desenvolvimento da genética no Brasil: entre o evolucionismo e a idEia de progresso Dayana de Oliveira Formiga1 Resumo: O presente artigo visa a “construção” de uma análise histórica da genética, na qual se enfoca o papel da Universidade de São Paulo, da ação da Fundação Rockefeller, da ideia de progresso e a influência do pesquisador Theodosius Dobzhansky. A Escola de Genética formada na Universidade de São Paulo desenvolveu um trabalho pioneiro na pesquisa de genética de Drosophila, além de introduzir a genética de populações, tornando-se uma referência internacional e formando grupos de pesquisa no Brasil apoiados, principalmente, pela Fundação Rockefeller e pela Sociedade Brasileira de Genética. Palavras-chave: Genética; Universidade de São Paulo; Fundação Rockefeller; Progresso; Theodosius Dobzhansky THE deVELOPMENT OF GENETICS IN BraZil: BETWEen THE evoluTion AND THE IDEA OF progresS Abstract: This article is a historical analysis of the Genetics School, in which is focused the work of University of São Paulo, the action of Rockefeller Foundation, the progress ideal, and the influence of the researcher Theodosius Dobzhansky. The University of São Paulo’s Genetics School has developed a pioneer genetic research work in Drosophilas, besides introducing the populations genetics, and becoming an international reference. The unfolding of the Genetics School has spread and supported groups of research through several regions of Brazil, mainly for Rockefeller Foundation and Brazilian Society of Genetics. Keywords: Genetics; University of São Paulo; Rockefeller Foundation; Progress; Theodosius Dobzhansky Os desdobramentos de uma especialidade científica tendem a seguir caminhos tortuosos, nos quais o papel do cientista está inserido no processo histórico, envolvendo questões socioculturais, econômicas e políticas, em uma determinada temporalidade. Para discutirmos como se deu a institucionalização da genética no Brasil, tendo como palco a Mestre em História Social da Ciência pela Universidade de São Paulo e professora dos cursos de História e Pedagogia do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). E-mail: [email protected] 1 DAYANA DE OLIVEIRA FORMIGA 34 Universidade de São Paulo, é necessário um pequeno histórico2 desta ciência, observando seu processo de mundialização (FIGUEIRÔA, 1997, p. 29). Mesmo antes de ter um nome, a genética existia como um conjunto de observações e conceitos não normatizados, que tentava explicar basicamente como os filhos recebiam as características de seus pais. O abade Gregor Mendel, em 1865, tentou responder a este questionamento através de seus experimentos com ervilhas. Assim, ele escolheu algumas características individuais da planta – como altura, forma dos grãos, cor da flor, etc – e iniciou inúmeros cruzamentos. Ele observou que ao fazer um cruzamento de linhagens puras estáveis (homozigotas), por exemplo, de uma planta de flores vermelhas com outra de flores brancas, todos os descendentes possuíam flores vermelhas; ao cruzar, porém, esta geração entre si (heterozigotas) apareciam plantas de flores vermelhas e brancas. Mendel pôde concluir que havia um mecanismo responsável pela transmissão de características individuais, dos pais aos filhos, e que elas eram propagadas de forma descontínua, envolvendo diferenças qualitativas. Não concluiu, porém, a haploidia dos gametas, ou seja, que cada célula sexual tinha o cromossomo em dose única, e a diploidia das células somáticas, que tinham o cromossomo em dose dupla. Apesar das relevantes observações de Mendel, alguns dos grandes paradigmas das ciências biológicas ainda estavam se constituindo no século XIX, como a ideia de evolução proposta por Charles Darwin, e, talvez por isso, suas pesquisas não tivessem sentido ou interesse para aqueles cientistas – já que estamos falando de um momento em que tais ciências estavam se estruturando. A teoria darwinista tentava explicar a origem do universo, colocando o homem e a