Mc 10,2-16: Indissolubilidade do matrimônio

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Mc 10,2-16: Indissolubilidade do matrimônio: cf.par. Mt 19,1-9
Papa Bento XVI
Encíclica "Deus charitas est", §9-11
"E os dois serão um só"
A relação de Deus com Israel é ilustrada através das metáforas do noivado e do matrimónio;
consequentemente, a idolatria é adultério e prostituição... O eros de Deus pelo homem —
como dissemos — é ao mesmo tempo totalmente agape... O amor apaixonado de Deus pelo
seu povo — pelo homem — é ao mesmo tempo um amor que perdoa… Na Bíblia
encontrarmo-nos diante de uma imagem estritamente metafísica de Deus: Deus é
absolutamente a fonte originária de todo o ser; mas este princípio criador de todas as coisas —
o Logos, a razão primordial — é, ao mesmo tempo, um amante com toda a paixão de um
verdadeiro amor. Deste modo, o eros é enobrecido ao máximo, mas simultaneamente tão
purificado que se funde com a agape.
A primeira novidade da fé bíblica consiste na imagem de Deus; a segunda, essencialmente
ligada a ela, encontramo-la na imagem do homem. A narração bíblica da criação fala da
solidão do primeiro homem, Adão, querendo Deus pôr a seu lado um auxílio… A ideia de
que o homem de algum modo esteja incompleto, constitutivamente a caminho a fim de
encontrar no outro a parte que falta para a sua totalidade, isto é, a ideia de que, só na
comunhão com o outro sexo, possa tornar-se « completo », está sem dúvida presente. E, deste
modo, a narração bíblica conclui com uma profecia sobre Adão: « Por este motivo, o homem
deixará o pai e a mãe para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne » (Gn 2, 24).
Aqui há dois aspectos importantes: primeiro, o eros está de certo modo enraizado na própria
natureza do homem; Adão anda à procura e « deixa o pai e a mãe » para encontrar a mulher;
só no seu conjunto é que representam a totalidade humana, tornam-se « uma só carne ». Não
menos importante é o segundo aspecto: numa orientação baseada na criação, o eros impele o
homem ao matrimónio, a uma ligação caracterizada pela unicidade e para sempre; deste
modo, e somente assim, é que se realiza a sua finalidade íntima. À imagem do Deus
monoteísta corresponde o matrimónio monogâmico. O matrimónio baseado num amor
exclusivo e definitivo torna-se o ícone do relacionamento de Deus com o seu povo e, viceversa, o modo de Deus amar torna-se a medida do amor humano.
Concílio Vaticano II
Constituição Dogmática sobre a Igreja no mundo actual "Gaudium et Spes", § 48
"Maridos. amai as vossas esposas como Cristo amou a Igreja: entregou-se por ela" (Ef
5,25)
O homem e a mulher, que, pela aliança conjugal «já não são dois, mas uma só carne» (Mt. 19,
6), prestam-se recíproca ajuda e serviço com a íntima união das suas pessoas e actividades,
tomam consciência da própria unidade e cada vez mais a realizam. Esta união íntima, já que é
o dom recíproco de duas pessoas, exige, do mesmo modo que o bem dos filhos, a inteira
fidelidade dos cônjuges e a indissolubilidade da sua união.
Cristo Senhor abençoou copiosamente este amor de múltiplos aspectos, nascido da fonte
divina da caridade e constituído à imagem da sua própria união com a Igreja (Ef 5, 32). E
assim como outrora Deus veio ao encontro do seu povo com uma aliança de amor e
fidelidade, assim agora o Salvador dos homens e esposo da Igreja vem ao encontro dos
esposos cristãos com o sacramento do matrimónio. E permanece com eles, para que, assim
como Ele amou a Igreja e se entregou por ela (Ef 5, 25), de igual modo os cônjuges, dando-se
um ao outro, se amem com perpétua fidelidade.
O autêntico amor conjugal é assumido no amor divino, e dirigido e enriquecido pela força
redentora de Cristo e pela acção salvadora da Igreja, para que, assim, os esposos caminhem
eficazmente para Deus e sejam ajudados e fortalecidos na sua missão sublime de pai e mãe.
Por este motivo, os esposos cristãos são fortalecidos e como que consagrados em ordem aos
deveres do seu estado por meio de um sacramento especial; cumprindo, graças à força deste, a
própria missão conjugal e familiar, penetrados do espírito de Cristo que impregna toda a sua
vida de fé, esperança e caridade, avançam sempre mais na própria perfeição e mútua
santificação e cooperam assim juntos para a glorificação de Deus.
Pregador do Papa: é possível fazer que as crises não desgastem o matrimônio, mas que o
melhorem
Comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, ofmcap., sobre a liturgia do próximo domingo
ROMA, sexta-feira, 6 de outubro de 2006 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe.
Raniero Cantalamessa, ofmcap. -- pregador da Casa Pontifícia -- sobre a liturgia do próximo
domingo, XXVII do tempo comum.
***
E os dois serão uma só carne
XVII Domingo do tempo comum (B)
Gênesis 2, 18-24; Hebreus 2, 9-11; Marcos 10, 2-16
O tema deste XXVII Domingo é o matrimônio. A primeira leitura começa com as bem
conhecidas palavras: «Disse o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só. Vou dar-lhe
uma ajuda adequada». Em nossos dias, o mal do matrimônio é a separação e o divórcio,
enquanto que nos tempos de Jesus o era o repúdio. Em certo sentido, este era um mal pior,
porque implicava também uma injustiça com relação à mulher, que ainda persiste,
lamentavelmente, em certas culturas. O homem, de fato, tinha o direito de repudiar a própria
esposa, mas a mulher não tinha o direito de repudiar seu próprio marido.
Duas opiniões se contrapunham, com relação ao repúdio, no judaísmo. Segundo uma delas,
era lícito repudiar a própria mulher por qualquer motivo, ao arbítrio, portanto, do marido;
segundo a outra, ao contrário, se necessitava de motivo grave, contemplado pela Lei. Um dia
submeteram esta questão a Jesus, esperando que adotasse uma postura a favor de uma ou
outra tese. Mas receberam uma resposta que não esperavam: «Tendo em conta a dureza de
vosso coração [Moisés] escreveu para vós este preceito. Mas desde o começo da criação,
Deus os fez homem e mulher. Por isso, deixará o homem seu pai e a sua mãe, e os dois serão
uma só carne. De maneira que já não são dois, mas uma só carne. Pois bem, o que Deus uniu,
o homem não separe».
A lei de Moisés acerca do repúdio é vista por Cristo como uma disposição não querida, mas
tolerada por Deus (como a poligamia ou outras desordens) por causa da dureza de coração e
da imaturidade humana. Jesus não critica Moisés pela concessão feita; reconhece que nesta
matéria o legislador humano não pode deixar de levar em conta a realidade de fato. Mas volta
a propor a todos o ideal originário da união indissolúvel entre o homem e a mulher («uma só
carne») que, ao menos para seus discípulos, deverá ser já a única forma possível de
matrimônio.
