Contribuições da psicanálise para o projeto de humanização

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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MESTRADO PROFISSIONAL EM
PSICANÁLISE, SAÚDE E SOCIEDADE
ANDREA ALVAREZ NIETO
CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE PARA O PROJETO DE HUMANIZAÇÃO NA
ENFERMARIA DE CIRURGIA VASCULAR E ENDOVASCULAR DO HOSPITAL
UNIVERSITÁRIO PEDRO ERNESTO – HUPE/UERJ
Rio de Janeiro
2013
ANDREA ALVAREZ NIETO
CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE PARA O PROJETO DE HUMANIZAÇÃO
NA ENFERMARIA DE CIRURGIA VASCULAR E ENDOVASCULAR DO
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO PEDRO ERNESTO – HUPE/UERJ
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós - graduação – Strictu Sensu Mestrado Profissional em Psicanálise,
Saúde
e
Sociedade
da
Universidade
Veiga
de
Almeida,
como parte dos requisitos para obtenção
do título de Mestre em Psicanálise, Saúde
e Sociedade. Área de concentração –
Psicanálise e Saúde.
Orientadora: Profª. Drª. Maria da Glória Schwab Sadala
Rio de Janeiro
2013
DIRETORIA DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSU
E DE PESQUISA
Rua Ibituruna, 108 – Maracanã
20271-020 – Rio de Janeiro – RJ
Tel.: (21) 2574-8871 - (21) 2574-8922
FICHA CATALOGRÁFICA
N677c
FICHA CATALOGRÁFICA
Nieto, Andrea Alvarez.
Contribuições da psicanálise para o projeto de humanização na
enfermaria de cirurgia vascular e endovascular do hospital Universitário
Pedro Ernesto – HUPE/UERJ / Andrea Alvarez Nieto, 2013.
92f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Veiga de Almeida,
Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade, Rio de
Janeiro, 2013.
a
a
Orientação: Prof . Dr Maria da Glória Schwab Sadala.
1. Psicanálise. 2. Humanização. 3. Transferência. I. Sadala,
Maria da Glória Schwab. II. Universidade Veiga de Almeida, Mestrado
Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade. III. Título.
.
CDD – 616.8917
Decs
Ficha Catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UVA
Biblioteca Maria Anunciação Almeida de Carvalho
FOLHA DE APROVAÇÃO
ANDREA ALVAREZ NIETO
CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE PARA O PROJETO DE HUMANIZAÇÃO NA
ENFERMARIA DE CIRURGIA VASCULAR E ENDOVASCULAR DO HOSPITAL
UNIVERSITÁRIO PEDRO ERNESTO – HUPE/UERJ
Dissertação apresentada ao Programa de Pós graduação
–
Strictu
Sensu
em Psicanálise, Saúde e Sociedade da
Universidade
Veiga
de
Almeida,
como parte dos requisitos para obtenção do título
de Mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade.
Área de concentração – Psicanálise e Saúde.
Aprovada em 23 de outubro de 2013.
Banca Examinadora
__________________________________________
Profª Drª. Maria da Glória Schwab Sadala
Universidade Veiga de Almeida
__________________________________________
Profª Drª. Sônia Borges
Universidade Veiga de Almeida
__________________________________________
Prof. Dr. Carlos Eduardo Virgini Magalhães
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente ao Grande Pai pelo dom da vida e da sabedoria.
A minha mãe Maria Dolores Alvarez Nieto, por ser acima de tudo um exemplo
de mãe, amiga e ser humano, por me ensinar que nunca se deve desistir de seus
sonhos e objetivos.
A Drª Maria da Glória Schwab Sadala, pela sua dedicação, paciência
dispensada, disponibilidade incondicionais e principalmente por acreditar neste
trabalho.
A Drª Sônia Borges pelo carinho e ensinamentos desde o primeiro dia de aula
neste mestrado.
Ao Dr. Carlos Eduardo Virgini Magalhães, por seus ensinamentos, por me
permitir fazer parte de sua equipe, pelo reconhecimento do trabalho realizado e por
seu apoio.
As minhas amigas Maysa Guimarães e Michelle Freire, por estarem sempre
ao meu lado em todos os momentos da minha vida e nunca me deixarem desistir.
As minhas colegas e amigas de mestrado Margareth Pitrowsky, Lilian Faertes,
Marilene Barroso pela parceria e cumplicidade em todos os momentos deste curso.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao meu pai, irmão e avó, que independente de onde
estejam, tenho a certeza que sempre estarão ao meu lado torcendo pelo meu
crescimento, em minhas lembranças e no meu coração.
“Existem momentos na vida da gente, em que as palavras
perdem o sentido ou parecem inúteis e, por mais que a gente
pense numa forma de empregá-las, elas parecem não servir.
Então a gente não diz apenas sente”.
Sigmund Freud
RESUMO
Propomos nesta pesquisa contribuir para uma nova leitura da Política Nacional de
Humanização, considerando a transferência – conceito fundamental da psicanálise – como
estratégia importante nesta prática.
Apresentaremos um breve histórico das Políticas
Públicas no Brasil, indicando o Sistema Único de Saúde e a implantação da Política
Nacional de Humanização.
O fenômeno da transferência atravessa todas as relações
humanas e, por esta razão, entende-se que ela esteja também operando nas relações que
se estabelecem durante a internação, podendo influir diretamente na condução e na adesão
ao tratamento. As formulações fundamentais sobre o conceito de transferência realizadas no
campo da psicanálise são apresentadas, considerando-se especialmente as concepções
teóricas de Sigmund Freud e Jacques Lacan. O contexto, a partir do qual desenvolveu-se
essa pesquisa foi a enfermaria de cirurgia vascular e endovascular do Hospital Universitário
Pedro Ernesto – HUPE/UERJ.
Palavras-chave: humanização, transferência, psicanálise.
ABSTRACT
This research proposes a new reading of the National Policy Humanization
considering the transference - fundamental concept of psychoanalysis - as an
important strategy in this practice. It will be presented a brief history of Public Policies
in Brazil, indicating the Unified Health System and the implementation of the National
Policy of Humanization. The phenomenon of transference go through all human
relationships and, for this reason, it is understood that it also works on relationships
established during hospitalization and can directly influence the conduct and
adherence to the treatment. The main formulations about the concept of transference
performed in the field of psychoanalysis are presented, especially considering the
theoretical conceptions of Sigmund Freud and Jacques Lacan. The context where
this research was developed was in the vascular and endovascular surgery infirmary
at Pedro Ernesto University Hospital - HUPE / UERJ.
Keywords: humanization, transference, psychoanalysis.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AIDS - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
CAP – Comunidade Ampliada de Pesquisa
CAPS – Caixa de Aposentadorias e Pensões
CDS – Conselho de Desenvolvimento Social
CIPES – Centro de Investigação de Políticas de Ensino Superior
CNS – Conferência Nacional de Saúde
CTH – Câmaras Técnicas de Humanização
CUCC – Centro Universitário de Controle do Câncer
DENERU – Departamento Nacional de Endemias Rurais
DGSP – Diretoria Geral de Saúde Pública
DNSP – Diretoria Nacional de Saúde Pública
ERAM – Equipes de Referência e de Apoio Matricial
FADS – Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social
GTH – Grupo de Trabalho de Humanização
HIV - Vírus da Imunodeficiência Humana
HUPE – Hospital Universitário Pedro Ernesto
IAPS – Institutos de Aposentadorias e Pensões
INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
INPS – instituto Nacional da Previdência Social
MEC – Ministério da Educação e Cultura
MESP – Ministério da Educação e Saúde Pública
MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social
MT – Ministério do Trabalho
MTIC – Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio
NESA – Núcleo de Estudo da Saúde do Adolescente
SUMÁRIO
1
Introdução
12
2
Histórico do Hospital Universitário Pedro Ernesto – HUPE/UERJ
16
2.1 Quem foi Pedro Ernesto?
16
2.2 Breve Histórico do Hospital Universitário Pedro Ernesto –
HUPE/UERJ
18
2.3 Breve Histórico da Enfermaria de Cirurgia Vascular e Endovascular
do Hospital Universitário Pedro Ernesto - HUPE/UERJ
21
2.4
O que vem a ser Cirurgia Vascular e Endovascular?
23
3
A trajetória da Saúde Pública no Brasil, a Humanização e a Clínica
de Cirurgia Vascular e Endovascular no Hospital Universitário Pedro
26
Ernesto - HUPE/UERJ
3.1
O início das Políticas Públicas no Brasil
26
3.2
A Construção do Sistema Único de Saúde – SUS
31
3.3
A Política Nacional de Humanização – PNH
35
3.4
A Humanização
42
3.5 A Prática da Humanização na Enfermaria de Cirurgia Vascular e
45
Endovascular no HUPE/UERJ
4
A Transferência como estratégia na Política Nacional de
Humanização – PNH
55
4.1
O termo Transferência
55
4.2
Um pouco de história
58
4.3
Os avanços com Lacan
65
4.4
A Transferência e a Prática Hospitalar
69
4.4.1 Um caso clínico
72
5
Conclusão
80
6
Referências Bibliográficas
82
7
Apêndice
89
NOAS – Norma Operacional da Assistência a Saúde
PCGA – Projetos Co-Geridos de Ambiência
PFST – Programa de Formação em Saúde do Trabalhador
PIASS – Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento
PM-SUS – Projeto de Memória do Sistema Único de Saúde
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento
PN-DST – Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis
PNH – Política Nacional de Humanização
PPA – Plano de Pronta Ação
PPC – Policlínica Piquet Carneiro
PQVSTS – Programas de Qualidade de Vida e Saúde para Trabalhadores da Saúde
PSC – Projeto de Saúde Coletiva
PTS – Projeto Terapêutico Singular
R1 – Residente do primeiro ano
R2 – Residente do segundo ano
SINPAS – Sistema Nacional da Previdência e Assistência Social
SNS – Sistema Nacional de Saúde
SUDS – Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde
SUS – Sistema Único de Saúde
UDA – Unidade Docente Assistencial
UEG – Universidade do Estado da Guanabara
UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UTI – Unidade de Tratamento Intensivo
12
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa baseia-se na minha experiência de trabalho que obtive no
Hospital Universitário Pedro Ernesto – HUPE/UERJ na enfermaria de cirurgia
vascular e endovascular.
Inicialmente tratava-se de um trabalho exigido pelo curso de Especialização em
Psicologia Médica, contudo, posteriormente dei continuidade ao mesmo por sua
importância em minha vida.
Por ter um desejo imenso de permanecer com o
trabalho iniciado, aceitei o convite e permaneci como voluntária de dezembro de
2006 até maio de 2011.
Ao chegar nesta enfermaria, logo percebi que existiam duas equipes,
enfermagem e cirurgiões, em uma só disciplina, ou seja, uma enfermaria específica
que é especializada em uma área da medicina, que trata de um grupo de patologias
referentes a sua especialização, se dividia em duas equipes, onde uns não se
comunicavam com os outros, era dito apenas o essencial e este fato me incomodou
profundamente, pois a pessoa mais prejudicada era o paciente.
Foram feitas várias propostas de mudanças, muito poucas aceitas pela chefe
da enfermagem, entretanto o chefe dos cirurgiões não se opunha, mas apesar de
sua posição favorável, pouquíssimas mudanças foram realizadas no que se referia a
interdisciplinaridade entre as equipes.
Em dezembro de 2005, a enfermeira chefe foi afastada por motivo de doença e
sua substituta comungava dos princípios de humanização, assim como o chefe dos
cirurgiões e eu.
Gradativamente muitas mudanças foram ocorrendo na equipe e observamos
uma disponibilidade crescente no grupo da enfermagem para ouvir o outro, fazendo
um convite à fala constantemente, o que contribuiu para uma troca interdisciplinar.
Portanto, não podemos reduzir à troca da enfermeira chefe as mudanças
constatadas.
O que antes se desejava discretamente, de uma forma muito sutil, podemos
assim dizer, agora se colocava com mais determinação e a proposta de se ter uma
equipe única se concretizava. Passamos a ser uma Equipe de Saúde da Cirurgia
Vascular e Endovascular, onde as reuniões eram abertas para todos os
profissionais, se fazia o relato dos casos clínicos com nutricionista, fisioterapeuta,
13
assistente social, psicóloga, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, enfermeiro e
cirurgião, por vezes, alguém do serviço geral também participava.
A comunicação não era apenas nas reuniões, mas em nosso dia-a-dia, era
comum encontrar no posto de enfermagem o cirurgião, a enfermeira e a psicóloga
transmitindo e recebendo informações sobre determinado paciente. Isto ocorria com
todos os profissionais da equipe acima mencionados, cito estes por estarem sempre
presentes na enfermaria.
O respeito ao paciente foi ganhando espaço, chegando ao ponto de algumas
cirurgias, mesmo sendo de extrema necessidade, aguardavam alguns dias para se
concretizarem, pois, desta forma o paciente seria preparado para ter um de seus
membros amputados.
A equipe também ganhou seu espaço, conquistou o direito de se colocar e
fazer com que seus direitos e desejos fossem respeitados. Grandes conquistas,
grandiosas vitórias e com um ganho significativo para todos, pacientes, familiares e
equipe.
A semente foi plantada, germinou, cresceu e deu frutos.
Orgulho-me muito desse trabalho e da equipe que se tem hoje.
Por acreditarmos na humanização, no trabalho em equipe e por termos
conquistado um espaço que hoje é respeitado, decidimos repensar o projeto de
humanização na enfermaria de cirurgia vascular e endovascular, à luz da
psicanálise.
No segundo capítulo desta dissertação apresentamos um pouco da história do
Hospital Universitário Pedro Ernesto, ou seja, o Hospital Escola da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro – HUPE/UERJ. Não se pode falar de um lugar sem que se
saiba a origem de seu nome, sua história, sua missão, sua evolução ao longo dos
anos. Assim, como também se faz necessário relatar como surgiu a Enfermaria da
Disciplina de Cirurgia Vascular e Endovascular, seu percurso, o que ela trata, seus
fundadores e quem hoje se faz responsável pelo trabalho diferenciado em um
hospital que é conhecido como referência em saúde.
No terceiro capítulo, trazemos a trajetória da Saúde Pública no Brasil, desde
seus primórdios com o Brasil Colônia, passando por Oswaldo Cruz, pelo marcante
governo de Getúlio Vargas, quando se inicia a Política de Proteção ao Trabalhador,
pela década de 80 quando se torna mais presente a Reforma Sanitária e as
Conferências Nacionais de Saúde.
Em 1988 quando é aprovada a nova
14
Constituição Brasileira e finalmente o Sistema Único de Saúde (SUS) é aprovado e
regulamentado por lei. O SUS toma corpo, cria suas diretrizes, princípios e se faz
respeitar como uma prática a ser seguida. Com base no SUS, em 2003 se cria a
Política Nacional de Humanização (PNH), que vem apoiar e ratificar os princípios do
SUS, fazendo que estes sejam realmente cumpridos e os potencializa criando suas
próprias diretrizes e premissas básicas. Este processo trouxe um grande diferencial
nos hospitais públicos, que hoje em sua maioria adotam a postura humanizada.
Percebemos que a humanização em um hospital é necessária, contudo, em
uma clínica cirúrgica onde os pacientes podem perder seus membros, é
fundamental.
Neste capítulo ainda apresentamos a importância de se ter uma
equipe de saúde e não equipes fragmentadas que olham para seu paciente como
um pedaço ou um órgão, temos um ser humano que precisa de cuidados, cuidados
em seu todo.
O cirurgião por mais que lhe seja difícil, necessita ter uma
sensibilidade para respeitar a dor do outro. A humanização não é feita de regras,
mas sim de princípios e bases e existem estratégias para efetivá-la. Supomos que,
o fenômeno da transferência, tal como concebido pela psicanálise, constitui-se em
importante estratégia na prática da política de humanização.
No quarto capítulo, apresento um dos quatro conceitos fundamentais da
psicanálise, a transferência, com as contribuições de Freud e Lacan. Ainda neste
capítulo relato um pouco da minha prática no hospital, apresentando um caso clínico
e propondo algumas articulações teórico-clínicas.
Podemos nos perguntar o que prova que as relações melhoraram entre
médicos e pacientes e entre a equipe profissional?
Como comprovar que esta relação denominada pela psicanálise relação
transferencial contribuiu para a eficácia da Política Nacional de Humanização?
Apresentaremos aqui uma pesquisa qualitativa e os relatos e os testemunhos
são instrumentos no processo de validação das hipóteses.
Antecipamos neste
momento o que será demonstrado nos capítulos desta pesquisa: pacientes que
fizeram questão de serem tratados por esta equipe, nesta instituição, mesmo sendo
sua moradia de uma distância significativa; profissionais que faziam rodízio nas
enfermarias da instituição e solicitavam retornar a esta; falas por vezes
emocionadas, dos familiares e pacientes ao se remeterem à equipe de uma forma
positiva.
15
Afirmo que esta própria dissertação é um testemunho do desejo e das
transferências de trabalho estabelecidas entre a psicóloga e os outros profissionais
da equipe.
16
2 HISTÓRICO DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO PEDRO ERNESTO –
HUPE/UERJ
Este capítulo se refere à história do Hospital Universitário Pedro Ernesto da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Vamos relatar um pouco de sua origem, seu fundador, seus objetivos, sua
filosofia, seu funcionamento, sua capacidade de atendimento, seus anexos e suas
instalações.
Faremos também uma breve explanação sobre o que seria a disciplina de
cirurgia vascular e endovascular, sua equipe, as patologias atendidas e estudadas,
os procedimentos cirúrgicos, suas instalações no hospital e no ambulatório, onde
são realizadas as consultas de rotina, entre outras peculiaridades.
Foi no ano de 2005 quando iniciei a Pós-Graduação em Psicologia Médica,
neste hospital, que conheci e trabalhei na Instituição, participando da implantação do
projeto de humanização, eixo principal da presente pesquisa.
2.1 Quem foi Pedro Ernesto?
Antes de começarmos a falar sobre esse Hospital, que é referência em saúde,
percebemos a necessidade de expor a origem de seu nome e a história do homem
que o criou.
Pedro Ernesto Rego Baptista, nasceu em Recife, Pernambuco, em 25 de
setembro de 1884, veio ao Rio de Janeiro para estudar medicina e morrer em 10 de
agosto de 1942. Foi considerado um grande médico e político que faleceu aos 58
anos no Rio de Janeiro.
Este, fundou a Casa de Assistência ao Servidor do Estado do Rio de Janeiro –
IASERJ.
Foi um revolucionário de 1922 a 1930, era chamado de "Mãe dos Tenentes",
pelo respeito e admiração que tinham por ele, no Exército Brasileiro.
O movimento revolucionário eclodiu em julho de 1932, a Casa de Saúde
transformou-se num dos principais centros de reuniões, marcando assim o seu
envolvimento com a política.
17
Em 1930, com o golpe, surgiu a oportunidade do seu ingresso na
administração pública.
Dr. Pedro Ernesto Rego Baptista
FONTE: http://www.famososquepartiram.com/2011/08/pedro-ernesto_11.html
Interventor
da
antiga
capital
da
República
(1931–1936),
nomeado
primeiramente pelo Presidente Getúlio Vargas e após eleito por unanimidade pela
Câmara Municipal do Distrito Federal em 1934, dirigiu sua administração para os
problemas da saúde e educação, inaugurando profícua rede de assistência médicohospitalar, realizou importantes obras de saneamento básico e grande número de
escolas
de
ensino
elementar
(SITE:
HTTP://WWW.HISTORIA.UFF.BR/STRICTO/TD/1561.PDF).
Entre outras obras públicas, ao longo de seu governo, Pedro Ernesto fundou os
Hospitais Getúlio Vargas, Carlos Chagas, Paulino Werneck, Jesus, Miguel Couto,
Dispensário do Sapê, hoje Carmela Dutra. Criou o Hospital Geral Pedro Ernesto,
que foi inaugurado anos após a sua morte.
Junto com o professor Anísio Teixeira, promoveu ampla reforma na educação
carioca, combatendo o elitismo do ensino da época, democratizando a escola
pública, sendo o precursor do Centro de Investigação de Políticas de Ensino
Superior - CIPES.