natureza num processo de desenvolvimento orientado pela seleção natural, ou seja, os mecanismos biológicos atuando sobre a variação das espécies, mas sua teoria apresentava uma falha ao explicar as mudanças evolutivas. Assim “Darwin propunha que estas seriam graduais e contínuas; o problema é que desconhecia a causa das variações, as ‘leis’ da herança, o que o fez adotar hipóteses como a herança dos caracteres adquiridos” (ARAÚJO, 2001, p. 715) e isto pode explicar, em grande parte, o motivo de o mendelismo ter sido redescoberto em 1900 e altamente divulgado por Hugo De Vries, Carl Correns e Erich Von Tschermak. Estes três pesquisadores – independentemente – atraíram à atenção de diversos cientistas no ocidente e a redescoberta foi determinante para a criação de uma nova área científica, a genética, iniciando uma discussão com o evolucionismo. O principal objeto desta nova ciência, o gene, foi teorizado pela primeira vez em 1909 por Wilhelm Johannsen, que o definiu como o que “expressa somente o fato evidente de que […] muitas características de um organismo são especificadas nos gametas por meio de condições especiais […] de maneira única, separada e, portanto, independentes” (KELLER, 2002, p. 13). Desta maneira, ao adotar o experimentalismo como método científico, a genética colocava em cheque o evolucionismo darwinista que adotava a explanação histórica como a principal forma de se fazer ciência e explicava as mudanças 2 Há vários historiadores da ciência que tratam da formação da genética enquanto disciplina científica. Entre algumas obras relevantes estão Keller (2002), Jacob (1983), Hausmann, (2002) e Mayr (1998). Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp evolutivas de maneira gradual e contínua. A experiência se mostrava muito mais realista e progressista, já que o desenvolvimento da técnica científica havia proporcionado um salto quantitativo nas biociências (ARAÚJO, 2001). A partir dos anos de 1910, o debate perde fôlego e iniciam-se vários grupos de estudos, entre os quais a Escola de Drosophila, na qual se destacou Thomas H. Morgan e seus alunos. Ele introduziu os mapas cromossômicos com os quais se poderiam fazer as proporções de genes e mutações situando estes em cruzamentos de inúmeras gerações da mosca Drosophila melanogaster, bem como de outras espécies. A escola de Morgan comprovou as teorias mendelianas, concluindo que a herança cromossômica também poderia estar ligada aos gametas, a chamada herança sexual, e até os anos de 1930 era o que havia de mais desenvolvido no campo da genética. DOSSIÊ desenvolvimento da genética no Brasil As ciências biológicas no Brasil: dos institutos de pesquisa à Universidade de São Paulo O processo de desenvolvimento e disseminação da genética – bem como de toda ciência ocidental – encontrou-se ligado à “reprodução de instituições (como as academias, observatórios, laboratórios, faculdades de ciências etc)”, que acabaram por fazer a ponte entre o que é produzido pelos cientistas e as demandas sociais (FIGUEIRÔA, 1997, p. 29-30). Ao pensarmos no desenvolvimento das ciências biológicas no Brasil, bem como de outras áreas científicas, notamos que elas são fruto desse processo de expansão da ciência europeia em especial, o que não quer dizer que ela tenha sido uma simples cópia, mas sim uma reelaboração conforme a realidade social brasileira. Assim, no final do século XIX e início do XX, com o desenvolvimento da microbiologia, das novas leis sanitárias e da necessidade de organização de um programa sanitário no Brasil, criam-se, com apoio governamental, instituições de pesquisa (DANTES, 1988) como os institutos Adolfo Lutz (1893), Oswaldo Cruz e Butantã (1899) e Biológico de São Paulo (1927), os quais foram “os primeiros centros de pesquisa de alto nível realizada por equipes de cientistas brasileiros. Foi pela atividade destes institutos que a moderna percepção de pesquisa experimental se introduziu no país” (DANTES, 1979, p. 343). Apesar da importante