Contudo, Jesus não se limita a reafirmar a lei; acrescenta-lhe a graça. Isto quer dizer que os
esposos cristãos não têm só o dever de manter-se fiéis até a morte; têm também as ajudas
necessárias para fazê-lo. Da morte redentora de Cristo vem uma força -- o Espírito Santo -que permeia todo aspecto da vida do crente, inclusive o matrimônio. Este inclusive é elevado
à dignidade de sacramento e de imagem viva de sua união esponsalícia com a Igreja na cruz
(Ef. 5, 31-32).
Dizer que o matrimônio é um sacramento não significa só (como com freqüência se crê) que
nele está permitida e é lícita e boa a união dos sexos, que fora daquele seria desordem e
pecado; significa -- mais ainda -- dizer que o matrimônio se converte em um modo de unir-se
a Cristo através do amor ao outro, um verdadeiro caminho de santificação.
Esta visão positiva é a que mostrou tão felizmente o Papa Bento XVI em sua Encíclica «Deus
caritas est», sobre amor e caridade. O Papa não contrapõe nela a união indissolúvel no
matrimônio a outra forma de amor erótico; mas a apresenta como a forma mais madura e
perfeita desde o ponto de vista não só cristão, mas também humano.
«O desenvolvimento do amor para com suas altas cotas e sua mais íntima pureza -- diz -- leva
a que agora se aspire ao definitivo, e isto em um duplo sentido: enquanto implica
exclusividade -- só esta pessoa --, e no sentido do “para sempre”. O amor engloba a existência
inteira e em todas as suas dimensões, inclusive também o tempo. Não poderia ser de outra
maneira, já que sua promessa aponta para o definitivo: o amor tende à eternidade.» [n. 6]
Este ideal de fidelidade conjugal nunca foi fácil (adultério é uma palavra que ressoa
sinistramente até na Bíblia); mas hoje a cultura permissiva e hedonista na qual vivemos o
tornou imensamente mais difícil. A alarmante crise que a instituição do matrimônio atravessa
em nossa sociedade está à vista de todos. Legislações civis, como a do governo espanhol, que
permitem (e indiretamente, de tal forma, estimulam!) iniciar os trâmites de divórcio apenas
poucos meses depois de vida em comum. Palavras como: «estou farto desta vida», «se é
assim, cada um por si!», «vou embora», já se pronunciam entre cônjuges diante da primeira
dificuldade (dito seja de passagem: creio que um cônjuge cristão deveria acusar-se em
confissão do simples fato de ter pronunciado uma destas palavras, porque o simples fato de
dizer é uma ofensa à unidade e constitui um perigoso precedente psicológico).
O matrimônio sofre nisso a mentalidade comum do «usar e jogar fora». Se um aparelho ou
uma ferramenta sofre algum dano ou uma pequena avaria, não se pensa em repará-lo
(desapareceram já aqueles que tinham estes ofícios), pensa-se só em substituir. Aplicada ao
matrimônio, esta mentalidade resulta mortífera.
O que se pode fazer para conter esta tendência, causa de tanto mal para a sociedade e de tanta
tristeza para os filhos? Tenho uma sugestão: redescobrir a arte do remendo! Substituir a
mentalidade do «usar e jogar fora» pela do «usar e remendar». Quase ninguém faz remendos
mais. Mas se não se fazem já na roupa, deve-se praticar esta arte do remendo no matrimônio.
Remendar os desgarrões. E remendá-los rapidamente.
São Paulo dava ótimos conselhos ao respeito: «Se vos irais, não pequeis; não se ponha o sol
enquanto estejais irados, nem deis ocasião ao Diabo», «suportai-vos uns aos outros e perdoaivos mutuamente se algum tem queixa contra outro», «ajudai-vos mutuamente a levar vossas
cargas» (Ef 4, 26-27; Col 3, 13; Ga 6, 2).
O importante que se deve entender é que neste processo de desgarrões e recosidos, de crises e
superações, o matrimônio não se gasta, mas se afina e melhora. Percebo uma analogia entre o
processo que leva a um matrimônio exitoso e o que leva à santidade. Em seu caminho rumo à
perfeição, nenhum impulso, tem aridez estão vazios, fazem tudo à força de vontade e com
fadiga. Depois desta, chega a «noite escura do espírito», na qual não entra em crise só o
sentimento, mas também a inteligência e a vontade. Chega-se a duvidar de que se esteja no
caminho adequado, se é que acaso não foi tudo um erro, escuridão completa, tentações sem
fim. Segue-se adiante só por fé.
Então tudo se acaba? Ao contrário! Tudo isto não era senão purificação. Depois de passar por
estas crises, os santos percebem quão mais profundo e mais desinteressado é agora seu amor a
Deus, com relação ao do começo.
A muitos casais não será custoso reconhecer nisso sua própria experiência. Também terão
atravessado freqüentemente, em seu matrimônio, a noite dos sentidos, na qual falta todo
êxtase daqueles, e se alguma vez houve, é só uma lembrança do passado. Alguns conhecem
também a noite do espírito, o estado em que entra em crise até a opção de fundo e parece que
não se tem já nada em comum.
Se com boa vontade e a ajuda de alguém se conseguem superar estas crises, percebe-se até
que ponto o impulso e o entusiasmo dos primeiros dias era pouca coisa, com relação ao amor
estável e a comunhão amadurecidos nos anos. Se primeiro o esposo e a esposa se amavam
pela satisfação que isso lhes procurava, hoje talvez se amam um pouco mais com um amor de
ternura, livre de egoísmo e capaz de compaixão; amam-se pelas coisas que passaram e
sofreram juntos.
[Traduzido por Zenit]
ZP06100601
Jacques de Saroug (cerca 449-521), monge e bispo sírio
Homília sobre o sexto dia
“Os dois serão uma só carne”
“Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”, disse Deus (Gn 1,26). Uma simples
ordem fez surgir os outros seres da criação: “Que se faça luz!” ou “Haja um firmamento!”.
Desta vez, Deus não disse: “Que haja o homem”, mas disse: “Façamos o homem”. Com
efeito, ele achava conveniente dar forma com as suas próprias mãos a esta imagem de si
próprio, superior a todas as outras criaturas. Esta obra era-lhe particularmente próxima; ele
tinha-lhe um grande amor... Adão é a imagem de Deus porque traz a efígie do Filho único...
Dum certo modo, Adão foi criado simultaneamente singelo e duplo; Eva encontrava-se
escondida nele. Antes mesmo deles existirem, a humanidade estava destinada ao casamento,
que os levaria, homem e mulher, a um só corpo, como no início. Nenhuma querela, nenhuma
discórdia, se devia levantar entre eles. Teriam um mesmo pensamento, uma mesma vontade...
O Senhor formou Adão do pó e da água; quanto a Eva, tirou-a da carne, dos ossos e do sangue
de Adão (Gn 2,21). O profundo sono do primeiro homem antecipa os mistérios da crucifixão.
A abertura do lado era o golpe de lança suportado pelo Filho único; o sono, a morte na cruz; o
sangue e a água, a fecundidade do baptismo (Jo 19,34)... Mas a água e o sangue que correram
do lado do Salvador são a origem do mundo do Espírito...
Adão não sofreu com a amputação feita na sua carne; o que lhe foi subtraído foi-lhe restituído,
transfigurado pela beleza. O sopro do vento, o murmúrio das árvores, o canto dos pássaros
chamava os noivos: “Levantai-vos, já dormistes o suficiente! A festa nupcial espera-vos!”...
