política colonial portuguesa - Revistas das Universidades Lusíada

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POLÍTICA COLONIAL PORTUGUESA
1870-1955
João Castro Fern andes
[email protected]
POLÍTICA CO LONIAL PORTUG UESA - 1870-1955
João Castro Fernandes·
Resumo: É objectivo deste artigo analisar, de forma sucinta, a política colonial portuguesa, enlre 1870 e 1955, com particular incidência no período em que
pontificaram no ministério dos Negócios Estrangeiros e da Marinha e Ultramar
João de Andrade Corvo, Barbosa du Bocage e António Encs, e que se caracterizou
por alguma tensão e conflitualidade no âmbito das relações luso-britânicas, no
último quartel do século XIX.
São igualmente focadas as linhas de força da politica colonial do Estado Novo
e a defesa intransigente por parte de Salazar dos terri tórios ultramarinos portugueses da Ásia e da África, quando particularmente confrontado com u ma conjuntura internacional que legitima uma nova política - o não-alinhamento - saída da
Conferência de Bandung, de Abril de 1955.
O governo português é então alvo de uma estratégia de confronto por parte
dos países afro-asiáticos, baseada na poHtica de auto-determi nação dos povos e
que beneficia do agravamento das relações entre os Estados Unidos e a União
Soviética nos primeiros anos da Guerra Fria.
Abstract: This article focuses, briefly, the Portuguese colonial policy, betwecn
1870 and 1955 in particular lhe role playcd by the ministers João de Andrade Corvo,
Barbosa du Bocage and Antón io Enes, at the Foreign and Co lonial Office. This
pcriod unfolds under lhe sign of tcnsions between Portugal and Crcat Britain concerning the future of Portugal's presence in Africa during the last quarter of the XL.X
century.
The guidclines of "Estado Novo" colonial policy are also focused, along with
Salaza r's determination to defend Portugal's African and Asian colon ies against
mounting nationalism and against a new policy - non-alignment - which arose
during the 1950's and 1960's, Ihat emerged from Bandullg Conference (Apri l 1955).
Afro-Asian policies were consciousl)' orientated lowards a confrontation with
Portuguese government as a strategy based on self-determination. The rela• Doutorando em Relações Internacionais na Universidade Lusí..da de Lisboa.
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foiio CIIStro Femlllllles
tionship between the above-mentioned countries and Portugal was aggravated by
the politicaI and ideological struggle bctween USSR and United States.
Palavras-chave: Portugal; Política colonial; Reino Unido.
Key-words: Portugal; Colonial policy; U.K.
o presente texto é baseado numa palestra proferida no Instituto de Estudos
Superiores Militares, no âmbito do Curso de Estudos Africanos - Sir/te Building e
Operações de Paz, e com o tema "A Política Colonial Portuguesa, da Conferência de Berlim à Conferência de Bandung".
Dizia um autor antigo que uma boa política externa é literalmente a melhor
defesa de um Estado. Mas, acrescentamos nós, para que a defesa de um pequeno
Estado seja eficaz e possa ser mantida a paz, a independência nacional e a
prosperidade económica é necessário estabelecer um conceito estratégico nacional e definir alianças.
Desde o séc. XIV que Portugal procurou na Inglaterra esse mesmo aliado,
tendo em conta a posição e a configuração geográfica, a harmonia de interesses, as relações entre civilizações comuns e a analogia de princípios e tendências, afinal aquilo que unia os dois estados marítimos.
Constituiu-se assim uma parceria política e económica, que permitiu que
a Coroa de Portugal apostasse nu ma expansão fora da Península Ibérica e que
o colocasse fora do alcance das tentativas hegemónicas da Espanha, começando-se a desenhar um conceito estratégico nacional alicerçado no nosso atlanticismo e consumado num conjunto de descobertas que nos levou a três continentes e a constituir-nos como um dos impérios descontínuos mais poderosos
e antigos do mundo.
O Estado português continuou, ao longo dos séculos, a procurar na Crã-Bretanha o apoio necessário à manutenção da estrutu ra do império, que valorizava do ponto de vista estratégico a cotação de Portugal quer no concerto
das nações em geral quer no seio da própria aliança, tendo em conta a localização e a riqueza potencial de alguns dos seus territórios estrategicamente situados nas rotas marítimas mais importantes do mundo, mas evidentemente desproporcionados para a capacidade do País, sobretudo em termos de recursos
humanos.
Até à década de 70 do séc. XIX Portugal manteve uma postura determinada
mas irrealista, no que se referia à não rentabilização, não ocupação efectiva e
não modernização dos territórios africanos. E essa postura, sancionada pelas
razões históricas de prioridade de descoberta e de ocupação ainda que descontínua, era suportada pela não contestação desses territórios por parte das
outras potências europeias, argumento importante tendo em conta que vivíamos num mundo eurocêntrico.
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A falta de uma acção política conclusiva em matéria de negócios estrangeiros ou coloniais tornava o país refém da política da sua velha aliada nessas
matérias, independentemente dos avanços ou dos recuos evidenciados desde
Londres.
Mas a partir do período das unificações e da segunda fase da revolução
industrial as potências já antes referidas iniciam um processo de disputa pelos
mercados coloniais, essencia is - segundo a concepção geopolítica de Mahan para alcançarem um estatuto de potências mundiais. 1
É neste cenário preocupante para Portugal que surge com contributos
notáveis para a "redenção" do sistema político João de Andrade Corvo. Botânico, agrónomo e professor, mem bro do Partido Regenerador, embaixador de
Portugal em Madrid entre 1866 e 1869, viria a assinar as mais incisivas análises políticas ao Estado em que se encontrava O País e proporia como solução os
mais ousados desafios em matéria de política interna e de política externa,
fruto de uma enorme sensibilidade e de uma capacidade invulgar de previsão
política às quais juntava características próprias de diplomata e de estadista.
