Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro Biomédico Faculdade de Enfermagem Maria das Graças Gazel de Souza Representações sociais do câncer para o familiar do paciente oncológico em tratamento quimioterápico Rio de Janeiro 2011 Maria das Graças Gazel de Souza Representações sociais do câncer para o familiar do paciente oncológico em tratamento quimioterápico Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Enfermagem, Saúde e Sociedade. Orientador: Prof. Dr. Antonio Marcos Tosoli Gomes Rio de Janeiro 2011 CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/CBB S729 Souza, Maria das Graças Gazel de. Representações sociais do câncer para o familiar do paciente oncológico em tratamento quimioterápico / Maria das Graças Gazel de Souza. - 2011. 129 f. Orientador: Antonio Marcos Tosoli Gomes. Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Enfermagem. 1. Representações sociais. 2. Câncer. 3. Enfermeiros. 4. Relações profissional-família . 5. Paciente. 6. Quimioterapia. I. Gomes, Antonio Marcos Tosoli. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Enfermagem. III. Título. CDU 614.253.5 Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação. ________________________________________ Assinatura _________________________ Data Maria das Graças Gazel de Souza Representações sociais do câncer para o familiar do paciente oncológico em tratamento quimioterápico Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Enfermagem, Saúde e Sociedade. Aprovada em 02 de Março de 2011. Banca Examinadora: _________________________________________ Prof. Dr. Antonio Marcos Tosoli Gomes Faculdade de Enfermagem da UERJ _________________________________________ Prof.ª Dra. Fátima Helena do Espírito Santo Faculdade de Enfermagem da UFF _________________________________________ Prof. Dr. Sergio Corrêa Marques Faculdade de Enfermagem da UERJ Rio de Janeiro 2011 DEDICATÓRIA A minha querida mãe (in memoriam). AGRADECIMENTOS A Deus pelo dom da vida e por sempre ter colocado em meu caminho pessoas especiais que me ensinaram muito mais do que uma metodologia de estudo mas um caminhar e um olhar atento para a vida. Ao meu querido orientador, Professor Doutor Antonio Marcos Tosoli Gomes, meu querido Tosolinho, que muito mais que um orientador foi um pai, foi um amigo nas horas em que mais necessitei. Obrigada querido, por compreender minhas limitações e por me ensinar que, apesar dos obstáculos, podemos ir sempre além do que pensamos poder. Ao meu querido amigo e irmão espiritual, Leandro Andrade. Obrigada amigo, pela amizade sincera, por ter sido o irmão amigo quando precisei, por tornar as dificuldades encontradas ao longo dessa trajetória menores do que realmente eram, por trazer nos dias tristes um sorriso, uma brincadeira, por tornar esse caminhar muito mais suave. À querida Fátima Helena do Espírito Santo por me acompanhar desde a graduação sempre com muito carinho, atenção e zelo. Você, querida Fata, foi a mãe que precisei em muitos momentos. Ao querido professor Sérgio Marques, o meu muito obrigada pela atenção, pela educação e pelo carinho desde o primeiro momento em que recebeu o convite para participar de minha banca examinadora. A todos os familiares dos pacientes com câncer que estão no dia a dia na luta constante pela vida e na esperança de alcançar a cura. Ao Instituto Nacional de Câncer, responsável por minha formação e aprendizado em Oncologia. Muito mais que uma escola, uma verdadeira lição de vida. Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato... Ou toca, ou não toca. Clarice Lispector RESUMO SOUZA, Maria das Graças Gazel de. Representações sociais do câncer para o familiar do paciente oncológico em tratamento quimioterápico. 2011. 129 f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. Considerando-se que a família vivencia e partilha junto com o doente todos os sentimentos, emoções e angústias que envolve o diagnóstico e o tratamento do câncer, o presente estudo teve como objetivos descrever as dimensões das representações sociais acerca do câncer para familiares do cliente oncológico em tratamento quimioterápico ambulatorial em uma unidade de referência para o seu tratamento; analisar a representação social do câncer elaborada por familiares do cliente oncológico em tratamento quimioterápico ambulatorial; e discutir as contribuições do enfermeiro junto à família do cliente oncológico em tratamento quimioterápico ambulatorial a partir da construção representacional do câncer para os sujeitos do estudo. De caráter qualitativo, o caminho metodológico foi construído com base na Teoria das Representações Sociais. Os sujeitos foram 30 familiares que estavam acompanhando o doente durante o tratamento quimioterápico. Os dados foram coletados a partir da realização de entrevistas semi-estruturadas e analisados através da análise de conteúdo de Bardin (1979), sistematizada por Oliveira (2008), com o auxílio do software QRS Nvivo 2.0. Da análise dos dados emergiram seis categorias que compõem o campo representacional e se expressa através das dimensões representacionais concretizadas nas seguintes categorias: sentimentos compartilhados por familiares de clientes oncológicos em tratamento quimioterápico, que mostra que, ao se depararem com a doença e sua dura realidade, os familiares são acometidos por diversos tipos de sentimentos; imagens, metáforas e conceitos no existir da família que enfrenta a doença, onde os familiares revelaram que o câncer é percebido, entre outras coisas, como um monstro que invade a vida das pessoas e dela passa a tomar conta e a dominá-la; preconceitos e estigmas na vivência do câncer, que revelou que ainda hoje existem representações e estigmas presentes na sociedade e em suas construções culturais acerca do câncer; diferentes práticas desenvolvidas no contexto da doença e do processo de adoecimento pelo câncer, que evidenciou as diferentes práticas presentes no discurso dos sujeitos, quais sejam, a de religiosidade no contexto do câncer, a de enfrentamento da doença, a de comunicação-ocultamento e de atitudes da família ao estar no mundo frente ao câncer; o processo de ancoragem e o conhecimento adquirido após a experiência do câncer, onde surgiram os conhecimentos que os sujeitos adquiriram acerca do câncer e alguns elementos do processo de ancoragem do câncer; as vivências do enfermeiro que trabalha em oncologia e suas contribuições junto à família que alerta os enfermeiros para a necessidade de intervenções efetivas direcionadas à assistência integral do indivíduo, levando em consideração a importância da família. Conclui-se que ao se descobrir acompanhando um familiar que tem câncer, a família passa a viver um outro mundo, no qual a possibilidade de morte se mostra de forma inevitável e iminente. Diante disso, a família passa a valorizar não apenas o cuidado dispensado ao doente, mas também anseia por uma atenção profissional que contemple seu existir e seu modo de viver. Palavras-chave: Representações sociais. Câncer. Família. Quimioterapia. ABSTRACT Considering that the family experiences and sharing with the patient all the feelings, emotions and anxieties surrounding the diagnosis and treatment of cancer, this study aimed to describe the dimensions of social representations of cancer for relatives of the client in oncology chemotherapy in an outpatient unit for their treatment, analyze the social representation of cancer produced by relatives of the client in oncology outpatient chemotherapy treatment, and discuss the contributions of the nurse with the client's family in cancer chemotherapy outpatients from the construction representational of cancer among the study subjects. Character and quality, a methodological approach was based on the Theory of Social Representations. The subjects were 30 family members who were accompanying the patients during chemotherapy. Data were collected from the interviews were semistructured and analyzed through content analysis of Bardin (1979), systematized by Oliveira (2008), with the help of software QRS NVivo 2.0. The analysis of the data emerged six categories that make up the representational field and is expressed through the representational dimensions achieved in the following categories: feelings shared by relatives of oncology and chemotherapy, which shows that, when faced with the disease and its harsh reality, family members are affected by different kinds of feelings, images, metaphors and concepts exist in the family facing the disease, where family members revealed that the cancer is perceived, among other things, like a monster that invades people's lives and it is to take over and dominate it, prejudice and stigma in the experience of cancer, which showed that even today there are Representations and stigmas in society and their cultural constrictions about cancer, and different practices developed in the context of disease and disease process by cancer, which highlighted the different practices within the discourse of the subjects, namely, that of religiosity in the context of cancer, the disease-fighting, the communication-concealment and attitudes of the family to be in the world against the cancer, the process anchor and the knowledge acquired after the cancer experience, and on which the knowledge acquired about the subjects of cancer and some elements of the anchoring process of cancer, the experiences of nurses working in oncology and its contributions to the family that alert nurses the need for effective interventions aimed at comprehensive care of the individual, taking into consideration the importance of family. It follows that to find out if accompanying a family member who has cancer, the family has to live another world, where the possibility of death shown so inevitable and imminent. Given this, the family has to not only appreciate the care the patient but also yearns for a professional care that addresses their existence and their way of living. Keywords: Social representations. Cancer. Family. Chemotherapy. LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Distribuição dos sujeitos do estudo segundo o sexo.................... Tabela 2 – Distribuição dos sujeitos do estudo segundo a idade................... 48 Tabela 3 – Distribuição dos sujeitos do estudo segundo o estado civil. 48 Tabela 4 – Distribuição dos sujeitos do estudo segundo a escolaridade....... Tabela 5 – Distribuição dos sujeitos do estudo segundo a religião. 49 Tabela 6 – Distribuição dos sujeitos do estudo segundo o número de filhos. Tabela 7 – Distribuição dos sujeitos do estudo segundo o grau de 47 49 50 parentesco..................................................................................... 50 Tabela 8 – Distribuição dos sujeitos do estudo segundo o tempo de diagnóstico.................................................................................... 51 Tabela 9 – Distribuição dos sujeitos do estudo segundo o local de moradia. 52 Tabela 10 – Distribuição dos sujeitos do estudo segundo o histórico de câncer na família........................................................................... 52 Tabela 11 – Distribuição dos sujeitos do estudo segundo o tratamento anterior ao quimioterápico............................................................. 53 Tabela 12 – Distribuição dos sujeitos do estudo segundo o contato prévio com a consulta de enfermagem.................................................... 53 SUMÁRIO CONSIDERAÇÕES INICIAIS ................................................................ 10 1 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO...................................... 18 1.1 A Teoria das Representações Sociais ............................................... 18 1.2 A família como núcleo social .............................................................. 25 1.3 O tratamento quimioterápico e o processo de adoecer de câncer . 32 2 METODOLOGIA .................................................................................... 40 3 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS ................................ 47 3.1 Caracterização dos sujeitos ................................................................ 47 3.2 As dimensões representacionais ....................................................... 55 3.2.1 Sentimentos compartilhados por familiares de clientes oncológicos em tratamento quimioterápico ...................................................................... 3.2.2 55 Imagens, metáforas e conceitos do câncer para os familiares que enfrentam a doença ............................................................................... 66 3.2.2.1 As imagens e metáforas do câncer ........................................................ 66 3.2.2.2 Os conceitos desenvolvidos pelos familiares acerca do câncer ............ 71 3.2.3 Preconceitos e estigmas na vivência do câncer .................................... 73 3.2.4 As diferentes práticas de enfrentamento desenvolvidas no contexto da doença e do processo de adoecimento pelo câncer ......................... 80 3.2.4.1 As práticas religiosas no contexto do câncer ......................................... 80 3.2.4.2 Os mecanismos de superação da doença e do adoecimento ............... 83 3.2.4.3 Práticas de proteção na vivência do câncer ........................................... 86 3.2.4.4 As atitudes da família ao estar no mundo frente a frente com o câncer 88 3.2.5 O conhecimento acerca do câncer e alguns elementos de ancoragem 90 3.2.6 As vivências do enfermeiro que trabalha em oncologia e suas 4 contribuições junto à família ................................................................... 98 CONCLUSÃO ........................................................................................ 107 REFERÊNCIAS ..................................................................................... 111 APÊNDICE A - Questionário de Caracterização dos Sujeitos ............... 123 APÊNDICE B - Roteiro de Entrevista .................................................... 124 APÊNDICE C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .............. 126 ANEXO – Carta de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa........... 129 10 CONSIDERAÇÕES INICIAIS O interesse pelo tema surgiu a partir da experiência pessoal com o adoecimento de um familiar próximo. Mais tarde, durante a o curso de graduação em Enfermagem da Universidade Federal Fluminense, pude ter um contato mais próximo com os pacientes com câncer e seus familiares, o que me despertou a vontade de fazer a Residência em Enfermagem Oncológica no Instituto Nacional de Câncer. Ali, pude sentir, juntamente com os pacientes e seus familiares, a dor, a angústia, as decepções e as esperanças que envolvem a experiência do adoecimento por câncer de um ente querido. Apenas a vivência deste processo explicita, de forma marcante, a importância de se receber o apoio da equipe de saúde e, principalmente, dos enfermeiros, por permanecerem em tempo integral ao lado dos pacientes e por acompanhar a maioria dos dissabores inerentes ao diagnóstico de uma doença debilitante como o câncer, seus tratamentos e seus efeitos indesejáveis, tanto físicos quanto psicológicos. Foi através dessa experiência que aprendi a superar muitos medos e a compreender melhor o sentido de se estar no mundo, valorizando a vida. Trabalhar com pacientes oncológicos e seus familiares é entender a importância da humildade, da caridade, da doação e do amor ao próximo. Um verdadeiro tesouro em forma de aprendizado para a vida profissional e também para a vida pessoal. Frente a isto, destacamos que a identidade do doente e de seus familiares é abalada quando submetida à vivência de um intenso sofrimento, como o gerado pela presença do câncer. O impacto do diagnóstico, a realização de cirurgias mutiladoras, a submissão ao tratamento quimioterápico e radioterápico prolongado, as limitações impostas pela própria doença, a redução das atividades diárias e sociais e a incerteza quanto ao futuro são alguns dos aspectos que influenciam fortemente a vida dessas pessoas (PETUCO; MARTINS, 2006). Ao mesmo tempo, o câncer constitui um importante problema de saúde pública para o mundo desenvolvido e também para as nações em desenvolvimento, uma vez que é responsável por mais de 12% de todas as causas de óbito no mundo, onde mais de 7 milhões de pessoas morrem anualmente da doença. De acordo com a International Union Against Câncer (UICC) citado pelo Ministério da Saúde, a incidência de câncer é estimada em 11 milhões de casos novos em 2002 e 11 alcançará mais de 15 milhões em 2020. A partir da constatação de que o câncer é um problema de saúde pública, passa a ser importante o conhecimento de sua magnitude para que se possa ter subsídios para o seu controle, seja por meio de programas de prevenção e de detecção precoce, seja pela organização e financiamento da rede assistencial para o tratamento e a reabilitação da população (INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER, 2006). O câncer é uma doença caracterizada pela multiplicação descontrolada de células defeituosas ou atípicas, que escapam ao controle do nosso sistema imunológico por algum motivo até hoje desconhecido. Saber que os próprios cientistas não têm o controle do câncer contribui para que um dos maiores medos de algumas pessoas seja desenvolver essa doença agressiva, mutilante, de alto grau de letalidade e de futuro incerto e desconhecido. Como toda doença grave, o câncer confronta o doente e toda a sua família com o risco de morte iminente, causando profundas modificações em suas vidas. Mesmo com todos os avanços que vem apontando as possibilidades de cura para alguns tipos de câncer, podemos observar que o diagnóstico é marcado por incertezas e angústias na vida do doente e de seus familiares (SILVA, 2007). São comuns as reações iniciais de desconfiança, de questionamentos sobre a validade do diagnóstico, levando o doente e seus familiares à procura de outros médicos para novos exames, o que resulta na demora do início do tratamento. Muitas vezes, a doença é mantida em segredo e abordada de forma não muito clara e em códigos, criando barreiras que dificultam as discussões sobre estratégias de enfrentamento mais produtivas (SILVA, 2007). É um tempo de intensos questionamentos familiares, conflitos, acusações pela responsabilidade da doença, busca de explicações para essa nova realidade, na tentativa de atribuir uma causa ao câncer. As dificuldades também estão relacionadas à compreensão da doença e de seu tratamento, que é muito complexo (SILVA, 2007). Estas consequências não se devem apenas às especificidades da doença, mas também porque a palavra „câncer‟ está relacionada a uma doença terrível, sem cura e que geralmente termina em morte e é permeada por muito sofrimento. Uma forma de administrar essa complexidade é entender como as famílias precisam enfrentar e aprender a lidar com os problemas deflagrados com as situações específicas relacionadas à introdução de uma doença grave na família (PENNA, 2004). 12 Nesse contexto, podemos observar que, muitas vezes, a família encontra-se despreparada para enfrentar o adoecimento e o sofrimento de um de seus membros, fazendo com que o processo do adoecer se torne penoso e sofrido para todos os envolvidos. Acreditamos que a família necessita de ajuda e compreensão, pois presencia um ente querido sofrer de uma doença com prognóstico reservado e repleto de construções simbólicas e culturais. O sofrimento da família tende a ser mais evidente quando o tratamento quimioterápico é iniciado e a mesma passa a acompanhar de perto as repercussões e os efeitos dos agentes antineoplásicos em seu parente. Por se tratar de uma terapêutica sistêmica, a quimioterapia antineoplásica gera reações desagradáveis no organismo como náuseas, vômitos, diarreia, queda de pêlos e ulcerações na mucosa oral. Todos esses efeitos afetam a aparência física levando as pessoas acometidas, muitas vezes, a sentimentos de revolta frente a tal situação e à vergonha do próprio corpo (SOUZA; ESPIRITO SANTO, 2008). O auxílio físico e emocional ao indivíduo doente e a seus familiares é fundamental para enfrentar o sofrimento que a doença e o tratamento impõem como as dores, os medos, as náuseas, os vômitos, a falta de apetite, a aparência comprometida pela queda dos cabelos provocada pelo tratamento quimioterápico, as marcas da radioterapia, a presença de cateteres venosos centrais, os hematomas ocasionados pelas constantes punções venosas, a queda da imunidade, a fadiga, o mal estar físico e a depressão. Além de tudo isso, as idas constantes ao hospital ou as hospitalizações prolongadas são fatores que desestruturam o paciente e a família (SILVA, 2007). Durante este processo de tratamento, o enfermeiro é um dos profissionais mais próximos do doente e de sua família, participando desde o momento da internação hospitalar até a sua alta, bem como no acompanhamento ambulatorial. Contudo, podemos verificar o centro do cuidado e da atenção voltados ao paciente e não à família.Tal fato remeteu-nos a pensar no modelo biomédico de assistência onde o foco da assistência está voltado para a cura da doença em detrimento do ser humano como alguém que está inserido em um contexto bio-psico-social. Esta crença na relação de cuidado pouco responde às reais necessidades da família, pois não a considera em sua unidade, seus laços afetivos, sua realidade e suas diretrizes norteadoras do viver. Portanto, a família deve ser conhecida com suas características e necessidades particulares. Torna-se interessante destacar 13 que o enfermeiro, normalmente, considera-se como conhecedor da família. Porém, ao ponderar melhor acerca desta questão e ampliar seus conhecimentos a respeito, notam-se tímidos domínio sobre a temática ou até mesmo o seu despreparo ou equívoco a respeito (WERNET; ÂNGELO, 2003). Entretanto, pensar no cuidado de enfermagem exige a inclusão da família como parte integrante deste cuidado, particularmente quando se trata da questão da pessoa com câncer, o que demanda suporte social e familiar no enfrentamento da doença. Ao refletir a esse respeito, questiona-se o motivo desta discrepância. Seria uma incompatibilidade no modo de como se pensa sobre a família e na real concepção do que ela significa? Ou seja, será que realmente a família é considerada como uma instância importante pelos enfermeiros? Ou será que, por saberem que existem teorias que norteiam um cuidar valorizador da família, estes profissionais as citam e até pensam dominar seus princípios? Mas isto, segundo Wernet e Ângelo (2003), não os toca interiormente e eles não acreditam nos benefícios possíveis de serem alcançados por estas perspectivas de cuidar. A partir do momento que o indivíduo tem o diagnóstico de câncer, muitas mudanças ocorrem em sua vida. Essas mudanças são físicas, devido à doença, seus sintomas, seu tratamento e os seus efeitos adversos, sociais, em função dos gastos financeiros, o desequilíbrio econômico e a restrição na convivência do grupo social, psicológicas, pela configuração de um processo depressivo e pelos diversos medos que surgem a partir do diagnóstico, como o relativo da morte e a desfiguração corporal e espiritual, como a implementação de um processo de barganha com o divino, a adoção de atitudes extremas com ele, como amor ou ódio, ou um estágio de descrença absoluta, mudanças estas que repercutem na família. Baseado nesta premissa fica claro que a família requer suporte adicional e intervenções especializadas para enfrentar a situação que está vivenciando (FITCH, 2006). Tendo em mente que o cuidar em enfermagem é constituído de um encontro entre pessoas, o enfermeiro deve participar junto, com os familiares, neste contexto, envolvendo sentimentos de cumplicidade, ações de cuidar e a necessidade de transformações da prática profissional. Acredita-se que cuidar do ser é um exercício da arte de escutar e do encontro, o que fundamenta a enfermagem enquanto profissão: lançar mão de habilidades e de competências, bem como da objetividade e também da subjetividade presente no ser humano e nas relações que se 14 estabelecem entre profissionais, usuários e familiares (SILVA; GONÇALVES, 2006). Assim, concorda-se com Boff (1999, p. 91), que considera que “o cuidado somente surge quando a existência de alguém tem importância para mim. Passo então a dedicar-me a ele; disponho-me a participar de seu destino, de suas buscas, de seus sofrimentos e de seus sucessos, enfim, de sua vida”. Logo, o cuidar para o enfermeiro está presente em sua essência primeiro como ser humano e, depois, como profissional. Deve-se buscar compreender o cuidado como a estrutura fundamental do ser, pois é através de um cuidar autêntico que se pode proporcionar aos pacientes e seus familiares a esperança de conhecer a si mesmo na busca de caminhos para a sua vida e motivações menos frágeis para suas escolhas (SILVA; GONÇALVES, 2006). Tudo isto faz repensar acerca de um cuidar em enfermagem efetivo e abrangente da unidade cliente-família. Por isto mesmo, entender o que é o cuidado não é tão simples, precisa-se vivenciá-lo e isso acontece através dos sentimentos que envolvem as ações profissionais. Em um sentido genérico, cuidado, na abordagem proposta neste trabalho, é compreensão, amor, entrega, toque, contato humano, a palavra dita no momento necessário, despir-se de preconceitos e ter paciência e respeito pelo outro (LOURENÇO; NEVES, 2004). Então, qual deveria ser o significado de cuidar para o enfermeiro? Seria o mesmo que assistir ou realizar procedimentos técnicos? Compreende-se que o cuidar é mais abrangente do que isto. Para cuidar efetivamente, o enfermeiro precisa potencializar a sua visão interior e valorizar sua intuição, aliada ao conhecimento técnico-científico, no sentido de buscar identificar com o outro o que ele necessita em um determinado momento da sua vida (LOURENÇO; NEVES, 2004). Neste estudo, pretende-se analisar a representação do câncer para familiares de clientes oncológicos em tratamento quimioterápico ambulatorial com vistas a discutir as contribuições que o enfermeiro pode oferecer para esta família. Assim, optamos pela Teoria das Representações Sociais como fundamentação do estudo, por considerá-la útil para explicar a construção do saber compartilhado por um determinado grupo. Assim, pudemos definir como objeto de estudo: A Representação Social do câncer para familiares de clientes oncológicos em tratamento quimioterápico ambulatorial. De acordo com a problemática descrita, traçamos os seguintes 15 objetivos: a) descrever as dimensões das representações sociais acerca do câncer para familiares do cliente oncológico em tratamento quimioterápico ambulatorial em uma unidade de referência para o seu tratamento; b) analisar a representação social do câncer elaborada por familiares do cliente oncológico em tratamento quimioterápico ambulatorial; c) discutir as contribuições do enfermeiro junto à família do cliente oncológico em tratamento quimioterápico ambulatorial a partir da construção representacional do câncer para os sujeitos surpracitados. O câncer traz consigo o estigma social de doença incurável. Apesar dos avanços tecnológicos na cura de muitas neoplasias malignas, prevalece ainda uma representação relacionada à dor, à mutilação, à deformidade e à morte. Além disso, o início do tratamento quimioterápico gera um grande desconforto físico e psicológico ao doente e à sua família. Apesar do sofrimento da família, o apoio que esta oferece ao doente torna-se indispensável para que o processo de recuperação seja menos doloroso, pois a unidade familiar tende a propiciar proteção, segurança e cuidados essenciais para a melhora do paciente. A família, nesse momento, atua como suporte psicológico para fazer com que seu ente querido sofra menos com os efeitos característicos da quimioterapia (ANDRADE et al., 2006). A partir do momento em que se recebe um diagnóstico de câncer, a pessoa se vê em confronto com questões como a morte, a angústia, a depressão e a mutilação que levam a uma transformação na vida da pessoa e de seus familiares, interferindo profundamente no contexto de vida dessas pessoas (FREITAS et al., 2006). Durante o curso da doença oncológica e seu tratamento, a família enfrenta e enfrentará muitas situações difíceis, novas ou não, que farão parte de sua vivência. Neste período, o doente e os familiares que compartilham da situação, passam por diversos conflitos psicológicos e enfrentam sérias crises emocionais, vivendo momentos de dúvidas, inseguranças e incertezas (BERVIAN; PERLINI, 2006). Assim, falar do cliente oncológico significa também falar de sua família, pois, segundo Waldow (2004, p.104), “os familiares, por permanecerem muito tempo ao lado dos pacientes, podem ser considerados tanto cuidadores quanto seres cuidados”. É necessário que o enfermeiro no cotidiano da enfermagem em oncologia 16 tenha a sensibilidade de perceber a família como foco do cuidado e como seu elemento constitutivo, estando assim influenciando também o desenvolvimento da assistência prestada à pessoa doente. Diante de uma doença como o câncer acredita-se que o envolvimento familiar é inevitável já que a família funciona como um grupo de pessoas interligadas por sentimento de afeto, crenças, valores e respeito mútuo entre seus membros. A família funciona como um sistema vivo, de maneira que tudo o que acontece a um de seus integrantes repercute sobre os demais, fazendo com que seus problemas não se restrinjam apenas a uma pessoa em particular, mas afetam normalmente a todos os demais membros causando o que chamamos de desestrutura familiar (RODRIGUES; GUEDES SOBRINHO; SILVA, 2000). A realização de estudos que busquem compreender as repercussões na família ao ter um de seus membros com câncer, reveste-se de importância para a enfermagem e as demais áreas da saúde que vivenciam esta realidade. Aprofundar o conhecimento das relações familiares, suas reações, seus sentimentos e sua dinâmica poderá servir de subsídios para que os profissionais colaborem no enfrentamento da situação, direcionando ações que incluam aspectos relacionados à família como um todo (BERVIAN; PERLINI, 2006). É fundamental para o paciente e seus familiares a sensibilização dos profissionais, para que ofereçam cuidados também aos integrantes da família, na medida em que conhecem os problemas vivenciados pela estrutura familiar (BERVIAN; PERLINI, 2006). Com relação à atuação profissional do enfermeiro pautada no conhecimento científico permite o respeito dos outros profissionais da área da saúde e a credibilidade da equipe no trabalho do enfermeiro, sendo responsável pela construção de um saber interdisciplinar eficaz, ao mesmo tempo em que compartilha responsabilidades, deveres e direitos. O conhecimento científico torna-se importante no atendimento das necessidades e na resolução dos problemas da clientela, fazendo com que se explicite a importância e a utilidade deste profissional dentro da equipe de saúde. Quanto à instituição, permite uma atuação profissional racional e eficaz, gerando resolutividade e retorno financeiro e social à organização (GOMES; OLIVEIRA, 2008). Neste cenário, o enfermeiro torna-se um educador que, ao sistematizar e individualizar o cuidado e voltar-se não somente para a doença, passa a exercer forte influência sobre o estilo de vida das pessoas fazendo com que as mesmas se 17 tornem sujeitos de suas próprias decisões. As ações de educação em saúde com a participação de todos os envolvidos, como o cliente e seu familiar, torna-se um método efetivo na aquisição e no compartilhamento de informações, possibilitando aos pacientes e seus familiares o desenvolvimento de práticas favoráveis à sua saúde e seu bem-estar, porém de forma consciente (LOPES; ANJOS; PINHEIRO, 2009). Acreditamos que conhecer em profundidade a família e suas interfaces diante do processo de adoecimento de um de seus membros será importante para as próprias famílias, que terão reconhecido suas potencialidades e fragilidades, o que possibilitará buscar apoio junto aos profissionais de saúde que a cercam. Além disso, uma abordagem teórica que focalize a família, sua subjetividade, suas relações e suas possíveis interfaces com a saúde e a doença, certamente trará significativas contribuições para a prática profissional. Este estudo visa contribuir para a prática de enfermagem em oncologia, em virtude das informações que oferece relacionada aos familiares dos clientes oncológicos em tratamento quimioterápico. Com isso, oportuniza o aperfeiçoamento na assistência a essa clientela, pois a saúde individual está diretamente relacionada à saúde da família, representando um fator importante na prática profissional. Além disso, os conceitos identificados contribuem especialmente para ampliar a compreensão da abordagem de cuidado centrado na família e proporcionam um caminho para a reflexão acerca da interação e da intervenção com a família na prática da clínica em oncologia. 