeu.org/article/social-dumping-misconceptions].
32. Cabe fazer a diferenciação entre “vantagens comparativas” e “vantagens competitivas”: as primeiras não são suficientes para solidificar o desenvolvimento dos Estados.
Devem ser dispostas em estratégias de longo prazo para se tornarem vantagens competitivas, mais amplas e com mais consistência.
33. DEHESA, Guillermo de la. Op. cit.
34. A teoria das vantagens comparativas é, assim, muito utilizada para “enterrar” o argumento da concorrência desleal invocada por aqueles que bradam contra o dumping
social. Se, “os salários extremamente baixos refletem o menor desenvolvimento econômico e tecnológico dos países que os praticam, haveria aqui uma compensação, no
âmbito da concorrência internacional, do menor desenvolvimento tecnológico com a
prática de desrespeitos laborais, motivo pelo qual não se poderia falar em concorrência desleal”. Ver: ARAÚJO, Henrique Paiva. Op. cit., p. 71.
Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre
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for the rest – a proposition that holds true regardless of the source of the comparative advantages”.35 Inclusive, há quem perceba que as vantagens comparativas
são a “primeira estrela-guia para o desenvolvimento de qualquer país”.36
De acordo com esta visão, obstar a livre exploração de uma das principais
vantagens comparativas dos PED não apenas seria ineficaz37 para melhorar as
suas condições sociolaborais, como também seria contraprodutivo,38 piorando
a situação social de várias famílias que teriam sua renda reduzida por conta do
desemprego acarretado pela “fuga” das empresas ou por cortes na folha salarial39 e ainda, por exemplo, por conta da perda da renda extra auferida pelas
crianças-trabalhadoras.40 Afinal, como diz a máxima em inglês, a low paid job
is better than no job at all.
35.Idem. Esta conclusão se coaduna com a ideia comumente difundida de que “nenhuma nação pode ser competitiva em (e ser exportadora líquida de) tudo”. Ver: PORTER, Michael E. A vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro: Elsevier-Campus,
1998. p. 7 citado em GAVA, Rodrigo. Op. cit., p. 145.
36. GAVA, Rodrigo. Op. cit., p. 146.
37. “Poor country workers do not benefit from the imposition of higher labour standards
but rather from internal economic and social development. There are better ways to
try to improve worker rights and labour standards in poor countries than to impose
them (...)”. Ver: DEHESA, Guillermo de la. Op. cit.
38. Bunescu utiliza o exemplo da Alemanha oriental no processo de reunificação para
dizer que a harmonização artificial dos padrões laborais entre países, ou seja, através
da legislação e não através da “mão invisível do mercado”, prejudicaria muito a economia do país em desenvolvimento. VER: BUNESCU, Luisa Maria. Op. cit., p. 46.
39. Guillermo de la Dehesa mostra que a mera imposição legislativa de padrões laborais
mais altos em países subdesenvolvidos piora as condições dos trabalhadores na prática.
Isto porque os trabalhadores tendem a ser demitidos quando os custos para mantê-los
são superiores ao valor de sua produtividade. Ver: DEHESA, Guillermo de la. Op. cit.
40. Principalmente os juristas com visões econômicas do direito costumam argumentar
que a proibição radical do trabalho infantil com a imposição de medidas sancionatórias a países que o permitem (como o estabelecimento de barreiras comerciais) faria
mais mal do que bem para estas crianças. O problema de simplesmente suprimir esta
forma de trabalho seria a perda do incremento de renda de famílias pobres, o que
agravaria “ainda mais o estado do próprio menor, pois, se não à miséria e à fome, essa
criança será levada a caminhos ainda piores (o trabalho clandestino, o narcotráfico e a
prostituição)”. Ver: GAVA, Rodrigo. Op. cit., p. 183. Desta forma, a proibição do labor
infantil apenas teria efeitos positivos se conjugado com três outras práticas: “one, if
the reduction in the supply of working children would imply a similar increase in the
demand for adult workers (which are natural substitutes); two, if this larger demand
of adult workers would increase their wage levels compensating totally the loss of
children wages, and three, if adult workers, now employed, would use their higher
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o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho.
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Há ainda, além disso, a relação demonstrada tanto na teoria41 quanto empiricamente42 entre um comércio internacional livre e o desenvolvimento econômico de uma nação, razão pela qual a imposição, pela comunidade internacional, de sanções comerciais aos PED em razão dos seus baixos níveis de
proteção laboral comprometeria os próprios objetivos desejados, quais sejam,
a melhoria dos padrões sociais e trabalhistas.43 O crescimento econômico gerado pelo comércio internacional seria, assim, o golden path para a resolução dos
problemas sociolaborais – o caminho a ser perseguido sem obstáculos.
Contudo, todos estes argumentos relacionados de uma forma ou de outra à
“defesa” dos países que retrocedem ou mantêm propositalmente seus padrões
laborais em níveis baixos são refutáveis.44
Para começar, chamar a exploração da mão de obra de “vantagem comparativa”
revela uma falta de comprometimento com o preceito que permite que uma ordem
social possa ser chamada de “ordem de direito”: o compromisso com a dignidade
da pessoa humana. Por mais que seja economicamente vantajoso utilizar a própria
população como isca para a captação de empresas, não é jurídico relegar pessoas a
wages to send their children to school.” Ver: DEHESA, Guillermo de la. Op. cit. Porém, como coloca Ricardo Antunes, “afirmar que as crianças estão melhor a trabalhar
do que a viver na miséria ou na prostituição é uma conclusão demasiado redutora,
que não tem em consideração o facto de, em certos casos, as crianças serem utilizadas
em detrimento dos pais (desempregados), em virtude de se tratar de mão-de-obra
mais barata e mais facilmente manipulável, sendo que uma legislação que proibisse
sua contratação abriria o mercado de trabalho aos pais e permitiria, consequentemente, sua escolarização”. Ver: ANTUNES, Ricardo Alexandre Pereira. Os direitos
fundamentais dos trabalhadores entre a OIT e a OMC. Working Papers do Boletim de
Ciências Económicas. Série BCE 1. Coimbra : Instituto Jurídico, 2014.
41. Rodrigo Gava traz, na citação n. 415, um esquema que demonstra como o comércio
internacional livre favoreceria um círculo virtuoso de desenvolvimento. Ver: GAVA,
Rodrigo. Op. cit., p. 183.
42. Guillermo de la Dehesa menciona evidências empíricas de uma “relação positive entre mais
comércio internacional e menos trabalho infantil”. Ver: DEHESA, Guiller de la. Op. cit.
43. A concessão de subsídios e a promoção de políticas sociais que incluam as crianças
na escola requer um Estado com condições financeiras de propiciar isto, “razão pela
qual se entende a maior necessidade de um comércio internacional pleno e livre (para
todos), capaz de propiciar receitas e ingresso de capitais a estes países até então apartados do comércio mundial – ou seja, promover o desenvolvimento econômico”. Ver:
GAVA, Rodrigo. Op. cit., p. 447.
44. Com a possível exceção daqueles que falam da contraprodutividade de sanções comerciais aos PED, porque, neste caso, realmente existem medidas alternativas com
“efeitos colaterais” menos gravosos, como, por exemplo, a “premiação” dos países
que cumprissem determinadas exigências trabalhistas.
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condições indignas de trabalho – condições em que seus direitos laborais mínimos
não sejam respeitados. É precisamente por isso que a escravidão não é aceita no paradigma atual de Estado de Direito; por mais, por exemplo, que as fazendas de café
no sudeste brasileiro pudessem aumentar as suas vendas e lucros em cifras numéricas incalculáveis se voltassem a utilizar mão de obra escrava, já está impregnado
na consciência coletiva que o dinheiro não pode comprar a liberdade das pessoas.
Obviamente, percebo que há uma distância considerável entre o ato de “diminuir o tempo de férias de 15 para 10 dias” e o “retorno da escravidão”. Porém,
a lógica de sobreposição de critérios econômicos a critérios jurídicos é a mesma nos
dois casos, o que faz com que pequenas flexibilizações iniciais possam se tornar
uma chave para a abertura da “caixa de pandora”. Por isso reforço novamente a
necessidade imperiosa do estabelecimento (e adesão) internacional de um limite
para o retrocesso laboral. Ao se garantir pelo menos o respeito àqueles quatro
direitos fundamentais do trabalhador (liberdade sindical; proibição do trabalho
forçado; proibição do trabalho infantil; proibição da discriminação), evita-se que
na “corrida ladeira abaixo” chegue-se realmente no “fundo do poço”.
Depois, defender que cada país deve se focar “on what they do best” – considerando aí que “o melhor” dos PED é sua mão de obra barata e desqualificada – é
aceitar a perpetuação da discrepância nos padrões de desenvolvimento entre os
países do norte e do sul. É condenar eternamente os últimos à situação de atraso
tecnológico em que já se encontram. É manter, por um tempo longo demais, as
suas populações em situação de exploração – e, além de não ver nenhum problema nisto, ainda achar que é uma “vantagem”.
Por fim, a relação entre “livre comércio internacional” e “desenvolvimento econômico” pode até ser válida, mas é uma falha de pensamento concluir que esta “liberdade comercial” não precisa estar atrelada a determinadas condições para que
seja capaz de conduzir ao desenvolvimento econômico. De fato, quanto mais trocas comerciais, maior a geração bruta de riqueza. Porém, não adianta gerar riqueza
se os atos que a precedem ou antecedem não garantem nem a sua distribuição pela
sociedade, nem sua sustentabilidade, e isso pelos motivos que ora passo a expor.
Primeiro, porque o mero crescimento econômico não produz automaticamente (ou de forma consequentemente necessária) condições melhores de trabalho,
nem maior empregabilidade. A China e a Índia, por exemplos, são líderes mundiais em crescimento da economia, mas não evoluíram significativamente no trato de questões laborais. A Coreia do Sul, apesar do crescimento e destaque econômico que galgou nas últimas décadas, viu suas taxas de desemprego aumentarem
na maioria de suas regiões nos últimos cinco anos.45
45. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Alcançar o trabalho decente na Ásia. Relatório preparado para a 14.ª Reunião Regional Asiática, 2006.
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Depois, porque já está suficientemente estabelecida a diferenciação entre crescimento e desenvolvimento, ainda que o conceito deste último não seja fechado/uniforme na doutrina. Um das conceituações sobre desenvolvimento mais influentes
nas últimas décadas foi fornecido pelo vencedor do prêmio Nobel Amartya Sen.
Para o economista, desenvolvimento é a expansão da liberdade de agir do indivíduo – da capacidade de ser agente, autor do próprio destino. E isto é conseguido
através da eliminação dos fatores que restringem esta liberdade, como a fome, a
subnutrição, a privação de direitos básicos e a carência de oportunidades. Neste
sentido, o crescimento econômico não pode ser visto como fim em si mesmo, mas
apenas como uma forma de auxiliar a emancipação individual. É a liberdade que
deve ser considerada como o fim do desenvolvimento e também da justiça.46
Neste ponto, a pergunta que deve ser feita é: a flexibilização das leis trabalhistas traz mais liberdade para os indivíduos de uma sociedade? Por um lado, pode
ser que propicie o crescimento econômico ao servir de chamariz para empresas, e
isto em teoria traria liberdade se a renda produzida fosse distribuída entre as classes e diminuísse, assim, a pobreza. Porém, como já referi antes, não é fato certo
que haverá a distribuição justa desta riqueza gerada, e se isto não acontecer, não
haverá real desenvolvimento.
Mas, além disso, e principalmente, a flexibilização das leis trabalhistas coloca
o trabalhador em situação ainda mais vulnerável na relação empregatícia: a diminuição da força dos sindicatos o deixa mais exposto a violações e mais fraco
diante do poder econômico das empresas; a precarização dos contratos de trabalho leva a uma lógica de “leilão de postos de trabalho” e, consequentemente,
à desvalorização da mão de obra, que passa a ser considerada “descartável”; a
criação de figuras contratuais como a “terceirização” dificulta a responsabilização
de empregadores e coloca os empregados em uma espécie de “limbo jurídico”47
46. MAILLART, Adriana Silva; SANCHES, Samira. A perspectiva da ética econômica e o
desenvolvimento da Teoria da Justiça de Amartya Sen. In: DE LUCCA, Newton et al
(coord.). Direito constitucional contemporâneo: homenagem ao professor Michel Temer.