função que exerceram estes institutos no século XIX e XX, introduzindo no país a “noção do fazer ciência”, havia a necessidade de se contemplar a produção de conhecimento, ampliando o que os institutos já faziam, com o ensino. A esta questão ligava-se a ideia de progresso como aperfeiçoamento humano, a diminuição da desigualdade entre os homens e a evolução técnica da ciência (CONDORCET, 1993). Tal questão poderia ser resolvida, segundo os “idealizadores” da Universidade de São Paulo (USP), com a criação dessa escola (SCHWARTZMANN, 1971), bem como de outras instituições de nível superior, como a Universidade do Distrito Federal – futura Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) –, a Universidade Federal do Paraná e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que passaram um pouco despercebidas, ao menos para os “uspianos”. O Decreto 6283, que criou a USP, publicado no Diário de São Paulo em 26/1/1934, foi enfático ao colocar a função da universidade como agente de desenvolvimento da ciência, Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 21, n. 3, p. 33-41, set/dez 2012 35 DAYANA DE OLIVEIRA FORMIGA formador de técnicos e profissionais científicos e artísticos, e grande divulgador da ciência, realizando uma “obra social de vulgarização” da mesma. Assim declara seu Artigo 2o: São fins da Universidade: 1. Promover, pela pesquisa, o desenvolvimento da sciencia; 2. Transmitir pelo ensino, conhecimentos que enriqueçam ou desenvolvam o espírito, ou sejam uteis a vida; 3. Formar especialistas em todos os ramos da cultura, e techicos e profissionaes de base scientifica ou artística; 4. Realizar a obra social de vulgarização das sciencias, das letras e das artes, por meios de cursos syntheticos, conferencias, palestras, diffusão pelo radio, filmes scientificos e congêneres (sic)3. 36 Apoiada na ideia de progresso, a Universidade de São Paulo foi criada numa tradição acadêmica europeia, na qual sua célula mater era a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), que abrangia três grandes secções: Filosofia, Ciências e Letras. A seção de nosso interesse, a de Ciências, se dividia em várias subseções, entre as quais, o curso de História Natural, no qual foram feitos os primeiros estudos das disciplinas gerais de Geologia e Biologia – no final dos anos de 1950 originaram seus respectivos cursos –, que seriam ensinadas por cientistas e intelectuais estrangeiros, especialmente franceses, alemães e italianos, contratados pelo governo de São Paulo para a missão cultural4. O programa de biologia geral durava dois anos, e entre as diversas matérias que eram estudadas destacamos o mendelismo, hereditariedade e eugenia, herança sexual, evolução, etc, dando uma formação científica clássica na biologia. A genética, porém, era considerada uma área pouco desenvolvida no país, de forma que as pesquisas mais recentes não tinham ainda – por falta de recursos humanos, tecnológicos e de infraestrutura –, como serem aqui executadas. A Fundação Rockefeller e a vinda de Theodosius Dobzhansky ao Brasil: uma nova era na genética brasileira O desenvolvimento de uma área científica como a genética é aqui analisado de forma a compreender o conceito de uma ciência social que enquanto “atividade humana, tateante, com acertos e erros, cuja avaliação depende de princípios éticos, políticos, sociais” (DANTES, 1999, p. 48), pode explicar o caminho que ela tomou na Universidade de São Paulo, constituindo, inclusive, seu núcleo nacional. Assim, antes de a genética tornar-se uma área importante na Universidade de São Paulo, ela foi estudada e difundida, nos anos de 1920 e 1930, pelas escolas agrícolas e médicas (GLICK, 2003), especialmente a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) e Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Nessas escolas se priorizava o aperfeiçoamento de variedades agrícolas. O ensino Diário de São Paulo, Decreto 6283 de Criação da USP/ Art. 2o, em 26/1/1934. Inserido no Anuário da FFCL/USP. Órgão/USP. Data 1934, 1936, 1937/1938. 