Quinta semana do curso de Linguística III Professor Alessandro Boechat de Medeiros Departamento de Linguística e Filologia Dois tipos de intransitivos Tomemos os seguintes exemplos: Pedro viajou na madrugada de terça. Maria vomitou depois de uma bebedeira. Os homens trabalharam por duas semanas. Margarida almoçou às duas da tarde. Barbosa dormiu tranquilamente a noite inteira. Comparem-se os acima com os a seguir: O gato do meu vizinho morreu por causa da queda. Pedro caiu do cavalo de cabeça. Mário desmaiou por conta daquela medicação. Tânia nasceu às duas da tarde. O bolo cresceu mais do que devia e o forno ficou sujo. Todos são verbos intransitivos. Mas parece haver propriedades muito importantes que distinguem os dois grupos de verbos acima: *Viajado o Pedro, o Governo aproveitou para expulsá-lo do País. Nascida a Tânia, saímos para comemorar o acontecimento. *Os homens estão trabalhados. Pedro está caído. Maria vomitou sangue *Mário desmaiou um desmaio. *?Almoçou a Margarida e a gente nem percebeu. Morreu o gato e a gente nem percebeu. Dos primeiros, os sujeitos são tipicamente agentes, mas não os sujeitos do segundo grupo, que são tipicamente pacientes. Em outras línguas a diferença também existe, com outros efeitos (exemplos tirados de HAEGEMAN, 1994). No italiano, é permitido que os sujeitos sejam pospostos aos verbos. Assim, Giacomo ha telefonato – Ha telefonato Giacomo. Portanto, a ordem não é uma boa maneira de distinguir os dois grupos de verbos acima. Mas há um clítico em italiano, ne, que equivaleria a algo como “deles” em português, que serve para distinguir os verbos: Molti studenti arrivano Arrivano molti studenti Ne arrivano molti Molti studenti telefonano Telefonano molti studenti *Ne telefonano molti O interessante sobre esse clítico é que ele é restrito aos complementos diretos de verbos, ou a sujeitos na voz passiva: Giacomo ha insultato due studenti. Giacomo ne ha insultato due. Giacomo ha parlato a due studenti. *Giacomo ne ha parlato a due. Molti studenti furono arrestati. Ne furono arrestati molti. A maneira de explicar esse comportamento do clítico é supor que o único argumento de verbos como “arrivare” é sintaticamente um complemento em algum nível (DS), e se torna sujeito transformacionalmente. Ou seja, esses verbos são “passivos”. Como reforço a essa ideia, note-se que, em italiano, verbos como telefonare formam compostos com o verbo avere; já verbos como arrivare, com o verbo essere. Giacomo há telefonato. Giacomo è arrivato. O verbo essere é o auxiliar da forma passiva: Notevoli danni sono stati arrecati alla chiesa. (Importantes danos foram causados à igreja). Em inglês não há diferenças de auxiliares, mas havia no inglês antigo: Se halga faede waes inn agan (O santo pai entrou). Is nu geworden (aconteceu). No inglês moderno, pode-se usar o expletivo “there” nos verbos “passivos”: There arrived three men at the palace. *There slept three men in the room. Como representamos isso sintaticamente? Em que posição fica o complemento de um verbo? Tudo indica até o momento que os sujeitos de verbos como “cair” e “desmaiar” sejam, na verdade, objetos que são transformados em sujeitos. Não é a toa que podemos dizer que se “João desmaiou”, o João ficou, como consequência, “desmaiado”. Note-se que se a frase for “João pintou o muro”, quem, como consequência, fica pintado é o muro, não o João – ou seja, é o objeto, não o sujeito. O clítico ne em italiano aponta na mesma direção. Note-se, ainda, que é comum que os sujeitos dos verbos do inicio da aula, e dos verbos discutidos posteriormente no italiano e no inglês, sejam pacientes, não agentes. O que vai ao encontro da Hipótese da uniformidade de atribuição de papel temático (UTAH) – então, se num verbo transitivo o paciente fica na posição de complemento em DS, no intransitivo o paciente deve ficar na mesma posição em DS. VP | V' 3 V NP/DP Exercícios: Fazer as árvores (estruturas DS) dos exemplos abaixo: Pedro