Analisando a realidade de Portugal e a motivação para reagir, face aos
desafios vindouros escreve Andrade Corvo, em 1869, no seu livro Perigos2:
"Olhemos afoitamente para as coisas, e não procuremos enganar-nos com
falsas aparências, porque o engano nos pode ser fatal. É grave a situação de
Portugal. São grandes as dificuldades que embaraçam a vida política da nação.
Confusão e incoerência nos princípios; grande desordem Il<JS finanç<Js; enfraquecime nto deplorável da autoridade, dentro dos limites da constituição e
das leis; falta de confiança na vitalidade do país, e nas suas faculdade s políticas e económicas; um desalento inj usti fi cável, atrás do qual se esconde um
perigoso indiferentismo; a violência a mais exagerada nas lutas dos partidos,
sem que lhe corresponda nem o vigor das conv icções nem a ousadia dos cometimentos; tendência funesta a rebaixar tudo e todos; paixões em vez de crenças; preconceitos em vez de ideias; negações em vez de afirmações, tanto no
domínio dos princípios como no dos factos; desconfianças em vez de esperanças e falta de fé na liberdade, são causas de desorganização e ruína para uma
nação, por maior que seja o seu poder, por mais gloriosas que sejam as suas
tradições".
Impunha-se então uma radical mudança de atitude, dado que o país tinha
gente e fo rça moral para reagir. Propunha Andrade Corvo duas soluções correctivas para a política interna e para a política externa. Relativamente à pri-
I SI'WUT, Margaret "Mahan: EvangeJist of Sea Power"in Earle, Edward Mead (Org)
Makers of Mod('rn Strlltegy, Princeton University Press, Princeton, 1943, pgs. 415-445 _
2 CORVO, João Andrade, Perigos, Lisboa, Tipographya Universal, 1870, pgs. 111/112.
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João Castro Fefllamfes
meira sublinhava a organização das finanças; a liberdade política e económica; a criação generalizada de emprego; a criação de uma rede alargada de
ensino popular; a moralização da imprensa, para que esta defendesse a imagem do País em vez de o denegrir externamente; o reforço das forças policiais e
finalmente estreitar as nossas relações internacionais baseando-as na política
de alianças.
Quanto à política externa Andrade Corvo faz um exercício de teoria das
relações internacionais ao qual junta oportunas considerações de Geopolítica,
antecipando em alguns anos dados posteriormente tratados por Mahan,
Mackinder ou Spykman. Segundo ele tudo assentava na importância das alianças e no carácter geográfico de cada Estado:
"Cada nação tem os seus naturais aliados. Hoje, mais do que nunca,
é preciso que se firmem as alianças e estreite a amizade entre as nações,
que têm princípios, tradições ou interesses em comum: A posição geográfica, a harmonia de interesses, as relações de raça, a analogia de princípios e de tendências determinam, mais ou menos, as alianças. Pesando todas estas circunstâncias, os pequenos Estados - mantendo boas e cordiais
relações com todas as nações e afastando de si todas as causas que possam originar conflitos - devem estreitar aquelas alianças que melhor lhes
assegurem a existência, a paz, a independ ência e a prosperidade. É nas
relações comerciais, nas liberdades económicas, e nas simpatias políticas
e intelectuais, que se devem basear principalmente essas alianças, cujo
fim não pode ser outro senão manter a paz e a independência dos Estados, e que da paz e das suas fecundíss imas leis devem tirar a sua força
[ .. . J São estas considerações as que devem dirigi r a política de Portugal
nas suas relações com as potências estrangeiras. Com uma população
considerável, muito superior a quatro milhõcs de habitantes; situado no
extremo ocidente da Europa; banhado pelo oceano e possuindo um dos
primeiros portos do mundo; tendo ilhas admiravelmente dispostas no
caminho das duas Américas, do norte e do sul; senhor de vastíssimas
colónias na América ocidenta l e oriental, na índia, na China e na Oceânia,
Portugal pode e deve considerar-se um Estado dos mais importantes
entre as potências de segunda ordem. Para manter a sua posição, melhorar as suas condições económicas e políticas, e aumentar a sua importância e influência, Portugal, além de bom governo, boa política e boa administração, precisa de boas alianças 3 ."
Andrade Corvo não se fi cava só pela teoria, e apontava em concreto as
linhas mestras do posicionamento estratégico e diplomático de Portugal, priJ
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CORVO, João Andrade, Perigos, op.dt, pgs.156/158.
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vilegiando as relações com a Espanha, tendo em conta as fronteiras e o passado
histórico comum, a Inglaterra pela aliança que traduz os importantes e valiosos interesses que unem as duas nações, apesa r de reconhecer que Portugal
tem razões de queixa relativamente aos direitos e aos legítimos interesses do
país que a Inglaterra, mais do que uma vez, não tinha respeitado. Confirma va
ainda a validade e o interesse político-estratégico da relação com a República
do Transvaal, tendo em conta que a prosperidade e o engrandecimento daquela
república dependia da situação estratégica do porto de Lourenço Marqu es e
que a cidade não podia existir econom icamente sem as ligações que mantinha
com os boers desde a independência daquele estado da África Merid ional.
Finalmente Andrade Corvo chamava à colação um outro país, de importância crescente no sistema político internacional e cuja posição geográfica
acrescida de outros factores geopolíticos a tornavam fundamenta l para Portugal, os Estados Unid os da América. As considerações tecidas pelo político português são tão extraordinárias no tempo, que antecipariam e m 10, 30 e 70 anos
respectivamente as cons id erações geopolítica s de autores como Mahan,
Mackinder e Spykman relativamente às relações transatlânticas e à própria
formação da NATO, em 1949.