Por sua administração eminentemente popular e pelo combate ao fascismo dos
países do Eixo (a Alemanha de Hitler e a Itália de Mussolini), Pedro Ernesto sofreu
em 1934 intensa campanha anticomunista, embora ele não se considerasse nem um
pouco comunista. Acabou preso em 1936, afastado da Prefeitura e teve cassada
sua
patente
de
coronel-médico
da
reserva
do
HTTP://WWW.HISTORIA.UFF.BR/STRICTO/TD/1561.PDF ).
Exército
(SITE:
18
Absolvido pelo Supremo Tribunal Militar, em 13 de setembro de 1937, junto a
dezenas de presos políticos. Preso algumas outras vezes, Pedro Ernesto morreu na
oposição, em 1942. Até hoje, deixa seu exemplo como político que defendia a gente
pobre dos morros.
No exercício da medicina, como cirurgião, foi laureado pela Academia Nacional
de Medicina com o prêmio Alvarenga.
Foi membro de American College of Surgeons, sendo titular e fundador do
Colégio Brasileiro dos Cirurgiões.
2.2
Breve Histórico do Hospital Universitário Pedro Ernesto –
HUPE/UERJ
O Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) foi inaugurado em 1950, após
quase 20 anos de obras, sendo o mesmo parte da Rede Hospitalar da Secretaria de
Saúde do Distrito Federal. Em 1962 foi incorporado à Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ) como Hospital-Escola da Faculdade de Ciências Médicas,
antiga Universidade do Estado da Guanabara (UEG) (ACS do HUPE, 1991).
No ano de 1965, foi incorporado à Universidade do Estado da Guanabara
(UEG) como Hospital das Clínicas. Suas atividades privilegiavam exclusivamente as
questões acadêmicas de ensino e pesquisa, com o acompanhamento e estudo de
raridades clínicas e doenças em estágio final (ACS do HUPE, 1991).
Em 1974 o Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) firmou o convênio
global com a Previdência Social. Isto o transformou num hospital comprometido com
a atenção à população. O mesmo era um hospital que funcionava com algumas
limitações, com poucos leitos e poucas consultas ambulatoriais.
A partir desse ano, através do convênio, que tinha também o intuito de superar
as dificuldades de financiamento dos hospitais públicos, o HUPE se expandiu. De
250 leitos e 500 consultas ambulatoriais por mês, ele passou para 700 leitos e mais
de 1.000 consultas ambulatoriais por dia, sendo que o número de funcionários
também cresceu muito. De cerca de 800 pessoas, entre professores e funcionários,
passou a abrigar 3.700 pessoas, sem contar os residentes.
crescimento muito grande no hospital.
Enfim, houve um
19
O HUPE possui 44 mil m² de área construída, onde funcionam 525 leitos e
mais de 60 especialidades e subespecialidades. Tecnologia sofisticada que abrange
a cirurgia cardíaca, transplante renal e transplante de coração, além dos
atendimentos ambulatoriais de referência em diversas áreas da saúde (SITE:
HTTP://WWW.HUPE.UERJ.BR).
Ensino e pesquisa são atividades estratégicas à missão de um Hospital
Universitário que tem em sua rotina, constantes descobertas e inovações,
contribuindo para a melhoria da assistência e do atendimento em saúde.
Seu pioneirismo deu-se em 1975, com a inauguração da Enfermaria de
Adolescentes Prof. Aloysio Amâncio, primeira do gênero no Brasil a oferecer
atendimento
especializado
multidisciplinar.
ao
adolescente,
com
atendimento
integral
e
Hoje, o Núcleo de Estudo da Saúde do Adolescente (NESA) é
centro de referência nacional para o atendimento ao adolescente, em especial,
cardiopatas e nefropatas crônicos, já que o HUPE dispõe dos serviços de cirurgia
cardíaca e transplante renal. Além disso, é centro cooperante do projeto Mundial
sobre
residência,
sob
a
coordenação
da
Civitan/OPAS/OMS
(SITE:
HTTP://WWW.HUPE.UERJ.BR).
Nos anos 80, o HUPE introduz, no Estado do Rio de Janeiro, a primeira Clínica
da Dor, onde profissionais de diversas áreas do conhecimento desenvolvem e
aplicam, desde então, técnicas de combate e eliminação de dores crônicas das mais
diversas origens. Neste período, também se iniciaram as atividades da Clínica de
Hipertensão do Laboratório de Fisiopatologia Clínica e Experimental (CLINEX)
que atende hipertensos, obesos, diabéticos e dislipidêmicos, com enfoque
interdisciplinar. À CLINEX cabe o diagnóstico precoce dessas doenças e suas
conseqüências cardiovasculares.
Em 1987 o HUPE, realizou sua primeira eleição direta para a escolha do
Diretor e Vice-Diretor, inaugurando uma nova fase da sua história.
Outra questão importante diz respeito ao objetivo do Hospital Universitário que
é “Prestar atendimento ou comprometer-se somente com ensino e pesquisa” (SITE:
HTTP://WWW.HUPE.UERJ.BR).
Dentro
do
papel
que
cabe
ao
Hospital
Universitário, incorpora-se a questão do treinamento específico e da formação dos
estudantes, objetivando ser campo de prática efetiva para os estudantes da área de
saúde, e de outras áreas, promovendo uma interação maior da Universidade.
20
Em 1988, com o propósito de criar um banco de sangue próprio, a direção
estabelece entendimentos junto ao Instituto de Hematologia no sentido de atender
as necessidades do Hospital.
O banco de sangue foi inaugurado em 1989 e
permanece até os dias de hoje com o nome de Herbert de Sousa (Herbert José de
Sousa), conhecido como Betinho, sociólogo e ativista dos direitos humanos.
Em 1998, o HUPE foi o primeiro Hospital Geral e Universitário do Estado a
obter o título de “Hospital Amigo da Criança“, conferido pela Fundos das Nações
Unidas para a Infância (UNICEF) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) pelo
incentivo ao aleitamento materno. Foi o Alojamento Conjunto um dos principais
fatores que contribuíram para essa conquista, que mantém mãe e bebê juntos desde
o nascimento, estimulando a amamentação.
Em 9 de setembro de 2002, foi inaugurado o Centro Universitário de Controle
do Câncer - Unidade Docente Assistencial de Radioterapia.
O CUCC abriga a
Unidade Docente Assistencial (UDA) de Radioterapia, o ambulatório de cuidados
paliativos e parte do serviço de radiologia e diagnóstico por imagem. O atendimento
é feito ambulatorialmente e possui os exames de tomografia computadorizada.
Tendo em sua chefia o Dr. Rafael Daher e como equipe profissional: médicos
radioterapeutas,
especializadas
físicos
em
médicos,
oncologia,
técnicos
técnicos
em
em
radioterapia,
enfermagem,
enfermeiras
nutricionistas,
fisioterapeuta, médica de cuidados paliativos, enfermeiro de cuidados paliativos,
fonoaudióloga, psicóloga e assistente social (SITE: HTTP://WWW.HUPE.UERJ.BR).
Em junho de 2006, foi criado o Núcleo Perinatal, baseado no histórico
precursor de serviço de obstetrícia do hospital. Hoje a maternidade é referência em
gravidez de alto risco no Estado do Rio de Janeiro com leitos de Unidade de
Tratamento Intensivo (UTI) Neonatal cadastrados pelo SUS.
O HUPE tem por missão prestar assistência integrada, humanizada e de
excelência à saúde, sendo agente transformador da sociedade através do ensino,
pesquisa e extensão. Seus valores são definidos pelo respeito à vida e à dignidade
do ser humano, a ética nas relações, a transparência na divulgação das ações, a
competência técnica, o trabalho em equipe, o pioneirismo e a responsabilidade
social.
Este é um centro de excelência na área de saúde, dispondo de um corpo
clínico formado por profissionais com reconhecimento nacional e internacional,
21
mantém programas permanentes de atualização e modernização através de
recursos captados com projetos desenvolvidos por seus profissionais.
A demanda e a vinculação ao Centro Biomédico da UERJ transformaram o
HUPE num dos maiores complexos docente-assistenciais do país, na área de
saúde, hoje se pode afirmar que é um hospital de excelência, uma referência em
saúde.
Vista panorâmica do HUPE/UERJ
FONTE: http://www.panoramio.com/user/400441?with_photo 3372779
2.3 Breve Histórico da Cirurgia Vascular e Endovascular no HUPE
A história da Cirurgia Vascular no Hospital Universitário Pedro Ernesto teve
início em 1960, pelo Prof. Medina, com a criação da Sessão de Cirurgia Vascular da
1ª Clínica Cirúrgica, na época “comandada” pelo Professor Titular de Cirurgia
Manoel Cláudio da Motta Maia. Em 1963 se estabeleceu oficialmente uma parceria
entre dois nomes que já vinham seguindo os passos do Prof. Medina: José Carlos
Bastos Côrtes, mineiro de Além Paraíba, recém saído do Serviço do Prof. Augusto
Paulino, e Álvaro Medrado Camelier. Dr. Côrtes recebeu a chefia do serviço em
1969 das mãos do Prof. Medina e desde então tem ensinado e influenciado um
grande número de cirurgiões de vários cantos do Brasil, e que representam seu
maior legado à cirurgia vascular do nosso país. (SITE: WWW.HUPE.UERJ.BR)
22
Dr. Cortes permaneceu como chefe até seu afastamento compulsório da
Universidade em junho de 2003, quando então assumiu a coordenação do serviço
que já se chamava Unidade Docente-Assistencial (UDA) de Cirurgia Vascular, o
Prof. Dr. Carlos Eduardo Virgini-Magalhães.
Há alguns anos, a criação da UDA de Cirurgia Vascular, que passou a englobar
a disciplina da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ e o serviço de cirurgia
vascular do HUPE-UERJ, procurou contemplar as necessidades docentes e
assistenciais, impossíveis de serem separadas em um Hospital Universitário,
oficializando o que já existia na prática: A coordenação única da Disciplina
(Faculdade) e do Serviço (Hospital).
Em janeiro de 2004, foi inaugurado o novo Ambulatório da Disciplina, que
passou a funcionar na Policlínica Piquet Carneiro - PPC-UERJ e foi “batizado” como
Ambulatório de Cirurgia Vascular Alvaro Medrado Camelier, em homenagem aos 30
anos de sua dedicação ao antigo PAM São Francisco Xavier, hoje Policlínica Piquet
Carneiro. Além do novo espaço, o atendimento foi reformulado e o ambulatório
dividido
por
patologias
em
dias
de
atendimento
diferentes
(SITE:
HTTP://WWW.HUPE.UERJ.BR).
A divisão de ambulatórios teve como objetivo organizar o atendimento e
priorizar a pesquisa em diferentes áreas da cirurgia vascular. Uma experiência que
vem dando certo com a implementação de protocolos de acompanhamento de
patologias vasculares diversas.
Fachada da Policlínica Piquet Carneiro – PPC – UERJ
FONTE: http://www.panoramio.com/user/400441?with_photo 3372782
23
O programa de residência médica em cirurgia vascular é reconhecido pelo
Ministério da Educação e Cultura (MEC) e funciona desde 1974, quando a
Universidade ainda chamava-se Universidade do Estado da Guanabara (UEG). Tem
duração de dois anos e conta com duas novas vagas a cada ano. Passam pelo
Serviço anualmente quatro residentes de Cirurgia Vascular (dois R1 e dois R2),
residentes da Cirurgia Geral e de outras especialidades cirúrgicas, além de pósgraduandos de outros programas cirúrgicos da Universidade. Em 2009 teve início o
R3
opcional
em
Cirurgia
Endovascular
(SITE:
HTTP://WWW.VASCULARUERJ.WORDPRESS.COM/HISTORIA).
A filosofia de trabalho da Unidade Docente-Assistencial de Cirurgia Vascular
tem como objetivos o ensino e a pesquisa, apoiados em um forte compromisso com
uma assistência de qualidade, integrada ao Sistema Único de Saúde - SUS.
A Unidade de Internação se localiza no Hospital Universitário Pedro Ernesto, 4º
andar, enfermarias seis e sete. Nesta são realizadas as cirurgias, procedimentos e
exames.
A Unidade Ambulatorial se localiza na Policlínica Piquet Carneiro, 2º andar –
Ambulatório de Cirurgia Vascular e Endovascular.
Nesta são feitos os
acompanhamentos pré e pós-cirúrgico, consultas de rotina e acompanhamento.
As duas unidades são assistidas pelos mesmos profissionais, assim como
chefiadas pelo Prof. Dr. Carlos Eduardo Virgini-Magalhães, sua equipe é composta
por oito staffs cirurgiões vasculares, um cardiologista, dois residentes R1, dois
residentes R2, um residente R3 e um especializando, tendo um total de quatorze
médicos na equipe.
2.4 O que vem a ser a Cirurgia Vascular e Endovascular
Segundo Simonetti (2004), a cirurgia vascular é a especialidade médica que se
ocupa do tratamento cirúrgico de doenças das artérias, veias e vasos linfáticos. Atua
junto a angiologia que é a especialidade responsável pelo estudo clínico dessas
doenças.
O cirurgião vascular é o médico responsável pelas doenças que acometem os
sistemas arterial, venoso e linfático. Embora seja conhecido mais pelo tratamento de
24
varizes, vasinhos, microvarizes e teleangiectasias, isso seria apenas uma parte
dessa ampla especialidade.
O cirurgião vascular que possui também titulação para exercer a cirurgia
endovascular pode utilizar-se de recentes técnicas minimamente invasivas para
realizar procedimentos cirúrgicos. A cirurgia endovascular é uma subespecialidade
da cirurgia vascular, na qual se utilizam cateteres e guias, manipulados à distância e
monitorados por telas (monitores).
O ambiente usado para este tratamento tanto
pode ser a sala de hemodinâmica como o centro cirúrgico.
A cirurgia vascular e endovascular, tratam de patologias como: aterosclerose
(arteriosclerose), úlceras arteriais, decorrente de estenose de carótida (isquemia
cerebral de origem extracraniana), pé diabético, claudicação (dor ao caminhar,
decorrente da isquemia, diminuição da circulação sangüínea periférica), aneurismas
arteriais, tanto da aorta abdominal quanto de outras localizações, tromboses
arteriais, isquemia de membros inferiores, obstrução arterial aguda, desbridamentos
e amputações (cirurgias mutilantes, mas potencialmente salvadoras de vidas),
fasciotomias,
arterites
e
vasculites
(SITE:
HTTP://WWW.VASCULARUERJ.WORDPRESS.COM/HISTORIA).
No sistema venoso, as doenças mais freqüentes são as varizes e as tromboses
venosas. As varizes são veias em membros inferiores que se apresentam dilatadas
e tortuosas, podendo levar a sintomas como dor, peso e cansaço. A trombose
venosa é a formação de coágulos dentro das veias, que podem se desprender e
direcionar-se
para
o
pulmão,
causando
embolia
pulmonar
(SITE:
HTTP://WWW.AMATO.COM.BR/CONSULTORIO-MEDICO/CONTENT/O-QUEANGIOLOGIA-E-CIRURGIA-VASCULAR-E-CIRURGIA-ENDOVASCULAR-TRATA).
As principais doenças que se apresentam no sistema venoso são: varizes
(vasinhos, microvarizes, teleangiectasias, varicorragia, rotura de varizes), úlceras
venosas, tromboflebites e tromboses venosas, trombofilias (doenças do sangue que
causam coagulação aumentada).
Além destes, no sistema linfático também ocorrem alguns problemas, contudo,
menos frequentes e percebem-se quando os membros inferiores apresentam
25
dificuldade de drenagem da linfa, com formação de edema, que é endurecido e
constante. Suas principais doenças são: linfangites, linfedema, erisipela e celulite (o
termo médico celulite é diferente da celulite popularmente conhecida, e consiste em
infecção).
Para melhor se definir o tratamento, conta-se com a realização de exames
complementares como a ultrassonografia com Doppler e o Eco Doppler arterial e
venoso, que vem a ser exames não invasivos de fácil realização, muito útil na
detecção das alterações nos sistemas arteriais e venosos em membros inferiores e
superiores e também no sistema carotídeo. Estes podem ser realizados pelo próprio
cirurgião
(SITE:
HTTP://WWW.AMATO.COM.BR/CONSULTORIO-
MEDICO/CONTENT/O-QUE-ANGIOLOGIA-E-CIRURGIA-VASCULAR-E-CIRURGIAENDOVASCULAR-TRATA).
Existem vários tipos de tratamento para as doenças vasculares, uns menos
invasivos e outros mais, contudo, nem sempre é possível optar pelo menos invasivo.
Infelizmente, por vezes, o procedimento deve ser feito imediatamente, sem um
período de preparação do paciente, pois a vida dele pode depender dessa
intervenção.
Existem dois tipos de tratamento para essas doenças, o medicamentoso e o
cirúrgico.
O cirúrgico se divide em cirurgia convencional / aberta, cirurgia
endovascular minimamente invasiva (angiorradiologia, radiologia intervencionista) e
os tratamentos com laser que vem ocupando um espaço cada vez maior,
principalmente no que se refere ao tratamento das varizes, tornando-se assim,
menos invasivo.
No próximo capítulo apresentaremos a trajetória da Saúde Pública no Brasil até
chegar a regulamentação do Sistema Único de Saúde pela Constituição Federal de
1988 e as Bases da Política Nacional de Humanização.
Em seguida, serão
abordados aspectos do projeto de humanização inseridos na clínica cirúrgica de
cirurgia vascular e endovascular do HUPE/UERJ.
26
3 A TRAJETÓRIA DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL, A HUMANIZAÇÃO E
A CLÍNICA DE CIRURGIA VASCULAR E ENDOVASCULAR DO HUPE/UERJ
O assunto Saúde Pública é algo complexo, contudo, quando se trata desse
assunto em nosso país, se torna algo ainda mais complicado.
Ao longo deste
capítulo vamos perceber que desde o período do Brasil Colônia já se tinha um
movimento voltado para a Saúde Pública.
Com o passar dos anos esse movimento foi tomando forma onde se criaram
regras, padrões, até que chegou a ser legitimado pela Constituição Federal em 1988
e denominou-se como Sistema Único de Saúde – SUS.
Com isso veio o movimento da Humanização, que hoje se chama Política
Nacional de Humanização - PNH, que foi implantada nos hospitais públicos, sendo
levada, por vezes, para os hospitais particulares.
Percebendo-se a necessidade de mudanças e tendo-se um olhar e uma escuta
diferenciada, nasce então o Projeto de Humanização na Enfermaria de Cirurgia
Vascular e Endovascular do HUPE/UERJ.
Neste capítulo serão abordadas essas questões, a partir de dados históricos,
artigos relacionados ao assunto e observações a partir da prática.
3.1 - O Início das Políticas Públicas no Brasil
Segundo Tatiana Wargas (2009), foi uma longa e árdua trajetória ao longo da
história do Brasil, para que a sociedade se organizasse em torno de um interesse
comum que se constitui em oferecer saúde como um direito de todos sem qualquer
distinção entre os sujeitos.
A princípio, no Brasil Colônia, ainda se trabalhava com o conceito de corpomente, o corpo como máquina.
O processo de adoecer ficava reduzido ao conceito de corpo como máquina
defeituosa e o espaço do cuidado era deslocado para os hospitais e a pessoa era
internada para ficar isolada do convívio cotidiano.
Com a vinda da Corte Portuguesa para o Brasil em 1808 determinou-se
mudanças na Administração Pública Colonial, principalmente na área da saúde.
Como sede provisória do império português e principal porto do país, a cidade do
27
Rio de Janeiro tornou-se centro das ações sanitárias.
Fez-se necessário, criar
centros de formação de médicos, que até então eram quase inexistentes em razão,
em parte, da proibição de ensino superior nas colônias.
No mesmo ano da chegada da família real ao Brasil, foi inaugurada a primeira
faculdade de medicina, a Escola Médica-Cirúrgica, localizada em Salvador/BA sendo
uma institucionalização de programas de ensino e uma normalização da prática
médica em conformidade aos moldes europeus.