Adão viu Eva a seu lado, aquela que era a sua carne e os seus ossos, a sua filha, a sua irmã, a
sua esposa. Levantaram-se, envoltos numa veste de luz, no dia que lhes sorria. Estavam no
Paraíso.
São João Crisóstomo (cerca de 345-407), bispo de Antioquia, depois de Constantinopla,
doutor da Igreja
Homilia 20 sobre a epístola aos Efésios
«O homem… unir-se-á à sua mulher e serão um»
Que deves tu dizer à tua mulher? Diz-lhe com muito carinho: “Eu escolhi-te, amo-te e prefirote à minha própria vida. A existência presente não é nada; por isso, as minhas orações, as
minhas recomendações e todas as minhas acções, realizo-as para que nos seja concedido
passarmos esta vida de tal maneira que possamos ficar reunidos na vida futura, sem mais
nenhum medo da separação. O tempo que vivemos é curto e frágil. Se nos for concedido que
agrademos a Deus durante esta vida, ficaremos eternamente com cristo e um com o outro,
numa felicidade sem limites. O teu amor encanta-me mais do que tudo e não conheceria
infelicidade mais insuportável do que ser separado de ti. Ainda que tenha de perder tudo e
tornar-me mais pobre do que um mendigo, enfrentar os maiores perigos e suportar o que quer
que fosse, tudo isso me será suportável enquanto durar o teu afecto por mim. È apenas
contando com esse amor que eu desejo ter filhos”.
Precisarás também de adequar a tua conduta a estas palavras... Mostra à tua
mulher que gostas muito de viver com ela e que, por causa dela, preferes
estar em casa do que na praça. Prefere-a em relação a todos os amigos e até
aos filhos que ela te deu; e a estes que os ames por causa dela...
Fazei as vossas orações em comum.. Que cada um de vós vá à igreja e que, em
casa, o marido peça contas à mulher, e a mulher ao marido, daquilo que foi
dito ou lido... Aprendei o temor a Deus; tudo o mais correrá como de uma
fonte, e a vossa casa encher-se-á de bens inumeráveis. Aspiremos aos bens
incorruptíveis e os outros não nos faltarão
« Procurai primeiro o Reino de Deus, diz-nos o Evangelho, e tudo o mais vos
será dado por acréscimo» ( Mt 6,33)
Evangelho segundo S. Marcos 10,13-16. – cf.par. Mt 19,13-15, Lc 18,15-17
Apresentaram-lhe uns pequeninos para que Ele os tocasse; mas os discípulos repreenderam os
que os haviam trazido. Vendo isto, Jesus indignou-se e disse-lhes: «Deixai vir a mim os
pequeninos e não os afasteis, porque o Reino de Deus pertence aos que são como eles. Em
verdade vos digo: quem não receber o Reino de Deus como um pequenino, não entrará nele.»
Depois, tomou-os nos braços e abençoou-os, impondo-lhes as mãos.
Hermas (sec II)
O Pastor, parábola 9, 24.29
«Deixai vir a Mim as criancinhas...pois a elas pertence o reino de Deus»
O Pastor mostrou-me uma montanha onde as ervas estavam verdes e viçosas; tudo estava
florescente, e os rebanhos e os pássaros encontravam aí o seu alimento. Ele disse-me: «Os
crentes de aqui sempre foram simples, inocentes, felizes, sem nenhum ressentimento uns
contra os outros, mas pelo contrário sempre alegres servidores de Deus. Revestidos do santo
espírito das virgens, cheios de compaixão por todos os homens, proveram, com o suor do seu
rosto, às necessidades de todos os seus semelhantes, sem murmúrio nem hesitação. Vendo a
sua simplicidade e toda a sua candura infantil, o Senhor fez prosperar todo o trabalho das suas
mãos e abençoou todas as suas empresas... Todos que agirem assim, permaneçam desse modo
e a vossa prosperidade não desaparecerá jamais»...
Depois ele mostrou-me uma bela montanha toda branca: «Aqui os crentes assemelham-se às
criancinhas que não têm a mínima ideia do mal; como eles, nunca souberam o que é a
maldade, mas guardaram sempre a inocência das suas infâncias. Esses homens irão
seguramente habitar no reino de Deus, porque eles não violaram os mandamentos de Deus,
mas perseveraram todos os dias das suas vidas na candura e nos sentimentos das suas
infâncias. Todos vós que perseverais nesta via sereis «como criancinhas», sem malícia, sereis
glorificados mais que todos os outros, porque as criancinhas são gloriosas diante de Deus e os
primeiros a seus olhos. Bem aventurados os que afastarem a malícia para se revestirem de
inocência; primeiro que todos os outros, vós vivereis para Deus.
S. Leão Magno (?-c. 461), Papa e Doutor da Igreja
Sermão 7 para a Epifania
«Deixai vir a mim as criancinhas»
Cristo ama a infância que Ele primeiro assumiu na Sua alma, tal como no Seu corpo... Cristo
ama a infância: para ela orienta a conduta dos adultos, para ela encaminha os velhos; Ele
forma no seu exemplo aqueles que educa para o Reino eterno.
Mas, para nos tornarmos capazes de compreender como é possível chegar a uma tão
admirável conversão, e por que transformação precisamos de voltar a uma atitude de crianças,
deixemos que S. Paulo nos instrua e nos diga: «Não sejais crianças no que for julgar, mas sede
criancinhas no que respeita à malícia» (1Cor 14, 20). Não se trata pois, de voltarmos às
brincadeiras da infância, nem às desabilidades do princípio, mas de nos apropriarmos de
alguma coisa que convém aos anos da maturidade, quer dizer o rápido apaziguamento das
agitações interiores, o pronto regresso à calma, o esquecimento das ofensas, a completa
indiferença em relação às honras, a sociabilidade, o sentimento de igualdade natural... É esta
forma de humildade que nos ensina o Salvador quando, em menino, foi adorado pelos magos.
Santa Teresa do Menino Jesus (1873-97), carmelita, doutora da Igreja
Manuscrito autobiográfico
"Deixai vir a mim as criancinhas"
Sabeis, ó minha Madre, como sempre desejei ser santa; mas, pobre de mim!, notei sempre,
quando me comparei aos santos, que há, entre eles e eu, a mesma diferença que existe entre
uma montanha cujo cimo se perde nos céus e o grão de areia pisado pelos pés dos transeuntes.
Em vez de me desencorajar, disse para mim mesma: Deus não seria capaz de inspirar desejos
irrealizáveis: portanto, apesar da minha pequenez, posso aspirar à santidade. Fazer-me crescer
é impossível; tenho de me suportar tal como sou, com todas as minhas imperfeições. Mas
quero procurar o meio para ir para o céu por um caminho pequeno, bem direito, bem curto,
um caminhito totalmente novo.
Estamos num século de invenções; agora já nem é preciso subir os degraus de uma escada; na
casa dos ricos, o elevador substitui-a com vantagem. O que eu queria era encontrar um
ascensor que me elevasse até Jesus, porque sou muito pequena para subir a escada íngreme da
perfeição. Então procurei nos Livros Sagrados a indicação do elevador, objecto do meu
desejo; e li estas palavras saídas da boca da Sabedoria eterna: "Se alguém for muito pequeno,
que venha até mim" (Pr 9,4).