3 4 Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp era praticamente autodidata e se estudava o evolucionismo darwinista, inclusive discutindo qual seria o papel da genética nessa teoria. O trabalho desses institutos de pesquisa, aliado à criação da Universidade de São Paulo nos anos de 1930, obteve grande êxito na institucionalização da genética, especialmente por um plano de desenvolvimento traçado pela Fundação Rockefeller (FR) – a intervenção dessa fundação norte-americana pôde ser sentida por toda a América Latina, desenvolvendo diversas áreas nas ciências naturais, além de sua intensa participação no controle de doenças tropicais e projetos sanitários no início do século XX. O papel executado pela Rockefeller era, principalmente, o de identificar centros de pesquisa e pesquisadores para conceder os recursos. Apesar, entretanto, de não haver um controle rígido nas pesquisas, havia um controle sutil com relação à área científica escolhida para receber fomento (MARINHO, 2001). A Fundação Rockefeller atuava nos institutos e grupos de pesquisas considerados por ela mais promissores, os quais, apoiados, dariam excelentes resultados. Podemos, assim, entender os motivos que a levaram a investir em São Paulo, “cuja estrutura de poder – político e econômico – mostrava-se, naquelas circunstâncias, capaz de responder mais prontamente às exigências colocadas” (MARINHO, 2001, p. 154). Também é visível sua influência ao exigir a adoção do regime de tempo integral, estruturando, inicialmente, as ciências médicas e biológicas a uma tradição universitária norte-americana – ficando a tradição francesa, ou, em geral, europeia, restrita às humanidades, à química, botânica e outras áreas científicas. A criação da Universidade de São Paulo, bem como a escolha da cidade de São Paulo pela Rockefeller, parece ser justificada pela ideia de progresso, na medida em que a cidade tornara-se um centro econômico, com uma política e sociedade suficientemente forte para possibilitar o desenvolvimento da genética, bem como outras áreas científicas escolhidas pela FR, e capaz, pelos recursos intelectuais, de proporcionar a evolução das técnicas científicas (ROSSI, 2000). Um acontecimento determinante no direcionamento das pesquisas em genética na Universidade de São Paulo foi a recusa do professor André Dreyfus – um dos primeiros concursados catedráticos da área de Ciências Naturais da USP, e que exercia grande influência em seus alunos por suas instigantes aulas – de uma bolsa de estudos para os Estados Unidos concedida pela Fundação Rockefeller e a vinda, da Universidade de Columbia, do famoso evolucionista russo Theodosius Dobzhansky, que também estava ligado à Rockefeller. Dobzhansky havia chegado aos Estados Unidos, em 1927, para estagiar com Thomas H. Morgan, o qual o iniciou as técnicas de cultivo e experimentos com a Drosophila. Seu grande objetivo, porém, era “entender a evolução biológica e, em particular, de como a humanidade se situava neste quadro [W]” (ARAÚJO, 2001, p. 720). Anos depois, Dobzhansky divulgaria sua principal obra, Genetics and the origin of species (1937), livro em que o evolucionista discutiu o papel da mutação, endocruzamento e exocruzamento, e a seleção natural, tornando-se um dos principais teóricos da síntese evolutiva ou teoria sintética da evolução. Em 1943, Dobzhansky fez sua primeira visita ao Brasil já como pesquisador escolhido pela Rockefeller para orientar os estudos de genética em nosso país. Ele deu cursos e introduziu as pesquisas em sistemática e morfologia de Drosophila, direcionadas a estudar Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 21, n. 3, p. 33-41, set/dez 2012 DOSSIÊ desenvolvimento da genética no Brasil 37 DAYANA DE OLIVEIRA FORMIGA 38 como acontecem os processos genéticos em moscas de frutas. Sua vinda também estava ligada ao seu interesse por estudar a variabilidade genética e a microevolução, objetivando a