Vale a pena reproduzir o pensamento de And rade Corvo sobre a matéria:
" ... chamada pelos seus vastos interesses come rciais a unir-se cada
vez mais com o antigo mundo, impelida pela sua própria grandeza a
entrar no largo movimento da civilização e da vida política dos Estados
europeus, a república dos Estados Unidos precisa ter, seguro e franco, o
acesso à Europa. A posição geográfica de Portugal, com as ilhas dos Açores situadas no caminho da América, está mostrando que é ele o Estado
da Europa, cujas relações mais proveitosas podem ser à república americana.
Portugal é para a América do Norte a fro ntei ra da Europa, como
para a Grã-Bretanha é a Bélgica a fron teira do continente. Assegurados e
garantidos, em todo o ponto e em todo o caso, direitos de neutralidade a
Portugal e às suas possessões, os Estados Unidos teriam à Europa acesso
seguro e constante, com manifesta utilidade dessa grande nação e nossa".4
Com estas conside rações notáveis, reunidas numa obra que passava claramente por ser uma futura linha de rumo para a política externa portuguesa,
só faltava ao estado materializar a vontade de mudança convidando Andrade
Corvo a ocupar cargos de maior responsabilidade política, nomeadamente no
governo, e partilhand o-as com outros homens notáveis que tal como ele
comungavam das mesmas preocupações relativamente ao mundo em geral e à
África portuguesa e m particular.
4
CoRvo, João de Andrade, Perigos, op.cil, pg. 158.
Lusiada. PolitIca Intemllcionlll e Segurança,
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Joiio Castro Femmules
Foi, diria, sem surpresa que entre 1871 e 1886 Andrade Corvo e José
Vicente Barbosa du Bocage5 - também ele filiado no Pa rtido Regenerador e um
apaixonado pelas questões africanas, com grande sensibilidade diplomáticaforam convidados para ministros da Marinha e Ultramar e dos Negócios
Estrangeiros, em ministérios diferentes, mas cuja capacidade de análise os
levava a ter entendido bem as lições dum passado recente e qual o rumo das
Relações Internacionais, e que por isso tentaram definir uma política externa
que suprisse as tais vulnerabilidades com mais valias decorrentes da sua posição geográfica e das suas possessões ultramarinas.
Andrade Corvo iniciou então a sua experiência governativa à frente da
diplomacia portuguesa em Outubro de 1871, sendo que em 1872 acumularia
com a pasta da Marinha e Ultramar, dado que as duas políticas se passariam a
plasmar numa só face aos desafios que eram colocados a Portugal6•
Defendendo uma política diplomática, já previamente enunciada, concertada com as nações vizinhas dos territórios ultramarinos, que passava pela
resolução de conflitos pontuais, Andrade Corvo conseguiu durante quase uma
década, levar o Transvaal e a Grã- Bretanha - sobretudo esta - a valorizar o
estatuto colonial de Portugal e a celebrar acordos pontuais que, pela sua importância, beneficiavam do ponto de vista económico o desenvolvimento das colónias de África e da Ásia, com a criação de infra-estruturas ferroviárias e portuárias, nomeadamente em Goa e em Lourenço Marques, ficando de fora desta
"Política Tripolar" - porque englobava também o reconhecimento do Zaire - o
sucesso no reconhecimento da sobera nia portuguesa aos territórios do norte
de Angola entre os paralelos 511_1211 e 8!1, nas duas margens do Zaire, por falta
de vontade política da Grã-Bretanha, e que iria influenciar anos mais tarde a
decisão de Barbosa du Bocage em sugerir a realização de uma conferência
internacional sobre a África Centro-Austral.
Mas O sucesso da sua política externa estaria sempre intimamente ligado
a novas linhas de força para a política colonial, e nessa óptica Andrade Corvo
traçou cinco gr<lndes prioridades:
Atenuar o pesado sistema fiscal ultramarino, modernizando-o;
Controlar regul<lrmente as populações do ponto de vista político-administr<ltivo (Política de contemporização);
- Ocupar efectivamente os territórios;
5 José Vicente Barbosa du Bocage era fo rmado em Medicina, exerceu clínica e dedicou-se depois à Zoologia. Il1teressildo nas questões africanas, a sua sensibilidade política
leva-o a Ministro da Marinha e Ultramar e aos Negócios Estrangeiros entre 1883 e 1886, e
posteriormente num mandato de 8 meses em 1890/91.
6 SANTOS, Manuel Pinto dos, Monarquia Constitucional. Organização e Relações do Poder
Governamental com a Cfimara dos Dep1ltados.I834- I91O, Ed. Assembleia da República, Lisboa,
1986, pg. 98.
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- Estender os benefícios da civi li zação a África, através do comércio, da
indústria e do reforço do papel das Missões;
Liberalizar o comércio com as outras nações.
Pou cos anos depois, numa fa se ainda mais agressiva pela conquista dos
mercados coloniais, Barbosa du Bocage, Ministro da Marinha e Ultramar e
posteriormente dos Negócios Estrangeiros, foi confrontado com alguns retrocessos diplomáticos da parte da Inglaterra relativamente ao Za ire? E perante
a possibilidade real de perder parte dos territórios ultramarinos sugeriu a
realização de uma conferência internacional sobre questões africanas, ideia
posteriormente aproveitada por Bismarck, e que viria a realizar-se em Berlim,
entre Novembro de 1884 e Fevereiro de 1885. Os objectivos dessa conferência
seriam os de retirar alguma capacidade de intervenção à Ingla terra nas questões africanas e ganhar espaço de manobra para ad iar a inevitável perda de
pri vilégios nas zonas mais cobiçadas dos territórios reclamados pelos portugueses. Estava em marcha uma "escola de política externa" em Portugal.