São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 545.
47. Ao falar sobre o “direito do trabalho de exceção”, Casimiro Ferreira mostra como este
“se apresenta em rutura paradigmática com os pressupostos do direito do trabalho, eliminando o conflito enquanto elemento dinâmico das relações laborais e a proteção do
trabalhador enquanto condição de liberdade.” Além disso, mostra também que “a função
de organização das relações de poder na esfera laboral colocada sob o efeito da dispensabilidade dos trabalhadores e do estreitamento da negociação coletiva torna a organização
da ‘submissão voluntária’ do trabalhador à autoridade do empregador num exercício de
poder despótico, sem contrapoder”. Ver: FERREIRA, António Casimiro. Sociedade da austeridade e direito do trabalho de exceção. Porto: Vida Económica, 2012. p. 76.
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etc. Isto tudo me leva a concluir que a extensa camada de trabalhadores de uma
nação que flexibiliza suas leis trabalhistas para atrair investimentos estrangeiros
irá, na verdade, se tornar menos livre com tal flexibilização – e o propagandeado
desenvolvimento não terá passado de falácia.
Mas não é só. Além do crescimento econômico baseado na exploração da mão
de obra não garantir um real desenvolvimento, é provável que venha a atrasá-lo
em razão da sua falta de sustentabilidade. Como explica Ricardo Antunes, o crescimento que se baseia na vantagem comparativa dos baixos padrões sociolaborais
se torna frágil e efêmero, “uma vez que aquela vantagem se dissipará assim que os
principais concorrentes comerciais ajustarem os seus próprios padrões. Ou seja,
em pouco tempo voltar-se-á à situação comercial inicial, sendo que o único resultado visível será uma degradação generalizada das condições sociolaborais”.48
Por isso, o desenvolvimento de uma nação não deve estar calcado em políticas
que busquem simplesmente reduzir os custos da mão de obra para fortalecer esta
vantagem comparativa, pois esta lógica apenas condenaria o país em questão a um
círculo vicioso de baixo desenvolvimento tecnológico e exploração de sua classe trabalhadora. Como já explicava o primeiro diretor da OIT, Albert Thomas, em 1927,
“as questões económicas e sociais estão indissoluvelmente ligadas e a reconstrução
económica apenas pode ser favorável e duradoura se se basear na justiça social”.49
4. A instrumentalização do direito laboral
Na introdução deste trabalho falei sobre que sentido de direito estava assumindo para verificar a juridicidade da flexibilização das leis trabalhistas: o direito
como projeto civilizacional que busca a concretização da justiça e tem como fun-
48. ANTUNES, Ricardo Alexandre Pereira. Olvidei minhas competências: um progressivo alargamento a considerações não puramente mercantis, que teima em não abarcar os direitos fundamentais dos trabalhadores. Dissertação do 2.º ciclo de Estudos em Direito, área de especialização em Ciências Jurídico-Económicas, apresentada à Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra sob a orientação de Luís Pedro Cunha. Coimbra, 2012. p. 50.
Rodrigo Gava também tece comentários neste sentido: “Indubitavelmente, ao não serem
aglutinados outros fatores à capacidade de competir das indústrias dos PED, ora baseada
em baixo preços via baixos custos sociolaborais, desconsidear-se-ão os malignos efeitos
que tal atitude acarretará a longo prazo, comprometendo a competitividade e estancando
o desenvolvimento – talvez diante deste panorama esteja a razão para um perpétuo estágio
embrionário de progresso de muitos países que centralizam as suas políticas públicas em
‘aumentos de produtividade do trabalho engendrados pela simples realocação de recursos
visando a obter vantagens comparativas estáticas no comércio internacional (...) sem modificação maiores nas técnicas de produção”. Ver: GAVA, Rodrigo. Op. cit., p. 149.
49. FERREIRA, António Casimira. Op. cit., p. 89.
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damento de validade o reconhecimento da dignidade do ser humano, ou seja, o
direito que reconhece cada pessoa com um fim em si mesmo, e implicativamente
reconhece também a igualdade, a responsabilidade e a liberdade das criaturas
humanas. Ninguém pode servir de objeto ou instrumento para a fruição de outrem, pois todos são igualmente sujeitos de direitos e deveres. Este é o “lema” do
projeto de direito ocidental que conhecemos.
Mas, para que o direito possa ser direito – para que possa efetivamente salvaguardar a dignidade da pessoa – é preciso que seja autônomo, que não esteja ele próprio
servindo como instrumento para o poder da política, da ciência ou da economia.
Castanheira Neves explica essa interligação entre a questão da autonomia do
direito com o problema do sentido: apenas um direito autônomo, que não esteja
submetido a qualquer outro poder ou interesse estratégico, seja político, social, ou
econômico, pode estar a serviço da própria validade e assim concretizar seu verdadeiro sentido. Assim, o reconhecimento da autonomia do direito perante os outros
poderes sociais seria necessário para diferenciar “não apenas objetivo-formalmente
o jurídico do político, mas, axiológico-materialmente no seu sentido e na sua intencionalidade – o direito não apenas instrumento político-social, mas uma entidade
humano-cultural e prática muito específica.”50 Portanto, o direito deveria operar de
forma autônoma e à serviço das pessoas, mas não é isso que acontece no panorama
atual de venda do direito laboral nos balcões de comércio internacional.51
O último quarto do século XX assistiu ao início da crise do direito do trabalho,
que começou com acusações de que as leis trabalhistas rígidas seriam maléficas para
a economia e trariam consequências piores do que os problemas que tentavam resolver, e culminou na conclusão de que a saída para o desemprego e a estagnação da
economia seria a flexibilização do direito laboral, que passa a ser concebida como um
instrumento a serviço da geração de empregos e captação de investimentos. Como
coloca João Leal Amado, “o Direito do Trabalho atravessa, assim, uma profunda crise
de identidade, com a sua axiologia própria (centrada em valores como a igualdade, a
dignidade, a solidariedade, etc.) a ser abertamente questionada”.52
50. NEVES, Castanheira. A crise actual da filosofia do direito no contexto da crise global da
filosofia: tópicos para a possibilidade de uma reflexiva reabilitação. Coimbra: Coimbra
Ed., 2003. p. 104.
51. Diante da reforma legislativa do Código do Trabalho em 2012, Portugal, Leal Amado comenta que o direito laboral “está cada vez menos centrado no trabalho e na pessoa de quem
o presta e cada vez mais na empresa e nos custos que esta tem que suportar.” Ver: AMADO,
João Leal. O despedimento e a revisão do Código do Trabalho: primeiras notas sobre a Lei
23/2012, de 25 de junho. Revista de Legislação e Jurisprudência. ano CXLI. n. 3974. p. 308.
52. AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. Coimbra: Coimbra Ed., 2013. p. 26.
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Ocorre, então, a substituição dos critérios de validade do direito por critérios de
eficácia e resultado – para o dizer com Castanheira Neves –, ou então a colonização
do mundo jurídico pelo sistema econômico – para o dizer com Habermas. Ocorre,
em suma, a submissão do direito laboral à economia: este não existe mais por si, ou
para o trabalhador, mas sim para satisfazer as (muitas) exigências do mercado.53 Assim, passa a ser utilizado pela economia como meio de concretização dos objetivos
contingentes dela, e não mais como normatividade a serviço da dignidade humana.
A situação mais precisa, na verdade, é que o direito do trabalho tem se tornado
um objeto de venda e barganha.54 A expressão “mercado de produtos legislativos”
designa perfeitamente este novo paradigma de direito em que os ordenamentos
jurídico-laborais nacionais são colocados em concorrência feroz, gerando o já
explicado efeito race to the bottom.55 O direito torna-se apenas mais um produto
no mercado global, sendo os ordenamentos mais flexíveis os mais “competitivos”
e, portanto, os mais desejáveis. Tendencialmente, a competição deixará de estar
sujeita à lei, e é o direito que ficará sujeito às regras da competição.56 Como bem
53. Castanheira Neves é um grande crítico do paradigma de sentido de direito que chama
de “funcionalismo”, pelo qual “o direito deixa de ser um auto-subsistente de sentido
e de normatividade para passar a ser um instrumento – um finalístico instrumento e
um meio ao serviço de teleologias que de fora o convocam e condicionamente o submetem”. Ver: NEVES, Castanheira. Direito hoje... cit., p. 52.
54. Como um problema similar ao que está sendo tratado neste trabalho, Casimiro Ferreira fala da flexibilização do direito laboral em Portugal em razão das medidas de
austeridade, e considera que as reformas legislativas têm eliminado a identidade político-jurídica do direito laboral em troca de financiamento externo, tornando o direito
do trabalho um “produto de mercado utilizado como caução do apoio externo”. Ver:
António Casimiro. Op. cit., p. 111. No mesmo tom de crítica, Leal Amado diz que
“o ‘novo’ e ‘reformado’ Direito do Trabalho parece, cada vez mais, converter-se numa
mercadoria depreciada. No quadro da grave crise orçamentária que atravessamos e na
verdadeira ‘economia de casino’ em que vivemos, o Governo parece actuar, em relação ao Direito do Trabalho, utilizando uma estratégia que bem poderíamos designar
por ‘estratégia Pingo Doce’: vende-o quase que ao desbarato, em ordem a tentar atrair
clientes, em ordem a ‘acalmar os mercados’, em ordem a cativar os investidores, isto
é, o capital”. Ver: AMADO, João Leal. O despedimento e a revisão... cit., p. 297.
55. O banco mundial produz anualmente, desde 2004, um catálogo sobre a eficiência
econômica dos sistemas jurídicos nacionais para o programa “Doing Business”, no
qual tem como um dos critérios de avaliação a rigidez e os custos laborais. Os “law
shoppers” podem, assim, escolher “os melhores produtos no ‘mercado de normas’”,
que serão – não é forçoso presumir – aqueles ordenamentos trabalhistas mais flexíveis e menos custosos, ou seja, aqueles que menos protegerão os direitos de seus
trabalhadores. Ver: FERREIRA, António Casimiro. Op. cit., p. 114.
56. Casimiro Ferreira, ao explicar o pensamento de Alain Supiot, fala que “o conceito de mercado total é utilizado pelo autor para realçar a hipótese de que a livre concorrência que se
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assevera Leal Amado, “a globalização representou tanto o triunfo das leis do mercado como a consagração do mercado das leis”.57
Mas o leitor pode ainda estar a se indagar: e qual o problema em se considerar
o direito um instrumento a serviço da economia, se isto significar uma chance de
crescimento ou quiçá de desenvolvimento? Por que não deveria o direito auxiliar
a economia na tentativa de maximização do bem-estar social e aumento da riqueza geral? Porque isto legitimaria definitivamente o paradigma de que o trabalho
é uma mercadoria, e que, portanto, a pessoa por detrás do trabalho seria também
apenas um objeto, sem valor e fim em si mesma – sem dignidade.58 Assim é que,
na verdade, Castanheira Neves alerta que um direito funcionalista guiado por critérios econômicos apenas parece favorecer os homens, pois uma vez que não assume o projeto do homem-pessoa, autônomo e digno, o converte em mero objeto, ainda que com vistas a benefícios que pareçam satisfazê-lo à primeira análise.59
Certamente por isso a Declaração de Filadélfia, o maior pilar da formação da OIT,
dispõe logo no seu primeiro artigo a máxima que precisa ser constantemente lembrada se quisermos uma sociedade mundial mais justa: o trabalho não é uma mercadoria.
5. Considerações finais
O objetivo deste trabalho era verificar se, no contexto das acusações de prática
de dumping social pelos PED e PSD, a flexibilização das leis trabalhistas para a
captação de investimentos é uma prática revestida de juridicidade. Muitas razões
levam a crer que não.
