diálogo entre teístas e ateus na perspectiva de andré comte

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DIÁLOGO ENTRE TEÍSTAS E ATEUS NA
PERSPECTIVA DE ANDRÉ COMTE-SPONVILLE
João Robson Cabral*
RESUMO: Este artigo tem o objetivo de examinar um possível diálogo entre teístas e ateus,
no mundo contemporâneo, partindo da possibilidade de um „humanismo sem Deus‟, que será,
sem dúvida, o ponto convergente entre essas duas formas de pensamento. Parece evidente que
o Pensamento Moderno não conseguiu responder às questões essenciais da humanidade. Por
outro lado, observa-se, na atualidade, um verdadeiro renascimento das formas religiosas que
estruturaram o pensamento humano, ao longo da história. Deste modo, o discurso religioso é
algo que não pode ser simplesmente ignorado, a despeito de a Modernidade ter pensado que
ele seria extirpado. Daí a necessidade de um diálogo sincero e imparcial entre ateus e teístas,
levando em consideração a mera realidade humana. Para desenvolver esta pesquisa, tomou-se
como fonte principal a obra “O Espírito do Ateísmo” do francês André Comte-Sponville, que
servirá de base fundamental e estrutural ao desenvolvimento do artigo. Além desta obra
central, outras fontes foram levadas em consideração, para facilitar e reforçar a argumentação,
ao longo do trabalho.
PALAVRAS-CHAVES: Sponville. Ateu. Diálogo. Religião. Deus.
This article aims to examine a possible dialogue between theists and atheists, in
contemporary wolrd, beginning from the possibility of an “humanism without God”, that will
be, no doubt, the bull´s eye between these two forms of thought. It seems evident that the
Modern Thought couldn´t answer the essential questions of mankind. On the other hand, we
can see, nowadays, a truly rebirth of religious forms which organized the human thought,
throughout history. Thus, the religious speech is something that can´t be simply ignored in
despite of the Modernity had thought it would be torn apart. So the need of a sincere and
impartial dialogue between theists and atheists, taking in consideration the mere human
reality. To develop this research, we got the literary work “O Espírito do Ateísmo”, from
André Comte-Sponville as the main source of our work, which will be our main fundamental
and structural basis of argument to develop our article. Besides this central literary work,
other sources were taken in considerantion as well, to favour and reinforce the reasoning,
along the work.
KEY-WORDS: Sponville. Atheist. Dialogue. Religion. God.
* Especialista em Filosofia da Religião (UVA). Bacharel em Teologia (FCF) e Licenciado em Filosofia
(UVA). E-mail: [email protected]
ISSN: 2447-8806
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INTRODUÇÃO
A discussão sobre religião tem sido acentuada nos últimos anos, a partir de meados do
século XX, depois da 2ª Guerra Mundial. O mundo estava um caos, as pessoas desiludidas,
sem esperança, sem perspectiva. Em que acreditar? Em que apoiar as forças restantes? É
possível crer, ter ideais, expectativas depois de Auschwitz e da bomba atômica? Como
poderíamos elaborar um sentido para a existência? Desta maneira, o discurso religioso volta à
tona, pois o pensamento moderno, com os ideais românticos ou de emancipação, geraram
decepções e frustrações. Agora o mundo se volta para o discurso religioso. Se a técnica, a
ciência, o discurso racional não respondem às angústias do homem, eis que então se
estabelece o ponto central acerca do sentido do religioso.
O artigo aponta o humanismo como o espírito que facilitará a convivência entre
religiosos e irreligiosos numa proposta ética que passa pelos valores, visando o bem da
humanidade. Assim sendo, deve-se atentar para o fato de que a perspectiva humanística é a
tônica deste trabalho. Por este viés, Sponville apresenta uma espiritualidade, isto é, uma
essência necessária na discussão filosófica e teológica entre ateus e religiosos.
Atualmente se sabe que a ciência e a filosofia parecem não responder mais às
inquietações da humanidade. Uns se apoiam na ciência, outros na filosofia e muitos
experimentam o retorno da religião. No entanto, todos se fecham em seus dogmas sejam eles
científicos, filosóficos ou religiosos. Todos apresentam seus fundamentalismos, cada um
procurando defender seu credo e gerando sectários. Desta maneira, percebe-se outra
necessidade: a do diálogo entre as partes que defendem interesses diferentes. O homem
religioso não está com a verdade, assim como o cientista ou o filósofo também não deve estar
convencido de que encontrou a verdade absoluta.
Diante deste turbilhão de ideias racionais e religiosas, é imprescindível que haja
abertura para o diálogo para a tolerância e para o respeito mútuo. É o que vislumbramos na
obra O espírito do ateísmo de André Comte Sponville. O autor propõe uma discussão saudável
entre os que creem e os descrentes a fim de que convivam harmonicamente sem se render aos
seus dogmas em depreciamento do pensamento diferente.
Verificamos que tal
empreendimento não é fácil, porque há um fechamento cristalizado em ambas as partes. O
homem religioso não abre mão de seus interesses, credos, dogmas. O homem descrente não
abre mão das evidências científicas que lhe parecem mais lógicas e com poder de
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convencimento maior que o discurso religioso. Neste aspecto, a religião e a ciência parecem
mais importantes do que o homem. Ambas estão no mundo para ajudar a humanidade a ser
melhor. No entanto, quando há fechamento para um diálogo, tornam-se instrumentos hostis.