A Conferência de Berlim viria a institucionalizar o peso específico e a
capacidade de penetração das grandes potências europeias, inviabilizando
definitivamente a tese dos direitos históricos de posse e ocupação e fazendo
aprovar no seu Acto Geral, nos artigos 34 e 35, o conceito de ocupação efectiva
para as costas do continente africa no. Portugal ainda pôde obter a quase totalidade dos territórios por si reclamados na margem esquerda d o Zaire e
garantir a sua presença num enclave na margem direita, tudo isto negociado à
margem da Conferência de Berlim e com a mediação francesa. 8
Como consequência das decisões saídas da Conferência - e que alteravam
profundamente a política colonial portuguesa segu ida até então - e na con tinuação da linha política traçada por Andrade Corvo, Barbosa du Bocage desenhou um ambicioso, mas bem estruturado plano estratégico de ligação de
Angola a Moçambique que visava manter a integridade da maioria dos territórios portugueses, sendo que naturalmente Portugal estaria aberto a cedencias razoáveis no cam po territorial. 9
Este plano, que apostava no reforço da ocupação efectiva, da modernização, da afirmação da soberania, na definição de fronteiras no interior do continente e no recurso ao investimento estrangeiro viria a ser conhecido por plano
7 l....4VRAOIO, Marquês do, Par/ugal tm ÁfriCQ depois dt185]. Ed. Agência Geral d as Col6nias, Lisboa, 1936, pgs. 243 a 250.
8 C~ET"'NO, Marcelo, Por/ugal e a IlIterllacioTlalização dos Problemas Africanos; Ed. Ática,
Lisboa, 1972, pg. 113.
9 Lo80, Costa, O Conselheiro José LI/ciano de Cas/ro t o 2° Período Cons/ituciol/al Montirquico. Ed. Gráfica de Coimbra, Coimbra, 1941, pgs. 141 a 145.
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JOIio Cn$lro ft rnnndes
do mapa cor-de-rosa. Contudo, a pressão internacional exercida sobre a Inglaterra e consequentemente desta sobre Portugal para definição de esferas de
influência e ocupação de territórios, e a incapacidade governativa do Partid o
Progressista em Portugal para negociar contrapa rtidas ao projecto, levou a
Grã-Bretanha a "impor" um ultimato a Portugal, aproveitando um Governo
em Lisboa cuja política externa não pri vilegiava, como no passado, a possibilidade de um reforço da aliança baseado numa sábia política de cedências cirúrgicas.
O País viu-se assim amputado do núcleo principal que constituía o projecto de Bocage e foi levado a negociar em condições desfavoráveis, em 1890 e
1891, um tratado que delimitava as fronteiras de Angola e Moçambique, mesmo
assim atenuadas pelos esforços dispend idos por Barbosa du Bocage, de novo à
frente da diplomacia portuguesa e por António Ennes, Ministro da Marinha e
Ultrama r, que puderam evitar males maiores decorrentes da situação criada
com a não-ratificação do Tratado luso-britânico de 20 de Agosto de ] 890, sendo
que a vontade britânica tinha um enorme peso no desfecho da questão. Ainda
assim, as fronteiras fica ram estabelecidas quase como hoje as conhecemos, e
que ainda assim colocavam Portuga l como uma das maiores potências colonia is.10
António Ennes, filiado no Partido Progressista, jornalista e deputado às
Cortes, era tal como Andrade Corvo e Barbosa du Bocage um político extraordinariamente preocupado com as questões africanas. Tal co mo os outros dois,
esteve na fundação da Sociedade de Geografia de Lisboa, em 1875, instituição
vocacionada para as questões africanas e que teria naqueles três ministros um
apoio e um envolvimento nas questões de estado extremamente acentuado,
para não dizer crucial, na fase mais aguda do período de contestação à presença de Portugal em África.
Em 2] de Junho de 1887, foi apresentada à Câmara dos Deputados a proposta de ratificação do aco rdo luso-germânico, de 30 de Dezembro de 1886.
Como relator do relatório que apoiaria O Tratado, Ennes nunca se deixou envolver por um mesqui nho sentimento partidário e tal como os políticos atrás
citados defendia que os territórios considerados na nossa esfera de influência
constituíam como que um fundo de reserva para negociações com as potências
competidoras, pelo que a perda de territórios sacrificados ao tratado não lhe
repu gnava inteiramente.
António Ennes entend ia ser preferível ver reduzidos os seus domínios,
contra uma delimitação efectiva e incontestada, às desproporcionadas terras
reclamadas, até em relação ás reais capacidades do país. Ao defender o relatório da sua autoria proclamava combater sempre " ... as paixões partidárias,
10 VlU-IENA, Júlio, Antes dn Repúblicll; Vol. I (1874-1907), Ed.
bra, 1916, pgs. 239-240.
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França e Arménio,
Coim-
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obliteradoras da consciência dos políticos"ll. Depois de ter sido Ministro da
Ma rinha e Ultramar, no mesmo Gabinete supra partidário com Barbosa du
Bocage, e terem defendido os interesses de Portugal na assinatu ra do tratado
de 11 de Junho de 1891. Ennes é nomeado Comissário Régio em Moçambique,
entre 1891 e 1893. Neste período elabora um notável relatório sobre as condições daquela Província Ultrama rina e, na senda de Andrade Corvo e Barbosa
du Bocage, volta a apontar as vulnerabilidades do Estado português e as soluções já anteriormente propostas no que toca ao investimento estra ngeiro, às
quais juntava a necessidade imperiosa de combater e dom ina r o Gungunhana,
Senhor do império dos Vátua, o verdadeiro óbice ao controle de Portugal sobre
Moçambique e à concreti zação da ocupação efectiva, bem como da reorganização do exército português nas colónias, cuja organização deveria assumir um
comando militar integrado l2 .
Este seu relatório motivou novo convite para Comissário Régio em Moçambique, entre 1894 e 1895, de fo rma a aplicar as soluções anteriormente propostas, face ao clima de insurreição e de instabilidade criado por alguns régulos
moçambicanos devidamente instigados pela British South AfriCl1 Company, gerida
por Cecil Rhodes.