Em meados de 1829, foi criada a Junta de Higiene Pública, que se mostrou
pouco eficaz e, apesar de várias reformulações, não alcançou o objetivo de cuidar
da saúde da população.
Contudo, as instâncias médicas assumiram o controle das medidas de higiene
pública. Seu regulamento é editado em 20 de setembro de 1851 e a transforma em
Junta Central de Higiene Pública. Seus objetivos eram inspeção da vacinação, o
controle do exercício da medicina e a polícia sanitária da terra, que engloba a
inspeção de alimentos, farmácias, armazéns de mantimentos, restaurantes,
açougues, hospitais, colégios, cadeias, aquedutos, cemitérios, oficinas, laboratórios,
fábricas e, em geral, todos os lugares de onde possa provir dano à saúde pública
(MACHADO, 1978).
Em 1852 é inaugurado o primeiro Hospital Psiquiátrico Brasileiro no Rio de
Janeiro, Hospital D. Pedro II, com o objetivo de tratar medicamentosamente os
denominados doentes mentais. (COSTA, 1999).
As primeiras ações de saúde pública que surgiram no mundo e que também
passaram a ser implementadas no Brasil Colônia voltaram-se especialmente para a
proteção e saneamento das cidades, principalmente as portuárias, responsáveis
pela comercialização e circulação dos produtos exportados, controle e observação
das doenças e doentes, inclusive e principalmente dos ambientes e ainda para a
teorização acerca das doenças e construção de conhecimento para adoção de
práticas mais eficazes no controle das moléstias.
A Proclamação da República em 1889 inicia um novo Ciclo na Política de
Estado com o fortalecimento e a consolidação econômica da burguesia cafeeira.
Criou-se em 1897 a Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), o incentivo às
pesquisas nas faculdades de medicina e no exterior (no Instituto Pasteur) e surgiram
os institutos específicos de pesquisa.
28
Em 1899 ocorrem as epidemias nas cidades, como a de peste bubônica, no
Porto de Santos, cria-se então em 1900, duas principais instituições de pesquisa
biomédica e saúde pública do país: O Instituto Soroterápico Federal – transformado
posteriormente em Instituto Oswaldo Cruz (1908) e Fundação Oswaldo Cruz (1970)
no Rio de Janeiro, e o Instituto Butantã, em São Paulo.
A partir de 1902, com a entrada de Rodrigues Alves na presidência da
República, ocorreu um conjunto de mudanças significativas na condução das
Políticas de Saúde Pública.
Em 1903 é implementada a Reforma na Saúde, sob a coordenação de
Oswaldo Cruz, que assume a diretoria geral de saúde pública. Em 1904, ele propõe
um código sanitário que institui a desinfecção, inclusive domiciliar, a banalização das
edificações consideradas nocivas à saúde pública, a notificação permanente dos
casos de febre amarela, varíola, peste bubônica e a atuação da polícia sanitária.
Também implementa sua primeira grande estratégia no combate as doenças: A
campanha de vacinação obrigatória.
Foi Oswaldo Cruz que inicia de forma mais sistemática no século XX, a
pesquisa epidemiológica no Brasil. Em 1907, a febre amarela e outras doenças já
tinham sido erradicadas da cidade do Rio de Janeiro e Belém. Outros cientistas,
como Emílio Ribas, Carlos Chagas, Clementino Fraga, Belisário Penna, estiveram
juntos com Oswaldo Cruz engajados na definição de ações de saúde pública e na
realização de pesquisas, atuando em outros estados e cidades do país. (HOCHMAN
& FONSECA, 1999).
Nas décadas de 1910 e 1920 tem início uma segunda fase do movimento
sanitarista com Oswaldo Cruz e a ênfase passou a estar no saneamento rural e no
combate a três endemias rurais (ancilostomíase, malária e mal de chagas).
Foi durante a Primeira República que o movimento sanitarista trouxe a situação
de saúde como uma questão social e política. Em 1920 é criada a Diretoria Nacional
de Saúde Pública (DNSP), reforçando o papel do governo central e a verticalização
das ações (HOCHMAN & FONSECA, 1999).
Em 1923, o chefe de polícia Eloy
Chaves, propôs uma lei que regulamentava a formação de Caixas
de
Aposentadorias e Pensões (CAPS) para algumas organizações trabalhistas mais
atuantes política e financeiramente, como os ferroviários e os marítimos, ligados à
produção exportadora (OLIVEIRA & TEIXEIRA, 1985).
O Estado assume
ativamente, a partir de 1930, o papel de regulador da economia e define um projeto
29
econômico
baseado na
industrialização (FIORI, 1995).
Duas
mudanças
institucionais marcaram a trajetória da política de saúde: a criação do Ministério da
Educação e Saúde Pública (MESP) e do Ministério do Trabalho (MT), Indústria e
Comércio (MTIC).
O Governo de Getúlio Vargas tem início em uma crise mundial, efeito da
quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929 e a partir de uma revolução política
interna, a Revolução de 1930, que encerra a República Velha (1889-1930).
A política de proteção ao trabalhador iniciada no governo Vargas marca uma
trajetória de expansão e consolidação de direitos sociais. É nesta fase que são
criados os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPS), ampliando o papel das
Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPS), constituindo um primeiro esboço do
sistema de proteção social brasileiro.
A partir da década de 1950, mudanças ocorreram no sistema de proteção à
saúde. A criação do Ministério da Saúde em 1953, atribuindo um papel político
específico para a saúde no contexto do Estado Brasileiro e a reorganização dos
serviços nacionais de controle das endemias rurais no Departamento Nacional de
Endemias Rurais (DENERU) em 1956, possibilitou as ações nos programas de
saúde voltados para o combate às doenças endêmicas na área rural.
A primeira ação significativa no sistema previdenciário brasileiro ocorreu em
1966 com a unificação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPS) e a
constituição do Instituto Nacional da Previdência Social (INPS). A criação do INPS
permitiu uma uniformização dos institutos, principalmente em termos dos benefícios
prestados.
A partir de meados da década de 1970, definiu-se novas estratégias para a
garantia de manutenção do governo, dentre elas, a definição do II Plano Nacional de
Desenvolvimento (II PND) e a Política de Abertura do Governo. Para a saúde, esse
contexto significou a possibilidade de fortalecimento do movimento sanitário.
O mesmo apresentava quatro proposições para debate: a saúde é um direito
de todo cidadão, independente de contribuição ou de qualquer outro critério de
discriminação, as ações de saúde devem estar integradas em um único sistema,
garantindo o acesso de toda população a todos os serviços de saúde, seja de cunho
preventivo ou curativo, a gestão administrativa e financeira das ações de saúde deve
ser descentralizada para Estados e Municípios e o Estado deve promover a
participação e o controle social das ações de saúde.
30
A demanda por mudanças significativas na política de saúde possibilitaram
transformações concretas ainda nos anos 70, que se efetivaram de forma incipiente
e resguardando os interesses do Estado autoritário.
Dentre as políticas
implementadas, destacam-se: a criação do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento
Social (FADS), a formação do Conselho de Desenvolvimento Social (CDS), a
instituição do Plano de Pronta Ação (PPA), em 1974, a formação do Sistema
Nacional de Saúde (SNS), em 1975, a promoção do Programa de Interiorização das
Ações de Saúde e Saneamento (PIASS), em 1976 e em 1977, a constituição do
Sistema Nacional da Previdência e Assistência Social (SINPAS), com mecanismos
de articulação entre saúde, previdência e assistência no âmbito do Ministério da
Previdência e Assistência Social (MPAS) e a criação do Instituto Nacional de
Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), que passou a ser o órgão
coordenador de todas as ações de saúde no nível médico-assistencial da
previdência social.
Na década de 1980, surgem propostas de expansão na área de assistência
médica da previdência, apontando os conflitos de interesse com a previdência social
e envolvendo o poder institucional e pressões do setor privado. Realiza-se a VII
Conferência Nacional de Saúde (1980), que apresenta como proposta a
reformulação da política de saúde e a formulação do Programa Nacional de Serviços
Básicos de Saúde (Prev-Saúde).
Isto ocorreu com o movimento da Reforma
Sanitária.
No ano de 1986, o Ministério da Saúde faz uma grande convocação aos
técnicos, gestores de saúde e usuários para uma discussão aberta sobre a reforma
do sistema de saúde, realizando-se, assim, a VIII Conferência Nacional de Saúde
(VIII CNS). Esta conferência foi um marco histórico da política de saúde brasileira,
pois, pela primeira vez, contava-se com a participação da comunidade e dos
técnicos na discussão de uma política setorial. Após séculos de desassistência,
falava-se na definição de um modelo protetor com a garantia do direito à saúde
integral, que consagra:
A saúde é um direito de todos e um dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação. (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL, seção II, art.196, 1988).
31
A determinação política no contexto da Nova República foi favorável para uma
discussão da Assembléia Nacional Constituinte em 1987/88, sendo reconhecido
como um documento de expressão social.
As propostas da VIII Conferência
Nacional de Saúde (CNS) não foram concretizadas de imediato.
Após a
conferência, por iniciativa do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS)
e do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), foi
constituído o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), que se
apresentou como ponte estratégica na construção do Sistema Único de Saúde
(SUS). Ao mesmo tempo em que o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde
(SUDS) era implementado, ocorria a discussão da Assembléia Nacional Constituinte
de 1987/88. Nela, o relatório da VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS) foi
tomado como base para a discussão da reforma do setor saúde e o Sistema Único
de Saúde (SUS) que foi finalmente aprovado.
3.2 A Construção do Sistema Único de Saúde – SUS
O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado pela Constituição Federal de 1988
e regulamentado pelas Leis n. 8.080/90 e n. 8.142/90 (BRASIL, 1990). Com esse
propósito, vem sendo socialmente construído especialmente por meio de Normas
Operacionais (NO), em consenso pelas três esferas de governo e materializadas em
Portarias Ministeriais.
Os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), fixados na Constituição
Federal em 1988 e detalhados na Lei Orgânica da Saúde (Lei n. 8.080/90 e n.
8.142/90), foram o resultado de um longo processo histórico e social, que buscava
interferir nas condições de saúde e na assistência prestada à população brasileira.
O Sistema Único de Saúde (SUS) foi fundamental no processo da luta e
construção do modelo protetor brasileiro.
Os princípios e diretrizes do SUS inserem-se em um contexto mais amplo da
Política Pública a seguridade social que abrange, além das Políticas de Saúde, as
Políticas de Previdência e Assistência Social. A definição do modelo de seguridade
social no Brasil significou a formulação, pela primeira vez na história do país, de uma
32
estrutura de proteção social abrangente, justa, equânime e democrática, na qual
cabe ao Estado a provisão e o dever de atenção.
A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a
assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência
social.
(CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL, art.194, 1988).
Neste contexto surgem os princípios do Sistema Único de Saúde – SUS
(BRASIL, M.S., Secretria Executiva, 2000):
Princípio 1 - Universalização do acesso às ações e serviços de saúde –
Garante a todos os cidadãos, sem privilégios ou distinções, que tenham acesso aos
serviços de saúde públicos e privados conveniados, em todos os níveis do sistema.
Este será garantido por uma rede de serviços hierarquizada (do menor nível de
complexidade para o maior) e com tecnologia apropriada. É o princípio fundamental
da reforma.
Princípio 2 – Integralidade da atenção – Garante o acesso a um conjunto
articulado e contínuo de ações e de serviços preventivos e curativos, individuais e
coletivos.
Este se apresenta no contexto da reforma como um contraponto ao
contexto institucional da saúde que se dividia nas ações promovidas pela saúde
pública e pela medicina previdenciária. Neste princípio, o Estado compromete-se a
garantir todo e qualquer tipo de atenção à saúde, do mais simples ao mais complexo
(da vacina ao transplante).
Princípio 3 – Descentralização, com direção única do sistema – Tem por
objetivo promover uma maior democratização no processo da saúde, sua finalidade
é o enfrentamento das desigualdades regionais e sociais e prevê a transferência de
poder decisório do Governo Federal para as instâncias subnacionais de Governo,
considerando uma redistribuição das responsabilidades quanto às ações e serviços
de saúde entre os vários níveis de governo. Acredita-se que o saber das questões
pelo gestor, traga uma resolutividade com menor chances de erros. Este exige um
novo formato na condução e organização da política. Apresentam-se as diretrizes
do SUS de regionalização e hierarquização dos serviços, com a organização de um
sistema de referência e contra-referência, incorporando os diversos níveis de
complexidade do sistema (primário, secundário, terciário).
33
Princípio 4 – Participação Popular – Garantia constitucional para população,
por meio de suas entidades representativas, para participar do processo de
formulação das políticas e do controle de sua execução. A participação social foi
enunciada na Constituição de 1988 e regulamentada na lei reguladora do Sistema
Único de Saúde (SUS) de 1990 (lei 8.142/1990), onde se definem a configuração
dos conselhos de saúde e a realização periódica (a cada quatro anos) das
conferências de saúde.
Iniciou-se o debate em torno da Lei Orgânica da Saúde (LOS 8.080), que
propunha regulamentar o SUS, definindo com o maior nível de detalhamento seus
objetivos e atribuições, aprofundando a questão do financiamento, da regulação do
setor privado, da descentralização, regionalização e hierarquização do sistema, da
participação popular, dentre outras. Após três meses da aprovação da lei 8.080, foi
aprovada outra (lei 8.142), complementar a esta, definindo algumas propostas
vetadas na lei original, especialmente no que diz respeito ao financiamento e a
participação popular. A cidadania se constituiu assim a imagem e semelhança da
forma de funcionamento do Estado, baseada na garantia de um direito
primordialmente individual. (BRASIL, M.S., CARTILHA DA PNH, GESTÃO
PARTICIPATIVA E CO-GESTÃO, BRASÍLIA, 2008).
As Normas Operacionais Básicas da Saúde (NOBS) publicadas entre os anos
de 1991 e 2002 têm exercido, especialmente desde a edição de 1993, o papel de
orientação do processo de descentralização, explicitando as competências e
responsabilidades de cada esfera de Governo e estabelecendo as condições
necessárias para que Estados e Municípios possam assumir novas posições no
processo de implantação do Sistema Único de Saúde (SUS). A primeira Norma
Operacional da Assistência a Saúde (NOAS-SUS 01/01), foi publicada em 2001 e
em 2002, a Norma Operacional da Assistência à Saúde 2002 (NOAS-SUS 01/02), foi
revisada
e
publicada.
(BRASIL,
M.S.,
CARTILHA
DA
PNH,
GESTÃO
PARTICIPATIVA E CO-GESTÃO, BRASÍLIA, 2008).
Utilizaram-se como instrumento para a definição de estratégias e movimentos
tático-operacionais para reorientar e operacionalizar o Sistema Único de Saúde, a
partir de uma avaliação periódica de sua implantação e desempenho.
Entre os objetivos das Normas Operacionais pode-se destacar: (BRASIL, MS,
CARTILHA DA PNH, GESTÃO PARTICIPATIVA E CO-GESTÃO, BRASÍLIA, 2008)
¾
Induzir e estimular mudanças no SUS,
34
¾
Aprofundar e reorientar a implementação do SUS,
¾
Definir objetivos estratégicos, prioridades, diretrizes e movimentos
tático-operacionais,
¾
Regular as relações entre seus gestores,
¾
Normatizar o SUS.
Os resultados obtidos pelo SUS nestes vinte anos: (BRASÍLIA, CONASS,
2011):
¾
Em 2010 iniciou-se o projeto Saúde da Família com 30.300 equipes
prestando serviços de atenção primária em saúde em mais de 5.000 Municípios e
cobertura de 96 milhões de habitantes (BRASIL, M.S., SIAB, 2000).
¾
Em 2007 eliminou-se o sarampo, em 2005, interrompeu-se a
transmissão do cólera, em 2009 a rubéola, em 2006 a transmissão vetorial de
Chagas.
¾
Redução das mortes de outras 11 doenças transmissíveis, como
tuberculose, hanseníase, malária e HIV/AIDS.
¾
As políticas brasileiras de saúde também reforçam a luta contra o
tabaco e nos últimos anos reduziram o percentual de fumantes no país 15%.
¾
O Sistema Único de Saúde (SUS) se fez o principal fornecedor de
medicamentos e o mercado de genéricos continua crescendo.
¾
O Sistema Nacional de Transplantes é hoje respeitado pela sociedade
brasileira, pelos pacientes e pela comunidade transplantadora.
¾
Entre as políticas desenvolvidas pelo SUS com maior reconhecimento
nacional e internacional, destaca-se o Programa Nacional de Doenças Sexualmente
Transmissíveis e AIDS (PN-DST/AIDS), que tem como principal missão reduzir a
incidência e melhorar a qualidade de vida das pessoas que vivem com HIV/AIDS.
¾
O Brasil é reconhecido internacionalmente como um país que tem um
dos mais completos e bem-sucedidos programas de imunizações do mundo,
constituindo-se em poderosa ferramenta de controle de doenças transmissíveis
imunopreveníveis.
Em 2008 ocorreu a maior campanha de vacinação já realizada no mundo,
passo importante para a eliminação da Síndrome da Rubéola Congênita. Em cinco
35
meses, foram imunizadas mais de 67,2 milhões de pessoas, atingindo 95,8% de
cobertura.
Com a reforma, se construiu um olhar diferenciado incorporando uma nova
concepção de saúde com uma abrangência muito mais significativa e nisto se
incluem a reformulação da formação profissional e a inclusão de novas práticas
profissionais.
Contudo, apesar de se perceber grandes ganhos, ainda se encontram grandes
lacunas na Saúde Púbica, nossos hospitais não estão preparados para atender a
população com a qualidade que se faz necessária, não se tem profissionais
suficientes para as emergências, faltam equipamentos para exames que, por vezes,
são essenciais para definir a conduta do tratamento ou procedimento necessário.
Nossa realidade, infelizmente não pode ser chamada de exemplo, alguns aspectos
foram conquistados, porém ainda faltam muitas mudanças e principalmente
conscientizações para que se possa dizer que o SUS é uma referência em cuidados.
3.3 A Política Nacional de Humanização – PNH
Um SUS humanizado é aquele que reconhece o outro como legítimo cidadão
de direitos, valorizando os diferentes sujeitos implicados no processo de produção
de saúde (LIMA, 2005).
A Política Nacional de Humanização (PNH) surgiu em meados de 2003, entre
os inúmeros debates sobre os modelos de gestão e de atenção do SUS.
Faz-se necessária uma análise do SUS como Política Pública, partindo do
princípio que a Política Nacional de Humanização (PNH) é uma política, que
apresenta suas inspirações, conquistas e desafios.
A proposta é de uma inseparabilidade entre gestão e atenção, preconizando
que a gestão dos processos de trabalho em saúde não podem ser entendidas como
tarefas administrativas separadas das práticas do cuidado.
A Política Nacional de Humanização (PNH) propõe a criação de dimensões
ética, estética e política.
Ética porque implica na mudança de atitudes dos usuários, dos
gestores e trabalhadores de saúde, de forma a comprometê-los
36
como co-responsáveis pela qualidade das ações e serviços gerados,
estética por se tratar do processo de produção/criação da saúde e
de subjetividades autônomas e protagonistas, política, porque diz
respeito à organização social e institucional das práticas de atenção
e gestão na rede do Sistema Único de Saúde (SUS). (BRASILCONASS, 2006).
Em 2008, ocorreu a XIII Conferência Nacional de Saúde (CNS) e nesta foram
formuladas Orientações gerais da Política Nacional de Humanização (PNH) com o
propósito de melhorar tanto o atendimento aos usuários quanto a qualidade de vida
dos trabalhadores, contribuindo desta forma para tentar sanar as insatisfações e as
lacunas que existiam, entretanto, vale lembrar, que ainda temos muito que caminhar
para que se alcance o mínimo da satisfação coletiva.