Primeiro, em uma perspectiva globalizada, esta prática pode levar ao declínio
geral das condições laborais – um race to the bottom – colocando em risco conquistas históricas dos trabalhadores. Isto poderia ser evitado, claro, mediante a
assunção de um forte compromisso internacional de respeito a um standard laboral mínimo, que seria constituído pelos direitos dispostos nas oito convenções
fundamentais da OIT (já referidos no tópico 2).
deveria fundar sobre o direito é ela agora que funda o próprio direito. Daqui resulta um
darwinismo normativo que o autor equaciona, sugerindo a existência de um mercado de
produtos legislativos, o qual está a conduzir à eliminação progressiva dos sistemas normativos menos aptos para satisfazer as necessidades financeiras dos investidores, e, nessa
medida, a conduzir à eliminação do sentido de justiça do direito e do seu contributo para
uma sociedade mais justa”. Ver: FERREIRA, António Casimiro. Op. cit., p.110.
57. AMADO, João Leal. Contrato de trabalho cit., p. 25.
58. Cabe aludir ao que foi lembrado por João Leal Amado: “o trabalho não existe, o que
existe são pessoas que trabalham (...)”. Ver: idem, p. 28.
59. NEVES, Castanheira. Direito hoje... cit., p. 61.
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Ainda assim, quando se indaga se a flexibilização seria uma política benéfica
para os Estados nacionais, a resposta é turva: há quem defenda que esta é uma
medida necessária para impulsionar o crescimento econômico dos PED e dos
PSD, mas, conforme as reflexões feitas no tópico 3, um crescimento econômico
baseado na exploração da mão de obra dificilmente será capaz de gerar desenvolvimento e, assim, melhorar efetivamente as condições sociais da população em geral
e dos trabalhadores em particular. O mais provável é que a lógica de “flexibilizar
para crescer” acarrete um estancamento da qualificação profissional e tecnológica das nações menos desenvolvidas, tornando estes países dependentes de uma
“vantagem” comparativa fácil, mas muito custosa para suas populações.
O aspecto mais grave da prática flexibilizante, porém, é o perigo que isto representa para a autonomia do direito e, consequentemente, para a salvaguarda da
dignidade humana. Quando as leis passam a ter questões econômicas como fonte
primária de motivação, a pessoa perde o seu lugar no direito. Não mais interessa o
que é justo e o que lhe respeita a dignidade, mas apenas o que é eficiente e o que
produz bons resultados numéricos. Por isso, o direito deve parar de ceder ao argumento do capital, e preservar a sua axiologia própria que concerne à humanidade.
Contudo, o problema não fica assim resolvido. Depois de concluir que a flexibilização do direito laboral para a captação/manutenção de investimentos, ou
de forma mais simples, o dumping social, é uma prática antijurídica, cabe ainda
perguntar: o que pode ser feito para coibi-la?
A primeira “defesa” pode ser feita pela sociedade civil do país em questão, seja
por meio de entidades representativas (sindicatos, movimentos sociais, ONGs), seja
diretamente pela voz da população. Lembro aqui o bom exemplo que ocorreu na
França: no momento em que o governo tentou implementar um decreto que permitia às empresas contratar jovens-aprendizes por um salário abaixo do mínimo,
multidões se reuniram em protesto durante 48 horas, até a medida ser revogada.60
Depois, há a barreira que deve ser colocada pelos tribunais nacionais, órgãos
competentes para impedir um retrocesso tão forte em matéria laboral que chegue
a atingir o núcleo essencial dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Mas, em
razão do princípio da separação dos poderes e do princípio da conformação do legislador, sabemos que os tribunais não podem barrar todas as iniciativas legislativas concernentes a reformas in pejus na legislação trabalhista, mas apenas aquelas
que violem o standard mínimo laboral.61 Além disso, considerando os problemas
estruturais presentes em grande parte das democracias em desenvolvimento, pen-
60. KAWAY, Mina et al. Op. cit., p. 156.
61. Esta conclusão foi alcançada inicialmente no trabalho de minha autoria já citado
anteriormente, sobre a proibição do retrocesso social. Ver: MONTEIRO, Alessandra
Pearce de C. Op. cit.
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so que os tribunais destes países dificilmente conseguiriam ter poder suficiente na
prática para conter os avanços de uma política econômica que manipula o direito
para o que melhor lhe convém. Quando isto acontecesse (mas não apenas quando
acontecesse), a comunidade internacional seria chamada a agir.
E este é provavelmente o ponto mais delicado em relação a medidas anti-dumping. Dentro do grupo de doutrinadores que defendem uma ação internacional
para combater práticas laborais duvidosas, há uma divisão profunda: aqueles que
só aceitam a OIT como entidade competente para solucionar os problemas relativos ao dumping, e aqueles que clamam pela ação de um órgão que possivelmente
resolveria o problema de forma mais eficiente: a OMC.
Os mecanismos utilizados pela OIT para melhorar as condições sociolaborais
ao redor do globo são bem conhecidos: declarações de direitos; trabalhos de conscientização; elaboração de relatórios e recomendações; fiscalizações constantes etc.
Sem dúvidas, a OIT desempenha um relevante papel na luta pela dignidade dos
trabalhadores. Porém, esta organização não dispõe de poder coercitivo, o que gera
críticas insatisfeitas por aqueles que pretendem uma defesa mais contumaz dos
direitos laborais, ou, para não ser ingênua, por aqueles que pretendem proteger
seus mercados dos produtos exportados pelas empresas situadas nos PED e PSD.
Assim, surge a ideia de inserir a OMC nesta equação através da imposição de
cláusulas sociais nos tratados internacionais de comércio e acordos multilaterais.
Basicamente, a ideia seria estipular padrões laborais como condição sine qua non
para a transação internacional. Os países que desrespeitassem este padrão seriam
prejudicados comercialmente, o que constituiria uma sanção penosa o suficiente
para coibir o dumping social.
Contudo, a sugestão de inserção de cláusulas sociais nos instrumentos de comércio internacional não é pacífica, e, na verdade, encontra mais críticos do que
apoiadores na doutrina especializada. A própria OMC repudia a ideia, afirmando
que a OIT possui competência material exclusiva para estabelecer padrões normativos sociolaborais internacionais.
Se, em algum momento do futuro a lógica de dualidade exclusivista de fontes
for substituída por uma lógica de cooperação entre as organizações, cada qual
trazendo para a “arena de luta” o que tem de melhor – a OIT, a competência e o
conhecimento em matéria laboral; a OMC, as sanções e os estímulos eficazes –,
talvez possamos assistir um novo salto de humanidade concernente ao direito
laboral. Mas, dessa vez, do lado desprivilegiado do mundo.
6.Referências
AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. Coimbra: Coimbra Ed., 2013.
______. Flexigurança: “free to hire, free to fire?” (Nótula em torno da reforma da
nossa legislação laboral). In: ANDRADE, Manuel da Costa et al. Estudos em
homenagem ao Prof. Doutor Jorge Figueiredo Dias. Coimbra: Coimbra Ed., 2009.
Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre
o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Estudos Estrangeiros
______. O despedimento e a revisão do Código do Trabalho: primeiras notas sobre
a Lei n. 23/2012, de 25 de junho. Revista de Legislação e Jurisprudência. ano
CXLI. n. 3974. p. 297-309. 2012.
ANTUNES, Ricardo Alexandre Pereira. Olvidei minhas competências: um progressivo alargamento a considerações não puramente mercantis, que teima em não
abarcar os direitos fundamentais dos trabalhadores. Dissertação do 2.º ciclo de
Estudos em Direito, área de especialização em Ciências Jurídico-Económicas,
apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra sob a orientação de Luís Pedro Cunha. Coimbra, 2012.
ANTUNES, Ricardo Alexandre Pereira. Os direitos fundamentais dos trabalhadores entre a OIT e a OMC. Working Papers do Boletim de Ciências Económicas.
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ARAÚJO, Henrique Paiva. O dumping social e a aplicabilidade de medidas repressivas. Revista de Direito e Jurisprudência (TJDFT). vol. 106. p. 67-79. 2015.
BARROS, Anne Caroline Rodrigues. Dumping social e suas inter-relações com o meio
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Pesquisas do Editorial
Veja também Doutrina
• A flexibilidade do direito do trabalho na Alemanha*, de Wolfgang Däubler – RDT 111/210228, Doutrinas Essenciais de Direito do Trabalho e da Seguridade Social 3/1263-1286
(DTR\2003\392);
• A função empresarial do direito do trabalho e a repressão local à concorrência predatória
internacional viabilizada pelo dumping social, de Edson Beas Rodrigues Jr. – RDT 160/49107 (DTR\2014\20491); e
• Avaliação dos direitos trabalhistas constitucionalizados, de Georgenor de Sousa Franco Filho – RT 964/429-436 (DTR\2016\237).
Monteiro, Alessandra Pearce de Carvalho. O direito laboral à venda – reflexões sobre
o dumping social no capitalismo globalizado. Revista de Direito do Trabalho.
vol. 169. ano 42. p. 209-232. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Jurisprudência
Comentada
235
Supremo Tribunal Federal
STF – RE 586.453/SE – Plenário – j. 20.02.2013 – m.v. – rel.
p/ acórdão Min. Dias Toffoli – Área do Direito: Previdenciário; Processual.
COMPETÊNCIA – Previdência privada – Discussão acerca de complementação de aposentadoria – Direito previdenciário que possui autonomia em
relação ao direito trabalhista – Julgamento afeto à Justiça Comum.
Jurisprudência no mesmo sentido
•
RT 881/138 (JRP\2009\1063), RT 877/112 (JRP\2008\1145), RT 869/181 (JRP\2008\343), RT
863/155 (JRP\2007\1770).
Jurisprudência em sentido contrário
• RT 885/170 (JRP\2009\631).
Veja também Doutrina
•Aspectos constitucionais e legais do regime jurídico das entidades fechadas de previdência privada, de Arnoldo Wald – RDCI 3/5, Doutrinas Essenciais de Direito do Trabalho e da
Seguridade Social 5/1113 (DTR\1993\175);
•Entidades de previdência complementar: seguridade social, de Sérgio De Andréa Ferreira – Doutrinas Essenciais de Direito do Trabalho e da Seguridade Social 5/1249 (DTR\2012\450839); e
•Previdência social privada, de Ruy Barbosa Nogueira – Doutrinas Essenciais de Direito do
Trabalho e da Seguridade Social 5/1233 (DTR\2012\450838).
RE 586.453 – Sergipe.
Relatora: Min. Ellen Gracie.
Redator do acórdão RISTF: Min. Dias Toffoli.
Recorrente: Fundação Petrobrás de Seguridade Social – Petros – advogados:
Marcos Vinícius Barros Ottoni e outros.
Recorridos: Nivaldo Mercenas Santos – advogados: Pedro Lopes Ramos e outros;
e Petróleo Brasileiro S.A – Petrobrás – advogados: Candido Ferreira da Cunha
Lobo e outros.
Comentário ao Processo RE 586.453/SE do STF por Paula Castro Collesi: Competência nas ações de complementação
de aposentadoria - comentários sobre o acordão do STF proferido no RE 586.453 e sua repercussão nos Tribunais
Regionais. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 235-242. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
Interessados: Federação Nacional das Associações de Aposentados, Pensionistas e
Anistiados do Sistema Petrobrás e Petros, Associação dos Aposentados e Pensionistas da Petrobrás e demais Empresas Extrativas e Petroquímicas e de Refinação
do Estado da Bahia – Astape – BA, Associação de Mantenedores e Beneficiários da
Petros – advogados: Marcos Luís Borges de Resende e outros; Associação dos Engenheiros da Petrobrás – Aepet – advogados: Paulo Teixeira Brandão e outros; Associação de Mantenedores e Beneficiários da Petros – Ambep – Representação Porto
Alegre/RS; Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Petróleo do Rio Grande do
Sul – Sindipetro/RS, Associação dos Aposentados e Pensionistas da Copesul e suas
Sucessoras – Aapec, Associação dos Aposentados e Pensionistas do Sistema Petrobras no Ceará – Aaspece – advogados: César Vergara de Almeida Martins Costa e
outros; Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – Anamatra
– advogados: Alberto Pavie Ribeiro e outros.