E eu fui, adivinhando que tinha encontrado o que procurava. Querendo saber, ó meu Deus, o
que faríeis vós ao pequenino que respondesse ao vosso apelo, continuei a minha procura e eis
o que encontrei: "Tal como uma mãe acaricia o seu filho, assim eu vos consolarei; e pegarvos-ei ao colo e embalar-vos-ei em cima dos meus joelhos" (Is 66,13). Ah! nunca palavras
mais ternas, mais melodiosas tinham vindo alegrar a minha alma: o ascensor que me há-de
elevar até ao céu, são os vossos braços, oh Jesus! Para isso, não preciso de crescer; pelo
contrário, tenho de ficar pequena, de tornar-me cada vez mais pequena. Oh meu Deus, vós
ultrapassastes toda a minha expectativa! Eu quero "cantar as vossas misericórdias"! (Sl 88,2
vulg)
Evangelho segundo S. Marcos 10,17-27. – cf.par. Mt 19,16-30; c 18,18-30
Quando se punha a caminho, alguém correu para Ele e ajoelhou-se, perguntando: «Bom
Mestre, que devo fazer para alcançar a vida eterna?» Jesus disse: «Porque me chamas bom?
Ninguém é bom senão um só: Deus. Sabes os mandamentos: Não mates, não cometas
adultério, não roubes, não levantes falso testemunho, não defraudes, honra teu pai e tua mãe.»
Ele respondeu: «Mestre, tenho cumprido tudo isso desde a minha juventude.» Jesus, fitando
nele o olhar, sentiu afeição por ele e disse: «Falta-te apenas uma coisa: vai, vende tudo o que
tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu; depois, vem e segue-me.» Mas, ao
ouvir tais palavras, ficou de semblante anuviado e retirou-se pesaroso, pois tinha muitos bens.
Olhando em volta, Jesus disse aos discípulos: «Quão difícil é entrarem no Reino de Deus os
que têm riquezas!» Os discípulos ficaram espantados com as suas palavras. Mas Jesus
prosseguiu: «Filhos, como é difícil entrar no Reino de Deus! É mais fácil passar um camelo
pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus.» Eles admiraram-se ainda
mais e diziam uns aos outros: «Quem pode, então, salvar-se?» Fitando neles o olhar, Jesus
disse-lhes: «Aos homens é impossível, mas a Deus não; pois a Deus tudo é possível.»
S. João Crisóstomo (c. 345-407), bispo de Antioquia depois de Constantinopla, doutor da
Igreja
Homilia 63 sobre S. Mateus
«Que devo fazer para alcançar a vida eterna?»
Não era um interesse medíocre o deste jovem; ele manifesta-se como um apaixonado.
Enquanto os outros homens de aproximavam de Cristo para o pôr à prova ou para lhe falar das
suas doenças, das dos seus parentes ou ainda de outras pessoas, ele aproxima-se para
conversar acerca da vida eterna. O terreno era rico e fértil, mas estava cheio de espinhos
prontos a abafar as sementes (Mt 13,7). Vê como ele está realmente disposto a obedecer aos
mandamentos: "Que devo fazer para ter como herança a vida eterna?"... Nunca nenhum
Fariseu manifestou tais sentimentos; pelo contrário, eles estavam furiosos por serem
reduzidos ao silêncio. O nosso jovem, quanto a ele, partiu com os olhos baixos de tristeza,
sinal bem claro de que não tinha vindo com más intenções. Somente, ele era demasiado fraco;
tinha o desejo da Vida mas retinha-o uma paixão muito difícil de ultrapassar...
"Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, distribui o dinheiro aos pobres e terás um
tesouro nos céus; depois, vem e segue-me... Ao ouvir estas palavras, o jovem afastou-se
pesaroso". O evangelista explica qual é a causa daquela tristeza: é porque ele "tinha muitos
bens". Os que têm pouco e os que estão mergulhados na abundância não possuem os seus
bens da mesma maneira. Nestes, a avareza pode ser uma paixão violenta, tirânica. Neles, cada
nova aquisição acende uma chama mais viva e os que são atingidos ficam mais pobres do que
antes. Têm mais desejos e, contudo, sentem com mais força a sua pretensa indigência. Em
todo o caso, vê como aqui a paixão mostrou a sua força... "Como será difícil aos que possuem
riquezas entrar no reino dos Céus!" Não que Cristo condene as riquezas mas antes os que são
dominados por elas.
S. João Crisóstomo (c. 345- 407), bispo de Antioquia depois de Constantinopla, doutor da
Igreja
Homilia sobre o devedor de dez mil talentos,3; PG 51, 21
«Mas, então, quem pode salvar-se?»
Em resposta à pergunta que lhe fazia um homem rico, Jesus tinha revelado como se podia
aceder à vida eterna. Mas a ideia de ter de abandonar as suas riquezas deixou este homem
muito triste e ele foi-se embora. Então, Jesus declarou: «É mais fácil entrar um camelo pelo
furo de uma agulha, do que entrar um rico no Reino de Deus». Por seu turno, Pedro aproximase de Jesus, ele que se despojou de tudo, renunciando à sua profissão e à sua barca, que já não
possui nem um anzol, e põe esta pergunta a Jesus: «Mas, então, quem pode salvar-se?»
Repara, ao mesmo tempo, na reserva e no zelo deste discípulo. Ele não disse: «Ordenas o
impossível, essa ordem é demasiado difícil, essa lei é demasiado exigente». Também não
ficou em silêncio. Mas, não faltando ao respeito e mostrando quanto estava atento aos outros,
disse: «Mas então, quem pode salvar-se?» É que muito antes de ser pastor, já ele tinha alma;
antes de ser investido de autoridade..., já se preocupava com a terra inteira. Um homem rico
teria provavelmente perguntado isso por interesse, por medo da sua situação pessoal e sem
pensar nos outros. Mas Pedro, que era pobre, não pode ser suspeito de ter feito a sua pergunta
por semelhantes motivos. É sinal de que se preocupava com a salvação dos outros, e que
queria aprender do Mestre como se chega a ela.
Daí a resposta encorajadora de Cristo: «Para os homens isso é impossível, mas não para
Deus». Quer Ele dizer: «Não penseis que vos deixo ao abandono. Eu próprio vos assistirei
num assunto tão importante, e tornarei fácil o que é difícil».
Relato dos três companheiros de S. Francisco de Assis
§ 7-8
O inicio da conversão de S. Francisco
Uma tarde, após o seu regresso a Assis, os companheiros do jovem Francisco elegeram-no
como chefe do seu grupo. Como fizera já muitas vezes, ele preparou um sumptuoso banquete.
Uma vez saciados, saíram todos de casa e percorriam a cidade cantando. Os seus
companheiros, em grupo, precediam Francisco; ele, tendo na mão o bastão de chefe, fechava
o cortejo, um pouco atrás, sem cantar mas mergulhado nos seus pensamentos. E eis que,
subitamente, o Senhor o visita e lhe enche o coração de uma tal doçura que ele não pode mais
nem falar, nem mover-se...