Entre as orientações
encontram-se as seguintes: o reconhecimento da dimensão subjetiva e coletiva em
todas as práticas de atenção e gestão no SUS, com isso se fortalece o compromisso
com os direitos de cidadania, destacando-se as necessidades específicas de
gênero, étnico - racial orientação / expressão sexual e de segmentos específicos,
obter trabalhadores, gestores e usuários do SUS com idéias e diretrizes da
humanização e fortalecimento das iniciativas existentes, reforçar o trabalho em
equipe multiprofissional, aperfeiçoando a transversalidade e a grupalidade, causar
conhecimento e aumentar tecnologias relacionais e de compartilhamento das
práticas de cuidado e de gestão em saúde, aprovar a construção de redes
cooperativas, solidárias e comprometidas com a produção de saúde e com a
produção de sujeitos, aperfeiçoar e ofertar/divulgar estratégias e metodologias de
apoio a mudanças sustentáveis nos modelos de atenção e de gestão em saúde,
conceber autonomia e protagonismo dos sujeitos e coletivos implicados na rede do
SUS, a co-responsabilidade desses sujeitos nos processos de gestão e atenção,
fortificar o controle social, com caráter participativo, em todas as instâncias gestoras
do SUS, estimulando processos de educação permanente em saúde, realizar
processos de acompanhamento e avaliação na/da PNH, a organização de espaços
de trabalho saudáveis e acolhedores que resulta na ambiência. (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL, XIII CONFERÊNCIA NACIONAL DE
SAÚDE, 2008)
A PNH é caracterizada como uma estratégia de fortalecimento do Sistema
Público de Saúde, criada pelo Ministério da Saúde com o propósito de ser uma
oferta de mudança, com potência de transformar o SUS e de aproximá-lo, enquanto
37
prática social, a suas exigências discursivas, então, como uma das dimensões
fundamentais do SUS, não podendo ser entendida como um “programa”.
Uma
forma de operar as coletividades seria o conjunto das relações entre profissionais e
usuários, entre os diferentes profissionais, entre as diversas unidades e serviços de
saúde e entre as instâncias que constituem o SUS, mas principalmente o modo
como tais processos devem contribuir para a construção de trocas solidárias,
comprometidas com a produção de saúde. Esta mudança da cultura da atenção dos
usuários e da gestão dos processos de trabalho seria o resultado da transformação
de um paradigma.
Assim como a PNH é caracterizada como uma estratégia para prover saúde,
para que o SUS funcione dentro do que se propõe, a transferência, como um dos
conceitos fundamentais da psicanálise, se apresenta também como uma estratégia
para articular o atendimento aos pacientes hospitalizados, mesmo quando a
demanda não é do próprio paciente e sim do profissional de saúde. A transferência
é a estratégia para se chegar ao paciente.
A política de humanização só é possível ser efetivada com a construção do
vínculo transferencial entre usuários e profissionais que atuam na instituição, ou
seja, no hospital.
O hospital é um lugar de vários saberes, onde circulam diversos profissionais
detentores desses saberes e torna-se propício, especialmente, um encontro entre o
saber que abrange o campo da medicina e o saber oferecido pela psicanálise.
Retornando à PNH, cabe enfatizar o método por ela utilizado que é a Tríplice
Inclusão: trabalhadores, gestores e usuários. Acredita-se que a partir da análise
coletiva dos acontecimentos, fatos e fenômenos seja possível obterem-se subsídios
para uma melhor compreensão dos limites de um determinado modelo de atenção à
saúde. É uma forma de interferência nos processos de produção de saúde.
A PNH se baseia em diretrizes que apontam para jeitos de colocar os princípios
do SUS em ação.
Esses são potencializados por dispositivos pautados em
conceitos-experiência, que funcionam a partir da prática de produção de saúde,
englobando coletivos que promovem mudanças nos modelos de atenção e de
gestão.
As diretrizes são as orientações gerais de uma determinada política. Na PNH,
suas diretrizes expressam o método da inclusão no sentido da clínica ampliada, da
co-gestão, do acolhimento, da valorização do trabalho e do trabalhador; da defesa
38
dos direitos do usuário; do fomento das grupalidades, coletivos e redes e da
construção da memória do SUS que dá certo. (CARVALHO, 1996)
A Política Nacional de Humanização diferencia arranjos/dispositivos de cogestão em dois grupos: o primeiro grupo diz respeito à organização do espaço
coletivo de gestão que permita o acordo entre desejos e interesses tanto dos
usuários quanto dos trabalhadores e gestores. O segundo grupo refere-se aos
mecanismos que garantam a participação ativa de usuários e familiares no cotidiano
das Unidades de Saúde. Estes devem propiciar tanto a manutenção dos laços
sociais dos usuários internados quanto sua inserção e de seus familiares nos
projetos terapêuticos e acompanhamento do tratamento.
Seu objetivo é a
participação do usuário, sua família e rede social, na perspectiva de garantir os
direitos que lhes são assegurados e também o avanço no compartilhamento e coresponsabilização do tratamento e cuidados em geral.
Ao se falar da PNH, torna-se imprescindível compreender a terminologia
utilizada que traz em si a conceituação bem como o próprio instrumento para colocar
em prática suas premissas básicas, contudo, é importante esclarecer que estes
dados foram retiradas da CONASS - M.S. (2011):
Acolhimento – É a prática de produção e promoção de saúde que implicam na
responsabilização do trabalhador/equipe pelo usuário, desde a sua chegada até a
sua saída. Ouvindo suas queixas, considerando suas preocupações e angústias,
fazendo uso de uma escuta qualificada que possibilite analisar a demanda e,
colocando os limites necessários, garantindo a atenção integral, resolutiva e
responsável por meio do acionamento/articulação das redes internas dos serviços e
redes externas, com outros serviços de saúde, para continuidade da assistência
quando necessário.
Alteridade – Troca de experiências com o outro, olhar o outro como um sujeito
co-presente.
Ambiência- Ambiente físico, social, profissional e de relações interpessoais,
voltado para a atenção acolhedora, resolutiva e humana. Envolvendo tecnologias
médicas, componentes estéticos e material humano pelo olhar, olfato, audição. O
componente principal é o afetivo no acolhimento, a atenção dispensada ao usuário,
na interação entre os trabalhadores e gestores. Os componentes culturais e
regionais determinam, por vezes, os valores do ambiente.
39
Apoio Matricial – Troca de experiências profissionais em todos os campos,
trazendo em referencial para outras equipes.
Atenção Especializada/Serviço de Assistência Especializada – Unidades
ambulatoriais
de referência, compostas
por equipes
multidisciplinares
que
acompanham os pacientes, prestando atendimento integral a eles e a seus
familiares.
Autonomia – “Produção de suas próprias leis” ou “faculdade de se reger por
suas próprias leis”. Pensar nos indivíduos como sujeitos autônomos é considerá-los
como protagonistas nos coletivos de que participam, co-responsáveis pela produção
de si e do mundo em que vivem.
Classificação de Risco (Avaliação de risco) – Priorização da atenção seja o
agravo à saúde e/ou grau de sofrimento e não mais a ordem de chegada. Realizado
por profissional da saúde que, utilizando protocolos técnicos, identificam os
pacientes que necessitam de tratamento imediato, considerando o potencial de
risco.
Clínica Ampliada – Universalidade, integralidade da rede de cuidado e a
equidade das ofertas em saúde, se fazem necessárias algumas mudanças. Esta
ampliação da clínica propõe uma prática de cuidado da clínica hegemônica que
percebe a doença e o sintoma como seu objeto, busca a remissão de sintoma e a
cura como seu objetivo, realiza a avaliação diagnóstica reduzindo-a a objetividade
positivista clínica ou epidemiológica, define a intervenção terapêutica considerando
predominantemente ou exclusivamente os aspectos orgânicos.
Entretanto, essa
ampliação implica em: tomar a saúde como seu objeto de investimento,
considerando a vulnerabilidade, ter como objetivo produzir saúde e ampliar o grau
de autonomia dos sujeitos, realizar a avaliação diagnóstica considerando não só o
saber clínico e epidemiológico, como também a história dos sujeitos e os saberes
por eles veiculados, definir a intervenção terapêutica considerando a complexidade
biopsíquicossocial das demandas de saúde. Suas propostas seriam: o compromisso
com o sujeito e não só com a doença, o reconhecimento dos limites dos saberes e a
afirmação de que o sujeito é sempre maior que os diagnósticos propostos, a
afirmação do encontro clínico entre dois sujeitos que se co-produzem na relação que
estabelecem a busca do equilíbrio entre danos e benefícios gerados pelas práticas
de saúde, a aposta nas equipes multiprofissionais e transdisciplinares, o fomento da
40
co-responsabilidade entre os diferentes sujeitos implicados no processo de produção
de saúde e a defesa dos direitos dos usuários.
Colegiado Gestor – São os membros da equipe ou representantes, que tem
por finalidade elaborar o projeto de ação da instituição, atuar no processo de
trabalho da unidade, responsabilizar os envolvidos, acolher os usuários, criar e
avaliar os indicadores, sugerir e elaborar propostas.
Controle Social (Participação Cidadã) – A população formula projetos e
planos, define suas prioridades, fiscaliza e avalia as ações e os serviços, nas
diferentes esferas de governo, principalmente na área da Saúde, as conferências e
os conselhos de saúde.
Dispositivos da PNH - Elementos que podem ser imateriais ou não, frente o
qual se faz funcionar, se catalisa ou se potencializa um processo. Os dispositivos da
PNH, promovem mudanças nos modelos de atenção e de gestão como: o
acolhimento com Classificação de Risco, as Equipes de Referência e de Apoio
Matricial (ERAM), o Projeto Terapêutico Singular (PTS) e Projeto de Saúde Coletiva
(PSC), os Projetos Co-Geridos de Ambiência (PCGA), o colegiado gestor, o contrato
de gestão, os sistemas de escuta qualificada para usuários e trabalhadores da
saúde: gerência de “porta aberta”, ouvidorias, grupos focais e pesquisas de
satisfação, etc., a visita aberta e direito à acompanhante, o Programa de Formação
em Saúde do Trabalhador (PFST) e Comunidade Ampliada de Pesquisa (CAP), os
Programas de Qualidade de Vida e Saúde para os Trabalhadores da Saúde
(PQVSTS), o Grupo de Trabalho de Humanização (GTH), as Câmaras Técnicas de
Humanização (CTH), o Projeto Memória do Sistema Único de Saúde (PM-SUS).
Educação Permanente em Saúde - Articulação entre educação e trabalho no
SUS, propicia as mudanças nas práticas de formação e de saúde.
Eficácia/Eficiência (Resolubilidade) – Junção dos graus de eficácia e
eficiência das ações em saúde. A eficácia é a produção da saúde como valor de
uso, da qualidade da atenção e da gestão da saúde.
A eficiência é à relação
custo/benefício, ao menor investimento de recursos financeiros e humanos para
alcançar o maior impacto nos indicadores sanitários.
Equidade – Igualdade, necessidade de ambientes favoráveis, acesso à
informação, a experiências e habilidades na vida, assim como oportunidades que
permitam fazer escolhas por uma vida mais sadia. O contrário é iniquidade, seriam
as desigualdades sociais.
41
Equipe de Referência/Equipe Multiprofissional - Profissionais de diferentes
áreas e saberes, uma estrutura permanente e nuclear dos serviços de saúde.
Familiar Participante - Representante do usuário, articula a comunicação e
elaboração de projetos entre a rede social / familiar / equipe de saúde.
Grupalidade - Multiplicidade de termos, agenciamento e transformação,
compondo uma rede de conexão na qual o processo de produção de saúde e de
subjetividade se realiza.
Igualdade - Acesso às ações e aos serviços, para promoção, proteção e
recuperação da saúde, além de universal, baseia-se na igualdade de resultados
finais.
Integralidade – Um olhar sem divisões, o ser humano visto em seu todo, como
biopsicossocial.
Intersetorialidade - Integração dos serviços de saúde e outros órgãos públicos
com a finalidade de articular políticas e programas de interesse para a saúde, cuja
execução envolva áreas não-compreendidas no âmbito do SUS.
Núcleo de Saber - Área de saber e de prática profissional. Aglutinação de
saberes e práticas, compondo um grupo ou um gênero profissional e disciplinar.
Ouvidoria - Serviço representativo de demandas do usuário e/ou trabalhador
de saúde e instrumento gerencial na medida em que mapeia problemas, aponta
áreas críticas e estabelece a intermediação das relações, promovendo a
aproximação das instâncias gerenciais.
Protagonismo - Autônomos e co-responsáveis no processo de produção de
sua própria saúde.
Reabilitar-Reabilitação/Habilitar-Habilitação – Processo de desafios sempre
em habilitar um novo sujeito a uma nova realidade biopsicossocial.
Rede Psicossocial - Participação ativa e criativa dos saberes e instituições,
voltados para o enfrentamento de problemas que nascem ou se expressam numa
dimensão humana de fronteira.
Redes de Atenção em Saúde – Reafirma-se a perspectiva, que prevê níveis
de complexidade, viabilizando encaminhamentos resolutivos, porém reforçando a
sua concepção central de fomentar e assegurar vínculos em diferentes dimensões:
intra-equipes de saúde, interequipes/serviços, entre trabalhadores e gestores, e
entre usuários e serviços/equipes.
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Sujeito/Subjetividade - Resultado de um processo de produção de
subjetividade sempre coletivo, histórico e determinado por múltiplos vetores:
familiares, políticos, econômicos, ambientais, midiáticos, etc.
Trabalho – Gestores e produtores de saberes e de novidades.
Universalidade – O Estado tem o dever de prestar atendimento nos grandes e
pequenos centros urbanos, e também às populações isoladas geopoliticamente.
Vínculo – Processo pelo qual é gerada uma ligação afetiva e ética entre
ambos, numa convivência de ajuda e respeito mútuos.
A PNH faz uma aposta política, acreditando que seus princípios e diretrizes
sejam efetivados. Destaca-se e se faz referência explícita, aos direitos dos usuários
e trabalhadores de saúde, com a potencialização da capacidade de criação que
constitui o humano, valorizando sua autonomia.
3.4 A Humanização
Os valores e as concepções que temos sobre saúde são traços sociais que
variam de acordo com o contexto vivido, com sua cultura, crenças e com a
sociedade em que se encontra inserida.
A humanização pode ser vista como forma de reforço social a ser utilizada no
ambiente hospitalar. Humanizar o atendimento não é apenas chamar o paciente
pelo nome, nem ter um sorriso constante.
Vai muito além disso, humanizar é
também compreender seus medos, angústias, incertezas dando-lhe apoio e atenção
permanente, a partir do estabelecimento da transferência.
Humanização não é apenas o atendimento fraterno e humano, mas também o
aperfeiçoamento
dos
conhecimentos
continuamente,
valorizando
todos
os
elementos implicados na situação.
A humanização é um conjunto de medidas que englobam: o ambiente físico, o
cuidado aos pacientes e seus familiares, as relações entre os membros da equipe
de saúde e entre estes, os pacientes e familiares.
Essas intervenções visam,
sobretudo, tornar efetiva a assistência ao indivíduo adoecido, considerando-o como
um ser biopsicossocial.
43
Humanizar o ambiente hospitalar é resgatar e fortalecer o
comportamento ético, articular o cuidado técnico-científico, com o
cuidado que incorpora a necessidade de acolher o imprevisível, o
incontrolável, o diferente e singular. Mais do que isso, humanizar é
adotar uma prática em que profissionais e usuários considerem o
conjunto dos aspectos físicos, subjetivos e sociais, assumindo
postura ética de respeito ao outro, de acolhimento do desconhecido
e de reconhecimento de limites. (HC-UFMG, 2004, p.3).
Propomos nesta pesquisa, introduzir a psicanálise como um referencial que
pode contribuir para uma nova leitura de certos aspectos da PNH.
A psicanálise neste contexto não visa a adaptação à ordem médica. Busca
escutar o sujeito do Inconsciente. Nessa perspectiva, é que é construída a
intervenção. (MORETTO, 2001)
A função central do analista é oferecer uma escuta diferenciada [...]
diferenciada daquele que é o discurso que reina no contexto
hospitalar, o discurso médico. Na medida em que o analista
promove a fala do sujeito e o escuta a partir de uma posição
diferente (que é a posição analítica), abre a possibilidade de o
próprio sujeito escutar-se, propiciando, desta forma, a subjetivação.
(MORETTO, 2001, p.207).
A psicanálise pode contribuir para a prática hospitalar, ressaltando a
importância da consideração da singularidade do paciente e apontando a relevância
da dimensão inconsciente.
Neste processo de atendimento e adoecimento, procura-se individualizar a
assistência frente às necessidades de cada um.
Cada paciente deve ser
considerado único em suas necessidades, valores e crenças específicas. Manter e
preservar a sua dignidade significa respeitar os princípios da ética.
Para um analista que trabalha em um hospital é imprescindível reconhecer as
especificidades de sua situação, sua função. Isso se evidencia ao focalizarmos
diferentes saberes, assim como a medicina possui um olhar para as enfermidades
físicas e pelo corpo anátomo-fisiológico, a psicanálise legitima o sujeito do
inconsciente, não dissocia seu corpo de seus fantasmas em sua tessitura psíquica,
assume uma perspectiva sobre esse contexto.
Dentro de um pensamento humanizado, que seja contemplado por toda equipe
de saúde pode-se afirmar que a atenção por parte da equipe aumenta o conforto, a
identidade e a integridade do paciente, a ausência de atenção pode realmente ter
44
efeitos prejudiciais sobre a saúde e a sua recuperação. O calor humano, o amor e a
atenção compreensiva são elementos essenciais para boa recuperação.
Ao se falar de humanização, segundo Queiroz (1993), faz-se necessário citar
três diferentes aspectos a serem considerados: o modo de serem cuidados os
pacientes e seus familiares, a atenção ao profissional da equipe e o ambiente físico.
Perceber a pessoa não simplesmente como um corpo, não a reduzindo à
biologia, pura e simplesmente, isto é um grande desafio.
No âmbito de um hospital se trabalha com diversos saberes, com diferentes
concepções sobre o corpo humano, destacando-se a medicina e a psicanálise.
Bezerra (2003), relata o seguinte: “... a medicina relaciona-se com o sintoma do
corpo”. Em outro momento diz: “O sintoma no corpo é a marca do significante, é
uma mensagem ignorada pelo próprio autor dela, a ser decifrada na fala deste autorsujeito”.
Santos (2004), faz uma outra leitura e traz um esclarecimento interessante
sobre o corpo e o sofrimento, à luz da psicanálise:
Dois corpos diferentes.
O corpo do sofrimento erógeno da
psicanálise e o corpo que o médico não vê, simplesmente porque a
verdade do sintoma de que nos ocupamos como uma carta em
espera, está por fora dos aparatos da ótica cada vez mais
sofisticada que a ciência põe a serviço da medicina. É necessário
instalar outra perspectiva para poder vislumbrar o que desse corpo
se deixa ler – ou melhor, ouvir. (SANTOS ET AL., 2004, p. 91).
Reafirmamos assim que a relação médico e paciente é um dos pré-requisitos
fundamentais a ser abordado na compreensão desse processo de humanização.
A humanização assistida é fundamental para o progresso do tratamento e a
recuperação do paciente no ambiente hospitalar. Esta implica-se em perceber o
outro, dando lugar à palavra do paciente, cuidadores e toda equipe de profissionais
da saúde, de forma que se possa viabilizar os pensamentos e se promova ações,
campanhas, programas, políticas assistenciais a partir da dignidade ética da palavra,
do respeito, do reconhecimento mútuo e da solidariedade.
Mas, cautelosamente frente às pessoas que sabem do risco iminente da morte,
penso que se faz necessário oferecer uma escuta diferenciada. Se nada podemos
fazer a respeito disso, podemos através da palavra tentar contornar o indizível.
45
Segundo Soares (1996), a contribuição da psicanálise dentro do hospital
refere-se à escuta, que pode levar o paciente a elaborar e lidar melhor com a
situação traumática vivida.
O conceito de transferência é fundamental para a psicanálise, pois, é condição
para o tratamento. Freud (1912), no texto “A dinâmica da transferência”, aponta que
na transferência são revividas as relações do sujeito com as suas figuras parentais.
É de domínio no campo psicanalítico que a operação analítica só é possível na
medida em que haja transferência e isso implica haver uma demanda endereçada a
alguém a quem se destina um suposto saber.
O analista, atento à sua função, se encontra ciente desse sujeito suposto lugar
e não deve responder a esta sedução, deve se manter no lugar de objeto e nunca de
sujeito.