Ementa:NE1Recurso extraordinário – Direito previdenciário e processual civil
– Repercussão geral reconhecida – Competência para o processamento de ação
ajuizada contra entidade de previdência privada e com o fito de obter complementação de aposentadoria – Afirmação da autonomia do direito previdenciário
em relação ao direito do trabalho – Litígio de natureza eminentemente constitucional, cuja solução deve buscar trazer maior efetividade e racionalidade ao
sistema – Recurso provido para afirmar a competência da Justiça comum para o
processamento da demanda – Modulação dos efeitos do julgamento, para manter, na Justiça Federal do Trabalho, até final execução, todos os processos dessa
espécie em que já tenha sido proferida sentença de mérito, até o dia da conclusão
do julgamento do recurso (20.02.2013).
1. A competência para o processamento de ações ajuizadas contra entidades
privadas de previdência complementar é da Justiça comum, dada a autonomia
do direito previdenciário em relação ao direito do trabalho. Inteligência do art.
202, § 2.º, da CF a excepcionar, na análise desse tipo de matéria, a norma do
art. 114, IX, da Magna Carta.
2. Quando, como ocorre no presente caso, o intérprete está diante de controvérsia em que há fundamentos constitucionais para se adotar mais de uma solução possível, deve ele optar por aquela que efetivamente trará maior efetividade
e racionalidade ao sistema.
3. Recurso extraordinário de que se conhece e ao qual se dá provimento para
firmar a competência da Justiça comum para o processamento de demandas
ajuizadas contra entidades privadas de previdência buscando-se o complemento
de aposentadoria.
NE Nota do Editorial: O inteiro teor deste acórdão está disponível no site do Tribunal
[www.stf.jus.br], para os assinantes do RT Online [www.revistadostribunais.com.
br], e na versão eletrônica disponível em Thomson Reuters ProView.
Comentário ao Processo RE 586.453/SE do STF por Paula Castro Collesi: Competência nas ações de complementação
de aposentadoria - comentários sobre o acordão do STF proferido no RE 586.453 e sua repercussão nos Tribunais
Regionais. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 235-242. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Jurisprudência Comentada
4. Modulação dos efeitos da decisão para reconhecer a competência da Justiça Federal do Trabalho para processar e julgar, até o trânsito em julgado e a correspondente execução, todas as causas da espécie em que houver sido proferida
sentença de mérito até a data da conclusão, pelo Plenário do STF, do julgamento
do presente recurso (20.02.2013).
5. Reconhecimento, ainda, da inexistência de repercussão geral quanto ao
alcance da prescrição de ação tendente a questionar as parcelas referentes à
aludida complementação, bem como quanto à extensão de vantagem a aposentados que tenham obtido a complementação de aposentadoria por entidade de
previdência privada sem que tenha havido o respectivo custeio.
Comentário
Competência nas ações de complementação de aposentadoria
- comentários sobre o acordão do STF proferido no RE 586.453
e sua repercussão nos Tribunais Regionais
Contencius jurisdiction in the actions of supplementary
retirement - comments about STF`s judgment in RE 586.453
and the nationwide repercussion in Regional Court of appeals
Não é de hoje que se discute a competência das ações de complementação de aposentadoria, tema
que lotava (ao final verificar-se-á que ainda lotará) os Tribunais Brasileiros de recursos.
A fim de pacificar a jurisprudência a respeito, o Supremo Tribunal Federal declarou repercussão geral no 586.456/SE e, em atenção à Resolução nº 312 desta Corte dispor acerca da seleção de apenas
dois processos representativos com fundamento em idêntica controvérsia, restou escolhido o RE
583.050/RS para este fim. A decisão final ocorreu em fevereiro de 2013, com publicação do acórdão
em junho do mesmo ano.
Antes desse julgamento, o Supremo Tribunal Federal se utilizava do seguinte critério para decidir a competência das ações de complementação de aposentadoria: se esta tivesse origem no contrato de trabalho,
a competência seria da Justiça Laboral1 mas, caso contrário, a competência era da Justiça Comum.2
O acordão utilizado como paradigma sobre a questão foi o proferido no RE n. 175.673, de relatoria
do Ministro Moreira Alves, cuja ementa segue abaixo:3
1. Ver AI n. 735.577, Min. Relatora Carmem Lúcia, DJe06/08/2009 e AI n. 635.685, Min. Relator Ricardo Lewandowski, DJe 20/11/2008.
2. Ver RE 526.615, Min. Relatora Carmen Lúcia, DJe 31/01/2008 e RE 465.529, Min. Relator Cezar Peluso DJe
03/05/07.
3. Trecho extraído do acordão do RE 586.453, dado a impossibilidade de acesso ao acordão do caso mencionado
no sítio eletrônico do STF.
Comentário ao Processo RE 586.453/SE do STF por Paula Castro Collesi: Competência nas ações de complementação
de aposentadoria - comentários sobre o acordão do STF proferido no RE 586.453 e sua repercussão nos Tribunais
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
“Desde o momento em que o acórdão ora recorrido assentou que o pedido de complementação de
aposentadoria se dirigia apenas contra a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil,
concluiu corretamente que a Justiça competente para julgar a ação em causa é da Justiça comum,
por não decorrer essa complementação pretendida de contrato de trabalho, o que, se ocorrente, daria margem à competência da Justiça do Trabalho em face do disposto no artigo 114 da Constituição.
E é de notar-se que a parte do aresto recorrido, que tratou da questão da exclusão do Banco do
Brasil S/A da lide por falta de ‘causa de pedir (art. 295, I, parágrafo único, I, do CPC)’ (fls. 74), não foi
atacada no recurso extraordinário.” (destaque nosso)
Nos leading cases escolhidos, a então Min. Relatora Ellen Gracie (após a sua aposentadoria assumiu
a Relatoria o Min. Dias Toffoli) entendeu que tal critério não era apropriado pois, apesar de pacífico
posicionamento do Supremo, ainda dava margem a muitas controvérsias, existindo uma enxurrada
de recursos. Em razão da repercussão geral, a Ministra achou por bem adotar um critério mais uniforme e sem possibilidade de maiores discussões.
No seu entendimento, apesar de algumas complementações decorrerem do contrato de trabalho, a
relação jurídica existente era firmada entre o ex-empregado e uma entidade de previdência privada
(como no caso dos 586.456/SE e 583.050/RS), e não entre ex-empregado e ex-empregador, não
existindo uma relação laboral entre as partes, razão pela qual a competência deveria ser da Justiça
Comum, modificando-se assim o parâmetro antes utilizado.
Como justificação legal, fundamentou sua decisão no artigo 202, paragrafo 2º da Constitucional Federal4
e no artigo 68 da Lei Complementar n. 109/2001,5 os quais estabelecem que os estatutos, regulamentos e
planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho.
Finalizou seu voto propondo, caso fosse acompanhada pelos Colegas, a modulação dos efeitos da
decisão, para que os casos já sentenciados permanecessem na Justiça do Trabalho e os que ainda
não houvessem sentença de mérito, fossem remetidos à Justiça Comum. Embasou sua decisão na
mesma lógica utilizada no julgamento dos processos de acidente do trabalho que, após a Emenda
Constitucional n. 45/2004 tiveram sua competência alterada (Tribunal Pleno, Conflito de Competência n. 7.204, Rel. Min. Ayres Britto).
Após proclamar seu voto, iniciou-se os debates sobre a questão e o Ministro Cezar Peluso discordou
da Relatora e explicou que, no seu ponto de vista, o critério anteriormente adotado deveria prevalecer, separando-o em três situações:
“a.1) da Justiça do Trabalho, se a relação jurídica decorra do contrato de trabalho;
a.2) da Justiça Comum, se a relação jurídica não provenha do contrato de trabalho;
4. “Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em
relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que
garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) (…)
§ 2° As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho
dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei.”
5. “Art 68. As contribuições do empregador, os beneficios e as condições contratuais previstas nos estatutos,
regulamentos e planos de beneficios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos beneficios concedidos, não integram a remuneração dos
participantes, nos termos da lei.”
Comentário ao Processo RE 586.453/SE do STF por Paula Castro Collesi: Competência nas ações de complementação
de aposentadoria - comentários sobre o acordão do STF proferido no RE 586.453 e sua repercussão nos Tribunais
Regionais. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 235-242. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Jurisprudência Comentada
a.3) sendo, na origem, controversa a natureza da relação jurídica do contrato de previdência privada, enquanto sua solução dependa de reexame dos fatos ou de cláusula contratual, é inviável o
recurso extraordinário por óbice das súm. 279 e 454;”6
Assim, com entendimentos diversos, firmaram-se duas correntes no julgamento. Os Ministros Joaquim Barbosa, Marco Aurélio, Carmen Lúcia e Celso de Mello concordaram com o critério adotado
pelo Ministro Cezar Peluzo e os Ministros Dias Toffoli Luiz Fux e Gilmar Mendes, acompanharam a
Ministra Ellen Gracie.
Apesar dos demais Ministros terem se filiado a uma ou outra corrente, os fundamentos pelos quais
a aderiram foram distintos em alguns casos. O Min. Dias Toffoli e Luiz Fux embasaram seu entendimento na independência da Previdência Complementar ao Direito do Trabalho, dado o disposto
no artigo 202, par. 2º da Constituição Federal estabelecer que “as contribuições do empregador, os
benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios
das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho.”
O Ministro Joaquim Barbosa, em contraponto ao defendido pelos Ministros Dias Toffoli e Luiz Fux,
entende que citados artigos fazem menção a não integração da previdência privada ao contrato
de trabalho no que tange ao principio da habitualidade e reflexos em verbas trabalhistas. Válido a
transcrição de suas palavras:7
“Como é de todos sabido, a Justiça do Trabalho brasileira adota o princípio segundo o qual tudo
que é pago ou concedido graciosamente pelo empregador, passado um certo tempo (princípio da
habitualidade), passa a integrar o contrato de trabalho com todas as conseqüências laborais que daí
possam advir. Assim, se por exemplo o empregador concede uma vantagem financeira, uma gratificação extra, não prevista na legislação, e se o pagamento dessa generosidade se estende no tempo,
ela passa a ser parte integrante da remuneração do empregado para todos os efeitos.
Como nenhum empregador está legalmente obrigado a instituir plano de previdência privada para
os seus funcionários, o que o legislador constituinte quis dizer, com o dispositivo mencionado, é
que, uma vez instituído espontaneamente no âmbito de uma determinada empresa um plano de
previdência privada, em nenhuma hipótese os benefícios desse plano se somarão definitivamente
ou integrarão, por força da habitualidade, o respectivo contrato de trabalho.
Não me parece que o dispositivo constitucional mencionado tenha o alcance que se pretende lhe atribuir – isto é, o de segregar o contrato de previdência privada complementar das relações de direito de
trabalho eventualmente existentes entre o indivíduo e o patrocinador, com repercussão no que tange
à fixação da Justiça Comum para o julgamento dos conflitos decorrentes do aludido ajuste.
Refuto, então, a tese de que o art. 202, § 2.º poderia amparar a conclusão de que a Justiça do Trabalho não seria mais competente para decidir as ações que envolvam pleito de complementação
de aposentadoria.”
Além desses motivos, acrescentou o Ministro Marco Aurélio que referido artigo 202 não dispunha
sobre competência, pois presente em Capítulo que não tratava sobre o tema. Com este mesmo
entendimento, o Ministro Celso de Mello ressalvou o princípio da unidade da Constituição, o qual
consiste numa análise sistemática da Carta, não admitindo interpretações fragmentadas, ou seja,
artigos fora de contextos a serem utilizados de qualquer forma.
6. BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, RE 586.456/SE, Min. Relatora Ellen Gracie/Min Dias Toffoli,
data da publicação 11/06/2013. Disponível em [http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=630014]. Acesso em 07 fev 2016.
7. BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, RE 586.456/SE, Min. Relatora Ellen Gracie/Min Dias Toffoli,
data da publicação 11/06/2013. Disponível em [http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=630014]. Acesso em 07 fev 2016.
Comentário ao Processo RE 586.453/SE do STF por Paula Castro Collesi: Competência nas ações de complementação
de aposentadoria - comentários sobre o acordão do STF proferido no RE 586.453 e sua repercussão nos Tribunais
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
Outro ponto importante suscitado no julgamento foi a questão da segurança jurídica entre as partes,
pois não seria prudente ter-se uma interpretação e uniformização de lei federal pela Justiça do Trabalho e outra interpretação pela Justiça Cível sobre uma mesma questão - a previdência complementar.
