Efeito da respiração oscilatória sobre a variabilidade

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Barbosa e cols
Efeito da respiração oscilatória sobre a variabilidade dos intervalos RR
Arq Bras
Cardiol
Artigo
Original
2003; 80: 544-50.
Efeito da Respiração Oscilatória sobre a Variabilidade dos
Intervalos RR e sua Importância Prognóstica em Indivíduos
com Disfunção Sistólica Global do Ventrículo Esquerdo
Paulo Roberto Benchimol Barbosa, José Barbosa Filho, Ivan Cordovil
Rio de Janeiro, RJ
Objetivo - Analisar o efeito da respiração oscilatória
sobre a variabilidade dos intervalos RR (V-RR) e seu valor prognóstico na disfunção sistólica global do ventrículo esquerdo (VE) em vigília.
Métodos - Foram estudados 76 indivíduos com idade
entre 40 e 80 anos, ajustados para idade e sexo: grupo I - 34
indivíduos normais; grupo II - 42 indivíduos com disfunção
sistólica global do VE (fração de ejeção ≤40%). Os sinais
do ECG foram captados em repouso supino e analisadas a
variação da amplitude torácica e a V-RR. Variáveis clínicas
e da V-RR foram aplicadas ao modelo logístico para previsão da sobrevida após um ano de evolução.
Resultados – A respiração oscilatória foi registrada
em 35,7% do grupo II, teve concentração da energia da VRR na faixa de muito baixa freqüência e foi independente
da presença de DM2, da classe funcional, fração de
ejeção, da causa da disfunção ou da sobrevida. A fração
de ejeção foi a única variável preditiva independente para
sobrevida após um ano (p = 0,0005).
Conclusão - 1) Na disfunção sistólica global do VE,
a respiração oscilatória é freqüentemente observada e
acompanha-se de concentração de energia da V-RR na
banda de muito baixa freqüência; 2) não demonstra relação com a gravidade ou causa da disfunção do VE; 3) a
fração de ejeção do VE é a única variável preditiva independente para sobrevida após um ano de evolução.
Palavras-chaves: respiração oscilatória, insuficiência cardíaca, variabilidade dos intervalos RR
Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras – MS - Universidade Gama Filho
Correspondência: Paulo Roberto Benchimol Barbosa - Rua Pompeu Loureiro, 36/
702 – 22061-000 - Rio de Janeiro, RJ - e-mail:[email protected]
Recebido para publicação em 4/1/02
Aceito em 21/4/02
Em indivíduos normais, a duração dos intervalos RR
do eletrocardiograma de superfície varia ciclicamente,
batimento a batimento. Esta variação é mais significativa
nos jovens e é modulada pelos movimentos respiratórios,
recebendo a denominação de arritmia sinusal respiratória.
As características dos movimentos respiratórios são
capazes de alterar as variações cíclicas observadas entre as
sucessivas onda R (intervalos RR) do eletrocardiograma.
Estas alterações decorrem tanto de influências diretas sobre a modulação do sistema nervoso parassimpático quanto, indiretamente, de mecanismos quimiorreceptores 1.
Em cerca de 50% dos indivíduos com disfunção
sistólica global do ventrículo esquerdo identifica-se a presença de padrões anormais de respiração. Nesses indivíduos, padrões oscilatórios de respiração (respiração oscilatória) podem ser observados tanto durante o sono quanto
durante o período de vigília, caracterizados por sucessivos
períodos de taqui/hiperpnéia seguidos por bradi/hipopnéia
e, eventualmente, apnéia 2-10.
Dentre os tipos de respiração oscilatória com importância clínica destacam-se a respiração de Cheyne-Stokes e
a respiração periódica. Define-se respiração de CheyneStokes ao padrão respiratório no qual períodos de taqui/
hiperpnéia são seguidos por períodos regulares de apnéia.
Na respiração periódica, entretanto, os períodos de taqui/
hiperpnéia são seguidos, ciclicamente, por períodos de
bradi/hipopnéia sem apnéia.
Embora alguns autores tenham observado que a respiração oscilatória, principalmente quando observada durante a vigília, possa estar associada a quadro clínico mais grave
e a prognóstico mais reservado 2,6-8, o assunto permanece
controverso.