18 1 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO 1.1 A Teoria das Representações Sociais A Teoria das Representações Sociais consiste em uma forma de pensamento social originado na França em 1961 tendo como precursor Serge Moscovici. Foi através da publicação de seu estudo La Psychanayse: son image et son public que surgiu um novo conceito: o das representações sociais. Moscovici (1978, p. 25) menciona que “toda representação é composta de figuras e de expressões socializadas. Conjuntamente, uma representação social é a organização de imagens e linguagem, porque ela realça e simboliza atos e situações que nos são usuais tornando-os comuns”. De acordo com Sá (1996), a Grande Teoria proposta por Mocovici desdobrase em três correntes teóricas complementares: a abordagem processual, desenvolvida por Denise Jodelet e que está muito próxima da proposta original de Moscovici; a abordagem estrutural, desenvolvida por Jean-Claude Abric; e a abordagem relacional, desenvolvida por Willem Doise. De acordo com Jodelet (1984 apud SÁ, 1996), o conceito de Representação Social nos remete a uma forma específica de conhecimento, o saber do senso comum, cujos conteúdos manifestam a operação de processos generativos e funcionais socialmente marcados. É uma modalidade de pensamento prático orientado para a comunicação, a compreensão e o domínio do ambiente social, material e ideal. Dessa maneira, designa uma forma de pensamento social. Assim, a representação social produz e determina o comportamento dos indivíduos, pois define a natureza dos estímulos que nos cercam e nos provocam bem como o significado das respostas que devemos dar-lhes. A representação social é uma modalidade de conhecimento particular que tem como função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre os indivíduos (MOSCOVICI, 1978). A representação social é uma forma de conhecimento socialmente construída e partilhada que contribui para a construção de uma realidade comum a um grupo social. Distingue-se do conhecimento científico, mas, ao mesmo tempo, alimenta-se 19 dele, gerando um senso comum que é tido como um objeto de estudo tão legítimo quanto aquele, devido à importância que assume na vida social das pessoas (JODELET, 2001). De acordo com esta autora, representar corresponde a um ato de pensamento no qual um sujeito se reporta a um objeto que pode ser uma pessoa ou coisa, um acontecimento material ou psíquico, real ou imaginário, mas sempre necessário. A esse respeito, Andrade (2003) refere que as representações sociais correspondem às próprias definições de objetos sociais e as relações que se estabelecem entre este e um determinado grupo de indivíduos através das informações, das imagens, das opiniões e das atitudes que este grupo constrói, em relação direta com o contexto cultural e social desses indivíduos. Para Moscovici (1978), as representações sociais são entidades que circulam, se cruzam e se cristalizam incessantemente através da comunicação social em nosso universo cotidiano. Dessa forma, a investigação da representação social sobre o câncer para seus familiares remete-nos a uma “teoria do senso comum”, a um conhecimento particular elaborado entre o grupo selecionado a partir de suas experiências de vida num contexto sociocultural determinado. De acordo com Abric (2001), a representação social é um conjunto organizado de opiniões, de atitudes, de crenças e de informações que se referem a um objeto ou a uma situação específica. É determinada pelo sujeito juntamente com sua história e sua vivência, pelo sistema social e ideológico no qual ele está inserido e pela natureza dos vínculos que ele mantém com o sistema social. Assim, a consideração das representações é muito mais que a simples introdução de uma variável suplementar, mas trata-se de uma abordagem dos fenômenos que não se interessa mais pelos fatores e comportamentos diretamente observáveis, mas que enfatiza sua dimensão simbólica. O que nós percebemos e imaginamos, essas figuras do pensamento são as representações e terminam por se constituir em um ambiente real e concreto. Através de sua autonomia e das pressões que ela exerce são como se fossem realidades inquestionáveis que nós temos de confrontá-las. O peso de sua história, de seus costumes e de seu conteúdo cumulativo nos confronta com toda a resistência de um objeto material. Talvez essa resistência seja ainda maior quando levamos em consideração que o que é visível também é inevitavelmente mais difícil de superar do que o que é visível (MOSCOVICI, 2009). 20 Assim, todas as interações humanas, surjam elas entre duas pessoas ou entre dois grupos, pressupõem representações. As representações estão presentes sempre e em todo lugar quando nós encontramos pessoas ou coisas e nos familiarizamos com elas, tornando, dessa forma, a informação que recebemos, e a qual tentamos dar um significado, sob seu controle e não possui outro sentido para nós senão o sentido dado pelas representações (MOSCOVICI, 2009). Podemos afirmar que o que é importante é a natureza da mudança, através da qual a natureza das representações sociais se torna capaz de influenciar o comportamento de um indivíduo participante de uma coletividade. É exatamente dessa maneira que as representações são criadas, internamente, mentalmente, pois é dessa forma que o próprio processo coletivo penetra, como o fator determinante dentro do pensamento individual. Tais representações aparecem para nós quase que como objetos materiais, pois eles são o produto de nossas ações e comunicações (MOSCOVICI, 2009). Dessa forma, pessoas e grupos criam representações no decurso da comunicação e da cooperação. Representações não são criadas por um indivíduo isoladamente e, uma vez criadas, elas passam a adquirir uma vida própria, circulam, se encontram, se atraem e se repelem e dão a oportunidade para o nascimento de novas representações, enquanto velhas representações morrem (MOSCOVICI, 2009). Toda representação social se organiza em torno de um núcleo central, que é o elemento fundamental da representação, uma vez que é ele que determina sua significação e organização. O núcleo central é um subconjunto da representação, composto de um ou de alguns elementos, cuja ausência, desestruturaria ou daria uma significação completamente diferente à representação em seu conjunto. Por outro lado, é o elemento mais estável da representação e o que mais resiste à mudança. Assim, uma representação é suscetível de se alterar superficialmente por uma mudança de sentido de seus elementos periféricos, mas ela só se transforma radicalmente ou muda de significação quando o próprio núcleo central é posto em questão (ABRIC, 2001). Assim, uma realidade social é criada apenas quando o novo ou não familiar vem a ser incorporado aos universos consensuais. Aí operam os processos pelos quais ele passa a ser familiar, perde a novidade, torna-se socialmente conhecido e real. O fato de que isso ocorra sob o peso da tradição, da memória e do passado, 21 não significa que não se esteja criando e acrescentando novos elementos à realidade consensual, ou seja, que não se esteja produzindo mudanças no pensamento social ou que não se esteja dando prosseguimento à construção do mundo das ideias e imagens em que vivemos (SÁ, 1993). A ancoragem e a objetivação são os dois processos que geram representações sociais. Para Moscovici (2009), antes a ciência era baseada no senso comum, mas agora o senso comum passou a ser a ciência tornada comum. Sem dúvida, cada fato, cada lugar comum esconde dentro de sua própria banalidade um mundo de conhecimento, determinada dose de cultura e um mistério que o faz, ao mesmo tempo, compulsório e fascinante. Não é fácil transformar palavras, ideias ou seres não familiares, em palavras usuais, próximas e atuais. É necessário, para dar-lhes uma feição familiar, colocar em funcionamento os dois mecanismos de um processo de pensamento baseado na memória e em conclusões passadas (MOSCOVICI, 2009). O primeiro mecanismo tenta ancorar ideias estranhas, reduzi-las a categorias e a imagens comuns, colocá-las em um contexto familiar. O objetivo do segundo mecanismo é objetivá-los, ou seja, transformar algo abstrato em algo quase concreto, transferindo o que está na mente em algo que exista no mundo físico. Assim, esses mecanismos tornam algo não familiar em algo familiar, primeiramente transferindo-o à nossa própria esfera particular, onde nós somos capazes de compará-lo e interpretá-lo e, depois, reproduzindo-o entre as coisas que nós podemos ver e tocar. Torna-se fundamental compreender como esses dois mecanismos funcionam para compreender como as representações são criadas (MOSCOVICI, 2009). A ancoragem consiste na integração cognitiva do objeto representado - sejam ideias, acontecimentos, pessoas ou relações - a um sistema de pensamento social preexistente e nas transformações implicadas (SÁ, 1993). Assim, as representações já disponíveis podem funcionar como um sistema de acolhimento de novas representações que venham a surgir, fazendo com que o processo seja responsável pelo enraizamento ou ancoragem social da representação e seu objeto (SÁ, 1993). Já o outro processo de formação das Representações Sociais, a objetivação, consiste em uma operação imaginante e estruturante pela qual se dá a forma ou figura específica ao conhecimento acerca do objeto, tornando concreto e quase tangível o conceito abstrato, materializando a palavra (SÁ, 1993). 22 A ancoragem é um processo que transforma algo estranho e perturbador, que nos intriga, em nosso sistema particular de categorias e o compara com um paradigma de uma categoria que nós pensamos ser apropriada. É quase que ancorar um bote perdido em um dos boxes de nosso espaço social. Ancorar é, portanto, classificar e dar nome a alguma coisa que não é classificada, coisas que são estranhas, não existentes e ao mesmo tempo são ameaçadoras. Por outro lado, a objetivação é um processo muito mais atuante que a ancoragem uma vez que torna o que é incomum e imperceptível em algo familiar. A objetivação une a ideia de não familiaridade com a de realidade, torna-se a verdadeira essência da realidade (MOSCOVICI, 2009). As representações sociais são, dessa forma, Um conhecimento do senso comum, construídos e mobilizados nos universos consensuais, que muitas vezes consistem em transformações operadas sobre informações oriundas dos universos reificados. Tais representações são, como foi visto, formadas através dos processos complementares de ancoragem e de subjetivação. Se acrescenta que tais processos são subordinados por Moscovici a um princípio básico - que ele sintetiza como a transformação do não-familiar em familiar - tem-se aqui um esboço razoavelmente fidedigno do cerne da teoria das representações sociais, na sua versão original (SÁ, 1993, p. 591). Assim, devem ser vistas como uma maneira específica de compreender e comunicar o que nós já sabemos. Elas ocupam, dessa forma, uma posição curiosa, em algum ponto entre conceitos, que tem como seu objetivo abstrair sentido do mundo e introduzir nele ordem e percepções, que produzam o mundo de uma forma significativa (MOSCOVICI, 2009). Acerca das representações sociais de saúde e doença, Minayo (2007) refere que desde o início do século XX, sociólogos e antropólogos deram uma contribuição muito importante para o setor saúde ao demonstrar, por meio de estudos empíricos o fato de que a doença, a saúde e a morte não se reduziam a uma evidência orgânica, natural, objetiva, mas que sua vivência pelas pessoas e pelos grupos sociais estavam intimamente relacionadas com as características de cada sociedade. Assim, a doença, além de sua configuração biológica, é também uma realidade construída e o doente é um personagem social. A partir das Ciências Sociais, podemos dizer que existe uma ordem de significações culturais mais abrangentes que informa o olhar lançado sobre o corpo que adoece e que morre. A linguagem da doença não é a linguagem em relação ao corpo, mas linguagem que se dirige à sociedade e às relações sociais de forma 23 histórica. Seja qual for a dinâmica efetiva de ficar doente, no plano das representações, o indivíduo julga seu estado não apenas por manifestações intrínsecas, mas a partir de seus efeitos ele busca no médico a legitimidade da definição de sua situação. Desse contexto, ele retira atitudes e comportamentos em relação a seu estado e assim se torna doente para o outro, ou seja, para a sociedade (MINAYO, 2007). Segundo Sontag (1984), nada pode ser tão poderoso como as chamadas doenças-metáfora para evidenciar a representação de uma enfermidade tanto para a classe médica como para uma sociedade. As doenças-metáfora são aquelas cuja enunciação nos remete a catástrofes e conseguem criar um consenso a respeito da fonte dos males na sociedade. Em geral, são explicadas como parte das anomalias e catástrofes sociais ligadas e frutos de transgressões individuais, provocando autojulgamento e autopunição. Pelo fato de algumas delas, como é o caso do câncer, atingirem a todos os grupos sociais, independentemente do grupo social, costumam vir associadas às ideias de desordem, de desvios morais e até a crença na “devassidão” do ser humano (MINAYO, 2007). As doenças-metáfora constituem fenômenos privilegiados para questionamento da precariedade da organização social, pois reúne a ameaça de morte da humanidade, anunciando sua decadência e perpetuando a permanência simbólica ou real da infelicidade e chamam a atenção para os comportamentos considerados recrimináveis, vetores do mal de hoje e sempre. No caso do câncer e da AIDS sua evocação como fenômeno social é conservadora, pois apela para o retorno a um passado sempre considerado mais saudável (MINAYO, 2007). Segundo Pelaez Dóro et al. (2004), observa-se, na população, a proliferação de representações sobre o câncer, socialmente construídas e frequentemente associadas à ideia de morte. A cura, quando alcançada, é relacionada a um grande sofrimento físico e psicológico onde o tratamento em busca da cura torna-se mais sofrido e doloroso do que a própria doença (SOTANG, 2002). A doença e seu tratamento provocam um impacto que acaba por desestruturar o universo familiar uma vez que assistir um ente querido ameaçado e exposto a tratamentos agressivos, dor e dependência provoca uma série de sentimentos controversos. Quando a família encontra apoio dos profissionais, ela sente-se mais preparada para lidar com a situação e se preparar para o futuro, ajudando o familiar doente a se recuperar, quando possível ou a encontrar conforto quando o inevitável acontece 24 (WALDOW, 2004). O câncer ainda traz, para pacientes e familiares, o pensamento de morte e finitude. Vários são os sentimentos vivenciados frente a ele, como a dor, o sofrimento e o medo da própria morte. Simultaneamente, sentimentos de susto, de negação, de desespero e de tristeza também estão presentes, transformando a vida das pessoas envolvidas em um turbilhão emocional de difícil controle (OLIVEIRA; GOMES, 2008). Observa-se que o paciente em tratamento de quimioterapia antineoplásica constrói um sentido para sua experiência de viver a quimioterapia, que foi interpretado como a perda do controle da própria vida. Experiência marcada por sentimentos de sofrimento e luta pela sobrevivência devido aos efeitos causados pelas drogas em seu corpo, o torna impotente diante da vida e do papel, em algumas situações, de provedor do lar (ANJOS; ZAGO, 2006). Cada sociedade tem um grupo de doenças que poderiam ser chamadas de doenças-metáfora. São enfermidades que, a partir do imaginário social, perpetuam na coletividade a ideia de perenidade do mal e de limites do ser humano diante da ameaça de morte. São doenças que por criarem um clima de medo, de catástrofe e de desordem na vida das pessoas, tendem a ser usadas ideologicamente e politicamente como meios de recompor a harmonia social. Além de seu caráter de sofrimento e de infelicidade, elas são consideradas socialmente como mitos, por meio das quais as pessoas expressam sua coerção e coesão em torno da organização social (MINAYO, 2007). Esse significado confirma que a experiência do câncer e seu tratamento envolvem uma dimensão que vai além das reações de náuseas e vômitos e que nem sempre é valorizado pelos profissionais de saúde, entre eles, o enfermeiro. Assim, as prioridades do tratamento não devem recair apenas no manejo da doença, mas se estender ao ambiente construído ao redor do cliente bem como de seus familiares (ANJOS; ZAGO, 2006). . 25 1.2 A Família como núcleo social Nos dias atuais, apresenta-se como crescente o interesse das diversas áreas do conhecimento pelo estudo sobre a família, na busca de compreender esse grupo humano na sociedade. A família é uma unidade social bastante complexa e a diversidade dos aspectos que a envolvem nos faz reconhecer que conhecemos somente parte da sua realidade (ALTHORF, 2004). A filosofia da abordagem do cuidado centrado na família existe no sistema de saúde brasileiro através do Programa de Saúde da Família (PSF), no entanto, sua concretização mostra-se frágil e, ainda, incipiente. No entanto, as famílias estão inseridas no processo de cuidar da saúde de um indivíduo hospitalizado e, dessa forma, estão interagindo, interpretando, atribuindo significado e atuando frente à situação vivenciada (SILVEIRA; ÂNGELO, 2006). A abordagem do cuidado focalizado na família enfatiza o papel integral e fundamental que é desempenhado pelos membros da família na saúde e no bem-estar do indivíduo doente como parte integrante desse grupo social. Diferentes autores têm feito menção ao cuidado que é prestado pela família, sendo que Elsen (2004) destaca Kleinman como um dos mais citados ao afirmar que a família é constituída por um sistema cultural de cuidado à saúde, que é diferente e, ao mesmo tempo, complementar ao do profissional, e Leininger que, em sua teoria da diversidade e universalidade do cuidado humano, identifica o cuidado da família como parte integrante do cuidado popular. Para Muniz, Zago e Schwartz (2009), o foco de atenção saiu dos profissionais de saúde para os pacientes e familiares com o conceito de sobrevivência. Este conceito passou a ser um paradigma que está possibilitando a elaboração de novas políticas de saúde para os sobreviventes. Isto está se tornando possível devido a novas abordagens investigativas que observam o contexto sociocultural onde o paciente oncológico está inserido. Diante do exposto, é possível perceber que os estudos voltados para o entendimento das famílias têm contribuído de forma significativa para a compreensão das respostas da família em situações de doença, para o entendimento de como as relações de saúde são processadas e vivenciadas e têm identificado uma série de intervenções consideradas efetivas (SILVEIRA; ÂNGELO, 2006). A literatura de enfermagem também vem fazendo referência ao papel da 26 família como unidade de cuidados em situações de saúde e doença. Neste sentido, encontramos o conceito de família como unidades de cuidado de seus membros, cabendo aos profissionais de saúde apoiá-la, fortalecê-la e orientá-la quando a mesma encontrar-se necessitada e fragilizada (ELSEN, 2004). Quando se dirige o olhar para as famílias, percebe-se que cada uma delas busca construir um modo de viver próprio e que, embora cada família seja única neste processo, ela faz parte de uma estrutura dinâmica e contínua de interação com o meio que a cerca (ALTHORF, 2004). A família é a principal instituição social em que o indivíduo inicia suas relações afetivas, cria vínculos e adquire valores. Essa relação funciona como uma rede interligada por seus membros, como se um ser fosse extensão do outro (ARAÚJO; NASCIMENTO, 2004). É em seu interior que o indivíduo desenvolve a capacidade de amar e ser amado sentir-se útil, amparado, valorizado e exerce direito e deveres na busca de ser cidadão (RODRIGUES; GUEDES SOBRINHO; SILVA, 2000). É constituída pela comunhão do ser com o outro, em que as premissas básicas da relação entre seus componentes são o afeto, a lealdade e a responsabilidade com o outro, o que a torna uma relação social dinâmica, permeada por crenças, valores e normas da sua tradição sociocultural e pelo seu momento histórico (MOTTA, 2002 apud ELSEN, 2009). Dessa forma, o ser humano constróise na relação com o outro e com o mundo, desvelando os significados da dimensão existencial, ao longo do processo evolutivo, do nascimento à morte. No viver cotidiano, são revelados os sentimentos, percepções, ações, possibilidades e vulnerabilidades do ser, que reflete sobre si, sobre o outro e sobre a existência, compreendendo-se a si e ao mundo, enfrentando a vida de forma autêntica, crescendo e ajudando os demais a crescerem (MOTTA, 2002 apud ELSEN, 2009). De acordo com Osório (1996), a família exerce importante função na formação do indivíduo e torna-se o principal estímulo à integração do ser humano consigo mesmo e com a sociedade, permitindo-lhe atuar com equilíbrio e desenvolver mecanismos de adaptação e enfrentamento perante eventuais adversidades que lhes sejam impostas. Uma das funções psíquicas da família é servir de continente para as ansiedades existenciais do ser humano durante seu processo evolutivo. Para Helman (1994), a família enquanto unidade primária do cuidado funciona como um espaço social em que seus membros interagem, trocam 27 informações e, ao identificarem problemas de saúde, apoiam-se mutuamente e não medem esforços na busca de soluções. A família funciona, em muitos momentos, dividindo as crises provenientes dos eventos que acontecem no desenrolar dos acontecimentos, o que torna esse momento de conflito uma fonte de apoio aos seus membros, mantendo sempre sentimentos como a compreensão e o respeito e valorizando, preservando e fortalecendo a união familiar. Tudo isso nos faz compreender que a doença envolve não só o doente, mas todo o grupo familiar (BIELEMANN, 2003). Diante dessas assertivas, fica evidente que a experiência de adoecimento em seu interior torna-se um momento muito difícil, tanto para o doente quanto para o grupo familiar, principalmente quando a causa é o câncer. Portanto, na busca de manter-se saudável, a família age, reage e interage internamente com o meio social em que convive, buscando, dessa forma, ajudar e apoiar o seu familiar doente (BIELEMANN, 2003). Essas concepções enquadram-se na perspectiva sistêmica e interacionista de família que afirma que toda e qualquer vivência interfere e altera o funcionamento da mesma, que busca sempre uma forma de reestruturação e rearranjo para continuar buscando seus ideais, sejam eles novos ou antigos. Dessa forma, a família possui a capacidade de adaptação para manter e perpetuar o seu contínuo movimento de almejar o bem viver de todos (WERNET; ANGELO, 2003). A família é reconhecida como a maior prestadora de cuidados a seus membros no caso de uma doença, identifica sinais e queixas de mal-estar ou dor, busca recursos, auxilia no tratamento, ocupa um papel importante na busca da melhor qualidade de vida. Porém, a capacidade da família de cuidar de seus membros pode estar comprometida, diminuída ou ausente em determinadas situações ou fases de sua trajetória (BARROS, 2004). Conviver com doença grave de um de seus membros pode afetar o cuidado com os demais. A unidade psicológica da família é continuamente moldada por condições externas e por sua própria organização interna. Sob condições favoráveis, as emoções positivas, a lealdade e a harmonia familiar são mantidas. Caso contrário, sob condições antagônicas, crises conflitantes, o antagonismo e o ódio mútuo ameaçam a integridade familiar (BARROS, 2004). Manter a integridade do relacionamento familiar é essencial no processo de recuperação e de adaptação física, emocional e social da pessoa que vivencia uma 28 doença debilitante como o câncer. O relacionamento adaptativo torna-se uma forma de reconhecimento de valores, atitudes saudáveis com o outro, respeito humano e segurança e envolvimento com os sentimentos, relacionando-os com todos os membros da família (MELO; FERNANDES, 2005). Nesta perspectiva, cuidar da família envolve a consciência de que os indivíduos que a compõem estão unidos por laços relacionais que mantém o sistema familial funcionando em busca de suas metas (WERNET; ANGELO, 2003). A enfermeira consegue cuidar desses indivíduos quando for capaz de perceber que é por meio da interação entre seus membros que ocorre a busca do equilíbrio e a realização de seus ideais. Às vezes, a família depara-se com dificuldades que interferem em sua capacidade para encontrar respostas. É normalmente nesse momento que passa a expressar suas necessidades, que precisa ser ouvida e ser cuidada por alguém (WERNET; ANGELO, 2003). De acordo com Elsen (2004), o cuidado familial concretiza-se nas ações e nas interações presentes na vida de cada grupo familiar e é direcionada a cada um de seus membros, objetivando o seu crescimento, desenvolvimento, saúde, bem-estar, realização pessoal, inserção e contribuição social. Para isso, a presença é fundamental para que o ser humano possa crescer, desenvolver e realizar-se integralmente. Porém, é sabido que há situações ao longo da trajetória da vida em que ela se torna fundamental, como, por exemplo, nos primeiros anos de vida da criança, nas situações de doenças e em épocas dos diferentes tipos de crise. Esse cuidado como promoção da vida e do bem-estar objetiva impulsionar, potencializar e qualificar a vida de cada um dos membros da família, assim como a do próprio grupo familiar. Ele se realiza ao proporcionar e favorecer o desenvolvimento das potencialidades individuais e grupais através da criação de um ambiente físico e simbólico favorável às trocas e ao crescimento pessoal e grupal (ELSEN, 2004). A compreensão desse cuidado certamente proporciona aos profissionais de saúde elementos significativos para a reflexão e para o seu agir profissional, uma vez que, ao longo do processo de viver, a família pode encontrarse fragilizada e, como consequência, ter sua capacidade de cuidar diminuída ou ausente. Quais os sinais e quadros a serem investigados e quais as possibilidades do profissional de saúde para ajudar no fortalecimento do grupo familiar? (ELSEN, 2004). No passado, acreditava-se que os membros de uma família ao enfrentar uma 29 doença ameaçadora como o câncer, não ficariam estressados como o paciente em que fora diagnosticada a doença. Portanto, a crença básica era de que aquela família não sofreria mudanças substanciais, quando, na verdade esses efeitos são muito mais disseminados entre seus membros do que se pensa (RODRIGUES; GUEDES SOBRINHO; SILVA, 2000). Com frequência, os profissionais de saúde não são preparados para lidar com a psique do outro e com os problemas de família. Muitas vezes, os profissionais de saúde recusam-se a ouvir o outro porque escutá-lo significa dividir com ele problemas existenciais, que ele próprio talvez ainda não tenha conseguido resolver. Para não se envolver com a ansiedade dos problemas existenciais trazidos pela fala do outro, com os quais ele também se identifique, toma uma atitude de afastamento. Essa distância gera uma frieza que é perversa ao outro, seja ele cliente ou familiar, e que também não contribui para resolver o problema pessoal daquele profissional (RODRIGUES; GUEDES SOBRINHO; SILVA, 2000). Torna-se necessário pensar em um acompanhamento do cliente e de seus familiares além dos limites do hospital. Deve-se preocupar em saber como é a vida do paciente em âmbito familiar, na comunidade, na escola. Tudo isso faz parte do cuidado integral que a ser oferecido, abrangendo não somente os aspectos referentes à doença, mas também as percepções que o próprio doente tem acerca de sua condição atual, independente do local em que esteja inserido (ROSSARI, 2008). Conhecer as percepções do doente sobre a experiência da facticidade existencial de estar com câncer pode permitir à família e aos profissionais de saúde um aprofundamento no que tange ao cuidado integral desse indivíduo e uma intervenção mais efetiva, visando à melhoria da qualidade de vida desses indivíduos (ROSSARI, 2008). A enfermagem é uma profissão que está muito próxima da família em diferentes momentos da vida humana. Do nascimento à morte, no processo saúdedoença, nas instituições sociais e no domicílio, o enfermeiro está presente onde a família se encontra, através de suas ações de cuidado. Compreender os significados que as famílias formam através das interações entre seus membros possibilita um melhor entendimento das famílias, de como elas vivem e convivem e indica caminhos para a atuação da enfermagem como cuidadora da família. Ampliar essa perspectiva constitui um enriquecimento do conhecimento e um encontro de um 30 novo modo de olhar a família (ALTHORF, 2004). Por estar junto do paciente durante todo o período da doença, a família merece a atenção dos profissionais de saúde. Os enfermeiros devem sempre incentivar a participação da família no tratamento e orientar sobre a necessidade de um ambiente harmônico e tranquilo para o paciente em todas as fases do processo de adoecimento (CRESPO; LOURENCO, 2007). A família deve estar sempre bem informada sobre o diagnóstico, o tratamento e o prognóstico. Para que os familiares sintam-se mais seguros, devem ser orientados quantos às rotinas e o que podem ou não fazer pelo paciente (CRESPO; LOURENCO, 2007). É importante que o enfermeiro desenvolva estratégias de atenção, enfocando o cuidado junto à família, contribuindo para o cuidado individual de cada um. Visando a prestação de uma assistência de qualidade em oncologia torna-se necessário que o enfermeiro enfatize a família como foco relevante no cuidado, visto que, no momento de uma doença potencialmente fatal como o câncer, esta também fica afetada em sua integridade, podendo interferir nas respostas de adaptação do cliente ao tratamento e em sua forma de enfrentamento da doença (NASCIMENTO et al., 2005). Assim, estudar a dinâmica das famílias que enfrentam o adoecimento de um de seus membros, o impacto causado pela situação no grupo familiar e as estratégias utilizadas neste processo podem constituir-se em importante fonte para a compreensão do vivido e, a partir disso, efetivamente incluir a família como sujeito das ações de cuidados (BERVIAN; PERLINI, 2006). Dessa forma, deve-se orientar para um cuidar holístico que considere o indivíduo não somente em suas dimensões físicas, mas também em suas inserções na família, na sociedade e na comunidade. A família é importante em qualquer etapa do processo saúde-doença e ela precisa de apoio para cuidar de um familiar que necessite de maior atenção. Para tanto, fazse necessário que o enfermeiro compreenda a estrutura familiar, a fim de planejar sua assistência (ROSSARI, 2008). Assim, a família costuma ter significações de saúde e de doença, bem como práticas próprias de cuidar, originadas de seu contexto sociocultural. O enfermeiro só poderá desenvolver ações efetivas se interagir com a consciência de que a sua cultura profissional e pessoal poderá ser diferente daquela dos indivíduos e famílias com quem está atuando e isto, por sua vez, só será possível com o conhecimento da cultura do outro (ROSSARI, 2008). 31 Durante o processo de adoecimento, tanto a família quanto o doente enfrentam problemas como longos períodos de hospitalização, reinternações frequentes, terapêutica agressiva causando vários efeitos indesejáveis advindos do próprio tratamento, dificuldades pela separação entre os membros da família durantes as internações prolongadas e repetidas, interrupções das atividades diárias, limitações na compreensão do diagnóstico, desajuste financeiro, angústia, dor, sofrimento e medo constante da possibilidade de finitude diante da vida (NASCIMENTO et al., 2005). O diagnóstico de câncer expõe as fragilidades das relações familiares como as dificuldades sociais, os desajustamentos, os lutos e outros elementos que podem ser revelados pelo câncer ou intensificados por ele. São dúvidas e preocupações exacerbadas por não haver uma explicação causal para a doença (SILVA, 2007). O câncer é uma doença da família inteira, uma vez que a doença muda a vida de todos, modificando os hábitos de todos do grupo familiar. Podemos dizer que o câncer é, portanto, sistêmico, “metastático” (MICELI, KASTRUPQAL, 1989). A família não sabe como lidar com sua impotência, com suas raivas, seus medos, sua incapacidade de cuidar. Nem o doente o sabe. Ele adoece. E porque ele adoece, outro vai com ele ao hospital. Se ele não pode relacionar-se sexualmente, seu parceiro também fica privado. Se ele se torna dependente, o outro fica escravizado aos seus horários e suas necessidades. Se ele adoece, adoece o outro. Mas o doente é ele e não o outro (MICELI; KASTRUP, 1989). Após o choque inicial, o tumulto de sentimentos e a urgência imediata de busca por informações sobre o câncer, a preocupação do doente e seus familiares se concentram nas condições atuais da doença, do tratamento e no planejamento prático do cotidiano. Ao lado do desgaste emocional, da incompreensão de ser atingida por tal golpe, da ameaça de morte que paira sobre seu ente querido, a família também precisa resolver questões de ordem prática como a organização do ambiente doméstico, com quem deixar os filhos durante o tratamento, quem vai prover o sustento da família; como levar o doente para a realização do tratamento, que muitas vezes é diário; como comprar os medicamentos; como resolver as ausências no emprego; as dificuldades de concentração no trabalho, entre algumas questões que necessitam de rápida solução para que a energia do grupo familiar possa se concentrar no apoio ao indivíduo doente (SILVA, 2007). 