O psicanalista deve saber que este é um momento possível do paciente
ressignificar as suas vivências, já que vivencia um momento de ruptura e crise,
marcado pela sua doença. Conclui-se que, independente do local, a psicanálise é
sempre psicanálise à medida que preconize o uso da associação livre e da
transferência. (FIGUEIREDO, 2009).
O excesso de recorte no organismo que a medicina tem feito demarca com
muita precisão qual o objeto de intervenção que as especialidades têm. O analista
garante na interlocução com a equipe que há um sujeito portador daqueles pedaços,
tarefa, muitas vezes, árdua.
O ambiente hospitalar demanda, uma flexibilidade de qualquer profissional que
ali realize atividades, e a psicanálise, diferenciando-se em alguns aspectos da
clínica comum, não se encontra fora disso.
3.5 A Prática da Humanização na Enfermaria de Cirurgia Vascular e
Endovascular no Hospital Universitário Pedro Ernesto – HUPE/UERJ
Ao se falar dessa prática, se propõem uma visão global do processo de
adoecer, procurando ressaltar todos os fatores que estão envolvidos.
Algumas dificuldades de relacionamento foram observadas entre os membros
da equipe da enfermaria citada, contudo aos poucos estas foram sendo trabalhadas
46
para que se pudesse ter uma melhor qualidade na convivência e com isso um
melhor cuidado para com o paciente.
Passou a se ter um cuidado com as notícias do estado de saúde, cuidado que
se passou a ter ao transmitir informações tanto ao paciente quanto aos seus
familiares.
Aos poucos foi-se percebendo que a palavra humanização deixava de ser uma
palavra e passava a ganhar vida.
As relações se modificavam entre médico-
paciente, enfermeiro-paciente, equipe-familiar e médico-enfermeiro.
A grande
aposta era que se construísse uma só equipe de saúde, a Equipe de saúde da
cirurgia vascular composta por multiprofissionais, entre eles: médicos, enfermeiros,
psicóloga, assistente social, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, nutricionista e o
serviço geral.
A proposta é que se tenha um posicionamento ético, não apenas com
mudanças de atitude, sendo na verdade mudanças de posição que propicie a
emergência da subjetividade, trazendo com isso um ganho que se concretiza na
direção do tratamento, na história de todos os envolvidos, como os pacientes,
familiares e a própria equipe.
Passa-se a pensar o paciente com suas dúvidas, medos, angústias, suas
questões oriundas por diversos motivos, sua cultura, enfim, o ser bio-psico-social.
É propício a valorização da participação do paciente e do familiar no
tratamento, possibilitando que este tenha uma atuação mais ativa, diminuindo a
sensação de impotência, geralmente presente nesse momento.
O familiar nem
sempre consegue oferecer essa participação devido suas condições emocionais: “...
a experiência nos mostra que a doença de um paciente grave desestrutura todo o
sistema familiar”. (SANTOS, 2007).
Percebendo a importância do cuidado ao familiar, foi criado um grupo que
atendia apenas aos familiares, contudo, isso não impedia que os atendimentos
fossem feitos individualmente, os pacientes por se encontrarem impossibilitados de
saírem de seus leitos, os atendimentos eram feitos nos mesmos. Ao longo do tempo
foi percebido a necessidade de se ter um espaço para equipe, pois, esta trazia suas
questões no dia-a-dia, ocorriam as intervenções pontuais, individuais e em grupo.
Esta proposta foi elaborada como resposta a demanda que se apresentava. Criouse então um espaço onde a equipe podia se colocar sem receios, falavam dos seus
sentimentos e limitações diante do sofrimento alheio.
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Um caso interessante a ser citado, foi de um enfermeiro que estava no curso
de sua residência e ao se deparar com o sofrimento de seus pacientes se
confrontava com suas próprias questões, seu sofrimento era nítido, foi destinado a
ele um acompanhamento individual constante. Após oito meses, ele percebeu que
não conseguia mais lidar com aquela realidade que se apresentava dia após dia,
saiu da residência, prestou vestibular para outra graduação e hoje é um residente
em odontologia.
Por trás de todo trabalho encontra-se a transferência, ela aparece como base
para que esse caminho seja trilhado, para que essas situações ocorram.
Alguns cuidados passaram a ser adotados por toda equipe, o respeito pelo
paciente limitado em seu entendimento passou a ser visto de outra forma, não mais
como uma pessoa que apenas não entendia ou não prestava atenção, mas alguém
que por vários motivos não conseguia ter o entendimento desejado pela equipe.
Nestes casos, se percebia que a postura dos profissionais havia se modificado, se
procurava usar uma linguagem mais simples para que o paciente conseguisse
entender o que estava ocorrendo consigo. Entre a própria equipe o diálogo passou
a ser mais constante.
A equipe passou a ter um olhar mais voltado para o ser humano e com isso as
participações mais ativas se tornavam mais constantes, tanto dos familiares quanto
dos pacientes.
A equipe foi tornando-se uma equipe interdisciplinar, a troca não ocorria
apenas entre as especialidades, mas entre os próprios cirurgiões, que se apoiavam,
se organizavam para que seu trabalho fosse o melhor possível e com isso as
relações profissionais eram mais produtivas. Por trás desse movimento se encontra
a transferência, que se faz presente em todas as relações.
A transferência é uma ferramenta de humanização como transferência de
trabalho. Este tipo de transferência evidencia a presentificação do desejo da equipe
profissional em relação àquele trabalho específico.
Muitas vezes o paciente que chegava para o tratamento na enfermaria, sua
doença apresentava um quadro extremamente evoluído e pouco tempo se tinha
para que se tentasse minimamente informar/preparar esse paciente para ter seu
corpo mutilado, sua imagem de corpo modificada por uma amputação necessária,
era como uma troca, “se troca um membro por uma vida”. Apesar dessa urgência, a
equipe se propunha a entender que esse sujeito precisava de um tempo para tentar
48
entender o que estaria por lhe acontecer. Posso dizer que essa foi uma das maiores
conquistas como profissional nesta enfermaria, onde eram todos detentores de um
saber que se salva vidas a qualquer custo e o mais rápido possível, mas que se
permitiam respeitar o momento do outro.
Lacan define a transferência de trabalho somo sendo uma espécie de “cola
imaginária”. Sendo esta uma indicação da psicanálise para esse trabalho coletivo
em equipe. Pode-se tomar o conceito em sua acepção simbólica, de demanda ao
saber, de suposição de saber. Se no tratamento essa suposição passa pelo analista
e se dirige ao sujeito do inconsciente, analogamente no trabalho em equipe ela
circula entre os pares na mesma direção. O saber é sempre suposto ao sujeito. Se
a transferência tal como concebida por Freud e reafirmada por Lacan, com todas as
suas conseqüências, é condição para o trabalho analítico, a transferência seria
condição para o trabalho em equipe. Lacan fala da importância da escolha entre
pares, visando ao trabalho. Se no serviço público muitas vezes não escolhemos
nossos pares, uma escolha deve ser feita pelo trabalho, não cabe a nós escolher de
quem tratar e sim, sermos escolhidos pelo sujeito. Se o movimento de transferência
é do sujeito, na transferência de trabalho, o movimento é de cada um da equipe em
direção ao trabalho, tomando seus pares como parceiros. A questão é o que se
apresenta do sujeito em algum endereçamento a nós. Um campo comum seria a
forma, cujo referencial, é dado a partir do sujeito.
Cabe ressaltar que apesar de ser uma clínica cirúrgica, muitas condutas não
são encaminhadas para esse desfecho. Ao contrário, a cirurgia é a última opção
sempre, busca-se uma terapêutica medicamentosa e outros cuidados.
Há vários viezes que podem ser tomados no presente estudo a partir desta
experiência nesta enfermaria de cirurgia vascular e endovascular.
Apesar de
apresentarmos alguns casos onde a amputação não foi necessária, cabe um foco
especial no paciente diante da finitude, ou seja, diante do sofrimento da amputação.
Ocorreu um caso muito interessante em que se constata a transferência com a
equipe de saúde.
Um paciente de aproximadamente 65 anos, residente do
Município de Guaratinguetá - SP, encontrava-se com sua perna em estado muito
grave, com doença avançada e em uma primeira avaliação com poucas
possibilidades de se “salvar o membro”. O paciente foi medicado, solicitou-se que
buscasse um posto de saúde próximo a sua casa para que lhe fizessem os
curativos, que precisavam ser trocados a cada cinco dias, pois era usada uma
49
medicação específica, inclusive a medicação lhe foi fornecida. Para surpresa da
equipe, na semana seguinte, o paciente retornou. Sua consulta estava marcada
para dali a um mês. Ele justificou que preferia acordar de madrugada, ficar horas na
estrada dentro do ônibus, mesmo sentindo dor por conta do balanço do transporte
do que ser tratado por outras pessoas. Em seus relatos chegava a dizer que se não
fosse curado por aqueles médicos, era porque não era para ficar bom, pois ele tinha
os melhores médicos do mundo. Seu desejo e determinação eram imensos, tudo
que lhe era proposto aceitava e realizava com a perfeição que conseguia. Sua
perna foi melhorando e a hipótese de uma provável amputação foi diminuindo a
cada semana. Foram oito longos meses de consultas semanais para curativos, que
lhe proporcionaram a cura.
Sua perna ficou totalmente curada.
A confiança e
certeza que apenas aqueles médicos podiam curá-lo é um exemplo de transferência
com essa equipe que além de acolher sua patologia, acolheu seu medo, crença,
insegurança de ser tratado por outro profissional.
Este caso evidencia o
entrelaçamento entre desejo e transferência.
A comunicação entre os profissionais a cada dia estreitava-se mais. Lembrome de uma cena que ocorreu na enfermaria.
Estava no leito de um paciente
fazendo o atendimento e ao lado uma enfermeira fazendo o curativo de outro. Neste
momento passou o chefe dos cirurgiões e lhe disse que seria melhor usar a
medicação “X”, ela questionou o porquê e ele prontamente lhe explicou, sem se
incomodar com tal questionamento. Passaram-se alguns minutos e o chefe retorna
com uma prótese da patologia do paciente e solicita a atenção da enfermeira para
que possa lhe explicar com mais precisão sua conduta. Vivenciar essa interação foi
um ganho incalculável.
Posso afirmar, que este episódio ocorreu devido à
transferência estabelecida, que se transforma em confiança e com isso a
interdisciplinaridade se presentifica nos profissionais de saúde, ou seja, a troca de
saberes.
Considera-se que humanizar a assistência significa agregar à eficiência técnica
e científica, valores éticos, além de respeito e solidariedade ao ser humano. O
planejamento da assistência deve sempre valorizar a vida humana e a cidadania,
considerando assim, circunstâncias sociais, étnicas, educacionais e psíquicas que
envolvam cada paciente.
Humanizar é resgatar a importância dos aspectos psíquicos, indissociáveis dos
aspectos físicos na intervenção em saúde.
50
Quando se fala de humanização em uma clínica cirúrgica, se faz necessário
levantar algumas questões sobre isso. Seria propício se o cirurgião conseguisse ter
claro que o paciente que o procura para realizar o tratamento cirúrgico, transporta
uma carga de emoções proporcionais à natureza do diagnóstico e fantasias sobre a
dimensão da intervenção e expectativas sobre sua vida futura.
O paciente espera
encontrar um cirurgião ético, competente e, sobretudo humano, isto é, capaz de se
colocar no nível e no lugar dele, que compreenda a sua aflição e que demonstre
solidariedade. (MORETTO, 2001).
Com a humanização, a história de vida desse paciente e dessa família é
compartilhada tanto no discurso, como na escrita do prontuário e é através dessa
comunicação que se passa a entender a dinâmica das famílias e dos pacientes,
suas limitações, seus medos e é neste momento que se consegue articular horários,
mesmo fora dos pré-determinados pela instituição para visitas, tendo em vista a
necessidade do outro.
Strain (1978) postula oito categorias de estresses psicológicos a que está
sujeito o paciente hospitalizado por uma doença aguda: ameaça básica à
integridade narcísica, ansiedade de separação, medo de estranhos, culpa e medo
de retaliação, medo da perda do controle, perda de amor e de aprovação, o medo da
perda de, ou dano a partes do corpo, medo da morte e da dor. A disponibilidade do
profissional em geral, transparece em sua face, expressando tranqüilidade pessoal,
segurança e acolhimento. Não se pode olvidar e deixar de observar a condição de
fragilidade, insegurança e, às vezes, incerteza dos pacientes, o que os torna
regredidos e necessitados de uma escuta diferenciada.
Ao longo desta vivência foram formuladas várias questões para serem
pensadas, analisadas e revistas.
Evidenciaram-se alguns pontos a serem
observados. São eles: aprimorar o conhecimento científico continuamente, aliviar
sempre que possível e controlar a dor, além de atender a queixas físicas e
psíquicas, oferecer informações sobre a doença, prognóstico e tratamento, respeitar
o modo e a qualidade de vida do paciente, respeitar a privacidade do paciente,
compreender a importância de se oferecer ao paciente suporte emocional adequado
e por último, a instituição deve oferecer condições de trabalho adequadas ao
profissional de saúde.
É essencial que se tenha um olhar diferenciado para o paciente, seus
familiares e para a equipe de saúde, como sujeitos que possuem particularidades,
51
que se envolvem e, por muitas vezes, sofrem com determinadas questões que
fogem ao seu alcance.
Busca-se também a manutenção da privacidade do paciente durante a
realização de procedimentos na unidade, a utilização de divisórias ou biombos
podem facilitar o bem-estar do paciente e garante que esse seu direito seja
respeitado.
Algo primordial é a autonomia do paciente, tendo em vista que a relação de
dependência é automaticamente fomentada numa internação, deve-se adotar uma
filosofia na unidade que valorize e incentive a participação do paciente no
tratamento.
Nesta enfermaria se realiza um procedimento que é a angioplastia (colocação
de stent, balão na artéria), feita em uma sala específica com todo respaldo
necessário. Numa manhã estava na enfermaria fazendo os atendimentos de rotina,
quando um residente me pediu para descer até a referida sala, pois uma de nossas
pacientes que estava programada para fazer tal procedimento não estava bem. No
caminho fui me lembrando dessa paciente, uma senhorinha de 78anos, repleta de
pudores e por conta disso, a equipe se organizava para tentar que preferencialmente
ela fosse examinada e cuidada por mulheres. Quando cheguei na sala percebi seu
desespero, pois o procedimento seria feito por um médico. Este era um dos staffs
da equipe e não estava conseguindo dar continuidade ao seu propósito, apenas me
pediu ajuda para que ela ficasse calma para que ele prosseguisse. Relatei-lhe o que
estava acontecendo e sua postura foi magnífica. Foi comigo até a paciente, pegou
em sua mão, lhe fez carinho na cabeça e com muita calma foi conversando com ela
com uma voz suave lhe dizendo que entendia seus pudores, mas que aquilo era
necessário, lhe prometeu que iria lhe cobrir todo o tempo com o lençol e em
momento algum olharia para algum lugar que não o local que precisasse olhar.
Esse procedimento devido a patologia é feito pela virilha. Ele lhe prometeu que eu
também estaria ao seu lado e tomaria conta do lençol. Ela aceitou. Durante todo
procedimento a senhorinha segurou uma de minhas mãos e a outra, segundo ela
ficava livre para tomar conta do lençol. O médico todo o tempo conversava com ela
lhe passando segurança, lhe olhava nos olhos, piscava um dos olhos, sorria. O
procedimento levou muito mais tempo que o previsto, mas foi realizado com sucesso
e sua patologia tratada e curada. A transferência se encontra nessa confiança,
nessa escuta, nesse olhar, também nesse respeito aos pudores do outro. A cura
52
pode ser facilitada devido à transferência que se instalou entre a paciente e os
profissionais para que o procedimento pudesse ser realizado.
Provavelmente, o remédio mais eficaz em termos de cura é a qualidade do
relacionamento mantido entre o paciente e a equipe de saúde e entre o paciente e
sua família. A qualidade da relação terapêutica pode facilmente ser enfraquecida ou
ameaçada quando reações emocionais (negação, raiva, culpa e medo) dos
pacientes, familiares ou equipe de saúde não são adequadamente trabalhadas.
Ao conviver com especialistas que estão habituados a focalizar apenas a dor
física é um ganho significativo perceber que conseguem ouvir seu paciente falar de
outras dores, que não provêm de seu corpo, de sua patologia, mas de seus
sentimentos, olhando seus pacientes como seres humanos e não apenas como um
membro a ser tratado.
As urgências impostas, as dinâmicas institucionais, entre outros fatores,
interferem na possibilidade de um trabalho mais demorado. São comuns os dias em
que conversamos com um paciente e no dia seguinte ele recebeu alta ou veio a
óbito.
Quando se consegue fazer e se sentir parte de uma equipe, pode-se dizer que
se “está no mesmo barco”, se passa pelas mesmas dificuldades, pelo mesmo
sofrimento e por trás disso se encontra a transferência, que é fundamental para que
se consiga alcançar tal cumplicidade entre a equipe.
O trabalho da psicóloga junto aos residentes de cirurgia vascular e
endovascular, no momento de compartilhar a notícia da amputação visava criar uma
nova mentalidade no hospital que valorizasse este momento tanto no que diz
respeito à fala dos profissionais sobre um tema tão difícil, enfatizando ao mesmo
tempo a importância de escutar os pacientes nessa hora.
Pode-se dizer que o hospital é uma espécie de setting mutante, contudo, o ser
humano continua sendo um sujeito de linguagem, com sua associação livre. Dentro
dessa visão, se coloca a contribuição da psicanálise na humanização em uma
prática hospitalar, proporcionando uma qualidade de vida sem que se negue o malestar da patologia.
Entre muitos pacientes que acompanhei, tive uma em especial, especial por ser
uma pequena menina de 6 anos e em nossa enfermaria não haviam pacientes
infantis, todos tinham acima dos 60/65anos.
Esta menina, devido a doenças
anteriores, fora submetida a duas amputações em suas perninhas, metade de uma
53
perna e metade do pé que lhe restou, um caso difícil para todos, um sofrimento
mútuo, contudo, houve total apoio na equipe. Em um dos atendimentos com a
psicóloga, ela estava desenhando e ao terminar disse o seguinte: “Tia, olha, é como
um passarinho, cortaram as asas dele, mas ele ainda consegue carregar um montão
de coisas presas nele, mas tá caindo tudo, alguém cortou o rabo dele também,
tadinho, mas ele consegue voar, tá voando, olha tia, ele voa, voa lá pro alto... Um
dia eu também vou voar, voar bem alto e vou levar você e os tios aqui, aqui ó, no
meu coração...” Neste momento se percebe a transferência, não apenas com a
psicóloga, mas com toda a equipe de cirurgiões, enfermeiros, entre outros, que
acompanhavam seu caso, sua internação.
Ao ouvir isso percebi exatamente como ela se sentia, alguém que apesar de
estar sem uma de suas pernas, metade de seu pé, ter perdido quase toda pele de
suas pernas, nem fralda mais podia usar devido a uma alergia que apresentara,
ainda sonhava em ter uma vida “normal”, “em voar” para outros lugares e nós, a
equipe que cuidava dela, estaríamos sempre em suas lembranças.
Passou-se
aproximadamente um ano e meio, quando estava no corredor do hospital e fui
surpreendida por alguém abraçando minhas pernas pelas costas, ao me virar
reconheci a pequena menina, que pulava e sorrindo me dizia: “Olha tia, eu tenho
uma perna nova, eu ganhei uma perna, olha eu consigo correr, pular, eu posso tudo,
tudo, tudo...” Não consegui conter minhas lágrimas, apenas abaixei e a abracei. Ela
sorria e parecia muito feliz e apenas lhe disse: “Estou muito feliz por você.” A
pequena me olhou nos olhos e me perguntou por que eu chorava, apenas lhe
respondi: “Por lhe ver feliz, minha pequena, são lágrimas de felicidade...”
Humanizar também é isso, é se permitir chorar de felicidade ao reencontrar
uma sobrevivente.
