Notas de aula 6 Dedução da lei de Maxwell para a distribuição de velocidades em um gás (Boltzmann, 1876) FMT0259 - Termodinâmica II (2010) Carmen P. C. Prado, abril de 2010 (aula 8) Boltzmann deduziu a distribuição proposta por Maxwell para a velocidade das moléculas dos gases a partir de uma lei que previa como a pressão variava com a altura na atmosfera terreste, conhecida como Lei de Halley. Portanto vamos começar discutindo brevemente essa lei. 1. Lei de Stevin (variação da pressão com a profundidade em um líquido): Aplicando as leis de Newton a um elemento de volume dV = A dz P uido em equilíbrio é possível mostrar que a variação da pressão altura z que Newton, F (ver, por ex., Moysés cap. 1.3, vol 2) essencialmente = ma. ρ (1) A equação (1) ao lado é obtida aplicando-se a 2a lei de Newton à massa de um elemento innitesimal de volume dV, sujeita a um campo gravitacional. Figura 1: essa expressão equivale Se multiplicarmos pelo volume dos dessa equação, no esquerdo teremos Se com a é dada por dP = −ρ g dz Note de um A .P = F e a segunda lei de dV = A dz os dois lano direito ρ .V g = M g . = constante, ca fácil integrar (1) e obtemos a conhecida lei de Stevin: Z dP = − ρg dz P Z 0 z dP = −ρg =⇒ Po dz 0 = zo z − ρgz 0 zo =⇒ P − Po = − ρg(z − zo ) (2) . Mas ρ= constante apenas para um um líquido. uido incompressível, ou seja, é uma boa aproximação apenas para A equação (2) é a famosa fórmula usada no colegial para calcular a variação da pressão com a profundidade h de uma piscina ou lago: P (z) = Po + ρg |{z} h (Lei de Stevin) (3) zo −z 2. Lei de Halley (variação da pressão com a altitude na atmosfera): Para um gás não é razoável supor ρ= constante, pois os gases são bastante compressíveis. Logo, ρ = ρ(z), ou seja, tanto a pressão como a densidade variam com a altura. Para integrar a equação (1) e encontrar a expressão equivalente à lei de Stevin para uidos compressíveis, ρ temos que achar a função ρ(z), ou seja, descobrir como varia com a altura (ou profundidade). Halley, interessado em calcular como a pressão da atmosfera diminuia com a altitude, obteve uma aproximação para ρ(z) a partir de duas hipóteses: (a) a atmosfera pode ser tratada como um gás ideal; (b) T = constante, ou seja, a atmosfera está em equilíbrio térmico, certamente não é verdadeira para grandes variações de altura. 1 uma hipótese bastante restritiva, que A partir da lei dos gases, PV = N RT = supondo T = cte, temos: M RT M =⇒ P = m RT . V |{z} M |{z} (M é a massa do gás; M a massa de 1 mol.) cte ρ P = constante × ρ, ou seja, P (z) P (z) ∝ ρ(z), teremos Po ∝ ρo , ou seja, se conhecermos a pressão e a densidade referêcia (zo ) podemos calcular a constante de proporcionalidade: As hipóteses de Halley (gás ideal e T constante) signicam portanto que é proporcional a ρ(z). Mas se em uma certa altura de ρ(z) = ρo P (z) Po (4) Com (4) podemos integrar a equação (1): dP ρo = − ρg = − P (z)g dz Po Z dP 0 =− P0 P Po ln P P 0 Po dP (z) ρo = − g dz P (z) Po =⇒ Z z α dz (α = cte = zo z −αz 0 zo = (separamos as variáveis) =⇒ ln P Po ρg ) Po = − αz ou P (z) = Po e− 3. ρo g z Po (Lei de Halley) (5) A estratégia de Boltzmann: Vimos que, a partir das hipóteses de Halley, P = NA é kB T , ou m onde é o número de avogadro e seja, kB T P (z) = ρ(z) ! m m RT RT kB T N RT = ρ = ρ = ρ , V M NA m m a massa de uma molécula. A constante de proporcionalidade entre P e ρ A equação (5) então pode ser escrita como: − P (z) = Po e mg kB T z e portanto − ρ(z) = ρo e Note que essa é exatamente a lei de Halley escrita por molécula. Como mg kB T z ρ(z) = n(z) m, (6) onde n(z) é o número de moléculas por unidade de volume (densidade de moléculas), vemos que o número de moléculas por unidade de volume também decai exponencialmente com a altura − n(z) = no e mg kB T z (7) Boltzmann atribuiu esse decréscimo à força da gravidade: para que uma molécula chegue até uma altura na atmosfera, ao nível zo , a componente de sua velocidade na direção z , vz , deve ser tal que vz2 ≥ 2gz z (ver gura O decréscimo na densidade, portanto, era um reexo direto da distribuição da componente z da velocidade (no nível zo ). 