Quando os seus companheiros se viram e o vêem assim longe deles, voltam-se para ele,
espantados, e acham-no como que já mudado num outro homem. Interrogam:” Em que
pensavas tu para te esqueceres de nos seguires? Estarás tu por acaso a pensar em casares-te?
— Tendes razão! Planeio tomar uma esposa, mais nobre, mais rica e mais bela que qualquer
uma que tenhais visto alguma vez”. Eles troçaram dele...
Desde esse momento, ele trabalhava para colocar Jesus Cristo no centro da sua alma e a
pérola que ele desejava comprar depois de ter vendido tudo (Mt 13,46). Escondendo-se dos
olhos dos que troçavam dele, muitas vezes – quase todos os dias – ia orar em silêncio. Estava
de algum modo possuído pelo gosto antecipado dessa doçura que o visitava tantas vezes e o
arrastava, da praça ou dos lugares públicos, para a oração.
Desde há algum tempo que ele se tornara o benfeitor dos pobres, mas ele prometia a si
mesmo, mais fortemente do que nunca, de jamais recusar a esmola a um pobre pedinte, mas
dar-lhe mais generosamente e mais abundantemente. Assim, sempre, fosse qual fosse o pobre
que lhe pedisse esmola fora de casa, se podia dava-lhe dinheiro. Se faltava o dinheiro, davalhe o seu barrete ou o seu cinto para não os deixar ir embora de mãos vazias. Mas se mesmo
isso lhe faltava, retirava-se para um local escondido, despia a sua camisa e enviava-a em
segredo ao pobre pedindo-lhe que a aceitasse por causa de Deus.
Cardeal John Henry Newman (1801-1890), presbítero, fundador de comunidade religiosa,
teólogo
PPS III, n° 9
"Fitando nele o olhar, Jesus sentiu afeição por ele"
Deus olha para ti, sejas tu quem fores. E "chama-te pelo teu nome" (Jo 10,3). Vê-te e
compreende-te, Ele que te criou. Tudo o que há em ti, Ele o conhece: todos os teus
sentimentos, os teus pensamentos, as tuas inclinações, os teus gostos, a tua força e a tua
fraqueza... Não é só porque fazes parte da sua criação, d'Ele que se preocupa mesmo com os
pássaros (Mt 10,29); tu és um ser humano, resgatado e santificado, seu filho adoptivo,
gozando em parte dessa glória e dessa bênção que d'Ele se derramam eternamente sobre o
Filho único.
Foste escolhido para seres seu... És um daqueles por quem Cristo ofereceu ao Pai a sua última
oração e selou com o seu sangue precioso. Que pensamento este, pensamento quase
demasiado grande para ser abarcado pela nossa fé! Quando nisso reflectimos, como não reagir
como Sara que se riu maravilhada e confusa (Gn 18,12)?! "Que é o homem", que somos nós,
que sou eu, para que o Filho de Deus "tenha por mim tão grande cuidado" (Sl 8,5)? Que sou
eu... para que Ele me tenha recriado... e tenha feito do meu coração a sua morada?
Leão XIII, Papa de 1878 a 1903
Encíclica Rerum Novarum,20
"Segue-me!"
Que os deserdados da sorte aprendam da Igreja que, segundo o julgamento do
próprio Deus, a pobreza não é um opróbrio e que não é preciso corar por se ter de
ganhar o pão pelo trabalho. É o que Jesus Cristo Nosso Senhor confirmou pelo Seu
exemplo, ele que «sendo tão rico, se fez pobre» para salvação de todos os homens
(2 Cor 8,9). Ele, o Filho de Deus e ele próprio Deus, quis passar aos olhos do mundo
pelo filho de um operário; foi ao ponto de consumir uma grande parte da sua vida
num trabalho remunerado. «Não é este o carpinteiro, o filho de Maria? (Mc 6,3)
Quem tenha sob o olhar o modelo divino compreenderá que a verdadeira dignidade
do homem e a sua excelência residem nos seus costumes, quer dizer na sua virtude;
a virtude é o património comum dos mortais, ao alcance de todos, pequenos e
grandes, pobres e ricos; só a virtudes e os méritos, onde quer que se encontrem,
obterão a recompensa da beatitude eterna. Mais, é para as classes desafortunadas
que o coração de Deus parece inc linar-se mais. Jesus Cristo chama aos pobres
bem-aventurados (Lc 6, 20); Ele convida com amor todos aqueles que sofrem e que
choram a virem a Ele, para os consolar (Mt 11, 28); Ele beija com uma caridade mais
terna os pequenos e os oprimidos. Estas doutrinas são certamente bem feitas para
humilhar a alma altiva do rico e o tornar mais compassivo, para elevar a coragem
dos que sofrem e lhes inspirar confiança.
Evangelho segundo S. Marcos 10,28-31.
Pedro começou a dizer-lhe: «Aqui estamos nós que deixámos tudo e te seguimos.» Jesus
respondeu: «Em verdade vos digo: quem deixar casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos ou
campos por minha causa e por causa do Evangelho, receberá cem vezes mais agora, no tempo
presente, em casas, e irmãos, e irmãs, e mães, e filhos, e campos, juntamente com
perseguições, e, no tempo futuro, a vida eterna. Muitos dos que são primeiros serão últimos, e
muitos dos que são últimos serão primeiros.»
S. Bernardo (1091-1153), monge cisterciense e doutor da Igreja
Sermão 37 sobre o Cântico dos Cânticos
«Neste tempo, já, o cêntuplo»
«Semeai na justiça, diz o Senhor, e recolhei a esperança da vida». Ele não vos remete para o
último dia onde tudo vos será dado realmente e já não em esperança; Ele fala do presente.
Claro que será grande a nossa alegria, o nosso júbilo infinito, quando começar a verdadeira
vida. Mas, para já, a esperança duma tão grande alegria não pode ser sem alegria. «Alegraivos na esperança», diz o apóstolo Paulo (Rom 12, 12). E David não diz que estará na alegria,
mas que ficou nela no dia em que esperou entrar na casa do Senhor (Sl 121, 1). Ele ainda não
possuía a vida, mas já tinha colhido a esperança de vida. E experimentava a verdade da
Escritura que diz que, não só a recompensa, mas «a esperança dos justos é plena de alegria»
(Pr 10, 28). Essa alegria é produzida na alma daquele que semeou para a justiça, pela
convicção que tem de que os seus pecados estão perdoados...
Qualquer um de vós que, após o início doloroso da conversão, tem a felicidade de se ver
consolado pela esperança dos bens por que espera... colheu, desde agora, o fruto das suas
lágrimas, viu Deus e ouviu-o dizer: «Dêem-lhe o fruto das suas obras» (Pr 31, 31). Como é
que aquele que «saboreou e viu como o Senhor é bom» (Sl 33, 9) não havia de ver Deus? O
Senhor Jesus parece muito doce àquele que recebe dEle, não só a remissão dos pecados, mas
também o dom da santidade e, melhor ainda, a promessa da vida eterna. Feliz daquele que já
fez uma tão bela colheita... O profeta fala verdade: « Aqueles que semeiam nas lágrimas
colhem na alegria» (125,5)... Nenhum proveito nem honra terrestre nos parecerá acima da
nossa esperança e desta alegria de esperar, doravante profundamente enraízada nos nossos
corações: «A esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos
corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rom 5,5).