Apesar de termos 5 votos a 4 para a corrente do Ministro Cezar Peluso, o Ministro Celso de Mello
resolveu acompanhar a proposta da Ministra Ellen Gracie por uma questão de solução uniformizadora de critérios, com o intuito de dar maior efetividade e racionalidade ao sistema e preservar o
princípio da segurança jurídica, que decorre do Estado Democrático de Direito, bem maior insculpido na Carta Magna.
Assim, rechaçou a opção de se ter interpretações diversas sobre um mesmo caso por Tribunais distintos, apesar de não concordar com o fundamento da autonomia da Previdência Complementar ao
Direito do Trabalho, pelas razões acima expostas.
Portanto, prevaleceu a corrente da Ministra Ellen Gracie, qual seja, quando a relação existente for
firmada entre empregados ou ex-empregados com entidade de previdência privada, a competência
será da Justiça Comum. Mas, em razão da modulação dos efeitos, os processos que já existirem
sentença de mérito até 20/2/2013, permanecem na Justiça do Trabalho e os ainda não sentenciados,
serão remetidos a Justiça Comum. Segue abaixo ementa do julgamento:
“EMENTA Recurso extraordinário – Direito Previdenciário e Processual Civil – Repercussão geral reconhecida – Competência para o processamento de ação ajuizada contra entidade de previdência
privada e com o fito de obter complementação de aposentadoria – Afirmação da autonomia do Direito
Previdenciário em relação ao Direito do Trabalho – Litígio de natureza eminentemente constitucional,
cuja solução deve buscar trazer maior efetividade e racionalidade ao sistema – Recurso provido para
afirmar a competência da Justiça comum para o processamento da demanda - Modulação dos efeitos
do julgamento, para manter, na Justiça Federal do Trabalho, até final execução, todos os processos
dessa espécie em que já tenha sido proferida sentença de mérito, até o dia da conclusão do julgamento
do recurso (20/2/13). 1. A competência para o processamento de ações ajuizadas contra entidades privadas de previdência complementar é da Justiça comum, dada a autonomia do Direito Previdenciário
em relação ao Direito do Trabalho. Inteligência do art. 202, § 2º, da Constituição Federal a excepcionar,
na análise desse tipo de matéria, a norma do art. 114, inciso IX, da Magna Carta. 2. Quando, como
ocorre no presente caso, o intérprete está diante de controvérsia em que há fundamentos constitucionais para se adotar mais de uma solução possível, deve ele optar por aquela que efetivamente trará
maior efetividade e racionalidade ao sistema. 3. Recurso extraordinário de que se conhece e ao qual
se dá provimento para firmar a competência da Justiça comum para o processamento de demandas
ajuizadas contra entidades privadas de previdência buscando-se o complemento de aposentadoria. 4.
Modulação dos efeitos da decisão para reconhecer a competência da Justiça Federal do Trabalho para
processar e julgar, até o trânsito em julgado e a correspondente execução, todas as causas da espécie
em que houver sido proferida sentença de mérito até a data da conclusão, pelo Plenário do Supremo
Tribunal Federal, do julgamento do presente recurso (20/2/2013). 5. Reconhecimento, ainda, da inexistência de repercussão geral quanto ao alcance da prescrição de ação tendente a questionar as parcelas
referentes à aludida complementação, bem como quanto à extensão de vantagem a aposentados que
tenham obtido a complementação de aposentadoria por entidade de previdência privada sem que
tenha havido o respectivo custeio.”
Como exposto alhures, a maior preocupação da Ministra Ellen e dos demais membros do Supremo
Tribunal Federal foi a adoção de um critério uníssono, sem margem a controvérsias para solucionar,
por fim, a questão da competência nas ações de complementação de aposentadoria.
Todavia, depreende-se que o intuito não foi alcançado. Em pesquisa de jurisprudência feita pelos
Tribunais Regionais, observamos diversas decisões conflitantes sobre o entendimento do próprio
julgamento feito pela Corte Superior.
Comentário ao Processo RE 586.453/SE do STF por Paula Castro Collesi: Competência nas ações de complementação
de aposentadoria - comentários sobre o acordão do STF proferido no RE 586.453 e sua repercussão nos Tribunais
Regionais. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 235-242. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Jurisprudência Comentada
No Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região já foi instaurado incidente de uniformização de jurisprudência, pendente de julgamento, com a seguinte tema:8 “Incompetência em razão da matéria.
Complementação de aposentadoria decorrente de Lei ou regulamento interno. Não patrocinada por
entidade de previdência privada. Ausência de repercussão geral. Recurso Extraordinário n.º 586453.”
Isto é, há desembargadores aplicando a tese de repercussão geral mesmo quando não é patrocinada
por entidade privada.
Nos Tribunais Regionais da 1ª, 4ª e 15ª Região, apesar de não existirem incidente de uniformização
sobre o tema, há decisões conflitantes dentro dos Tribunais nos mesmos termos da existente no TRT
2ª Região.9 Como exemplo, reproduziremos dois trechos de acórdãos com entendimento diverso
sobre a questão no âmbito do Tribunal Regional da 4ª Região:
“Pedindo vênia ao Julgador da origem, tenho que, sendo o benefício pago diretamente pelo empregador, não se insere no objeto dos Recursos Extraordinários 586.456/SE e 583.050/RS, cuja matéria
envolveu somente complementação paga por entidade de previdência privada instituída pela patrocinadora (empregador), hipótese na qual não se amolda o presente feito. Enquanto na decisão em
que reconhecida a repercussão geral existe uma relação triangular entre empregado, empregador/
patrocinadora e entidade de previdência privada pela segunda instituída, no caso em comento se
está diante de uma relação da qual participam unicamente os ex-empregados e a ex-empregadora,
inserindo-se a controvérsia na competência material de que trata o artigo 114 da Constituição
Federal, em face da relação de trabalho havida entre os autores e as rés.”10
“Ainda, sequer é cabível argumentar, como faz a recorrente nas razões lançados no item 2.1 do
seu apelo, no sentido de que o pedido não foi deduzido em face da Fundação, quarta reclamada,
tendo em vista que se trata – a complementação temporária de aposentadoria –, de litígio entre
empregado e empregador, não havendo pretensão contra “entidade de previdência privada complementar”, não estando o pedido “a” abarcado pelas decisões do STF, porquanto a própria cláusula 25ª
do RVDC nº 96.034611-2 (fl. 61), que regula o pagamento da referida complementação temporária,
é expressa ao referir que a CEEE, empregadora, assegurará o benefício por intermédio da FUNDAÇÃO
ELETROCEEE. Ademais, a própria decisão proferida nos autos do RE nº 583.050 se deu em razão de
ação movida contra o empregador, e não contra qualquer Fundação, a evidenciar que a decisão do
STF também contempla a hipótese postulada no item “a” do rol de pedidos da petição inicial.”11 (g.o)
8. B
RASIL. TRT 2ª Região, Tribunal Pleno nº 00004832920155020000. Des. Relator Manoel Antonio Ariano. Pendente de julgamento. Disponível em [http://www.trtsp.jus.br/jurisprudencia/sumulas-e-ojs-tribunais-superiores/11-jurisprudencia/19763-uniformizacao-de-jurisprudencia-lei-n-13-015-2014]. Acesso em: 08 fev. 2016.
9. T RT 1ª Região, processo nº 00000380920125010076, 1ª Turma, Des. Relatora Mery Bucker Caminha, data
de publicacão 18/01/2016, processo nº 0001255022012501007, 10ª Turma, Des. Relator Leonardo Dias Borges, data da publicação 23/07/2014 e processo nº 00000380920125010076, 8ª Turma, Des. Relator Roque
Lucarelli Dattoli, data de publicação 26/08/2016; TRT 15ª Região processo nº 0002697-84.2012.5.15.0016,
6ª Turma, Des Relator Jao Batista Cesar Martins, data da publicação 07/03/2014 e processo nº 00129829.2013.5.15.0131, Des Relator Fábio Allegretti Cooper, data de julgamento 07/05/2014.
10. BRASIL. TRT 4ª Região, processo 0020467-05.2015.5.04.0271, 6ª Turma, Des. Relator Raul Zoratto Sanvicente. DJe 04/02/2016. Disponível em [http://gsa6.trt4.jus.br/search?q=cache:vb-z3CmBdJEJ:jbintra.trt4.
jus.br:8080/pje_2grau_helper/jurisp%3Fo%3Dd%26c%3D3692656%26v%3D7385312++inmeta:DATA_DOCUMENTO:2015-02-08..2016-02 08++&client=jurisp&site=jurisp_sp&output=xml_no_dtd&proxystylesheet=jurisp&ie=UTF-8&lr=lang_pt&proxyreload=1&access=p&oe=UTF-8]. Acesso em: 08 fev. 2016.
11. BRASIL. TRT 4ª Região, processo 0070400-61.2009.5.04.0010, 10ª Turma, Des. Relator Emilio Papaleo Zin Dje 17.10.2013. Disponível em [http://gsa6.trt4.jus.br/search?q=cache:Qo6SlEuzZnkJ:iComentário ao Processo RE 586.453/SE do STF por Paula Castro Collesi: Competência nas ações de complementação
de aposentadoria - comentários sobre o acordão do STF proferido no RE 586.453 e sua repercussão nos Tribunais
Regionais. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 235-242. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
No nosso sentir, o julgamento dos RE 586.456/SE e 583.050/RS não dá margem à interpretação
diversa, qual seja, a aplicação da competência da Justica Comum em todos os casos que envolverem
complementação de aposentadoria, mas tão somente nas ações que envolvem a entidade privada,
e não com relação as pagas diretamente pelo empregador. Apesar de existirem teses diversas, a
controvérsia girou em torno dos artigos 202 paragrafo 2 da CF e artigo 68 da Lei Complementar
109/2001, que fazem menção expressa a entidade de previdência privada.
Assim, não há se falar em autonomia do Direito Previdenciário ao Direito do Trabalho nesses casos, mas
somente com relação ao Direito de Previdência Complementar Privada, como os próprios artigos citam.
Pelo o observado, não será hoje que essa questão será revolvida. Seria interessante que todos lessem
as 150 páginas do voto do Supremo e não se aterem à ementa (apesar dessa já ser bem clara), quem
sabe assim a questão seria pacífica.
BIBLIOGRAFIA
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, RE 586.456/SE, Min. Relatora Ellen Gracie/Min
Dias Toffoli, data da publicação 11/06/2013. Disponível em [http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/
paginador.jsp?docTP=AC&docID=630014]. Acesso em 07 fev 2016
BRASIL. TRT 2ª Região, Tribunal Pleno nº 00004832920155020000. Des. Relator Manoel Antonio
Ariano. Pendente de julgamento. Disponível em [http://www.trtsp.jus.br/jurisprudencia/sumulas-e-ojs-tribunais-superiores/11-jurisprudencia/19763-uniformizacao-de-jurisprudencia-lei-n-13-015-2014]. Acesso em: 08 fev. 2016.
BRASIL. TRT 4ª Região, processo 0020467-05.2015.5.04.0271, 6ª Turma, Des. Relator Raul Zoratto Sanvicente. DJe 04/02/2016. Disponível em [http://gsa6.trt4.jus.br/search?q=cache:vb-z3CmBdJEJ:jbintra.trt4.jus.br:8080/pje_2grau_helper/jurisp%3Fo%3Dd%26c%3D3692656%26v%3D7385312++inmeta:DATA_DOCUMENTO:2015-02-08..2016-02
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Paula Castro Collesi
Mestranda em Ciências Jurídico Laborais pela Universidade de Lisboa.
Especialista em Direito do Trabalho pela COGEAE -PUC-SP.
Advogada.
[email protected]
frame.trt4.jus.br/gsa/gsa.jurisp_sdcpssp.baixar%3Fc%3D47653305++inmeta:DATA_DOCUMENTO:2013-02-08..2016-02-08++&client=jurisp&site=jurisp_sp&output=xml_no_dtd&proxystylesheet=jurisp&ie=UTF-8&lr=lang_pt&proxyreload=1&access=p&oe=UTF-8]. Acesso em: 08 fev. 2016.