2). 2 Figura 2: Para contribuir para o decréscimo da densidade observado entre velocidade entre 4. vz e vz + dvz em z e z + dz a molécula deve ter zo . Fazendo as contas... A partir de (7) temos que dn = no dz dn representa o velocidade entre volume é mg − kB T e− (mg/kB T ) z dn = Co e− (mg/kB T ) z dz = Co e− λz dz. portanto decrescimo de moléculas observado entre z e z + dz , que é igual ao número de moléculas com vz e vz + dvz . Mas o número de moléculas com velocidade entre vz e vz + dvz por unidade de vz n(vz ) dvz = Co e− (mg/kB T ) z dz Uma molécula com velocidade vz (8) subirá até uma altura z= vz2 2g =⇒ dz = vz dvz g (9) Substituindo (9) em (8) temos 2 vz n(vz ) dvz = Co e− (mg/kB T ) (vz /2g) vz dvz g 2 n(vz ) dvz = Co 0 e− (m vz /2kB T ) dvz |{z} =⇒ (10) Co g A expressão (10) mostra que a distribuição de velocidades de um gás em equilíbrio térmico à temperatura T, não depende de z e também não é afetada pelo campo gravitacional crever á distribuição de velocidades nas direções n(vx ) dvx n(vy ) dvy x e g. Portanto ela também dserve para des- y: 2 = Co 0 e− (mvx /2kB T ) dvx − (mvy2 /2kB T ) = Co 0 e dvy A distribuição de velocidades deve ser normalizada. Vamos chamar essa distribuição normalizada de w pode ser vx , vy ou vz . Com isso achamos o valor da constante 3 Co 0 : (11) (12) f1 (w), onde ∞ Z f1 (w) dw = 1 =⇒ Co 0 = Z −∞ ∞ = − (mw2 /2kB T ) e | −∞ I1 5. 1 = p {z dw } m 2πkB T 1/2 . π/α, α = m/2kB T Distribuiçãode Maxwell-Boltzmann A fração de moléculas com velocidades entre ~v e ~v e ~v + d~v é dada por: f (vx , vy , vz ) dvx dvy dvz = f1 (vx ) dvx f1 (vy ) dvy f1 (vz ) dvz Com isso obtemos nalmente a distribuição de Maxwell: f (vx , vy , vz ) = m 2πkB T 3/2 " m(vx2 + vy2 + vz2 ) exp − 2kB T # (13) Mas o que queremos é a distribuição de velocidades em função do seu módulo v, v. Precisamos portanto re-escrever (13) em função de e não de suas componentes. Se considerarmos um recipiente com Nm moléculas de um gás em equilíbrio térmico à tempertatura T, podemos representar as velocidades das moléculas por pontos no espaço de velocidades dNvx ,vy ,vz de moléculas dNvx ,vy ,vz igual a . Nm (ver gura ao lado). A fração cidade entre v e v + dv será Figura 3: dNvx ,vy ,vz é o número de pontos que caem num volume dvx dvy dvz . m 2πkB T 3/2 m 2πkB T 3/2 dNvx ,vy ,vz = Nm f (vx , vy , vz ) dvx dvy dvz = = com velo- " # m(vx2 + vy2 + vz2 ) dvx dvy dvz exp − 2kB T mv 2 exp − dvx dvy dvz . 2kB T Note que o expoente de (14) é igual à energia cinética dividida por kB T. A fração de moléculas com velocidade entre ao número de pontos da casca esférica de raio v e volume dN (v) = Nm F (v) dv = 4πNm Figura 4: dvx dvy dvz = 4π v 2 dv . 4 v e v + dv equivale no espaço de velocidades que caem dentro dV = 4π v 2 dv , m 2πkB T 3/2 ou seja, mv 2 2 exp − v dv 2kB T o que dá para a distribuição de velocidades F (v) = 4π m 2πkB T dN/Nm = F(v) é a fração de moléculas que tem |v| 3/2 entre mv 2 v exp − 2kB T v 2 e (14) v + dv . Essa é a expressão apresentada como distribuição de Maxwell nos livros. Note que ela equivale à (13). uma diferença entre essa expressão e a que é apresentada em alguns livros, como Halliday. F(v) Halliday Há = Nm F(v) e representa a distribuiçãodo número de moléculas (não a fração de moléculas) como no livro do Moysés Moysés. Sua integral é igual a Nm 5