A política de ocupação efectiva viria a ser concretizada a partir de 1891
com a constituição de Companhias Majestáticas, que se substituíram ao Estado
Português num papel para o qual o Estado não tinha capacidade para protagoniza r e pela acção política e militar coordenada por António Ennes. Parcia lmente coroado de sucesso, o plano de An tónio Ennes só 40 anos mais tarde
pode recolher os melhores frutos.
Ainda no final do século ver-se-ia Portugal envolvido numa estratégia
d iplomática britânica que visava o afastamento da Alemanha de áreas sensíveis para o controlo da rota do Cabo e da África do Sul, numa altura em que o
Kaiser Guilherme II tudo fazia pa ra prejudicar a estabilidade do império britâ·
nico. Essa estratégia traduzir-se-ia num projecto de partilha das colónias portuguesas entre alemães e ingleses, em 1898, a partir da concessão hipotética de
um empréstimo, e que foi posteriormente inviabilizado por um acordo secreto
luso-britânico, assinado em Londres em 1899, proporcionando a Portugal O
reforço da aliança, denundando Lisboa o tratado luso transvaaliano de 1875,
que tinha assegurado o apoio de Portugal ao desenvolvimento dos Boers na
África Oriental e a criação de uma zona de segurança .
11 ENNES, An tónio, O HUl timotum visto por A Il t6llio files" ,c/estudo biográfico por
F. A Oliveira Martins, Lisboa, Ed. Parceria A. M Pereira, 1946, PS. XXXVllL Sobre este
assunto ver ai nda Portugal em Crise - da Agollia da MOIrarquia d Implantação da República.
COlrtribl,tos vários. Ed. Fronteira do Caos, Lisboa 2006, pgs. 145 a 193.
12 ENNES, António, Moçllnrbique - Rtllltório apresentado 110 Cavemo, Ed. Imprensa Nacional, Lisboa 1971, pg. 21.
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Joiro Castro Ftrnnlldes
Entretanto com o adven to da república, em 1910, o País viveu uma situa~
ção complicada. Se por um lado o regime republicano foi reconhecido por par~
te da comunidade internacional, nomeadamente pelas repúblicas centro e sul
americanas, que tradicionalmente se opunham ao modelo colonial europeu,
por outro sofreu a oposição da maioria das nações europeias. Nessa situação, o
Governo provisório e aqueles que lhe seguiram até 1912, preocuparam~se mais
em garantir o triunfo da revolução do que com os territórios ultramarinos e a
sua modernização. 13
Em 1911 circulavam rumores duma possível invasão da Espanha a Por~
tugal - e consequente tomada das possessões ultramarinas como compensação
dum património territorial perdido na guerra hispano~americana de 1898 - e
essa invasão, defendida em alguns círculos mui to próximos da corte espanhola
terão esbarrado na intransigência britânica l4 . Não só os investidores britãn i~
cos que detinham 70% do capital estrangeiro em Moçambique não o queriam
perder, como a partir de 1912, Sir Edward Crey, ministro inglês dos Negócios
Estrangeiros, ressuscitará a estratégia diplomática britânica de 1898, tentando
evitar o prosseguimento do plano naval alemão e uma escalada conflitual que
poderia conduzir a uma guerra.
Mais uma vez um acordo de partilha das colónias africanas de Portugal
esteve em cima da mesa, agora com o argumento - quase verdadeiro - que o
governo de Lisboa tinha deixado ao abandono as suas colónias, e cujo exemplo
mais flagrante era a nomeação de cinco governadores gerais para Angola e
sete para Moçambique no espaço de três anos.
Já em 1914, a política externa portuguesa focaUzou-se na participação
militar do país no teatro de operações da primeira guerra mlmdial. Esta política,
tão contestada pelos ingleses, visava modificar a imagem do regime perante O
conjunto das nações europeias e tentava, a partir dum com promisso estabele~
cido ao abrigo da aliança, salvaguardar as possessões ultramarinas que poderiam vir a ser utilizadas par uma paz de compromisso en tre alemães e ing !e~
ses com vista a um armistício ls.
As consequências do envolvimento na guerra resultaram em graves per~
turbações políticas e socia is, que afectaram a cred ibilidad e e a ex istência do
regime, levando à Revolução Nacional de 1926, à ditadura militar até 1932 e à
criação do Estado Novo.
13 VINCENT.SMITH, John, As RelaçÕt!s Políticas Luso-Britânicas 1910·1916, Ed. Livros Horilonte, Lisboa, 1975, pg. 53.
14 GOMEZ, Hipólito de La Torre, CO/1spiração conlra PortllgaI191O-1912, Ed. Livros Horizonte, Lisboa, 1978, pg. 166.
15 V1NCENT.SMITH, John, As Relaçães ... ob.cit. pg. 53.
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pp.
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Durante O período em que o Dr. Sa lazar foi Ministro das Finanças promulgou-se o Acto Colonial, pelo Dec. 18570 de 8 de Julho de 1930. Este documento
regulava e clarificava a posição do Estado perante o Ultramar e perm itia pôr
fim a um período considerável de tempo em que as finanças desses territórios
bem como a sua organização e reforma estiveram com prometidosl 6.
Salazar considerava fundamental equilibrar o Orçamento do Estado,
equilibrando as receitas correntes com as despesas corren tes, nomeadamente
as que se relacionavam com África. Com estas medidas foram retirados poderes aos Governadores-Gerais, reca indo a responsabilidade no Ministro das
Colón ias, o qual respondia pela aprovação dos orçamentos anuais 17 .
O Acto Colonial abria urna nova fase, bastante mais centra lizado ra, provocada por uma conjuntura exte rna que preocupava e não se definia e uma
conjuntura interna que começava a definir-se e a preocupar menos.