32 1.3 O tratamento quimioterápico e o processo de adoecer de câncer A era da quimioterapia contemporânea foi inaugurada a partir de observações coletadas durante as duas Grandes Guerras Mundiais. Em 1919, Krumbhaar observou a associação entre a exposição de soldados ao gás mostarda durante a I Guerra Mundial e o desenvolvimento de aplasia de medula óssea. Associado a este fato, o ataque de Pearl Harbor, durante a II Grande Guerra Mundial, levou a população da região à exposição ao gás mostarda causando hipoplasia medular e linfóide. Ao mesmo tempo, os agentes alquilantes, como o referido gás mostarda, foram utilizados pela primeira vez em neoplasia hematológica pelo Yale-New Haven Medial Center em 1943 com observação de regressão dramática dos linfomas avançados no início da terapêutica, porém os resultados só foram publicados em 1946 devido à natureza secreta do gás mostarda (ANELLI, 2004). Houve um grande desenvolvimento da quimioterapia antineoplásica a partir da segunda metade deste século. Neste contexto, o isolamento e o desenvolvimento de agentes quimioterápico efetivos associados ao sucesso da quimioterapia combinada foram fundamentais para que a oncologia clínica pudesse tornar as neoplasias malignas potencialmente curáveis (ANELLI, 2004). A quimioterapia antineoplásica é uma modalidade de tratamento sistêmico do câncer que utiliza agentes químicos, isolados ou em combinação, com o objetivo de tratar tumores malignos. É uma modalidade de tratamento da doença que contrasta com a cirurgia e a radioterapia, mais antigas e de atuação localizada. A abordagem sistêmica do tratamento tornou possível a cura de leucemias e linfomas, além de permitir o tratamento precoce de micro metástases (BONASSA; SANTANA, 2005). Os quimioterápicos, também denominados citostáticos, agem diretamente na célula, atuando nas diversas fases do ciclo celular. Devido a essa característica é importante que seja utilizada a poliquimioterapia, na qual mais de dois tipos de medicamentos de classificações farmacológicas diferentes são aplicados, buscandose um efeito mais abrangente sobre as células tumorais. Neste caso, é importante a associação de drogas com diferentes toxicidades que permitam aumentar o efeito antitumoral sem elevar a toxicidade (BRASIL, 2002). A estratégia de administração dos quimioterápicos antineoplásicos consiste em utilizá-los ciclicamente a intervalos suficientemente longos com o objetivo de permitir uma boa recuperação medular, 33 mas não o suficiente para permitir a recuperação tumoral entre os ciclos de quimioterapia (BRASIL, 2002). Os agentes citostáticos vão atuar tanto em células normais quanto nas cancerígenas; seus efeitos agem principalmente naquelas que possuem maior capacidade de proliferação, como as mais jovens e, consequentemente, mais indiferenciadas. Portanto, as células normais da medula óssea, mucosas do tubo digestivo, folículos pilosos, mucosa vesical e gônodas são as mais sensíveis aos efeitos dos quimioterápicos antineoplásicos. Isso explica os feitos tóxicos que são atribuídos a esses agentes, como a leucopenia, estomatite, mucosite, náuseas, vômitos, diarreia, alopécia e oligospermia, entre outros (ALMEIDA, 2005). Em relação aos efeitos desejados dos quimioterápicos sobre as células cancerígenas, as neoplasias constituídas por um predomínio de células mais jovens, mais indiferenciadas e nas pequenas populações tumorais com maior fração de crescimento proliferativo, quando expostas aos efeitos dos medicamentos, serão as mais atingidas e sensíveis ao mesmo (ALMEIDA, 2005). Assim, à medida que o tumor cresce, ocorre uma competição entre as células em busca de nutrientes, oxigênio e espaço, fazendo com que o número de células ativas diminua. As células que estão se reproduzindo ativamente são as mais sensíveis à ação dos quimioterápicos. Por isso, um dos princípios do tratamento é reduzir o tamanho do tumor fazendo com que sua velocidade de crescimento aumente e as células se tornem mais suscetíveis à quimioterapia em decorrência de sua função de divisão celular aumentada (BRASIL, 2002). O enfermeiro especialista em oncologia é fundamental no tratamento, pois o cliente com câncer necessita, a todo o momento, de cuidados de enfermagem especializada na administração dos quimioterápicos, manejo dos efeitos colaterais, tais como vômitos, desidratação, infecções, convulsões e febre, por exemplo, como também a família necessita de apoio do profissional para que também colabore (CAMARGO; LOPES; NOVAES, 2000). Os maiores problemas acompanham a administração das drogas vesicantes e irritantes. Quimioterápicos vesicantes provocam irritação severa com formação de vesículas e destruição tecidual quando infiltrados fora do vaso; já os irritantes causam irritação cutânea menos intensa quando extravasados, porém podem ocasionar dor e reação inflamatória no local da punção e ao longo do trajeto venoso (BONASSA; SANTANA, 2005). 34 Assim, administração das drogas quimioterápicas é de inteira responsabilidade do enfermeiro, tanto as vesicantes, quanto as irritantes. O enfermeiro não deve autorizar a administração de drogas vesicantes por punções periféricas, pois os riscos de extravasamento estão potencialmente presentes e são muito agressivos. Já as drogas irritantes, requerem cuidados locais mais simples, embora também exijam atenção e devam ser administradas com a devida cautela e supervisão constantes (FONTES; QUARTERONE, 2000). Ao passar pela experiência da terapêutica quimioterápica, o doente convive com o incômodo gerado por seus efeitos indesejáveis tornando, dessa forma, a quimioterapia mais amedrontadora do que o próprio câncer. O enfraquecimento, as limitações na execução das atividades diárias, o comprometimento do ritmo de sono e de apetite, a deterioração da imagem, são alguns exemplos que acabam por desestimular o paciente a participar de forma efetiva de seu tratamento (JESUS; GONCALVES, 2006). No que se refere à modificação da autoimagem, desencadeada pela quimioterapia, a alopécia é sentida de forma mais intensa pela pessoa do sexo feminino, sendo encarada como algo terrível, pois a desfiguração exterior causada pela perda dos cabelos é uma evidência tanto para o doente quanto para quem o observa. Assim, sujeitar-se à quimioterapia é vivenciar a ameaça à integralidade de seu corpo físico, pois essa conduta terapêutica é extremamente invasiva, ocasiona danos e impõe limites na vida tanto do doente quanto de seus familiares (JESUS; GONCALVES, 2006). A quimioterapia está associada a efeitos colaterais físicos, como náuseas, vômitos, anorexia, constipação, diarreia, mucosite e fadiga. Como o diagnóstico de câncer tem significativo impacto social, o acréscimo dos efeitos colaterais da quimioterapia pode levar o paciente a sentir-se impotente para reagir e lutar pela sobrevivência (ANJOS; ZAGO, 2006). Além disso, o ataque indiscriminado promovido pelas drogas antineoplásicas às células normais e cancerosas produz efeitos colaterais indesejáveis que são conhecidos e extremamente temidos pelos indivíduos que precisam se submeter a esse tipo de tratamento (BONASSA; SANTANA, 2005). A partir do momento em que os sintomas ocasionados pelos agentes antineoplásicos se intensificam, o doente passa a questionar sobre sua vida uma vez que, o seu corpo, e não propriamente as náuseas e vômitos, não lhe permite mais manter suas condições de trabalho e 35 interfere diretamente em seus recursos financeiros e em sua relação com a família (ANJOS; ZAGO, 2006). A quimioterapia promove uma série de transformações na vida do indivíduo, muda seu corpo, altera seu estado emocional e sua rotina, fazendo com que o indivíduo passe a ser dominado por sentimentos de tristeza, de medo, de nervosismo, de depressão e de angústia. Apesar de todos os efeitos adversos provenientes do tratamento quimioterápico, essa terapêutica ainda é encarada como uma fonte de vida pelos pacientes e seus familiares (JESUS; GONCALVES, 2006). A quimioterapia é tida pelo doente como algo que aprisiona e modifica seu estilo de vida. A rígida rotina estabelecida pelo tratamento, somada às sequelas que determinam limitações e perdas, faz emergir sentimentos de inutilidade e de descontentamento. Dessa maneira, um novo e difícil mundo se abre para o paciente e seu familiar, que se vê obrigado a desvincular-se dos espaços e hábitos que constituem sua vida (JESUS; GONCALVES, 2006). Tudo isso, nos faz compreender que o paciente passa a construir um sentido para a sua experiência de viver a quimioterapia, interpretada por eles como a perda do controle da própria vida. É uma experiência marcada por sentimentos ambivalentes de sofrimento e de luta pela sobrevivência, devido às respostas de seu corpo às drogas, que os impede de cumprir seus papéis de provedor de recursos financeiros necessários para o sustento da família (ANJOS; ZAGO, 2006). Os profissionais de saúde devem conhecer tudo isso, procurando buscar sempre, como fonte de conhecimento, o próprio doente de câncer e que se submete ao tratamento quimioterápico. É necessário que os profissionais de saúde procurem entender esse fenômeno sob a ótica de quem o vive, para que dessa maneira se possa ajudá-lo a conviver e a buscar novos modos de bem-viver, mesmo diante dessa condição, a fim de prestar uma assistência singular e de qualidade (JESUS; GONCALVES, 2006). Entretanto, o câncer ainda possui um estigma, soando como uma sentença de morte, como uma maldição tão temida que até mesmo o pronunciamento da palavra que nomeia “aquela doença”, “aquilo”, é cuidadosamente evitado. O câncer não é um, é muitos. E muitos porque pode ter várias causas, vários culpados. Isso são metáforas, uma vez que o câncer é, ainda, um enigma e, como tal, se presta a produzi-las. E para cada metáfora sempre haverá uma linguagem particular (MICELI, KASTRUP, 1989). 36 São comuns os tabus, as ideias preconcebidas e os temores que desesperam os pacientes e acabam por afastá-los da possibilidade de cura. É necessário que o enfermeiro atue como multiplicador de informações correta a respeito do tratamento, desfazendo dúvidas, tabus, temores e preconceitos enraizados entre os pacientes e a população geral (BONASSA; SANTANA, 2005). O fato de estar doente não é pejorativo ou execrável, mas é o fato de estar com câncer que causa o transtorno na vida das pessoas. Enquanto uma doença for tratada como uma maldição e considerada como um destruidor invencível e não simplesmente como uma doença a ser tratada, os pacientes com câncer se sentirão duramente discriminados ao saber de que enfermidade são portadores. A solução para tal fato, não está em sonegar a verdade ao doente e a seus familiares, mas em retificar a concepção da doença e seu tratamento, em desmistificá-los (SONTAG, 1984). O câncer é cada vez mais conceituado como uma doença crônica que traz problemas e demandas específicas para o paciente e seus familiares. É sabido que as doenças emocionais ocorrem com maior frequência em pacientes com câncer e em seus familiares do que na população em geral, fazendo com que tal fato chame a atenção para estudos sobre as consequências do câncer na vida do paciente e de sua família e também sobre as equipes multiprofissionais envolvidas no cuidado a essa clientela (PENNA, 2004). Ainda encontramos profissionais que mentem aos seus pacientes sobre a doença. Esse mundo de mentiras aos doentes de câncer é uma medida de como tem sido penoso, em sociedades industriais avançadas, chegar a um acordo com a morte. A morte é um acontecimento agressivamente sem sentido, de modo que uma doença considerada como sinônimo de morte é tida como algo que se deve esconder. Mentem-se aos pacientes com câncer e aos seus familiares não só porque a doença é tida como uma sentença de morte, mas porque é considerada obscena, no sentido original da palavra: de mau presságio, abominável e repugnante aos sentidos (SONTAG, 1984). A própria sexualidade, tão importante quando falamos de uma doença que frequentemente esteriliza, castra, mutila, vai ter registros diversos de acordo com cada caso. São comuns as preocupações econômicas e a discriminação de ordens diversas como a social e a trabalhista são geradores de uma baixa na autoestima do doente e de seus familiares. Tanto o doente quanto a família podem negar a doença 37 em uma tentativa de defensiva de manutenção do equilíbrio do sistema familiar. Mesmo assim, as mudanças são inevitáveis, quer seja em sua estrutura, quer seja em sua organização, sejam ela funcionais ou não, de primeira ou de segunda ordem (MICELI; KASTRUP, 1989). As fantasias inspiradas constituem um reflexo de uma concepção segundo a qual a doença é intratável e caprichosa, ou seja, um mal que ainda não é compreendido numa era em que a premissa básica da medicina é a de que todas as doenças podem ser curadas, tornando tal tipo de enfermidade misteriosa por definição (SONTAG, 1984). Enquanto não se compreende a causa do câncer e as prescrições médicas mostram-se, muitas vezes, ineficazes, a doença pode ser considerada uma insidiosa e implacável ladra de vidas. O câncer não bate à porta antes de entrar e ainda desempenha um papel de enfermidade cruel e furtiva (SONTAG, 1984). Sentimentos como medo, raiva, culpa, pena, solidão, separação, rejeição, abandono, impotência, onipotência, vulnerabilidade, esperança, recompensa, satisfação e tantos outros podem ser vivenciados isolada ou associadamente, sem ordem de chegada pelos doentes e seus familiares. Reações diversas como regressão, dependência, resignação, agressividade, aversão e depressão podem ser expressas pelos envolvidos. Tudo isso mostra como são grandes e insuportáveis as duas características que são invariáveis e que são comuns a todos os doentes de câncer e seus familiares: a dor e o stress (MICELI; KASTRUP, 1989). Durante a fase inicial, o impacto do diagnóstico geralmente provoca muita ansiedade e medo, sendo que os familiares podem apresentar sofrimento emocional mais intenso do que o do próprio paciente. Nas fases de tratamento, os familiares referem queixas de estresse oriundas de estarem presenciando o sofrimento emocional e físico do seu familiar e também com o envolvimento com as demandas e consequências do tratamento como, por exemplo, as longas internações hospitalares, idas e vindas às clínicas de quimioterapia ou de radioterapia. O familiar é introduzido em um outro mundo totalmente diferente daquele que ele estava acostumado, o mundo da doença e dos doentes (PENNA, 2004). O tratamento oncológico é complexo, longo e envolve tanto o paciente quanto a equipe de saúde e a família, gerando diferentes fontes de estresse. O doente, no momento do diagnóstico, entram em contato com a possibilidade da própria morte, o que os leva a pensar sobre sua vida, seus valores, sua espiritualidade e suas 38 crenças. Dependendo dos mecanismos de defesa empregados pelo doente, ele poderá atravessar as fases de diagnóstico e tratamento de uma maneira mais tranquila ou não (CRESPO; LOURENCO, 2007). Após a realização do diagnóstico e do estadiamento do câncer para a realização do tratamento quimioterápico, inicia-se uma nova fase de adaptações e mudanças de rotinas e planos na vida do paciente e de seus familiares. Não é fácil para o doente e sua família iniciar uma transformação brusca de propósitos e prioridades que não podem aguardar. Começa, então, um novo ciclo na vida da família e o doente vê-se obrigado a realizar mudanças em seus hábitos de vida para uma vida mais regrada pela família e também pelos profissionais de saúde (ROSSARI, 2008). As demandas exigidas pela doença são de diversas naturezas, de ordem física como ter que lidar com ostomias às da vida cotidiana. Os familiares terão que suprir, na família, o papel preenchido anteriormente pelo membro doente, dar conta de tarefas adicionais, lidar com novas necessidades emocionais geradas pela crise da doença, mantendo ao mesmo tempo as responsabilidades e os deveres anteriores a ela. Assim, tudo isso acaba afetando negativamente o paciente que se sente um peso morto, um estorvo na vida da família e cria barreiras de comunicação entre essas pessoas; aí a doença passa a ser um peso intolerável e uma fonte de frustração e culpa para todos (PENNA, 2004). Apesar de tudo a quimioterapia ainda representa a possibilidade de continuar vivendo e retomar o cotidiano que foi alterado a partir do diagnóstico do câncer. Porém, apesar de todo o impacto físico e psicológico da quimioterapia, as pessoas consideram que continuar o tratamento é reconhecer que os efeitos colaterais não são duradouros e o que se busca é a recuperação da saúde. É nesse momento que a família torna-se indispensável para o paciente enfrentar essa fase do tratamento, sentindo-se apoiado (JESUS; LOPES, 2003). Apesar de conviverem com as restrições impostas pela doença e o tratamento, os doentes buscam formas de enfrentar essas vicissitudes através da consciência de estarem no mundo não como seres doentes, mas sim como aqueles que lutam pela própria vida (SALES; MOLINA, 2004). A importância e, provavelmente, a mola mestra que vai mobilizar toda a assistência emocional que será prestada ao cliente com câncer e sua família, é forma como a equipe se comunica e interage com eles. Considera-se de grande 39 ajuda a interação multiprofissional, tendo clara a possibilidade de visualizar o cliente como um todo, pois o cuidado à saúde transcende o simples ato de assistir centrado no fazer, nas técnicas ou nos procedimentos, significa reconhecer os clientes e seus familiares como seres humanos singulares, vivenciando um difícil momento de suas vidas (COSTA; LUNARDI FILHO; SOARES, 2003). De acordo com Sales e Molina (2004), escutar e olhar atentamente torna-se um instrumento importante para que o enfermeiro compreenda o doente com câncer e sua família, em suas singularidades. Para tanto, é fundamental entrar no mundo do outro e ver as coisas através de seus olhos e escutar com envolvimento suas experiências. Enfim, nos foi permitido compartilhar histórias de vida e sentimentos de cada sujeito e, principalmente, apreender que o cuidar é uma arte a ser aprendida. 40 2 METODOLOGIA O presente estudo caracterizou-se por ser uma pesquisa qualitativa descritiva. De acordo com Triviños (2009) o foco essencial dos estudos descritivos reside no desejo de conhecer a comunidade, seus traços característicos, suas gentes e seus problemas. Além disso, o estudo descritivo pretende descrever, com exatidão, os fatos e os fenômenos de determinada realidade, sem que se pretenda realizar qualquer processo de intervenção na realidade estudada. Para Minayo (1996), o estudo de natureza qualitativa se preocupa com o universo de valores, crenças, afirmações e significados envolvidos nas relações humanas e que não podem ser quantificadas através de dados numéricos ou de análises estatísticas. A escolha por tal abordagem pode ser justificada por entender que o pesquisador não pode quantificar os sentimentos e as expectativas vivenciadas pela família do paciente submetido ao tratamento de quimioterapia antineoplásica, uma vez que, para Minayo (2002), a pesquisa qualitativa responde a questões que são muito particulares e com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Além disso, a investigação qualitativa requer como atitudes fundamentais a abertura, a capacidade de observação e de interação com o grupo de investigadores, bem como com os atores sociais envolvidos (MINAYO, 1999). No que tange à Teoria das Representações Sociais, optou-se pela abordagem processual. Para Banchs (2004), a abordagem processual revela que o acesso ao conhecimento sobre as representações sociais parte do entendimento do ser humano como produtor de sentidos, focalizando-se na análise das produções simbólicas, dos significados e da linguagem, através dos quais o sujeito constrói o mundo em que vive. Desta forma, a abordagem processual é a que mais se adequa ao objeto do presente estudo. A pesquisa teve como campo de estudo um centro de quimioterapia inserido em um hospital público federal de referência nacional no tratamento do câncer, localizado na cidade do Rio de Janeiro. Este cenário possui duas centrais de quimioterapia, uma destinada ao atendimento do público adulto composta por 14 unidades de atendimento – poltronas - e a outra destinada ao atendimento do público infantil, com 10. A clientela é atendida diariamente, todos os dias da semana, das 7 às 19 horas. O fluxo de atendimento médio é de 60 pacientes por dia, sendo 41 40 adultos e 20 infantis. São realizados diversos protocolos quimioterápicos para o tratamento de diversos tipos de tumores, entre eles os linfomas, as leucemias, os de pulmão, de testículo, de laringe e de cólon. Antes de iniciar o tratamento quimioterápico, o cliente, juntamente com um familiar, participa da consulta de enfermagem, onde é realizado o exame físico do cliente e as orientações quanto ao protocolo quimioterápico a ser realizado, os possíveis efeitos indesejáveis dos quimioterápicos, os cuidados a serem tomados diante dos mesmos e como proceder nos casos de emergência. Após 15 dias é marcada a consulta de retorno, correspondente ao período denominado de NADIR que, segundo Bonassa e Santana (2005), é o tempo transcorrido entre a aplicação da droga e o aparecimento do menor valor de contagem das células hematológicas no organismo do doente, fazendo com que pacientes que receberam quimioterápicos sejam cuidadosamente monitorizados para determinar a ocorrência de mielossupressão. Neste contexto, esta consulta objetiva a avaliação do cliente, a determinação dos efeitos indesejáveis dos quimioterápicos prevalentes em seu organismo e, quando necessário, encaminhá-lo aos demais membros da equipe de saúde como o oncologista, o psicólogo, o fisioterapeuta, o odontólogo e/ou o nutricionista. Ao mesmo tempo, a consulta de retorno também serve para esclarecer as dúvidas que surgiram em casa após o início do tratamento. A consulta de enfermagem em quimioterapia é um momento importante para o paciente e seus familiares no processo de implementação do tratamento quimioterápico. É em seu contexto que ocorre o processo de construção de uma confiança baseada no encontro entre os três atores sociais, quais sejam, o profissional, o paciente e o familiar. Neste cenário surgem as dúvidas, os medos, as incertezas, as inseguranças e também os esclarecimentos sobre o tratamento proposto e a orientação quanto à melhor maneira de superar os desgastes físico, psicológico e emocionais decorrentes do tratamento, reduzindo os medos e os possíveis efeitos indesejáveis dos quimioterápicos. Ao considerarmos que o câncer, bem como a sua representação, é algo importante no processo de trabalho do ambulatório de quimioterapia e para o processo de adesão ao tratamento, concordamos com Minayo (1999), de que nada pode ser intelectualmente um problema se não tiver sido, primeiramente, um problema de vida prática. A escolha de um tema não emerge espontaneamente, 42 assim como o conhecimento não é espontâneo. Surge sim, a partir de interesses e circunstâncias socialmente condicionadas, frutos da inserção na realidade e encontrando nela suas razões e objetivos. O número de sujeitos foi de 30 familiares de clientes oncológicos adultos que acompanharam o doente durante a consulta de enfermagem realizada antes de iniciar o tratamento quimioterápico ambulatorial. Adotamos os seguintes critérios de inclusão dos sujeitos: (a) ter preferencialmente parentesco de primeiro grau com o paciente (pai, mãe, irmão, filho ou cônjuge); e (b) ter acompanhando seu familiar por, pelo menos, uma das consultas de enfermagem: a de primeira vez ou a de retorno. Os critérios de exclusão usados foram: (a) familiares com idade menor que 18 anos; e (b) não ter acompanhado o paciente em uma das consultas de enfermagem. Antes de iniciar a coleta de informações, um protocolo de pesquisa foi apresentado ao comitê de ética e de pesquisa do hospital, conforme preconizado na Resolução n° 196/96 do Conselho Nacional de Saúde sobre a realização de pesquisas envolvendo seres humanos. Após a aprovação pelo comitê de ética e pesquisa, foi iniciada a coleta de informações. Esta coleta foi feita a partir da realização de entrevistas semi-estruturadas (APÊNDICE C). A entrevista semi-estruturada combina perguntas fechadas e abertas, onde o entrevistado pode discorrer sobre o tema da pesquisa sem respostas ou condições prefixadas pelo pesquisador (MINAYO, 1999). Essa modalidade de entrevista, apesar de se orientarem por um roteiro prévio, se caracteriza pela reelaboração do seu roteiro no processo de investigação, abrangendo questões e temáticas que não constavam em seu início. Segundo Oliveira (2001), a entrevista constitui-se em um método indispensável a todos os estudos do campo das representações sociais e que a mesma se traduz pela coleta da produção discursiva. No entanto, a autora aponta alguns cuidados a serem tomados ao utilizar-se a entrevista como única técnica de estudo. Neste sentido, no momento da entrevista, a expressão discursiva pode favorecer, de maneira consciente ou não, a utilização de mecanismos psicológicos, cognitivos e sociais, comprometendo a confiabilidade e a validade dos resultados. Contudo, essas premissas não invalidam a utilização da técnica numa pesquisa de representações sociais, mas aponta para a necessidade de associar, a esta, outras técnicas complementares, que objetivam controlar, recortar ou aprofundar as 43 informações colhidas. A gravação das entrevistas aconteceu em um consultório dentro da central de quimioterapia, onde geralmente a consulta de enfermagem é realizada. A maioria dos familiares, escolhidos como sujeitos do estudo, estava ali acompanhando e esperando o familiar iniciar ou terminar o tratamento quimioterápico e esperavam por eles sentados em cadeiras na parte de fora da central de quimioterapia. Grande parte dos sujeitos mostrou-se disposta a realizar a entrevista e a fez como uma forma de exteriorizar o seu sofrimento ao acompanhar um ente querido que possui uma doença ameaçadora durante um tratamento debilitante e cheio de reações indesejáveis, desconfortáveis e carregado de sofrimento e angústias, mas também de esperanças. Recebi a ajuda dos funcionários da central de quimioterapia para identificar e me aproximar dos possíveis sujeitos da pesquisa. Após identificação, apresentação do termo de consentimento e explicação dos objetivos do estudo para os sujeitos a maioria mostrou-se disposta a participar sem objeções ou dificuldades para a realização do mesmo. Apenas uma pequena parcela das pessoas abordadas para ser sujeito do estudo recusou-se a fazê-lo por motivos pessoais, por medo de abordar um assunto que talvez pudesse mexer demais com as emoções ou trazer lembranças e sofrimento ou por estarem com pressa em resolver outros assuntos enquanto o familiar realizava o tratamento quimioterápico como marcação de consultas, exames ou outro tratamento. Em nenhum momento a participação foi forçada e aqueles que se recusaram em participar foram imediatamente liberados para realizarem seus outros afazeres ou continuarem sentados esperando o familiar terminar o tratamento para irem embora para suas casas. Por diversas vezes, as entrevistas tiveram que ser interrompidas por momentos de silêncio e lágrimas dos sujeitos ao falarem sobre suas experiências com o câncer. Além disso, aconteceu de alguns pacientes apresentarem intercorrências durante o tratamento quimioterápico e os sujeitos terem a necessidade de se ausentarem para estar ao lado de seus familiares. Apesar das dificuldades encontradas foi possível realizar a coleta de informações e conduzi-la da melhor forma possível, interrompendo sempre que fosse necessário para o conforto e necessidade dos sujeitos. Assim, foi possível entrar no mundo dessas pessoas e desvendar o que havia de mais profundo nos sentimentos e no imaginário desses sujeitos, tornando a 44 experiência da coleta de dados muito mais do que uma simples junção de informação mas, principalmente, o verdadeiro valor da vida onde a permissão de adentrar no mundo, na objetividade e subjetividade dessas pessoas foi como descobrir a importância da profissão, a importância da família no contexto saúdedoença dando importância ao meio em que estas pessoas estão inseridas, procurando sempre valorizá-las para conseguir realizar de forma efetiva e humana a assistência tão idealizada pelos profissionais de saúde. As entrevistas foram gravadas em fitas magnéticas, transcritas na íntegra em arquivo Word e devolvidas aos sujeitos para confirmação de seus depoimentos. A partir de leitura em profundidade das entrevistas e do material coletado foi realizada a categorização temática a partir da análise de conteúdo proposta por Bardin (1979) e sistematizada por Oliveira (2008). De acordo com Bardin (1977, p. 42), a análise de conteúdo pode ser definida como um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção-recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. A técnica de análise de conteúdo pressupõe algumas etapas, definidas por Bardin (1977) como: pré-análise; exploração do material ou codificação; tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Na primeira etapa ou pré-análise, foram desenvolvidas as operações preparatórias para a análise propriamente dita. Consistiu num processo de escolha dos documentos ou definição do corpus de análise; formulação das hipóteses e dos objetivos da análise; e elaboração dos indicadores que fundamentam a interpretação final (OLIVEIRA, 2008). A segunda englobou a exploração do material ou codificação, que consistiu no processo através do qual os dados brutos foram transformados sistematicamente e agregados em unidades, as quais permitiram uma descrição exata das características pertinentes ao conteúdo expresso no texto. Já na terceira, o tratamento dos resultados - inferência e interpretação, buscou-se colocar, em relevo, as informações fornecidas pela análise, através de quantificação simples (frequência) ou mais complexas, como a análise fatorial, permitindo apresentar os dados em diagramas, figuras e modelos, entre outras técnicas (OLIVEIRA, 2008). Após a coleta de dados e a transcrição das fitas gravadas, passamos à fase 45 de exploração dos dados com o auxílio do software QRS Nvivo 2.0, através do qual foi realizada, de fato, a análise de conteúdo, como pontuada acima. De acordo com Ferreira e Machado (1999), o Qualitative Solutions Research Nvivo 2.0 (QRS) é um software elaborado para a análise qualitativa de dados. Lançado no ano de 2002, o programa teve como um de seus precursores o software NUD*IST. Ambos os programas foram desenvolvidos pela Universidade de La Trobe, Melbourne, Austrália, e se fundamentam no princípio da codificação e armazenamento de textos em categorias específicas. O QRS Nvivo 2.0 se constitui em uma das mais recentes versões de programas de computador voltados para a análise qualitativa de dados. Pode ser utilizado para análise de dados em várias áreas como, por exemplo, nas ciências sociais, humanas, da saúde e aquelas relacionadas ao marketing. Não há restrições quanto às metodologias de investigação e os modos de coletar dados empregados na pesquisa. Contudo, um dos limites do software é sua impossibilidade de analisar documentos com dados quantitativos (GUIZZO; KRZIMINSKI; OLIVEIRA, 2003). O software é útil na administração e na síntese das ideias do pesquisador, permitindo que sejam realizadas alterações nos documentos em que se está trabalhando, sendo possível acrescentar, modificar, ligar e cruzar dados, ou ainda, registrar ideias na forma de memos. Assim, o software substitui o tradicional método de operacionalização da análise qualitativa que utiliza recursos como tesoura, cola e/ou canetas coloridas (GUIZZO; KRZIMINSKI; OLIVEIRA, 2003). Para que o QRS Nvivo fosse utilizado foram necessários alguns procedimentos para a formatação dos dados. Antes de serem importados para o programa, os dados precisaram ser colocados em formato de documentos com extensão *.rtf (rich text format) disponível no Microsoft Word. Após importar os dados para dentro do programa, optamos por dividir o texto por falas dos sujeitos, independente dos números de palavras ou frases contidas em cada fala. Após, iniciamos o processo de codificação que compreende a criação de Códigos ou Categorias e a releitura dos textos com os recortes já incluídos nestas categorias. No softwere QRS Nvivo, as categorias são chamadas de Nodes ou Nós em português. Nossa pesquisa trabalhou com três grandes Nós ou categorias, que foram previamente definidos e provenientes dos três grandes eixos do nosso estudo: O câncer e seus significados, o tratamento quimioterápico e a consulta de enfermagem em quimioterapia. Desses, apenas aquele relacionado ao “o câncer e 46 seus significados” foi utilizado para a realização da análise dos dados, uma vez que a categoria mostrou-se muito rica em conteúdo e de grande importância para ser aprofundada. Assim, as categorias presentes nas dimensões representacionais foram previamente construídas e, após isso, procedeu-se a um recorte das falas dos sujeitos do estudo no qual foi possível realizar uma subcategorização. 47 3. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS 3.1 Caracterização dos sujeitos O quantitativo de sujeitos obtidos ao término da coleta de dados foi de 30 indivíduos. Dentre estes, a maior parte pertencia ao sexo feminino, onde 25 (83%) eram mulheres e apenas 05 (17%) eram homens, como nos mostra a Tabela 1. Tabela 1- Distribuição dos sujeitos do estudo segundo o sexo Sexo f % Feminino 25 83 Masculino 05 17 Total 30 100 Desde a antiguidade, como no surgimento da enfermagem como profissão, o cuidado já era atribuído e desenvolvido essencialmente pelas mulheres e, como elas tinham a função de cuidar da família e do lar e o dom do cuidado, eram as mulheres que desenvolviam as práticas referentes ao cuidado domiciliar. Assim, não foi diferente perceber, durante a coleta de dados da pesquisa, que eram as mulheres (83%) a maioria a realizar o acompanhamento do ente querido no tratamento quimioterápico. Muitas vezes, essas mulheres precisam deixar seus afazeres domésticos, abandonar seus empregos, seus outros filhos e marido para poder estar junto do familiar que fazia o tratamento. Tudo isso acaba por gerar intenso desgaste físico e emocional nessas mulheres que, por permanecerem muito tempo longe de suas casas e de suas rotinas, acabam sofrendo e se desgastando ainda mais com as dificuldades relacionadas ao tratamento de um familiar com câncer. Já os homens, apenas uma pequena parte (17%) estavam acompanhando o familiar durante a quimioterapia. Acreditamos que este quadro se deve ao fato do homem, em sua grande maioria, ser o provedor do lar, ou seja, o responsável pelo sustento da casa e da família, o que torna mais difícil para ele se afastar ou 48 abandonar seu trabalho para acompanhar o doente ao hospital durante o tratamento. Em relação à idade dos sujeitos participantes da entrevista, a sua categorização abrangeu três grupos como os definidos a seguir na tabela, no qual podemos descrevê-los como sendo os menores de trinta anos (13%), os que pertenciam à faixa etária entre 31 e 40 anos (27%) e a maior que 41 anos de idade (63%). Tabela 2 - Distribuição dos sujeitos do estudo segundo a idade Idade f % < 30 anos 04 13 31 a 40 anos 08 27 >41 anos 19 63 Total 30 100 Quanto ao estado civil dos sujeitos, foi possível identificar três grupos onde a maior parte era casada (73%), seguidos dos solteiros (23%) e divorciados (3%). Tal fato se deu porque grande parte dos familiares entrevistados era composta por maridos ou esposas acompanhando o seu par. Tabela 3 - Distribuição dos sujeitos do estudo segundo o estado civil Estado Civil f % Casado 22 73 Solteiro 07 23 Divorciado 01 3 Total 30 100 Quanto à escolaridade, os entrevistados demonstraram possuir, em sua maioria, o nível superior (40%). Dentre os 30 entrevistados, 11(37%) possuíam apenas o primeiro grau, 8 (27%) o segundo grau e 12 (40%) o nível superior. 