Jack Cottrell SER BOM O BASTANTE não é bom o

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Jack Cottrell
SER BOM O BASTANTE
não é bom o bastante
A maravilhosa graça de Deus
Traduzido por Wellington Mariano
Itapira, 2014
© UPBOOKS, 2014
Todos os direitos reservados.
Ser bom o bastante não é bom o bastante: a maravilhosa graça de Deus
Copyright © 1976 by Jack Cottrell
The STANDARD PUBLISHING, Co.
a division of Standex International Corp.
Itapira, 2014
140 páginas
Todos os textos bíblicos, a menos que indicado, foram extraídos da
Bíblia Almeida Corrigida e Revisada Fiel
Título original:
Being good enough is not good enough: God’s wonderful grace
Coordenação editorial Eneas Francisco e Wellington Mariano
Tradução Wellington Mariano
Revisão Marlon Silva Marques
Preparação e diagramação BFK
Capa AGÊNCIA IDDEIA SIMPLES - Charles dos Santos
2014
Todos os direitos reservados à
Casa Publicadora Bereana
Rua Luis Otaviano Queluz, 103 - 13976-000 - Itapira, SP
Tel (19) 3843-6389
www.upbooks.net.br
1ª Edição: 2014
ISBN: 978-85-66941-08-1
Sumário
Prefácio....................................................................................5
Introdução...............................................................................7
Capítulo 1 - Cem por Cento Inocente.................................9
Capítulo 2 - Graça: Mais do que justo.................................19
Capítulo 3 - O Direito à Liberdade......................................29
Capítulo 4 - Marca Registrada da Liberdade......................39
Capítulo 5 - Problema Duplo...............................................47
Capítulo 6 - Não há solução fácil.........................................57
Capítulo 7 - Cura Dupla........................................................67
Capítulo 8 - Apenas o Início.................................................77
Capítulo 9 - Como Posso Ter Certeza?................................87
Capítulo 10 - Deus Tem Favoritos?......................................99
Capítulo 11 - Misericórdia: Graça em Ação.......................109
Capítulo 12 - Não Jogue Pedras............................................119
Capítulo 13 - Declaração de Dívida.....................................129
Prefácio
É com um sentimento de gratidão e felicidade que apresento ao público brasileiro a primeira obra em português de Jack
Warren Cottrell. Cottrell é um teólogo e filósofo cristão que
possui mais de 40 anos como professor universitário. Está associado às Igrejas Cristãs – Igrejas de Cristo e ao movimento
restauracionista, movimento este que tinha como objetivo o
retorno às práticas cristãs primitivas, e como tal, não queria
criar novas denominações e nem fazer uso de rótulos denominacionais e que busca reformar a igreja a partir de dentro
dela. Também é profícuo autor, tendo escrito, ao longo de sua
carreira, mais de vinte obras, isso sem mencionar seus inúmeros artigos.
Cottrell é um daqueles raros casos de cristão que consegue
mesclar profundidade e conhecimento bíblico com simplicidade e serviço cristão, atuando tanto no cenário acadêmico
quanto na igreja local. Suas obras são conhecidas e reconhecidas pelos leitores de língua inglesa e agora o Brasil também
começa a se beneficiar de suas contribuições literárias.
Deleite-se com a leitura desta obra que lida com os principais assuntos bíblicos e teológicos apresentados pelo apóstolo
Paulo em suas cartas aos Gálatas e aos Romanos, afinal, ser
bom o bastante não é o bom o bastante.
A Deus seja a glória!
Wellington Mariano
Coeditor
Introdução
AS DOUTRINAS DA SALVAÇÃO
Os capítulos deste livro baseiam-se em passagens bíblicas
selecionadas dos livros de Gálatas e Romanos. Tais passagens
lidam com grandes temas tais como justificação pela fé, lei
e graça, liberdade cristã, reconciliação, novo nascimento e
segurança da salvação. Não há nas Escrituras temas mais
empolgantes do que estes!
Algumas pessoas ficam amedrontadas quando termos
como justificação, propiciação e regeneração são utilizados.