O que deveria estar em relevo – o bem da humanidade – é substituído pela vaidade intelectual,
pelo fanatismo religioso que gera e faz nascer a disputa, a guerra pela verdade.
A religião mantém um discurso e ações éticas cuja pretensão é conservar o homem não
só neste mundo, mas especialmente para a eternidade. O cristianismo prega: “Pois, quem
quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas quem perde a sua vida por causa de mim, vai
encontrá-la” (Mt 16,25). O discurso religioso, pelo menos no cristianismo, manifesta um
acentuado interesse pela vida futura. Há aí uma ação interesseira: gastar-se até o fim
humanitariamente em prol de um bem maior - a vida eterna. Contudo, verificaremos que o
humanismo é a mola que une crente e descrente, amenizando rivalidades e alimentando uma
espiritualidade que valha para os dois contextos.
Numa apologia justa, é fundamental asseverar que há no mundo excelentes pais,
educadores, sociólogos e médicos que cumprem com ética e humanidade seu ofício, mesmo
sendo descrentes. Ao contrário do que muitos pensam, sobretudo os religiosos, o ateu não é
um fora da lei, insensível às dores do mundo, um subversivo, um perseguidor dos teístas. A
empresa do ateu não é provar a inexistência de Deus ou a luta para aumentar o número de
adeptos do ateísmo. O ateísmo, de modo geral, visa a uma explicação plausível da existência
de Deus na história da humanidade. Faz uma crítica à falta de sentido, ao horror visível da
presença do mal no mundo e da não aceitação de uma lógica criacionista que regula os fatos e
os conhecimentos históricos em função do bem e da salvação do homem como postula a
religião.
Assim sendo, para uma melhor estruturação de nosso trabalho, partimos dos seguintes
pontos, a saber: no primeiro tópico, discutiremos sobre A desconstrução das provas
(ontológica, cosmológica e físico-teológica) da existência de Deus. Neste ponto, Sponville
expõe os conceitos acerca de Deus, muito frágeis para provar a existência do criador pregado
pelas religiões, especificamente pelo cristianismo. Na segunda parte do artigo,
empreenderemos a seguinte discussão: A crítica aos fundamentos da moralidade – a ação pela
ação. Aqui o autor fará uma abordagem no que diz respeito à ética que deve existir em todos
os contextos humanos independentes de serem religiosos ou irreligiosos. Propõe uma ação
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humana sem interesses de recompensas. No terceiro ponto, trabalharemos O ateísmo de
Sponville e a formulação de um humanismo sem Deus. Neste item, o autor aponta o
humanismo como instrumento fundamental para estabelecer uma convivência harmoniosa
entre religiosos e irreligiosos, destacando assim o espírito do ateísmo.
Portanto, ratificamos que o artigo não pretende provar ou negar a existência de Deus,
mas apontar o humanismo como o espírito que facilitará a convivência entre religiosos e
irreligiosos numa proposta ética que passa pelos valores, visando ao bem da humanidade. No
entanto, atendendo a metodologia da obra principal, exporemos a vulnerabilidade das provas
da existência de Deus apresentadas por alguns filósofos, como ilustração de que a adesão a
Deus é uma experiência muito particular, subjetiva que não se prende a conceitos, conforme
veremos no decorrer da discussão.
1. A desconstrução das provas (ontológicas, cosmológicas e físico-teológicas) da
existência de deus.
Para Sponville, o que os teólogos dizem acerca da religião, as pregações, os
testemunhos das pessoas, tudo isso não é suficiente para fazer alguém acreditar em Deus. A
experiência religiosa humana não é suficiente para convencer alguém da existência de Deus.
Neste sentido, Russell colabora com o pensamento do autor em questão quando diz: “Não
considero a experiência religiosa como uma prova estrita da existência de Deus...” (RUSSELL,
1978, p. 213). Sponville vivenciou a religião, viveu o catolicismo, mas compreendeu que a
experiência religiosa é algo muito particular, indizível, pessoal, não dá para testemunhar,
passar aos outros por palavras. Com ou sem religião, o ser humano precisa viver um
humanismo que está escasso no mundo. Com as refutações a seguir, o autor estudado não
pretende nos convencer da inexistência de Deus, não é esse seu propósito, mas simplesmente
dizer da impossibilidade de provar que Deus existe através de conceitos científicos como se
pretendeu até hoje. Nenhuma ciência alcança o absoluto. Não se pode provar Deus através de
teorias como se tem almejado até hoje.
Homens como Santo Tomás de Aquino e Anselmo de Cantuária, que escreveram sobre
Deus, não nos persuadem sobre sua existência somente através da definição. Provar a
existência de Deus pela definição “é o mesmo que pretender enriquecer definindo a riqueza”
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(SPONVILLE, 2007, p. 79), ou seja, para conceber Deus ou nele acreditar não bastam os
conceitos como pretenderam muitos pensadores à guisa de Anselmo ao postular que “Deus é
um ser tal que nada maior pode ser pensado”, ou ainda como Descartes: “conceber um Deus
sem existência é contradizer-se: seria conceber um ser soberanamente perfeito sem uma
soberana perfeição. Daí decorre que a existência é inseparável de Deus e, portanto, que ele
existe verdadeiramente.” (Idem, p. 79)
Para Sponville, a existência de Deus pode ser postulada, não demonstrada. Descartes
conceitua, mas não manifesta Deus às pessoas visto que a existência divina é objeto da fé e
não do saber. Tanto na exposição cartesiana como na de Anselmo, não há prova convincente
da existência de Deus ao fazer uso da conceitografia.