49 Tabela 4 - Distribuição dos sujeitos do estudo segundo a escolaridade Escolaridade f % Primeiro grau 11 37 Segundo Grau 08 27 Superior 12 40 Total 30 100 Quanto à religião dos sujeitos, a maior parte pertencia à religião católica (47%), seguida dos evangélicos (33%), espíritas (17%) e, por último, testemunhas de Jeová (7%), tal como no mostra a Tabela 5. Tabela 5 - Distribuição dos sujeitos do estudo segundo a religião Religião f % Católico 14 47 Espírita 05 17 Testemunho de Jeová 02 7 Evangélico/Protestante 10 33 Total 30 100 Grande aliada das pessoas que enfrentam uma doença como o câncer, a religiosidade mostra-se como uma forma de superar o sofrimento causado pela doença e seu tratamento e, ao mesmo tempo, resgata a fé na vida e atribui sentido às situações enfrentadas na cotidianidade do tratamento. Aumenta ainda a crença no tratamento instituído e a esperança na cura da doença. Em relação ao numero de filhos, a maioria dos sujeitos revelaram apresentar entre um e dois filhos (53%), seguido dos que disseram possuir nenhum filho (37%) e dos que tinham acima de dois filhos (13%). 50 Tabela 6 - Distribuição dos sujeitos do estudo segundo o número de filhos Número de Filhos f % Nenhum 11 37 De 1 a 2 16 53 Acima de 2 4 13 Total 30 100 O fato de a grande maioria dos sujeitos que estavam ali acompanhando o parente para a realização do tratamento quimioterápico possuir filhos nos faz observar que essas pessoas tinham, muitas vezes, que abandonar seus afazeres domésticos e deixar seus filhos para acompanhar o doente na jornada de tratamentos exigidos pela doença. Tudo isto proporciona, para os sujeitos, um desgaste físico e emocional difícil de ser administrado. Quanto ao parentesco, a maior parte (53%) dos sujeitos era composto por esposo(a) acompanhando o seu parceiro(a). Dentre os 30 participantes, 08 (27%) eram filhos que estavam acompanhando seus pais, 04 (13%) eram mães acompanhando seus filhos e 03 (10%) eram irmãos. Tabela 7 - Distribuição dos sujeitos do estudo segundo o grau de parentesco Parentesco f % Filho (a) 08 27 Esposo (a) 16 53 Irmão (a) 03 10 Mãe 04 13 Total 30 100 Nesses momentos a família partilha e compartilha dos momentos tanto de alegria quanto de tristezas advindos com a doença e seu tratamento. Tal fato nos leva a repensar, enquanto profissionais, a importância da família no cuidado ao doente e no processo de adesão ao tratamento, uma vez que cuidar do familiar e 51 também dispensar esse cuidado ao doente é fundamental, já que o mesmo necessita da força e do apoio de seu familiar para continuar o tratamento, as atividades de vida diária e a esperança de continuar vivendo. A data do diagnóstico de câncer do familiar nos mostrou que a maior parte dos sujeitos estavam acompanhando seu familiar por um período de até seis meses (47%), outra parte, de seis meses a um ano (30%) e uma menor parcela estava acompanhando há mais de um ano (27%) tal como nos mostra a Tabela 8. Tabela 8 - Distribuição dos sujeitos do estudo segundo o tempo do diagnóstico Data do Diagnóstico f % Ate 6 meses 14 47 De 6 meses a 1 ano 09 30 Acima de 1 ano 08 27 Total 30 100 O tempo que esta família vem acompanhando o doente na trajetória de seu tratamento, com as consequentes idas e vindas ao hospital, demonstra o cansaço em ter que, muitas vezes, abrir mão de suas outras atividades para acompanhar o doente nos longos e cansativos ciclos de quimioterapia antineoplásica. Quanto ao local de moradia dos sujeitos, a pesquisa mostrou que a grande maioria pertencia a outras cidades do Estado do Rio de Janeiro (63%), enquanto uma menor parte tinha residência fixa na Capital (37%). Isso nos mostra mais uma vez, o descompasso causado na vida dessas famílias e também dos pacientes, tendo que se deslocar de suas cidades, muitas vezes distantes, com o doente instável psicologicamente e também fisicamente para realizar o tratamento quimioterápico. 52 Tabela 9 - Distribuição dos sujeitos do estudo segundo o local de moradia Local de Moradia f % Rio (Capital) 11 37 Outras Cidades do Rio 19 63 Total 30 100 Quanto ao acompanhamento do paciente em suas atividades diárias, os entrevistados demonstraram, em sua totalidade (100%), estarem sempre ao lado do familiar dando suporte nas atividades do dia a dia. Por se tratar de um tratamento geralmente longo e muito desgastante, o familiar que acompanha o doente geralmente o faz durante todo o curso do tratamento. Quanto ao histórico de câncer na família, grande parte dos sujeitos da pesquisa (70%) pertencia ao grupo dos que tinha alguém na família com a doença ou que já havia tido um tumor maligno. Contra isso, apenas uma pequena parcela desses sujeitos (30%) não tinha histórico de câncer na família. O fato de já ter tido outra pessoa com câncer na família contribui de forma significativa para que o familiar se envolva ainda mais com o ente querido que faz quimioterapia e acaba por tornar esse percurso ainda mais penoso e sofrido uma vez que, passar pela experiência do câncer, é um momento que torna a vida da pessoa um caminhar que parece não ter fim e com poucas expectativas de uma vida futura sem sofrimento, bem como apresenta inúmeras dificuldades em resgatar suas rotinas habituais. Tabela 10 - Distribuição dos sujeitos do estudo segundo o histórico de câncer na família Histórico de Câncer na Família f % Sim 21 70 Não 09 30 Total 30 100 Em relação ao fato de já terem realizado algum tratamento anterior ao tratamento quimioterápico, a maior parte (60%) já havia realizado cirurgia ou 53 radioterapia. Apenas uma menor parte (40%) disse não ter realizado nenhum outro tratamento e ser a quimioterapia o primeiro tratamento realizado no controle e cura do câncer, tal como nos mostra a Tabela 11. Tabela 11 - Distribuição dos sujeitos do estudo segundo o tratamento anterior ao quimioterápico Tratamento anterior ao quimioterápico f % Sim 18 60 Não 12 40 Total 30 100 O fato do doente já ter feito outros tratamentos antes de iniciar o quimioterápico nos remete ao pensamento de que o doente e sua família encontramse desgastados pelos sacrifícios exigidos pelos tratamentos contra o câncer e seus estresses tanto físicos quanto emocionais, provenientes desse processo de luta contra a doença e as debilidades proporcionadas pela mesma, bem como por seu tratamento. Já em relação ao contato prévio com a consulta de enfermagem, apenas uma pequena parte dos sujeitos (17%) revelou que já havia tido contato com a consulta de enfermagem alguma vez na vida, enquanto a grande maioria (83%) disse que nunca haviam passado pela consulta de enfermagem. Tabela 12 - Distribuição dos sujeitos do estudo segundo o contato prévio com a consulta de enfermagem Contato Prévio com a Consulta de Enfermagem f % Sim 05 17 Não 25 83 Total 30 100 54 A consulta de enfermagem surgiu na profissão como estratégia eficaz para a detecção precoce de desvios de saúde e para acompanhar e dar seguimento às medidas instituídas ao bem-estar das pessoas envolvidas. Ela se diferencia entre as várias maneiras de cuidar, uma vez que estabelece a aproximação e uma relação interpessoal de ajuda concreta diante das variáveis culturais (ROSA et al., 2007). É através da consulta de enfermagem que o enfermeiro aproxima-se do cliente e interage com ele, faz os diagnósticos de enfermagem e, enfim, observa o cliente de forma holística, participando efetivamente de seu universo, com o objetivo de melhorar sua qualidade de vida. Para que possa exercer tal atividade, os enfermeiros aplicam a experiência e os conhecimentos específicos próprios da consulta, relativos à doença, ao tratamento proposto e ao prognóstico, para realizála de forma eficiente, interagindo com o cliente assistido, tendo sempre como objetivo a saúde e a melhora da qualidade de vida da pessoa assistida (SANTANA, 2002). A implantação da consulta de enfermagem exige que sejam feitas mudanças na prática assistencial do enfermeiro, buscando, do mesmo, a compreensão de sua complexidade enquanto atividade que necessita de metodologia própria e objetivos bem definidos, uma vez que compete ao enfermeiro lutar para consolidar tal procedimento que é exclusivo de sua competência e amparado legalmente (SILVA, 1998). Reconhecendo a situação dos serviços hospitalares oncológicos brasileiros torna-se fundamental a implantação da consulta de enfermagem para o acompanhamento do paciente em quimioterapia e de seus familiares, direcionando seu atendimento para a desmistificação da doença e do seu tratamento (ANJOS; ZAGO, 2006). É necessário o resgate da importância da atuação do enfermeiro como educador, na prestação sistematizada do cuidado de enfermagem e confirmar a importância da consulta de enfermagem enquanto processo de interação e integração na relação enfermeiro-cliente-família, permeada pela educação em saúde (SANTOS; OLIVEIRA, 2004). 55 3.2 As dimensões representacionais Nesta parte do trabalho, apresentamos as categorias que emergiram da análise construída a partir do software Nvivo, quais sejam, sentimentos compartilhados por familiares de clientes oncológicos em tratamento quimioterápico; imagens, metáforas e conceitos do câncer para os familiares que enfrentam a doença; preconceitos e estigmas na vivência do câncer; as diferentes práticas de enfrentamento desenvolvidas no contexto da doença e do processo de adoecimento pelo câncer; o conhecimento acerca do câncer e alguns elementos de ancoragem; as vivências do enfermeiro que trabalha em oncologia e suas contribuições junto à família. 3.2.1 Sentimentos compartilhados por familiares de clientes oncológicos em tratamento quimioterápico O processo de adoecer não é apenas um acontecimento individual, pois abrange não só a dimensão corporal, mas também as relações familiares e sociais. De acordo com as famílias que acompanham o doente, o câncer gera desequilíbrios que vão além do aspecto corporal do doente, exigindo reorganização em diferentes dimensões da vida da família (VIEIRA; MARCON, 2008). Este processo tem influências traumáticas no doente e em seus familiares, que, ao se depararem com a doença e sua dura realidade, são acometidos por diversos tipos de sentimentos, entre eles o de medo, de solidão, de autopunição e de insegurança (MENDES; TAVARES, 2009). Nesse aspecto, a psicologia muito tem auxiliado pacientes e familiares que os assistem nos diferentes estágios da doença. Esta área de conhecimento e este campo de aplicação têm atuado na pesquisa, no ensino e no aconselhamento de técnicas de comunicação, intervenções psicossociais e comportamentais, assim como na avaliação da qualidade de vida. Isto se torna ainda mais importante ao se considerar que o tratamento oncológico é complexo, longo e envolve tanto o 56 paciente, quanto sua família, gerando diferentes fontes de estresse (CRESPO; LOURENCO, 2009). Em razão do contato estreito e diário com o doente e seus familiares, o enfermeiro é o profissional que atua como aliado no diagnóstico precoce e no tratamento dos transtornos mentais e de ajustamento dos doentes com câncer e seus familiares. Em momentos dolorosos da vida, tristeza e angústia são esperadas, porém devemos diagnosticar o momento em que o transtorno depressivo ou a ansiedade se instalam para encaminhá-los ao tratamento. Tais sentimentos interferem no conforto do paciente e de seus familiares, bem como na habilidade de tomar decisões, na aderência ao tratamento e na qualidade de vida (CRESPO; LOURENCO, 2009). Durante a convivência com pacientes com câncer e suas famílias é possível perceber, ao vivenciar a confirmação do diagnóstico de neoplasia, que os indivíduos sentem o desejo de ser cuidado, amado, compreendido e, principalmente, de poder compartilhar suas preocupações e seus medos. Nesses momentos, a família passa a enfrentar um grande conflito emocional tendo que apoiar o ente querido e, ao mesmo tempo, aceitar o câncer em seu seio familiar. Nesse contexto, se não levarmos em consideração os sentimentos dos familiares no momento do diagnóstico e do tratamento de câncer do seu ente querido, não poderemos ajudálos com eficácia. (SILVA; BORGOGNONI; RORATO, 2008) Assim, durante o processo de enfrentamento inicial do câncer, os sentimentos mais comuns e vivenciados pelos familiares dos pacientes com câncer estão relacionados ao choque, ao desespero, ao susto, à revolta e à angústia diante da descoberta e do diagnóstico da doença. Tais sentimentos são responsáveis por gerar um verdadeiro tumulto na vida dos familiares dos pacientes com câncer. A família é, muitas vezes, surpreendida com o diagnóstico de câncer de seu familiar e, quase ao mesmo tempo, informada sobre um prognóstico reservado que é marcado pela ausência de possibilidades terapêuticas e pelo pouco tempo de vida para o ente querido, cabendo à família arcar com a extensão crônica da doença e todas as suas sequelas e/ou consequências (VIEIRA; MARCON, 2008). Um diagnóstico reservado faz com que a família sinta dificuldades no enfrentamento cotidiano do câncer. Além disso, conviver dia após dia com o sofrimento do familiar que tem câncer e todas as consequências provenientes da 57 doença e de seu tratamento não é nada fácil. Isso pode ser evidenciado na seguinte fala do sujeito: Eu não sei se meu marido vai ficar bom, porque a pessoa que já tem mais idade é mais difícil. Eu acho que ele não vai ficar bom. Eu acho, porque já tem dois meses que ele está fazendo tratamento e ele não sente melhora de nada. Ficou com pneumonia, muita dor nas costas e está ficando pálido, a cor dele parece que está sumindo. (E31) No conjunto das representações que os sujeitos possuem do câncer, a gravidade da situação e a possibilidade de morte estão sempre presentes como algo que orienta o seu cotidiano e que determina as suas ações e suas perspectivas, explicitando a relação entre construções representacionais e práticas individuais e/ou sociais, conforme apontado por Sales et al. (2003). Entre os itens que trazem maior grau de preocupação para os familiares são a idade, o tempo de tratamento sem a melhora esperada, as alterações físicas que povoam o imaginário de gravidade (pneumonia) ou que indicam desconforto cotidiano (dor nas costas) e uma fáscie que indica a chegada paulatina da morte (pálido e cor original sumindo). Observa-se que é justamente nesta interseção entre construções cognitivas abstratas acerca da patologia e as influências da mesma no dia a dia dos acometidos que as representações parecem deitar importantes raízes para a sua formação no grupo estudado. Nesta tensão entre o concreto (dor, doença e palidez, por exemplo) e o abstrato (o não saber, as informações circulantes sobre o câncer e as imagens que a sociedade apresenta sobre ele, entre outras questões) é que o grupo reconstrói o câncer como objeto de representação, fornecendo-lhe sentido e se posicionando sobre eles, inclusive com fortes influências em suas vidas cotidianas, bem como naquelas de seus entes queridos. Ao mesmo tempo, destaca-se que, no momento do diagnóstico, tanto o doente quanto seus familiares entram em contato com a possibilidade da morte, o que os leva a pensar sobre suas vidas, seus valores, sua espiritualidade e suas crenças. Dependendo dos mecanismos de defesa empregados, as fases de diagnóstico e tratamento poderão ser atravessados de uma maneira tranquila ou catastrófica. Pessoas com antecedentes de depressão, transtornos da ansiedade e de outras psicopatologias, assim como aqueles que não desenvolvem mecanismos de defesa adaptativos, estarão mais suscetíveis a desenvolver transtornos 58 relacionados à depressão que devem ser diagnosticados e tratados de forma adequada e efetiva (CRESPO; LOURENCO, 2009). Além do enfrentamento do câncer em si, em suas dimensões objetivas e subjetivas, o sentimento de solidão é algo enfrentado de forma bastante marcante pelos sujeitos, como pode ser percebido na fala a seguir: Foi muito difícil, porque eu tive que aguentar toda a minha aflição pra não passar pros meus filhos, que eu tenho três filhos, no momento então eu aguentei aquela barra toda sozinha, de lá para cá tem quase dois anos nesse tratamento e eu não pude parar nem pra mim. E quando meus filhos foram sabendo mesmo de tudo direitinho, foi quando ele tava aqui fazendo o tratamento, quando eu pude contar diretamente para ele. Foi muito difícil pra ele não entrar em pânico e eu tive que aguentar tudo engolindo, para não passar pra ele, passar pouco pra ele, pois tem três filhos, esses meninos quando souberam que o pai ficou doente, teve que parar no hospital (E19). Como todas as doenças estigmatizantes, a sua vivência, de per si, gera sofrimentos, perturbações e silenciamento para que uma certa ideia e/ou situação de normalidade seja mantida no seio familiar e/ou no grupo social, gerando um sentimento de desespero e de impotência (eu tive que aguentar tudo engolindo) frente à situação do adoecimento. De modo simultâneo, torna-se imperiosa a necessidade de esquecimento de si mesmo como uma forma de enfrentamento de uma situação que se caracteriza por ser um turbilhão de sentimentos, imagens, atitudes, crenças e opiniões, que inclui outras pessoas significativas que entram no complexo processo de equilíbrio da vivência da situação. Este sentimento continua a ser exposto por outro sujeito, como pode ser observado: Estou com problema de coluna, estou com problema sério, não estou quase nem andando e deixei de me tratar para poder cuidar dele. Está sendo muito ruim para mim. Mas vou fazer o que? Essa doença foi muito ruim para a gente. (E31) Um dos sentimentos pelo qual os familiares passam é o de estar junto de um ente querido e se ter, a cada dia, a sensação de que se está perdendo pouco a pouco a pessoa que se ama. Todo esse sofrimento torna-se ainda mais penoso quando se assiste de perto o sofrimento do outro sem poder fazer muita coisa para ajudá-lo, além de oferecer medidas de conforto e muito carinho. A família tenta de todas as formas oferecer ajuda e minimizar o sofrimento, mas o contexto da doença e de seu tratamento é tão complexo que a pessoa passa a sentir-se impotente diante da situação. Tal fato pode ser evidenciado na seguinte fala do sujeito: 59 A palavra câncer é difícil de ter, só quem passa mesmo é que sabe, porquê é um sofrimento, é angústia, é muita dor. Então, só quem passa mesmo é que sabe o que é o câncer, a palavra câncer, totalmente diferente, para uma pessoa falar o câncer, mas falando é difícil de viver o câncer, dia após dia, é uma luta diária, você compartilhar uma dor que aquela pessoa está passando num momento, você tentar ajudar e não conseguir, de todas as formas tentando ajudar, vendo o sofrimento, a cada dia, e tentando fazer de tudo para vencer, estando ali do lado, vendo tudo aquilo, tentando ajudar, vendo o sofrimento, é doloroso (E21). O câncer é uma doença que, para mim, no meu ver, quando ele chega, ele arranca o tapete do pé da gente, a gente entra pelo chão a dentro, eu tenho um medo dessa doença louca (E33). Os sentimentos destacados no conjunto das duas falas acima incluem o sofrimento, a angústia e a dor, esta última em grau aumentado através da expressão de intensidade (muita). Este conjunto gera um outro que apesar de não ser explicitado, ou melhor, denominado, percebe-se que se trata do de impotência frente à situação, apresentada de forma circular e recorrente na discursividade dos indivíduos. Torna-se importante destacar que os sentimentos vêm associados a imagens que os sujeitos possuem do câncer e que são, por sua vez, construídas socialmente e possuem forte impacto na prática pessoal, familiar e grupal, como as de difícil e de louca. Outro fato que chama a atenção é a associação entre uma doença que invade e altera a vida do indivíduo, destruindo-a (arranca o tapete do pé, a gente entra pelo chão a dentro), e a imagem de guerra que se concretiza na luta diária contra a doença, caracterizada como insana em função da compreensão da impossibilidade de derrota do câncer. Essas imagens e atitudes são clássicas nos estudos de representação social do câncer As preocupações sobre como será a sua existência, após ter uma doença como o câncer, leva o doente e sua família a sentirem-se distantes da possibilidade de reordenar a suas vidas. A perda do controle sobre a vida causa sofrimento e faz surgir sentimentos de impotência, angústia e isolamento diante da doença. É assustador para a família receber o diagnóstico de câncer do seu parente, bem como acompanhá-lo em seu tratamento, que se apresentam como momentos de desconforto e de desespero diante da possibilidade de perda da pessoa querida. Mesmo com todos os avanços da medicina para proporcionar a cura do câncer, o prolongamento da vida do ser humano e a melhora da qualidade de vida dos mesmos, ainda assim a doença vem sempre relacionada à possibilidade de morte iminente e da sensação de perda do outro para a doença. 60 Ali eu entrei em pânico, me deu uma crise de choro eu não chorava, eu gritava, eu nem entendia porque eu não conseguia parar, eu gritava, chorando. (E19) Foi triste. Ninguém espera de uma pessoa nova. A imagem que a gente tinha do câncer era que a pessoa que fuma vai ter câncer de pulmão, tem câncer de próstata porque não se cuidou. Quando a gente fala que é um linfoma, as pessoas perguntam o que é isso, é um câncer. No primeiro momento foi isso, aquele impacto de não saber o que é. (E28) O desespero é algo presente no processo de enfrentamento do câncer tanto no momento de sua descoberta, quanto em vários outros em que a realidade apresenta-se de forma dura frente a uma patologia com tantas construções simbólicas negativas e atravessada por inúmeras histórias pessoais, familiares e culturais marcadas pela tristeza, solidão e sensação de fracasso. Além disso, a sombra da morte mostra-se de forma contínua como um dos pânicos que se apresenta como organizador do cotidiano familiar, trazendo um destino inexorável à todos que convivem com a situação (TAVARES; TRAD, 2005). Ao mesmo tempo, torna-se importante destacar que, mesmo no contexto de uma doença não transmissível, procura-se sempre trazer à tona um processo de culpabilização e a associação da origem da doença a essas ações, como o fumo e o não cuidado com a próstata. Os dois exemplos citados pelos sujeitos mostram-se prototípicos porque trazem à tona a generalizada noção de comportamentos de risco na origem de doenças, atribuindo-se aos indivíduos a responsabilidade (quando não a culpa!) pelo seu aparecimento. Questiona-se, por exemplo, por que não se associou, no contexto das representações do câncer, esta patologia a exposições ocupacionais ou ambientais? A possibilidade da morte e o luto, mesmo quando tentando apreendê-la em um processo de normalização, não significa que não sejam dolorosos ou que não exijam um grande esforço de adaptação por parte de cada um dos indivíduos afetados, como por parte do sistema familiar que sofre o impacto em seu funcionamento e em sua identidade. A possibilidade da morte passa a ser a quebra absoluta de um forte vínculo de afetividade e de um modo de viver (SILVA et al., 2009). Aí acusou o câncer no corpo dele. Foi um desespero. Fiquei sem chão. Fiquei até desnorteada, sem saber como fazer. Meu Deus do Céu, como é que vai ser agora? (E33). 61 Geralmente, o fato de ser acometido por uma doença como o câncer está vinculado à possibilidade de morte iminente na cabeça dos familiares dos pacientes, levando essas pessoas ao desespero diante da finitude da vida de um ente querido e, muitas vezes, esse doente, é o único provedor do lar. A morte da pessoa amada não é apenas uma perda, mas também a aproximação da própria morte, fazendo com que todos os significados pessoais sejam evocados e todas as vulnerabilidades associadas sejam remexidas. No caso de morte por câncer, os enlutados deparamse com problemas relacionados a sentimentos ambivalentes muito frequentes encontrados após um longo período de doença e cuidados. O luto não começa com a morte, ele já estará determinado a partir da qualidade das relações familiares existentes previamente, pela qualidade dos vínculos estabelecidos e também afetados por condições atuantes em relação à morte propriamente dita (SILVA et al., 2009). Em um segundo momento, a família vivencia sentimentos de tristeza, depressão e sofrimento relacionados ao desgaste físico e emocional causados pelos longos períodos de internação, procedimentos cirúrgicos e o tratamento quimioterápico que traz consigo todo o transtorno de náuseas, vômitos, diarreia, constipação intestinal, mucosites severas e a queda dos cabelos. Em momentos dolorosos da vida, como no caso de se ter um familiar com uma doença tão devastadora como o câncer, esses sentimentos já são esperados e devem ser trabalhados. O profissional enfermeiro deve estar atento aos sinais de alerta para que possa encaminhar os familiares para um profissional adequado de forma a minimizar o sofrimento dessas pessoas. Muitas vezes, o familiar vê-se perdido em meio ao transtorno causado pelo câncer em sua vida e depara-se com o sofrimento de não ter com quem compartilhar todo esse sofrimento já que não pode ou evita conversar sobre o assunto com o familiar que está doente, buscando poupar o outro de mais sofrimento. Isso pode ser evidenciado de forma clara na seguinte fala: Eu tenho que ter força pra dar força para ela, e ao mesmo tempo sofrer sozinho. Eu não sofro junto com ela, tenho que sofrer sozinho, num canto da casa, na rua, dentro de casa não posso passar essa imagem para ela, que eu to sofrendo, às vezes, até mais do que ela, sendo o homem da casa tenho que ter força para mim, para ela, pro trabalho, pra minha filha. (E28) 62 Os familiares, na cotidianidade da doença e do tratamento, apresentam a necessidade de equilibrarem os seus próprios sentimentos, lidarem com as questões práticas da vida e, ainda, reforçarem afetiva e psicologicamente os demais familiares e a própria pessoa acometida pelo tumor. O sofrimento é então disfarçado, guardado, transformado em um acordo de silêncio tácito que, aparentemente, mantém as coisas nos seus devidos lugares, mas que imprime, ao dia a dia, uma configuração de “bomba-relógio” em que uma pequena alteração tende a dar vazão a todos os sentimentos guardados. Além disso, tem-se a ilusão de que o sujeito envolvido acredita em toda a tranquilidade que se quer passar, impedindo a concretização de um diálogo que diminua a dor, abra os canais de comunicação e construção um cotidiano se, não com uma dor menor, ao menos com um nível reduzido de tensão. Destaca-se, ainda, que aqui se encontra, na maioria das vezes, um processo de infantilização do indivíduo acometido pelo câncer, que colabora para mantê-lo afastado dos demais, isolado em seus sentimentos, sem conseguir falar de suas percepções e, até mesmo, de sua sensação de morte iminente. Além de tudo, o familiar é, muitas vezes o provedor do lar e do sustento da família, ainda tem que conviver com o medo de perder o único emprego, uma vez que em sua nova jornada de vida após o câncer precisa, muitas vezes, faltar ao trabalho para levar o parente que está doente ao médico, para a realização de exames, procedimentos cirúrgicos ou para a realização do tratamento quimioterápico. Hoje, por exemplo, quimioterapia, já tive que faltar o trabalho, então, pra mim tá sendo péssimo, é um sofrimento, eu vejo ela sofrer e reclama que os caroços voltaram, tem medo que o linfoma volte, que o cabelo caia. Isso acaba comigo. (E28) A presença dos cabelos é evidenciada como de grande importância para o paciente com câncer e seu familiar, especialmente para as mulheres onde o cabelo representa a sensualidade e a beleza. O uso de perucas significa, então, que elas se tornam menos femininas e sedutoras. Para o homem tal fato torna-se muito menos penoso e doloroso, uma vez que a presença de um simples boné na cabeça resolver o problema na maioria das vezes ou o próprio processo de naturalização da calvície neste gênero. 63 Tudo isso é fonte de sofrimento para o doente e também para o familiar que se sente impotente diante do sofrimento e da vulnerabilidade do ente querido. Para a família, resolver tais problemas foge totalmente de seu domínio e controle, devendo aprender a viver e a conviver com a dor, com o medo do retorno da doença, com o sofrimento do outro e com o seu próprio sofrimento. Parecia que o mundo tinha acabado, o mundo se abriu em torno da gente, a gente tem uma filha de dez anos, foi muito difícil, nós ficamos em depressão tanto eu quanto ele, e a família inteira. (E42) Eu acho que é uma doença muito ruim, sabe? Porque ele ficou muito abatido, fraco, ficou pálido, e com dor, não queria conversar mais, não sei se era por causa da dor na garganta. E ele está muito quieto, quer ficar só dormindo. Está muito difícil trazer ele aqui todo dia. Depois que apareceu essa doença, que a gente descobriu, ele não quer conversar mais, fica quieto num canto. Ele falou assim: porque eu tive essa doença tão ruim se eu sou uma pessoa boa para todo mundo? A doença não escolhe as pessoas…(choro). (E31) É assustador para a família pensar sobre a possibilidade de finitude da vida do ente querido. Pensar que o câncer poderá separar definitivamente a vida dessas pessoas é um momento de muita dor e sofrimento que somente quem está passando é quem sabe como é difícil. A sensação de não se alcançar a cura e de se estar perdendo a pessoa amada para a doença é fonte geradora de muita angústia, muita dor e muito sofrimento para o familiar. Eu fico triste porque ele era um homem ativo, trabalhava, não queria se aposentar, porque não queria ficar em casa e agora vem essa doença. Está sendo difícil para a gente cuidar. A gente não sabe se ele vai ficar bom. E eu fico pensando que eu preciso tanto dele...(choro) (E31) Em um terceiro momento, a família enfrenta sentimentos relacionados à perda, à pena e, ao mesmo tempo, nenhum sentimento relacionado ao câncer. O câncer simboliza a perda não só da capacidade física do doente mas também de laços, de estrutura familiar, de um futuro promissor e também do controle da vida. O processo de adoecer gera uma possibilidade de ruptura uma vez que a vida da pessoa sofre uma verdadeira alteração de seu curso normal (VIEIRA; MARCON, 2008). Com tudo isso, é possível verificar, nas fala das famílias, um sentimento de raiva e ódio diante do câncer e de tudo o que é perdido e por todos os dissabores experienciados durante o diagnóstico e o tratamento da doença. Simultaneamente, essas pessoas relatam que preferem nutrir nenhum tipo de sentimento pelo câncer 64 uma vez que acreditam ser a doença proveniente também de ressentimentos cultivados pelo ser humano: O sentimento que eu tenho por essa doença, para não dizer que é ódio, prefiro dizer que é nenhum, porque se disser que é ódio é complicado. Sentimento, a gente não tem nem que nutrir nada por ele, senão a gente põe até a nossa saúde em risco. (E34) Diante das falas das famílias, percebemos que o mundo do ser que experiencia o câncer em sua vida é muito particular e é marcado por uma verdadeira catástrofe e invasão de suas vidas onde a pessoa perde a rumo de sua própria vida e passa a depender de outro para tudo. Tudo isso faz com que o doente seja digno do sentimento de pena por parte de sua família e do meio social em que convive. O sentimento de que ninguém é digno é o de pena, a pior coisa é você ter pena dele, as pessoas que têm essa doença eu tenho pena, porque machuca muito, maltrata muito, é muito maltratado, é muito difícil de lidar. E42 Apesar de tudo é possível para a família tirar de todo o sofrimento uma lição positiva para suas vidas como o aprendizado de quão valiosa é a vida humana e tudo o que dela recebemos. Eu sou muito mole assim de coração, sabe tenho muita pena das pessoas, então aqui é uma lição de vida pra pessoa aprender a valorizar as nossas vidas, valorizar as outras pessoas, ter mais amor com as pessoas, entendeu? (E19) O processo de adoecimento de câncer representa para as famílias não só o sentimento de perda do outro, mas também o total descontrole do curso de suas vidas diante da doença. Ainda está inserido na mente das pessoas o fato de o câncer ser uma doença altamente relacionada à morte e à brevidade da vida como consequência do processo de adoece de câncer, seu tratamento e todo o impacto psicológico que é causado nas pessoas envolvidas. Apesar de considerar a doença um processo biológico normal da evolução humana, a descoberta de uma neoplasia maligna ou a simples possibilidade de confirmação do diagnóstico, em um ente querido, provoca no seio familiar uma série de vicissitudes relacionadas ao medo de perdê-lo. Nesses momentos, o mundo idealizado pelo ser humano surge sendo aniquilado não apenas as coisas particulares a sua volta, mas também os sonhos de viver um futuro cheio de expectativas e prazeres, que passam a apontar para o nada (SILVA; 65 BORGOGNONI; RORATO, 2008). Tudo isso porque o câncer carrega ao longo do tempo, o estigma social de doença incurável e relacionada à perda do ente querido para a doença como nos mostra a fala abaixo: Porque quando você recebe uma notícia que tem uma pessoa com câncer, por mais que não seja você ou seus familiares, mas você já fica com um sentimento de perda, geralmente a pessoa quando recebe o exame que dá positivos, praticamente a pessoas já se sente com atestado de óbito. (E45) Apesar de tudo, a vida humana, mesmo sem nenhuma possibilidade de alcançar a cura, mesmo limitada por deficiências físicas ou em pleno sofrimento, deve ser vista sempre de grande valor e dignidade, devendo receber sempre o melhor cuidado que se possa oferecer buscando sempre amenizar o sofrimento do outro (KURASHIMA; MOSCATELLO, 2007). Um dos aspectos mais dolorosos de se trabalhar com câncer é aprender a aceitar a doença e suas consequências. Ao mesmo tempo, essa experiência pode se apresentar como um importante crescimento pessoal pelo conforto que se pode proporcionar e pela recompensa profissional, por meio da sensação de ter sido feito o máximo na tentativa de amenizar o sofrimento do paciente e de sua família contribuindo, dessa forma, com a melhora na qualidade de vida ou com o processo de morte com dignidade (KURASHIMA; MOSCATELLO, 2007). Além disso, essa experiência pode proporcionar uma oportunidade única para que a relação paciente/família seja aprimorada, pois esta os aproxima da essência do cuidar, conduzindo o enfermeiro e demais profissionais da saúde para a individualização da assistência prestada. Assim, sabemos que é impossível mudar o inevitável, mas é possível ajudar o paciente e seus familiares a manterem-se confortáveis e em paz, fazendo toda a diferença na vida das famílias que estão sofrendo com a doença e com a possibilidade de perda de um ente querido (KURASHIMA; MOSCATELLO, 2007). Jamais se deve desistir do cuidar porque o curar se tornou impossível, pois o universo do cuidar é muito mais abrangente que o curar. Podemos não curar sempre, mas sempre poderemos cuidar do paciente com câncer e de seus familiares, buscando sempre diminuir o sofrimento. Nesses casos, cabe a equipe interdisciplinar oferecer suporte, informação, conforto e dignidade ao paciente e a sua família. Aprender a ouvir e a valorizar o que se ouve ajuda a diminuir a ansiedade e oferecer o conforto necessário (KURASHIMA; MOSCATELLO, 2007). 