Apesar da menina ter sido submetida a uma intervenção cirúrgica invasiva,
percebo que através da transferência que se instalou ao longo do processo junto à
equipe, foi possível se construir meios para que tanto a menina como sua família se
estruturassem, para darem conta da nova situação que lhes era apresentada, sem
que isso tivesse proporcionado um dolo incalculável, mas uma questão a ser
enfrentada com uma clareza de informações e posso dizer, com um equilíbrio
emocional além da retomada de vida da menina.
Permaneci nesta enfermaria de janeiro de 2006 até maio de 2011.
O
aprendizado foi incalculável, as histórias de vidas ouvidas e compartilhadas, carrego
54
em minha bagagem de vida, mas a gratidão por terem me permitido fazer parte de
tal equipe de saúde, seguirá presente em minha caminhada para sempre.
O próximo capítulo abordará um dos quatro conceitos da psicanálise, a
transferência, que é fundamental em todas as relações.
55
4 A TRANSFERÊNCIA COMO ESTRATÉGIA NA POLÍTICA NACIONAL DE
HUMANIZAÇÃO
A transferência é um dos principais conceitos da psicanálise e, por se tratar
de um fenômeno, seus sinais podem ser percebidos no decorrer de uma prática
profissional.
Desde a criação da psicanálise com Freud, sabemos que a transferência se
faz presente em todos os tipos de relação, portanto, em todas as situações de
trabalho é importante considerar a presença da transferência e seus efeitos.
Na psicanálise, o paciente endereça uma demanda de saber para o analista,
supondo nele um saber sobre o seu inconsciente. O tratamento psicanalítico opera
a partir da transferência e podemos, de início, concebe-lo como um amor dirigido ao
saber.
Na presente pesquisa focalizamos o trabalho desenvolvido por profissionais
da saúde com pacientes internados num hospital geral, especialmente, os
desdobramentos da Política Nacional de Humanização nesta prática interdisciplinar
hospitalar.
Os aprimoramentos que a Política Nacional de Humanização tem possibilitado
para o tratamento de pacientes em situação hospitalar nos permite pensar a
transferência como estratégia implícita nesta política.
Demonstrar a importância do fenômeno da transferência na aplicação desta
política é uma das contribuições que esta pesquisa pretende dar à prática hospitalar.
Neste quarto capítulo, apresentamos o conceito de transferência tal como é
concebido pela psicanálise, considerando o percurso feito por Freud desde os
primórdios de suas teorias, com os acréscimos feitos por Lacan à teoria da
transferência.
4.1 O termo Transferência
O conceito de transferência foi elaborado, inicialmente, pelo criador da
Psicanálise, Sigmund Freud.
Foi apresentado em suas "Obras Completas"
originalmente escrita em alemão e, por esta razão, faremos uma breve análise do
termo transferência neste idioma.
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O termo em alemão que corresponde a transferência é Übertragung. Para
analisar o termo transferência vamos utilizar a pesquisa feita por Luiz Alberto Hanns,
apresentada no dicionário por ele organizado intitulado "Dicionário comentado do
alemão de Freud" (1996).
Na língua alemã, esse termo implica nas idéias de plasticidade e
reversibilidade.
Nele está contida a representação de um arco, indicando um
movimento de idas e vindas, mudanças de um contexto para outro, movimentações
de uma pessoa para outra e passagem de um tempo para o outro.
A representação da transferência pela figura de um arco pode ser assim
esquematizada:
ida
vinda
Passado
Contexto anterior
Pessoa do
passado
Presente
Contexto atual
Pessoa atual
De acordo com este esquema, a transferência pode ser pensada como um
deslocamento do passado incluindo contexto e pessoas desse tempo anterior para o
presente, incluindo algum contexto e pessoas da atualidade. Desde o início Freud
percebeu as movimentações próprias do fenômeno da transferência e um de seus
textos principais sobre este tema intitula-se "Dinâmica da transferência" (1912).
Na análise do termo Übertrangung encontra-se o prefixo über, que possui
vários sentidos: movimento em direção de alguma coisa, dinâmica de resguardar
algo, deslocamento de um local para outro.
Trag, é
o radical
que tem por
significado transportar, utilizar, trajar, manter, proceder, etc. Üng, é o sufixo de
substantivação, correspondendo ao sufixo "ção" em português.
A conotação tanto do verbo übertragen, tanto do substantivo Übertrangung
apontam para as idéias de "por sobre" e "carregar", o que pode ser bem visualizado
na representação do arco anteriormente apresentado.
As concepções de
57
plasticidade e reversibilidade indicam justamente, a possibilidade de se transitar
entre tempos, lugares e pessoas diferentes.
Utilizando-nos ainda do "Dicionário comentado do alemão de Freud" (1996),
aos termos übertragen, em alemão e seu correspondente transferir em português,
Hanns apresenta os significados como os mais usuais:
¾ Aplicar em outro contexto,
¾ Transmitir (televisão, rádio),
¾ Transcrever
¾ Transmitir força mecânica,
¾ Transmitir, confiar encargo,
¾ Contagiar,
¾ Abstrair, colocar em linguagem figurada,
¾ Traduzir para outra língua.
Quanto ao verbo transferir, o autor apresenta três significados usados com
mais freqüência:
¾ Transmitir, confiar encargo,
¾ Mudar data, postergar,
¾ Mudar de local, pessoa, âmbito.
O estudo de Hanns nos mostra a diversidade de significados referentes ao
termo transferência. Se nos reportarmos à teoria freudiana, constatamos que Freud
também utilizou este termo de diversas maneiras em diferentes contextos e
momentos de sua obra.
No início da elaboração sobre a teoria da transferência, Freud a concebeu
com uma "falsa conexão", mas ao longo de seus estudos modificou tal concepção,
ampliou o conceito de transferência, lançou questões sobre seu manejo e sua
importância no âmbito do diagnóstico diferencial e do tratamento.
Apresentaremos, no item seguinte, um pouco da história do conceito de
transferência.
58
4.2 Um pouco de história
Em 06 de maio de 1856, nasceu em Freiberg, na Moravia, Schlomo
Sigismund, após alguns anos ele mesmo alterou seu nome para Sigmund Freud.
Foi chamado e reconhecido como o "Pai da Psicanálise". Em 23 de setembro
de 1939, ele faleceu em Londres, na Inglaterra.
Foi em 1880 que ocorreu um marco para a história do movimento
psicanalítico, o encontro de Freud e Breuer, no momento em que Breuer tratava a
paciente Anna O. (Bertha Pappenheim). Anna O. tinha vinte e um anos e adoeceu
durante os cuidados que destinava ao seu pai que faleceu de um abscesso
pulmonar. Além dos sintomas emocionais, a mesma desenvolveu outros sintomas
físicos, como: distúrbio da visão, da audição, da fala, paralisia de três extremidades
com contrações e anestesias, assim como lapsos de consciência e alucinações.
Quando se encontrava em estado hipnótico era possível que fizesse uma troca
radical de sua personalidade, do estado infantil cheia de vontades, para o de uma
mulher dentro do previsto de sua idade. Anna O. endereça um amor para Breuer,
pois, segundo o mesmo, era parecido com seu pai, inclusive fisicamente. Este amor
pode ser pensado como sendo uma transferência positiva. A dedicação intensa de
Breuer a sua paciente, lhe trouxe problemas com sua esposa e por conta disso ele
resolveu dar como encerrado o tratamento.
Neste exato momento, Anna O.
desencadeia uma catarse emocional, representada por dores histéricas comparáveis
às de um parto e Breuer utiliza a hipnose para conter tal episódio. Breuer segue
com sua esposa para Veneza e alguns autores revelam que sua esposa havia
retornado grávida de tal viagem. Anna O. foi diversas vezes internada, fez uso de
morfina, mas se recuperou chegando a se formar em Serviço Social e tornou-se uma
feminista ativa e reconhecida. Anna O. tinha uma expressão muito peculiar para
descrever seu tratamento: “A limpeza de uma chaminé" e a partir dela, tornou-se
conhecida a expressão "cura pela palavra". O caso Anna O. desempenhou uma
papel fundamental na criação da psicanálise no desenvolvimento das concepções
teórico-clínicas acerca da transferência.
O amor dirigido por Anna O. a Breuer
constituía manifestações de sua sexualidade, o que corroborava as idéias
incipientes de Freud a respeito da etiologia sexual das neuroses.
No entanto,
Breuer afastou-se todo o tempo deste importante papel da sexualidade na histeria.
59
Em 1885, Freud aos 30 anos de idade, ganha uma bolsa de estudos no
Hospital Salpêtrière, em Paris, onde se encontrava o neurologista Jean Martin
Charcot, que se dedicava ao estudo da histeria, concebendo-a como uma doença
nervosa e não uma simulação. Neste momento, Freud abandona seus estudos em
anatomopatologia e passa a se interessar pelos problemas colocados pela histeria.
Nos anos de 1885 e 1886, Charcot tornou-se o grande mestre de Freud.
Em 1886, ocorre seu retorno a Viena como médico especialista em doenças
nervosas, abre seu consultório e recebe um convite do pediatra Max Kassowitz para
trabalhar no Departamento Neurológico do Instituto de Doenças Infantis, tornando-se
uma autoridade em paralisias infantis. Ao mesmo tempo, começa a traduzir os livros
de seu mestre Charcot: "Lições sobre doenças do sistema nervoso e Lições de
terça-feira", o que contribuiu muito para a base de sua teoria sobre a etiologia sexual
das neuroses. Freud acompanha o trabalho de Charcot em sua clínica com as
histéricas, o que lhe causa grande impacto e lhe leva a estudar sobre o assunto,
percebendo que as queixas por elas trazidas direcionavam-se para um núcleo
sexual.
Por volta de 1887, Freud começa a construir sua teoria sobre o trauma, onde
a sedução ocupa um lugar privilegiado. A teoria do trauma e da sedução seriam
uma ponte para a conquista sobre as relações entre a sexualidade e o inconsciente.
Ainda neste ano Freud é apresentado por Breuer a Wilhelm Fliess, médico
otorrinolaringologista, dois anos mais jovem que ele e se encontrava fazendo
pesquisas sobre fisiologia sexual.
Os dois se tornaram grandes amigos e se
correspondiam com freqüência, essa amizade durou até 1904.
Em 1888, Freud escreve um artigo para o “Dicionário Médico Villaret”, sobre a
histeria e nesse artigo, pela primeira vez, ele utiliza a palavra transferência em
francês, indicando com ela, o deslocamento de um sintoma histérico de um lado
para o outro do corpo.
Em 1889, Freud segue para Nancy com Charcot para vivenciar as
experiências de Bernheim sobre o hipnotismo.
Em 1895, Freud publica "Estudos sobre histeria".
publica "A etiologia da histeria", onde afirma que:
No ano seguinte ele
60
[...] os sintomas da histeria são determinados por certas
experiências do paciente que atuaram de modo traumático e que
são reproduzidas em sua vida psíquica sob a forma de símbolos
mnêmicos. (FREUD (1895), 1969, p. 190).
Em 4 de novembro de 1899, aos 43anos, Freud publica "A interpretação dos
sonhos" (Die Traumdeutung), contudo, por acreditar que seria uma marca num novo
século, solicita ao editor Franz Deutike que colocasse a data de 1900. Freud traz
pela primeira vez a palavra Übertragung, referindo-se a transferência. Nesta obra
apresenta suas concepções sobre a elaboração onírica e concebe os sonhos como
a realização de um desejo recalcado. Freud fala pela primeira vez em transferência
de sentido, de deslocamento, de utilização pelo desejo de formas alheias a ele das
quais se apodera e as quais utiliza no trabalho de transferência onírica, seguindo as
exigências da censura. A transferência aparece ligada à idéia de deslocamento.
Em 1901, se iniciam os conflitos com Fliess, seu grande amigo e
correspondente.
Ainda neste ano, Freud recebe Dora (Ida Bauer) como sua
paciente e fala abertamente da dinâmica da transferência e seus efeitos. É ao
atender Dora, ao escrever o seu caso, que vem à tona a importância de construir
uma teoria sobre a transferência. Contudo, este tratamento, foi considerado mal
sucedido, por não ter percebido, a tempo, a dinâmica da transferência durante o
processo. Foi entre outubro e dezembro de 1900, que Freud atendeu a esta jovem
de dezoito anos, virgem, com um quadro de histeria.
informações eram trazidas por seu pai.
A princípio todas as
Dora vivenciou desde sua infância a
fragilidade da saúde de seu pai, necessitando inclusive que toda família fosse morar
em vários lugares para que se pudesse buscar um restabelecimento para o mesmo.
Por volta dos seus dez anos, seu pai viaja para Viena com seu médico para se
consultar com Freud. Após quatro anos dessa intervenção, a moça é apresenta por
seu pai a Freud, contudo, neste ínterim, ela já havia apresentado comportamentos
“estranhos”. Nesta época Freud conhece alguns familiares de Dora, como: sua tia
acometida por uma psiconeurose grave e seu tio um solteirão hipocondríaco. Soube
que sua mãe apresentava uma neurose obsessiva, contudo, não chegou a conhecêla.
A relação entre mãe e filha sempre foi conflituosa e aos oito anos, ela já
apresentava sintomas neuróticos e sofria de uma dispnéia crônica. Por volta dos
doze anos começou a sofrer de dores de cabeça e acessos de tosses nervosa e
finalmente aos dezoito, iniciou seu tratamento com Freud.
Dora apresentava:
61
desânimo, distúrbios nervosos, tosse convulsiva, afonia, depressão, tendências
suicidas e uma alteração de caráter que foram norteando os principais traços de sua
patologia, procurava evitar o contato social e não gostava das imposições de sua
mãe quanto aos afazeres domésticos. Ocorreu um episódio, em que seus pais
encontraram uma carta escrita pela moça, despedindo-se de todos por não suportar
a vida, isto trouxe uma preocupação significativa aos mesmos e neste período Dora
foi acometida por um ataque de perda de consciência, que fora encoberto por uma
amnésia. Por esta ocasião a família havia feito amizade com o Sr. e a Srª K, que
segundo ela, lhe havia assediado sexualmente a beira de um lago e ela o havia
esbofeteado, entretanto, seu pai não manifestou credibilidade à sua narração. Dora
nunca encontrou a cura de seu horror por homens, mas seus sintomas se aplacaram
após sua curta análise.
Ela alcançou sua vingança da humilhação sofrida, ao
induzir a Srª K a confessar seu romance com seu pai e levou o Sr. K a assumir a
cena no lago. Contemplou seu pai com tal verdade e rompeu definitivamente com o
casal. Em 1903 casou-se e dois anos mais tarde teve seu único filho, ela faleceu
por volta de 1945. No caso Dora, Freud concluiu que esta transferiu os afetos
dirigidos ao Sr. K. para ele e, de maneira vingativa, interrompe o tratamento
abandonando-o, tal como ela fora abandonada por aquele senhor e por seu pai.
Posteriormente Freud resolve reavaliar a si mesmo e todo o processo, e percebe
seu grande equívoco, pois, Dora estava interessada na Srª. K e não no Sr. K. ou
seja manifestava por ela desejos homossexuais.
Com o caso Dora, inicia-se,
efetivamente, uma elaboração acerca da teoria da transferência na psicanálise.
Anteriormente, a transferência era percebida como sendo uma patologia que
precisava ser curada, entretanto, com o desenvolvimento dos trabalhos reconheceuse que era inevitável, por ser um desejo inconsciente que é mobilizado pelo próprio
tratamento.
Em 1909, Sandor Firenczi, (discípulo de Freud na mesma época que Jung)
aborda a relação entre professor e aluno, médico e paciente, enquanto Freud
trabalha o conhecido caso “O homem dos ratos”, considerando os aspectos
transferenciais e concluindo sobre a constante presença da transferência nas
relações humanas.
Em 1912, Freud escreve então seu primeiro texto exclusivo sobre a
transferência, “A dinâmica da transferência”. Ele não criou a transferência, mas sim
a percebeu através, e no discurso de seus pacientes.
62
Pode-se dizer que a transferência está presente em todas as relações, é
fundamental, por ser a mola mestra da relação e deve ser observada pelo
profissional para que não venha a se constituir como uma resistência em um
tratamento.
Essa resistência traz consigo um grande enigma, pois, a transferência é
motor, ou seja, estratégia de cura e, ao mesmo tempo, é resistência.
Todo tratamento é acompanhado pela resistência, que cria uma reconciliação
entre o desejo do restabelecimento e seu contrário.
Tem-se claro que a transferência ocorre:
[...] quando algo do material complexivo serve para ser transferido
para a figura do médico, essa transferência é realizada, ela produz a
associação seguinte e se anuncia por sinais de resistência – por
uma interrupção, por exemplo. (FREUD (1912), 1969, p.138).
Com Freud, pode-se falar em transferência positiva e negativa.
A
transferência positiva é aquela que favorece a associação livre, regra fundamental
da psicanálise. A transferência negativa dificulta ou impede a associação livre e,
portanto, deve ser manejada para que seja possível a continuidade do tratamento.
A transferência negativa traz mudanças no comportamento do analisante, que
tenta burlar a regra principal da psicanálise, falar tudo que lhe vem à mente,
deixando de lado o motivo pelo qual buscou a análise. É travada uma espécie de
luta do analista com o inconsciente do analisante, o inconsciente se fecha, porém o
analista busca manejar tal situação.
Afirma Freud: "Esta luta entre o médico e o paciente, entre o intelecto e a vida
instintual, entre a compreensão e a procura da ação, é travada, quase exclusivamente, nos
fenômenos da transferência". (FREUD (1912), 1969, p.143).
Pode-se dizer que a principal dificuldade do analista não é interpretar o que o
analisante lhe traz, mas sim, manejar a transferência.
Por ser o amor transferencial um amor genuíno e, ao mesmo tempo falso,
situações de enamoramento podem surgir. Segundo Freud, três caminhos podem
ser tomados: o primeiro seria a possibilidade de uma realização do sentimento,
chegando-se a união dos envolvidos; o segundo e mais comum seria a separação
dos mesmos e com isso a interrupção do tratamento e o terceiro, eticamente
63
inaceitável, seria manterem uma relação, ao mesmo tempo, em que se daria
prosseguimento ao tratamento.
Os caminhos apontados por Freud podem servir como recomendação para
profissionais de outras áreas. Diante de uma situação de enamoramento na área de
cirurgia vascular e endovascular, o profissional deverá analisar cuidadosamente se a
relação profissional-paciente assim como o trabalho s ser desenvolvido ficarão ou
não prejudicados por tal enamoramento. Tal como na psicanálise, questões éticas e
técnicas se colocam nessas situações.
Este é um fenômeno que pode ocorrer em todas as relações profissionais,
porém o profissional deve ter claro que o enamoramento não se dá pela sua pessoa,
mas em função da estrutura da relação, por ser ele o profissional quem escuta,
quem cuida, quem dispensa seu tempo. Tal fenômeno pode ocorrer em qualquer
relação profissional-paciente.
O analista, assim como qualquer profissional, pode ocupar o lugar de alguém
que é importante e é o que faz com que o paciente deposite nele todo seu amor, o
amor transferencial ou amor de transferência. Para Freud (1912), "Todo amor é um
amor infantil, portanto todo amor transferencial é infantil".
Em 1914, Freud publica “Recordar, repetir e elaborar”. A importância deste
texto se deve ao fato de apontar o trabalho básico no tratamento analítico,
considerando a rememoração, a repetição e a elaboração. A repetição transparece
na transferência, pois em vez do paciente recordar algo, atua, ou seja, repete seu
saber sem saber que está repetindo. Fica clara a presença da transferência neste
momento, pois ela é um fragmento da repetição e essa transferência é um
fragmento do passado esquecido. Tendo-se como referência a leitura deste texto,
compreende-se que, ao se manejar a transferência, se tem como principal
instrumento a ser trabalhado a compulsão para repetição do paciente e transformála em recordação.
Em 1915, Freud publica o texto "Observações sobre o Amor Transferencial",
onde faz considerações acerca do amor presente no fenômeno da transferência.
Segundo Freud ((1915),1969, p.213), “... o analista nunca deve, em quaisquer
circunstâncias, aceitar ou retribuir os ternos sentimentos que lhe são oferecidos...”.