Por sua vez, a prova cosmológica da existência de Deus é a mais plausível, porém
também sofre suas refutações. Nesta, Deus aparece como a causa primeira de todas as coisas
existentes. Todas as coisas para existir devem ter uma causa e Deus seria esta causa absoluta,
Ele traria consigo a razão da sua existência conforme nos aponta Leibniz, diz Sponville.
No entanto, a discussão cosmológica acerca da existência de Deus nos coloca numa
eterna aporia. Se Deus é, pois, causa do mundo, pode-se perguntar se Deus tem uma causa e
tal discussão nos levaria ao infinito. A razão é bastante limitada para responder sobre a causa
de Deus – a causa que não é causada.
Crer é acreditar numa vontade, num amor. É acreditar em alguém. Dizer que acredita
numa energia, numa causa primeira, numa força oculta, todas estas experiências não nos
convencem sobre Deus. É como afirmar que se crer no Deus espinosano enquanto natureza,
mas totalmente indiferente ao ser humano: “... não é um sujeito e não persegue nenhum fim.”
(SPONVILLE, 2007, p. 83) Da mesma forma, assegurar que sempre existiu um ser que gera
todas as coisas nos isenta de buscar um começo para tudo, porém, não nos dispensa de buscar
sua razão. Padre Copleston, num diálogo com Russell, reforça a ideia do ser necessário para
explicar a existência de Deus:
... o Sr. sabe tão bem quanto eu que não se pode explicar a existência de nenhum de
nós sem referência a alguma coisa ou a alguém exterior a nós, nossos pais, por
exemplo. Um ser necessário, por outro lado, significa um ser que deve existir e não
pode não-existir.(...) É somente a posteriori através de nossa experiência no mundo
que chegamos a um conhecimento daquele ser. E então argumenta-se, a essência e a
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existência devem ser idênticas. Porque se a essência de Deus e a existência de Deus
não fossem idênticas, então encontrar-se-ia alguma razão suficiente para esta
experiência além de Deus. (RUSSELL, 1978, p. 208-209)
Nesta empreitada de refutações das supostas provas da existência de Deus, chegamos
à última: a físico-teológica. Aqui a desconstrução começa a partir da superação da mecânica
que respondia às indagações do homem no século XVIII. É o tempo de Rousseau e de Voltaire,
por exemplo, em que as explicações da física mecânica pareciam dar contas de muitas
indagações. Aqui o mundo é explicado a partir de um arquiteto muito inteligente, voluntário
que elaborou este desenho também inteligente que é o universo. Toda esta engenhosa obra
não teria outro responsável a não ser Deus.
Há muita harmonia e benevolência nas mãos deste criador. Que explicação daríamos,
no entanto, aos cataclismos (terremotos, tsunamis, ressacas do mar, secas, enchentes) e as
doenças que surgiram ao longo do tempo como a aids e o câncer? São oriundos do relojoeiro
inteligente e benevolente? Voltamos às velhas indagações sem respostas satisfatórias.
... nenhum desses argumentos, nem a sua soma, vale como prova. Deus existe? Não
sabemos. Nunca saberemos, em todo caso nesta vida. É por isso que se coloca a
questão de crer em Deus ou não. [...] não creio: primeiro, porque nenhuma
experiência a atesta; enfim, porque quero permanecer fiel ao mistério, ante o ser, o
horror e a compaixão, ante a misericórdia ou o humor, ante a mediocridade (se Deus
tivesse nos criado a sua imagem e absolutamente livres, seríamos imperdoáveis),
enfim a lucidez, ante nossos desejos e nossas ilusões, pelo menos as que mais me
tocam e me convencem. Nem é preciso dizer que não pretendo impô-las a ninguém.
Contento-me com reivindicar o direito de enunciá-las publicamente e submetê-las,
como convém, à discussão. (SPONVILLE, 2007, p. 124)
Todas estas tentativas de demonstrar a existência de Deus são falhas para instigar a
crença, pois “...que nenhuma ciência alcança o absoluto – ou que nenhuma, em todo caso, o
alcança absolutamente. Deus não é um teorema. Não se trata de prová-lo, nem de demonstrálo, mas de crer ou não nele” (SPONVILLE, 2007, p. 91). Para Sponville, as tentativas científicas
são incapazes de fazer o ser humano crer em Deus. Desse modo, o filósofo francês não
encontra provas cabais acerca da existência de Deus, embora, conforme acenamos não seja
este o seu objetivo. Verifica-se que ele suspende todas as teorias religiosas e científicas, visto
que a questão Deus está para além da compreensão humana. Para ele a concepção de Deus é
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muito particular, diz respeito ao Eu de cada indivíduo, o que não dá para ser mostrado, mas
somente vivido de foro interno.
Independente da crença ou descrença no Deus que se anuncia, o mais importante para
Sponville são os valores éticos da humanidade, eles são inerentes aos religiosos e ateus. O que
está em discussão é a ação voltada para o bem que deve existir entre as pessoas. Por assim ser,
iremos nos dedicar neste segundo momento a desenvolver os fundamentos da moralidade e as
suas consequências para a estruturação do humanismo.