66 Assim, torna-se necessária a compreensão dos sentimentos experienciados pelos familiares dos pacientes com câncer para que possamos atuar de forma efetiva, entrar no mundo do outro e identificá-lo como um ser humano que está inserido em um contexto bio-psiquico-social, com seus sentimentos, suas dúvidas, suas incertezas e seus medos. É preciso aprender a olhar o outro para além de um corpo, mas enxergá-lo em sua totalidade, uma vez que a família é importante aliada no processo de tratamento do câncer do familiar doente. Ao conhecer em profundidade essas famílias pode-se contribuir com a adesão do doente ao tratamento quimioterápico, aos outros tratamentos propostos e para a melhora da qualidade de vida tanto do doente, quanto de seu familiar, uma vez que uma família esclarecida, segura e apoiada consegue superar as vicissitudes da doença com maior facilidade e dando apoio ao doente. 3.2.2 Imagens, metáforas e conceitos do câncer para os familiares que enfrentam a doença 3.2.2.1 As imagens e metáforas do câncer Percebe-se que o processo de adoecimento oncológico de um ente querido interfere em toda a família, ocasionando um grande desequilíbrio em toda a estrutura familiar. As transformações ocasionadas na dinâmica familiar e que são causadas pelo câncer envolvem, além de aspectos físicos, psicossociais e financeiros sobre a vida do cliente e seus familiares causando transtornos que são gerados não só pela patologia, mas também pela sobrecarga aos cuidadores, gerando desequilíbrio no convívio social e familiar. É importante lembrar que tão importante quanto o tratamento do câncer em si, é a atenção dispensada aos aspectos sociais da doença, levando-se em consideração que o doente está inserido no contexto da família (SILVA et al., 2009) Assim, ao interpretar os dados pudemos perceber que os familiares dos pacientes com câncer possuem um modo muito particular de perceber o processo de adoecer de câncer e o convívio com um familiar doente. Nesta categoria, os 67 familiares revelaram que o câncer é percebido como um monstro que invade a vida das pessoas e dela passa a tomar conta e a dominá-la de tal forma que tira a paz e o sossego das pessoas envolvidas, ou seja, o sofrimento envolve tanto o doente, quanto sua família. Além da deteriorização emocional que o câncer causa na vida das pessoas, ele ainda é visto como uma doença que destrói também o corpo das pessoas, ocasionando a perda da saúde física e emocional de todos: O câncer em si para mim é, na minha opinião, um demônio que destrói o corpo todo e a vida das pessoas, tira tua paz, tira a saúde tanto da pessoa quanto dos familiares. (E34) As imagens trazidas pelos indivíduos mostram-se fortes e carregadas de forte carga simbólica, como a exposta acima na figura do demônio. O sujeito em questão reproduz um discurso religioso cristão em que o demônio é diretamente associado à destruição, morte e roubo (da paz e da saúde, inclusive), associando esta imagem à do câncer e aos seus efeitos nos indivíduos e seus familiares. O corpo é, então, “possuído” por este demônio, assim como também o é pela entidade espiritual, e ambos o destroem, como os tumores na pele, por exemplo, e o clássico filme denominado de “o exorcismo de Emily Rose”. A representação do câncer como a metáfora ainda expressa uma visão assustadora e temerosa para a maioria das pessoas identificada pelos sujeitos da pesquisa, demonstrando o temor que ele representa em suas vidas. O ocultamento dos sinais e sintomas físicos que dificultam o diagnóstico precoce é percebido como o lado sombrio da doença, deixando embutida a possibilidade de sua recorrência uma vez que o câncer é uma doença inesperada e imprevisível (ALMEIDA et al., 2001). O câncer ainda é representado como algo negativo, invasivo, traumático, limitante, que remete ao medo e à dor tanto para os pacientes quanto para os familiares. Esses significados podem ser uma das causas da constante utilização de figuras de linguagem para referir-se ao câncer, dos pactos de silêncio desenvolvidos dentro do grupo familiar e fora dele, do fato de evitarem-se comportamentos preventivos e para a tendência a postergar a busca pelo diagnóstico (TAVARES; TRAD, 2005). Além disso, as imagens de doentes desfigurados que circulam na grande mídia colaboram muito para a construção dessas imagens, sendo que, as 68 situações que são específicas e até mesmo raras, transformam-se no que caracteriza a doença. Essa simbologia de doença maldita é, ainda, relacionada à figura de um monstro e está inserida no imaginário social há tempos, permanecendo na mentalidade das pessoas ainda hoje. Para os mais antigos, o câncer era visto como uma doença tão devastadora e relacionada com figuras que trazem sentimentos e imagens de coisa ruins que as pessoas não conversavam sobre o assunto porque tinham medo de o simples fato de falar sobre a doença a trouxesse para si. Essa doença deve ser maldita mesmo, porque de um tempo para cá está pior ainda, porque a gente ouvia falar em câncer, mas era muito raro e agora alastrou e ta terrível. (E47) Mas os mais antigos ainda vêem o câncer como um mito, um monstro que não pode nem falar, que atrai maldição, um monte de coisas. (E34) Este silêncio continua até hoje em muitas famílias e é muito comum nas fases de recidiva ou agravamento do câncer, principalmente no período de cuidados paliativos e terminal. Falar sobre o câncer e a morte é um processo que não é fácil, mas poder falar desmistifica alguns aspectos e restitui, às pessoas, um pouco da sensação de controle, tornando a dor do sofrimento e da perda compartilhada menos cruel e nefasta do que a proximidade da perda vivida silenciosamente e em solidão de palavras (PENNA, 2004). A imagem de uma doença que vai deteriorando e desfigurando o corpo da pessoa aos poucos se apresenta como unânime na cabeça das pessoas o que a torna ainda mais temida e ameaçadora para muitos. Primeiro começa com um simples caroço e depois, com o passar do tempo, vai tomando conta do corpo até ser necessária a retirada de algumas de suas partes. Começou aparecer uma ferida no rosto, primeiro na orelha, foi um carocinho tipo mordida de mosquito e dessa mordida ele teve que tirar um pedaço da orelha, entendeu? (E19) Este contexto leva a família a perceber o câncer como uma doença altamente destrutiva e responsável pelo isolamento social do doente, uma vez que a sua desfiguração faz com que ele mesmo procure o isolamento do grupo social em que convive e, consequentemente, encontre a perda das perspectivas para uma vida que está por vir. A perda da esperança no processo de cura e a vergonha de mostrar-se 69 para os outros faz com que a pessoa abandone o tratamento que é proposto ou, pior, nem chegue a iniciá-lo. Além disso, a própria sociedade isola o doente por não querer enxergar o processo de desfiguração que está no corpo do outro e afastar da cabeça o pensamento e seus próprios medos de vir a adquirir o câncer um dia. Lá perto da igreja onde eu congrego a gente vê que tem uma senhora que tem um câncer no rosto, não sei qual é o tipo, mas tá comendo o rosto dela todo. É uma situação muito difícil, ela não quer tratamento, ela não quer se tratar, já falaram várias vezes para ela vir para o INCA e a gente vê que é uma situação ali cada dia a gente sabe que pior, a tendência ali, se ela vem para um lugar desse ter um tratamento, tudo há uma esperança, mas a gente vê, um irmão contou para mim, eu não tive coragem de ir, que está comendo o rosto dela todo, atacando o rosto. (E44) O doente esconde, muitas vezes, por medo de ser excluído do meio em que convive e por ser o câncer uma doença infiltrada no imaginário das pessoas como causadora da destituição da imagem corporal e por estar relacionada à morte. Ainda hoje, encontramos pessoas que escondem a doença da família e das outras pessoas fazendo com que todos descubram apenas quando o tumor já está invadindo outras partes do corpo, em processo de necrose e exalando um odor fétido que acaba afastando ainda mais a pessoa do convívio social e da possibilidade de cura. Foram amigas da minha mãe que me viram crescer, sendo que todas as duas esconderam, uma delas escondeu até o último dia, e nós descobrimos por que estávamos sentindo um cheiro de podre, e quando fomos ver o cheiro de podre estava dentro dela, era um pedacinho que estava soltando, não durou mais quinze dias. (E39) A família acredita que o câncer é uma doença muito ingrata e o comparam com a AIDS. Porém, a diferença entre elas, é que a AIDS é uma doença que se pode evitar com as precauções existentes, já o câncer é considerada como extremamente traiçoeira e inesperada, uma vez que foge do nosso controle e quando menos se espera, ela chega e ataca destruindo tudo à sua volta: Tem coisas que a gente procura, uma AIDS é uma coisa que a gente procura, agora o câncer é uma coisa que aparece em você, você pode se tratar a vida inteira, ser uma pessoa cuidadosa com a sua saúde, que não adianta, uma hora ele vai te pegar, e vai acabar contigo.(E34) Apesar de todo o progresso existente na medicina para a cura, o tratamento do câncer e a melhora da qualidade de vida do doente, ainda assim, o câncer é visto 70 como uma doença mortal pela maioria das pessoas. Apesar de todos os avanços, ainda está presente, no imaginário das pessoas, o câncer relacionado à finitude da vida. Eu vejo as pessoas comentarem que é uma doença muito sofrida, é muito triste, não tem cura, só escuto isso, não vai ter resultado, não vai ter progresso, não vejo ninguém dar uma palavra, vai curar.(E42) Os indivíduos até acreditam em uma melhora na qualidade de vida, mas o fato de se estar doente de câncer assina, para sempre em suas vidas, um atestado de óbito imaginário. É algo que todos têm que aprender, a conviver e a aceitar, tendo que trabalhar a aceitação do processo de morrer. As pessoas normalmente olham para o câncer como uma doença muito ruim, fatal, terminal. E nós também já temos casos na família, a minha avó materna faleceu com câncer, tem uma tia, irmã da minha mãe que também faleceu com câncer, então a gente já sabe que é uma história que o paciente pode ter uma melhora, mas que ele é um paciente terminal, então a gente tem trabalhando muito essa questão da morte em casa. (E37) É difícil estar preparado para receber o diagnóstico de câncer de um familiar, pois é nesse momento que o ser humano percebe que é mortal. É um momento em que as crenças são colocadas em xeque, valores são revisados e a vida é revista com um olhar mais crítico diante das situações. Distinguir a fantasia entre a doença e a realidade adquire grande importância, porque somente assim será possível lidar com as emoções a serem enfrentadas (GIRONDI; RADUNZ, 2007). A família percebe que o processo de adoecer de câncer é longo e doloroso tanto para o doente, quanto para a família, que vê em seu ente querido todo o sofrimento, a dor, a falta de crença na cura e na ausência de planejamento para a continuidade da vida. O adoecimento por câncer é comparado com o mar e suas intempéries, um dia ele está calmo, no outro está em fúria e assim as pessoas vão levando a vida sem ver muitos resultados positivos no meio de todo esse sofrimento. Ele foi internado e em dois meses ele faleceu, não teve resultado, nadou, nadou e morreu na praia, nada aconteceu, quando pensamos que estava bom, é uma doença que você está sempre nadando e morrendo na praia, porque não vê resultados. Eu costumo dizer o que o remédio do câncer ele é só como o calmante, ele acalma, mas brevemente aquele mar que estava calmo, ele começa a subir as ondas, vai ficando forte, então eu vejo o câncer como mar, como um vulcão, hoje ele está calmo, amanhã ele quer tomar, é isso que eu acho, ele entrou aqui através do meu cunhado e hoje ele está na luta, está nadando para ver se dá uma maré mansa [...]. (E42) 71 A compreensão da enfermidade pelos atores sociais dá-se numa dupla dimensão temporal onde ocorre tanto em decorrência das mudanças da doença no decorrer do tempo, quanto das reinterpretações acerca dessa por parte dos atores envolvidos. Assim, a cada fase da doença emergem novos significados relativos a causas ou possibilidades da cura do câncer (TAVARES; TRAD, 2005). Essas interpretações ocorrem dentro de um conhecimento construído através de um ciclo de referências que inclui a família, as amizades, a vizinhança e os terapeutas. A doença é, portanto, um conhecimento recorrente e processual, isto é, um conhecimento continuamente reformulado e reestruturado em cada processo interativo específico, resultante da variedade de explicações individuais oferecidas para cada enfermidade (TAVARES; TRAD, 2005). 3.2.2.2 Os conceitos desenvolvidos pelos familiares acerca do câncer Ao longo da experiência do adoecimento por câncer de um ente querido, a família passa a desenvolver diferentes tipos de conceitos acerca da doença e do estar no mundo com câncer, vivenciando os contratempos e dissabores de ter um ente querido enfrentando uma doença desgastante para o grupo familiar. Aqui, figuram importantes elementos na construção dos conceitos existentes acerca do câncer. Conceitos surgidos a partir das experiências adquiridas e partilhadas ao longo dos tempos pelos sujeitos e sua comunidade. Pudemos identificar diferentes conceitos apresentados pelos sujeitos para definir o câncer como demonstram nas seguintes falas: É um obstáculo na vida. Estamos ai para vencer os obstáculos [...]. (E21) Para mim, essa doença é um demônio, altamente destrutiva. (E33) É uma coisa que a nosso ver é uma coisa diabólica. (E25) As falas demonstram que o conceito de câncer na opinião das pessoas ainda hoje está atrelado à de doença ruim, como um monstro que ataca e destrói a vida das pessoas sem pedir permissão e nem mesmo avisar que está entrando em suas vidas. O viver da família que enfrenta o diagnóstico e o tratamento de um câncer em 72 seu seio familiar é marcado por momentos de conflito e de luta. A doença passa, então, a ser vista como um obstáculo que deve ser superado e enfrentado em uma batalha diária de muito sofrimento, conflitos internos e incertezas de que o doente irá conseguir sobreviver às agressões e espoliações oferecidas pela doença e seu tratamento. O câncer ainda apresenta, em sua trajetória, diferentes situações de ameaça aos portadores da doença e aos seus familiares, como aquelas relacionadas à integridade psicossocial, à incerteza do sucesso do tratamento que é proposto pela equipe medica, à possibilidade da recorrência da doença e à morte (ALMEIDA at al., 2001). É uma doença que você está sempre nadando e morrendo na praia, porque não vê resultados [...]. (E42) O câncer ainda encontra-se atrelado ao conceito de doença sem cura, marcada por intensa luta diária contra uma entidade mórbida como se ela fosse um inimigo altamente destrutível uma vez que lutar contra o câncer é em vão, já que os resultados positivos são poucos se comparados com os benefícios dos tratamentos realizados. O conceito de finitude identificado pelos sujeitos explicita a possibilidade da recorrência da doença e da ineficácia dos tratamentos, quando traz em seu discurso a falta de credibilidade na cura. A interpretação dessa possibilidade está baseada na construção social da doença, na realidade vivenciada pelas pessoas, ou seja, o câncer ainda é uma doença tida como incurável e de futuro incerto (ALMEIDA et al., 2001). Além disso, estar com câncer não é algo esperado por ninguém, uma vez que traz consigo, além da certeza de muito sofrimento, uma aproximação concreta da morte. O diagnóstico é um momento difícil de ser enfrentado, pois a pessoa tem que enfrentar não só o estigma social da incurabilidade, mas também teme as espoliações proporcionadas por seu tratamento (SALES et al., 2003). Não sei se isso é a morte, acho que aqui é a morte e a gente ainda vai viver...todo espírita pensa assim, a gente veio aqui para passar uma experiência, mas esta é a morte, principalmente durante a doença. (E46) 73 Além de tudo, existe o conceito de que viver o câncer é a própria morte, ou seja, a experiência do câncer é a morte em vida, uma experiência que alguns têm que passar para que possam realmente viver em um plano superior. A existencialidade com câncer em um indivíduo da família, faz com que a mesma conviva com transtornos emocionais e comportamentais, condicionadas ao fato de suas vidas estarem presa a uma doença grave. A ameaça que a enfermidade suscita de incapacidade e de perda iminente do ente querido é difícil de ser abarcada emocionalmente pelo indivíduo (SALES et al., 2003). Todo o processo de conviver com um diagnóstico de câncer transita desde a negação ao processo de aceitação, apesar de nem todos experimentarem plenamente os estágios e estes não seguirem uma mesma ordem de enfrentamento. O fato de ter câncer faz com que as pessoas tenham a oportunidade de refletirem sobre suas vidas. As limitações, metas e objetivos são colocados em questionamentos e avaliados no seu contexto mais amplo, propondo-se obter, a partir daí, nova postura frente à vida e ao modo de viver (GIRONDI; RADUNZ, 2006). 3.2.3 Preconceitos e estigmas na vivência do câncer As preocupações com as enfermidades orgânicas são existentes desde muito tempo. Na antiguidade as doenças eram atribuídas a espíritos do mal, punição divina ou forças da natureza desequilibradas. E, enquanto a atenção à saúde se desenvolvia através do tratamento dos xamãs com a utilização de ervas, deuses eram invocados, exorcismos realizados e a cura, geralmente, atribuída a um milagre. Nesta época, pouco se conhecia sobre qualquer coisa (BARBOSA; FRANCISCO, 2007). Apesar do grande avanço tecnológico no campo da saúde, da enorme influência da medicina no desenvolvimento de técnicas e no tratamento de doenças graves, ainda hoje existem representações e estigmas presentes na nossa cultura que nos remetem a essa época anterior, além de se destacar que pouco se conhece sobre muita coisa (BARBOSA; FRANCISCO, 2007). 74 A interpretação e a reação à doença pelas pessoas são influenciadas pelos estigmas sobre o câncer e pelo modo como cada pessoa, segundo seu conhecimento particular, entende esses estigmas. O termo estigma é utilizado para fazer referência a algo que marca, que discrimina, como o câncer e suas consequências provenientes de tratamentos prolongados e debilitantes (MARUYAMA, ZAGO, 2005). A noção de que o câncer é um ente, tem forma e tamanho e necessita ser extraído por meio de uma intervenção cirúrgica, para remover, não só o câncer, mas também a parte do corpo afetada, o que leva à correspondência entre câncer e mutilação. Em nossa sociedade, a mutilação do corpo é um símbolo de estigma (MARUYAMA, ZAGO, 2005). O estigma de doença grave é motivo de sujeição aos preconceitos e de encobrir a situação e está presente nos comportamentos das pessoas. As maneiras de falar sobre o diagnóstico, os rituais utilizados para dar ou não a notícia, o contexto paciente-profissional em que se dá a informação sobre o diagnóstico são aspectos percebidos como influentes nas reações à doença e ao tratamento. As reações à doença parecem estar intimamente relacionadas ao comportamento que os profissionais têm em relação a esta entidade mórbida. (MARUYAMA, ZAGO, 2005) O processo de adoecer, especialmente no caso do câncer, se constitui como uma ameaça à autoimagem corporal idealizada, à identidade e à própria existência do indivíduo, pois, quando adoecemos ou alguém próximo adoece, somos confrontados com a angústia de deixarmos de existir ou de perdermos alguém importante. Assim, o diagnóstico de câncer pode gerar transtornos afetivos e provocar um afunilamento do campo perceptivo, fazendo com que o paciente veja somente a doença e suas consequências, que podem ser reais ou fruto de suas fantasias, reforçado pelo ambiente hospitalar e pelos demais sistemas envolvidos, como a família e a rede social (MICELI, 2006). A vivência de um câncer e a experiência de seus tratamentos, o qual muda permanentemente a vida diária, constitui um dos momentos mais críticos da vida de uma pessoa, por implicar em um sistema complexo de análise e reflexão da própria biografia, cujos significados foram construídos ao longo das suas experiências de vida. À medida que as pessoas vivem as mudanças, segue-se um processo reflexivo, segundo o conhecimento de cada um e o significado social e psicológico do corpo (MARUYAMA; ZAGO, 2005). A percepção do corpo e suas interpretações são 75 informadas pela cultura da qual se participa. O processo de significar a saúde e a doença entre os pacientes com câncer e seus familiares consiste em um complexo mecanismo da percepção dos significados culturais, influenciados por construções históricas a respeito do corpo (MARUYAMA; ZAGO, 2005). Assim, visando minimizar esses conflitos torna-se necessário que haja uma comunicação eficaz. A comunicação eficaz reduz conflitos e promove a coesão e apoio mútuo. Para que haja uma comunicação verdadeira é necessário que haja franqueza e coragem durante a abordagem de temas difíceis de serem conversados. Tal conduta é de extrema importância quando falamos de pacientes com câncer e de seus familiares (PENNA, 2004). Muitas vezes, o que induz esse tipo de comportamento é a dificuldade das pessoas em conseguir lidar com seus próprios medos e emoções, projetando-os no paciente. Uma consequência comum desse tipo de comportamento é o seu progressivo isolamento, que percebe que as pessoas não querem tocar no assunto e, assim, ficam com seus medos, inseguranças e planos pessoais (PENNA, 2004). Apesar dos avanços alcançados pela medicina em relação ao câncer e seus tratamento ainda permanece na sociedade o estigma e o preconceito relacionados à doença. Apresenta-se muito comum entre as pessoas o ocultamento da doença no meio em que convivem. Tal fato é percebido entre a sociedade, os pacientes com câncer e a própria família. O ocultamento da doença ocorre, muitas vezes, por vergonha e medo de sofrerem algum tipo de preconceito e, consequentemente, de serem isoladas do meio social em que convivem. É comum as pessoas não comentarem o nome da palavra câncer, mas referirem-se à doença como aquela doença e esconderem das pessoas o fato de estar doente. Ainda há preconceito de certas pessoas que têm, você sabe que tem e eles dizem que não têm. (E39) Agora, no lado do marido dela, nem fala o nome, mas é para qualquer doença, eu acho isso terrível, e não gosta que vizinho saiba, que conhecido saiba, eu não sei por que isso [...]. (E24) O câncer apresenta-se como uma doença que se mantém restrita ao núcleo familiar, permanecendo em segredo em função do fato de que sua exposição se constitui como um fato considerado socialmente negativo para a família e o indivíduo 76 acometido. A palavra câncer, o processo de adoecimento e sua explicitação são fatores geradores de segregação social e afastamento individual que tornam ainda mais complexa a vivência deste estado. Simbolicamente, as imagens suscitadas tanto pela AIDS como pelo câncer revelam o seu caráter de finitude, pois ambas evoluem em estágios, deixando evidente a fragilidade do sistema imunológico do indivíduo para combatê-las e a ineficácia das armas terapêuticas. Nesse processo de significação, onde o futuro é incerto, parece que a morte é iminente (ALMEIDA et al., 2001). Assim, é muito comum as comparações feitas entre as referidas doenças. Tem gente que nem fala, só de falar o nome arrepia, tem gente que nem o nome, fala aquela doença, como se estivesse falando até da própria aids. (E34) Aqui o câncer é comparado à AIDS que, na atualidade, é uma doença com significações éticas, morais e sexuais predominantemente mais repressivas. Com essa interpretação, os estudos apontam a AIDS como uma doença possível de ser evitada, enquanto que o câncer não (ALMEIDA et al., 2001). Simbolicamente, as imagens suscitadas tanto pela AIDS como pelo câncer revelam o seu caráter de finitude diante da doença, pois ambas evoluem em estágios, deixando evidente a fragilidade do sistema imunológico do indivíduo para combatê-las e a ineficácia das armas terapêuticas existentes no mercado. Nesse processo de significação, onde o futuro é incerto, parece que a morte é iminente tanto para o câncer quanto para a AIDS (ALMEIDA et al., 2001). A Aids e o câncer incitam atitudes preconceituosas de discriminação e medo entre as pessoas. Um diagnóstico positivo para HIV e para o câncer coloca as pessoas diante da finitude da vida e da possibilidade de perda do controle e rumo de suas próprias vidas. O caráter sombrio e imprevisível do câncer pode ser evidenciado quando os indivíduos, em seu processo de significação, fazem comparações com outras enfermidades tidas como severas. Neste processo, o câncer é comparado, especialmente, à AIDS que, na atualidade, é uma doença com significações éticas, morais e sexuais predominantemente mais repressivas (ALMEIDA et al., 2001). O diagnóstico de câncer confronta o sujeito com a questão do imponderável, da finitude e da morte. Como toda doença potencialmente letal, traz a perda do corpo saudável, da sensação de invulnerabilidade e do domínio sobre a própria vida 77 (ROSSI; SANTOS, 2003). As pessoas evitam comentar sobre o câncer entre si e diante da pessoa doente por considerar que falar sobre ele acarretaria ainda mais sofrimento, uma vez que a doença incita à possibilidade de morte próxima e a lembrança de todos os males que isso pode trazer para a família e para o doente. Tal fato pode ser evidenciado através da seguinte fala do sujeito. Elas têm ainda aquela visão, é um estigma, o câncer, a pessoa tem câncer, eu percebo que alguns amigos e familiares na sua preocupação falam até num tom mais, como se a pessoa já estivesse no final da vida. Falam à meia boca, meia voz e outros profundamente preocupados, como se fosse o final de tudo. (E35) A representação do câncer como metáfora expressa uma visão assustadora e temerosa, demonstrando o temor que ele representa na vida das pessoas. O ocultamento dos sinais e sintomas físicos que dificultam o diagnóstico precoce é percebido como o lado sombrio da doença, deixando embutida a possibilidade de sua recorrência, visto ser ela imprevisível. O sofrimento embutido na experiência de cada um também é revelado como algo que marca profundamente suas vidas, da mesma forma que mostra a possibilidade da recorrência que é incorporada como parte do processo de adoecer. Depoimentos de pessoas com câncer denotam o sentimento que a dor e a doença lhes trazem, ou seja, a iminência do sofrimento, onde parece estar implícita a possibilidade da recorrência e, por consequência, o medo da morte (ALMEIDA et al., 2001). Além de tudo isso, ainda é deficiente o conhecimento da maioria das pessoas sobre o câncer e da forma como se adquire a doença. Muitos são os relatos de pessoas, que por falta de conhecimento, referem o mesmo ser uma doença transmissível e divulgam essa informação entre as pessoas, fazendo com que o doente sofra ainda mais preconceito e discriminação por parte da sociedade. Tem gente até que pensa que transmite, que pega, né? Já teve gente até que falou cuidado hein, você acha que se aproximando tanto, tando cuidando dele, cuidado, você pode ficar doente também. Eu estou segura disso, ele não é nenhum aidético. Tem pessoas que acha que eu vou pegar, que quem ta cuidando pega, tem que ter muito cuidado, não pode ter muito contato. Tem pessoas que ainda acham, que é assim. (E29) Ainda aqui, continuam as comparações com a AIDS, só que, desta vez, através da forma de transmissão da doença, o que demonstra a falta de conhecimento em relação ao câncer e às formas de transmissão do HIV, uma vez 78 que ninguém adquire o câncer e nem a AIDS ao encostar no paciente com essas enfermidades. Tinha gente que às vezes nem falava que tinha, mas não podia nem falar, porque o outro não vai querer encostar em mim [...]. (E35) Não sei se é o preconceito, se é medo, pois acham que pode pegar a doença. (E39) A vida anterior ao adoecimento é repleta de sentimentos e situações contraditórias que marcam o ser humano e que dão significados para cada momento vivido, porém a vida saudável é a base das relações e das experiências; a doença nunca é considerada como uma possibilidade. A vida saudável supera os momentos de tristeza e perdas, embora as dificuldades sejam vivenciadas como parte do cotidiano social e cultural dessas pessoas. A vida comum dos portadores de câncer e de seus familiares foi interrompida com as mudanças percebidas no corpo (MARUYAMA; ZAGO, 2005). São muitos os problemas enfrentados pelo paciente com câncer, mas, com certeza, um dos maiores é o preconceito enfrentado por essas pessoas e, muitas vezes, é proveniente de dentro da própria casa por familiares, amigos, vizinhos e conhecidos. Tudo isso demonstra o preconceito que as pessoas ainda têm em relação ao câncer por entender que, estando próximo ao doente, vão ser contaminadas pela doença. É a esposa dele, do Seu Leonel, ele tem 78 anos, então depois que descobriu o diagnóstico, a convivência é terrível, ela não se aproxima dele, ele dorme sozinho no chão, porque ela não deixa ele dormir na cama. Ele pede para lavar as costas dele, e ela não lava. Ele não pode abaixar porque ele fez uma colostomia, ele pede para lavar os pés dele, ela diz que não precisa, que tá limpo. Então, é tudo argumento para não estar em contato direto com ele. (E29) Tudo isso torna a convivência dessas pessoas ainda mais penosa e sofrida, pois são praticamente isolados de seu convívio social e ainda tem que enfrentar situações de discriminação e preconceito dentro do próprio seio familiar. Contudo, a compreensão de muitas doenças permanece inalterada pelo modelo médico e fortemente arraigada ao folclore tradicional. Mas, além disto, algumas doenças graves e de risco também se tornaram as chamadas doenças populares, como é o caso, por exemplo, da AIDS, das doenças cardíacas e do câncer. Doenças carregadas de estigma, que podem fazer com que o enfermo se oculte, se afaste 79 dos seus papéis sociais, que não queira mais se relacionar com outras pessoas, desista dos seus sonhos ou, simplesmente, não se disponha a levar adiante um tratamento por acreditar na impossibilidade de cura. O estigma dessas doenças, ou de enfermidades ditas graves e difíceis de tratar, torna-se fonte de ansiedade e, em muitos casos, elas são muito mais do que uma simples condição clínica (BARBOSA; FRANCISCO, 2007). Não sei se é por vergonha, se é por medo, eu não entendo como as outras pessoas ficam com medo, acham que o câncer é meio estranho, muita gente quando descobre que você está com câncer, muitos se afastam de você. (E39) Apesar de toda a evolução tecnológica e das formas de tratamento, o estigma do câncer imprime sua marca na cultura e, ainda hoje, a cristalização deste estigma repleto de representações negativas parece não se dissolver (BARBOSA; FRANCISCO, 2007). Muitas vezes, o medo de ser discriminado e a vergonha fazem com que as pessoas se escondam do mundo real e passem a viver em um mundo marcado pelo isolamento e pela solidão, o que acaba por prejudicar ainda mais a adesão ao tratamento e a recuperação da saúde dessas pessoas. Vergonha, medo de ser discriminado, de ser esquecido pelo câncer, ninguém procurar. Eu penso assim, que seja uma discriminação [...]. (E41) As noções da doença e do tratamento, originadas no contexto sociocultural dos sujeitos, mostram que a doença tem múltiplas interpretações. As pessoas acometidas pela doença não a explicam por uma causa específica e única. As reações e os sentimentos dos portadores e seus familiares são fortemente influenciados pelos aspectos valorizados em nossa cultura como saúde, corpo perfeito e vida (MARUYAMA, ZAGO, 2005). Esses parâmetros são as referências pelos sentimentos de tristeza, depressão, sofrimento, medos e incertezas e, principalmente, pela impotência frente à declaração da finitude da vida, que acompanha essas pessoas. A experiência de estar com câncer causa impacto e sofrimento em função dos valores e crenças presentes na sociedade. Viver a experiência de estar com câncer é confrontar os valores e as crenças do grupo com os valores e crenças pessoais (MARUYAMA, ZAGO, 2005). 80 3.2.4 As diferentes práticas de enfrentamento desenvolvidas no contexto da doença e do processo de adoecimento pelo câncer As práticas presentes no discurso se consubstanciaram em três tipos diferentes quais sejam, a religiosa no contexto do câncer, a de enfrentamento da doença e a de comunicação-ocultamento. A seguir, expomos cada uma delas. 