Considerando-se as relações com pacientes, isto vale para qualquer área
profissional, como dito anteriormente neste trabalho.
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Se a demanda amorosa da analisante for retribuída, seria uma vitória para
ela, contudo, uma verdadeira falência para seu tratamento.
Não existe uma conduta modelo para se trabalhar a transferência, o que se
tem são cuidados no manejo de tal transferência. Não se pode retribuir ou recusar,
deve-se manter o domínio de tal amor, tratá-lo como algo irreal, mas necessário ser
vivido e trazido para sua consciência, para ser trabalhado sob o manejo do analista.
O analista se coloca como alguém que não é suscetível a esses desejos. Com isso,
se estabelece uma confiança para que suas questões venham à tona junto com
suas raízes infantis amorosas.
É possível através do trabalho analítico se desvendar a escolha objetal infantil
da analisante e as fantasias criadas ao seu redor. Para que esta investigação seja
possível, o analista não deve responder às demandas de amor do paciente.
Por isso se diz que trata-se de um amor esvaziado. “Para o médico, motivos
éticos unem-se aos técnicos para impedi-lo de dar à paciente seu amor” (FREUD
(1915), 1969, p.219).
Isto não é tarefa fácil, mas necessária a todo analista. Para o homem é difícil
resistir a idéia de se envolver com uma mulher que declara seu amor por ele. Por
vezes, pensa-se em esquecer sua técnica, ética e missão em prol de viver essa
experiência.
O termo transferência possui algo característico, por promover um consenso
entre todos os psicanalistas, pois, independentemente da linha que se siga, todos
concordam com esse princípio, como sendo a mola mestra da cura.
Em 1920, Freud publica: “Mais-além do princípio do prazer”, onde se refere ao
caráter repetitivo da transferência, constatando que essa repetição sempre se referia
a fragmentos da vida sexual infantil. Ele ligou a transferência ao complexo de Édipo
e já havia concluído no texto “Recordar, repetir, elaborar” que a neurose original era
substituída, na análise, por uma neurose artificial, ou “neurose de transferência”. A
neurose de transferência é artificial, ela começa na análise e termina quando a
mesma se encerra. Em 1920, concebe a psicanálise como a arte de interpretar,
como um acesso a um território inabitável, o inconsciente, que se expõe para que
possa ser decifrado e com isso alcançar a cura.
Segundo Miller (1987), a transferência aparece sempre como um conceito
evanescente, que se confunde com os outros conceitos, que se confunde em um
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sentido com a repetição, em outro com a resistência e com a sugestão em um
terceiro sentido.
Em 1937, Freud escreve: “Análise terminável e interminável”, onde procurou
vincular a transferência ao término da análise. Pode-se pensar o término da análise
pela via do objeto, ou seja, quando o analista cai do lugar ocupado por ele até então
de objeto causa de desejo, o que resulta de um desfecho da transferência.
Em 1938, Freud escreve seu último artigo, "Esboços da psicanálise", ao
contrário dos outros escritos, este não era destinado aos leigos, mas sim aos que se
intitulavam psicanalistas, ou estudiosos de suas obras. Este texto faz o que se pode
chamar de um sobrevôo panorâmico pela totalidade das obras de Freud, apesar de
ter sido publicado inacabado, mas com sua teoria madura e revisada.
Nele é
ressaltada a ambivalência da transferência, como sendo uma repetição da vida
infantil, que se apresenta no momento em que o analista é colocado no lugar de
autoridade, de pai, mãe, trazendo-lhe uma mistura de sentimentos, ternos,
afetuosos, assim como os hostis. Freud destaca a transferência como a principal
fonte motivadora da colaboração do paciente no tratamento.
4.3 Os avanços com Lacan
Jacques-Marie Émile Lacan, era francês, iniciou sua formação como médico
neurologista, contudo, posteriormente migrou para psiquiatria. Nasceu em Paris em
13 de abril de 1901 e faleceu em 9 de setembro de 1981, em Paris. Lacan faz uma
releitura das obras completas de Freud e trouxe importantes contribuições para a
psicanálise.
Lacan para falar sobre transferência, dedicou seu “Seminário 8” a este tema
entre os anos de 1960 e 1961.
Lacan (2010) define a transferência como alguma coisa que se assemelha ao
amor:
A transferência é algo que põe em causa muito profundamente no
que se refere à reflexão analítica por ter introduzido nela, como uma
dimensão essencial, aquilo a que se chama a sua ambivalência. Se
o sujeito busca encontrar na análise o que tem e não conhece, o
66
que vai encontrar é o que lhe falta, a saber, seu desejo. (LACAN
(1964), 2010, p.88, 89).
Para Lacan, a transferência se encontra em uma fronteira entre o desejo e o
amor. Ela seria um amor genuíno, como relata Freud, mas ao mesmo tempo falso.
Na metáfora do amor, Lacan utiliza duas palavras érastès, seria o amante, o
desejante e érôménos seria o amado, o desejado. O analista por disponibilizar seu
tempo para ouvir o outro, se torna, muitas vezes, o desejado, o amante.
A
transferência pode se tornar um obstáculo, uma resistência para a comunicação do
inconsciente, em contrapartida, é ela que possibilita o acesso ao inconsciente, se
torna algo ambíguo. Por trás do amor de transferência existe uma afirmação do
vínculo do desejo do analista com o desejo do paciente, estes são processos
inconscientes.
A saber, qual a nossa relação com o ser de nosso paciente? Sabese bem, afinal, que é isso que se trata em análise. Nosso acesso a
esse ser, será ou não do amor? O fenômeno da transferência é
considerado imitar ao máximo, até mesmo chegando a confundir-se
com ele: O amor (LACAN (1964), 2008, p.54).
Para Lacan (1964), o amor de transferência é sem dúvida um efeito do
processo, mas em fase de resistência. Diz respeito ao amor, com a demanda de ser
amado que se articula e como este será acolhido, tratado, em que a psicanálise se
diferencia de outros métodos. Um fenômeno que está presente em todas as
relações onde o amor se evidencia, mas a sua análise é a condição para o
progresso do tratamento psicanalítico. Através da transferência a psicanálise se
viabiliza como método de tratamento e será condição preliminar para o seu início.
Lacan concebe duas vias em relação à transferência: a via imaginária e a via
simbólica. Quando se trata da via simbólica na transferência nos referimos a dois
significantes: um que representa o analisante e o outro que representa o analista.
Lacan formulou um matema para a transferência. Desta forma, a constituição da
transferência passou a ser representada pelo seguinte algoritmo:
67
S
Sq
s (S1, S2... Sn)
Explicando o matema da transferência elaborado por Lacan, temos: no
numerador, S indica o significante da transferência, ou seja, é o significante do
analisante que se articula a um significante qualquer do analista, o qual é
representado na fórmula por Sq. No denominador, encontramos a representação da
associação livre.
O conceito de transferência sofreu acréscimos com Lacan, e este situa no seu
fundamento, uma função inédita em Freud, que é a do sujeito suposto saber, como
sendo o pivô de tudo que se articula em relação à transferência.
Segundo
Lacan
(1950), “o sujeito suposto saber é para nós o pivô no qual se articula tudo o que se
relaciona com a transferência”.
Em análise seria o girar em torno da mesma
questão, do mesmo pivô. O analisante coloca o analista no lugar do sujeito suposto
saber; para ele o analista sabe tudo, é um ser intocável, porém ao longo da análise
ele percebe que não é bem assim, mas a transferência já foi estabelecida com base
nessa suposição.
A análise se inicia com um amor dirigido pelo paciente ao
analista. Trata-se de um amor ao saber, saber suposto ao analista e por essa razão
o lugar que este ocupa neste momento da análise é designado como sujeito suposto
saber.
Lacan não tinha como objetivo reinventar a psicanálise, mas formular
questões sobre as suas condições de possibilidades.
Demonstrou então que o
descobrimento sobre o inconsciente por Freud só encontra conexão através da
proposição de que o inconsciente está estruturado com uma linguagem. Segundo
Lacan: “O analista exerce uma pressão sobre o inconsciente pela própria oferta que
faz de escutar o paciente, escutá-lo a medida que diz qualquer coisa”. (LACAN
(1953), 2009, p.238).
Lacan não faz mudanças na teoria de Freud sobre a transferência, na
verdade, ele acrescenta o que seria o amor transferencial e o sujeito suposto saber,
contudo, a idéia principal permanece.
Em 1953, em “Função e campo da palavra e da linguagem”, Lacan descreve
a transferência como sendo uma repetição. Mais tarde, quando escreve “Os quatro
conceitos fundamentais da psicanálise”, onde retoma o assunto e funda a
transferência como sendo uma consequência imediata da regra fundamental para
68
psicanálise, um dispositivo da cura. Neste momento fica claro o lugar do sujeito
suposto saber, ele é apresentado ao paciente pelo analista no início de sua análise,
para que possa ocorrer o discurso livre, pode-se dizer que é o princípio constitutivo
da transferência.
Por vezes, o analisante pode estar decepcionado com seu
analista, mas, isto não o impede de vê-lo como sujeito suposto saber.
O sujeito suposto saber, segundo a teoria de Lacan, seria uma consequência
imediata da estrutura da situação analítica, ou seja, do discurso analítico. Vista por
esse prisma a transferência seria um fundamento transfenomênico dela mesma,
resultando para o analista a postura de ouvinte de um discurso livre, que foi
estimulado pelo mesmo.
O analista se coloca na posição passiva, pois quem
vivencia a experiência de análise é o paciente. O analisante traz o material e o
analista tem a função estrutural de recebê-lo, escutá-lo, apreciá-lo, e em algumas
ocasiões, interpretá-lo. Esse lugar que ele ocupa pode ser chamado de amo da
verdade, contudo, tem-se que ter muito cuidado com esse o ponto decisivo da teoria
de Lacan.
O analisante busca sua verdade na fala, fala essa dita de forma livre e
entregue ao analista, entregue ao grande Outro, ao ouvinte que se torna
fundamental para decidir sua significação, este é o lugar que o analista se coloca
neste momento. Para que isso ocorra, se faz necessário o silêncio, para que se
tenha a escuta, por isso o silêncio é tão importante, a escuta é essencial.
É essencial para o analista que não se deixe seduzir pelo lugar do sujeito
suposto saber, pois este pode ser confortável. O analisante coloca seu analista
neste lugar, mas o analista o recusa.
Segundo Miller (1987), “A grandeza do psicanalista é, no sentido de Lacan,
consagrar-se, pelo contrário, a permanecer no lugar de desejo”.
Quando Lacan fala de desejo, ele se refere ao surgimento de um
deslizamento no significante, no deslocamento de um objeto para outro, pois
nenhum objeto é capaz de completar o sujeito, pois a falta precisa existir sempre.
Contudo, para que isso ocorra, para que se passe de amor para desejo, se faz
necessário que o analista esteja sendo regido pelo seu desejo, pelo desejo do
analista, que seria apenas o desejo de analisar, fazer com que o sujeito tenha seu
próprio desejo, desejar que o seu paciente caminhe para associar livremente.
Desta forma, se propicia a cura do amor ao desejo, retirando-se do lugar de
ideal para ser apenas um resto, essa é a tarefa do analista, o que nos remete ao que
69
Freud fala no seu texto “Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise”
((1912), 1969, p.129): “Um cirurgião dos tempos antigos tomou como divisa as
palavras: Fiz-lhe os curativos: Deus o curou. O analista deve contentar-se com algo
semelhante”
Lacan acrescenta que ao final da análise há um luto, considerando de certa
maneira a perda do objeto, o abandono do psicanalista, mas paradoxalmente, este
deve permanecer no lugar de causa de desejo.
Retomamos neste ponto o que também foi uma contribuição de Lacan: a
transferência de trabalho, já apresentada anteriormente nesta pesquisa.
A
transferência de trabalho, não é como o nome pode indicar, transferir o trabalho para
o outro. Ao contrário, a transferência de trabalho é concebida a partir do próprio
conceito de transferência, central no tratamento psicanalítico, contudo como um
instrumento do trabalho entre pares. Seria a condição do estabelecimento de um
laço produtivo entre pares visando, por um lado, o fazer clínico e, por outro, a
produção de saber que lhe é conseqüente. A transferência que deve operar no
trabalho em equipe deve ser norteada pelo fato de que há um objetivo comum às
diferentes profissões, que é uma determinada concepção da clínica pautada no
sujeito.
4.4 Transferência e a prática hospitalar
A psicologia hospitalar se constitui como um campo de atuação para o
psicólogo em hospitais. Segundo Alfredo Simonetti (2006, p.15), em “Manual de
psicologia hospitalar”, afirma que:
A psicologia hospitalar é o campo de entendimento e tratamento dos
aspectos psicológicos em torno do adoecimento, seu objeto de
trabalho não é só a dor do paciente, mas também a angústia
declarada da família, a angústia disfarçada da equipe e a angústia
geralmente negada dos médicos. (SIMONETTI (2004), 2006, p.15).
Dentro de um hospital, as demandas são dirigidas ao psicólogo ou analista de
uma forma pouco convencional, diferente do consultório.
Assim, ele a qualquer
momento pode ser chamado por conta de uma angústia que emerge no contexto da
enfermaria. O apelo: “Chama a psicóloga”, só é possível devido a construção desse
70
lugar ocupado pelo psicólogo ou analista.
Essa seria a inserção desses
profissionais no hospital, a inserção de um outro saber que não é o do médico, mas
que faz-se necessário.
Para a psicanálise o sujeito é um “sujeito-a-ser”, ele não é completo, é um ser
de linguagem, ele se constitui pela linguagem. A linguagem é a matéria prima da
psicanálise, o que importa é o que foi dito e aquilo que se quis dizer num discurso
livre, na associação livre.
Segundo Quinet (2007), é a partir da transferência que ocorre a presentificação
da realidade do inconsciente enquanto sexual e o seu estabelecimento é correlato à
delegação àquele que é seu alvo de um bem precioso que causa o desejo,
causando, portanto a própria transferência.
Com base na psicanálise, a transferência é uma estratégia para se alcançar
os objetivos desejados na prática hospitalar. Para Lacan (1958), a estratégia é
definida no campo da transferência, contudo, para Freud ela ocupa o eixo central da
experiência analítica. O que fica claro na prática hospitalar é que a transferência
inicialmente não é direcionada especificamente ao profissional. O encontro com o
profissional é, por vezes, promovido por outra pessoa, como por exemplo um
enfermeiro, um assistente social, com quem já foi construído um vinculo
transferencial.
Não se pode deixar de referenciar o lugar que o médico ocupa e que muitas
vezes, no contexto hospitalar, a transferência ocorre primeiramente dirigida a esse
saber médico.
Porém, pelo médico não lidar com sentimentos conscientes e
inconscientes, o psicanalista é chamado a intervir para que possa reconhecer e
manejar a transferência. Um dos propósitos é implicar o paciente no seu tratamento.
Através da palavra abre-se um espaço e aposta-se na reconstrução desse
campo simbólico. A palavra pode ser utilizada como uma sutura da cadeia dos
significantes e acreditar na eficácia dessa palavra é possibilitar que o sujeito
reconstrua sua história e suas representações.
Quando algumas perguntas são utilizadas nos atendimentos como: “O que
aconteceu? Como chegou até aqui?”, pode-se considerar como um convite, quase
irrecusável, para que se abra o campo da fala, da palavra. Isso seria a grande
aposta no sujeito.
Uma fala dos profissionais, interessante e comum no hospital é: “Não temos
mais nada o que fazer, tudo já foi feito, ele não escuta, não entende, não obedece”.
71
Para a medicina, para a ciência, realmente talvez não se tenha mais nada a ser dito,
mas para psicanálise, sempre “há algo a ser dito”.
Ocorre então um grande
confronto que o analista enfrenta no hospital, o tempo da instituição e suas normas e
o tempo subjetivo, o tempo do sujeito. Neste impasse a única certeza que se tem é
de que não se pode pressionar o sujeito, contudo, isso implica em considerar o
tempo subjetivo.
Segundo Moura (2002, p.77), “Cabe ao analista instaurar a pausa na pressa
sustentando a enunciação”.
Neste momento podem emergir falas significativas,
pois, ao analista cabe sustentar o campo da subjetividade e da singularidade do
paciente, isso pode ser visto como um respaldo, uma segurança que vai propiciar a
fala, a associação livre. Percebe-se claramente a transferência instalada.
Segundo Moura (2002), o hospital é como um “Real insuportável” que
questiona o psicanalista em sua função.
Ao sermos confrontados com esse
insuportável, ou seja, essa dor, sofrimento e morte, somos convidados a incorporar
um saber sobre o que fazer e dizer. Mesmo não possuindo esse saber, nos é
depositada esta certeza de tê-lo. O que fica claro é que temos um lugar de saber
específico e só podemos intervir nele através da fala.
Quando existe o desejo do sujeito em falar, é nosso papel escutar o que o
mesmo quer dizer, oferecermos nossa escuta para acolher seu discurso,
respeitando suas particularidades e subjetividades, podendo apontar neste, sua
vivência, sua história, resgatando sua implicação e responsabilidade com sua
patologia. O inconsciente do sujeito está para além do real do sintoma no corpo,
expressando em seu adoecer, as marcas de sua história que dizem respeito ao seu
singular.
Essa escuta se torna a única ferramenta que propicia o emergir da verdade do
sujeito e ela acontece a partir da transferência estabelecida, sendo esta, permeada
pelo princípio da neutralidade e da abstinência. Esta abstinência é recomendada
por Freud (1912), em “O amor de transferência”. Segundo ele, o analista deve
permanecer em posição de abstinência, não como passividade, mas no lugar de um
saber ético que direciona o tratamento e o sujeito até seu próprio saber sobre si e
seu desejo, esse caminho ocorre no convite a produzir a associação livre na fala.
Este trabalho é uma reflexão à luz da psicanálise, frente aos atendimentos,
por vezes, desafiadores aos pacientes hospitalizados na enfermaria de cirurgia
vascular e endovascular, que em seu contexto, apontam a importância da
72
transferência na condução dos casos.
O que se tem é um corpo modificado
fisicamente por uma mutilação, uma cirurgia inevitável, contudo, é entrevisto um
investimento libidinal que marca o campo transferencial. A história se modifica, o
que antes era primordial, agora não parece ser tão importante, outra parte de seu
corpo ganha uma importância imensa, e por vezes é como se sua vida passasse a
girar ao redor deste coto, deste pedaço de perna que traz e faz uma nova história.
A experiência da amputação é como algo que todo o tempo lhe é questionado
por essa nova vivência, essa nova imagem corporal. A cada cirurgia as dores se
repetem, com valores, crenças, significantes diferentes, histórias de vida distintas,
mas com alguma coisa em comum.
Em todos os casos, a transferência é a
estratégia que facilita ou dificulta a condução do tratamento e que deve ser
considerada para que sua via de facilitação prepondere e se imprima de forma
positiva nas práticas hospitalares.
4.4.1 Um Caso Clínico
A paciente que aqui chamaremos Ana, do sexo feminino, negra, 52 anos,
casada, dois filhos, residente do Estado do Rio de Janeiro, em uma comunidade,
hipertensa, diabética, não tabagista, começou seu tratamento na Unidade de
Cirurgia Vascular e Endovascular do Hospital Universitário Pedro Ernesto –
HUPE/UERJ com a doença em estágio avançado por volta de fevereiro de 2007.
Para nossa enfermaria ela é considerada uma paciente jovem.
O atendimento da paciente teve início no dia seguinte de sua internação,
devido à gravidade de seu diagnóstico, por solicitação da equipe médica, e teve um
ano e quatro meses de duração. Nas entrevistas iniciais, observou-se que apenas a
paciente apresentava demanda para acompanhamento, contudo, no decorrer da
internação prolongada, sua filha solicitou, por vezes, ser ouvida.
A paciente se encontrava com humor estável, lúcida e orientada.
Reclamava de muitas dores em sua perna direita, na qual se encontrava a
patologia, Ana estava com suas artérias totalmente comprometidas.
A mesma foi submetida a um revascularização, contudo, o enxerto parou
após 36 horas e isto comprometeu sua perna.
73
Ana era cozinheira, trabalha em casa e era a provedora financeira da família,
seu marido era pedreiro e segundo ele, não dava sorte nos trabalhos.