Isto é lamentável e desnecessário. É desnecessário porque
tais termos podem ser entendidos, embora isto exija certo
esforço na área do estudo. É lamentável porque os que se
esquivam de tais “temas da Escritura”, conforme certa pessoa
disse, estão se privando de grande prazer e benefício.
Devemos aprender a ser mais específicos na área de
doutrina bíblica. Pode ser suficiente, no início, entender
simplesmente que somos pecadores, que Cristo morreu por
nossos pecados e que agora somos salvos. Mas se isto for
tudo o que Deus quer que saibamos, algumas poucas páginas
de revelação seriam o bastante.
Temos muito, mas muito mais do que isso. Os poços
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são mais profundos; as minas são mais ricas. Não devemos
mergulhar em tais temas? Não devemos aprender a diferença
entre lei e graça? Entre a culpa do pecado e a corrupção do
pecado? Entre propiciação, redenção e reconciliação? Entre
justificação e regeneração?
Minha convicção pessoal é que uma das maiores
necessidades de nossas igrejas hoje é aprender a diferença
entre lei e graça. Por conseguinte, o livro, do início ao fim,
tenta tratar do tema da graça. Uma vez que os temas de
estudo já foram predeterminados, todavia, esta tentativa
não é sequer bem-sucedida. Mas minha esperança é que as
pessoas e grupo de estudo serão levados a uma apreciação
mais profunda da maravilhosa graça de Deus e que sejam
motivados a prosseguir com o estudo dos temas tratados no
livro.
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CAPÍTULO 1
CEM POR CENTO INOCENTE
“Acerte-se com Deus!”
Esta admoestação, escrita em outdoors, às vezes nos confronta
enquanto dirigimos pelas estradas. E realmente não é um mau
conselho. Na verdade, é um conselho muito bom. O que pode ser
mais importante do que acertar-se com Deus?
O evangelho de Jesus Cristo nos evidência isso. O evangelho –
as boas novas – é que podemos nos acertar com Deus através da fé
em Jesus. Gálatas 2.16 diz que: “o homem não é justificado pelas
obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo”.
Neste capítulo nosso objetivo é entender o que significa ser
justificado pela fé.
1. O QUE É FÉ?
Muitas pessoas têm dificuldade em aceitar o fato de que somos
justificados pela fé, pois elas entendem erroneamente a natureza
da fé. Portanto, nossa primeira tarefa é definir fé.
A. FÉ É UM ASSENTIMENTO
A fé que justifica contém dois elementos essenciais. O primeiro
é comumente chamado de assentimento. Assentimento é um
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julgamento intelectual, uma crença de que algo seja verdadeiro. É
um julgamento da mente em relação à verdade de uma afirmação.
Todos nós somos frequentemente chamados a exercitar a fé
nesse sentido. “Eu acredito que George Washington realmente
tenha atravessado o Rio Delaware”, diz o aluno. “Acredito que
a substância que você está inserindo no tanque de combustível
de meu carro realmente seja gasolina”, dizemos ao frentista.
“Acreditamos que você seja uma pessoa honesta e seu histórico
de crédito é bom”, diz a caixa de uma loja de departamentos que
emite cartões de crédito.
O que leva uma pessoa a consentir com tal proposição? Em
termos simples, somos compelidos pela suficiência da evidência.
Acreditamos que algo seja verdadeiro se a evidência for suficiente.
Registros históricos, incluindo a declaração de testemunhas
oculares, são suficientes para nos convencer de que George
Washington realmente atravessou o Rio Delaware. Acreditamos
que o fluído claro seja gasolina, pois ele se parece com gasolina,
tem cheiro de gasolina e porque, até onde se sabe, nada além de
gasolina saiu daquela bomba. As lojas de departamento, no geral,
só emitem um cartão de crédito quando já receberam evidências
de nossa credibilidade como bons pagadores.
A fé cristã, fé justificadora, inclui tal assentimento. “Ora, sem
fé é impossível agradar-lhe; porque é necessário que aquele que
se aproxima de Deus creia que ele existe, e que é galardoador
dos que o buscam” (Hebreus 11.6). Marta, de Betânia, resume
nossa fé em Cristo desta maneira: “Sim, Senhor, creio que tu és o
Cristo, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo” (João 11.27).
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Ser bom o bastante não é bom o bastante
O apóstolo Paulo acrescenta: “Se com a tua boca confessares ao
Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou
dentre os mortos, serás salvo” (Romanos 10.9).
Essas são algumas das afirmações que acreditamos que sejam
verdadeiras. Por que acreditamos nelas? O que nos compele a
assentir? Nada menos do que a evidência. O próprio Jesus nos
deu evidência básica nos milagres que realizou. (Vide Marcos 2.12; João 2.11). Sua própria ressurreição foi a evidência climática
(Romanos 1.4). Testemunhas oculares nos deram testemunhos
confiáveis destes sinais miraculosos: “Jesus, pois, operou também
em presença de Seus discípulos muitos outros sinais, que não
estão escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para que
creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo,
tenhais vida em seu nome” (João 20.30-31).
Desta forma, fé é a primeira de todas as crenças de que essas
grandes reivindicações são verdadeiras: que Deus nos ama, que
Ele deu Seu Filho Unigênito por nós, que Jesus morreu por nossos
pecados, que Ele ressuscitou dos mortos, que Ele nos redimirá
de nossos pecados e o dom do Espírito Santo no batismo cristão,
dentre outras coisas mais.
Mas basta apenas acreditar que essas coisas são verdadeiras?
Uma pessoa será justificada simplesmente por aceitar a verdade
destas afirmações? A resposta é não. Mesmo os demônios creem
nisso, entretanto, estão perdidos (Tiago 2.19, Marcos 1.24). A fé
justificadora é mais do que uma mera aceitação do testemunho
como verdadeiro.
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Jack Cottrell
B. FÉ É CONFIANÇA
Isso nos leva ao segundo elemento da fé, a saber, confiança.
A confiança é mais do que julgamento intelectual. Ela envolve
um compromisso de todo o ser. É uma decisão da vontade em
relação à submissão a uma pessoa. É a entrega do ser (ou de algo
em seu poder) ao controle de outrem. É, portanto, uma atitude de
confiança em outra pessoa.
Um exemplo corriqueiro de confiança é a contratação de uma
babá para cuidar de nossos filhos. Ao contratar uma babá você
está, talvez, entregando seus pertences mais preciosos nas mãos
de outra pessoa. Logo, você quer alguém em quem possa confiar,
uma pessoa em quem você tenha confiança. Outro exemplo é ir
ao médico. Uma vez que você está submetendo sua vida e saúde
aos cuidados dele, você quer um médico de sua confiança, alguém
em quem possa confiar.
Esta é a diferença entre assentimento e confiança. Assentimento
é acreditar que certas declarações são verdadeiras; confiança
é acreditar em uma pessoa. Fé justificadora certamente inclui
confiança, uma vez que ela é acreditar em Jesus como Salvador.
(Vide João 3.16; Atos 16.31). É uma decisão de confiar toda sua
vida a Jesus e a Seu caminho (2 Timóteo 1.12).
Uma ilustração que expressa muito bem a distinção entre
assentimento e confiança é a história de um artista francês que
andava sobre corda bamba há algumas décadas. Um dia, diz-se,
ele estava fazendo uma exibição nas Cataratas do Niágara. Ele
andou sobre uma corda esticada sobre o desfiladeiro, fazendo
todos os tipos de acrobacias incomuns e de tirar o fôlego.
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Ser bom o bastante não é bom o bastante
Por fim, ele empurrou um carrinho de mão sobre a corda.
Ao voltar para a terra firme, ele foi até um menino que estava
assistindo, fascinado. O acrobata era, obviamente, um herói para
o menino, então o artista perguntou ao menino: “Jovem, você
acha que sou bom de andar sobre a corda, não acha?”.
- Sim, senhor!
- Você provavelmente acredita que eu posso fazer praticamente
tudo sobre a corda, não é?
- Sim, senhor! Acredito que o senhor realmente pode.
- Acredita que eu possa até mesmo levar uma pessoa dentro
deste carrinho de mão e conduzi-lo de um lado do desfiladeiro
ao outro?
- Sim, eu acredito!
- Muito bem. Entre no carrinho de mão!
Mas o menino que havia expressado assentimento com
tamanha convicção, não conseguia reunir a confiança pessoal
exigida para aquele passo. Ele se recusou a se entregar nas mãos
do acrobata.
A fé que nos justifica diante de Deus inclui tanto o assentimento
quanto a confiança. Acreditamos que Jesus é o Cristo, o Filho de
Deus e que ele morreu por nossos pecados e que ressuscitou.
Acreditamos em Sua promessa de perdoar nossos pecados e de
nos dar o dom do Espírito Santo no batismo (Atos 2.38). Portanto,
depositamos nossa confiança nele, entregando nossa vida a Ele
como Senhor. Essa fé e entrega contínua é que nos justifica.
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Jack Cottrell
2. O QUE É JUSTIFICAÇÃO?
O evangelho é que somos justificados pela fé. O que isso
significa? O que significa ser justificado?
Para entender e apreciar a justificação, devemos entender nossa
situação problemática como pecadores. Pecado é simplesmente
uma transgressão da lei de Deus (1 João 3.4). Quando pecamos,
entramos em um relacionamento errado e desastroso com
Deus e Sua lei. Tornamos-nos culpados perante a lei e debaixo
de Sua penalidade e condenação. Trocamos seu favor por sua
ira. Se continuarmos nesse relacionamento de culpa, seremos
condenados ao inferno eterno.
Sabemos que pecamos (Romanos 3.23) e, portanto, que somos
culpados e estamos debaixo de condenação. Mas há esperança?
Existe alguma forma de endireitar o relacionamento com Deus e
sua lei? Podemos realmente “nos acertar com Deus”?
A. PRONUNCIAMENTO LEGAL
A resposta é sim! Podemos ser justificados. Esse é um termo
legal (jurídico) e se refere ao veredito pronunciado por um juiz em
uma corte. Ser justificado significa ser pronunciado “não culpado”.
Significa que Deus olha para nós, tão culpados e tão pecadores
quanto somos, e nos declara não culpados. Ele nos perdoa.
Ele perdoa nossa culpa. Ele coloca de lado nossa penalidade, a
condenação exigida pela lei. Ele nos trata como justos, como se
jamais tivéssemos pecado. Aleluia!
Como Deus pode fazer isso? Ele sabe que somos pecadores,
mas promete não colocar nossos pecados contra nós. O que O
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Ser bom o bastante não é bom o bastante
capacita a suprimir Sua ira e a suspender a maldição da lei de nós?
Apenas uma coisa: Jesus Cristo já sofreu plenamente a penalidade
da lei por nós, em nosso lugar. “Cristo nos resgatou da maldição
da lei, fazendo-se maldição por nós...” (Gálatas 3.13). Quando Ele
morreu na cruz, Ele estava sofrendo em Seu corpo e espírito a
punição eterna em razão de todo e cada pecador.
B. DADA ATRAVÉS DO BATISMO
O que, então, nos livra da punição? Nossa fé em Cristo. Nós
somos verdadeiramente “justificados por Seu sangue” (Romanos
5.9), mas apenas quando colocamos nossa “fé em Seu sangue”
(Romanos 3.25). É assim que somos justificados pela fé. Não
é uma fé geral ou vaga no amor e bondade de Deus. É fé em
Jesus Cristo, fé de que Ele realmente “pagou tudo” através de Seu
sofrimento e morte.
Um ponto importante não deve ser negligenciado. Ainda que
sejamos justificados pela fé, não somos justificados tão logo que
temos fé. Tal visão, embora defendida por muitos, é um erro muito
sério [1]. Ela confunde meio com acontecimento. A fé é o meio de
justificação, mas de acordo com a Bíblia, o batismo é a ocasião
durante a qual a justificação é dada. Jesus prometeu nos encontrar
no batismo cristão e, no momento do batismo, aplicar seu sangue
sobre nós para remissão de pecados (Atos 2.38; Romanos 6.4-6;
Colossenses 2.12; Gálatas 3.27). Se acreditarmos nessa promessa,
então O encontraremos e seremos justificados.
[1] Esta visão é defendida pelo autor Jack Cottrell e não, como ele mesmo aponta em seu texto, a visão de muitos outros cristãos evangélicos.
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Jack Cottrell
C. CEM POR CENTO INOCENTE
Ser justificado é algo que nos acontece de maneira imediata
e completa. Não é algo que acontece gradualmente, pois não
nos é dado em níveis. Quando Deus te declara “não culpado” à
Sua vista, Ele quer dizer que a partir daquele momento você é
considerado cem por cento inocente.
Devemos lembrar que é isso o que acontece com o crente
agora, nesta vida, começando com o batismo. Não temos de
esperar até o dia do julgamento para sermos justificados. Somos
justificados agora; vivemos agora como pessoas justificadas,
pessoas perdoadas. Continuamos nesse estado de perdão
enquanto mantivermos nossa fé justificadora em Cristo.
Ser justificado não significa que não temos pecado. Antes,
significa que não temos condenação. “Portanto, agora nenhuma
condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Romanos 8.1).
Confiamos no sangue de Cristo; confiamos que ele cobre nossos
pecados e absorve suas punições. Portanto, vivemos sem medo
do inferno; temos “certeza abençoada”.
Uma ilustração da justificação pode ser feita dessa forma.
Primeiro, em um papel branco trace um esboço de um corpo
humano com caneta de tinta azul ou preta. Depois, desfigure o
desenho ao escrever os nomes de vários pecados com caneta de
tinta vermelha. (Essa é a nossa condição atual). Por fim, coloque
um pedaço de plástico ou celofane vermelho sobre todo o
desenho. O que acontece? Os pecados são “apagados” e tudo o
que permanece visível a nossos olhos é a figura original.
Isso é o que acontece quando somos justificados. Estamos
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Ser bom o bastante não é bom o bastante
carregados de pecados; mas fomos colocados debaixo do sangue
de Cristo que, na figura, esconde nossos pecados dos olhos de
Deus. Desta forma ele pode nos declarar retos (justos). Através da
fé no sangue de Cristo nos acertamos com Deus.
Não é de se surpreender que a “justificação pela fé” seja boas
novas, o cerne do evangelho. Quanto mais soubermos sobre a
justificação, mais nos maravilharemos com a sabedoria de Deus;
quanto mais O amarmos por Seu amor, mais descansaremos na
confiança pacífica sobre a obra de Cristo.
Os capítulos seguintes tentarão trazer mais entendimento
sobre esse grande tema.
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CAPÍTULO 2
GRAÇA: MAIS DO QUE JUSTO
Justificado pela fé! Por que isso é boa nova? O que tem
de tão maravilhoso nisso? Podemos responder essa questão
de maneira plena apenas quando a comparamos com a
alternativa.
A alternativa à justificação pela fé é justificação pelas obras.
O evangelho não é simplesmente que podemos ser salvos em
vez de perdidos. A boa nova é que podemos ser salvos pela
fé em vez de pelas obras da lei. (Vide Gálatas 2.16; Romanos
3.28; Efésios 2.8-10).
Por exemplo, quando Paulo discute o evangelho no livro
de Romanos (vide 1.16-17), sua principal preocupação não é
a diferença entre pecado e salvação. Seu propósito principal é
contrastar as duas maneiras possíveis de salvação: pela graça
através da fé ou pela lei por meio de obras. Assim sendo, em
teoria, há dois caminhos para a salvação.
O que Paulo quer dizer, entretanto, é que um desses
caminhos (obras da lei) foi completa e permanentemente
obstruído por nosso pecado. Podemos tentar o quanto
quisermos, mas jamais podemos nos acertar com Deus
através de nossa retidão pessoal ou de nossa fidelidade
Jack Cottrell
à lei. Mas Deus não nos deixou para que pereçamos. Ele
graciosamente proporcionou uma rota alternativa: fé. Essa é
a única estrada genuína que nos leva a Deus e a única forma
de salvação para pecadores.
Neste capítulo queremos entender o que significa ser
“herdeiros da graça de Deus”. Isso exige que, antes de tudo,
entendamos a diferença entre estas duas formas possíveis de
salvação, que podemos chamar de lei e graça.
1. O CAMINHO DA LEI
A Bíblia coloca os dois sistemas, lei e graça, em incisivo
contraste. João, acerca de nosso Senhor, diz: “E todos nós
recebemos também da sua plenitude, e graça por graça.
Porque a lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram
por Jesus Cristo” (João 1.16-17). Paulo adverte: “Separados
estais de Cristo, vós os que vos justificais pela lei; da graça
tendes caído” (Gálatas 5.4). Paulo, acerca dos cristãos, diz:
“Porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais
debaixo da lei, mas debaixo da graça” (Romanos 6.14).
“Debaixo da lei” é uma expressão que descreve o estado de
toda e cada pessoa no início de sua vida. Deus é um Ser de
“lei e ordem”. Ele criou o universo para funcionar de acordo
com a lei natural, e as pessoas para viverem de acordo com
a lei moral. Quando uma pessoa nasce, ela já está inserida
nesta estrutura de lei. Quando sua consciência moral se
desenvolve, a pessoa é confrontada com a lei de Deus, quer
seja pela revelação natural (natureza, Romanos 1.18-32; 2.1415) ou por revelação especial (a Bíblia).
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Ser bom o bastante não é bom o bastante
Se uma pessoa permanece dentro do sistema ou estrutura
da lei, então, no dia do julgamento ela será julgada de acordo
com as regras ou termos da lei. (As leis particulares, sob as
quais as pessoas vivem, podem, de alguma forma, variar,
mas o sistema de lei com suas regras comuns e basilares para
ser salvo é o mesmo para todos). Essas regras podem ser
afirmadas de maneira simples e sucinta:
“Obedeça a lei; fuja da punição. Infrinja a lei; sofra a
punição”.
Este é o funcionamento da lei. Enquanto estivermos
debaixo da lei, devemos perceber que essas são as regras que
se aplicam a nós.
Isso não é tão ruim, você pode dizer. Afinal de contas, é
possível ser salvo fazendo uso desse sistema. Se guardarmos
as leis de Deus, escaparemos da punição do inferno. Se nós,
de fato, não somos culpados, então Deus certamente nos
justificará (nos declarará “não culpado”). Consequentemente,
podemos ser justificados por nossas obras, por nossa
obediência aos mandamentos de Deus.
Sim, é possível ser justificado pelas obras da lei, caso
obedeçamos perfeitamente todos os mandamentos de Deus.
O problema é que apenas um único pecado nos transforma
em transgressores da lei e, desta forma, sujeitos à punição.
Como Tiago diz: “Porque qualquer que guardar toda a lei,
e tropeçar em um só ponto, tornou-se culpado de todos”
(Tiago 2.10; vide Gálatas 3.10). Portanto, para que a pessoa
seja salva debaixo da lei (que é onde todos nós começamos),
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Jack Cottrell
ela precisa viver uma vida sem cometer um único pecado
sequer.
Agora, a notícia assustadora é que “não há um justo,
nem um sequer” (Romanos 3.10), “pois todos pecaram e
destituídos estão da glória de Deus” (Romanos 3.23). O
significado disso é que enquanto estivermos debaixo da
lei, estamos fadados à perdição. Nenhuma quantidade de
bondade subsequente pode alterar o fato de que pecamos e
que devemos sofrer a penalidade.
2. O CAMINHO DA GRAÇA
É precisamente neste ponto que o evangelho é proclamado:
Deus forneceu uma alternativa à lei outra forma de ser salvo.
É o caminho da graça. É um sistema totalmente diferente e ele
funciona de acordo com um conjunto totalmente diferente
de regras. Debaixo da graça uma pessoa se aproxima de Deus
para a salvação nestes termos simples:
“Guarde a lei, mas sofra a punição. Quebre a lei, mas
escape da punição”.
Aleluia! Debaixo da graça, um infrator da lei (pecador)
pode escapar da penalidade do inferno eterno.
“Espere um pouco”, você diz. “Não tem algo de errado
com essas regras? Por que alguém que obedece a lei sofre a
punição e a pessoa que infringe a lei se vê livre da penalidade?
Isso não parece ser justo!”
A afirmação está absolutamente correta. Não é justo. Não
devia ser assim. Se fosse justo, não seria graça! A lei é justa. A
graça é mais do que justa.
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Ser bom o bastante não é bom o bastante
“Certo”, você diz, “mas espere um pouco. Eu posso aceitar
a segunda parte do sistema, a saber, ‘Infrinja a lei, todavia,
escape da punição’. Isso é ótimo, pois essa é nossa única
esperança. Mas e a primeira regra: ‘Guarde a lei, todavia,
padeça a penalidade? Quem concordaria com isso?”
Na verdade, tal afirmação parece ser muito estranha e até
mesmo inadmissível. Mas se lembre, a graça é diferente de
nossa forma comum de pensar. Ela não se encaixa na estrutura
de lei, justiça e imparcialidade. E isso é particularmente
verdade em se tratando da afirmação: “Guarde a lei, todavia,
sofra a penalidade”.
Mas este é o elemento preciso da graça que a torna graça!
Sem esta provisão a outra parte seria impossível. Afinal
de contas, a quem se aplica esta provisão? Quem, enfim,
guardou a lei? Apenas uma pessoa: o imaculado Cristo.
Embora ele tenha obedecido à lei, ele sofreu sua penalidade.
Por quê? Pela graça! Pela graça! Somente as exigências da
graça poderiam pregar na cruz o impoluto Jesus. Pois em sua
morte imaculada, Ele padeceu toda a penalidade da lei em
nosso lugar, e, desta maneira, possibilitou a nós, verdadeiros
pecadores, que escapássemos da punição.
O sistema da graça é resumido perfeitamente por 2
Coríntios 5.21: “Deus tornou pecado por nós aquele que não
tinha pecado”. Cristo pegou nossos pecados e nós recebemos
Sua retidão. Deus tratou a Cristo como um pecador para que
possamos ser tratados como Ele.
Aqui, então, está a escolha com a qual somos confrontados.
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Jack Cottrell
Podemos permanecer debaixo da lei, para nossa certa
condenação; ou podemos aceitar a livre oferta de graça e
nos tornarmos: “herdeiros de Deus e coerdeiros com Cristo”
(Romanos 8.17). Louvado seja Deus por esta abençoada
alternativa!
3. HERDEIROS DA GRAÇA
Uma coisa deve ficar clara. Ao fazer distinção entre lei e
graça, não estamos falando sobre a diferença entre o Antigo
Testamento e o Novo Testamento. O que aqui foi dito acerca
da lei se aplica a toda forma de lei divina em qualquer era
ou época. A lei de Moisés é um exemplo básico: ninguém
jamais foi salvo por guardá-la. Mas o mesmo também é
válido para os mandamentos neotestamentários. Ninguém é
salvo por guardar a lei na era do Novo Testamento, mesmo
os mandamentos registrados nos livros do Novo Testamento.
Uma vez que a pessoa pecou, a lei é, de qualquer forma, inútil
para salvá-la.
Qual, então, era o propósito da lei veterotestamentária?
Paulo diz que ela foi dada “por causa das transgressões” até
que Cristo viesse (Gálatas 3.19). Isso quer dizer que ela foi
dada para ajudar a controlar as tendências pecaminosas do
homem e também para deixar claro que todos são pecadores
e, desta maneira, não podem ser salvos através da obediência
à lei. Consequentemente, a própria lei jamais teve a intenção
de ser um meio de salvação (Gálatas 3.21).
Isso significa que os santos do Antigo Testamento foram
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Ser bom o bastante não é bom o bastante
salvos pela graça exatamente da mesma forma que nós somos
salvos. Abraão é o exemplo favorito do Novo Testamento
desta verdade. Paulo faz uso de Abraão para provar seu
argumento principal: “o homem é justificado pela fé sem as
obras da lei” (Romanos 3.28).
A plenitude das bênçãos e da vida eterna foi oferecida a
Abraão e a sua família, e através dele para todos os povos
da terra (Gênesis 12.3; Gálatas 3.8). Como Abraão recebeu
esta gloriosa herança? Como alguém a recebe na época do
Novo Testamento? Paulo diz que a herança não depende da
lei, mas da promessa de Deus: “Deus pela promessa a deu
gratuitamente a Abraão” (Gálatas 3.18). Abraão, desta forma,
recebeu a promessa através da fé nas promessas de Deus
(vide Romanos 4.13). “Abraão creu em Deus, e isso lhe foi
imputado como justiça” (Gênesis 15.6; conforme citado em
Romanos 4.3 e Gálatas 3.6).
Paulo então deixa claro que essa herança da graça é
compartilhada por todos na família de Abraão. Quem
pertence à família de Abraão? Aqueles que, como Abraão,
creem nas promessas de Deus! Ele é o “pai de todos os que
creem” (Romanos 4.11).
“Porque todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus.
Porque todos quantos fostes batizados em Cristo já vos
revestistes de Cristo. Nisto não há judeu nem grego; não há
servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós
sois um em Cristo Jesus” (Gálatas 3.26-28).
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Jack Cottrell
4. VIVENDO DEBAIXO DA GRAÇA
Eis nossa escolha: podemos permanecer debaixo da
lei onde nossa destruição é certa ou podemos nos tornar
herdeiros da graça de Deus pela fé. A decisão não deveria ser
difícil. Se um homem naufraga cerca de 2 km da terra seca
e um hidroavião pousa ao seu lado, ele tem duas opções. Ele
pode tentar nadar até à margem ou pode tentar entrar no
avião. Será que ele hesitaria por um instante antes de entrar
no avião?
Como cristãos nós decidimos viver debaixo da graça. Esta
é uma escolha sensata e doadora de vida. Uma indagação
importante, entretanto, é esta: estamos verdadeiramente
vivendo em plena confiança e convicção, aceitando a palavra
de Deus? Estamos depositando nossa esperança de vida
eterna sobre a obra consumada de Cristo, confiando em
Seu sangue como constante cobertura para nossos pecados?
Ou ainda estamos vivendo como se dependêssemos da lei?
Estamos vivendo como se nossa salvação realmente depende
de nossa obediência cotidiana à lei? Estamos, na verdade,
confiando em nossa própria bondade e obras de obediência?
É muito triste ver cristãos que ainda pensam como o
fariseu na parábola de Jesus (Lucas 18.9-14). No dia do
julgamento, quando Deus perguntar: “Por que deveria te
deixar entrar no céu?”, o fariseu responderá: “Porque obedeci
a seus mandamentos”. Examine a si mesmo. É assim que você
age? Então você está pensando em termos de lei e não pode
gozar de todas as bênçãos da graça de Deus.
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Ser bom o bastante não é bom o bastante
O cristão que entendeu o verdadeiro significado da graça
é como o publicano da mesma parábola. Quando Deus
perguntar: “Por que deveria te deixar entrar no céu?”, ele
dirá: “Porque confio em sua misericórdia para perdoar meus
pecados”. Afinal de contas, esta é a promessa, não é?
Que percebamos que nossa salvação não depende de
nossa fraqueza, mas da força de Deus. Ela não depende de
nossa habilidade em guardar a lei, mas a habilidade de Deus
em manter suas promessas. Quando enxergarmos isso, então
poderemos verdadeiramente começar a viver debaixo da
graça.
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