Dura nte um período de, sensivelmente, cinco anos observou-se nos
territórios ultramarinos portugueses uma melhoria considerável, quer a nível
financeiro quer mesmo a nível técnico. Esta modernização e rentabilização das
colónias aumentava a credibil idade das reformas do Presidente do Conselho e
do espaço imperial português, num momento em que alguns artigos na imprensa internacional e alguns relatórios estrangei ros colocavam as colónias
portuguesas na lista de aquisições da Alemanha, e sugeriam que as mesmas
pudessem funcionar como compensações da Grã-Bretanha ao Reich, evitando
que este se alargasse dentro do continente europeu l8.
Apesar dos prontos desmentidos quer do governo português, quer de responsáveis políticos britânicos o que é facto é qllC Neville Chamberlain, 1~ ministro desde 1937, feroz adepto do apaziguamento, tentou fazer aprovar no
seio do seu governo um projecto de compensações territoriais no qual estavam
incluídos os territórios de Angola e Moçambique l9.
Este projecto, apoiado técnica e politicamente por pareceres elaborados
pelo Colonial Office e pelo Foreigll Office, mereceu a recusa imediata do Cha nceler
alemão Adolf Hitler, contudo este projecto tinha já provocado "danos colaterais" tendo em conta que a total discordância manifestada pelo Ministro dos
Negócios Estrangeiros Anthony Eden provocou o seu afastamen t020.
16 CAETANO, Marrelo, Constituições Portuguesas Ed. Verbo, 6' edição, Lisboa, 1986, pg. 106.
Fernando, e ou tros; "O Estado Novo (1926-1974)", em MArroso, José(org)
História de Portugal, vol. VII, Ed. Circulo de Leitores, Lisboa, ]994, pgs. 284-290.
18 FERNANDES, João Paulo Santos de Castro, O Ultramar Português 110 Apazigll11l11tmto
Illlenmcioml/, em " Revista Estratégia u, Vol. XIV; Ed. Instituto Português da Conjuntura Estralégica, Coord. Adriano Moreira e Pinto Ramalho, Lisboa 2003, pgs. 169/300, pg. 268.
19 FERNANDES, João Pa u lo Santos de Castro, O Ultramar PortugI1ÊS ... ob.cit, pg. 258.
17 ROSAS,
20
Idelll.
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141
]ono Castro Fernandes
Salazar, que estava minimamente ao corrente da situação através de inside
informatiol! proveniente do Foreign Office, através de alguns jornalistas ingleses,
exerceu fortes pressões junto do Primeiro-ministro inglês para que este desmentisse formalmente qualquer envolvimento dos territórios portugueses2J •
Tendo em conta o fracasso do projecto, Chamberlain acabou por "descansar" o Dr. Salazar, garantindo a presença duma missão militar britânica em
Portugal com vista ao reforço da aliança e da cooperação técnica entre os dois
países. Ainda nesse ano de 1938 o Rei Jorge VI convidaria O Presidente da
República portuguesa, Marechal Óscar Carmona, a visitar as possessões britânicas da África do Su l. No regresso dessa viagem o Presidente da República
português, em total consonância com o seu Presidente do Conselho e com a sua
política, reafirmou o carácter uno e indivisível do território português na sua
pluricontinentalidade e multirracialidade22 .
Entretanto inicia-se a 21 Guerra Mundial na qual Portugal e Espanha se
mantiveram neutrais. Após o início do conflito, em 12 de Agosto de 1941,
Churchill e Roosevelt assinam a chamada Carta do Atlântico, embrião da futura
Carta das Nações Unidas. O ponto 3 desta Carta veio reforçar as desconfianças
e as dúvidas de Salazar relativamente ao comportamento dos norte-americanos, tendo em conta que consagrava o respeito pelo direito de todos os povos a
escolher a sua forma de governo, sobretudo aqueles que tinham sido despojados desse direito pela força. O Presidente do Conselho considerava este facto
uma ameaça ao império ultramarino português, desconfiança que veio a ser
confirmada pelas posições públicas de alguns senadores e do próprio Presidente l~oosevelt que advogavam a possibilidade de os Açores e de Cabo Verde
serem ocupados pelos norte-americanos, impedindo assim a sua invasão pelas
tropas de Hitler.
Contudo, o desenrolar da guerra levou o presidente americano a alterar o
seu discurso e a justificar-se perante Salazar, garantindo a integridade do território pluricontinental português, ao assinar um acordo com Portugal em
1944, que previa a concessão de facilidades aos americanos na ilha de Santa
Maria e na Terceira, em troca do empenhamento norte-americano na libertação de Timor, então ocupado pelo Japão. Este acordo de 1944 tinha sido precedido por um outro acordo, assinado com a Grã- Bretanha em 1943 e subscrito
pela Austrália e União Sul-Africana, envolvendo igualmente a concessão de
facilidades nos Açores.
Ao aproximar-se o final do confl ito Salazar percebeu muito claramente
que os Estados Unidos da América emergiam do conflito como os verdadeiros
21 idem, pg. 269.
22 Ministério dos Negócios Estrangeiros, Dez Anos de Politica Extenla (1936-1947)
A Nação Portuguesa e fi Segunda Guerra Mundial, Ed. Imprensa Nacional, Lisboa, 1961 e ss.,
XV Vols. VoU!. Doe. 719 - de Salazar ii Monteiro, 25/5/1939, pgs. 368/370.
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Política Colonial Portuguesa - 1870-1955, pp. 129-148
defensores do mundo livre, os representantes do bloco ocidental e como potência marítima hegemónica, substituindo-se à C rã-Bretanha. Por outro lado, os
objectivos ame ricanos estendiam-se já para o pós-guerra, equacionando a
defesa do hemisfério ocidental e a rápida recuperação económica da Europa
como forma de travar o expansionismo comunista.