construção de grandes quadros comparativos entre regiões de clima temperado e tropical. A genética de Drosophila acabou por fazer escola por aqui, e os primeiros pesquisadores formados pela USP, como Crodowaldo Pavan, Antônio Brito da Cunha, Luiz Edmundo Magalhães, entre outros, foram iniciados nas áreas mais avançadas da genética nos anos de 1940 – a vinda de Dobzhansky atraiu pesquisadores de vários institutos espalhados pelo país e acabou por tornar a USP um centro de formação nessa área. No mesmo período, o geneticista alemão Gustav Brieger foi convidado para ser pesquisador da ESALQ, em Piracicaba, para trabalhar com genética de populações, e, em Campinas, o também geneticista Arnaldo Kruger iniciava seus estudos em melhoramento genético de plantas no IAC (informação verbal)5. Na década de 1950, o avanço científico alcançado pela genética no Brasil era notável e podia ser explicado pelo apoio de grandes fundações de fomento à pesquisa, especialmente a Fundação Rockefeller, pela grande quantidade de cientistas estrangeiros que trabalhavam na Universidade de São Paulo e outros institutos de pesquisa. Em consequência, muitos grupos de pesquisa brasileiros foram formados e depois migraram para outras universidades, realizando trabalhos de alto nível, como fizeram Francisco Mauro Salzano, no Rio Grande do Sul, e Newton Freire-Maia, em Curitiba (informação verbal)6. O intercâmbio com pesquisadores fora do país era bem maior do que possamos imaginar para o período, e, com isso, surgiu uma reelaboração desses conhecimentos que passou a influenciar o desenvolvimento da genética e até mesmo de outras áreas da ciência brasileira. A reelaboração parece constituir-se como uma característica da atividade científica latino-americana e pode ser entendida no seguinte contexto: hay reelaboración cuando al cabo de un lapso la investigación de la comunidad receptora produce un resultado distinto teóricamente (o técnicamente) de la primitiva asunción y éste es obtenido por vías independientes com respecto a las demás comunidades científicas (SALDAÑA, 1996, p. 34). A reelaboração pode ser exemplificada com a mudança de direcionamento que tomaram alguns pesquisadores saindo do campo de genética de Drosophila para genética humana, sem que houvesse alguma influência externa. Partindo de um problema médico – a questão de casamentos consanguíneos –, e com a ajuda da Sociedade Brasileira de Genética, o país tornou-se um grande centro nesta área de pesquisa (BEIGUELMAN, 1979), além da sistemática e morfologia de Drosophila. A genética nos anos de 1960: os avanços da biologia molecular e o fim do projeto desenvolvimentista da Fundação Rockefeller Entrevista concedida pelo Prof. Dr. Crodowaldo Pavan em 18/02/2004. Entrevista concedida pelo Prof. Dr. Oswaldo Frota Pessoa em 20/03/2005. 5 6 Centro Universitário Adventista de São Paulo - Unasp Na década de 1960, a comunidade estabelecida de geneticistas já havia inovado as pesquisas nas áreas de genética de populações, humana e Drosophila, melhoramento genético de plantas e criado novas técnicas para o estudo da especialidade. Nesse período, o apoio de fundações de amparo à pesquisa seria essencial, uma vez que, após vinte anos de fomento, a Fundação Rockefeller – que concedia bolsas de estudos para a pós-graduação no exterior e apoio à infraestrutura, especialmente para construção de laboratórios –, interrompeu a verba direcionada a genética no Brasil. Assim, se fosse criada uma agência de fomento do Estado seria uma forma de criar uma autonomia financeira para os cientistas (informação verbal)7. Foi exatamente esta a justificativa e uma das finalidades da criação da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), proporcionando, dessa forma, apoio às ciências e aos pesquisadores no Estado. A partir da formação de uma comunidade de geneticistas no Brasil e com o desenvolvimento das técnicas em biologia molecular nos anos de 1970 e 80 – bem como a idealização do Projeto Genoma, nos