viajou. Maria vomitou. Os homens trabalharam. Cláudia disse que Margarida almoçou. Barbosa dormiu. O delegado soube que o gato morreu. Pedro caiu. Mário desmaiou. Tânia nasceu. O bolo cresceu. Os verbos do grupo de “cair” e “desmaiar” são chamados na literatura de inacusativos. Esse nome indica que, apesar de terem complementos, não conseguem atribuir Caso estrutural acusativo para estes. Por isso tais “objetos” têm que se tornar sujeitos, como veremos mais adiante no curso. Os verbos do grupo de “dormir” e “trabalhar” são chamados de inergativos e não tê complemento, só especificador. Verbos de alçamento Vejamos os exemplos a seguir: O gato caiu do telhado. O gato pareceu cair do telhado. O gato tentou cair do telhado. O prato caiu do telhado. O prato pareceu cair do telhado. #O prato tentou cair do telhado. O rapaz emocionou-se com o filme. O rapaz pareceu emocionar-se com o filme, O rapaz tentou emocionar-se com o filme. #O prato emocionou-se com o filme. #O prato pareceu emocionar-se com o filme. Quem está atribuindo os papeis temáticos aos sujeitos das sentenças naquelas em que há dois verbos envolvidos? Observe-se ainda o seguinte: A vaca pareceu ir para o brejo. A vaca tentou ir para o brejo. Em qual dos exemplos acima o significado idiomático da expressão é preservado? A preservação do significado idiomático na primeira sentença pode ser explicado facilmente se assumirmos que o verbo parecer toma a oração não finita como seu complemento. Como a oração não finita é um constituinte sintático, pode receber um significado idiomático. Explicamos a não preservação do significado idiomático na segunda sentença afirmando justamente o oposto a respeito dela: o verbo tentar não toma a expressão inteira como seu complemento. De fato, “a vaca” é sujeito de “tentar”, e está fora da expressão “a vaca ir para o brejo”. Esquematizando: Pareceu (a vaca ir para o brejo). (A vaca) tentou (ir para o brejo). Note-se, ainda, que a expressão que vem depois do verbo “tentar” pode ser clivada, mas não a que vem depois do verbo “parecer”. As expressões que seguem o verbo “tentar” têm, ainda, uma autonomia que as com verbo “parecer” não têm. Foi correr atrás do pássaro o que o gato tentou. *Foi correr atrás do pássaro o que o gato pareceu. Correr atrás do pássaro o gato (já) tentou (sem sucesso). *Correr atrás do pássaro o gato pareceu Como damos conta desses fatos? Vimos que quem atribui papel em expressões com o verbo “parecer” não é o verbo “parecer”, mas o verbo que o segue, qualquer que seja. Nas expressões com o verbo “tentar” dá-se justamente o oposto. Se assumirmos que o sujeito das sentenças com o verbo “parecer” está, em estrutura profunda, recebendo seu papel dentro do domínio do segundo verbo (ou seja, dentro do VP encabeçado por ele), explicamos não só a diferença entre o verbo “parecer” e o verbo “tentar” (pois com o verbo “tentar” seria justamente o oposto), mas também a preservação de significado idiomático das expressões com o verbo “parecer” e a não autonomia do que se segue ao verbo. Como o sujeito da sentença nas expressões com o verbo “parecer” está, de fato, na oração infinitiva, está forma um constituinte com o sujeito, e, portanto, pode incluí-lo na atribuição de significado especial. Da mesma maneira, por incluir o sujeito, as orações infinitivas que seguem o verbo “parecer” não poderiam ser clivadas sem o sujeito. Qual seria a estrutura do verbo “parecer”? VP | V' 3 V parec- IP Isso é o chamado verbo de alçamento, pois, quando tem como complemento uma oração não finita, força o alçamento do sujeito da oração mais encaixada. Exercício: Nas expressões abaixo, quais seriam verbos de alçamento? Pedro conseguiu dormir. Álvaro acabou dormindo. Maria afirmou cantar na boate. Maria pôde cantar na boate. João continuou fazendo lindas tortas. João escolheu fazer lindas tortas. Exercício: Construa as DSs das expressões a seguir: Maria parecia comer seu almoço. O rapaz continuou correndo a maratona.