Neste enquadramento Salazar jogou muito da sobrevivência do império
ultramarino nos acordos prévios que viria a assinar com o governo norte-americano sucessivamente em 1946 e 1949 e no âmbito da NATO em 1951,
para a cedência da Base das Lajes na Ilha Terceira, isto é, Portugal assum ia um
papel de bastião estra tégico na luta contra o comunismo. O fim da 21 Guerra
traz-nos portanto uma nova leitura estratégica da defesa nacional. O problema da segu rança do país, onde as colónias estavam naturalmente incluídas,
estava directa mente ligado à ameaça que a URSS representava.
Quando o Presidente Truman expõe o essencial da sua doutrina, num
discurso pronunciado em Março de 1947, inicia-se uma nova ordem mundial:
a Guerra Fria, no entendimento de muitos, ou a 3' Cuerra Mundial, como a
designam alguns geopolíticos. O sistema, caracterizado por um confronto
ideológico e bélico à mais larga escala, supôs da parte dos EUA a adopção
definitiva da teoria da contenção, inspirada por Kennan e claramente baseada
na tese de Spykman sobre o valor estratégico do Rimland e na necessidade de se
constituir um sistema de alianças integrado e dirigido contra a URSS.
Segundo a referida "Doutrina Tmman", os EUA dever-se-iam empenhar
na construção de uma ordem de mocrática e numa ajuda económica à Europa,
de forma a const ruir uma barreira eficaz contra o comunismo soviético. Esta
doutrina permitia ao governo português pensar que O seu regime e respectivo
império colonial contribuiriam para a contenção do comunismo como peça-chave.
E de facto, quando em 1948 se começou a desenhar a possibilidade de se
construir um pacto político-militar que defendesse o mundo do comunismo
sob a égide dos EUA, Salazar podia, de alguma forma, respirar de alívio.
A iniciativa americana ia ao encontro da tese geopolítica corrigida de Mackinder que, em 1943, defende a criação de um sistema de alianças na região do
Midland Ocean (Oceano Atlântico) que pudesse contrariar a superioridade da
potência que liderasse o Heartland e encaixava-se perfeitamente nas preocupações do governo português quanto à defesa da integ ridade do império ultramarino no pós-guerra 23 .
Apesar de tudo Salazar colocou algumas reservas ao texto final do Tratado
do Atlântico-Norte, nomeadamente pedindo esclarecimentos sobre a situação
2J MACKJNDEII:, Halford J. - Thc round world and lhe winning of lhe pcace. Fortign
A/fa;rs. ISSN 0015-7120. 21:4 (lu\. 1943) pgs. 595-605.
Lusíada. Politica Internacional e Segurança, nO 1 (2008)
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Joifo
Cllstro Fernandes
das colónias em face do Tratado e das garantias dadas à integridade territorial
dos países aderentes. Não podemos esquecer que nesta fase já a fnglaterra
tinha concedido a independência à Índia e ao Paquistão.
Contudo, os governos de Londres e Washington remeteram as dúvidas de
Salazar para o art 2 4 que falava na consulta entre as potências signatárias no
caso de alguma delas ou as suas possessões serem alvo de alguma ameaça .
De alguma forma não hav ia vontade política em ir mais longe nesta fase, e o
Pacto do Atlântico-Norte acabaria por ser fo rmalmente assinado em Abril de
1949 com a participação de Portugal como membro fundador. Mas os pmblemas não demorariam a surgir.
No ano seguinte, em 27 de Fevereiro de 1950, o Embaixador da União
Indiana em Lisboa apresentou ao Ministro dos Negócios Estrangeiros português um memorando, reivindicando formalmente a soberania indiana sobre
Goa, Damão e Diu, propondo a abertura de negociações entre ambas as partes.
Mas o ministro dos Negócios Estrangeiros, Caeiro da Mata, sintonizado com
Salazar, respondeu ao diplomata ind iano que o governo português não discutia ou negociava com governos estrangeiros questões de soberania dos seus
territórios.
Começava a defi nir-se a estratégia de Nehru relativa mente à associação
de alguns estados asiáticos que defendiam a criação de um bloco que liderasse
um movimento internacional de contestação à presença das potências europeias na Ásia e na África c para o qu al a conferência de Bandung daria, em
Abril de 1955, um passo significativ024 .
Relativamente a Portugal a primeira consequênci a foi o corte de relações
diplomáticas entre os dois países. Com a entrada de Portugal pa ra a ONU iria
intensificar-se a pressão sobre o governo português e aumentaria o cerco ao
império ultramarino, tal como o designava a revisão constitucional de 1951.
Neste particular, a decisão de Salazar foi inabalável: Portugal não abandonaria o Ultramar. A resistência portuguesa, fa ce às suas responsabilidades,
pela segurança das populações e peta preservação dos seus bens, era justificada como um imperativo de justiça e de legítima defesa. O caminho continuaria
a ser uma linha de integração num Estado unitário, formado por províncias
dispersas e constituído por raças diferentes.
Mas a presença de Portuga l em territórios nomeadamente africanos constituía, como sabemos, um entrave para a construção de zonas de influência
que pennitissem assegurar posições vantajosas na luta entre as superpotências. A solução era eliminar essa presença e Sa lazar tinha perfeita consciência
do que estava em jogo:
24 GAROA, Francisco Proença; Aurilise Global de Uma Guerra - Moçambique 1964-J974,
!:id. Prefácio, Lisboa, 2003, pg. 59.