Estados Unidos, em 1988 –, é que foi possível aos nossos geneticistas acompanhar as pesquisas de ponta, que estão ligadas a equipamentos tecnológicos sofisticados e caros, sendo a USP seu principal palco de ação. A reelaboração científica, no final do século XX e início do XXI, se fez sentir nos projetos “biotecnológicos” brasileiros, como Projeto Genoma FAPESP – que fez, em 2000, o sequenciamento do genoma do fitopatógeno Xyllela fastigiosa, a popular “praga do amarelinho”, causadora do cancro cítrico, que atingia 30% dos laranjais do Estado – e as pesquisas com células-tronco no Núcleo Genoma da USP (TEIXEIRA, 2001). A relação da Fundação Rockefeller com a genética, bem como outras áreas que fizeram parte de seu plano desenvolvimentista, foi finalizada num momento em que ela já era uma área de ponta da ciência no Brasil, não se restringindo mais somente a São Paulo, que já poderia obter recursos com a FAPESP – criada coincidentemente um ano antes de a FR “deixar” o Brasil. O plano de desenvolver a genética foi bem sucedido no sentido de colocar o Brasil numa área de pesquisa de ponta e na medida em que esses cientistas “pioneiros”, que foram contemplados com bolsas de estudos para pós-graduação no exterior, acabaram também por participar da formação das gerações seguintes de pesquisadores que realizaram – e ainda realizam – as pesquisas mais avançadas na genética. Considerações finais Ao tentar discutir, neste artigo, a institucionalização da genética na Universidade de São Paulo – é desnecessário apontar a magnitude alcançada pelo desenvolvimento dessa disciplina científica – considerou-se fundamental relacioná-la com a ideia de progresso, que permanece embutida neste processo. Desde o projeto de criação da USP, o ideal de seus fundadores encontrava-se ligado ao progresso, especialmente, em questões como a diminuição ou extinção da desigualdade entre os homens, a vulgarização da ciência, o uso do conhecimento para melhorar a qualidade de vida dos homens, entre outras. O notável desenvolvimento dessa universidade é inegável, porém o ideal de seus fundadores jamais foi alcançado por completo. Entrevista concedida pelo Prof. Dr. Luis Edmundo Magalhães em 11/02/2004. 7 Acta Científica, Engenheiro Coelho, v. 21, n. 3, p. 33-41, set/dez 2012 DOSSIÊ desenvolvimento da genética no Brasil 39 DAYANA DE OLIVEIRA FORMIGA A ideia de progresso torna-se mais expressiva quando observamos a institucionalização da genética, principalmente com o plano de desenvolvimento traçado pela Fundação Rockefeller. Ela fez do nosso país uma potência nessa ciência, se apoiando na ideia de progresso como evolução das técnicas científicas e, ao mesmo tempo, patrocinando Theodosius Dobzhansky – um evolucionista que também parecia acreditar no progresso, especialmente, de sua ciência. Este cientista, por sua vez, criou uma escola altamente especializada e que, posteriormente, formou geneticistas ao longo de setenta anos. A genética molecular desenvolvida nos anos de 1970 e 80 significou o auge – assim como os contemporâneos projetos genomas e outros – da evolução das técnicas científicas e, portanto, da ideia de progresso dentro das ciências da vida, que, aliás, parece estar com a mesma força e utopias na atualidade. Enfim, é intrínseca a relação entre a criação da Universidade de São Paulo, a institucionalização da genética e a Fundação Rockefeller, juntamente com a ideia de progresso que parece perpassar todas estas instituições e a própria ciência. A questão que permanece é quando, enfim, a utopia da igualdade entre os homens vai tornar-se uma realidade. Referências ARAÚJO, A. M. O salto qualitativo em Theodosius Dobzhansky: unindo as tradições naturalista e experimentalista. História, Ciências, Saúde, Manguinhos, v. 8, n. 3, set-dez, 2001. 40 BEIGUELMAN, B. A genética humana no Brasil. In: FERRI, M; MOTOYAMA, S. (Orgs.) História das Ciências no Brasil. São Paulo: EPU/Edusp, 1979, v.2. 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