Cardeal John Henry Newman (1801-1890), presbítero, fondador de comunidade religiosa,
teólogo
"Os divinos chamamentos", PPS, vol 8, nº2
"Deixámos tudo para te seguir"
Nós não somos chamados uma só vez mas muitas vezes; Cristo chama-nos ao longo de toda a
nossa vida. Chamou-nos primeiro pelo baptismo, mas mais tarde também; quer lhe
obedeçamos, quer não, Ele chama-nos ainda na sua misericórdia. Se faltarmos às promessas
baptismais, Ele chama-nos ao arrependimento. Se nos esforçarmos por responder à nossa
vocação, Ele chama-nos sempre mais além, de graça em graça, de santidade em santidade,
enquanto a vida nos for sendo concedida para isso.
Abraão foi chamado a deixar a sua casa e o seu país (Gn 12,1), Pedro as suas redes (Mt 4,18),
Mateus o seu emprego (Mt 9,9), Eliseu a sua quinta (1R 19,19), Natanael o seu recolhimento
(Jo 1,47). Sem cessar, todos somos chamados, de uma coisa a outra, sempre mais longe, sem
lugar de repouso mas subindo para o nosso repouso eterno e obedecendo a um apelo interior
apenas para estarmos prontos para ouvir um outro.
Cristo chama-nos sem cessar, para nos justificar sem cessar; sem cessar, cada vez mais, Ele
quer santificar-nos e glorificar-nos. Devemos compreendê-lo, mas somos lentos a dar-nos
conta dessa grande verdade - que Cristo caminha de alguma forma no meio de nós e que, com
a sua mão, os seus olhos, a sua voz, nos faz sinal para que o sigamos. Não percebemos que o
seu apelo é qualquer coisa que tem lugar neste mesmo momento. Pensamos que teve lugar no
tempo dos apóstolos; mas não acreditamos nele, não o ouvimos verdadeiramente para nós
próprios.
Leão XIII, Papa de 1878 a 1903
Encíclica Rerum Novarum, 21
«Neste tempo já, o cêntuplo; e no mundo que há-de vir, a vida eterna»
Estas doutrinas [sociais da Igreja] poderiam diminuir a distância que o orgulho se compraz em
manter entre ricos e pobres, mas a simples amizade é ainda demasiado pouco: se se obedece
aos preceitos do cristianismo é no amor fraterno que se operará a união. Em qualquer dos
casos, saber-se-á e compreender-se-á que os homens absolutamente todos têm origem em
Deus, seu Pai comum; que Deus é o seu fim único e comum, e que só Ele é capaz de
comunicar aos anjos e aos homens uma felicidade perfeita e absoluta. Todos eles foram
igualmente resgatados por Jesus Cristo e restabelecidos por Ele na sua dignidade de Filhos de
Deus, e assim um verdadeiro laço de fraternidade os une, quer entre eles, quer a Cristo, seu
Senhor que é «O primogénito de muitos irmãos» ( Rom 8, 29). Saberão enfim que todos os
bens da natureza, todos os tesouros da graça, pertencem em comum e indistintamente a todo o
género humano, e só os indignos são deserdados dos bens celestes «Se sois filhos, soi s
também herdeiros: herdeiros de Deus, co-herdeiros de Jesus Cristo» (Rm 8,17).
Evangelho segundo S. Marcos 10,32-45. – cf.par. Mt 20,17-28; Lc 18,31-33
Iam a caminho, subindo para Jerusalém, e Jesus seguia à frente deles. Estavam espantados, e
os que seguiam estavam cheios de medo. Tomando de novo os Doze consigo, começou a
dizer-lhes o que lhe ia acontecer: «Eis que subimos a Jerusalém e o Filho do Homem vai ser
entregue aos sumos sacerdotes e aos doutores da Lei, e eles vão condená-lo à morte e entregálo aos gentios. E hão-de escarnecê-lo, cuspir sobre Ele, açoitá-lo e matá-lo. Mas, três dias
depois, ressuscitará.» Tiago e João, filhos de Zebedeu, aproximaram-se dele e disseram:
«Mestre, queremos que nos faças o que te pedimos.» Disse-lhes: «Que quereis que vos faça?»
Eles disseram: «Concede-nos que, na tua glória, nos sentemos um à tua direita e outro à tua
esquerda.» Jesus respondeu: «Não sabeis o que pedis. Podeis beber o cálice que Eu bebo e
receber o baptismo com que Eu sou baptizado?» Eles disseram: «Podemos, sim.» Jesus disselhes: «Bebereis o cálice que Eu bebo e sereis baptizados com o baptismo com que Eu sou
baptizado; mas o sentar-se à minha direita ou à minha esquerda não pertence a mim concedêlo: é daqueles para quem está reservado.» Os outros dez, tendo ouvido isto, começaram a
indignar-se contra Tiago e João. Jesus chamou-os e disse-lhes: «Sabeis como aqueles que são
considerados governantes das nações fazem sentir a sua autoridade sobre elas, e como os
grandes exercem o seu poder. Não deve ser assim entre vós. Quem quiser ser grande entre
vós, faça-se vosso servo e quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se o servo de todos. Pois
também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em
resgate por todos.»
Beato Guerric d'Igny (c. 1080-1157), abade cisterciense
Primeiro sermão para o Domingo de Ramos
«O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir»
O homem tinha sido criado para servir o seu criador. Haverá coisa mais justa, que servir
Aquele que nos pôs no mundo, sem o qual não teríamos existência? E haverá coisa mais feliz
que servi-Lo, pois que servi-Lo, é reinar? Mas o homem disse ao seu Criador: «Não servirei»
(Jr 2,20). «Então servir-te-ei Eu», disse o Criador ao homem. «Senta-te, servir-te-ei, lavar-teei os pés» [...].
Sim, Cristo, «servo bom e fiel» (Mt 25,21), tu foste verdadeiramente servo, servo em fé e
verdade, em paciência e constância. Sem tibieza, lançaste-Te, qual gigante que corre, na via
da obediência (Sl 18,6); sem fingimento, deste-nos sobretudo, depois de tantos cansaços, a tua
própria vida; maltratado, inocente, humilhaste-Te e não abriste a boca (Is 53,7). Está escrito e
é verdade: «O servo que, conhecendo a vontade do seu senhor, não se preparou e não agiu
conforme os seus desejos, será castigado com muitos açoites» (Lc 12,47). Mas, pergunto-vos,
que acções dignas deixou por cumprir este servo? Que omitiu Ele do que devia ter feito?
«Fez tudo bem feito», dizem aqueles que observavam a sua conduta; «fez ouvir os surdos e
falar os mudos» (Mc 7,37). Pois se cumpriu todas as acções que são dignas de recompensa,
como sofreu então tanta indignidade? Ofereceu as costas ao chicote, recebeu uma quantidade
inimaginável de chicotadas atrozes, por todo o lado o seu sangue correu. Foi interrogado no
meio de opróbrios e de tormentos, como escravo ou malfeitor que é submetido a
interrogatórios para que lhe seja arrancada a confissão de um crime. Ó detestável orgulho do
homem que desdenha servir, a quem tão só humilha o máximo exemplo da servidão do seu
próprio Deus!