O presente trabalho tem por objetivo estudar os efeitos da respiração oscilatória sobre o comportamento das
variações cíclicas dos intervalos RR normais do eletrocardiograma (V-RR) durante o período de vigília, em indivíduos com disfunção sistólica global do ventrículo esquerdo
e em ritmo sinusal, e avaliar a influência da respiração oscila-
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tória sobre o quadro clínico, laboratorial e o índice de mortalidade dos indivíduos estudados.
Métodos
O protocolo do estudo foi realizado de acordo com os
princípios da Declaração de Helsinque e da legislação brasileira pertinente e submetido à Comissão de Ética Médica do
Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras, e obtida sua
autorização.
No presente estudo foram incluídos 76 indivíduos de
uma coorte consecutiva, referidos para avaliação no Setor
de Eletrocardiologia Não-Invasiva da Divisão de Hipertensão Arterial do Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras, de janeiro/98 a janeiro/01, pertencentes ao Banco de
Dados de Sinais Eletrocardiográficos de Alta Resolução, em
andamento no mesmo setor do Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras desde setembro/97. Os indivíduos foram divididos em dois grupos, emparelhados quanto à idade, sexo e índice de massa corporal. Eram comprovadamente normais 34, (grupo I), e 42 com disfunção sistólica global
do ventrículo esquerdo (grupo II). No grupo II, todos faziam
uso regular de diuréticos, inibidores da enzima de conversão da angiotensina e digital, prescritos a critério da avaliação clínica primária, encontravam-se em ritmo sinusal e
apresentavam-se em classe funcional NYHA de II a IV.
Os indivíduos de cada grupo foram separados em
duas faixas etárias: subgrupo a - de 40 a 59 anos; subgrupo
b - de 60 a 80 anos. No grupo I, 21 indivíduos tinham idade
entre 40 e 59 anos (grupo Ia – média ± desvio-padrão (DP)
[mediana] - 48,7±5,2 [48,0] anos, 10 do sexo masculino), e 13
tinham idade entre 60 anos e 80 anos (grupo Ib - 71,3±5,9
[71,0] anos, sendo oito do sexo masculino). A história clínica, o exame físico, os exames laboratoriais, o exame radiológico e o eletrocardiograma de repouso foram normais em
todos os indivíduos do grupo I.
No grupo II, 18 indivíduos tinham idade entre 40 e 59
anos (grupo IIa - 48,7±6,2 [48,0] anos, 14 do sexo masculino)
e 24 tinham idade entre 60 e 80 anos (grupo IIb - 69,3±5,7
[69,0] anos, oito do sexo masculino).
No grupo II, todos apresentavam fração de ejeção do
ventrículo esquerdo ≤40%, avaliada pelo ecocardiograma
unidimensional. Vinte e dois tinham cardiopatia dilatada de
origem indeterminada (cineangiocoronariografia com artérias coronárias normais), 12 isquêmica (história pregressa
de infarto do miocárdio; presença de alterações de contratilidade segmentar ao ecocardiograma bidimensional; alterações eletrocardiográficas compatíveis com necrose em
pelo menos duas derivações que exploram a mesma região e
concordantes com as alterações ecocardiográficas) e
oito hipertensiva (índice de massa >130g⋅m-2 para mulheres
>150g⋅m-2, avaliado pela fórmula de Devereux dividida pela
área da superfície corporal). Seis indivíduos apresentavam
diabetes mellitus não-insulino dependente (DM2) e mantinham controle da glicemia através de dieta e/ou hipoglicemiante oral. O hábito de fumar, a ingestão alcoólica e o nível
de sedentarismo foram avaliados nos grupos e não apresentaram diferenças em sua distribuição.
Em todos os indivíduos foi realizado anamnese dirigida, exame físico e foram solicitados exames complementares (glicemia, colesterolemia, função renal e hepática, eletrocardiograma de repouso, radiografia do tórax e ecocardiograma). Foram aferidos freqüência cardíaca, freqüência e
amplitude respiratória, peso corporal e altura. A pressão
arterial foi aferida em ambos os braços, utilizando esfigmomanômetro de coluna de mercúrio. As medidas ecocardiográficas foram realizadas de acordo com os protocolos do
setor de ecocardiografia do Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras. Os sinais do eletrocardiograma foram
adquiridos para análise da V-RR conforme descrito em seguida. Todas as consultas e exames foram realizados no período entre 10h e 18h. No grupo II, 20 indivíduos estavam em
classe funcional III-IV.
