Escalas, limites e reflexões sobre a interdisciplinaridade Resumo

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Escalas, limites e reflexões sobre a interdisciplinaridade
Resumo expandido
O artigo tem como tema uma reflexão, feita através de uma breve
retomada da evolução epistemológica de duas ciências nascidas no mesmo
período, e que, por esse motivo, guardam muitas semelhanças em suas
abordagens metodológicas. Por meio de revisão bibliográfica epistemológica,
vimos que tanto a Geografia como a Ecologia, quando comparadas nesse
texto, mostram dificuldade em aplicar as ferramentas de análise positivistas,
sobretudo com relação às questões tão complexas que se apresentam hoje no
campo científico, questionando até os limites disciplinares.
Escala, por exemplo, é, por definição, um conceito muito caro à
Geografia, desde o nascimento dessa disciplina, no final do século XIX. Neste
sentido, é válido tanto o conceito ferramental de análise empírica (escala
numérica), como o conceito de escalas de poder (nacional, supra-nacional,
global) por exemplo, utilizado pela Geografia Política. O conceito também a
ajudou a desenvolver ferramentas de análise do seu objeto de estudo, o
espaço geográfico, estabelecendo níveis hierárquicos, assim como à Ecologia.
Outra semelhança pode ser apontada, constituindo, na realidade, um
desafio metodológico a ambas as ciências, posto justamente pela herança
positivista: a definição dos limites entre os níveis escalares. Onde terminam as
propriedades da região e começam as do território? Ou, como se delimita o
exato domínio de um ecossistema? Os limites são então buscados através de
padrões e processos, ou seja, da repetição de alguma organização não
aleatória e recorrente, dada uma distribuição espacial e temporal. Segundo
princípios dedutivos ou indutivos de observação, uma vez que não se pode
reproduzir ou transportar uma região ou um ecossistema para um laboratório, o
geógrafo ou o ecólogo, finalmente, estabelecem o limite. É o método, portanto,
de análise das possibilidades, que irá estabelecer o “verdadeiro“ limite.
As abordagens, entretanto, frutos de diferentes escolas e visões de
mundo, muitas vezes, desenham esses limites, tanto na Geografia quanto na
Ecologia, evidenciando o alto grau de intencionalidade presente na pesquisas
acadêmicas, de modo geral. Contudo, são essas pesquisas, justamente, que
irão embasar as decisões políticas e, inclusive, o arcabouço jurídico, relativo à
mediação cotidiana dos conflitos de interesse colocados pelas sociedades. As
políticas voltadas para a conservação e o uso dos recursos naturais, por
exemplo, são pautadas em informações de pesquisas acadêmicas baseadas
em determinados parâmetros, que não são necessariamente os melhores e
nem os únicos. A determinação dos limites de uma área de proteção ambiental
fortemente calcada no levantamento do número de espécies, por exemplo,
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pode ser utilizada como um indicador de biodiversidade desse local, quando,
ao mesmo tempo, nada é revelado sobre as interações que animam esses
táxons.
Há, porém, um terceiro princípio comum às duas disciplinas e também
parte do legado cartesiano das ciências modernas, que gostaríamos de
destacar: o princípio do distanciamento com relação ao objeto de estudo, em
nome da neutralidade da análise. Na aurora da modernidade, o homem se
liberta, enfim, de sua condição natural, comungada por todas as outras
espécies, podendo até mesmo analisar a natureza à distância, graças ao
método científico. No caso da Geografia e da Ecologia, por exemplo, a
natureza se torna um objeto de estudo, seja pelas suas diferentes
manifestações na paisagem do planeta, tornando-se cenário para as
construções humanas, ou pelas relações entre os seres vivos de um mesmo
habitat. A irrevogável crença no progresso, através da ciência, parecia fazer
cumprir um verdadeiro destino manifesto da humanidade em subjugar a
natureza, que desde o surgimento da espécie humana o aprisionou.
Enfim, separados pela razão, homem e natureza, ou cultura e natureza,
podem ser analisados com as ferramentas específicas de cada campo do
saber, com o rigor do método. No entanto, a falsa neutralidade dessa ciência
positivista acaba se manifestando, de maneira improvável, exatamente por
causa da identidade entre o pensamento científico e o raciocínio dedutivo
postulado pelo método, resultando no determinismo, tanto biológico como
geográfico.
O determinismo, em si, não deve ser considerado um equívoco
metodológico, pois a noção de causa e efeito, que acompanha a humanidade
durante todo o seu desenvolvimento técnico, tem sim um fundamento. Para
ciências como a Física, por exemplo, o determinismo é um princípio teóricometodológico essencial para as pesquisas, assim como para algumas áreas da
Ecologia. Ecólogos sabem que climas tropicais oferecem melhores condições
para o desenvolvimento de ecossistemas mais biodiversos, por exemplo.
O risco do determinismo é utilizar a ciência para vestir determinadas
crenças com uma capa de verdade científica. A crença de que os povos das
regiões de clima tropical são indolentes porque o clima proporciona abundância
em alimento é um claro exemplo desse raciocínio, muito útil aos colonizadores
europeus.
Homem, produto do meio. Essa é a máxima de muitas teorias
deterministas desenvolvidas nas ciências humanas, incluindo a Geografia,
durante o século XIX, sobretudo depois da publicação da teoria evolucionista
de Charles Darwin. Não são raras as pesquisas desse período que comparam
comunidades e regiões a organismos, ou que tentam encontrar leis que
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expliquem a relação entre solo e cultura. Mas, se o grande avanço da ciência
moderna foi justamente separar homem e natureza, como explicar essa
inversão de papéis, onde a natureza determina a cultura?
A realidade é que o método objetivo da ciência moderna nos permite
perceber que, a exemplo das propriedades emergentes de um sistema, que
surgem a cada nível hierárquico de organização, há determinadas
propriedades do todo que não podem ser reduzidas a soma das propriedades
das partes. Em outras palavras, quando aumentamos a escala de abrangência
dos processos, vemos que a simples equação da soma natureza + sociedade
não dá conta da complexidade dos desafios que a ciência enfrenta hoje.
Talvez, então, nós cientistas, não devêssemos nos preocupar tanto com a
definição de limites, sobretudo, disciplinares.
Referências bibliográficas
FERRY, L. (2009) A Nova Ordem Ecológica - a árvore, o animal e o homem,
Difel, Rio de Janeiro.
GOMES, P. C. da COSTA (2000) Geografia e Modernidade, Bertrand Brasil,
Rio de Janeiro.
LOMOLINO, M. V. & BROWN, J. H. (2006) Biogeografia, Funpec Editora,
Ribeirão Preto.
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