2. Crítica aos fundamentos da moralidade: a ação pela ação.
Mesmo que as supostas provas da existência de Deus não sejam plausíveis, elas não
têm o poder de aniquilar do homem seus princípios éticos e estes são mais relevantes para
Sponville. As ações humanitárias, muito comuns entre os crentes, partem também dos
descrentes, porém sem visar algo em troca (a salvação) uma vez que o ateu não crê na
revelação e na providência divina, mas suas ações são pautadas unicamente pelo bem-estar do
próximo independentemente da recompensa vinda do céu. Enquanto o religioso age movido
pelo amor ao próximo e o desejo pelo reino do céu, o ateu é condicionado somente pela
compaixão, ou seja, pela ação ética, uma ação de forma direta ao homem. Isto se resume numa
ação tendo como recompensa a própria ação, o outro sendo visualizado em sua própria
natureza ou em sua própria necessidade, ou seja, um humanismo para o outro homem.
Estaríamos desta forma, fortificando vínculos tão necessários como a fidelidade, o respeito e a
compaixão.
Queremos nos ater a esta última palavra. A palavra compaixão nasce na atmosfera
religiosa, significa sentir com o outro, isto é, fazer o bem às pessoas, independentemente, quer
sejam religiosas quer não. O mundo hodierno necessita urgentemente de viver a compaixão.
Precisamos sentir com o outro, experimentar as dores do outro numa perspectiva de não
perdermos a sensibilidade, elemento tão indispensável à sociabilidade. É o que Sponville
chama de sentimento oceânico, aquilo que “... não pertence a nenhuma religião, a nenhuma
filosofia, e é melhor que seja assim. Não é um dogma, nem um ato de fé. É uma experiência”
(SPONVILLE, 2007, p. 144). Tanto religiosos como ateus podem senti-la, vivê-la sem prejuízo
algum dos que creem ou dos que não creem. Este é um grande ideal, um ideal porque ainda
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não o experimentamos na plenitude. Antes de tudo, é fundamental compreender que “o
mundo é nosso lugar; o céu, nosso horizonte; a eternidade, nosso cotidiano. Isso me convence
mais que a Bíblia e o Corão (...). Andar em cima das águas, que insignificância perto do
universo!” (SPONVILLE, 2007, p. 137) A compaixão, enxergada e vivida por ambas as partes
(crentes e descrentes), será uma realidade, quando aceitarmos que tanto o homem de fé como
o sem fé são capazes do bem, do amor e que não devem viver celebrando vantagens e
desvantagens mutuamente.
A compaixão poderá quebrar a enorme barreira que impede o diálogo entre crentes e
ateus, chamada fechamento, fechamento, sobretudo para dialogar. Há fechamento dos dois
lados: crentes não abrem mão de suas certezas e verdades e descrentes não abrem mão daquilo
que é provado pela lógica da ciência. Ambos defendem seus dogmas. Se não há crença em
Deus, pois que haja pelo menos respeito. Se não há abertura para com o discurso científico,
pois que haja respeito e convivência harmoniosa. Assim como “o ateísmo não é nem um dever
nem uma necessidade, a religião também não o é. Só nos resta aceitar nossas diferenças. A
tolerância é a única resposta satisfatória à nossa questão, assim entendida.” (SPONVILLE,
2007, p. 20)
Tolerância é a palavra-chave para empreendermos uma convivência harmoniosa entre
crentes e ateus. Deverá existir tolerância diante das manifestações religiosas e deverá haver,
semelhantemente, tolerância por parte dos crentes diante dos que não creem. No entanto, o
religioso defenderá que tem uma missão, como a do cristianismo, por exemplo: pregar o
evangelho a toda criatura, batizando-a em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. (Mt
28,19) Pregar, porém, é um direito do religioso, assim como é direito do descrente aceitar ou
refutar o que se prega. Todavia, o homem religioso não pode impor uma doutrina, uma crença
com uma linguagem forçosa e até ameaçadora. É direito do homem religioso levar a mensagem
de salvação, mas não pode violentar pessoas para que elas adiram ao que se prega. Da mesma
forma o ateu poderá acolher a mensagem religiosa sem depreciar o discurso ou a pessoa. É
válido, portanto um diálogo pacífico sem interesse de fazer prevalecer discursos.
Que você tenha uma religião ou não, isso não o dispensa de respeitar o outro, sua
vida, sua liberdade, sua dignidade; isso não anula a superioridade do amor sobre o
ódio, da generosidade sobre o egoísmo, da justiça sobre a injustiça. O fato das
religiões terem nos ajudado a compreender isso faz parte da sua contribuição
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histórica, que foi grande. Isso não significa que elas bastem para compreendê-lo ou
detenham o monopólio dessa contribuição. (SPONVILLE, 2007, p. 49)
Por
causa do desentendimento entre religião e ateísmo intolerantes, experimentamos
um tempo de dupla barbárie: “... uma, irreligiosa, nada mais é que um niilismo generalizado ou
triunfante; a outra, fanatizada, pretende impor sua fé pela força. O niilismo leva à primeira e
abre espaço para a segunda.” (SPONVILLE, 2007, p.32) Há uma evidente batalha a respeito da
verdade disputada por crentes e descrentes. Os dois lados disputam certezas absolutas, a
primeira fundamentada na fé, a segunda na ciência empírica e racional. No entanto, a
humanidade tem sofrido calamidades ao longo da história em busca dessa verdade
absolutizada. Para o homem religioso, Deus é uma verdade absoluta; para o ateu, o que
postula a ciência, comprovadamente, é a sua verdade absoluta. Nem o religioso nem o
descrente cedem espaço para outras especulações, ou seja, crentes e ateus absolutizam suas
verdades e se apegam às mesmas. O embate ideológico entre crentes e ateus tem legado a
humanidade catástrofes como a bomba atômica na segunda guerra mundial, o holocausto
alemão, a morte de muitos inocentes no período das Cruzadas, a autodestruição de homens
bombas no islamismo, o apedrejamento de mulheres vítimas do adultério etc.