Os sinais de eletrocardiograma foram captados durante 600s, a uma taxa de amostragem de 1kHz, utilizando o
conversor A/D CAD-1232 de 14 bits acoplado ao amplificador AECG03 (ambos Lynx Tecnologia Ltda., São Paulo) e
analisados utilizando o sistema ECGAR® 11. Os sinais foram
adquiridos com os indivíduos deitados em decúbito dorsal
e respirando em sua freqüência natural, em ambiente isolado, com a temperatura ambiente mantida em 25oC, no período entre 10h e 18h. Os exames foram realizados com intervalo de pelo menos 4h após a última refeição e, nos indivíduos
fumantes, com mais de 30min após a última carga tabágica.
A análise dos movimentos respiratórios foi realizada
com o indivíduo mantido em decúbito dorsal sobre uma
mesa basculante, respirando espontaneamente. A captação
dos sinais foi iniciada após 5min de repouso, desde o início
do decúbito. Para os indivíduos do grupo II que não toleraram o decúbito a zero grau, a mesa foi inclinada para valores
entre 30 e 45 graus, para que o exame pudesse ser realizado
confortavelmente.
Foram analisadas a freqüência e a amplitude dos movimentos respiratórios, utilizando-se o protocolo descrito por
Moody e cols. 12, e o comportamento da saturação de oxigênio (O2) pela oximetria externa. A respiração foi considerada
normal quando a freqüência respiratória encontrava-se
entre 12 e 24 incursões por minuto e amplitude dos movimentos respiratórios e a saturação do O2 apresentavam pouca variação. Identificou-se a presença de respiração oscilatória quando a amplitude respiratória, a freqüência respiratória e os valores da saturação de O2 variavam ciclicamente,
caracterizando a respiração de Cheyne-Stokes e a respiração periódica. O padrão oscilatório foi confirmado com o
registro gráfico dos movimentos respiratórios.
Todos os indivíduos dos grupos I e II obtiveram sinais
de eletrocardiograma de boa qualidade, permitindo a avaliação adequada dos movimentos respiratórios.
Os sinais de eletrocardiograma foram analisados no
domínio da freqüência. A série de intervalos RR normais
consecutivos detectados no eletrocardiograma de superfície foi linearmente interpolada e o espectro de potência calculado utilizando-se a transformada rápida de Fourier, utilizando técnica previamente descrita 13. Foram avaliadas as
áreas do espectro de potência sob as regiões de muito baixa
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freqüência, definida entre 0,003Hz e 0,05Hz, de baixa freqüência, entre 0,05Hz e 0,15Hz, e alta freqüências, entre
0,15Hz e 0,40Hz.
A análise da variação da amplitude torácica foi realizada através da comparação sincrônica com os batimentos
cardíacos, empregada a análise da função de coerência espectral quadrática (r2) entre ambas as variáveis e analisados
os valores nas faixas de muito baixa freqüência, baixa freqüência e alta freqüência. Os intervalos de confiança de r2
foram calculados empregando método modificado descrito
por Miranda de Sá e cols. 14. Na prática, valores de r2 >0,6
foram considerados significativos.
As variáveis do domínio da freqüência foram apresentadas em valores absolutos (muito baixa freqüência, baixa freqüência e alta freqüência, respectivamente) e percentuais relativos à potência total de modulação (pMBF, pBF e pAF, respectivamente), e expressos na forma de médias±DP. Os valores absolutos foram transformados em seus logaritmos naturais (LnT) para normalização antes da análise, devido à forte
assimetria em sua função densidade de probabilidade 15,16.
As comparações das variáveis do domínio da freqüência, quer em valores percentuais quer absolutos, entre grupo
I e grupo II foram realizados empregando-se o teste ‘t’ de
Student bicaudal, para as mesmas faixas de idade em cada
grupo. O estudo de variáveis da V-RR entre diferentes faixas
de idade foi realizada por Barbosa e cols. 11,15 e Barbosa-Filho
e cols. 13, não sendo objeto do presente estudo. A análise da
distribuição relativa de potência do espectro de potência
entre as faixas de freqüência foi realizada utilizando o teste de
aderência χ2, contra a hipótese de distribuição uniforme de
potência. As variáveis que expressam valores de contagem
foram analisadas através do teste χ2 com correção de Yates
ou a comparação de Fisher para pequenas amostras.