3.2.4.1 As práticas religiosas no contexto do câncer O câncer ainda é visto pela maioria das pessoas como sinônimo de morte e como uma doença a se esconder, pois o estigma é algo que se encontra arraigado às pessoas. Estar com câncer pode determinar discriminação e rejeição social, desde o âmbito familiar até às atividades produtivas, onde o indivíduo, além de vivenciar a situação da doença em si, necessita enfrentar o descrédito da sociedade em que convive (LINARD et al., 2002). A inaceitabilidade social pode ser atribuída a muitos fatores, dos quais o mais relevante refere-se ao medo das pessoas do sofrimento prolongado que se manifesta no decorrer do tratamento e nas etapas da doença. Em uma sociedade onde o indivíduo é explorado de forma mercantilista, a perda da capacidade produtiva em decorrência de uma moléstia fará com que o desamparo social seja sentido com mais intensidade pelo doente e também pelo familiar que o acompanha na luta contra o câncer (LINARD et al., 2002). Na busca de superar uma circunstância dolorosa, o indivíduo passa a fortalecer a sua fé, a procurar sentir-se cada vez mais próximo de Deus e, enfim, a resgatar e valorizar o lado espiritual. Sentir-se cada vez mais próximo da divindade parece também sugerir uma necessidade ou vontade crescente de se aproximar dos outros, já significando uma forma de enfrentamento (RZEZNIK; DALL‟AGNOL, 2000). A espiritualidade é o ponto de partida para desenvolver as dimensões psíquica e corporal. Sem a espiritualidade, a estrutura humana seria como um prédio planejado para subir, mas que não terminaria mais porque lhe faltaria as 81 junções e a argamassa para unir os andares, pois é a espiritualidade que permite atribuir significado à cada momento de sua existência (ESPINDULA, 2009). Apesar das diferentes religiões, os discursos nos mostram que, nos momentos mais difíceis do enfrentamento do câncer, as pessoas se voltam para a religião como forma de encontrar a esperança pela cura e, até mesmo, um pouco de conforto na fé. Tudo aquilo que você sabe que pode te levar à morte é ruim, mesmo sabendo, como hoje eu sou evangélico, e para a gente que é evangélico tem que passar por aquilo, a gente acredita nisso, eu acredito que a minha esposa vai se curar, mas acreditar que o tratamento é 90% e 100% Deus, porque infelizmente a gente sabe que as pessoas fazem, o remédio que vem e o enfermeiro está ali para aplicar o medicamento da melhor forma possível, para ela ter uma cura, mas não depende do enfermeiro, não depende do médico [...]. (E32) Assim, a religiosidade passa a representar uma importante fonte de suporte e conforto para muitas pessoas durante o período de sofrimento, trazendo-lhes serenidade para enfrentar as adversidades da doença (LINARD et al., 2002). Também ideia de salvação é o elemento essencial do conceito de religião e essa crença é sustentada através de gestos personificados na relação existente entre o homem e o sobrenatural. Neste contexto, a pessoa percebe que é consciente de sua limitação e impotência diante dos problemas, o que o faz buscar algo além da objetividade moderna (ESPINDULA, 2009). Fica evidente, nas falas dos sujeitos, a presença de uma força superior que os guia e os protege diante das situações adversas provenientes do câncer e de seu tratamento. Os problemas são colocados nas mãos do Divino para que ele possa atuar e operar de forma a solucionar o caso que, inicialmente, parecia não ter solução. O que eu pensei, porque graças a Deus, eu sou uma pessoa que tenho muita fé e confio muito em Deus, entendeu? Eu botei minha fé em Deus, confiando Nele, que ele ia operar, que ele ia se curar, que o problema estava muito sério, tava no reto, que o médico tinha dito que ele não ia poder tirar aquela bolsa, a colostomia, que é para separar pra sempre, confiando na fé que eu tenho e confiando em Jesus, graças a Deus, ele vai poder tirar com o tempo, depois da quimioterapia. Confio em Deus e em nome de Jesus ele vai ser curado mesmo, né? (E19) Quando se tem a sensação de que tudo está perdido, a busca pela religiosidade e pela fé torna-se elemento que impulsiona novo ânimo e esperança na vida das pessoas. Além disso, a possibilidade ou a crença de cura do indivíduo 82 aparece na forma de um milagre prestes a acontecer. Observa-se que a fé e a confiança representam uma força propulsora que, aliada à crença em Deus, podem propiciar, às pessoas, a esperança da cura para a doença. A fé em Deus atua como elemento positivo no enfrentamento da doença e, nesse âmbito, é interpretada como uma estratégia utilizada para lidar com as incertezas da doença e superar as situações de crise vivenciadas (LINARD et al., 2002). Conforme podemos observar, os pacientes com câncer bem como seus familiares indicam o quanto se sentem inseguros e vulneráveis diante do futuro. Entretanto, a fé é ressaltada por essas pessoas e evidencia que este sentimento as conforta e ameniza seu sofrimento. Depreende-se, então, que a fé representa poderosa força capaz de conduzir ao enfrentamento da enfermidade alicerçadas na esperança da cura ou como atenuante do possível sofrimento iminente (OLIVEIRA et al., 2005). Eu acho que a situação de ânimo do cidadão contribui e muito para que você tenha. Eu sou espírita. Dentro do espiritismo diz que quem tem câncer pode ser uma doença cármica, não é? Mas evidentemente que eu não vou ficar só com esse lado. Ou você pode ter nascido com alguma célula defeituosa, vamos chamar assim, se existe esse termo. Dentro desse conceito mais espiritual é dito que é uma doença cármica, mas eu não posso ficar somente nisso.O carma é uma coisa que você traz de outras vidas. Eu não sou uma profunda conhecedora do espiritismo, mas tive conversando também com gente que conhece, que é espírita, como se você trouxesse de outras vidas [...]. (E35) A estratégia de enfrentamento de doença implica na participação de pessoas da família e na busca pela religiosidade. Ao se sentirem acometidos por alguma doença, as pessoas, de modo geral, ficam mais reflexivas e questionam suas próprias crenças religiosas e espirituais. A religião representa um importante apoio e suporte para o enfrentamento da doença. A fé proporciona conforto e segurança, sendo interpretada como uma estratégia para lidar com as incertezas ante a evolução da doença (OLIVEIRA et al., 2005). O discurso a seguir nos mostra a importância da prática religiosa como instrumento que fortalece, incentiva e dá ânimo e esperança à vida dos familiares dos pacientes com câncer. Eu confiei em Deus, mas mesmo as pessoas pensavam que meu esposo ia morrer, porque ele tava mal mesmo, todo mundo, até os filhos dele pensavam, meus filhos pensavam em passar mal, chegou pra mim e falou mãe só um milagre, só um milagre. Em nome de Jesus, você vai ver o milagre! (E19) 83 A fé tem um importante papel no equilíbrio emocional das famílias durante o processo de aceitação das atividades e proporciona força para continuar lutando. Além disso, a fé e a espiritualidade são recursos poderosos que contribuem para o fortalecimento dos vínculos e laços familiares (DI PRIMIO et al., 2010) Assim, torna-se evidente a necessidade de o profissional de saúde estar atento à fé religiosa do paciente, bem como de seus familiares, reconhecendo a dimensão espiritual desses indivíduos na medida em que essa lhes traz estímulo, coragem e esperança de encarar a doença (ESPINDULA, 2009). O indivíduo tem o direito de ter qualidade de vida até seu último momento de existência. Até mesmo na hora da morte, os profissionais devem atentar-se às maneiras de reduzir a ansiedade e o sofrimento e a espiritualidade e/ou religiosidade pode contribuir como uma importante aliada nesse momento tão difícil (FORNAZARI, FERREIRA, 2010). O paciente não deve ser visto apenas como um corpo doente, mas como um indivíduo que carrega consigo uma história constituída pela interação entre fatores biológicos e ambientais. A equipe profissional que procura manter uma atitude aberta a todos esses aspectos, posiciona-se de forma a não reduzir o paciente e sua família a um corpo em sofrimento, criando assim a possibilidade de um novo espaço significativo nessa relação entre paciente e profissional (FORNAZARI; FERREIRA, 2010). Assim, a fé torna-se uma fonte de apoio para o enfrentamento do diagnóstico pelo paciente e seus familiares, bem como para conseguir suportar os desafios provocados pelos diversos tratamentos, ou até mesmo confortarem-se diante da impossibilidade de cura (SALCI; MARCON, 2010). 3.2.4.2 Os mecanismos de superação da doença e do adoecimento As crenças no câncer e os enfrentamentos dos familiares podem gerar ações e acontecimentos que servem para criar a união em nível intrafamiliar. Muitas famílias não se dão conta de suas crenças; elas foram sendo incorporadas e fazendo parte da vida da família como algo natural. Desse modo, a família protege a crença assim como ela protege a família. Entendemos que o mito da cura do câncer e a estratégia focalizada na emoção levam os familiares a protegerem o paciente 84 das reações sociais, concordando com o seu isolamento social (PEDROLO; ZAGO, 2002). Em um processo de crise vital e significativa como a luta contra o câncer, o indivíduo e a família passam a vivenciar situações novas que exigem redefinições, formas de enfrentamento, mudanças no sistema familiar e períodos extensos de adaptação (GIANINI, 2007). Nestas mudanças ocorridas diante da doença, o indivíduo e sua família confrontam-se com normas pré-determinadas e imposições sociais que indicam quais funções e comportamentos devem ser assumidos. Além da dificuldade de enfrentar a doença por estar impossibilitado de exercer seu papel, o indivíduo passa por um sentimento de impotência e inferioridade, podendo assim desencadear conflitos emocionais e reações psíquicas associadas a crenças e padrões de comportamento que inibem sua participação ativa no tratamento (GIANINI, 2007). A esse respeito, Linard et al. (2002) dizem que os limites impostos pela doença ou pelo tratamento traduzidos pelas alterações físicas acarretaram a mudanças no cotidiano das pessoas. Desistir de algumas atividades diárias ou simplesmente ter consciência de não ser capaz de realizá-la, é um processo vivenciado com dificuldade por muitos pacientes com câncer, levando alguns deles a se sentirem como um objeto inútil. As formas de enfrentamento escolhidas pelos indivíduos são multifacetadas e estão relacionadas à natureza da doença, seus sintomas, sua localização, seu estágio, seu tipo e evolução do tratamento, além das opções de reabilitação (GIANINI, 2007). É um obstáculo na vida, estamos aí para vencer obstáculos. É a segunda vez na luta contra esse câncer. Todo mundo tem medo, mas tem cura, tem tratamento para fazer é só a gente correr atrás, fazer o tratamento, que a gente vai receber a cura, é só lutando mesmo que a gente recebe a cura. (E21) O processo de enfrentamento dos familiares do paciente com câncer descreve a busca da estabilidade e que as estratégias usadas favorecem o alívio da angústia, do sofrimento e dá esperança aos familiares. Entretanto, é preciso atenção em se avaliar o quanto essas estratégias focalizadas na emoção podem superproteger o paciente, promovendo o seu isolamento social e a sua condição de ser humano dependente. Além disso, as atitudes assumidas podem não reconhecer a real condição de saúde do paciente (PEDROLO; ZAGO, 2002). 85 Ninguém quer ter na verdade, mas é uma coisa sem explicação, porque só Deus mesmo sabe o aquilo que a gente tem que passar e o que não tem de passar, então acho que é um obstáculo que a gente tem que passar, vencer, mostrar a todos que é uma vitória. (E21) As estratégias de enfrentamento podem ser efetivas ou não. É importante considerar que as que são efetivas em uma dada situação, podem não ser em outras. Consideramos que essa avaliação cabe a família definir, visto que as estratégias são criadas segundo os seus recursos sócio-culturais. Entretanto, a estratégia de negar a doença ou renunciar passivamente à vida, pode ser adaptativa durante a fase aguda da doença, porém, consideramos que podem ser prejudiciais nos estágios posteriores, quando o reconhecimento do câncer requer enfrentamento ativo (PEDROLO; ZAGO, 2002). Você convive com aquela pessoa, tem dias que ele está bem, mas tem dias que ele está triste, eu vou embora, ainda fica colocando na cabeça assim, eu tenho que fazer isso rápido, aí a gente fica mais triste ainda, porque a gente fica doente junto. (E22) O câncer, além de unificar a família, faz com que os seus integrantes tenham um novo olhar sobre si e sobre os vínculos afetivos dentro do grupo familiar. Assim, antigos valores, como bens materiais, cedem espaço para novos valores, como saúde e união. A partir da agregação destes novos valores, a família começa a perceber a vida de outra forma, onde o que era valorizado materialmente agora perde o seu significado fazendo com que a percepção da vida familiar anterior à doença seja assinalada por uma nova valorização da vida e da forma de viver (DI PRIMIO et al., 2010). Elementos como o medo, a incerteza e a recorrência do câncer estarão, portanto, presentes no cenário de readaptação da pessoa a seu cotidiano, suscitando assim reflexões acerca da vulnerabilidade humana (LINARD et al., 2002). A possibilidade de desenvolver uma doença como o câncer compromete toda essa construção fundamental da existência humana. Compreender esses significados colabora no entendimento da totalidade dos aspectos que compõem o adoecimento por câncer, incorporando ao tratamento do tumor o sujeito fragilizado em suas funções de provedor do lar (GOMES; SKABA; VIEIRA, 2002). Quando nós descobrimos que ele estava com câncer, nós ficamos mais ou menos uns três dias sem dormir [...]. (E25) 86 Com os avanços já existentes na medicina, hoje é possível conviver com uma doença crônica sem perda de qualidade de vida, mas, para isso, é necessário adaptar-se a nova realidade e desprender-se de comportamentos estereotipados (GIANINI, 2007). Podemos refletir sobre as repercussões que as representações sociais sobre essa patologia trazem para o doente e seu familiar, no sentido de se criarem condições, objetivas e subjetivas, para que haja mobilização em busca de um caminho que favoreça o tratamento e o enfrentamento do câncer (GOMES; SKABA; VIEIRA, 2002). 3.2.4.3 Práticas de proteção na vivência do câncer Certas doenças trazem impactos para o paciente e sua família devido ao estigma que carregam, deixando a família fragilizada, abalando as estruturas emocionais e as relações sociais. O adoecimento ocasiona crises e momentos de desorganização para o paciente e sua família, pois o primeiro grupo de relações em que o indivíduo está inserido, na maioria das vezes, são os familiares às pessoas mais próximas do convívio do paciente (STOLAGLI; EVANGELISTA; CAMARGO, 2008). Quando o paciente enfrenta o diagnóstico de câncer, existe envolvimento familiar, sentimento de perda, ansiedade e depressão. Por isto, os vínculos familiares são importantes para auxiliar o paciente a enfrentar a doença (STOLAGLI; EVANGELISTA; CAMARGO, 2008). A ocorrência da doença, as internações frequentes, o tratamento doloroso e o contato com a morte de outros pacientes despertam pensamentos e sentimentos que transformam a morte em possibilidade mais concreta, na vida dos pacientes com câncer (MENOSSI; LIMA, 2000). Quando falamos em sofrimento, não nos referimos somente à dor física, mas a todo contexto em que esses doentes passam a viver e aos problemas de ordem emocional, social, comportamental e existencial vivenciados por eles (MENOSSI; LIMA, 2000). Tudo isso faz com que se torne muito penoso e sofrido o viver de uma pessoa que enfrenta o diagnóstico de câncer bem como para seus familiares fazendo com que, muitas vezes, as pessoas evitem conversar sobre a doença com a falsa impressão de que isso vai evitar ainda mais sofrimento para ambas as partes. 87 As pessoas que tinham elas não falavam, era que meio um sigilo, as pessoas tinham, mas não gostavam de falar, era mais fechado. (E29) Eu ouvia falar câncer, câncer, mas eu não sabia o que era, as pessoas adultas escondiam muito a doença chamada câncer, escondia muito que não gostava de falar, é uma doença muito difícil que não gostava de falar, e não fala isso, então quase ninguém comentava. (E19) Além disso, os relatos de experiências de adoecimento por câncer de outras pessoas eram sempre, ou em sua maioria, com resultados negativos. Geralmente resultando em muito sofrimento e em morte, o que dificultava ainda mais e a conversa surgia na tentativa de afastar de si seus próprios medos e sofrimento. É muito difícil, quase ninguém falava, entendeu? Quando alguém foi falar foi desse primo dele que faleceu, que também foi no reto, né, ele ficou até amedrontado com isso, primo dele, primo dele não teve jeito mesmo, quando viu já tinha estourado, problema dentro não teve tempo [...]. (E19) Minhas tias conversavam, mas nunca deixavam eu e minha irmã, que era mais nova, na época tinha 15 anos, não deixavam a gente ficar muito assim, partilhar da conversa [...]. (E29) O vivenciar de um câncer desencadeia uma nova reflexão acerca da vida, pois, uma vez instalada a doença, a pessoa necessita de uma série de mudanças nos hábitos de vida e entre elas um acompanhamento rigoroso de seu estado de saúde, afinal as recidivas da doença são inevitáveis em alguns casos (SALCI; MARCON, 2010). A descoberta deste diagnóstico ocorre dentro de um contexto familiar, desencadeando mudanças na família como um todo, de forma que os familiares, em maior ou menor grau, são afetados pelas situações decorrentes da doença (SALCI; MARCON, 2010). É necessário ter uma visão mais cuidadosa com relação ao paciente, observando o mesmo de uma maneira global como um indivíduo que deve ser contextualizado dentro da família a que pertence e está inserido em uma rede social. Sendo assim, a família deve ser uma aliada do profissional de saúde no decorrer do tratamento, pois a família funciona como um suporte dentro das relações do paciente, constituindo uma poderosa fonte de cuidados e proteção (STOLAGLI; EVANGELISTA; CAMARGO, 2008). 88 3.2.4.4 As atitudes da família ao estar no mundo frente a frente com o câncer A relação entre a cultura, as crenças e os comportamentos relacionados com o processo de saúde-doença é complexa. As experiências pessoais, as atitudes da família e as crenças grupais interagem entre si e fornecem uma estrutura de referência para as tomadas de decisões durante o processo de doença do individuo. Tudo isso pode afetar a comunicação existente entre o ser doente, a família e os profissionais de saúde Assim, a realidade social é construída a partir de certos significados e comportamentos que são culturalmente legitimados (ZAGO et al., 2001). Assim, as atitudes dos indivíduos frente ao câncer, seu tratamento e as estratégias de enfrentamento desenvolvidas tanto pelo doente quanto por sua família são fortemente influenciadas por essas crenças grupais. A forma como o indivíduo irá passar pela experiência do câncer em seu meio dependerá de suas experiências pessoais e das influências sofridas por suas crenças e valores. São severas as repercussões do câncer na vida do indivíduo, fazendo com que, muitas vezes, ele se sinta incapaz e despreparado para enfrentar o adoecimento do outro sofrendo na pele todos os desgastes proporcionados pela doença e seu tratamento. Dentre as repercussões mais severas e duradouras relacionadas ao câncer são destacadas, em parte, pela percepção dramática acerca das alterações provocadas pelo câncer na vida familiar devido ao fato de ter que acompanhar o paciente durante um longo período de adoecimento e tratamento e de terem que vivenciar o sofrimento e todo o estresse ocasionados pela doença e pelos tratamentos desgastantes (TAVARES; TRAD, 2009). Nesta categoria pudemos evidenciar, nas falas dos sujeitos, a presença do medo das pessoas em enfrentarem o câncer e todos os transtornos trazidos junto com o seu diagnóstico e tratamento. Torna-se evidente, em suas falas, o medo e as incertezas que surgem diante de cada novo tratamento, de cada nova cirurgia e da incerteza da continuidade da vida e da realização de sonhos e projetos futuros. Pelo que o meu marido tá passando, se caso vier acontecer comigo, talvez eu seja bem ignorante no que vou dizer, acho que eu vou ficar parada e deixar os dias passarem [...]. (E39) 89 Ao observar o sofrimento do familiar durante o curso da doença e dos desgastes físicos e emocionais proporcionados por longos e desgastantes tratamentos contra o câncer, a família teme a morte do doente e, também, a possibilidade de vir a desenvolver um câncer. Ao passarem por toda a dor e todo o sofrimento juntamente com o familiar, o medo passa a ser forte inimigo durante o processo de enfrentamento do câncer fazendo com que as pessoas se posicionem de forma negativa diante do tratamento de controle e cura da doença. Até que ponto esse tratamento vai ajudar ou trazer outros transtornos para a vida dela? (E37) Diante do significado da doença, as perspectivas do paciente e da família tornam-se ameaçadas, assim, a alternativa para todos é depositar confiança na decisão da equipe médica pelo futuro incerto. Ao paciente e sua família restam apenas as opções de aceitar o tratamento proposto e ter uma esperança de vida ou sucumbir à doença. De qualquer modo, para o paciente e família, essa decisão é um processo dialético entre a expectativa de cura e a perspectiva da morte. Entretanto, como mecanismo de sobrevivência, o paciente sob forte influência da rede familiar, opta pela expectativa de realizar a cirurgia e sobreviver à mesma (ZAGO et al., 2001). São comuns os questionamento acerca da validade e eficácia do tratamento contra o câncer. O sofrimento ocasionado pelos tratamentos é tão grande, na opinião da família, que a mesma chega a se perguntar até que ponto vale a pena seguir adiante com as espoliações do tratamento diante da falta de resultados observados quanto à cura do doente. Se eu pudesse voltar não faria a quimioterapia na minha mãe...(E46) Os sujeitos questionam até que ponto os tratamentos trazem os resultados que esperam, de melhora e cura da doença, uma vez que as experiências demonstram apenas sofrimento, desgaste físico e emocional para o doente e seus familiares, que tem que conviver com a dor e o sofrimento do outro o tempo todo. Tudo isso leva os sujeitos a sentirem-se cansados diante da vida e desesperançosos frente à possibilidade de não cura e de melhora do doente. Além de tudo, torna-se muito difícil para a família aceitar o câncer como uma 90 doença que ainda exista no mundo apesar de todos os avanços existentes na medicina. A aceitação da doença em seu seio familiar é enfrentada com dificuldades uma vez que se acredita que a doença, em especial o câncer, irá sempre acontecer com o outro e nunca conosco ou com alguém da família. Eu não consigo aceitar, eu não aceito que até hoje exista gente com câncer. (E38) 3.2.5 O conhecimento acerca do câncer e alguns elementos de ancoragem O câncer ainda é uma doença que gera grande impacto na sociedade contemporânea, integrando diferentes aspectos da vida do indivíduo como o biológico, o afetivo e o social. A doença desperta reflexões acerca das relações que envolvem o doente com câncer, a sociedade e sua família devido ao intenso sofrimento ocasionado nos grupo familiar e também devido às espoliações na imagem do indivíduo doente. São diversos saberes tecidos em torno do câncer, o que nos revela que esses saberes foram produzidos através de um processo árduo, oneroso, contínuo e persistente em que os pacientes com câncer e seus familiares atravessaram nos diferentes estágios do convívio com a doença. Durante esse percurso, o doente e sua família revelam que é necessário recorrer a uma série de crenças populares transmitidas pela tradição oral, que são continuamente evocadas e atualizadas na arena grupal (SCORSOLINI-COMIN; SANTOS; SOUZA, 2009). Aqui, são abordados os conhecimentos que os sujeitos adquiriram acerca do câncer e o processo de ancoragem relacionado à origem/surgimento do câncer no mundo. Foi possível identificar dois tipos de conhecimentos: O conhecimento científico acerca do câncer e o conhecimento e aprendizado empírico, ou seja, prático e experiencial, após a experiência de possuir um familiar com câncer. 91 A experiência do câncer funciona como verdadeira lição de vida para essas pessoas que tentam reconstruir suas vidas a partir dali, valorizando cada momento da vida que lhes é oferecida, bem como o amor ao próximo. É uma lição de vida, pra pessoa aprender a valorizar as nossas vidas, valorizar as outras pessoas, ter mais amor com as pessoas. (E19) Assim, entende-se que, ao descobrir-se acompanhando um familiar que tem o câncer, a pessoa passa a viver em um outro mundo no qual a possibilidade de morte se mostra de forma inevitável e iminente. Diante disso, a família passa a valorizar não apenas o cuidado a ser prestado ao doente, mas também anseia as manifestações de solicitude que contemplam o seu existir e modo de viver (SALES et al., 2003). A família reconhece que passar pela experiência do câncer é conhecer melhor a existencialidade de estar no mundo com um ente querido com câncer proporciona um novo olhar para a vida, onde a doença passa a fortalecer os laços familiares e a percepção de que a experiência do câncer passa a ser uma verdadeira “lição de vida”. Assim, as mudanças ocorridas após o conhecimento prático do câncer representam a possibilidade de uma nova vida para o doente e também para seus familiares (TAVARES; TRAD, 2009). As famílias conseguem resgatar sentimentos positivos e reorganizar suas vidas e rotina para que o enfrentamento da doença se torne possível e menos penoso e, apesar da doença mostrar as fragilidades individuais ou mesmo do grupo familiar, a força coletiva tende a vencer as dificuldades e este consegue adquirir mais amor, respeito e gratidão por parte do membro adoecido (HAYASHI et al., 2006). A partir do momento em que passamos a aceitar que cada um de nós é potencialmente transformador de experiência, podemos descobrir uma maneira mais saudável de enfrentarmos a doença e a crise. As tragédias e as dificuldades da vida cotidiana, em especial ao se acompanhar um ente querido durante o processo de adoecer por câncer, podem se tornar uma maneira de saber quem somos e a forma como realmente desejamos viver (REMEN, 1993). Assim, o conhecimento acerca do câncer e o aprendizado de vida, proporcionados pela doença, funcionam como fatores de enfrentamento da doença, uma vez que favorece a comunicação entre as pessoas, possibilitando uma maior aproximação entre o doente e seu familiar. 92 Por outro lado, a experiência do câncer no seio familiar é marcada pela capacidade de adaptação que a família passa a desenvolver, bem como o potencial de reconstrução que demonstra diante das imensas modificações que a doença lhes impõe. A família busca vencer, entre outros desafios, o da aceitação de sua nova condição de estar no mundo com um ente querido doente e com câncer, com seu novo estilo de dar continuidade à vida, de significar o mundo, de ter desejos e de se revelar ao outro em seus vários aspectos, sejam eles sociais ou psicológicos, bem como nos enlaces vitais com a vida que passa a ser redimensionada e que tem que saber e passar a administrar (SCORSOLINI-COMIN; SANTOS; SOUZA, 2009). As interações estabelecidas entre o enfermeiro e o doente juntamente com seu familiar deve ser marcada pela tônica da cooperação e da potencialização de recursos e troca de saberes visando à ajuda mútua dos indivíduos envolvidos. Nesse sentido, esse espaço de comunicação deve funcionar como um espaço privilegiado de troca e de ampliação desses saberes, que adquirem um forte caráter instrumental ao serem mobilizados para a busca de resolução de problemas enfrentados no cotidiano dos doentes acometidos pelo câncer e do familiar que acompanha esse doente ao longo da doença e de seu tratamento (SCORSOLINICOMIN; SANTOS; SOUZA, 2009). Assim, na história da constituição dos discursos, as mesmas imagens que colocam à prova a identificação do câncer com a morte, rompem as barreiras físicas do grupo e se difundem por meio das famílias, dos profissionais de saúde envolvidos e da sociedade em geral. Nesse sentido, pode-se pensar no grupo como um contexto que possibilita a reconstrução contínua de saberes em torno do câncer e, consequentemente, um espaço de geração de possibilidades de ressignificação dos discursos relacionados ao seu suceder, de tal maneira que novas histórias possam ser inscritas no horizonte de possibilidades. Histórias de inclusão e solidariedade, nas quais a alegria e a beleza efêmera do instante estejam preservadas, de modo a proporcionar um sentido de contenção das aflições humanas diante da finitude. Essa capacidade de conter a experiência dolorosa, quando ampliada, pode promover um reordenamento da subjetividade a partir do poder transformador do sofrimento, quando este pode ser ressignificado (SCORSOLINI-COMIN; SANTOS; SOUZA, 2009). 93 É uma célula do nosso corpo que adoece, ai ela vai adoecendo e se não cuidar ela vai prejudicando outras células, outros órgãos. (E29) O câncer, você nasce com câncer, uns desenvolvem e outros não desenvolvem, o câncer está dentro de cada um de nós. (E38) Aqui, o conhecimento do sujeito nos mostra ser o câncer proveniente de uma célula do corpo (os genes) que podem ou não vir e se desenvolver em uma célula maligna e potencialmente capaz de transformar-se em um câncer. O sujeito pontua, ainda, a questão das metástases ao dizer que se não cuidar, ela vai prejudicando outras células e outros órgãos do corpo. Além disso, para os sujeitos, as situações de estresse e de emoção, como tristezas, angústias e sofrimentos contribuem, em muito, para o desenvolvimento do câncer, como já é comprovado pelo meio cientifico. Eu acho que a situação de ânimo da pessoa contribui muito para que você tenha a doença. (E35) Ao acompanhar o doente em sua luta diária contra o câncer, o familiar acaba adquirindo conhecimento acerca da doença, além de realizar pesquisas, por conta própria, na internet e livros acerca da doença para tentar identificar e compreender melhor as suas possíveis causas. Não apenas as crenças populares são importantes na construção do conhecimento acerca da doença, mas também o saber – notadamente o científico - veiculado pela mídia, como matérias publicadas em jornais e revistas, ou mesmo aqueles transmitidos pelos profissionais de saúde. Temas como mastectomia, quimioterapia, radioterapia, alterações físicas e psicológicas resultantes, metástases, recidivas e reconstrução mamária despertaram vivo interesse nos doentes ao longo das sessões. Através desse conhecimento adquirido, os pacientes e seus familiares puderam lidar melhor com as situações estressoras relacionadas ao tratamento e, assim, poder lograr os ajustamentos necessários à nova condição de vida como, por exemplo, minimizar os efeitos colaterais do tratamento, lidar com sintomas como náuseas, alopécia e fadiga crônica, fortalecer-se, física e mentalmente, para lidar com as vicissitudes do diagnóstico, saber como e onde buscar informações qualificadas que permitam compreender as experiências pelas quais estão passando e se relacionar proficuamente com os profissionais de saúde (SCORSOLINI-COMIN; SANTOS; SOUZA, 2009). 94 No que tange ao processo de ancoragem do câncer, torna-se necessário defini-lo. Ele consiste na inserção da imagem no universo simbólico e significante das pessoas e implica na inserção da informação e do conhecimento no pensamento popular, dando sentido aos novos objetos que aparecem no grupo social, ou seja, como ancorar um objeto estranho e não-familiar no meio social, classificando-o e tornando-o familiar e conhecido. Para Moscovici (2003, p. 61), “ancorar é, pois, classificar e dar nome a alguma coisa”. O câncer acarreta grande sofrimento ao ser humano e, ainda hoje, no imaginário social, a enfermidade permanece associada a representações de impotência, dor, perdas e morte. Embora haja o aumento progressivo da sobrevida de pacientes com câncer, o estigma vinculado ao mesmo não foi completamente erradicado na mentalidade das pessoas. De um lado, existem as percepções, as crenças, os julgamentos e as atitudes sobre a doença e seus tratamentos que acabam por influenciar de forma negativa, desde a população em geral a pacientes e seus familiares. Por outro lado, em reação a tais expectativas nefastas quanto à sobrevivência e à qualidade de vida daqueles acometidos por um câncer em sua história pessoal, divulgam-se repetidamente inovações medicamentosas, cirúrgicas e imunoterápicas nos mais variados meios de comunicação, como internet, revistas e televisão. Muitas vezes, esta profusão de pré-julgamentos e informações contraditórios criam mais barreiras conceituais e comportamentais, o que acaba por dificultar tanto a prevenção como o acompanhamento terapêutico em oncologia (DECAT; FERREIRA DE ARAUJO, 2010). Infelizmente, o câncer continua sendo uma doença com concepções estigmatizantes e significados fortes. Para a família, a doença ainda aparece como punitiva que se enraíza e cresce como uma erva daninha que precisa ser arrancada. Assim, a experiência com a doença requer tomada de decisão e conduz para mudanças na vida dos indivíduos, deixando marcas profundas e produzindo o crescimento individual e familiar. Diante de tais fatos, não só o doente, mas também sua família, requer cuidado, apoio e conforto social e emocional (HAYASHI et al., 2006). As questões relacionadas à origem do câncer estão ancoradas no enfoque dado aos estilos de vida, o câncer como uma doença cármica, uma doença da alma e, para alguns, a origem do câncer está na genética, como mostra a discussão exposta a seguir. Os primeiros dados que emergiram de uma maneira recorrente 95 relaciona-se aos hábitos de vida dos indivíduos, como pode se observar nas falas abaixo. O tipo de vida que as pessoas estão levando, estresse, ninguém come nada saudável, até o que você compra para dentro da tua casa já vem com esses aditivos, acho que isso acelera. (E24) Para mim, foi a mudança de tudo, hoje a vida é estressante, as pessoas fumam muito, bebem muito, se alimentam mal, não tem qualidade de vida. (E49) Aqui, o surgimento do câncer mostra-se proveniente da forma como as pessoas conduzem seus hábitos de vida. O mundo moderno vem permeado por hábitos considerados não muitos saudáveis e que levam a população a cometer os excessos exigidos pela correria do dia a dia, os estresses da vida e do trabalho, os vícios como o fumo e a bebida alcoólica e a alimentação normalmente não balanceada. Tudo isso colabora para acelerar o processo de desenvolvimento do câncer no organismo. Acho que deve ser um castigo. (E22) É uma doença cármica. (E35) Se for pela palavra de Deus, diz a bíblia que no mundo nós vamos sofrer muitas aflições no final dos tempos. É essas coisas já estão acontecendo.