A religião e a ciência visam ao bem-estar da humanidade, todavia, o que a história tem
nos revelado são atrocidades, das mais bárbaras em prejuízo das civilizações. Este tipo de
atitude nos levará fatalmente “... à decadência (...). Não há mais nem valor que valha nem
dever que se imponha; só há o meu prazer ou minha covardia, os interesses e a as relações de
força.” (SPONVILLE, 2007, p. 50)
Há um violento egoísmo, uma disputa, rivalidades, necessidade de monopolizar o
discurso religioso e ao mesmo tempo o discurso científico, ou seja,
...perdemos em nossos tempos referenciais últimos sem os quais é impossível tomar
posição séria em relação às questões fundamentais da vida humana. É por esta razão
que há quem considere a filosofia também responsável pela crise de civilização que
vivemos (OLIVEIRA, 2009, p.03).
A reivindicação ética não seria por ideologias científicas ou religiosas, mas pela vida do
ser humano, estabelecendo um diálogo acima das discussões de fé ou das descobertas
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científicas, acima do que aparece no Gênesis e do que Darwin postulou. Religiosos e
irreligiosos se fecham e quando se encontram declaram guerra. Ao contrário deste painel
funesto, a única experiência deveria ser a do humanismo e este fazendo parte do universo de
todas as pessoas, crentes ou descrentes, no entanto verifica-se que:
Muitos vivem sua religiosidade frequentando templos sem nenhuma ligação de
fraternidade, e outros se conectam apenas pelas mídias. Crescem as propostas de
felicidade, realização e sucesso pessoal, em detrimento do bem comum e da
solidariedade. Emerge assim uma experiência (...) sem pertença comunitária e sem
compromisso. (DOCUMENTO 104 – CNBB, 2013, p. 53)
Portanto, há um descompromisso total com a humanidade, que dá lugar a um
sectarismo cego, doentio que prejudica a caminhada da mesma. E esta é a grande crítica de
Sponville. Como filósofo, esclarece sua postura ateia sem nenhuma pretensão de atacar os
crentes e sem buscar sectários para o ateísmo, sem monopolizar o discurso ateu, o mesmo
pondera:
A barbárie niilista não tem programa, não tem projeto, não tem ideologia. Não
necessita de nada disso. Os niilistas não creem em nada: só conhecem a violência, o
egoísmo, o desprezo, o ódio. São prisioneiros das suas pulsões, da sua tolice, da sua
incultura. Escravos do que tomam por sua liberdade. São bárbaros por falta de fé ou
de fidelidade: são os espadachins do nada. A barbárie dos fanáticos tem outro estilo,
não lhes falta a fé, muito pelo contrário! Eles são cheios de certezas, de entusiasmo,
de dogmatismo: eles tomam sua fé por um saber. Por ela, estão dispostos a morrer e a
matar. Eles não duvidam. Eles não hesitam. Eles conhecem a verdade e o bem. Para
que necessitam de ciência? Para que necessitam de democracia? Tudo está escrito no
livro. Basta crer e obedecer. (...). Eles se pretendem submetidos a Deus. Têm plena
liberdade para isso, contanto que não usurpem a nossa. E que não tentem nos
submeter! (SPONVILLE, 2007, p. 32-33)
O ateísmo declarado deste pensador não ambiciona disputas, violência contras as
religiões, mas sugere um diálogo equilibrado, arraigado no sentimento. Visa à espiritualidade,
um humanismo muito mais importante que todos os entreveros vistos até aqui. Há, no
entanto, na ciência, na filosofia e na religião muito pensamento rígido, dogmas que geram
medição de forças sobre quem está com a verdade. Há verdades apresentadas pela religião,
assim como há verdades manifestadas pela ciência, cada uma das partes dentro do seu
contexto: a ciência postula e mostra, a religião postula sem demonstrar, porém, não se trata
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aqui de estabelecer quem está com a verdade absoluta. São campos diferentes em que a fé
explica, ao seu modo, e que a razão explica com sua lógica.
No entanto, há rivalidades não só entre crentes e descrentes, mas também entre
religiosos. Embora professem a mesma fé, são notórias, por ilustração, as relações de força
entre os cristãos, entre os muçulmanos conforme também nos apresenta Hume:
[...] cada seita está convencida de que sua própria fé e seu próprio culto são
totalmente agradáveis à divindade, e como ninguém pode conceber que o mesmo ser
deva comprazer-se com ritos e preceitos diferentes e opostos, as diversas seitas
acabam naturalmente em animosidade e descarregam umas contra as outras aquele
zelo e rancor sagrados, que constituem as mais furiosas e implacáveis de todas as
paixões humanas. (HUME, 2005, p. 76)
Zelo e rancor. Zelo pelas doutrinas que normalmente são distintas na mesma religião
e, rancor, pois, uma vez descoberta a disparidade na doutrina, inicia-se uma infinita discussão
que desemboca nas disputas pela verdade da mesma religião. Falta comunhão. Percebe-se que
há uma necessidade inadiável de se fazer comunhão, ou seja, de dividir as experiências, sejam
elas religiosas ou laicas em benefício do ser humano. A todo instante no discurso sponvilliano
vem à tona este apelo. É o humanismo que precisa ser resgatado entre as pessoas, trata-se do
sentido de pertença e de interesse comum em detrimento do pensamento individualista
galopante que muito tem destruído os relacionamentos e a possibilidade de diálogo. Por esta
razão é que tomamos como discussão fundamental de nosso terceiro momento a formulação
do humanismo visando instituir suas bases éticas.
3. O ateísmo de Sponville e a formulação de um humanismo sem Deus.
Há no mundo inteiro uma disputa violenta por espaço entre as religiões. Todos os seus
sectários mergulhados em suas certezas vivem também imersos na indiferença e no sarcasmo.
Disputam os crentes sobremaneira onde está a verdade e a salvação, ambas parecem ter lugar
estabelecido e exclusivismo. A batalha entre crentes talvez seja até maior que entre religiosos
e irreligiosos. Na Palestina e na Irlanda, por exemplo, há um conflito histórico entre os vários
grupos religiosos. Há Rivalidades doutrinais evidentes entre cristãos e também da parte dos
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muçulmanos para com outros credos. Falta, nas religiões e no universo de crentes e
descrentes, um espírito de boa convivência, faltam diplomacia e tolerância, falta um
humanismo que drible com eficácia as contendas deploráveis entre as religiões e entre
religiosos e irreligiosos. Falta inclusive sensatez na hora de estabelecer um diálogo ecumênico
e inter-religioso 1.
Precisa-se urgentemente do sentimento de humildade entre crentes e descrentes. “Eu
ficaria zangado comigo mesmo se levasse a perder a fé quem dela necessita ou, simplesmente,
quem vive melhor graças a ela. E estes são incontáveis.” (SPONVILLE, 2007, p. 19) Pensar a
religião não é pensar a rivalidade, não é fazer crescer o desejo de extinção da mesma por ser
ela uma experiência sem sentido, ilusória como pretendeu Nietzsche ao postulá-la como
niilismo. Aliás, apesar de toda crítica feita à religião, este pensador afirmou certa vez do bem
que o cristianismo lhe fez ao longo de sua vida: “não importa o que eu tenha a dizer sobre o
cristianismo, não posso esquecer que sou-lhe devedor das melhores experiências de minha
vida espiritual; e espero que, no fundo do meu coração, jamais venha a ser ingrato para com
ele.” (ZILLES, 1991, p.180)
De fato, esta é uma postura rara e saudável. Verifica-se, pois, que no mundo há
pouquíssimas pessoas abertas a acolher sem indiferença a maneira de ser do ateu ou a maneira
de crer do homem religioso. Entre estes existe um incômodo atroz que os fere, que os sangra,
que faz nascer o ódio, gerando perseguição, palavras malditas, preconceito, tudo isto
prejudicial à humanidade que ficará doente.
Pensar o bem da humanidade é uma exigência, postula Sponville. Todo homem,
independentemente de ser religioso ou irreligioso tem o dever de cuidar de si, do outro e do
mundo. Devemos estabelecer posturas éticas que estejam para além do que cremos ou do que
não cremos. A tomada de partido não deve gerar rivalidades. O fato de um crer e outro não
gera uma convergência para o bem, pois que um age motivado pela experiência religiosa e
outro age motivado pelo bem moral que lhe é inerente. Isto é, enquanto uns agem em função
dos valores morais ensinados pela religião, outros poderão agir motivados pelos princípios
éticos latentes em todo ser humano. Entre crentes e descrentes poderá existir uma unidade.
1
Por movimento ecumênico entendem-se as atividades e iniciativas, que são suscitadas e ordenadas, segundo as
várias necessidades da Igreja e oportunidade dos tempos, no sentido de favorecer a unidade dos cristãos. (Doc.
Unitatis Redintegratio, p.221); Diálogo inter-religioso – conjunto das relações interreligiosas, positivas e
construtivas, com pessoas e comunidades de outras confissões, para um mútuo conhecimento e um recíproco
enriquecimento (Rev. Vida Pastoral, 2007, p.03)
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Não é preciso ser religioso para ser ético. Ou seja, religiosos e incrédulos têm motivação
suficiente para lutar por causas nobres. Os dois lados convergem para o bem da humanidade,
embora haja oposição no que se refere às crenças e descrenças, mas isso não os impede de
fazer o bem. O ateu vive sem crer em Deus e é capaz de gestos heroicos como já vimos. O
crente, embora com pensamento religioso, é capaz de ações bárbaras, no entanto, ambos são
seres humanos passíveis ao erro:
Toda religião é humana. O fato de todas terem sangue nas mãos não bastaria para
justificar o ateísmo – o qual, historicamente, tampouco está isento de recriminações,
especialmente no século XX, nem de crimes. Não é a fé que leva aos massacres. É o
fanatismo, seja ele religioso ou político. É a intolerância. É o ódio (...). Vejam as
Cruzadas, as guerras de religião (...) os atentados de 11 de setembro de 2001 (...).