Para análise do significado diagnóstico, as variáveis
pMBF, pBF e pAF foram dicotomizadas no grupo II entre
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indivíduos com respiração normal e respiração oscilatória,
de acordo com a faixa etária. Para esta tarefa, empregou-se o
método que analisa a função definida pelo produto das funções de distribuição de probabilidade de cada grupo. Os
valores da especificidade e da sensibilidade são identificados nos pontos que maximizam esta função 13. A razão de
chance (odds ratio) e respectivos intervalos de confiança a
95% (IC95) foram calculados para cada variável isoladamente e os significados estatísticos avaliados através do teste
χ2 aplicado à comparação de proporções.
Os resultados foram empregados na construção de um
modelo de regressão logística multivariada com o objetivo
de analisar, no conjunto de dados, a presença de variáveis
com valor preditivo independente para a sobrevida após
um ano de evolução. As variáveis exploratórias pAF, pBF,
pMBF, DM2, fração de ejeção do ventrículo esquerdo, classe funcional e respiração tipo “Cheyne-Stokes” foram ajustadas ao modelo para a previsão de sobrevida, selecionadas
pelo processo "stepwise". O ajuste ao modelo de regressão
aos dados foi avaliado através do teste de aderência χ2
(com três graus de liberdade) e as variáveis preditivas ajustadas foram analisadas pelo teste χ2 da razão de máxima verossimilhança. Os valores de odds ratio de cada variável
foram calculados, após o melhor ajuste ao modelo, com os
respectivos intervalos de confiança a 95%.
Os dados foram analisados no módulo estatístico
Statgraphics 5,1 Plus (Statistical Graphics Corporation,
EUA) e MS Excel 2000 (Microsoft, EUA). O nível de
significância alfa foi fixado em 0,05 para todos os testes.
Resultados
Os valores e a distribuição das diversas faixas de freqüência do espectro de potência, batimento a batimento,
dos grupos estudados estão dispostos na tabela I. Os valo-
Tabela I - Valores demográficos e parâmetros avaliados
G-Ia
N
Idade (anos)**
Sexo (F/M)
PAS (mmHg)
PAD (mmHg)
Glicemia>120 mg/dL
IMC>25 Kg×m-2
FE < 40%
FCM (bpm)
AF-LnT (LN ms2)
BF LnT (Ln ms2)
MBF LnT (Ln ms2)
RN / RO
PAF (%)
PBF (%)
PMBF (%)
*
21
48,7 ± 5,2 [48]
11/10
125,0 ± 10,0
83,0 ± 5,1
0
0
0
69,2 ± 8,6
5,8 ± 1,0
5,8 ± 1,1
5,9 ± 0,7
21 / 0
28,1 ± 14,2
34,1 ± 18,7
37,8 ± 14,2
G-IIa
p*
G-Ib
18
48,7 ± 6,2 [48]
4/14
128,0 ±12,0
78,0 ± 6,0
2
0
18
84,5 ±14,0
2,9 ± 1,6
3,3 ± 1,7
3,5 ± 1,4
8 / 10
9,0 ±10,1
14,6 ± 9,8
76,3 ±15,1
NS
NS
NS
NS
NS
<0,001
<0,001
<0,001
<0,001
<0,001
0,05
<0,001
13
71,3 ± 5,9 [71]
5/8
138,0 ± 10,6
80,0 ± 5,4
0
0
0
71 ± 111,4
4,4 ± 1,0
4,7 ± 1,7
5,2 ± 1,0
13 / 0
21,0 ± 13,7
28,8 ± 12,8
50,3 ± 17,3
G-IIb
24
69,3 ± 5,7 [69]
16/8
130,0 ± 13,0
75,0 ± 8,0
4
0
24
86,5 ± 15
2,9 ± 1,0
3,1 ± 1,1
4,4 ± 1,8
19 / 5
13,9 ± 12,1
19,6 ± 13,6
66,3 ± 18,7
p*
NS
NS
NS
NS
NS
<0,001
<0,001
<0,01
NS
NS
NS
0,01
-nível de significância estatística; **- valores da idade expressos em média±DP [mediana], demais valores expressos em média±DP; AF- alta freqüência; BF- baixa
freqüência; MBF- muito baixa freqüência; LnT- transformação logarítmica (referir ao texto para detalhes); pAF- percentual de alta freqüência; pBF- percentual de baixa
freqüência; pMBF- percentual de muito baixa freqüência; FCM– freqüência cardíaca média; RN– padrão de respiração normal; RO- padrão de respiração oscilatória; FEfração de ejeção do ventrículo esquerdo; IMC- índice de massa corporal; PAS- pressão arterial sistólica; PAD- pressão arterial diastólica.
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res absolutos da AF LnT, BF LnT e da MBF LnT do grupo II
foram significativamente menores (p<0,001) que os observados no grupo I.
Na análise intra-grupos, enquanto os valores da AF
LnT, BF LnT e MBF LnT foram significativamente diferentes
entre os grupo Ia e grupo Ib (p<0,001), tal fato não foi observado entre os grupo IIa e grupo IIb.
O comportamento das variáveis pMBF, pBF e pAF do
grupo II dependeu do padrão respiratório. Assim, nos 27 indivíduos com respiração normal, a distribuição de potência
nas diversas faixas foi semelhante à encontrada em indivíduos controle. Para os 15 indivíduos com respiração oscilatória, independente se respiração de Cheyne-Stokes ou respiração periódica, a potência concentrou-se na faixa de
muito baixa freqüência (fig. 1).
No grupo II, entre os indivíduos sem e com DM2,
a média das variáveis da V-RR (respectivamente, para
pAF 10,4%±10,2% x 16,4%±16,3%; para pBF 18,3%±11,9% x
9%±8%; para muito baixa freqüência 71,1%±16,6 x 74,5%±
23,4%), da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (respectivamente, 28,8%±10,5% x 36,8%±9,4%), bem como a distribuição dos indivíduos em classe funcional III-IV (respectivamente, 66% x 50%), com respiração oscilatória (respectivamente, 41% x 50%) e sobrevida após um ano de evolução (respectivamente, 55% x 76%) não apresentaram diferenças estatisticamente significativas.
A análise de r2 entre a V-RR e a variação da amplitude
torácica mostrou que, tanto no grupo I quanto no grupo II
com respiração normal, houve coerência significativa em
todas as faixas [muito baixa freqüência (p<0,05) e alta freqüência (p<0,05)]. No grupo II, entre os indivíduos com respiração oscilatória, nos quais a potência da V-RR se concentrava em muito baixa freqüência, o valor de r2 só foi significativa nesta faixa (p<0,05) (fig. 2).
A análise de odds ratio demonstrou que os tipos respiratórios analisados não apresentaram associação estatisticamente significativa com classe funcional ou com etiologia da disfunção sistólica global do ventrículo esquerdo.
PADRÃO
RESPIRATÓRIO
DISFUNÇÃO SISTÓLICA GLOBAL
DO VENTRÍCULO ESQUERDO
NORMAL
RN
(N = 27 [ 63,4%] )
pMBF
54%
RO
(N = 15 [ 35,7%] )
pMBF
58,3%
pMBF
89%
pBF
22,3%
NORMAL: N=34,
pAF
23,7%
pBF
24,1%
pAF
17,6%
pAF
3,4%
pBF
7,6%
DSGVE: N=42
Fig. 1 – Distribuição percentual das faixas de freqüência das série de intervalos RR em
indivíduos normais, com disfunção sistólica global do ventrículo esquerdo e respiração normal e com disfunção sistólica global do ventrículo esquerdo e respiração oscilatória. Verificar que nos indivíduos com disfunção sistólica global do ventrículo esquerdo - RO a energia moduladora se concentra na faixa de muito baixa freqüência (pMBF).
DSGVE = disfunção sistólica global do ventrículo esquerdo, pMBF = percentual de
energia concentrada na região de muito baixa freqüência. RN = respiração normal.
No grupo II, a presença de fração de ejeção do ventrículo
esquerdo ≤25% associou-se a respiração normal com odds
ratio igual a 0,17 (IC95 [0,03 a 0,88]; p=0,03). Os valores de
sensibilidade e especificidade são apresentados na tabela II.
A variável pMBF no corte de >80% apresentou 100% de
acurácia preditiva, sendo capaz de identificar todos os indivíduos com padrão de respiração oscilatória. As comparações das variáveis clínicas e da V-RR entre os indivíduos com respiração normal e respiração oscilatória estão na
tabela III.
Ao final de 12 meses após a avaliação inicial, 42,2%
dos indivíduos do grupo II foram ao óbito. Destes, na avaliação inicial 21,4% estavam em respiração oscilatória e
78,6% em respiração normal (odds ratio = 0,34, IC95 [0,06 a
1,56]; NS), 78,6% em classe funcional 3-4 (odds ratio = 4,07;
IC95 [0,71 a 28,91]; NS), 71,4% com fração de ejeção do ventrículo esquerdo ≤ 25% (odds ratio = 7,00, IC95 [de 1,21 a
43,91]; p=0,03). A idade e o sexo dos indivíduos que evoluíram ao óbito após 12 meses de evolução (60,6±15,5 anos,
71,4% homens) não diferiram significativamente dos sobreviventes no mesmo período (59,8±12 anos, 68,4% homens).
No domínio da freqüência, empregando os valores de corte
de pBF em 20%, pAF em 15% para dicotomizar os grupos
que foram ao óbito e os sobreviventes, observou-se odds
ratio de 0,06 (IC95 [0,01 a 0,48]; p = 0,004) para pBF e 0,38
(IC95 [0,07 a 2,09]; NS) para pAF.
O modelo logístico para previsão da sobrevida após
um ano de evolução apresentou ajustamento adequado às
variáveis selecionadas (χ2 3 = 1,09; NS). As variáveis DM2,
classe funcional, e pMBF não apresentaram significado estatístico sobre o modelo e foram retiradas durante o processo de seleção stepwise, todas apresentando valores da
variável χ² < 0,01, no teste da razão de máxima verossimilhança (p ≈ 0,99). Os resultados do modelo ajustado são
apresentados na tabela IV.
Discussão
Os distúrbios respiratórios do tipo respiração oscilatória são freqüentes nos indivíduos com disfunção sistólica
global do ventrículo esquerdo, em especial os registrados
com o indivíduo acordado. Alguns estudos têm mostrado
que esses distúrbios podem agir de forma desfavorável
sobre o prognóstico dos indivíduos com disfunção sistólica global do ventrículo esquerdo 2,8,9,17.
Quando os intervalos RR do eletrocardiograma são
analisados pelo espectro de potência e registrados nas diversas bandas freqüências, observa-se que esses intervalos são modulados pela respiração numa faixa que vai de
0,01Hz a 0,40Hz (dados não publicados). Nessa faixa, o efeito dos movimentos respiratórios sobre o espectro de potência dos intervalos RR se faz, predominantemente, pelas
variações cíclicas do tônus do sistema nervoso autonômico
sobre o nó sinusal, mediado, principalmente, pelos barorreflexos 18.
Analisando o comportamento do espectro de potência dos intervalos RR e comparando-se com o observado
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Fig. 2 - Registro simultâneo da variação da amplitude torácica e dos intervalos RR em dois indivíduos com respiração de Cheyne-Stokes (traçados A-B-C-D) e periódica (E-F-GH). Observar que em ambos tipos respiratórios há coerência espectral na faixa de MBF (traçados C-D → r2=0,72; traçados G-H → r2=0,89), entre a V-RR e a V-AT. V-RR = variabilidade
dos intervalos RR. V-AT = variabilidade da amplitude torácica.
em indivíduos normais, notamos que, nos indivíduos com
disfunção sistólica global do ventrículo esquerdo, destacam-se dois padrões distintos. Em 15 indivíduos (35,7%)
com respiração oscilatória, 89,2% em média da potência espectral total se concentrava na faixa de muito baixa freqüência, independente se respiração de Cheyne-Stokes ou respiração periódica, demonstrando que os intervalos RR são
modulados, predominantemente, por movimentos respiratórios de baixa freqüência (figs. 1 e 2). Para os demais 27 indivíduos (64,3%), que tinham a amplitude dos movimentos
respiratórios sem grandes variações cíclicas, verificamos
que o comportamento do espectro de potência apresentou
distribuição normal (fig. 1).
Nas formas de respiração oscilatória descritas na literatura, a redução da energia das faixas baixa freqüência e
alta freqüência do espectro de potência, que representam a
modulação dos controles eferentes que caminham pelo sistema simpático-vagal, tem sido atribuída à diminuição da capacidade reguladora dos barorreflexos, seja ela devida à
perda da sensibilidade dos barorreceptores periféricos ou à
redução da ritmicidade dos impulsos autonômicos eferen548
tes, oriundos dos núcleos cerebrais 19,20. Esse fato ficou bem
evidente, no presente estudo, tendo em vista que os valores da energia da banda de alta freqüência e baixa freqüência
foram significativamente mais baixos no grupo II (p<0,001).
Por outro lado, tem-se verificado que na disfunção
sistólica global do ventrículo esquerdo há aumento tanto
da sensibilidade dos quimiorreceptores periféricos quanto
do tempo de circulação entre o pulmão e os centros cerebrais
reguladores da respiração. Assim, enquanto a hipersensibilidade dos quimiorreceptores intensifica a resposta dos sistemas, que controlam ganho (aumento da sensibilidade às
alterações de O2 e CO2) e diminuem as dos que o amortecem
(diminuição das reservas de O2 e CO2), o aumento do tempo
de circulação retarda o processo de transferência das informações. Essas alterações, por sua vez, provocam instabilidade dos sistemas de retroalimentação que controlam a respiração, determinando, então, as duas formas de respiração
oscilatória 21-23. Sendo a V-RR modulada predominantemente pelos movimentos respiratórios que, devido aos fatos
citados, são constituídos por oscilações de muito baixa freqüência, as características da potência espectral modulado-
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Tabela II - Análise do valor diagnóstico das variáveis analisadas, no grupo II, relativos à presença de respiração oscilatória
Valor de corte
Especificidade
Sensibilidade
Acurácia total
> 15%
> 20%
> 80%
48,2% (p<0,01)
59,3% (p<0,01)
100% (p<0,001)
100% (p<0,001)
100% (p<0,001)
100% (p<0,001)
66,7% (p<0,001)
73,8% (<0,001)
100% (p<0,001)
pAF (%)
pBF (%)
pMBF (%)
pAF- energia percentual do espectro de potência da V-RR concentrada na região de alta-freqüência; pBF- energia percentual do espectro de potência da V-RR concentrada
na região de baixa-freqüência; pMBF- energia percentual do espectro de potência da V-RR concentrada na região de muito baixa-freqüência.
respiratório e tornar o prognóstico da disfunção sistólica
global do ventrículo esquerdo mais reservado, independente
do grau de comprometimento dos parâmetros clínicos e laboratoriais. Estes fatos, em especial os relacionados ao desenvolvimento de arritmias e deterioração da função
ventricular teriam como bases fisiopatológicas o desequilíbrio autonômico, a hipóxia, a hipercapnia e o aumento das
aminas simpáticas, agravando, portanto, os distúrbios
neurohormonais, em especial, no que concerne aos níveis
elevados das catecolaminas 10,24. Quanto ao quadro clinico,
laboratorial e evolutivo dos indivíduos analisados, observou-se que os padrões respiratórios e as características da
V-RR foram independentes da classe funcional, da causa da
disfunção sistólica global do ventrículo esquerdo, da magnitude das alterações dos parâmetros ecocardiográficos, sem
que fosse possível avaliar a sua capacidade arritmogênica.
Embora outros observadores tenham constatado que a respiração oscilatória, durante o período de vigília, aumenta a mortalidade dos indivíduos com disfunção sistólica global do
ventrículo esquerdo 8, fato não observado em nosso estudo.
Utilizando modelo de regressão logística com seleção tipo
stepwise das variáveis ajustadas, a análise multivariada demonstrou que somente a fração de ejeção do ventrículo esquerdo apresenta valor preditivo independente para previsão
da sobrevida após um ano de evolução (p=0,0005).