Sim, meu Senhor, pois muito sofreste Tu a servir-me; seria justo e equitativo que de ora em
diante tivesses repouso, e que o teu servo, por seu turno, te servisse agora; chegou a sua vez
[...] Venceste, Senhor, este servo rebelde; estendo as mãos para que a Ti mas ligues, curvo a
cabeça para receber o teu jugo. Permite que Te sirva. Recebe-me como teu servo para sempre,
ainda que servo inútil se não tiver em mim a tua graça; envia-a pois do teu santo céu, para que
me assista nos meus trabalhos (Sb 9,10).
Santo Afonso-Maria de Liguori (1696-1787), bispo e doutor da Igreja
Obras
"Dar a vida em resgate pela multidão"
Um Deus que serve, que varre a casa, que se entrega a trabalhos penosos - como deveria
bastar um só destes pensamentos para nos cumular de amor! Quando o Salvador começou a
pregar o seu Evangelho, fez-se "servo de todos", declarando ele mesmo "que não viera para
ser servido mas para servir". É como se tivesse dito que queria ser o servo de todos os
homens. E, no fim da vida, não se contentou, diz S. Bernardo, "em tomar a condição de servo
para se pôr ao serviço dos homens; quis tomar o aspecto de um servo indigno para ser
castigado e suportar a pena que nos era devida em razão dos nossos pecados".
Eis que o Senhor, servo obediente a todos, se submete à sentença de Pilatos, por muito injusta
que seja, e se entrega aos carrascos... Desta forma, aquele Deus amou-nos tanto que, por amor
de nós, quis obedecer como um escravo até morrer e morrer de uma morte dolorosa e infame,
o suplício da cruz (Fil 2,8).
Ora, em tudo isso, Ele obedecioa não como Deus mas como homem, como escravo cuja
condição tinha assumido. Sabemos de um santo que se entregou como escravo para resgatar
um pobre e assim atraíu a admiração do mundo por esse acto heróico de caridade. Mas que é
essa caridade comparada à do Redentor? Sendo Deus, querendo resgatar-nos da escravidão do
diabo e da morte que nos era devida, faz-se ele mesmo escravo, deixa-se amarrar e pregar na
cruz. "Para que o servo se torne senhor, diz Santo Agostinho, Deus quis fazer-se servo".
São Tomás de Aquino (1225-1274), teólogo dominicano, doutor da Igreja
Conferência sobre o Credo, 6
“Aquele que quiser ser o maior de todos será o servo de todos”
Que necessidade havia de o Filho de Deus sofrer por nós? Uma grande necessidade, que se
pode resumir em dois pontos: necessidade de remédio para os nossos pecados, necessidade de
exemplo para a nossa conduta. […] Porque a Paixão de Cristo dá-nos um exemplo válido para
toda a nossa vida. […] Se procuras um exemplo de caridade: “Ninguém tem maior amor do
que aquele que dá a vida pelos seus amigos” (Jo 15, 13). […] Se procuras a paciência, é na
cruz que ela se encontra maximamente. […] Cristo sofreu grandes males na cruz, e com
paciência, já que, “quando O insultavam […], não ameaçou” (1 Ped 2, 23), “não abriu a boca,
como cordeiro levado ao matadouro” (Is 53, 7). […] “Devemos correr com perseverança a
carreira que nos é proposta, com os olhos fixos em Jesus, autor e consumador da fé, o Qual,
pela alegria que lhe fora proposta, suportou a cruz, desprezando a ignomínia” (Heb 12, 1-2).
Se procuras um exemplo de humildade, olha para o crucificado. Porque Deus quis ser julgado
por Pô ncio Pilatos e morrer. […] Se procuras um exemplo de obediência, basta-te seguir
Aquele que se fez obediente ao Pai “até à morte” (Fil 2, 8). “Porque, como pela desobediência
de um só, muitos se tornaram pecadores, assim também, pela obediência de um só, muitos se
tornaram justos” (Rom 5, 19). Se procuras um exemplo de desprezo pelos bens terrenos,
basta-te seguir Aquele que é Rei dos Reis e Senhor dos Senhores “no Qual estão escondidos
todos os tesouros da sabedoria e da ciência” (Col 2, 3) – que, na cruz, está despido, objecto de
desprezo, coberto de escárnio e de ferimentos, coroado de espinhos e, finalmente,
dessedentado em fel e vinagre.
Missal Romano
Prefácio da Festa de Todos os Santos
"Eis que subimos a Jerusalém"
Senhor, Pai Santo, Deus eterno e omnipotente,
é verdadeiramente nosso dever, é nossa salvação
dar-Vos graças, sempre e em toda a parte.
Hoje nos dais a alegria de celebrar a cidade santa,
a nossa mãe, a Jerusalém celeste,
onde a assembleia dos Santos, nossos irmãos,
glorificam eternamente o Vosso Nome.
Peregrinos dessa cidade santa,
para ela caminhamos na fé e na alegria,
ao vermos glorificados os ilustres filhos da Igreja,
que nos destes como exemplo e auxílio para a nossa fragilidade.
Por isso, com todos os Anjos e Santos,
proclamamos a Vossa glória,
cantando numa só voz:
"Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus do Universo!"
Evangelho segundo S. Marcos 10,46-52. – cf.par. Mt 20,29-34; Lc 18,35-43
Chegaram a Jericó. Quando ia a sair de Jericó com os seus discípulos e uma grande multidão,
um mendigo cego, Bartimeu, o filho de Timeu, estava sentado à beira do caminho. E ouvindo
dizer que se tratava de Jesus de Nazaré, começou a gritar e a dizer: «Jesus, filho de David,
tem misericórdia de mim!» Muitos repreendiam-no para o fazer calar, mas ele gritava cada
vez mais: «Filho de David, tem misericórdia de mim!» Jesus parou e disse: «Chamai-o.»
Chamaram o cego, dizendo-lhe: «Coragem, levanta-te que Ele chama-te.» E ele, atirando fora
a capa, deu um salto e veio ter com Jesus. Jesus perguntou-lhe: «Que queres que te faça?»
«Mestre, que eu veja!» respondeu o cego. Jesus disse-lhe: «Vai, a tua fé te salvou!» E logo ele
recuperou a vista e seguiu Jesus pelo caminho.
Guilherme de S. Thierry (c.1085-1148), monge beneditino e posteriormente cistercienseA
A Contemplação de Deus, 1-2
«Que queres que te faça?»
«Vinde! Subamos à montanha do Senhor, subamos à casa do Deus de Jacob, e ele nos
ensinará os seus caminhos» (Is 2,3). Vós, intenções, desejos intensos, vontade e pensamentos,
afectos e energias do coração, vinde, escalemos a montanha, ganhemos o lugar onde o Senhor
vê e se dá a ver. Mas vós, preocupações e inquietações, trabalhos e servidões, esperai-nos aqui
[...], até que, apressando-nos para este lugar, estejamos de regresso para junto de vós após
termos adorado (cf. Gn 22,5). Porque teremos de regressar, e muito depressa, mesmo.