Vejam Stálin, Mao Tsé-tung, ou Pol Pot... Quem vai calcular os mortos, de um lado e
de outro, e o que eles poderiam significar? O horror é incalculável, com ou sem Deus.
Isso nos ensina mais sobre a humanidade, infelizmente, do que sobre a religião.
(SPONVILLE, 2007, p. 77)
Embora sem Deus, sem rito, o irreligioso não é capaz de viver sem fidelidade e sem
comunhão. A humanidade, a liberdade e a justiça não são experiências exclusivas do homem
religioso. Há crentes incoerentes que não as vive e há incrédulos muito mais capazes das
mesmas. Sem censurar religiosos e irreligiosos, verifica-se, pois, que existe um elo comum
entre as duas partes: a capacidade e a possibilidade de humanização. Sponville defende o
humanismo entre crentes e ateus. Para ele, é possível haver bom relacionamento sem que um
hostilize o outro. É possível ser ético dentro e fora da ambiência religiosa. Os ideais de
humanidade, liberdade, justiça são bens para todos os povos independentemente de credo.
Necessariamente não é a religião que, com exclusividade, ensina isso. O homem religioso tem
princípios inegáveis, bem como o incrédulo da mesma forma.
Mesmo não sendo religiosa, a pessoa pode, por exemplo, viver a comunhão e a
fidelidade, isto deve ser imposto a si mesma como categoria moral. Para Sponville, pode-se
viver sem religião, mas não sem comunhão e fidelidade. A comunhão gera a comunidade e não
existe esta sem aquela.
... é a comunhão que faz a comunidade, muito mais que o contrário: não é porque
existe uma comunidade já constituída que há comunhão; é antes porque há
comunhão que há comunidade, e não um simples conglomerado de indivíduos
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justapostos ou concorrentes. Um povo é mais e melhor que uma horda.
(SPONVILLE, 2007, p. 23)
Comunhão, portanto, é uma partilha sem divisão. Trata-se da comunhão dos espíritos
– “por que somente o espírito sabe compartilhar sem dividir” (SPONVILLE, 2007, p. 24). É o
caso, por ilustração, do amor à pátria, à justiça, à liberdade e à solidariedade. São valores
partilhados por todos sem que ninguém fique no prejuízo e sem diminuir a importância deles
para cada um. Uma sociedade para existir precisa da comunhão, ou seja, os povos que a
formam comungam de alguma experiência, isto é, não necessitam de um Deus, como prega o
monoteísmo, para viver esta comunhão uma vez que “... é possível a comunhão social e a
fidelidade a valores e normas morais e culturais sem a referência a ditas realidades
transcendentes, particularmente, sem referência a um Deus pessoal, como postula o
monoteísmo.” (PORTUGAL, 2010, p. 134) Portanto, há sempre um vínculo, um sentido de
pertença que une as pessoas. Para que haja comunhão, não é preciso a crença num Deus
pessoal, criador e bondoso. Como se observam ideais e princípios não são deuses, mas têm o
poder de gerar vínculo, comunhão.
Quanto à fidelidade que de modo semelhante existe sem Deus, trata-se de um apego,
um comprometimento com os valores ensinados, embora muitos deles sejam oriundos da
religião. Quando a crença em Deus vai embora, como foi o caso de Sponville, a fidelidade para
com estes valores persiste. A fidelidade tem por objeto os valores, uma história, uma
comunidade. A fidelidade é do âmbito da memória e da vontade. O fato de a pessoa perder a fé
não significa asseverar que perdeu a fidelidade, isto é, que perdeu o reconhecimento dos
valores. A perda da fé é a impiedade, ou seja, é deixar de acreditar no Deus postulado pela
religião (o Deus que cria; bondoso, que salva etc). Não é a perda da fidelidade, isto seria o caos
total, seria um niilismo na opinião do autor em questão. O descrente não tem fé, contudo, tem
a fidelidade, permanece o sentido de comunhão e, acima de tudo, o desejo valorativo de
assegurar a vida do outro em suas formas digna e respeitosa. Chama-se isso de humanismo.
Enquanto a fé está no campo da religião, a fidelidade é um encargo libertador
suficiente para a humanidade. É possível viver sem a fé, todavia, não sem fidelidade. Com ou
sem religião, a moral continua valendo para o ser humano. Isso é possível compreender do
ponto de vista dos incrédulos: mesmo sem religião, eles são capazes de uma eticidade, de uma
moral que visa ao bem das pessoas sem esperar recompensa do céu, pois que “a humanidade não
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é nossa Igreja, mas é nossa exigência.” (SPONVILLE, 2007 p.114) Neste sentido, há uma exigência
espontânea para que se promova a liberdade, a justiça, a solidariedade, a gratidão, o respeito, a
tolerância etc. A comunhão e a fidelidade são princípios fundamentais para a vivência
relacional entre crentes e descrentes motivados pela experiência que está para além de credos,
dogmas e teorias lógicas, como também, até mesmo, para além da própria religião,
compreendendo que:
O espírito é uma coisa importante demais para ser abandonado aos padres, aos
mulás ou aos espiritualistas. É a parte mais elevada do homem, ou antes, sua função
mais elevada, que faz de nós outra coisa que um bicho, mais e melhor que os animais
que também somos. (SPONVILLE, 2007, p. 127)
Sponville aposta na espiritualidade como instrumento possibilitador de elo entre
religiosos e descrentes, não se trata de uma espiritualidade religiosa tal como a conhecemos,
mas uma função intrínseca ao homem que lhe faz pensar, querer, amar e sentir de maneira
consciente. Assim sendo a espiritualidade sponvilliana não é uma teoria ou uma crença
religiosa ao transcendente, mas se trata de uma experiência particular vivida pelo autor e aqui
partilhada.
Assim sendo esta discussão nos levou a conceber uma nova maneira de enxergar o
fosso entre crentes e descrentes, reelaborando uma postura mais humanizada que visa diálogo
sem prejuízo de ambas as partes. Portanto, um novo caminho que permitirá o resgate daquilo
que é mais importante na história – a humanidade e suas relações recíprocas.
CONCLUSÃO
Ao cabo deste trabalho elaborado a partir do pensamento de André Comte Sponville,
cuja linha de reflexão é o ateísmo, conforme vimos, fica evidente que não temos a mínima
pretensão de enaltecer o universo ateu, nem de ofendê-lo. Pelo contrário, as etapas de
discussão acerca da possível convivência entre crentes e ateus, permitem ao leitor fazer uma
apreciação ética sobre esses dois mundos de modo que um não hostilize o outro, ou seja, a
pesquisa nos fez enxergar que a questão humana é muito mais importante do que os
conchavos entre religiosos e irreligiosos testemunhados pela história. Vimos que é possível e
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extremamente necessária a tolerância diante dos discursos científicos e religiosos numa
atitude humilde em que ambas as partes só têm a ganhar, quando compreenderem que o que
está em jogo é o ser humano.
Vimos também através de Sponville e outros filósofos paralelos que para além da
crença e da irreligiosidade, os valores aprendidos pelo homem são mais relevantes e
fundamentais na hora de dialogar. A justiça, a liberdade, a tolerância, a fidelidade, a
solidariedade, por exemplo, são valores que estão acima da religião e são imprescindíveis na
formação humana.
Para ser ateu não é preciso travar uma batalha contra os que acreditam. Para ser
religioso não é preciso banir os ateus do mundo. Ao contrário, o humanismo defendido por
Sponville instiga aos pesquisadores e leitores da filosofia da religião a um espírito que faz o
ser humano melhor ao ponto de acolher a pessoa (religiosa ou irreligiosa) sem nenhum
prejuízo moral. A humanidade é mais importante do que a ciência e a religião. O homem
religioso tem valores tal como o ateu, um e outro têm espiritualidade, ou seja, este poder de
pensar e agir baseado na bondade e na afirmação do outro enquanto ser de valor.
Outra contribuição da pesquisa para a filosofia da religião é o viés ateu trazido por
Sponville, bastante diferente do que tradicionalmente se vê: o artigo expõe a espiritualidade
do ateísmo, trata-se de um pensamento livre do ateu em relação à religião sem se fixar nas
ofensas e hostilidades, mas sabendo identificar os benefícios tanto de religiosos como de
descrentes no mundo. Assim a espiritualidade ateia visa dialogar com a religião resgatando o
que é mais relevante – o humanismo necessário para que ateus e crentes convivam
harmoniosamente. O escopo do trabalho nos leva a compreender que mais importante que ser
religioso ou ser incrédulo é o humanismo, isto é, a condição social entre a pluralidade cultural
e subjetiva entre os indivíduos.
Quando as partes envolvidas neste empreendimento enxergarem o mundo com mais
humanismo, os relacionamentos e as discussões terão outro sentido, elas serão mais fecundas,
mais eficazes às pessoas, diferente do que há muito tempo está posto e que tem gerado
desafetos e conflitos históricos. A perspectiva da espiritualidade proposta por Sponville
constrói uma diplomacia, uma tolerância, uma retomada aos valores que parecem esquecidos
quando se discute acerca da religião e da ciência. O autor nos apresenta uma maneira de
vislumbrar o entrevero entre crentes e descrentes numa postura inteligente e ética que nos
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permite conviver sem ofensas, todavia, conservando o que é essencial – o ser humano. Isso é
mais importante do que a investida para provar se Deus existe ou não. Enquanto
empreendermos o nosso tempo tentando provar a existência ou a não existência de Deus,
desprezaremos o humanismo que ainda nos resta antes que cheguemos à barbárie. Portanto,
fica de nossa pesquisa o entendimento: ser crente ou ser ateu não é uma exigência nem uma
necessidade, porém, o humanismo é uma reivindicação fundamental neste tipo de diálogo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Martins Fontes, 2007.
HUME, David. História natural da religião. Tradução Jaimir Conte. São Paulo: Edições
Unesp, 2005.
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Cultural, 1978.
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por ocasião da aula inaugural do ano letivo do Instituto Superior de Filosofia Berthier (IFIBE)
e do Instituto de Teologia e Pastoral (ITEPA).
PORTUGAL, A.C.; COSTA, A.L.F. O ateísmo francês contemporâneo: uma comparação
entre Michel Onfray e André Comte-Sponville. In: v.8, n.18, jul-set. 2010 p.127-144.
TEIXEIRA, Faustino. Ecumenismo e diálogo inter-religioso. In: Revista Vida Pastoral,
julho-agosto. 2007, p. 3-10.
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Compêndio do Vaticano. Constituições, Decretos e Declarações. São Paulo, Paulus, 2001.
Comunidade de comunidades: uma nova paróquia. Aparecida – SP: Edições CNBB, 2013.
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