(E44) A origem do câncer aparece também como castigo divino e como uma doença cármica, ou seja, o ser humano precisa passar por aquilo para ser purificado nesse mundo para uma próxima vida. Aparece, ainda, como uma doença do final dos tempos, tal como está escrito na Bíblia. A Teoria das Representações Sociais nos traz o senso comum que é produzido e originado a partir das práticas desenvolvidas no meio social. Assim, enquanto um modelo de conhecimento, a Teoria pretende explicar o conhecimento leigo e compartilhado através da comunicação. Esses dois aspectos estão intimamente ligados uma vez que na comunicação se compartilha, e através desse compartilhar, surgem as representações construídas acerca do objeto social (MOSCOVICI, 2003). Assim, ao construir a fala de que o câncer é um castigo divino, uma doença cármica ou uma doença do final dos tempos, o discurso social passa a ser acreditado no meio em que é construído e difundido. 96 Sempre digo que o câncer é uma doença da alma, de sentimentos ou de algum sofrimento. (E36) Eu acho que o câncer é uma doença da alma, é uma doença do espírito, é uma doença que a pessoa absorve porque continha sofrimentos, tristezas, amarguras, coisas mal resolvidas, coisas que não são postas para fora. (E38) Para alguns sujeitos, a origem do câncer encontra-se nos males alma, ou seja, em tristezas, em sofrimentos, em amarguras, em sentimentos e em ressentimentos reprimidos e que não foram exteriorizados por algum motivo. Para outros, que já adquiriram um pouco mais de conhecimento cientifico sobre o câncer, consideram e relatam ser o câncer uma doença hereditária onde a genética carregada pelo individuo, desde o nascimento, é que vai favorecer o desenvolvimento ou não da doença no organismo. Eu acho que isso é de família.(E40) E os outros tem câncer, pelo que andei olhando, a pessoa já nasce com isso, tem tendência, e desenvolve na pessoa. (E49) Dessa forma, os resultados obtidos evidenciam que as famílias encontram seus próprios modos de conviver com os desafios do câncer em suas vidas. Essas diferenças produzem modos distintos de estar e conviver com um familiar doente, suscitando diferentes estratégias para negociar a contingência humana envolvida no processo de adoecer (SCORSOLINI-COMIN; SANTOS; SOUZA, 2009). Assim, a forma como a família do doente com câncer passar a lidar com o problema depende de valores culturais específicos que são veiculados no meio em que convive. Ao trabalhar com o doente com câncer e sua família, o enfermeiro deve estar atento às nuanças da comunicação verbal e à riqueza da comunicação de cada paciente e sua família, que não narra apenas um modo de enfrentamento ou uma experiência pessoal, mas também comunica o modo como o seu meio social o vê e o constitui, bem como eles próprios se encaram e se configuram na relação com o outro. Compreendendo e levando em consideração o caráter coletivo das produções das ideias e dos discursos, que situam as pessoas em um determinado contexto discursivo (SPINK; MEDRADO, 2000 apud SCORSOLINI-COMIN; SANTOS; SOUZA, 2009), pode-se nortear os tratamentos existentes na atualidade, diminuindo o peso que se dá à doença e transferindo a ênfase à pessoa em seu processo de significar seu sofrimento, em sua constituição com e pelo outro, nos marcos de seu ambiente individual e coletivo (SCORSOLINI-COMIN; SANTOS; SOUZA, 2009). 97 Alguns discursos atuais sobre o câncer, advindos de profissionais, cientistas, pacientes, familiares ou da coletividade geral, têm se mostrado limitadores de novas possibilidades de enxergar a doença e seu tratamento, no sentido de que veem o paciente com câncer apenas como pessoas doentes, dependentes de cuidados e que apenas recebem passivamente os discursos elaborados pela autoridade científica. Mesmo os discursos sustentados pelos doentes em boa medida reproduzem e re-elaboram o discurso biomédico de uma forma geral. As narrativas são frequentemente influenciadas por esse modelo hegemônico, que é fortemente voltado à doença como um evento meramente orgânico e que não valoriza as estratégias de enfrentamento e as possibilidades transformadoras que o adoecer involucra. O que pontuamos é que os discursos, em sua multiplicidade, são produzidos socialmente e não se situam em um ou outro falante privilegiado. Como produto social, nossa fala está repleta das palavras dos outros, o que nos coloca como ativos produtores da discursividade. Assim, a ideia social de que o câncer é uma sentença de morte também pode ser rebatida pelo mesmo princípio dialógico, o que permite potencializar o valor transformador da experiência da enfermidade (SCORSOLINI-COMIN; SANTOS; SOUZA, 2009). Considerando a produção histórica dos discursos, o fato de o grupo possibilitar que novos saberes sobre o câncer possam ser veiculados como os aspectos do tratamento e do enfrentamento da doença, o mesmo discurso que é produzido pelos enfermeiros e demais profissionais da área de saúde pode contribuir para a desmistificação de muitos aspectos relacionados ao câncer e seu tratamento. De acordo com o princípio dialógico, tais falas possuem ressonância e poder no meio social e uma implicação prática no que diz respeito ao modo de se conceber a doença e seu tratamento. Assim, o enfermeiro funciona como um dissipador de informação e de transição e mudança nos discursos produzidos sobre o câncer e sua forma de vivenciá-lo (SCORSOLINI-COMIN; SANTOS; SOUZA, 2009). A julgar pelo que pôde ser captado e analisado nas experiências com essas famílias, corroborado pelos novos tratamentos e avanços consistentes na área da oncologia, pode-se dizer que muitos dos mitos em torno da doença devem ser gradualmente desconstruídos e reelaborados pelos enfermeiros e demais profissionais da área da saúde (SCORSOLINI-COMIN; SANTOS; SOUZA, 2009). 98 3.2.6 As vivências do enfermeiro que trabalha em oncologia e suas contribuições junto à família As considerações feitas através dos dados desta pesquisa sobre o impacto do câncer na vida dos familiares dos pacientes oncológicos em tratamento quimioterápico nos alerta para a necessidade de intervenções efetivas direcionadas à assistência integral do individuo, levando em consideração a importância da família na integração e na promoção do cuidado e cura do doente com câncer. Para tanto, a família torna-se fundamental nesse processo e necessita ser cuidada e reconhecida pelos enfermeiros e demais profissionais da área de saúde. A origem da enfermagem deu-se no âmbito domiciliário e incluía, em suas ações, as relações entre seus membros, onde a família era tida como enfoque. Após a Segunda Guerra Mundial, com a transferência dos doentes para as unidades hospitalares, a família foi afastada desses cuidados. Atualmente, com mais embasamento científico e respeito do que em toda a sua história profissional, a enfermagem volta a incluir as famílias em suas ações de saúde (WRIGHT; LEAHEY, 2002). Assim, tem origem, no contexto de saúde, uma nova concepção da família ultrapassando as definições que a viam apenas como algo que fazia bem ao paciente e cuja presença era considerada e, às vezes tolerada, em especial nos ambientes de assistência à saúde, levando-se em conta seu papel na esfera afetiva da recuperação do familiar doente (ÂNGELO, 1999). Essa concepção transformouse em uma visão mais abrangente em que a família passa a ser objeto de atenção e passa a ser compreendida no ambiente onde vive, passando a desenvolver melhores condições de vida (ROCHA; NASCIMENTO; LIMA, 2002). A experiência de conviver com um ente querido com câncer pode ser considerado como fator de sobrecarga física e emocional para a família, o que repercute sobre a saúde dos seus membros. Os sentimentos provenientes dessa experiência podem levar a mudanças na dinâmica dessas famílias e em sua estrutura, sendo potencial fonte de estresse para os envolvidos (TAVARES; TRAD, 2009). A doença passa, então, a afetar diferentes dimensões da vida do doente e de seus familiares, tanto em nível físico como sociocultural e psíquico. O efeito ocasionado pela doença é permeado de significados que levam o doente e seus familiares a necessitarem de ajuda profissional. 99 Um serviço abrangente que inclua esta dimensão ainda que seja estimulado pela Organização Mundial da Saúde e esteja crescendo em todo o mundo moderno, não é prevalente nos serviços públicos de saúde brasileiros. Além disso, tal postura extrapola a competência do pessoal de enfermagem que, em geral, é treinado principalmente para lidar com o corpo físico e a dimensão biológica do indivíduo, levando adiante ainda o pensamento biomédico da assistência (VIEIRA; QUEIROZ, 2006). Ainda que haja um reconhecimento crescente da necessidade de novos paradigmas e de um tipo de cuidado mais abrangente à saúde, poucas instituições de saúde adotam esta postura de forma adequada. De um modo geral, nas instituições de saúde públicas existentes no Brasil, a disciplina e a ordem imposta pelo paradigma mecanicista são hegemônicas. Os funcionários desse tipo de instituição sofrem, inevitavelmente, uma pressão considerável para exercer a manutenção da ordem, incluindo-se a exigência de que os pacientes sejam tratados como mecanismos biológicos, ou seja, apenas como um corpo que e despojado de consciência e destituído de vida emocional (VIEIRA, QUEIROZ, 2006). Os estudos existentes na área da saúde devem partir de uma postura teórica mais ampla que inclua as dimensões socioculturais e psicológicas no entendimento da doença, especialmente de uma doença revestida de todas as suas nuances como é o caso do câncer. Nesse sentido, o tratamento de uma doença como o câncer exige medidas que possam contribuir para que a paciente adote uma postura emocional favorável à cura ou à manutenção de sua qualidade de vida (VIEIRA; QUEIROZ, 2006). A partir do momento em que a pessoa se depara com o diagnóstico de câncer, seu modo de vida e suas relações interpessoais passam a ser objetos de reflexão e de muitos questionamentos. Considerando que tal processo tem início com a descoberta da doença, torna-se importante atentar para esse momento e realizar uma análise acerca desse tipo de experiência. Trata-se de uma etapa peculiar da vida, no qual o doente e seu grupo familiar passam a assumir o papel de doente e de cuidadores, respectivamente (VIEIRA; QUEIROZ, 2006). A habilidade e os recursos dos familiares para lidar com fatores potenciais de estresse são mediadores dos níveis de sofrimento e bem-estar psicológico dos envolvidos em uma enfermidade grave. No caso específico do câncer, as estratégias de enfrentamento adotadas e desenvolvidas pelos familiares repercutem sobre o 100 tempo de sobrevida do paciente e na recuperação do grupo familiar após a fase crônica da doença e de seus tratamentos (BROMBERG, 1998). A família passa a ser o principal meio de suporte para que o doente possa enfrentar o câncer e todas as vicissitudes provenientes de seu diagnóstico e tratamento. Passa então a ser o centro de apoio que fortalece e incentiva o doente para que ele possa enfrentar, da melhor forma possível, a situação de estresse e os transtornos ocasionados pelos tratamentos quimioterápico, radioterápico e cirúrgico, bem como as reações indesejáveis ocasionadas por esses tratamentos. Infelizmente, o câncer ainda tem sido visto como um processo irreversível e cheio de significados para o paciente, a família e a equipe de saúde que se estabelece a partir de vivências socioculturais, mitos, medos e incertezas formados desde o momento em que se dá a possibilidade, mesmo que remota, de seu diagnóstico. Por ser uma doença ainda revestida de incógnitas, causa previsões futuras as quais se constituem de uma infinidade de sofrimentos, idas e vindas aos hospitais, do desamparo que irão produzir em seus familiares e paralisação de suas atividades profissionais. Enfim, de toda a angústia, desespero e extremo negativismo, predominando o medo e o descontrole emocional desencadeados pelo fato do paciente ter intenso impacto e sensação de morte iminente (SILVA, 2005). A qualidade da comunicação entre família e equipe de saúde é fundamental para o processo assistencial a estes pacientes. Neste sentido, compartilhar responsabilidades de tomada de decisão sobre as complexas demandas decorrentes do diagnóstico de câncer, sobretudo quando o estado de saúde do paciente se agrava, é um meio eficaz de estabelecer comunicação e de envolver o núcleo familiar na atenção à saúde de seu membro. Esta participação efetiva dos familiares implica a necessidade de aprender e avaliar uma grande quantidade de novas e difíceis informações (TAVARES; TRAD, 2009). Os custos financeiros e sociais é outro importante fator propiciador de alto estresse familiar, pois implicam elevado absenteísmo e consequente perda de emprego do cuidador principal, sendo esta situação mais frequente e permanente em mulheres e mais observada em famílias mais pobres (TAVARES; TRAD, 2009). Tudo isso nos traz uma compreensão diferente para o cuidado que deve ser oferecido em oncologia. Uma compreensão para além do cuidado médico, o que nos remete à necessidade de uma mudança de posição e de pensamento dos profissionais que trabalham em oncologia a partir da visão das pessoas que 101 vivenciam o processo de ser sobrevivente ao câncer (MUNIZ; ZAGO; SCHWARTZ, 2009). Existe a necessidade dos profissionais passarem a incluir a família em suas ações de saúde. Essa inclusão exige uma aproximação progressiva dos enfermeiros e demais profissionais de saúde para que ocorra a transmissão e negociação de saberes e de decisões, para além da simples troca de informações, sobre crenças, valores, direitos e conhecimento a respeito das responsabilidades de cada parte. Esta junção possibilita diagnosticar os problemas, definir os objetivos e planejar as ações, envolvendo o enfermeiro no acompanhamento, na estimulação e no apoio para buscar soluções para os problemas. Ao mesmo tempo, a família descobre sua capacidade para o cuidado de saúde e passa a desenvolver ações que permitam sua autonomia para a prática de ações em saúde na família e na comunidade (BIFFI, 2003). A prestação destes cuidados, para ser considerada de forma efetiva, requer do enfermeiro não só o conhecimento do câncer em si, mas, além disso, a habilidade em lidar com os sentimentos dos outros e com as próprias emoções frente ao doente com câncer e seus familiares. É preciso olhar para as necessidades não ditas, perceber o imperceptível, compreender o que se oculta atrás das palavras, entender os processos de adoecimento por câncer, seus tratamentos e todos os transtornos de estar doente e de se ter um ente querido com câncer para que se torne capaz de auxiliar os pacientes e sua família em todos os momentos da doença, pois o conhecimento insuficiente destes aspectos poderá levar a um distanciamento do paciente como uma forma de proteção por não saber enfrentar tal situação é uma dificuldade na prestação do cuidado singular/integral tão almejado pelos enfermeiros (FERREIRA; NEVES, 2003). A enfermagem é a única especialidade que se mantém presente e próximo ao paciente durante as 24 horas no interior do ambiente hospitalar. Este fato é significativo quando se busca a compreensão de uma doença tão complexa como o câncer, que pode contribuir para o surgimento de outras doenças psíquicas, dependendo da forma como for vivenciado pelo doente e por seus familiares (VIEIRA; QUEIROZ, 2006). Tudo isso exige do enfermeiro uma atenção especial voltada para ações concretas de cuidado ao doente com câncer, não se esquecendo da inclusão da família como parte integrante desse cuidado. 102 Trabalhar com a família do cliente oncológico em tratamento quimioterápico proporciona e beneficia o encontro desse grupo social com mecanismos que facilitam o enfrentamento das incertezas surgidas ao longo do diagnóstico e tratamento da doença. Ao compreender que a família é uma das mais importantes fontes de suporte para vários agravos de saúde, principalmente no caso do câncer que traz consigo o grande estigma da morte, o enfermeiro, juntamente com a família, passa a integrar uma unidade de cuidado em saúde (BIFFI, 2003). O processo de assistir o doente com câncer e suas famílias possibilita entender que o paciente é um seguimento da família, e que esta é de vital importância para a recuperação da saúde do doente. Desse modo, os enfermeiros necessitam conhecer a estrutura familiar, sua dinâmica e as interações que essa família estabelece nos contextos em que vive, para assim atender às suas reais necessidades, buscando fortalecer e manter os vínculos de apoio a serem dispensados a essas pessoas (DI PRIMIO et al., 2010). A teoria sobre família como um sistema oferece caminhos para examinar a sua dinâmica, o seu potencial e o seu interesse em saúde e doença ao longo de sua vida. O objetivo do profissional de saúde que trabalha com a família deve ser o de ajudá-la a desenvolver as suas competências para lidar com problemas atuais ou potenciais e a cumprir as suas funções de um modo mais saudável (ANDERSON, 2000). Dessa forma, para que enfermeiros e demais membros da equipe de saúde possam contribuir substancialmente no percurso do conviver com câncer, se faz necessário que conheçam e integrem a rede social dessas famílias. Nesse sentido, há que se reconhecer que o sistema familiar e sua rede social, associados ao cuidado de enfermagem realizado à família do doente com câncer, constitui-se em importante estratégia para lidar com as diversas situações impostas pela doença e seu tratamento (DI PRIMIO et al., 2010). É nesse contexto que o enfermeiro passa a atuar como educador cujo objetivo é contribuir com o tratamento e com a reintegração do paciente e seus familiares às suas rotinas de vida, remetendo suas ações à educação em saúde. Entendemos a educação em saúde como um processo que é orientado e planejado para a utilização de estratégias que estimulem a autonomia dos sujeitos, pressupondo ações partilhadas e não diretivas e possibilitando a tomada de decisões livres e a seleção de alternativas num contexto adequado de informações, 103 habilidades cognitivas e de suporte social. Isso tudo favorece os sujeitos a pensarem novas formas de estar e pensar em saúde (SALLES; CASTRO, 2010). Ao estudar o paciente com câncer e suas famílias busca-se reforçar e ampliar o conhecimento científico dos profissionais de saúde com vistas à qualificação da assistência no cuidado à família que possui, em seu contexto, um ente querido com câncer, no decorrer de todo o processo de adoecer e do seu tratamento. Ao adquirir esse conhecimento, o enfermeiro passa a ter subsídios para intervir em situações subsequentes da doença e do tratamento quimioterápico, como, por exemplo, problemas relacionados aos aspectos psicossocial e emocional, além dos efeitos adversos da terapêutica. Devido à complexidade de cuidar neste processo, a enfermagem necessita realizar um trabalho multidisciplinar, integrando outras áreas de conhecimento, a fim de contribuir para um cuidado humanizado junto a essas famílias (DI PRIMIO et al., 2010). O paciente e sua família, na busca por compreender a situação em que estão vivendo, integram uma estrutura de referência sociocultural lógica, que nem sempre é considerada pelos enfermeiros e demais profissionais da área de saúde que participam do seu processo de assistência e que muitas vezes negligenciam esses significados, tornando suas ações verbais e não verbais incoerentes e inconsistentes (ZAGO et al., 2001). Constatamos que os significados construídos evidenciam a necessidade de ampliar o foco de atenção dos profissionais de saúde, incluindo as referências socioculturais do contexto das pessoas que vivenciam o processo do adoecimento por câncer e seu tratamento. No caso da enfermagem, isso significa uma forma de ultrapassar a dimensão biológica do cuidar e ir além do corpo físico (MUNIZ; ZAGO; SCHWARTZ, 2009). As dimensões do cuidado, para o enfermeiro, devem ultrapassar os conhecimentos teóricos adquiridos durante a formação profissional. O cuidado é relacional e envolve o crescimento e amadurecimento não apenas do ser que é cuidado, mas também de seu cuidador. Cuidar implicar em sentir emoções, gostar do que faz e de ser enfermeiro, saber sentir e se emocionar, colocando e expressando sentimentos na busca de desenvolver uma relação com o outro e consigo mesmo (ESPIRITO SANTO; PORTO, 2008). Pensar na dimensão do cuidado de enfermagem exige o reconhecimento de que é necessário articular a subjetividade humana à razão cientifica durante o fazer 104 da prática do enfermeiro. Tal prática envolve lidar diariamente com as dimensões das pessoas, suas crenças, seus valores e seus objetivos diante da vida. Deve-se ter em mente que o conhecimento cientifico está atrelado na compreensão de que temos dos outro e de nós mesmos. Para que o conhecimento de enfermagem seja dispensado de forma efetiva, é necessário entender que existe nele duas dimensões, uma objetiva e outra subjetiva que precisam ser reconhecidas e mescladas com sabedoria e sensibilidade (ESPIRITO SANTO; PORTO, 2008). O tratamento do paciente com câncer deve ser abrangente e merece a atenção não só das necessidades físicas, como também das psicológicas e sociais, incluindo personalização da assistência, promoção de cuidados e direito à informação. Assim, disponibilizar ao doente e seus familiares informações sobre a doença e o tratamento, prepará-los para realizar os procedimentos, adotar medidas para o alívio da dor e do desconforto e incluir a família no processo de cuidado, como também salvaguardar a tomada de decisão da família e do doente, podem promover a autoestima de todos que vivem esse processo de adoecimento (LEMOS; LIMA; MELLO, 2004). Nesse sentido, quando há uma abordagem diferenciada, com vista a uma dimensão mais integrada do indivíduo bem como de sua família, a qualidade do serviço de enfermagem varia muito, de acordo com a instituição em que trabalham. As características presentes no atendimento e a forma como o trabalho é desenvolvido são características peculiares de cada local (WALDOW, 1999). Os enfermeiros e demais profissionais de saúde desenvolvem atitudes que consideram os aspectos emocionais dos pacientes e de sua família, mesmo trabalhando em uma instituição na qual tal aspecto não é privilegiado. No entanto, em um contexto que possua este direcionamento de forma oficial e como fundamental do processo assistencial consegue-se atingir não só a redução de agravos, mas também à promoção da saúde. Para isto, é preciso que haja um treinamento profissional específico e abrangente. Se aspectos humanizados forem realmente importantes para o cuidado e a cura, como investigações científicas demonstram, especialmente Vieira e Queiroz (2006), é fundamental que iniciativas nesse sentido passem a ser orientadas por uma aproximação menos voluntarista e mais científica. Torna-se fundamental que o enfermeiro transmita informações de forma que o doente e sua família compreendam as consequências de como devem viver com a 105 incerteza da doença e se adaptar às novas formas de viver e de conviver com o câncer, tendo a consciência da existência e dificuldades da mesma, o que não os impede de viverem com qualidade (ALMEIDA et al., 2001). O profissional da saúde deve aprender a exercer o cuidado levando em consideração que o cuidado do paciente com câncer e seus familiares inclui a presença do sofrimento perante a doença e a morte, que é universal do ser humano. Este tipo de sofrimento não se limita a um determinado tempo e espaço, mas assume características existenciais bem claras e distintas, em diferentes contextos econômicos e sociais (SALES et al., 2003). A busca de novos horizontes para nortear a prática assistencial, descobrindo novas formas de perceber o mundo e o próprio processo de cuidar, torna-se fundamental no momento atual de tantas transformações mundiais. Ao mesmo tempo, por intermédio da prática, é possível observar a importância e constatar a necessidade de novas reflexões acerca do cuidar envolvendo pacientes com diagnóstico de câncer e seus familiares (GIRONDI; RADUNZ, 2007). Em suma, devemos agregar o sistema de saúde ao cuidado da família e oferecer subsídios para o desenvolvimento dessa prática através do atendimento das necessidades de cada pessoa, levando em consideração sua cultura e sua singularidade. Enfim, a família é um grande aliado no cuidado integral ao ser humano, pois garante melhor qualidade de vida ao paciente com neoplasia maligna (MORAES; SILVA; ACKER, 2006). Diante da complexa realidade que envolve essas pessoas, é importante para os enfermeiros e demais componentes da equipe de saúde, que se envolvem com o atendimento dessas pessoas, ampliar sua visão a respeito dos sentimentos que afloram frente à doença, de suas sequelas e do processo de reconstrução de si próprio e de suas vidas. Torna-se fundamental o desenvolvimento de uma assistência personalizada, que considere o sistema de crenças dos indivíduos, a base do conhecimento trazido por eles, a habilidade para o aprendizado do cuidado, a capacidade de lutar contra a doença e, dessa forma, contribuir para a ressignificação da identidade e melhoria na qualidade de vida, e não apenas no prolongamento da sobrevida (PETUCO; MARTINS, 2006). Acreditamos que um dos maiores desafios para o enfermeiro é a desmistificação do conceito de câncer existente no imaginário das pessoas, o que interfere na realidade, especialmente em relação à prática do cuidado do paciente e 106 de seus familiares. O enfermeiro deve atuar, de forma a garantir ao doente e sua família, condições dignas e humanas, ajudando-os no enfrentamento da doença e respeitando suas formas de lidar com esse processo de adoecimento em suas vidas. É compromisso nosso interferir na realidade de que nada pode ser feito e apontar para o fato de que há muitas formas de cuidar do paciente com diagnóstico de câncer e de seus familiares (GIRONDI; RADUNZ, 2006). A partir do momento em que fazemos um juramento de compromisso ético com a nossa profissão e com a sociedade, passamos a ter a responsabilidade sobre a vida e o bem-viver do outro, sendo responsáveis pelo zelo à vida e pela dissipação de informações que desmistifiquem as imagens negativas existentes que são construídas socialmente acerca do câncer. 107 4 CONCLUSÃO Através deste estudo tentamos apreender não apenas a pessoa que acompanha o familiar com câncer, mas, principalmente, o ser humano vivenciando sua facticidade de estar no mundo com um ente querido em tratamento quimioterápico. Nessa trajetória, buscamos adentrar no mundo do familiar do paciente que possui câncer, buscando vislumbrar não apenas o indivíduo em si, mas o ser humano em toda a sua existencialidade, singularidade e que se encontra inserido em um contexto sociocultural. O câncer sempre foi motivo de muito desgaste e sofrimento, tanto para o doente quanto para seu familiar e, ainda hoje, permanece vivo no imaginário social como uma doença que está, geralmente, associada a representações negativas como sofrimento, dor, tristeza e morte. Mesmo com todos os avanços existentes na medicina na tentativa de prevenir as complicações, promover a cura e propiciar o prolongamento da vida e da sobrevida dos pacientes, o estigma que vem associado à doença ainda não foi completamente erradicado e desmistificado do imaginário social. Um dos principais pontos da pesquisa foi a representação social do câncer para o familiar que acompanha o doente em tratamento quimioterápico. Através da abordagem acerca do assunto pudemos levantar temas abrangentes, o que possibilitou o desdobramento da pesquisa como identificar a importância da família no contexto da doença, a busca pela religiosidade como forma de superar o sofrimento ocasionado pela doença, as imagens acerca do câncer e as estratégias de enfrentamento da doença. O estudo teve como preocupação mostrar a identidade das famílias que acompanham o ente querido durante o tratamento quimioterápico bem como sua realidade. Foi possível descobrir que a representação social do câncer para os sujeitos estudados é de uma doença cuja enunciação representa uma verdadeira catástrofe presente na vida da família que acompanha o doente. Ao mesmo tempo, esta representação consegue criar um consenso em relação aos males desenvolvidos pela doença e seu tratamento. O câncer perpetua, no conjunto das representações sociais acerca da saúde e da doença, a ideia de infelicidade, sofrimento, dor, medo da morte e finitude diante da vida, apesar de todos os avanços tecnológicos e 108 científicos na área oncológica. Tudo isso passa a fazer parte das construções sociais acerca da doença e de sua permanência, ainda hoje, em seu constructo social e representacional. O diagnóstico e o tratamento do câncer envolvem vários nuances para a família que acompanha o ente querido. São inúmeros os sentimentos apresentados por essa família em relação à doença, sentimentos esses que promovem um verdadeiro desajuste emocional na vida dos envolvidos como medos, incertezas, sofrimentos, tristezas, solidão, angústias, desesperança, insegurança e vulnerabilidade, o que acabar por prejudicar em vários aspectos o viver dessas pessoas. A vida social, pessoal, profissional e financeira também passa a ser prejudicada, uma vez que o familiar tem, muitas vezes, que abandonar o seu trabalho ou o seu lar para estar junto com o doente em suas idas e vindas quase que diárias ao hospital. Tudo isso implica em uma desestruturação financeira e de rotina de suas vidas que é difícil de serem superadas e recuperadas sem causar nenhum prejuízo emocional. A aproximação com o cotidiano do familiar do paciente oncológico que faz tratamento quimioterápico revelou que o processo de adoecimento não é um acontecimento individual, pois o estar doente envolve não só o paciente, mas também todo o grupo familiar que partilha e compartilha os momentos mais sofridos e complicados que abrange o diagnóstico do câncer e seu tratamento. O medo da morte iminente revela-se de forma inevitável no imaginário das pessoas e passa a ser geradora de intenso sofrimento para as famílias. Tudo isso acaba por causar a quebra da estrutura e da forma de organização da vida do indivíduo que vai além do aspecto corporal e envolve toda a dimensão psicossocial exigindo, dessa forma, um novo modo de viver e uma reorganização que requer dedicação, informação, apoio e compreensão por parte dos enfermeiros e demais profissionais da área de saúde. Apesar de todos os avanços da medicina e dos tratamentos para a cura e o controle do câncer, infelizmente, a doença ainda traz consigo a imagem de doença incurável, geradora de intenso sofrimento e desgaste físico e emocional, o que acaba por dificultar ainda mais o enfrentamento da doença. Assim, a família necessita ser contemplada em sua forma de existir e de estar no mundo com um ente querido com câncer. Dessa forma, foi possível perceber, ainda, que o familiar do paciente com câncer passa, juntamente com o doente, todo o desgaste que envolve o diagnóstico desta doença, bem como o seu tratamento, os efeitos 109 indesejáveis da quimioterapia e o sofrimento de ter a imagem corporal alterada por cirurgias, radioterapias e pela própria quimioterapia. Além disso, a busca pela religiosidade mostrou-se como importante ferramenta para o processo de superação, aceitação e enfrentamento do câncer e de todas as suas intempéries, como os tratamentos agressivos e desgastantes, a alteração da imagem corporal do ente querido e do constante medo da morte. A busca pela fé aparece como grande aliada para o conforto mental e espiritual dessas pessoas, tornando, dessa forma, o viver com câncer menos sofrido e penoso, uma vez que desperta nas pessoas a esperança da cura e da melhora de suas vidas. A preocupação do familiar está centrada não só em tais inconvenientes, mas, principalmente, no medo da perda do ente querido, uma vez que a imagem da morte iminente, da perda e da alteração no curso da vida perpassa o tempo todo pelas construções representacionais dessas pessoas, sendo geradora de intenso sofrimento. Tudo isso leva (ou deveria levar) os profissionais a implementarem cuidados que valorizem o ser humano para além de seu bem-estar físico, envolvendo as dimensões física, emocional e espiritual do ser humano. Dessa forma, deve-se primar por uma assistência de enfermagem pautada na humanização em sua real condição, levando em consideração que o ser humano necessita ser cuidado em todas as suas dimensões e não visto apenas como um corpo que adoece. Devemos agregar, a esse sistema de cuidados, o familiar do paciente oncológico e oferecer subsídios para o desenvolvimento dessa prática através do reconhecimento e do conhecimento das necessidades da família que acompanha o ente querido durante o tratamento quimioterápico. É necessária a compreensão de que a arte da escuta, do toque, do olhar e do sentir conforma a prática profissional em parâmetros mais humanos e é um importante instrumento para o reconhecimento do indivíduo em sua individualidade e singularidade. Para que isso se torne possível, é fundamental entrar no mundo do outro e apresentar empatia por seu sofrimento, bem como escutar, com envolvimento seus medos e suas experiências. Diante de tudo, torna-se necessário perceber a família levando em consideração o fato de que reconhecê-la é entender sua importância como grande aliada do cuidado e do processo de tratamento e de melhora do paciente com câncer. Esperamos que a pesquisa provoque discussões quanto à importância da família, servindo de incentivo para a elaboração de diretrizes e de novas pesquisas 110 nessa área, propiciando ações que favoreçam a instituição e os sujeitos da pesquisa, bem como o doente com câncer, e que, ao mesmo tempo, incite novos estudos por parte de enfermeiros e outros profissionais da área de saúde, de forma que tais estudos envolvam a questão do cuidado à família do cliente com câncer. 