Comentário ao Processo RE 586.453/SE do STF por Paula Castro Collesi: Competência nas ações de complementação
de aposentadoria - comentários sobre o acordão do STF proferido no RE 586.453 e sua repercussão nos Tribunais
Regionais. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 235-242. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Tribunal Regional
do Trabalho da 2.ª Região
Decisão Interlocutória
TRT-2.ª Reg. – Processo 00507008320055020014 – Decisão Interlocutória – j. 18.02.2016 – juiz Flavio Bretas Soares – Área do Direito: Trabalho; Processual.
EXECUÇÃO – Verbas rescisórias – Créditos trabalhistas de empresa aérea
falida – Liberação imediata de valores referentes à alienação de bens do
executado, ainda pendente de recurso – Admissibilidade – Execução da
pena na esfera penal que torna legítima a cumprimento total da sentença
trabalhista – Adjudicação, ademais, que se insere no conceito de ato jurídico perfeito e acabado.
Veja também Doutrina
•Efeitos da falência do empregador na ação de execução de crédito trabalhista, de Vinícius
José Marques Gontijo, RDT 128/229, Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial 6/895
(DTR\2007\801).
Ementa do Editorial: Execução trabalhista de verbas rescisórias de ex-empregados da Vasp. Possibilidade de imediata liberação dos valores referentes à
alienação de dois bens imóveis do executado. Execução da pena na esfera penal que torna legítima a execução total da sentença se segundo grau na esfera
trabalhista, em que o executado fraudou o direito de inúmeros trabalhadores.
Adjudicação de bens, ademais, que se insere no conceito de ato jurídico perfeito
e acabado.
Comentário ao Processo 00507008320055020014 do TRT-2.ª Reg. por Vera Amaral Carvalho Momo: A antecipação de
recursos a trabalhadores da Vasp (decisão TRT de 18.2.2016) frente ao direito fundamental à efetividade da tutela
jurisdicional. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 243-252. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
Comentário
A antecipação de recursos a trabalhadores da Vasp
(decisão TRT de 18.2.2016) frente ao direito fundamental
à efetividade da tutela jurisdicional
Anticipation of resources to Vasp workers
(TRT decision 02/18/2016) considering the fundamental
right to effectiveness of judicial custody
Resumo: Este trabalho compreende uma análise jurisprudencial do TRT. O objeto deste estudo é a decisão proferida em 18.2.2016 pelo
juiz Flavio Bretas Soares (TRT – 2ª Região), que
autorizou a liberação antecipada de valores
referentes à alienação de bens da antiga Vasp
(Viação Aérea São Paulo) para o pagamento
de dívidas com ex-funcionários da empresa.
Os argumentos utilizados na decisão foram
reforçados com base no entendimento do STF,
que admitiu a execução antecipada de decisão
penal condenatória. Busca-se demonstrar que
a efetividade da prestação jurisdicional é um
direito fundamental do cidadão. A decisão do
TRT demonstrou que a morosidade do processo
estava colocando em risco tal direito.
Abstract: This work comprises a jurisprudential analysis of TRT. The object of this study is
the judgment delivered on 02.18.2016 by Judge
Flavio Soares Bretas (TRT - 2nd Region) which
authorized the early release of amounts relating to the sale of assets of the former Vasp
(Air Traffic São Paulo) for the payment of debts with former employees of the company.
The arguments used in the decision have been
strengthened based on the understanding of
the Supreme Court which admitted the early
implementation of criminal sentencing decision. Seeks to demonstrate that the effectiveness of judicial services is a fundamental right
of the citizen. The decision of TRT has shown
that the length of the process was jeopardizing
this right.
Palavras-chave: Direito à tutela jurisdicional.
Direito de ação. Efetividade do direito Justiça.
Keywords: Right to judicial services. Right of
action. Effectiveness of law. Justice.
Sumário: Introdução. 1. Decisão do STF – Admissão de execução antecipada de decisões condenatórias. 2. Decisão do TRT – Caso Vasp: 2.1. Fundamentação da decisão - 2.2. Direito à efetividade da
tutela jurisdicional. Considerações finais. Referências.
Introdução
A Justiça do Trabalho aplicou o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) na área penal
que deu eficácia plena para decisão que admitiu que um réu condenado em segunda instância da
Justiça começasse a cumprir pena de prisão, ainda que estivesse em fase de recurso aos tribunais
superiores (STF, 2016).
A decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho – TRT- da 2.ª Região, em São Paulo, determinou a liberação imediata de valores referentes à alienação de bens da antiga Vasp (Viação Aérea
Comentário ao Processo 00507008320055020014 do TRT-2.ª Reg. por Vera Amaral Carvalho Momo: A antecipação de
recursos a trabalhadores da Vasp (decisão TRT de 18.2.2016) frente ao direito fundamental à efetividade da tutela
jurisdicional. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 243-252. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Jurisprudência Comentada
São Paulo) para o pagamento de dívidas com ex-funcionários da empresa, mesmo ainda estando o
processo em fase recursal (TRT, 2016).
Tal decisão, proferida pelo juiz trabalhista Flavio Bretas Soares, determinou a imediata liberação dos
valores obtidos com a venda das Fazendas Rio Verde e Santa Luzia, que pertenciam ao ex-controlador da companhia, empresário Wagner Canhedo, para o pagamento de trabalhadores da companhia
(TRT, 2016).
O objetivo deste trabalho é analisar a referida decisão do TRT, à luz do direito fundamental do cidadão à tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva, decorrente do princípio do direito à ação,
expresso no art. 5.º, XXXV, da CF/1988.
Justifica a escolha do tema o ineditismo da decisão proferida pelo TRT, assim como da decisão proferida pelo STF na área penal, à qual faz referência.
1. Decisão do STF – Admissão de execução antecipada de decisões condenatórias
A decisão do STF ocorreu no julgamento do HC 126.292, gerando polêmica ao autorizar a execução antecipada de decisões condenatórias (art. 5.º, LVII), mesmo pendentes recursos aos tribunais
superiores.
Tal decisão fere garantias constitucionais, como a da presunção da inocência e o da dignidade da
pessoa humana, que informa todo o nosso Direito.
Além da Constituição Federal, os Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil (por exemplo, a Declaração de Direitos Humanos de 1948 da ONU e o Pacto de São José da Costa Rica aprovado pelo
Congresso Nacional pelo Dec. legislativo 27/1992), igualmente garantem o direito da presunção de
inocência (STF, 2016).
Lembramos que o § 2.º do art. 5.º, da CF/1988 garante a aplicação dos tratados internacionais devidamente aprovados pelo Brasil: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em
que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Segundo Damásio de Jesus (2002, p. 11), o princípio da presunção da inocência está previsto na
Constituição Federal do Brasil, art. 5.º, LVII, segundo o qual, “ninguém será considerado culpado até
o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Para Tavares (2003. p. 494-495), “trata-se de um princípio penal o de que ninguém pode ser tido por
culpado pela prática de qualquer ilícito senão após ter sido como tal julgado pelo juiz natural, com
ampla oportunidade de defesa. (...). Ao indivíduo é garantido o não-tratamento como criminoso,
salvo quando reconhecido pelo sistema jurídico como tal. Portanto, a autoridade policial, carcerária,
administrativa e outras não podem considerar culpado aquele que ainda não foi submetido à definitividade da atuação jurisdicional”.
O princípio da presunção da inocência está intimamente ligado ao Estado Democrático de Direito,
de onde partem os princípios regradores dos mais diversos campos das ações humanas.
Para Capez (2004. p. 10), o princípio da dignidade humana, orientador de toda a formação do direito
penal, também tem por fundamento o Estado Democrático de Direito, o que quer dizer que toda
construção que contrariar e afrontar a dignidade humana será materialmente inconstitucional,
posto que contrário ao próprio fundamento do nosso Estado.
É bom lembrar que o exercício do jus puniendi do Estado depende da culpabilidade do agente. Damásio de Jesus (2002, p. 459) entende que a culpabilidade “é o pressuposto da aplicação da pena”.
A culpabilidade é compreendida como um limite para a intervenção do Estado na imposição de
penas. É a garantia constitucional da presunção de inocência que assegura ao cidadão que ele não
Comentário ao Processo 00507008320055020014 do TRT-2.ª Reg. por Vera Amaral Carvalho Momo: A antecipação de
recursos a trabalhadores da Vasp (decisão TRT de 18.2.2016) frente ao direito fundamental à efetividade da tutela
jurisdicional. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 243-252. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
sofrerá imposição de pena antes de provada sua culpabilidade em última instância, pois o indivíduo
só pode ser considerado culpado ao fim de um processo com esse propósito. Ao Estado, cabe investigar o ocorrido e identificar o culpado (TAVARES, 2003. p. 495).
Nessa linha, no HC em questão, o ministro Marco Aurélio e a ministra Rosa Weber manifestaram
opinião de que a decisão repercutiria diretamente nas garantias constitucionais (STF, 2016).
O ministro Celso de Mello, na mesma direção do ministro Marco Aurélio, também se manifestou
contrário à execução antecipada da pena antes do trânsito em julgado de decisão condenatória. Em
seu voto, afirmou que a presunção de inocência é consagrada constitucionalmente “como direito
fundamental de qualquer pessoa – independentemente da gravidade ou da hediondez do delito que
lhe haja sido imputado” e que e que tal presunção é “legitimada pela ideia democrática”. (STF, 2016).
O ministro Ricardo Lewandowski também votou contra a possibilidade da execução provisória da
pena (STF, 2016).
O princípio da presunção de inocência é um princípio fundamental no nosso ordenamento jurídico,
responsável por tutelar a liberdade dos nossos cidadãos.
Os princípios e garantias constitucionais não podem ser desrespeitados sob o pretexto de que o
Estado tem o direito e o dever em punir infratores que desrespeitaram nossa ordem jurídica, pois
isso traz insegurança para a sociedade brasileira.
Defender os princípios que fundamentam nosso ordenamento é condição essencial para preservação do maior bem de que dispomos, que é a nossa liberdade.
2. Decisão do TRT – Caso Vasp
2.1 Fundamentação da decisão
A decisão do STF foi um dos argumentos utilizados na Justiça do Trabalho como reforço para determinar que uma dívida fosse quitada antes de finalizado o processo. O juiz Flávio Bretas Soares
determinou a liberação imediata dos valores obtidos com as vendas de duas fazendas para pagar
dívidas da falida Vasp.
A decisão do magistrado foi fundamentada com base numa série de constatações. Transcrevo suas
palavras (TRT, 2016):
“Após mais de uma década, esta ação ainda busca a satisfação dos créditos dos mais de 6.000
trabalhadores da VASP - Viação Aérea São Paulo. Apesar dos esforços deste juiz e dos demais magistrados responsáveis por esta execução, ainda resta um total de aproximadamente R$ 1,6 bilhões
de créditos sem satisfação, boa parte referente a verbas rescisórias”.
Mais à frente continua (TRT, 2016):
“Como responsável por esta execução, e no pouco à frente desta unidade, tive a oportunidade
de constatar as mais variadas situações. Afinal, são incontáveis os casos de trabalhadores que já
faleceram. Outros tantos encontram-se em extrema dificuldade, seja por problemas financeiros ou
mesmo por problemas de saúde”.
O juiz também considerou o fato de os devedores contarem “com razoável suporte financeiro” e
utiliza uma notícia veiculada pelo Ministério Público para demostrar que tal suporte decorre “de
condutas que buscam frustrar o pagamento dos haveres dos trabalhadores”.
O magistrado do TRT reforçou da seguinte forma (TRT, 2016):
“Aliás, como reforço de argumento, cito a emblemática decisão proferida pelo STF, nos autos do
processo HC 1262921, em que confere eficácia plena a uma decisão de segundo grau. Ora, se em
esfera penal, em que o objeto é a própria liberdade da pessoa, é possível a execução da pena, com
Comentário ao Processo 00507008320055020014 do TRT-2.ª Reg. por Vera Amaral Carvalho Momo: A antecipação de
recursos a trabalhadores da Vasp (decisão TRT de 18.2.2016) frente ao direito fundamental à efetividade da tutela
jurisdicional. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 243-252. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
Jurisprudência Comentada
maior razão é legítima a execução total da sentença de segundo grau na esfera trabalhista, em que
o executado fraudou o direito de mais de 6 mil trabalhadores”.