Desta forma, concluímos que: 1) a respiração oscilatória é um tipo respiratório comum nos indivíduos com disfunção sistólica global do ventrículo esquerdo, observado
em 35,7% deste grupo durante a vigília, e caracterizado por
um padrão próprio de V-RR; 2) a respiração oscilatória não
demonstra correlação com a gravidade, a causa da disfunção sistólica global do ventrículo esquerdo, a presença de
Tabela III – Análise do padrão respiratório no Grupo II em função
de parâmetros funcionais*
RN
RO
N
27
Idade (anos)
63,9 ±13
Sexo (F/M)
11 / 16
CF III-IV (%)
63,2%
DM2 (%)
10,5%
FE (%)
25,1 ± 9,5
AF LnT (Ln ms)
2,9 ± 1,4
BF LnT (Ln ms2)
3,3 ± 1,4
MBF LnT (Ln ms2)
3,7 ± 1,5
PAF (%)
17,6 ± 8,8
PBF (%)
24,1 ± 8,4
PMBF (%)
58,3 ± 8,1
Etiologia
52,6%
CPD-ISQ-HIP **
36,8% - 10,5%
% de óbito após 12 meses
57,9%
p
15
55,2 ±12,1
2 / 13
53,3%
20%
36,2 ± 8,6
2,7 ± 1,6
3,2 ± 1,6
5,9 ± 1,8
3,4 ± 8,8
7,6 ± 8,4
89 ± 8,1
40%
33,3% - 26,7%
21,4%
NS
NS
NS
NS
<0,01
NS
NS
<0,001
<0,001
<0,001
<0,001
NS
0,01
* RN- respiração normal; RO- respiração oscilatória; **CPD- cardiopatia
dilatada; ISQ- cardiopatia isquêmica; HIP- cardiopatia hipertensiva; CF–
classe funcional NYHA; AF- alta freqüência; BF- baixa freqüência; MBFmuito baixa freqüência; LnT- transformação logarítmica (referir ao texto para
detalhes); pAF– percentual de alta freqüência; pBF- percentual de baixa freqüência; pMBF- percentual de muito baixa freqüência; FE- fração de ejeção
do ventrículo esquerdo.
ra da V-RR se modificam de forma consistente, observandose desvio para a esquerda das bandas de freqüência do espectro de potência, com importante concentração de potência na faixa de muito baixa freqüência.
A importância do reconhecimento destes tipos respiratórios e do comportamento da V-RR na disfunção sistólica
global do ventrículo esquerdo, tanto durante o sono quanto
no período de vigília, se prende ao fato de que podem alterar
a qualidade de vida e comprometer o desempenho cardior-
Tabela IV - Apresentação dos resultados do modelo de regressão logística multivariada para previsão da sobrevida dos indivíduos do
Grupo II após um anos de evolução, com quatro variáveis exploratórias
Variáveis
Constante
pAF (%)¶
pBF (%)¶
FE (%)¶
Respiração (=N)¶
Coeficiente β*
Erro-padrão*
-4,17
0,01
-0,04
0,16
0,79
2,01
0,05
0,05
0,05
1,57
Teste χ² **
p
0,04
0,63
12,04
0,26
0,85
0,43
0,0005
0,61
“Odds ratio” …
1,01
0,96
1,17
2,21
IC 95%……
0,92
0,88
1,05
0,09
a
a
a
a
1,11
1,06
1,30
55,0
*- representa o peso de cada variável no modelo, e respectivo erro-padrão da estimativa; **- teste da variável χ² para a razão de máxima verossimilhança (1 grau de
liberdade); …- controlando outras variáveis no modelo, para cada aumento de uma unidade em uma determinada variável, a probabilidade de ocorrer o evento aumenta
proporcionalmente ao valor do “odds ratio” respectivo; ……- intervalo de confiança a 95%; ¶-pAF- percentual da potência total correspondente à região de alta freqüência
do EP; pBF– percentual da potência total correspondente à região de baixa freqüência do EP; FE– fração de ejeção do ventrículo esquerdo; respiração (=N) – padrão
respiratório, registrado durante a vigília (N= padrão normal).
549
Barbosa e cols
Efeito da respiração oscilatória sobre a variabilidade dos intervalos RR
DM2 e não representa marcador preditivo independente de
mortalidade após 12 meses de evolução; 3) a análise
multivariada revela que a fração de ejeção é a única variável
Arq Bras Cardiol
2003; 80: 544-50.
que apresenta valor preditivo independente para sobrevida
após um ano de evolução, em indivíduos com disfunção sistólica global do ventrículo esquerdo.
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