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Politica Colonial Portuguesa - 1870-1955, pp. 129-148
- Em primeiro lugar o princípio das nacionalidades ocidentais não tem
para lelo com o anti-colonialismo pois nos territórios onde se reclamava a independência baseada naquele pressuposto e onde se mantinham
as fronte iras desde finais do séc. XIX não existia correspondência ao
conceito de nação ocidental. A elite africana ociden talizada procurou
importá-los e aplicá-los nos seus territórios de origem, mas as questões
rácicas e ideológicas sobrepuseram-se ao sentimento comuni tário nacional;
Em segundo lugar a política de descolonização inscrita na Carta da
ONU teve a definição que foi imposta pelas duas super potências mas
não foi aplicada naquela parte do mundo que não pertencesse à zona de
esfera de influência de cada uma, como por exemplo o Alaska, o I-Iawai
e as zonas da URSS;
Em terceiro lugar os povos afro-asiáticos procuraram organ iza r-se
num movimento de carácter universal, mas tal como a história viria a
demonstrar esse movimento seria claramente dominado pela URSS, ta l
como Staline tinha mani festado expressa mente. Como estavam enredados num sistema onde o que pontificava não eram os princípios morais ou de soberani a mas sim a d isputa pelos mercados, as posições
estratégicas e o acesso às matérias-primas, só mais tarde entenderam
que tinham sido conduzidos claramente nessa direcção. Exemplo claro
disto foi o apoio concedido pela China e pela URSS ao pan-africanismo
e a legitimação da luta subversiva como método de contestar o colonialismo.
A este respeito é perfeitamente lapida r o comentário de Jean Lacouture,
célebre jornalista francês do Le Monde a respeito do papel dos países afro-asiá·
ticos nas estratégias dirimidas entre as grandes potências na ONU, nomeadamente durante o desenrolar dos trabalhos da 15' Sessão da Assembleia Geral
das Nações Unidas, em Nova Iorque: " II est juste que les états faibles disposent, à I'egal des autres, d'une tribune et d' un recours public que puissent faire
entcndre leu r voix ceux dont ni la production d'ader ni la situa tion stratégique
n'in téressent Ics grands ... il est pourtant dangereux pou r les valeurs de culture
d'ordre et d'équ ité que la révend ication des droits soit confondue avcc la soif de
revanche, la propagandc avec l'histoire ct la coofiance en I'avenir avec la présomption"25
~
ZoRG818E, Charles; Us Re/ations
International~,
Ed. P UF, 3""'" Edition, Paris, 1983,
pg. 161.
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1040 Castro Ft:rna"des
É inserido neste quadro conceptual que, no rescaldo da Conferência de
Bandung, Salazar exprimiu num artigo no Foreign Affairs as premissas da posição portuguesa sobre a teoria da auto-determinação e da independência dos
povos, para a África e a Ásia, em geral, e dos territórios da Índia Portuguesa
em particular26 :
"Apart from the fou r or tive independent states which are to be found in
Africa, and apart from the Mediterranean seaboard of that continent where
the re is a movement to hasten the process of evolution toward a system of
autonomous governments or associated independent states, it may be said
that Africa lives and must continue for an unforeseeable time to live under the
control and guidance of a civilized state. Notwithstanding the politicai experiments which Britain has recently promoted in limited areas, the major sections of Africa consist of territories which depend on European states and lack
the conditions necessary for existence as independent, democratic nations."
E precisando melhor a sua doutrina afirmava, no ano seguinte aos microfones da então Emissora Nacional: " Um dos ventos que dominantemente
sopra no Mundo é o do anticolonialismo. Ele recusa a algumas potências o
direito de administrar e civilizar territórios não limítrofes e vai até negar os
próprios benefícios da acção colonizadora. O sovietismo tem a sua posição
tomada no problema por motivos que se ligam à estratégia da revolução
comunista ou à expansão do império russo. Mas o movimento concilia o apoio
de muitos outros a ele ligados pela invocação de razões históricas ou pela
influência de vagas ideologias. Estes últimos deviam considerar se, em vez de
libertações generosas, não estão nalguns casos a promover a penetração de
influências que buscam exactamente a linha de menor resistência das independências frágeis r... ] Quanto a nós, o caminho segu ido define-se por uma linha
de integração num Estado unitário, formado de províncias dispersas e constituído de raças diferentes. Trata-se, se bem interp reto a nossa história, de uma
tendência secular, alimentada por uma forma peculiar de convivência como os
povos de outras raças e cores que descobrimos e a que levámos, com a nossa
organização administrativa, a cultura e a religião comuns aos portugueses, os
mesmos meios de acesso à civilização "27.
Apesar de ter mantido publicamente até ao fim do seu governo uma posição obstinada (mas coerente) relativamente à política de Portugal pa ra os ter·
ritórios do Ultramar - contrariando aliás os "ventos da História" - e tendo a
consciência que os apoios à presença de Portugal em África e na Ásia iriam
26 S.... L.... UR, Oliveira - Goa Imd the I"dian U"io"." lhe porI1l811t:5e view. Foreign Affairs.
ISSN 0015-7120. 34:3 (Apr. 1956) pgs. 418-431
27 SALAZAR, Oliveira, - Discursos e lIotas políticas, v- 195I-1958, Ed. Coimbra Editora,
Coimbra, 1959, pgs. 415-444.
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Politica Colonial Portuguesa - 1870-1955, pp. 129-148
escassear à medida que a Guerra Fria aumentasse de intensidade, Salazar acabaria por confidenciar a um dos seus ministros:
" Temos de ir para a independência, mas sem ser com prazos, sim,
quando os africanos estiverem prontos para se governar, pois quando nós
sairmos vai ser a luta inter-tribal e o derramamento de sangue ."28
A solução política encontrada para os territórios Ultramarinos de África
e de Timor, imposta pelo MFA após a revolu ção de 25 de Abril, em especia l em
Angola, viria em parte a dar razão a Salazar29 . É no entanto incontornável que
face aos desenvolvimentos da política internacional, nas décadas de 50 e 60, a
política do Estado Novo estava votada ao fracasso.
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