A leitura da decisão do TRT demonstra que a fundamentação da decisão do magistrado do TRT
partiu de uma série de constatações relacionadas ao andamento do processo Vasp, servindo o caso
decidido pelo STF como reforço da decisão.
2.2. Direito à efetividade da tutela jurisdicional
O direito de ação é um direito subjetivo do cidadão, expresso na Constituição Federal em seu art. 5.º,
XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”
A natureza do direito de ação baseia-se no fato de que o Estado, ao proibir a autotutela, assumiu o
monopólio da jurisdição. Como contrapartida dessa proibição, conferiu aos particulares o direito de
ação e, como corolário, o direito destes a uma prestação jurisdicional efetiva.
Nessa linha, Cintra, Dinamarco & Grinover (2003. p. 23) entendem a jurisdição como uma atividade
pela qual “os juízes agem em substituição às partes, que não podendo fazer justiça com as próprias
mãos (vedada a autodefesa); a elas, que não mais podem agir, resta a possibilidade de fazer agir,
provocando o exercício da função jurisdicional”.
O Estado exerce assim seu poder para a solução de conflitos entre as pessoas, decidindo sobre as
pretensões apresentadas. O Estado, ao exercer a jurisdição, cumpre sua finalidade pacificadora, a
fim de eliminar os conflitos que afligem os indivíduos e lhes trazem angústia. “É meio efetivo para
a realização da justiça.” (CINTRA, DINAMARCO, GRINOVER, 2003. p. 24-25).
O direito de ação não se reduz simplesmente ao direito de ir a juízo, mas também significa o direito
que o indivíduo tem à adequada tutela jurisdicional (TAVARES, 2003. p.500).
Em outras palavras, o direito de receber a prestação jurisdicional é o reflexo do dever do juiz de dar
a referida prestação.
O direito a uma prestação jurisdicional deve ser visto sob o ponto de vista de que o Estado, ao criar
a jurisdição, teve como finalidade garantir que as normas de direito substancial sejam efetivas ou
que conduzam ao resultado para as quais foram criadas.
O que quer dizer que a motivação que leva uma pessoa ao processo é alcançar, no caso concreto, os
resultados práticos que o direito material preconiza ou a efetividade de seu direito.
Nesse sentido, Cintra et al. (2003, p. 135) entende que “é sempre uma insatisfação que motiva a instauração do processo. O titular de uma pretensão (penal, civil, trabalhista, tributária, administrativa,
etc.) vem a juízo pedir a prolação de um provimento que, eliminando a resistência, satisfaça a sua
pretensão e com isso elimine o estado de insatisfação.”
E esses resultados almejados se traduzem numa resposta jurisdicional satisfatória, tempestiva e
justa, tornando-a efetiva.
Esse é o contexto que entendemos deva ser a analisada a decisão do juiz Bretas no caso Vasp. Pelos
fatos relatados na decisão, o processo vem correndo com extrema morosidade. Os trabalhadores da
empresa buscam a satisfação de seus créditos há décadas, sem resultado.
Os funcionários encontram-se angustiados, com problemas de saúde e financeiros. Muitos já morreram sem ver a satisfação de sua pretensão atendida.
Ainda, consta da decisão que, além das “manobras” apontadas pelo Ministério Público, que visam
impedir a cobrança da dívida e a satisfação dos créditos, “o executado insiste em discutir matérias
já exaustivamente decididas, buscando, como usual, tumultuar o regular andamento processual”.
(TRT, 2016).
Comentário ao Processo 00507008320055020014 do TRT-2.ª Reg. por Vera Amaral Carvalho Momo: A antecipação de
recursos a trabalhadores da Vasp (decisão TRT de 18.2.2016) frente ao direito fundamental à efetividade da tutela
jurisdicional. Revista de Direito do Trabalho. vol. 169. ano 42. p. 243-252. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2016.
247
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Revista de Direito do Trabalho 2016 • RDT 169
O direito ao provimento jurisdicional tempestivo está assegurado pelo art. 5º, LXXVIII da CF/1988,
segundo o qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração
do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Diante desse quadro, parece-nos acertada a decisão do magistrado. O provimento atendeu a princípios constitucionais que visam garantir direitos fundamentais do cidadão, mais precisamente, o
direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional, implícito no próprio direito de ação (art.
5.º, XXXV, da CF/1988).
Lembramos que se quisermos dar efetividade às normas jurídicas, devemos estar atentos aos princípios que as informam e que garantem os direitos fundamentais do cidadão.
Segundo Nascimento (2004, p. 242), princípios e direitos fundamentais “acabam por cumprir o mesmo fim (...) pode um princípio ser invocado por alguém que o quer ver aplicado ao caso concreto,
perspectiva sob a qual os princípios seriam a fonte da qual o direito fundamental é a faculdade nela
fundamentada”.
O papel dos princípios de direito é condicionar e orientar a compreensão do ordenamento jurídico,
do qual são “verdades fundantes”, consubstanciando exigências de ordem ética, sociológica, política, ou de caráter técnico (REALE, 2002. p.305-307).
Considerações finais
A insatisfação das pessoas é sempre um fator apto a colocar em risco a ordem social.
A indefinição de situações entre os indivíduos perante os bens pretendidos e perante o próprio
direito é sempre motivo de tensões (CINTRA, DINAMARCO, GRINOVER, 2003. p. 20).
A função pacificadora do Estado é exteriorizada pela jurisdição. Por meio dela, o juiz decide sobre as
pretensões apresentadas, impondo decisões.
Ao Estado cumpre garantir a realização dos valores humanos e dos direitos fundamentais do cidadão. A ele compete fazer do processo um meio efetivo para a realização da justiça (CINTRA, DINAMARCO, GRINOVER, 2003. p. 20).
O tempo é inimigo da efetividade da função jurisdicional. A permanência de situações indefinidas é
sempre é fator de angústia e insatisfação pessoal.
A decisão do juiz Flavio Bretas analisada neste trabalho demonstrou o quanto a demora na solução
da lide tem causado de prejuízo aos antigos trabalhadores da Vasp, demora esta provocada, em
grande parte, pelos próprios executados.
Procurou-se demonstrar nesta análise que a decisão do STF, no julgamento do HC 126.292, autorizando a execução antecipada de decisões condenatórias, mesmo pendentes recursos aos Tribunais
Superiores, acabou por ferir garantias constitucionais do cidadão, como a da presunção da inocência e o da dignidade da pessoa humana.
Já no caso do litígio dos trabalhadores da Vasp a situação foi outra. A decisão proferida acabou
por garantir a efetividade do direito à prestação jurisdicional, em conformidade com os princípios
constitucionais assegurados ao cidadão e com os tratados internacionais ratificados pelo Brasil.
A fundamentação foi reforçada pela decisão do STF no julgamento do HC, a nosso ver com muita
propriedade, haja vista que, como o próprio juiz Flavio Bretas expôs, se é possível, na esfera penal,
em que está em jogo a liberdade humana, executar antecipadamente uma pena, com maior razão
pode-se admitir a execução total da sentença de segundo grau na esfera trabalhista, levando-se em
conta que o executado fraudou o direito de milhares de trabalhadores (TRT, 2016).
Comentário ao Processo 00507008320055020014 do TRT-2.ª Reg. por Vera Amaral Carvalho Momo: A antecipação de
recursos a trabalhadores da Vasp (decisão TRT de 18.2.2016) frente ao direito fundamental à efetividade da tutela
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Jurisprudência Comentada
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Questão de justiça. Seria impensável admitir que, no caso em questão, o executado, tumultuando o
regular andamento do processo (conforme consta na decisão do TRT), aufira alguma vantagem com
o alongamento do litígio indefinidamente, colocando em risco a efetividade da tutela jurisdicional
à qual os trabalhadores da Vasp têm direito.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05.10.1988. Disponível em [http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm]. Acesso em 24 fev. 2016.
______. Supremo Tribunal Federal – STF. HC n. 126.292. Relator: Ministro Teori Zavascki. Disponível
em [http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC126292.pdf]. Acesso em: 25
fev. 2016.
______.Tribunal Regional do Trabalho – TRT - da 2ª Região. Processo n. 00507008320055020014.
Juiz Flavio Bretas Soares. São Paulo, SP, 18.02.2016. Disponível em [http://www.duqueestrada.
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CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
geral do processo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
Vera Amaral Carvalho Momo
Mestranda em direito comercial pela PUC/SP.
Atuação na área de fusões e aquisições.
Consultora societária.
[email protected]
Processo 00507008320055020014
1. Da liberação dos valores referentes à alienação das Fazendas Santa Luzia e
Rio Verde
Primeiramente, faço um breve histórico sobre o curso desta ação civil pública.
Após mais de uma década, esta ação ainda busca a satisfação dos créditos dos
mais de 6.000 trabalhadores da Vasp – Viação Aérea São Paulo.
Apesar dos esforços deste juiz e dos demais magistrados responsáveis por esta
execução, ainda resta um total de aproximadamente R$ 1,6 bilhões de créditos
sem satisfação, boa parte referente a verbas rescisórias.
Como responsável por esta execução, e no pouco à frente desta unidade, tive
a oportunidade de constatar as mais variadas situações. Afinal, são incontáveis os
casos de trabalhadores que já faleceram. Outros tantos encontram-se em extrema
dificuldade, seja por problemas financeiros ou mesmo por problemas de saúde.
É bem verdade que este juízo já deu início à distribuição de valores referentes
à alienação da Fazenda Piratininga. Entretanto, somente a título de esclarecimenComentário ao Processo 00507008320055020014 do TRT-2.ª Reg. por Vera Amaral Carvalho Momo: A antecipação de
recursos a trabalhadores da Vasp (decisão TRT de 18.2.2016) frente ao direito fundamental à efetividade da tutela
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to, é importante frisar que muitos foram os trabalhadores que não se habilitaram
tempestivamente, ou mesmo que o fizeram sem atender aos termos do edital de
habilitação. Dessa forma, estes trabalhadores estão até a presente data sem nada, friso,
nada receber a título de verbas rescisórias e demais haveres contratuais.
Na outra ponta, verifico que os devedores ainda contam com razoável suporte
financeiro, ainda que isso decorra de condutas que buscam frustrar o pagamento dos
haveres dos trabalhadores. Para maior elucidação, transcrevo a notícia extraída do
sítio eletrônico do Ministério Público Federal:1
“O Ministério Público Federal (MPF) encaminhou nessa terça-feira, 27 de outubro, à Justiça denúncia contra o empresário Wagner Canhedo Filho e outras sete
pessoas pela prática dos crimes de fraude à execução fiscal, falsidade ideológica e
lavagem de dinheiro. As investigações começaram em 2014, após representação da
Procuradoria da Fazenda Nacional (PFN), que identificou indícios de condutas criminosas adotadas com o objetivo de ocultar bens e valores financeiros do grupo empresarial comandado por Canhedo Filho. A intenção das manobras era impedir a
execução de dívidas tributárias. As investigações continuam e novas denúncias envolvendo a atuação do grupo serão levadas à apreciação judicial.
A apuração do MPF revelou que, para impedir a cobrança da dívida que, segundo
a PFN, ultrapassa R$ 800 milhões, foram criadas empresas de fachada, usadas de
forma sistemática para esvaziar o patrimônio e a receita do Hotel Nacional S/A, Viplan – Viação Planalto Limitada e Lotaxi Transportes Urbanos Ltda., contra os quais
havia ordens de execução fiscal. Uma farta documentação comprova as irregularidades. Ao todo, já foram identificadas sete empresas fictícias. A primeira denúncia
inclui pessoas ligadas a quatro delas: KVZ Fomento Ltda., HBJ Transportes Ltda., RPR
Consultoria e Equipamentos Eirelli – ME e Coota DF – Cooperativas de Transportes
Alternativos Autônomos e Individuais de Passageiros do DF Ltda.
Na ação, a procuradora da República Michele Rangel Vollstedt Bastos lista as práticas
que configuram os três crimes mencionados na denúncia, descrevendo a participação
das pessoas denunciadas. Caberá à 10.ª Vara Federal em Brasília apreciar a denúncia.