Seus filhos com 16 anos (menino) e 14 anos (menina), apenas estudavam.
Ana trazia em seu discurso uma vontade e necessidade de viver, pensava
todo o tempo em seus filhos, aceitava todo o tratamento sem questionar, tinha
consciência que as medicações eram necessárias e as cirurgias também.
A transferência se faz presente e constatamos a constituição do Sujeito
suposto Saber, tal como formulado por Lacan como pivô da transferência.
Ao
aceitar o tratamento médico proposto, reconhecendo a necessidade das medicações
e cirurgias, atribuía aos profissionais um saber.
É importante ressaltar que o
profissional não deve responder de um lugar de saber absoluto, para que possa
permanecer numa atitude investigativa, questionando e levantando novas hipóteses
no trabalho com o paciente.
“Sei que vou ficar boa e vou voltar a trabalhar, preciso do meu corpo bom e
quando sair daqui vou fazer umas coisas gostosas e trazer para vocês.”
Após dois meses, Ana foi para casa com medicação na esperança de suas
dores cessarem e não ter que passar por mais cirurgias, contudo, isso não ocorreu e
ela retornou, com uma úlcera no pé que antes era pequena, agora se tornara
significativa.
“Senti saudade e voltei, mas não deu para trazer nada, mas da próxima vez
trago, mas vou voltar só para visitar.”
Ana tinha total certeza que ficaria boa e tentava todo o tempo agradecer com
suas promessas de guloseimas, como se isso garantisse o seu tratamento.
Questionei-lhe várias vezes sobre isso, se tudo que o outro fazia por ela tinha que
ser porque ela lhe proporcionava algo, se ela precisava pagar todo o tempo por
tudo...
Ela me disse que em sua vida tudo sempre foi pago, ela sempre precisou
pagar tudo e não sabia ser diferente...
A paciente oferecia suas guloseimas constantemente, como se estas fossem
uma forma de pagar, presentear a equipe que a cuidava.
Este é um sinal da
presença do fenômeno da transferência.
A doença se agravou e a vida de Ana começou a correr um risco importante.
A equipe antes de pensar na amputação supra-patelar (acima do joelho), optou por
fazer uma angioplastia e assim foi feito, o resultado foi o esperado, sua perna foi
74
salva, após 16 dias teve alta, foi embora abraçando a todos e prometendo um
mundo de coisas gostosas...
Passaram-se 27 dias e Ana retornou com dores insuportáveis, ao se deitar no
leito forçou sua perna e a artéria rompeu e começou a jorrar sangue continuamente,
rapidamente foram chamados os residentes e o sangramento foi contido, seu leito
limpo e medicação ministrada para dor.
No dia seguinte Ana foi submetida a
exames e verificou-se que o “stent” havia infeccionado e sua retirada deveria ser
imediata. Sua perna novamente estava em risco.
Até então Ana trazia histórias de sua vida bem humoradas, não se permitia
ser vista como alguém frágil, segundo ela, não tinha problemas, vivia no mundo cor
de rosa e bolinhas azuis.
A partir desse episódio, ela se tornou mais sensível ao falar do desejo de ver
seus filhos formados, deles poderem traçar uma vida diferente da dela, não falava
muito de seu marido, dizia que ele havia lhe dado o que tinha de mais importante na
vida, os filhos e pronto.
O ““stent” ” colocado foi na altura da artéria femoral (um pouco abaixo da
virilha), foi necessário que se abrisse a cirurgia para que se pudesse lavar o local até
se chegar a artéria e consequentemente ao “stent”. Esse procedimento era feito na
enfermaria pelo residente e eu o acompanhava por uma solicitação primeiramente
dele, pois não estava conseguindo lidar com tal sofrimento naquele momento.
No
primeiro curativo, ao término, a paciente, me solicitou que estivesse presente nos
próximos.
Ana apertava minha mão com tal força que, por vezes, eu tinha a impressão
que iria quebrá-la, suas lágrimas eram de total desespero, e tanto o residente quanto
eu, não tínhamos como aliviar suas dores, apenas lhe dávamos apoio.
Essa rotina se repetiu durante cinco meses de segunda a segunda, nós, o
residente e eu, combinávamos os horários e íamos juntos, Ana solicitou que
fossemos sempre nós dois a realizar tal tarefa.
Neste momento fica clara a transferência que se estabeleceu com a psicóloga
e com o médico, sua confiança era notória, se percebe que a paciente coloca esses
profissionais no lugar do Sujeito suposto Saber.
Solicitei então ao meu chefe (chefe da equipe) que isso fosse possível, pois
existe o rodízio dos residentes e ao perceber a importância, ele concedeu.
75
Após o curativo, Ana sempre nos chamava de anjos por cuidarmos dela, nos
agradecia com lágrimas, não mais de dor, mas de gratidão.
“Vocês são meus doutores, meus anjos, obrigada...”
Ana, por vezes, já no final do curativo, quando a dor era menos intensa, ela
brincava, nos fazia perguntas indiscretas e ficávamos, por vezes, sem graça, e isso
era uma diversão para ela, sempre pedia desculpas depois e no final tudo terminava
em um clima muito harmonioso, apesar das dores.
Ana nunca se queixava, para ela tudo estava perfeito, em seus relatos trazia o
desejo de voltar para casa e o medo de morrer, começa a aparecer...
Sua determinação e força para ficar boa eram o que lhe sustentavam...
Começamos a falar da finitude, da possibilidade da perda da perna e isso lhe
trazia pânico, foram atendimentos intensos, chegando a dizer: “Não me deixe
morrer, corte tudo, mas preciso dos meus braços para trabalhar, por favor, me cure
me ajude, você pode, você estudou e sabe de tudo, você é um anjo, o meu anjo,
nunca tive ninguém que cuidasse de mim com tanto carinho, ninguém nunca me
ouviu tanto, me cura.”
Esta fala indica uma transferência favorável ao tratamento.
Ana sempre me chamava de anjo, por mais que lhe dissesse que não era, ela
mantinha sua fala e brincava dizendo: “que eu tinha até asas e podia voar...”
Os ditos dessa paciente apontam claramente a constituição do Sujeito
suposto Saber: “.você estudou e sabe tudo...” A equipe de profissionais ocupa um
lugar idealizado, o que se evidencia em vários momentos de seu discurso, como por
exemplo ao dizer que um dos profissionais tinha até asas e podia voar.
A necessidade de colocar o outro no lugar do Sujeito suposto Saber, além de
ter alguém que seja um ser intocável, alguém superior. Ana tinha um olhar muito
expressivo, em muitos momentos não eram preciso palavras, apenas me olhava,
apertava minha mão e eu lhe dizia: “Imagino o quanto está difícil, mas você não está
sozinha, tem toda uma equipe lutando junto com você”, ela abaixava os olhos e
balançava a cabeça sem conseguir dizer uma palavra verbalizada, seu silêncio já
havia dito tudo.
Ana precisou de uma medicação que não era fornecida pelo hospital, a
equipe se viu desolada, pois, uma paciente que amava a vida e desejava acima de
tudo ficar boa, iria ter sua finitude antecipada por falta de dinheiro para comprar.
76
Nosso chefe então fez uma proposta para equipe, havia conseguido 70% de
desconto com o laboratório, mas os outros 30% ainda eram caros, então propôs
para equipe que eram em número de quatorze (entre cirurgiões e a psicóloga) que
se responsabilizassem e assim foi feito e Ana teve sua medicação por vinte e cinco
dias, tudo para salvar o “stent” e conseqüentemente sua perna.
Durante todo esse processo, essas questões eram trabalhadas e lhe era
esclarecido que todo o possível estava sendo feito, Ana apenas dizia: “Não sei como
agradecer tudo que fazem por mim, não sou ninguém, vocês não me conhecem,
nunca fiz nada de bom para nenhum de vocês e cuidam tão bem de mim, obrigada,
vocês são anjos.”
Ao se referir a equipe como anjos, a idealização aparece novamente
direcionada para todos da equipe. Ao solicitar a presença da equipe junto a ela,
também é um sinal de que a transferência estava presente.
Infelizmente todo esforço não trouxe o resultado esperado e após sete meses
de internação Ana perdeu sua perna na altura da coxa, uma amputação supra
patelar.
O sofrimento antes da cirurgia foi imenso, suas dores, o odor da ferida
infectada, ela chegou a pedir: “Corta essa coisa podre, tira essa dor de mim, por
favor, me ajudem.”
No pré-operatório, sempre era trabalhado que o sujeito iria trocar um pedaço
ruim por uma vida, se continuasse com aquele pedaço ira perder sua vida e com ela
toda uma possibilidade de realizar tantos sonhos, desejos, objetivos...
Ao mesmo tempo também era trabalhada a questão da prótese que só seria
possível em média de seis meses a um ano, após a cirurgia, além de ter que
reaprender a se locomover e ter que precisar da ajuda de terceiros para algumas
coisas.
Neste momento percebi um desespero pela primeira vez, pois relatou não
poder contar com ninguém, seus filhos tinham cada um sua vida e seu marido, só
sabia comer, dormir e transar.
Este foi um momento de muita surpresa, pois Ana nunca havia falado de sua
família dessa forma e sua maior preocupação com a amputação era se o marido iria
querer transar com uma mulher sem perna: “Será que ele vai me querer sem perna,
como vai ser, não vou conseguir me mexer...”
77
Ana gostava de pertencer à tribo dos casados e não se imaginava de outra
forma.
Seu marido ao perceber que o estado de saúde de sua esposa estava se
agravando a cada dia mais, procurou emprego e conseguiu, inclusive de carteira
assinada, sua filha começou a ficar com ela no hospital e seu filho a vinha visitar três
vezes por semana.
Essas mudanças no comportamento familiar trouxeram um grande acalanto
para paciente.
Chegou o momento da cirurgia, consegui adiar durante duas semanas para
poder trabalhar essa família. No atendimento à família, pude perceber que apenas
com a doença e a possibilidade da perda se deram conta do valor que essa
mulher/mãe possuía.
Acompanhei Ana até o centro cirúrgico, ela segurou minha mão, me olhou
com olhos cheios de lágrimas e me disse: “Obrigada meu anjo, sei que fez tudo que
pode, eu vou ficar boa, vou andar de perna de pau, meu coração não dói mais, você
é o meu anjo, obrigada.”
Neste momento também se percebe a transferência com a equipe. Sabemos
com Lacan que na base da transferência está o desejo do analista. Este desejo
supomos existir nos profissionais de outras áreas que sustentam seus tratamentos e
que se constitui como condição de possibilidade para o estabelecimento da
transferência. O profissional deseja que seu paciente continue a se tratar, o que
contribui para a presença do amor de transferência, isto é, amor ao saber, saber
dirigido a quem deseja que ele se trate. Na análise, espera-se a transmutação do
amor em desejo.
Supomos que em qualquer tratamento, espera-se também o
aparecimento desse desejo de se tratar.
Toda quinzena fazíamos o grupo com os profissionais, após esse episódio o
mesmo começou a ser realizado toda semana.
Ana se saiu bem da cirurgia, apesar de ser aberta, após cinco longos meses
sua ferida estava fechada e poderia ir para casa.
Seu medo de recomeçar era nítido em sua fala: “Como vai ser agora, como
vou fazer as coisas, não sei se quero voltar, não sei se quero essa vida lá fora,
posso ficar aqui?”
Foram momentos complicados, Ana esteve para ter alta cinco vezes, mas
conseguia ficar mais um pouco, por duas vezes sua pressão subiu e não foi liberada.
78
Sua sexta alta estava pronta e esta foi trabalhada com ela e toda equipe, a
qual se emocionava por saber que aquela que vivia rindo e de bem com vida ia
embora, mas era necessário, Ana precisava retomar sua vida, reaprender a andar, a
se locomover, não existia mais propósito para permanecer internada, estava
curada...
“Meu anjo, você me curou, mas não quero mais ficar boa, me deixa ficar
aqui...”
Ana com seu carisma e carência conseguia seduzir a todos e acabava
ficando...
Ela não se queixava de nada, tudo estava perfeito, a imperfeição morava lá
fora, fora do hospital...
No dia de ir embora, Ana me disse que seu coração não iria aguentar: “Meu
anjo, sei que tenho que ir embora, mas olha só, vou lhe contar um segredo, meu
Deus veio me dizer que se eu sair daqui irei morrer. Me deixa ficar aqui com você,
fico quieta, prometo, mas me deixa ficar, vai... Você pode..., Deixa, vai...”
Neste momento ela perde o desejo de seguir, de caminhar, de andar de perna
de pau, ela perde a coragem e isso pode ter ocorrido devido as questões que se
apresentaram ao longo de sua internação, contudo se mantém a transferência com a
psicóloga e ao mesmo com a instituição pela qual ela verbaliza o desejo de
permanecer internada.
Foi muito difícil dizer não para alguém que tanto tinha ensinado àquela
equipe, nos momentos de dor imensa, seu humor nunca ia embora, nunca nos tratou
com aspereza, nunca disse uma palavra áspera, sempre sorrindo, mesmo com
lágrimas nos olhos, um ser que marcou a vida de todos nós...
Sua família chegou e ela tentou novamente olhando para mim e para o Dr.
Fábio: “Me deixa ficar meus anjos, se eu for vou morrer, me deixa ficar...”
Essa certeza dela nos deixava confusos, mas ela foi sentada na cadeira de
rodas, saiu da enfermaria chorando, deixando todos emocionados, entrou no
elevador e teve um enfarto, voltou para enfermaria correndo com um enfermeiro que
estava acompanhando outra paciente, neste momento todos ficaram em choque
apenas nos lembrávamos de suas palavras, tudo foi feito, Ana olhava para a equipe
que se movimentava freneticamente com os olhos cheios de lágrimas e então ela
disse com toda calma que era apenas dela: “Obrigada meus anjos...”
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Ana é lembrada até hoje pelos que passaram por sua vida como uma paciente
singular, alguém que nunca estava zangada, vivia de bem com a vida...
Numa prática hospitalar constata-se a importância do estabelecimento de uma
transferência que, ao atribuir um saber ao profissional, permita a continuidade do
tratamento.
Mesmo que tal transferência não possa ser manejada tal como no
dispositivo analítico, é importante criar e manter condições para sua presença,
facilitando assim a relação do paciente com os profissionais e, consequentemente,
favorecendo as ações terapêuticas necessárias.
80
5 CONCLUSÃO
A presente pesquisa teve como objetivo principal rever uma experiência de
humanização, à luz da psicanálise, na enfermaria de cirurgia vascular e
endovascular do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro.
A inserção deste tema no Mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade, que
se caracteriza essencialmente pela prática interdisciplinar, é bastante pertinente,
considerando-se tanto a psicanálise quanto a Política Nacional de Humanização.
Desde a sua criação, a psicanálise caracteriza-se pela interdisciplinaridade,
enlaçando-se a outras áreas do saber, como a neurologia, psiquiatria, antropologia,
filosofia, linguística, etc. Da mesma forma, a Política Nacional de Humanização
propõe uma troca de saberes para melhor atender a cada paciente.
A humanização não é feita de regras, mas sim de princípios e bases, cujo
nascedouro pode ser constatado, neste estudo, através da reconstituição histórica
da trajetória da saúde pública no Brasil. Esta pesquisa evidenciou que existem
estratégias para se efetivar a Política Nacional de Humanização e dentre elas,
supomos que a transferência, conceito fundamental da psicanálise, constitui-se em
importante estratégia na prática desta política.
Portanto, a hipótese norteadora
desta pesquisa pressupõe o fenômeno da transferência, tal como é concebida no
campo da psicanálise, como estratégia fundamental na prática da Política Nacional
de Humanização, uma vez que encontra-se presente em todas as relações
humanas, determinando sucessos e insucessos no campo profissional.
A humanização é um conjunto de medidas que englobam as condições
físicas; as relações entre os profissionais; os laços entre os membros da equipe de
saúde; os pacientes e seus familiares; e o cuidado aos usuários e seus familiares.
Essas intervenções visam, acima de tudo, tornar efetiva a assistência ao indivíduo
adoecido, considerando-o como um ser bio-psico-social.
Os recursos propostos pela Política Nacional de Humanização emparelhamse com diversas concepções da psicanálise, tais como a função da palavra, tanto do
paciente quanto do profissional, a valorização da singularidade e a importância da
transferência. Sabendo identificar a presença da transferência, com seus aspectos
facilitadores e impeditivos em qualquer tipo de tratamento, os profissionais de saúde
estarão melhor equipados para manejar muitas situações com as quais se deparam
81
no cotidiano hospitalar, decidindo outros rumos no tratamento, como por exemplo
modificar o modo de abordar o paciente, buscar outra forma de apresentar a
terapêutica necessária, ou mesmo dirigir o paciente para outro profissional. O que a
transferência nos ensina é que em toda relação profissional há algo representativo
do paciente, da sua história, do seu desejo que se presentifica no tratamento,
facilitando-o ou dificultando-o.
A presente pesquisa é classificada como qualitativa, inserido-se, assim, na
série das investigações psicanalíticas.
Neste tipo de pesquisa, os relatos e
testemunhos, seja de profissionais, seja de pacientes, são procedimentos
importantes na validação da hipótese de trabalho.
Constatamos, nesta pesquisa, relatos de pacientes que demonstram um
saber dirigido aos profissionais. Identificamos demandas de membros da equipe de
profissionais, evidenciando a presença de uma transferência de trabalho que os fez
solicitar a permanência na equipe. Os relatos e os testemunhos colhidos através
desta pesquisa nos mostram a presença do pivô da transferência que é uma
suposição de saber dos pacientes dirigida aos profissionais; a evidência de
transferências de trabalho entre os profissionais; e ainda a presença de um amor
que podemos nomear de amor transferencial. Estas observações são evidências
que validam nossa hipótese de trabalho: o fenômeno da transferência constitui uma
importante estratégia na condição de qualquer tratamento na área de saúde e
encontra-se nas enunciações da Política Nacional de Humanização.
Desenvolver esta pesquisa para repensar o projeto de humanização na
enfermaria de cirurgia vascular e endovascular, à luz da psicanálise, é um
testemunho do desejo de contribuir para uma relação ainda melhor entre pacientes e
profissionais. Este desejo é fruto de uma transferência de trabalho.
82
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89
7 APÊNDICE
Produto da dissertação:
O produto da presente dissertação será um Ciclo de palestras.
Objetivo geral:
Apresentar aos profissionais de saúde o conceito de transferência, tal como
concebida pela psicanálise e suas articulações com as práticas de humanização no
ambiente hospitalar.
Expor as mudanças e o feedback do processo frente algumas mudanças
realizadas nos atendimentos e na rotina do dia-a-dia.
Objetivos específicos:
¾ Reforçar as práticas inseridas na Política Nacional de Humanização;
¾ Familiarizar os profissionais de saúde com o conceito psicanalítico da
transferência;
¾ Focalizar a importância dos fenômenos transferenciais para as relações
entre os próprios profissional de saúde, paciente e familiares.
Justificativa:
A transferência atravessa todas as relações humanas e, por esta razão,
entende-se que ela esteja também operando nas relações que se estabelecem nas
unidades de saúde, podendo influir diretamente na condução e na adesão ao
tratamento. Além disso, na prática hospitalar pode-se perceber a importância dos
profissionais adquirirem mais instrumentos para o aprimoramento das práticas de
humanização no atendimento. Esta pesquisa oferece como contribuição, e as
considerações e articulações feitas entre o conceito de transferência e a Política
Nacional de Humanização, fundamental esta proposta de multiplicar através de
palestras estas considerações para os profissionais envolvidos nas práticas em
unidades de saúde.
Público a ser atingido:
- Profissionais de saúde;
90
- Profissionais de outras áreas envolvidos na assistência a pacientes em
unidades de saúde.
Conteúdo:
¾ A Política Nacional de Humanização;
¾ A humanização no ambiente hospitalar;
¾ Uma experiência de práticas de humanização numa unidade pública de
saúde;
¾ A Transferência como instrumento para a política de humanização.
Metodologia:
Palestras em unidades de saúde e em eventos científicos, através de
exposição oral e material audiovisual.
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