Senhor, Deus da minha força, faz que nos voltemos para Ti, «mostra-nos o teu rosto e
seremos salvos» (Sl 79,20). Mas, Senhor, como é prematuro, audaz, presunçoso, contrário à
regra dada pela palavra da tua verdade e sabedoria, pretender ver a Deus de coração impuro!
Ó bondade soberana, bem supremo, vida dos corações, luz dos nossos olhos interiores, na tua
bondade, Senhor, tem piedade.
Ei-la, a minha purificação, a minha confiança e justiça: a contemplação da tua bondade, meu
bom Senhor! Tu, meu Deus, dizes à minha alma, como só Tu sabes fazer: «Eu sou a tua
salvação» (Sl 34,3). Rabbouni, mestre soberano e professor, Tu, que és o único doutor capaz
de me fazer ver o que eu desejo ver, diz a este teu mendigo cego: «Que queres que te faça?» E
sabes bem, Tu, que me dás essa graça [...], com quanta força o meu coração Te grita:
«Procurei-Te, Senhor; os meus olhos te procuram; é a tua face que eu procuro» (Sl 26,8).
É MELHOR SER CEGO DE NASCENÇA
Pe. José Antônio Pires de Almeida
Era uma vez um homem chamado Bartimeu, que era cego de nascença e tinha uma vida que
seguia certa rotina há muito estabelecida. Toda manhã, com a ajuda de amigos, sentava-se em
determinado lugar onde circulava muita gente e ficava mendigando. Naquele tempo, tal como
hoje, muitas pessoas piedosas acham melhor dar esmolas do que repartir, e portanto ele tinha
seu ganha pão garantido.
Um dia ele ouviu falar que um profeta poderoso chamado Jesus ia passar justamente em frente
ao seu ponto. Preparou-se e quando o famoso pregador chegou armou o maior barraco.
Gritou, implorou, suplicou e esperneou. Alguns sentiram-se incomodados e repreenderam-no
para que se comportasse. Mas o escarcéu só aumentou e ele conseguiu seu objetivo: chamar a
atenção de Jesus. Este não se aproximou; pediu que trouxessem o cego até ele. Como todo
mundo sente-se um anjo ajudando cegos, não faltou quem viabilizasse o encontro.
Jesus, olhando para o cego, pergunta: “Que queres que eu te faça?”. Os presentes devem ter
pensado: “Mas que pergunta idiota, o que pode querer um cego senão ver?”. Quando este
confirma que é isso mesmo o que deseja Jesus lhe devolve a visão e a vida continua.
Mas voltemos à pergunta aparentemente supérflua de Jesus: “O que queres que eu te faça?”.
Com esse questionamento Jesus desencadeia a seguinte reflexão: Você tem certeza que quer
mesmo enxergar? Pense bem; você tem seu ganha-pão garantido, há pedintes ganhando bem
mais que salário mínimo. Você, sendo deficiente, desperta atenção e misericórdia nas pessoas.
Sua família sente-se na obrigação de te acolher e dar guarida. Assim, sentado na beira do
caminho, você não tem compromisso nenhum. O desemprego em Israel está alto e o custo de
vida pior ainda. Você não tem nenhuma qualificação profissional e o único serviço que vai lhe
restar é pegar pesado no batente. Qual sua condição física para isso? Afinal de contas, VOCÊ
QUER MESMO ENXERGAR!?
É muito difícil ser uma pessoa normal (sem entrar nos meandros psicanalíticos do que
significa normalidade). Ser normal é lutar para garantir o ganha pão, ter de pagar as contas,
prover as necessidades da família, cuidar de si mesmo, cultivar relações sociais e familiares,
cultivar vida espiritual, intelectual e cultural. Ufa!! dá um puta trabalho!
Talvez aparentemente seja mais fácil renunciar à vida, ao pensamento e às responsabilidades,
sendo cego, paralítico, alcoólatra, drogado e louco do que entrar na roda viva desse mundo
tão conturbado. A anestesia do álcool, das drogas, dos antidepressivos e ansiolíticos, dos
êxtases de um misticismo de supermercado e de manias bizarras afastam-nos de muitas das
exigências de uma vida normal.
Imagine que você, numa noite meio fria, com aquele pijama gostoso, uma pipoca e um café
quentinho; justamente na noite em que na novela a Thaís vai ser assassinada, escuta o toque
da campainha. É aquele casal de amigos que há tempos você não vê e os quais preza muito.
Pode-se ter as seguintes opções:
1. Ser mal educado, recebê-los na sala e, nos intervalos da novela, puxar uma conversinha
inócua.
2. Dar uma de esquisitão e sistemático, ir ver a novela no quarto e a mulher que se vire com as
visitas (ou vice-versa).
3. Inventar uma mentira pra despachar os importunos.
4. Ou ser normal. Isso significa desligar a televisão, por uma roupa mais apresentável que um
pijama, convidar as visitas prá cozinha, fazer um café, rebentar mais pipoca ou por algo na
mesa, e levar um papo atencioso sobre as coisas e interesses comuns. Reparem que, de todas
as opções, essa é a que dá mais trabalho. Porém, dependendo de suas opções de vida, é a mais
enriquecedora.
No final da história de Bartimeu, Jesus atende seu desejo e o cura. Mas, não deixa de destacar:
“Vai, a TUA FÉ te salvou”, e não “EU te salvei”, ou seja, “Eu fiz do jeito que você queria,
agora se vire, você está enxergando”.
Se em terra de cego quem tem um olho é rei, em terra de vistas embaraçadas ter os dois olhos
significa muita responsabilidade.
Jean Tauler (c. 1300-1361), dominicano de Estrasburgo
Sermão 10
“Imediatamente o homem começou a ver, e seguia Jesus pelo caminho”
“Eu sou a luz do mundo” (Jo 8, 12). Ele é a luz que dá brilho a todas as luzes da terra: às luzes
materiais como o sol, a lua, as estrelas e os sentidos físicos do homem; e também à luz
espiritual, à inteligência do homem, graças à qual todas as criaturas devem refluir para a sua
origem. Sem este refluxo, estas luzes criadas são, em si mesmas, verdadeiras trevas,
comparadas com a luz autêntica por essência, que é luz para o mundo inteiro.
Nosso Senhor disse-nos: “Renuncia à tua luz, que é trevas em comparação com a minha luz, e
que me é contrária, porque Eu sou a verdadeira luz e quero dar-te, em troca das tuas trevas, a
minha luz eterna, a fim de que ela te pertença como a Mim mesmo, e de que tu tenhas, como
Eu mesmo, o Meu ser, a Minha vida, a Minha felicidade e a Minha alegria.”
Qual é, então, o caminho mais curto, que conduz a verdadeira luz? Eis tal caminho: renunciar
verdadeiramente a si mesmo, amar e não ter em vista senão só Deus […], não querer em coisa
alguma o próprio interesse, mas desejar e procurar somente a honra e a glória de Deus,
esperar tudo imediatamente de Deus e, sem desvio nem intermediário, a Ele remeter todas as
coisas, venham de onde vierem, a fim de que haja entre Deus e nós um fluxo e um refluxo
imediatos. Eis o verdadeiro caminho, o caminho recto.
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