Além de Wagner Canhedo Filho, denunciado pelos três crimes praticado por diversas vezes, também constam da ação: Wagner Canhedo Azevedo Neto, Jamel Humber
Borghi Junior, Rafael Patini Rienti, Wilson Geraldo, Gilbson Luna Gadelha e Diocílio
de Oliveira Simões. Somadas, as penas máximas dos crimes pelos quais Wagner Canhedo Filho foi denunciado ultrapassam 200 anos. Entretanto, no Brasil, o máximo
de pena de prisão a ser cumprido é de 30 anos.
Entenda o caso – Ainda em 2014, por requisição do Núcleo Criminal da Procuradoria da República no Distrito Federal, foi instaurado um inquérito policial com
1.[http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_criminal/mpf-df-denuncia-a-justica-responsaveispelo-grupo-canhedo].
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o objetivo de apurar as suspeitas relatadas pela Divisão de Grandes Devedores da
Procuradoria da Fazenda Nacional. As diligências revelaram uma confusão societária,
caracterizada pela criação de empresas compostas por pessoas interpostas (laranjas),
voltadas para prática de fraudes contra credores, entre outros crimes.
Em maio deste ano, a pedido do MPF, a Justiça Federal determinou o cumprimento
de vários mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao grupo empresarial
ainda o afastamento dos gestores do controle administrativo de empresas do grupo.
Três meses mais tarde, novas provas revelaram a continuidade da prática. Um dos
documentos mostrou, por exemplo, que no dia 28 de agosto o empresário sacou mais
de R$ 1,2 milhão de uma conta bancária em nome da Cooperativa de Transportes
Alternativos e Autônomos do DF. A constatação embasou a apresentação de um novo
pedido pelos investigadores, desta vez para que Wagner Canhedo Filho fosse preso preventivamente. Na época, os investigadores justificaram o pedido frisando que
diante do “robusto” poder econômico, o risco de fuga era inafastável, o que poderia
colocar em risco a aplicação da lei penal.
A prisão foi efetivada em 09 de outubro, após determinação judicial e mantida
pelo TRF-1.ª Reg. e pelo STJ, que já analisaram recursos apresentados pela defesa do
empresário”.
Superada a questão histórica, passo a analisar a alienação de dois bens do executado (Agropecuária Vale do Araguaia Ltda.), mas que ainda pendem de recurso: (1)
Fazenda Rio Verde, AgPet 00013017020145020014; (2) Fazenda Santa Luzia, AgPet
00008570320155020014.
Ambas foram alienadas, sendo autorizado o pagamento parcelado do valor total da
venda. Dessa forma, já existem valores disponibilizados a favor deste Juízo.
Ocorre que ambos os recursos apresentados pela executada, em sede de agravo de
petição, foram desprovidos pelo Tribunal Regional do Trabalho. Por sua vez, verifica-se que referidos recursos não versam sobre questões constitucionais, pressuposto
objetivo previsto no art. 896, § 2.º, da CLT. Por esse motivo, aliás, é que estatisticamente os agravos de instrumento nos recursos de revista não são providos pelo TST.
Aliás, o executado insiste em discutir matérias já exaustivamente decididas, buscando, como usual, tumultuar o regular andamento processual.
A partir de tais pressupostos, determino a imediata liberação dos valores disponibilizados neste processo, a título das alienações das Fazendas Santa Luzia e Fazenda Rio Verde.
Aliás, como reforço de argumento, cito a emblemática decisão proferida pelo STF,
nos autos do processo HC 1262921,2 em que confere eficácia plena a uma decisão
2. Direto do Plenário: STF autoriza cumprimento de pena após decisão de 2.ª instância.
Nesta quarta-feira (17), por maioria de votos, o Plenário do STF indeferiu pedido
de habeas corpus (HC 126292) e decidiu pela possibilidade do cumprimento da
sentença condenatória após o julgamento de apelação. No caso em análise, a Corte
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de segundo grau. Ora, se em esfera penal, em que o objeto é a própria liberdade da
pessoa, é possível a execução da pena, com maior razão é legítima a execução total da
sentença de segundo grau na esfera trabalhista, em que o executado fraudou o direito
de mais de 6 mil trabalhadores.
Importante lembrar que a adjudicação dos bens em questão se insere no conceito
de ato jurídico perfeito e acabado, nos exatos termos do art. 685-B do CPC, entendimento esse, aliás, já exposto no CComp 105345, do STJ, em especial no “EDcl no
EDcl no AgRg no CComp 105.345-DF”.
Assim, determino a liberação dos valores referentes à alienação das fazendas Rio
Verde e Santa Luzia.
2. Da distribuição dos valores
Como dito acima, já foram distribuídos os valores decorrentes da alienação da
Fazenda Piratininga, direcionados a acerca de 6.000 trabalhadores, que se habilitaram
oportunamente. Entretanto, outros tantos tiveram problemas de habilitação, como
mídias ilegíveis ou mesmo em branco. Outros nem mesmo se habilitaram, ou o fizerem intempestivamente.
Esclareço que não adoto as premissas da Lei de Falência, em que os credores tardios devem “ir para o fim da fila”. A pretensão deste Juízo é quitar todos os trabalhadores da antiga Vasp, que friso, foram lesados por seu antigo empregador.
Assim, aqueles que já se habilitaram tardiamente, nada devem fazer neste momento. Os documentos já estão sendo remetidos aos peritos para atualização, com o fim
de otimizar a apuração de valores.
Aqueles que se habilitaram tempestivamente, e tiveram problemas de origem técnica, devem proceder nova habilitação, no prazo de 30 dias de publicação deste Edital.
Por fim, para aqueles que não se habilitaram, devem proceder a competente habilitação, no prazo de 30 dias de publicação deste edital.
Após a habilitação, e apuração de valores, os autos virão conclusos para elaboração do plano de pagamento.
São Paulo, 18 de fevereiro de 2016 – FLAVIO BRETAS SOARES, Juiz do Trabalho.
entendeu válido ato do TJSP que, ao negar recurso da defesa, determinou o início
da execução da pena imposta a um condenado por roubo qualificado.
A decisão tomada hoje altera o entendimento da Corte sobre a matéria, que condicionava a execução da pena ao trânsito em julgado da condenação, mas ressalvava
a possibilidade de prisão preventiva.
O voto do relator do HC, Min. Teori Zavascki, foi seguido pelos Ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. De
acordo com o relator, a manutenção da sentença condenatória pela segunda instância
encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado. Eventuais
recursos cabíveis ao STJ e ao Supremo restringem-se à análise de questões de direito.
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9.O curriculum deve obedecer ao seguinte critério: iniciar com a titulação acadêmica (da última para a primeira);
caso exerça o magistério, inserir os dados pertinentes, logo após a titulação;
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adicionais (associações ou outras instituições de que seja integrante) – máximo de três; finalizar com a função
ou profissão exercida (que não seja na
área acadêmica). Exemplo:
Pós-doutor em Direito Público pela
Università Statale di Milano e pela Universidad de Valencia. Doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP.
Professor em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da USP.
Membro do IBDP. Juiz Federal em
Londrina.
10. Os Conteúdos Editoriais deverão ser
precedidos por um breve Resumo (10
linhas no máximo) em português e em
outra língua estrangeira, preferencialmente em inglês.
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11. Deverão ser destacadas as Palavras-chave (com o mínimo de cinco), que
são palavras ou expressões que sintetizam as ideias centrais do texto e que
possam facilitar posterior pesquisa ao
trabalho; elas também devem ser grafadas em português e em outra língua
estrangeira, preferencialmente em inglês, a exemplo do Resumo.
(Norma Brasileira da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT
– Anexo I). As referências devem ser
citadas em notas de rodapé ao final de
cada página, e não em notas de final.
14.Todo destaque que se queira dar ao
texto deve ser feito com o uso de itálico. Jamais deve ser usado o negrito
ou o sublinhado. Citações de outros
Autores devem ser feitas entre aspas,
sem o uso de itálico ou recuos, a não
ser que o próprio original tenha destaque e, portanto, isso deve ser informado (“destaque do original”).
12. A numeração do Sumário deverá sempre ser feita em arábico. É vedada a
numeração dos itens em algarismos
romanos. No Sumário deverão constar
os itens com até três dígitos. Exemplo:
Sumário: 1. Introdução – 2. Responsabilidade civil ambiental: legislação: 2.1
Normas clássicas; 2.2 Inovações: 2.2.1
Dano ecológico; 2.2.2 Responsabilidade civil objetiva.
255
15.As referências legislativas ou jurispru-
13.As referências bibliográficas deverão ser
feitas de acordo com a NBR 6023/2002
__________
denciais devem conter todos os dados
necessários para sua adequada identificação e localização. Em citações de
sites de Internet, deve-se indicar expressamente, entre parênteses, a data
de acesso.
Contrato e racionalidade
Contract and racionality
Marcos Cáprio Fonseca Soares
Mestre em Sociologia pela UFRGS. Advogado.
Área do Direito: Civil; Processual; Consumidor
Resumo: O presente artigo é fruto de pesquisa empírica levada a cabo junto aos acórdãos do TJRS,
especificamente em matéria contratual. Aqui, trago as conclusões obtidas no âmbito dos contratos
abrangidos pelo Sistema Financeiro de Habitação. Delimitei a racionalidade jurídica nutrida pelos
desembargadores de referido Tribunal ao procederem às tomadas de decisões neste tema. Após
precisar o conceito central deste trabalho (racionalidade), exponho e analiso os dados obtidos junto
aos acórdãos coletados, promovendo uma classificação dos atores jurídicos consentâneo o teor
argumentativo invocado na fundamentação dos votos, ocasião em que a nova teoria dos contratos
passa a ser contextualizada em meio a um processo de transformações pelas quais vem passando
o direito privado como um todo.
Palavras-chave: Cláusulas gerais – Juros – Revisão contratual – Racionalidade – Rematerialização.
Abstract: The present article is a result of empiric research mode next to judgements of Tribunal
de TJRS, specifically in contractual subject. Here, I bring the conclusions got among the contracts
embroced by the “Sistema Financeiro de Habitação”. I delimited the juridical racionality sustained by
magistrates of the abovementioned Tribunal when they took decisions on this matter. After precising
the main concept of this work (racionality), I expose and analyse data got next to judgements
collected, promoting a classification of the juridical actors according to the armentative contents
evoked in the fundamentation of votes, occasion where the new theory of contracts starts to be
contextualized in a process of transformations by which private law is passing as a whole.
o
l
e
d
o
m
Keywords: General clauses – Interest – Contractual review – Racionality – Rematerialization.
Sumário: 1. Introdução – 2. A racionalidade jurídica e o contexto atual do direito
privado: 2.1 A matriz weberiana; 2.2 Reflexões contemporâneas – 3. A mudança
paradigmática no direito privado brasileiro – 4. A pesquisa empírica: o caso do SFH
– 5. Considerações finais – 6. Bibliografia.
1. Introdução
Nonononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononononono.
6. Bibliografia (exemplos)
Albergaria, A. Cinco anos sem chover: história de João Louco. Recife: Sertão, 1999.
Arruda Alvim Wambier, Teresa. Nulidades da sentença. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.
Brasil. Código Penal. 13. ed. São Paulo: Ed. RT, 2008, coleção RT Códigos.
Estefam, André. Temas polêmicos sobre a nova lei do júri. Disponível em: [www.damasio.com.br/?category_id=506].
Acesso em: 24.09.2008.
Gomes, Luís Gustavo et alii. Direito civil brasileiro. 2. ed. Recife: Sertão, 1999. vol. 3.
Kelsen, Hans. Direito positivo. 10. ed. Trad. Celso Bastos. São Paulo: Ed. RT, 2000.
Oliveira, José Antonio. Verdade real. In: Stoco, Rui (coord.). Direito penal. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2000. vol. 5, t. II.
Silva, José Augusto da. Ação declaratória. Dissertação de mestrado, São Paulo, PUC, 2000.
______. E o Brasil, como vai? Folha de S. Paulo, Cad. Mundo, 24.01.2004.
Souza, Artur César. As cortes de Warren e Rehnquist: judicial activism ou judicial self-restraint. Revista dos Tribunais.
vol. 874, p. 11. São Paulo: Ed. RT, ago. 2008.
A.S. R2087
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