111 REFERÊNCIAS ABRIC, J. C. O estudo experimental das representações sociais. In: JODELET, D. (Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001. ALMEIDA, A. M. et al. Construindo o significado da recorrência da doença: a experiência de mulheres com câncer de mama. Rev. Latino-Am. Enferm., Ribeirão Preto, v. 9, n. 5, p. 63-69, set./out. 2001. ALMEIDA, E. S. Princípios da quimioterapia. In: LOPES, A. et al. Oncologia para graduação. Ribeirão Preto: Tecmed, 2005. p.149-157. ALTHORF, C. R. Delineando uma abordagem teórica sobre o processo de conviver em família e sua interface com a saúde e a doença. 2. ed. Maringá: EDUEM, 2004. ANDERSON, K. H. The family hearth system approach to family systems nursing. J. Family Nursing, v. 6, n. 2, p. 103-119, 2000. ANDRADE, O. G. Representações sociais de saúde e de doença na velhice. Acta sci., Health sci., Maringá, v. 25, n. 2, p. 207-213, 2003. ANDRADE, V. C. C. et al. O estar-só é o estar-com um ente querido durante a quimioterapia. Rev. Enferm. UERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 226-231, abr./jun. 2006. ANELLI, A. Tratamento sistêmico do câncer. In: KOWALSKI, L. P.; SALVAJOLI, J. V.; LOPES, L. F. Manual de condutas diagnósticas e terapêuticas em oncologia. 2.ed. São Paulo: Âmbito, 2004. p. 411-416. ÂNGELO, M. Abrir-se para a família: superando desafios. Fam. Saúde Desenv., v. 1, n. 1/2, p. 7-14, 1999. ANJOS, A. C. Y.; ZAGO, M. M. F. A experiência da terapêutica oncológica na visão do paciente. Rev. Latino-Am. Enferm., Ribeirão Preto, v. 4, n. 1, p. 33-40, jan./fev. 2006. 112 ARAÚJO, J. S.; NASCIMENTO, M. A. A. Atuação da família ao processo saúde doença de um familiar com câncer de mama. Rev. Bras. Enferm., Brasília, v. 57, n. 3, p. 274-278, maio/jun. 2004. BANCHS, M. A. Alternativas de apropiación teórica: abordage processual y estructural de lãs representaciones socials. Educ. cult. contemp., Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p.39-60, ago./dez. 2004. BARBOSA, L. N. F.; FRANCISCO, A. L. A subjetividade do câncer na cultura: implicações na clínica contemporânea. Rev. SBPH, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 9-24, jun. 2007. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. ______. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979. BARROS, T. M. Doença renal crônica: do doente e da dimensão familiar. In: MELLO, J.; BURD, M. (Org.). Doença e família. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. p. 205225. BERVIAN, P. I.; PERLINI, N. M. O. G. A família (con) vivendo com a mulher/mãe após a mastectomia. Rev. bras. cancerol., Rio de Janeiro, v. 52, n. 2, p. 121-128, 2006. BIELEMANN, V. L. M. A família cuidando do ser humano com câncer e sentindo a experiência. Rev. bras enferm., Brasília, v. 56, n. 2, p. 133-137, mar./abr. 2003. BIFFI, R. G. A dinâmica de um grupo de mulheres com câncer de mama. 2003. 179 f. Tese (Doutorado em Enfermagem) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003. BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano; compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes, 1999. BONASSA, E. M. A.; SANTANA, T. R. Enfermagem em terapêutica oncológica. 3. ed. São Paulo: Atheneu, 2005. 113 BRASIL. Ministério da Saúde. Manual de uso da marca Saúde da Família. 2009. Disponível em: <ttp://dtr2004.saude.gov.br/dab/docs/geral/manual_marca_saudefamilia.pdf>. Acesso em 19 nov. 2009. ______. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. 4. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2007. 68 p. – (Série E. Legislação de Saúde) (Série Pactos pela Saúde 2006; v. 4) BROMBERG, M. H. P. F. Cuidados paliativos para o paciente com câncer: uma proposta integrativa para equipe, pacientes e família. In: CARVALHO, M. M. M. J. (Org.). Psico-oncologia no Brasil: resgatando o viver. São Paulo: Summus, 1998. p. 186-231. CAMARGO, B.; LOPES, L. F.; NOVAES, P. E. O tratamento multidisciplinar das neoplasias na infância. In: ______. Pediatria oncológica: noções fundamentais para o pediatra. São Paulo: Lemar, 2000. p. 215-229. COSTA, C. A.; LUNARDI FILHO, W. D.; SOARES, N. V. Assistência humanizada ao cliente oncológico: reflexões junto à equipe. Rev. Bras Enferm., Brasília, DF, v. 56, n. 3, p. 310-314, maio/jun. 2003. CRESPO, A. S.; LOURENCO, M. T.C. No impacto psicológico da doença. In: COSTA, A. G.; RODRIGUES, A. B. (Org.). Enfermagem oncológica. Barueri: Manole, 2007. p. 141-144. DECAT, C. S.; FERREIRA DE ARAUJO, T. C. C. Psico-oncologia: apontamentos sobre a evolução histórica de um campo interdisciplinar. Med., Brasília, v. 47, n. 1, p. 93-99, 2010. DI PRIMIO, A. O. et al. Rede social e vínculos apoiadores das famílias de crianças com câncer. Texto Contexto Enferm., Florianópolis, v. 19, n. 2, p. 334-342, abr./jun. 2010. ELSEN, I. Cuidado familial: uma proposta inicial de sistematização conceitual. In: MARCON, S. S.; SILVA, M. R. S. O viver em família e sua interface com a saúde e a doença. 2. ed. Maringá: EDUEM, 2004. ELSEN, I. As teias da sobrevivência oncológica: com a vida de novo. Texto Contexto Enferm., Florianópolis, v. 18, n. 1, p. 25-32, jan./mar. 2009. 114 ESPINDULA, J. A. O significado da religiosidade para pacientes com câncer e para profissionais de saúde. 2009. 233 f. Tese (Doutorado em Enfermagem) - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2009. ESPIRITO SANTO, F. H.; PORTO, I. S. Cuidado de enfermagem: saberes e fazers de enfermeiras novatas e veteranas no cuidado hospitalar. 2. ed. Rio de Janeiro: UFRJ/EEAN, 2008. FERREIRA, S. S.; NEVES, E. P. Ser enfermeira vivenciando o cuidado ao cliente com câncer em tratamento quimioterápico. RECENF, v. 1, n. 1, p. 49-54, jan./fev. 2003. FERREIRA, V.; MACHADO, P. O programa informativo NUD*IST: análise qualitativa de informações escritas. Florianópolis: Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFSC, 1999. Disponível em: <http://www.cfh.ufsc.br/~marcilio/pesquali/softweres.html>. Acesso em: 30 nov. 2010. FITCH, M. Necessidades emocionais de pacientes e cuidadores em cuidados paliativos. In: PIMENTA, C. A. M.; MOTA, D. D. C. F.; CRUZ, D. A. L. M. Dor e cuidados paliativos: enfermagem, medicina e psicologia. São Paulo: Manole, 2006. p. 67-85. FONTES, A. L. C. S.; QUARTERONE, F. G. O papel da enfermagem especializada na equipe multidisciplinar do tratamento da criança com câncer. In: CAMARGO B.; LOPES, L.F. Pediatria oncológica: noções fundamentais para o pediatra. São Paulo: Lemar, 2000. p. 239-249. FORNAZARI, S. A.; FERREIRA, R. E. R. Religiosidade/espiritualidade em pacientes oncológicos: qualidade de vida e saúde. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 26 n. 2, p. 265-272, abr./jun. 2010. FREITAS, C. A. S. C. et al. Mulheres mastectomizadas: o grupo como mecanismo de resgate da auto-estima. Rev. soc. bras. cancer, São Paulo, v. 11, n. 3, 2006. GIANINI, M. M. S. Câncer e gênero: enfrentamento da doença. 2007. 21 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007. 115 GIRONDI, J. B. R.; NASCIMENTO, K.; RADÜNZ, V. O significado de cuidar no contexto do pensando complexo: novas possibilidades para enfermagem. Texto Contexto Enferm., Florianópolis, v. 15, n.esp., p. 164-169, 2006. GIRONDI, J. B. R.; RADUNZ, V. A enfermeira como cuidadora do seu familiar com diagnóstico de câncer. Cogitare Enferm., v. 12, n. 2, p. 164-170, abr. /jun. 2007. GOMES, A. M. T.; OLIVEIRA, D. C. Espaço autônomo e papel próprio: representações de enfermeiros no contexto do binômio saúde coletiva-hospital. Rev. Bras. Enferm., Brasília, DF, v. 61, n. 2, p. 178-185, mar./abr. 2008. GOMES, R.; SKABA, M. M. V. F.; VIEIRA, R. J. S. Reinventando a vida: proposta para uma abordagem sócio-antropológica do câncer de mama feminina. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p.197-204, jan./fev. 2002. GUIZZO, B. S.; KRZIMINSKI, C. O.; OLIVEIRA, D. L. L. C. O software QRS N vivo 2.0 na análise qualitativa de dados: ferramenta para a pesquisa em ciências humanas e da saúde. Rev. Gaucha Enferm., Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 53-60, abr. 2003. HELMAN, C. G. Cultura, saúde e doença. 2.ed. Porto Alegre: Artes, 1994. INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER (Brasil). Coordenação de Prevenção e Vigilância. A situação do câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA, 2006. JESUS, L. K. R.; GONÇALVES, L. L. C. O cotidiano de adolescentes com leucemia: o significado da quimioterapia. Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 4, p. 545-550, dez. 2006. JESUS, L. L. C.; LOPES, R. L. M. Considerando o câncer de mama e a quimioterapia na vida da mulher. Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro,v. 11, n. 2, p. 208-210, maio/ago. 2003. JODELET, D. Representações sociais: um domínio em expansão. In: JODELET, D. (Org.). Representações Sociais. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001. p. 17-44. ______. Représentations sociales: phénomènes, concept et théorie. In: MOSCOVICI, S. Psychologie Sociale. Paris: Presses Universitaires de France, 1984 apud SÁ, C. P. Núcleo central das representações sociais. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. 116 KURASHIMA, A. Y; MOSCATELLO, E. L. M. Paciente fora de possibilidade terapêutica. In: MOHALLEM, A. G. C.; RODRIGUES, A. B. (Org.). Enfermagem Oncológica. Barueri: Manole, 2007. p. 371-385. LEMOS, F. A.; LIMA, R. A. G.; MELLO, D. F. Assistência à criança e ao adolescente com câncer: a fase da quimioterapia intratecal. Rev. Latino-Am. Enferm., Ribeirão Preto, v. 12, n. 3, p. 485-493, maio/jun. 2004. LINARD, A. G. et al. Mulheres submetidas a tratamento para câncer de colo uterino percepção de como enfrentam a realidade Rev. bras. cancerol., Rio de Janeiro, v. 48, n. 4, p. 493-498, 2002. LOPES, E. M.; ANJOS, S. J. S. B.; PINHEIRO, A. K. B. Tendências das ações de educação em saúde realizadas por enfermeiros no Brasil. Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, v. 17, n. 2, p. 273-277, abr./jun. 2009. LOURENÇO, E. C.; NEVES, E. P. As necessidades de cuidado e conforto em UTI oncológica: com a palavra os visitantes. 2004. 140 f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) - Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004. MARUYAMA, S. A. T.; ZAGO, M. M. F. O processo de adoecer do portador de colostomia por câncer. Rev. Latino-Am. Enferm., Ribeirão Preto, v. 13 n. 2, p. 216222, mar./abr. 2005. MELO, E. M.; FERNANDES, A. F. C. O relacionamento familiar após a mastectomia: um enfoque no modo de interdependência de Roy. Rev. bras. cancerol., Rio de Janeiro, v. 51, n. 3, p. 219-225, 2005. MENDES, A. C. L.; TAVARES, R. A arte como aliada na recuperação de crianças e familiares. In: TAVARES, R.; FIGUEIREDO, N. M. A. (Org.). Arte e saúde: experimentações pedagógicas com o jogo dramático cuidado de enfermagem em foco. São Caetano do Sul: Yendis, 2009. p. 251-255. MENOSSI, M. J.; LIMA, R. A. G. A problemática do sofrimento: percepção do adolescente com câncer. Rev. Esc. Enferm. USP, São Paulo, v. 34, n. 1, p. 45-51, mar. 2000. MICELI, A.V.P. Aspectos psicológicos do paciente com câncer. In: SANTOS, C.E.R.; MELLO, E.L.R. (Org.). Manual de cirurgia oncológica. São Paulo: Tecmedd, 2006. p. 1-1248. 117 MICELI, A.V.P.; KASTRUP, M.C. Câncer e sistema familiar. 1989. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Terapia Familiar) - Instituto de Terapia de Família do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1989. MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 3. ed. São Paulo: Vozes, 2002. ______. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 6. ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: ABRASCO,1999. ______. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 10. ed. São Paulo: Hucitec, 2007. ______. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 6. ed. Petrópolis: Vozes,1996. MORAES E SILVA, C. A.; ACKER, J. I .B. V. O cuidado paliativo domiciliar sob a ótica de familiares responsáveis pela pessoa portadora de neoplasia. Rev. bras. enferm., Brasília, v. 60, n. 2, p. 150-154, mar./abr. 2007. MOSCOVICI, S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. ______. Representações sociais: investigações em psicologia social. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2009. ______. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2003. MOTTA, M. G. C. O entrelaçar de mundos: família e hospital. Maringá: EDUEM, 2002 apud ELSEN, I. As teias da sobrevivência oncológica: com a vida de novo. Texto Contexto Enferm., Florianópolis, v. 18, n. 1, p. 25-32, jan./mar. 2009. MUNIZ, R. M; ZAGO, M. M. F.; SCHWARTZ, E. As teias da sobrevivência oncológica: com a vida de novo. Texto Contexto Enferm., Florianópolis, v. 18, n.1, p. 25-32, jan./mar. 2009. 118 NASCIMENTO, L. C. et al. Crianças com câncer e suas famílias. Rev. Esc. Enferm. USP, São Paulo, v. 39, n. 4, p. 469-474, 2005. OLIVEIRA, A. P. Análise de conteúdo temático-categorial: uma proposta de sistematização. Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 4, out./dez. 2008. OLIVEIRA, A. P. A enfermagem e as necessidades humanas básicas: o saber/fazer a partir das representações sociais. 2001. 225 f. Tese (Professor Titular) - Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2001. OLIVEIRA, A. P.; GOMES, A. M. T. A estrutura representacional do câncer para os seus portadores: desvelando seus sentidos e dimensões. Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 4, p. 525-531, out./dez. 2008. OLIVEIRA, M. S. et al. Mulheres vivenciando o adoecer em face do câncer cérvicouterino. Acta Paul. Enferm., São Paulo, v. 18, n. 2, p.150-155, 2005. OSÓRIO, L. C. Família hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. PEDROLO, F. T.; ZAGO, M. M. F. O enfrentamento dos familiares a imagem corporal alterada do laringectomizado. Rev. bras. cancerol., Rio de Janeiro, v. 48, n. 1, p. 49-56, 2002. PELAEZ, D. M. et al. O câncer e suas representações simbólicas. Psicol. Cienc. prof., v. 24, n. 2, p. 120-133, 2004. PENNA, T. L. M. Dinâmica psicossocial de famílias de pacientes com câncer. In: BURD, M.; MELLO, J. (Org.). Doença e família. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. p. 379-389. PETUCO, V. M.; MARTINS, C. L. A experiência da pessoa estomizada com câncer: uma análise segundo o Modelo de Trajetória da Doença Crônica proposto por Morse e Johnson. Rev. Bras. Enferm., Brasília, v. 59, n. 2, p. 134-141, mar./abr. 2006. REMEN, R. N. O paciente como ser humano. São Paulo: Summus, 1993. ROCHA, S. M. M.; NASCIMENTO, L. C.; LIMA, R. A. G. Enfermagem Pediátrica e abordagem da família: subsídios para o ensino de graduação. Rev. Bras. Enferm., Brasília, v. 10, n. 5, p. 709-714, 2002. 119 RODRIGUES, M. S. P.; GUEDES SOBRINHO, E. H.; SILVA, R. M. A Família e sua importância na formação do cidadão. Família Saúde e Desenvolvimento, Curitiba, v. 2, n. 2, p. 40-48, jul./dez. 2000. ROSA, L. M. et al. A consulta de enfermagem no cuidado à pessoa com câncer: contextualizando uma realidade. Cogitare enferm., v. 12, n. 4, p. 487-493, out./dez. 2007. ROSSARI, U. V. S. Percepções do adolescente sobre o viver com câncer. 2008. 141 f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem)- Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2008. ROSSI, L.; SANTOS, M. A. Representações psicológicas do adoecimento e tratamento de mulheres acometidas pelo câncer de mama. Psicol. Cienc. Prof., Brasília, DF, v. 23, n. 4, p. 32-41, dez. 2003. RZEZNIK, C.; DALL'AGNOL, C. M. (Re)descobrindo a vida apesar do câncer. Rev. Gaúcha Enferm., Porto Alegre, v. 21, n. esp., p. 84-100, 2000. SÁ, C. P. Núcleo central das representações sociais. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. ______. Representações sociais: o conceito e o estado atual da teoria. In: SPINK, M.J. O conhecimento no cotidiano. São Paulo: Brasiliense,1993. SALCI, M.A.; MARCON, S.S. A convivência com o fantasma do câncer. Rev. Gaúcha Enferm., Porto Alegre, v.31, n.1, p.18-25, mar. 2010. SALES, C. A.; MOLINA, M. A. O significado do câncer no cotidiano de mulheres em tratamento quimioterápico. Rev. Bras. Enferm., Brasília, DF, v. 57, n. 6, p. 720-723, nov./dez. 2004. SALLES, P. S.; CASTRO, R. C. B. R. Validação de material informativo a pacientes em tratamento quimioterápico e aos seus familiares. Rev. Esc. Enferm. USP, São Paulo, v. 44, n. 1, p. 182-189, 2010. SANTANA, G. O. A prática educativa na consulta de enfermagem: um enfoque dialógico para a aprendizagem infantil. Rio de Janeiro, 2002. 104 f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) - Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002. 120 SANTOS, Z. M. S. A.; OLIVEIRA, V.L.M. Consulta de enfermagem ao cliente transplantado cardíaco-impacto das ações educativas em saúde. Rev. Bras. Enferm., Brasília, DF, v. 57, n. 6, p. 654-657, nov./dez. 2004. SCORSOLINI-COMIN, F.; SANTOS, M. A.; SOUZA, L. V. Vivências e discursos de mulheres mastectomizadas: negociações e desafios do câncer de mama. Estud. Psicol., Natal, v. 14, n. 1, jan./abr. 2009. SILVA, A. C. D. Na assistência domiciliaria. In: COSTA, A. G.; RODRIGUES, A.B. (Org.). Enfermagem oncológica. Barueri: Manole, 2007. SILVA, A. R. B.; GONÇALVES, S. P. Cuidando de mulheres com câncer ginecológico mamário. In: PIMENTA, C. A. M.; MOTA, D. D. C. F.; CRUZ, D. A. L. M. Dor e cuidados paliativos: enfermagem, medicina e psicologia. São Paulo: Manole, 2006. p. 472-475. SILVA, F. A. C. at al. Representação do processo de adoecimento de crianças e adolescentes oncológicos junto aos familiares. Esc. Anna Nery Rev. Enferm., Rio de Janeiro, v.13, n.2, p.334-341, abr./jun. 2009. SILVA, M. R. B. at al. O câncer entrou em meu lar: sentimentos expressos por familiares de clientes. Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 1, p. 70-75, jan./mar. 2008. SILVA, V. C. E. O impacto da revelação do diagnóstico de câncer na percepção do paciente. 2005. 218 f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) - Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2005. SILVEIRA, A. O.; ÂNGELO, M. A experiência da interação da família que vivencia a doença e hospitalização da criança. Rev. Latino-Am. Enferm., Ribeirão Preto, v. 14, n. 6, p. 893-900, nov./dez. 2006. SONTAG, S. A doença como metáfora. Rio de Janeiro: Graal, 1984. ______. A doença como metáfora. 3. ed. São Paulo: Graal, 2002. SOUZA, M. G. G.; ESPIRITO SANTO, F. H. O Olhar que olha o outro: um estudo com familiares de pessoas em quimioterapia antineoplásica. Rev. bras. cancerol., Rio de Janeiro, v. 54, n. 1, p. 31-41, 2008. 121 SPINK, M. J. P.; MEDRADO, B. Produção de sentidos no cotidiano: uma abordagem teórico-metodológica para análise das práticas discursivas. In: SPINK, M. J. P. (Org.) Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. São Paulo: Cortez, 2000. p. 41-61 apud SCORSOLINI-COMIN, F.; SANTOS, M. A.; SOUZA, L. V. Vivências e discursos de mulheres mastectomizadas: negociações e desafios do câncer de mama. Estud. Psicol., Natal, v. 14, n. 1, jan./abr. 2009. STOLAGLI, V. P.; EVANGELISTA, M. R. B.; CAMARGO, O. P. Implicações sociais enfrentadas pelas famílias que possuem pacientes com sarcoma ósseo. Acta Ortop. Bras., v. 16, n. 4, p.242-246, 2008. TAVARES, J. S.; TRAD, L. A. B. Famílias de mulheres com câncer de mama: desafios associados com o cuidado e os fatores de enfrentamento. Interface, v. 13, n. 29, p. 395-408, abr./jun. 2009. TAVARES, J. S.; TRAD, L. A. B. Metáforas e significados do câncer de mama na perspectiva de cinco famílias afetadas. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 426-435, mar./abr. 2005. TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais. São Paulo: Atlas, 2009. VIEIRA, M. A. U.; MARCON, S. S. Significados do processo de adoecer: o que pensam cuidadores principais de idosos portadores de câncer. Rev. Esc. Enferm. USP, São Paulo, v. 42, n. 4, p. 752-760, 2008. VIEIRA, C. P.; QUEIROZ, M. S. Representações sociais sobre o câncer feminino: vivência e atuação profissional. Psicol. Soc., Belo Horizonte, v. 18, n. 1, p. 63-70, jan./abr. 2006. WALDOW, V. R. Cuidado humano: o resgate necessário. 2. ed. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 1999. ______. O cuidado na saúde: as relações entre o eu, o outro e o cosmos. Petrópolis: Vozes, 2004. WERNET, M.; ÂNGELO, M. Mobilizando-se para a família: dando um novo sentido ao cuidar e à família. Rev. Esc. Enferm. USP, São Paulo, v. 37, n. 1, p. 19-25, 2003. 122 WRIGHT, L. M.; LEAHEY, M. Enfermeiras e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 3.ed. São Paulo: Roca, 2002. ZAGO, M. M. F. et al. O adoecimento pelo câncer de laringe. Rev. Esc. Enferm. USP, São Paulo, v.35, n.2, p.108-114, jun. 2001. 123 APÊNDICE A – Questionário de Caracterização dos Sujeitos UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO BIOMÉDICO FACULDADE DE ENFERMAGEM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM Número da Entrevista: _______________________ Pseudônimo: __________________________________________________________ Sexo: _____________ Idade: _________________ Estado civil: _____________________ Escolaridade: ___________________ Local de Moradia: ___________________________ Religião: ______________________ Filhos/Nº Filhos: ____________/____________ Relação de Parentesco: ________________________ Data do Diagnóstico: __________________ Acompanha o paciente em suas atividades diárias: ( ) Sim ( ) Não Possui histórico de câncer na família? S( ) N( ) Quantas pessoas?................................................Grau de parentesco?..................................... Já fez tratamento anterior? S ( ) N( ) Qual?.............................................................................................................................. Já teve contato prévio com a consulta de enfermagem? ( ( ( ( ) Sim, muitas vezes ) Sim, algumas vezes ) Não ) Não lembro 124 APÊNDICE B - Roteiro de Entrevista UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO BIOMÉDICO FACULDADE DE ENFERMAGEM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM Após cada temática a ser abordada estão as perguntas que serão feitas aos participantes. TEMA 1 - REPRESENTAÇÕES DO CÂNCER. Levantar os conceitos que os familiares possuem acerca do câncer, buscando fazer uma comparação antes e após o diagnóstico (O que é o câncer para você, antes e depois do diagnóstico do seu familiar?); Levantar o que significa ter câncer (Para você, quais os significados que o câncer possui?); Identificar os sentimentos que os sujeitos possuíam em relação ao câncer antes do diagnóstico (quais os sentimentos que você possuía com relação ao câncer antes do diagnóstico do seu familiar?); Identificar os sentimentos surgidos durante o processo de descoberta diagnóstico (quais os sentimentos que você possuía com relação ao câncer durante o processo de diagnóstico do seu familiar?); Identificar os sentimentos presentes após o diagnóstico (quais os sentimentos que você possui com relação ao câncer depois do diagnóstico do seu familiar?); Expor as experiências que os sujeitos tiveram com o câncer antes e depois do diagnóstico Descreva algumas experiências vivenciadas com o câncer, antes e após o diagnóstico?); Descrever as imagens que os indivíduos possuem acerca do câncer (Quais imagens o câncer possui para você?); Buscar as atitudes que seu grupo social possuía e possui frente ao câncer (Como as pessoas que você conhece se posicionava antigamente frente à uma pessoa com câncer? E hoje?); Levantar o que se ouvia/ouve acerca do câncer nas atividades sociais, tarefas cotidianas... (O que você costumava/costuma ouvir acerca do câncer no trabalho, na mesa de bar, etc) TEMA 2 - REPRESENTAÇÕES ACERCA DA CONSULTA DE ENFERMAGEM. Buscar a descrição da consulta de enfermagem realizada no contexto institucional (Descreva, por favor, a consulta de enfermagem.); Explicitar as definições que os sujeitos possuem acerca da consulta de enfermagem e do enfermeiro (Como você definiria a consulta de enfermagem? E o enfermeiro?); Levantar como a consulta de enfermagem é percebida por ele e como acha que os demais familiares a percebem (Como você percebe a consulta de enfermagem? Na sua opinião, como os demais familiares a percebem?); Descrever o relacionamento dos familiares com os enfermeiros durante a consulta de enfermagem (Fale um pouco para mim acerca do seu relacionamento com o enfermeiro durante a consulta); Identificar que contribuições a consulta de enfermagem trouxe ao paciente e seu familiar (a enfrentar o câncer, seu tratamento, identificar problemas e se, a partir dela, houve ajuda na adesão ao tratamento) (Qual o papel da consulta de enfermagem neste momento? Como teria sido se ela não existisse?); Descrever as ações dirigidas aos familiares (quais as ações que os enfermeiros fazem que são direcionadas para os familiares?); Delimitar a influência prática, cotidiana da consulta de enfermagem 125 para o paciente e seus familiares (Descreva a relação da consulta de enfermagem com o seu cotidiano ou o do seu familiar); Buscar as ações específicas desenvolvidas pelos enfermeiros na consulta e percebidas pelos familiares como sendo exclusivas deste profissional(Na sua opinião, o que o enfermeiro faz na consulta que é exclusivo dele?); Buscar as ações específicas desenvolvidas pelos enfermeiros na consulta e percebidas pelos familiares como sendo compartilhadas com outros profissionais (O que ele compartilha ou divide com os demais?); Buscar as ações específicas desenvolvidas pelos enfermeiros na consulta e percebidas pelos familiares como não sendo deste profissional (quais ações não são próprias do enfermeiro?); Buscar, na opinião do sujeito, o que o enfermeiro deveria fazer que não fez e como deveria ser o seu comportamento com os familiares (Na sua opinião, o que o enfermeiro deveria fazer e não fez e quais os comportamentos que eles deveriam adotar?); Levantar as necessidades dos familiares e como a consulta lida com elas (quais as necessidades que vocês mais sentem ou possuem e como a consulta lida com elas?); Buscar as semelhanças e diferenças entre a consulta médica e de enfermagem (quais as semelhanças e diferenças entre as consultas de enfermagem e médica?). TEMA 3 - AS RELAÇÕES FAMILIARES. Buscar as definições de família que o sujeito possui (Para você, o que é uma família?); Descrever as relações familiares antes, durante e depois do diagnóstico do câncer (Descreva, por favor, as relações familiares antes e depois do diagnóstico); Como ficaram as relações após o diagnóstico do câncer (emprego, renda familiar, vida social, relações sociais) (Fale um pouco das relações - sociais, ocupacionais, etc - após o diagnóstico). TEMA 4 - O TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO. Identificar as facilidades ou entraves para a adesão ao tratamento quimioterápico (Descreva as facilidades e as dificuldades no processo de adesão ao tratamento quimioterápico); Perceber a efetiva participação do profissional enfermeiro no processo de adesão ao tratamento quimioterápico (Fale um pouco sobre a participação do enfermeiro neste processo?); Identificar os conceitos que os sujeitos possuem acerca da quimioterapia (Para você, o que é quimioterapia?); Descobrir como foi o início do tratamento (Fale um pouco sobre o início do tratamento com os quimioterápicos); Descobrir quais as perspectivas em relação ao tratamento quimioterápico (Quais as suas expectativas sobre eles?); como lidam com os efeitos indesejáveis da quimioterapia (náuseas, vômitos, queda dos cabelos, diarreia, mucosite) (Como os familiares lidam com os efeitos indesejáveis? e o próprio paciente?); O que fazem para superá-los (Quais as ações implementadas para superá-los?) 126 APÊNDICE C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO BIOMÉDICO FACULDADE DE ENFERMAGEM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA CONSULTA DE ENFERMAGEM PARA FAMILIARES DE PACIENTES ONCOLÓGICOS EM TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO Nome do Voluntário: ________________________________________________ Você está sendo convidado(a) a participar de um estudo que envolve a coleta de entrevistas. A realização de estudos que busquem compreender as repercussões na família ao ter um de seus membros com câncer, reveste-se de importância para a enfermagem e as demais áreas da saúde que vivenciam esta realidade. Aprofundar o conhecimento das relações familiares, suas reações, seus sentimentos e sua dinâmica poderá servir de subsídios para que os profissionais colaborem no enfrentamento da situação, direcionando ações que incluam aspectos relacionados à família como um todo. É fundamental para o paciente e seus familiares a sensibilização dos profissionais, para que ofereçam cuidados também aos integrantes da família, na medida em que conhecem os problemas vivenciados pela estrutura familiar. Para que você possa decidir se quer participar ou não deste estudo, precisa conhecer seus benefícios, riscos e implicações. OBJETIVO DO ESTUDO Identificar as necessidades do familiar do cliente oncológico em tratamento quimioterápico ambulatorial no contexto da consulta de enfermagem; Analisar a representação social da consulta de enfermagem elaborada por familiares de clientes oncológicos em tratamento quimioterápico ambulatorial; Discutir as contribuições do enfermeiro junto à família do cliente oncológico em tratamento quimioterápico ambulatorial a partir da representação social da consulta de enfermagem como tecnologia de trabalho. 127 PROCEDIMENTOS DO ESTUDO Se você concordar em participar deste estudo será coletada uma entrevista após a consulta de retorno no ambulatório da central de quimioterapia para ser submetida à análise exclusivamente destinada a este estudo. RISCOS O seu tratamento será exatamente o mesmo caso você participe ou não deste estudo. Acredita-se que existem poucos riscos na execução da pesquisa, em função de seu perfil qualitativo e de sua característica de não invasibilidade orgânica. É possível que, em algumas questões, possa-se tocar em assuntos que gerem afetividade e emoção, o que será acompanhado de perto pela pesquisadora, inclusive se houver necessidade de encaminhamento psicológico. BENEFÍCIOS Acreditamos que os benefícios oriundos da pesquisa, mesmo que não sejam, em um primeiro momento, especificados para você, se darão pela reflexão que ele poderá causar entre os profissionais de saúde e na sua forma de interação com os usuários, podendo elevar o grau de empatia e melhorar a convivência. Além disso, pode-se despertar uma metodologia de trabalho que abarque a subjetividade humana no trabalho em saúde. CARÁTER CONFIDENCIAL DOS REGISTROS Além da equipe de saúde que cuidará de você, seus registros médicos poderão ser consultados pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Nacional de Câncer (CEP-INCA) e equipe de pesquisadores envolvidos. Seu nome não será revelado ainda que informações de seu registro médico sejam utilizadas para propósitos educativos ou de publicação, que ocorrerão independentemente dos resultados obtidos. TRATAMENTO MÉDICO EM CASO DE DANOS Todo e qualquer dano decorrente do desenvolvimento deste projeto de pesquisa, e que necessite de atendimento médico, ficará a cargo da instituição. Seu tratamento e acompanhamento médico independem de sua participação neste estudo. CUSTOS Não haverá qualquer custo ou forma de pagamento pela sua participação no estudo. BASES DA PARTICIPAÇÃO É importante que você saiba que a sua participação neste estudo é completamente voluntária e que você pode recusar-se a participar ou interromper sua participação a qualquer momento sem penalidades ou perda de benefícios aos quais você tem direito. Em caso de você decidir interromper sua participação no 128 estudo, a equipe assistente deve ser comunicada e a coleta de entrevistas relativas ao estudo será imediatamente interrompida. O médico responsável por sua internação pode interromper sua participação no estudo a qualquer momento, mesmo sem a sua autorização. GARANTIA DE ESCLARECIMENTOS Nós estimulamos a você ou seus familiares a fazerem perguntas a qualquer momento do estudo. Neste caso, por favor, ligue para o Enfa. Maria das Graças Gazel no telefone (21) 76412250. Se você tiver perguntas com relação a seus direitos como participante do estudo clínico , também pode contar com um contato imparcial, o CEP-INCA, situado à Rua André Cavalcanti 37, Centro, Rio de Janeiro, telefones (21) 3233-1410 ou (21) 3233-1353, ou também pelo e-mail: [email protected] DECLARAÇÃO DE CONSENTIMENTO E ASSINATURA Li as informações acima e entendi o propósito deste estudo assim como os benefícios e riscos potenciais da participação no mesmo. Tive a oportunidade de fazer perguntas e todas foram respondidas. Eu, por intermédio deste, dou livremente meu consentimento para participar neste estudo. Eu recebi uma cópia assinada deste formulário de consentimento. __________________________________ (Assinatura do Paciente) ____ / _____ / _____ dia mês ano _______________________________________________________ (Nome do Paciente – letra de forma ) __________________________________ ____ / ____ / _____ (Assinatura de Testemunha, se necessário) dia mês ano Eu, abaixo assinado, expliquei completamente os detalhes relevantes deste estudo ao paciente indicado acima e/ou pessoa autorizada para consentir pelo paciente. __________________________________________ (Assinatura da pessoa que obteve o consentimento) ____ / ____ / ____ dia mês ano 129 ANEXO – Carta de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa