1 CLIMATOLOGIA DO REGIME PLUVIOMÉTRICO NA BACIA DO RIO DOCE AUTORES: Fulvio Cupolillo 1 Magda Luzimar de Abreu 2 Frederico do Valle Ferreira de Castro 3 RESUMO No presente trabalho foi analisado o padrão de distribuição espacial e temporal das chuvas na Bacia do Rio Doce. Foram calculadas as medias de precipitação para os períodos chuvoso (outubro a março) e seco (abril a setembro), sendo utilizados dados diários de pluviosidade (em 52 postos) pertencentes à Agência Nacional das Águas (ANA), abrangendo um período de 30 anos (1973 a 2002). O volume e a complexidade do conjunto de dados analisados para gerar essas informações, requereram a aplicação de métodos estatísticos, técnicas de cruzamento e a superposição de informações. O Programa Computacional de Sistema de Informação geográfica ArcView 9.0, desenvolvido pelo Environmental Systems Research Institute (ESRI) foi utilizado para a geoespacialização dos dados pluviométricos. Após várias tentativas de interpolação, observou-se que o método que melhor representa as chuvas espacialmente, na Bacia do Rio Doce, é o Inverso do Quadrado da Distância (IDW). A análise resultou em produtos cartográficos expressando o comportamento climatológico das chuvas. Espera-se que o conhecimento de mecanismos físicos de interação entre os fatores mencionados possa servir de subsídio para melhorar a previsão de curto e meio prazo, de tais fenômenos. Os resultados indicaram que o regime pluviométrico da Bacia do Rio Doce, apresenta das maiores cotas pluviométricas para as menores, padrão de comportamento de oeste – leste. Os postos pluviométricos localizados no Norte e Leste da bacia do Rio Doce apresentam, predominantemente, menores cotas de pluviometria do que os postos localizados ao Sul e Oeste da bacia. ABSTRACT In the current paper we analyzed the pattern of special and time distribution of rain in the "Rio Doce" basin. We calculated the rain average for rainy periods (October to march) e dry periods ( april to September), using daily rain data which belonged to National Water Agency (Agência Nacional das Águas - ANA). The data covered a period of 30years. The volume and complexity of the analyzed data which generated the information required the application of statistic methods, interpolation and overlaying of information. ArcView 9.0, the geographic information system software, was used to spatialize rain data. After several attempts to interpolate data the results showed that the best method to represent rain spatially is the IDW. As a result, cartographic products which were obtained through a PC are available, which made possible the analysis of climatological behavior of rain. We hope that the awareness of physical interaction mechanisms among the mentioned factors can be useful to improve short and medium time forecast of occurrence of such phenomena.The results obtained in this research showed that the rain system of the "Rio Doce" basin, from the biggest to the smallest rain share, is characterized for presenting sensible west – east sense; the rain points in the north and east of the basin show, mainly, the smallest share of rain. On the other side, the rain points in the south and west of the basin present the biggest share of rain. 1 [email protected], (31) 3291-1466. [email protected], (31) 34996233. 3 [email protected], (31) 3277-5176. Correspondência: Profa. Magda Luzimar de Abreu - Departamento de Geografia - IGC/UFMG. Av. Antônio Carlos 6627 – Pampulha – Belo Horizonte – MG. CEP:31270-901 2 2 PALAVRAS-CHAVE: CLIMATOLOGIA PLUVIOMÉTRICA – SISTEMAS FRONTAIS – IDW 1. INTRODUÇÃO Segundo Lage et alii. (2005), o Doce é um rio interestadual, com 875 Km, tendo sua nascente na Serra da Mantiqueira no município de Ressaquinha - MG, a 1.200 metros de altitude do nível do mar, apresentando clima tropical de altitude com três subtipos: verões frios nas altas elevações, brandos nas altitudes médias e quentes nas áreas menos elevadas. Seus principais formadores são: Xopotó, Piranga e Carmo. Recebe o nome de Rio Doce no encontro dos Rios Carmo com Piranga, abaixo da cidade de Ponte Nova – MG, e sua foz se localiza no município de Regência -ES. Ele constitui a Bacia Hidrográfica do Rio Doce, com uma área de drenagem de 83.400 Km2, sendo 86% em Minas Gerais e 14 % no estado do Espírito Santo (figura 1). Os principais limites geográficos da bacia são: ao norte as Serras Negra e dos Aimorés; a oeste a Serra do Espinhaço; a sudoeste e ao sul a Serra da Mantiqueira; a sudeste: a Serra do Caparaó; a leste o Oceano Atlântico. Figura 1: : Localização da Bacia do Rio Doce e das estações pluviométricas utilizadas neste trabalho. Fonte de Dados: ANA Strauch (1954), já observava que, não fosse a presença do padrão do relevo, teríamos para toda bacia do rio Doce um clima quente, úmido e com estação seca que corresponde ao inverno. As temperaturas do mês mais frio, inferiores a 18 ºC não ocorrem abaixo de 250-300 metros, a não ser excepcionalmente. As penetrações de ar frio do sul são dificultadas pela disposição do relevo. O limite médio de altitude para essa temperatura é de 300 metros aproximadamente para a margem 3 direita, e se eleva gradativamente para NW, pela margem esquerda. Chove em geral, relativamente pouco nesses fundos de vale – em torno de 1.000 – 1.200 mm – o que, aliado a temperaturas elevadas, dá um forte valor de evaporação. Nos planaltos do Espírito Santo e de seus limites com Minas Gerais, ao sul do rio Doce, ainda se observa a influência da umidade litorânea e, mais escassamente, a penetração de ar frio do sul. Por outro lado, as regiões do maciço do Caparaó, no limite Minas – Espírito Santo, e a zona do Caraça, ao norte de Ouro Preto, são áreas que favorecem a condensação da umidade litorânea, em razão do frio, acima de 1.700 metros de altitude. Esse efeito se associa ao caráter das chuvas de convecção durante os meses do verão, destacando esta área como uma região de alto acúmulo de precipitação. Do ponto de vista da dinâmica atmosférica, o regime climático da Bacia do Rio Doce tem características de larga escala semelhantes aos sistemas de escoamento atmosférico que atuam no Estado de Minas Gerais. A grande quantidade de energia solar que atinge a região durante todo o ano, origina um inverno ameno. A proximidade com a costa brasileira resulta em umidade disponível no ar tanto no inverno quanto no verão. Porém no inverno, a atuação da circulação antihorária e subsidente do Anticiclone Subtropical do Atlântico Sul – ASAS e a presença da Massa Polar Atlântica – MPA faz com que a região experimente um inverno seco, apesar da atuação da Frente Polar Atlântica – FPA ao longo do litoral sudeste brasileiro. No verão, por outro lado, o efeito da circulação oceânica é minimizado pela ação das instabilidades tropicais (correntes de oeste provenientes da Massa Equatorial Continental - MEC) conjuntamente com os sistemas frontais (FPA) que estacionam no centro e sudeste do país, podendo originar a Zona de Convergência do Atlântico Sul – ZCAS (Climanálise Especial, 1996 e, Abreu, 1998). Este padrão atmosférico origina um regime pluvial com uma estação chuvosa de outubro a março e uma seca de abril a setembro. A diversidade climática ao longo da bacia é influenciada pela interação entre os fenômenos de larga escala e os fatores geográficos. O presente trabalho objetiva compreender a espacialização da climatologia pluviométrica da região. 2. METODOLOGIA O presente trabalho utilizou para calcular, a média climatológica da precipitação para os períodos chuvoso (outubro a março) e seco (abril a setembro), dados diários de pluviosidade (em 52 postos), da Agência Nacional de Águas – ANA, consistidos, abrangendo as porções de Minas Gerais e Espírito Santo da Bacia do Rio Doce. Os dados foram agrupados em planilhas contendo médias decendiais, tranformando-os em planilhas com dados decendiais, em Minas Gerais e no Espírito Santo. Para a manipulação dos dados, foram utilizados recursos computacionais disponíveis no Instituto de Geociências da UFMG, 4 Departamento de Geografia da Universidade Federal de Minas Gerais como os programas computacionais Statistical Pocked Social Science (SPSS) versão 11.0, Excel e ArcInfo versão 9.0 em ambiente windows. Comparou-se o método de interpolação da Krigeagem com o método Inverso do Quadrado das Distâncias (Inverse Distance Weighted – IDW). A diferença básica entre os métodos é a maneira como os pesos são atribuídos às diferentes amostras. Segundo Camargo etii al. (2004), no caso de interpolação linear simples, os pesos são todos iguais a 1/N (N = número de amostras); na interpolação baseada no inverso da medida do quadrado da distância que separa o valor interpolado dos valores observados. Na Krigeagem o procedimento é semelhante ao de interpolação por média móvel ponderada, exceto que nesse método os pesos são determinados com base no semivariograma experimental. Após análise e comparação, obteve-se o resultado de que o melhor método para interpolar os dados climatológicos foi o Inverso do Quadrado das Distâncias, resultados também obtidos por Coelho (2006) e Minuzzi (2003). Utilizou-se arquivos shape (vetorial) contendo as Unidades de Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos de Minas Gerais e Hidrografia –UPGRHs, variando de DO1 a DO7, disponibilizados pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas/IGAM e a porção espacial da bacia hidrográfica do rio Doce referente ao Espírito Santo, disponibilizado pela Agência Nacional de Águas/ANA; todos arquivos com sistema de coordenadas geográficas e South American Datum 1969/SAD69. Sobre o mapa da bacia do rio Doce, compreendendo uma área de 71.690Km2 em Minas Gerais e 11.290Km2, num total de 82.980Km2, foram plotados os valores médios de pluviosidade, de cada um dos trinta e seis decêndios para as estações pluviométricas, separadamente. 2.1. Critério adotado para período chuvoso (DPC) e período seco (DPS) Para calcular a precipitação média sazonal da chuva, foi computado o somatório da freqüência de ocorrência da variável pluviosidade para a série dos 36 decêndios das estações chuvosa e seca, dividido pelo período de anos correspondente a cada um dos 52 postos pluviométricos da ANA, tal que: nd ∑ di Pm = i =1 N em que: Pm = Precipitação média sazonal DPC e DPS por ano nd = número de decêndios DPC e DPS di = acumulado de chuvas DPC e DPS (1) 5 nd ∑ di = somatório das precipitações acumuladas por decêndio, DPC e DPS i =1 N = número de anos de dados para cada local Importante salientar, que o terceiro decêndio de fevereiro é composto de 8 dias em anos normais e 9 dias em ano bissexto. 3. RESULTADOS Foram gerados 36 mapas decendiais da média de chuvas. A estação chuvosa (outubro a março), apresentou valores pluviométricos entre 70,1mm a 120 mm, nos setores sudoeste, oeste e noroeste desde o decêndio 32º ao 3º, correspondendo aos meses de novembro a janeiro, enquanto o centronorte, centro-sul e o leste apresentaram valores, variando de 10,1mm a 70 mm, desde o decêndio 28º ao 31º . A estação seca, de abril a setembro, destacou os setores sudoeste, oeste e leste que apresentaram valores pluviométricos entre 20,1mm a 50 mm, referentes aos decêndios 10º, 15º e 27º (abril, maio e setembro), enquanto o centro-norte e centro-sul apresentaram valores,inferiores, entre 0,1mm a 20 mm nos decêndios 11º e 26º, (abril e setembro). O setor leste da Bacia, devido à influência oceânica, apresenta os maiores valores de pluviosidade em todos os decêndios. Deve-se salientar que, no período de outubro a março, as maiores médias pluviométricas anuais, estão representadas pelo maior intervalo de classe, com valores mais elevados, variando entre 40,1 mm a 120 mm, nos setores: norte, noroeste, oeste, sudoeste e sul. Outro aspecto importante, relaciona-se ao setor sudoeste da bacia, no qual as chuvas passam por fases de transição, coincidindo com a entrada de sistemas frontais na região a partir dos 1º, 2º e 3º decêndios de setembro (figuras 2a, 2b e 2c). Quanto à localização da média de chuvas em áreas isoladas distribuídas pela bacia, elas coincidem com aquelas que apresentam altitudes mais elevadas, demonstrando com isso uma influência maior da topografia nestas áreas. Importante salientar, que em plena estação chuvosa na mudança dos meses de janeiro para fevereiro (figuras 3a e 3b), observa-se uma brusca redução na média pluviométrica, ou seja, o intervalo de 41,1 a 120 mm altera-se para 20,1 a 70,0 mm. Tal fato confirma os resultados de Cupolillo (1997) e os de Lage et alli (2005), o primeiro demonstrando a alta freqüência média de veranico nos decêndios de fevereiro em todo Estado de Minas Gerais e o segundo, baseando-se em dados das normais climatológicas de 1961-1990 para as estações climatológicas do INMET situadas na bacia do Rio Doce, temporalmente demonstrando a forte redução das chuvas no mês de fevereiro. 6 (a) (b) (c) Figura 2: Média de precipitação na Bacia do Rio Doce para os decêndios 1º(a), 2º (b) e 3º (c) de setembro. Fonte de Dados: ANA (a) (b) Figura 3: Média de precipitação na Bacia do Rio Doce para os decêndios 3º de janeiro (a) e 1º de fevereiro (b). Fonte de Dados: ANA 4. COMENTÁRIOS FINAIS O regime pluviométrico, das maiores cotas pluviométricas para as menores, caracteriza-se por apresentar sentido oeste - leste. Os postos pluviométricos localizados no Norte e Leste, apresentam, predominantemente, menores cotas de pluviometria, enquanto os do Sul e Oeste as maiores cotas. O início da estação chuvosa passa por fases de transição, que coincidem com a entrada de sistemas frontais na região. Tal fato contribui para que a estação chuvosa inicie-se no 1º decêndio de setembro (figura 2a) no setor sudoeste enquanto o restante da bacia ainda está na estação seca, atinja os setores oeste e norte no 2º decêndio de setembro (figura 2b), e alcance toda bacia no 3º 7 decêndio de setembro (figura 2c). Quanto à localização predominante dos valores maiores de pluviosidade nos setores noroeste, oeste e sudoeste coincidem com as áreas que apresentam altitudes mais elevadas, demonstrando com isso, mais uma vez, a forte influência orográfica nestas áreas. Todos os decêndios do mês de fevereiro sofrem brusca diminuição das chuvas. A estação chuvosa tem início mais provável no 1º decêndio de setembro, (figura 2c), na porção sudoeste e leste da bacia e o seu término entre o 2º e 3º decêndio do mês de abril. A estação seca tem início mais provável no 1º decêndio de maio e o seu término no 2º decêndio de setembro. AGRADECIMENTOS: A ANA pelos dados. À UEMG e FAPEMIG pelo financiamento da bolsa de doutorado da primeira autora. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, M.L., A Estação Chuvosa de Minas Gerais: A Zona de Convergência do Atlântico Sul. III Simpósio Brasileiro de Climatologia Geográfica, Salvador-BA, 1998. CLIMANÁLISE ESPECIAL. Cachoeira Paulista, Edição comemorativa de 10 anos, 1996. COELHO, C. W. G. A, Estudo da variabilidade espacial das chuvas em Belo Horizonte a partir da expansão da rede pluviométrica: Uma análise qualitativa. Dissertação de Mestrado, Departamento de Geografia, Instituto de Geociências,UFMG, Belo Horizonte – MG, julho de 2006. CUPOLILLO, Fulvio. Períodos de estiagem durante a estação chuvosa no estado de Minas Gerais: Espacialização e aspectos dinâmicos relacionados. Tese de Mestrado, Departamento de Engenharia Agrícola, UFV, Viçosa – MG, dezembro de 1997. LAGE, M.R., CUPOLILLO, F., ABREU, M.L., Aspectos Climáticos da Bacia do Rio Doce. XI Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada. São Paulo – SP, 2005. MINUZZI, ROSANDRO B. A influência dos fenômenos El Niño e La Niña nos veranicos do estado de Minas Gerais. Tese de Mestrado, Departamento de Engenharia Agrícola, UFV, Viçosa – MG, julho de 2003. STRAUCH, N (ORG); A Bacia do Rio Doce: Estudo Geográfico. IBGE. Rio de Janeiro, RJ: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia Estatística, 1955, 199 p.