Música: identidade e memória na Amazônia

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Artigo
Revista Científica da UFPA, V. 7, Nº 01, 2009
Música: identidade e memória na Amazônia
Ana Paula Fernandes1
Resumo
Criado pelo compositor, educador e folclorista húngaro Zoltán Kodály adotado em 38
países, o método visa a formação musical do cidadão (“que a música pertença a todos!”). As
ferramentas da musicalização são, essencialmente, a voz e o ouvido: o corpo humano enfim.
Baseia-se na percepção, invenção, improvisação, imitação, memorização, leitura e notação da
música. Todo cidadão tem direito a fazer e entender música. A música, quando participante, é a
arte que age mais diretamente sobre a sensibilidade e oferece conforto, convívio e alegria com
um retorno imediato. A leitura descortina a música escrita, incomparavelmente mais vasta e
acessível do que a gravada. Permite acesso a tesouros folclóricos insondáveis por outros meios
que não sejam os ricos acervos da música anotada.
A música é parte indisponível do
conhecimento humano. Cantar por meio da leitura nos propicia o panorama das obras-primas
universais, mesmo para aqueles que não tocam instrumento. E as obras só podem alcançar sua
função se despertarem eco na alma de milhões.
Abstract
Created by the hungarian composer, educator and folklorist Zoltán Kodály, in process of
being adopted in 38 countries, the method aims the musical formation of the citizen (let the music
belong to all!). The tools of musicalization are essentially the voice and the ear: the human body,
after all. It is based on perception, improvisation, imitation, memorization, reeding and noticing
of music. Every one has the right to make and understand music. The music, when it’s
participating, is the art that acts more directly on the sensibility and offers comfort, sociability
and joy with am immediate return. The reading descry the written music, incomparably more
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Universidade do Estado do Pará – UEPA, 66053-320, Belém – Pa, tel.: (91) 3222 9296.
FERNANDES, A. P.
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vast and accessible than the recorded music. It allows access to folklore treasures that can only be
sought by the rich written music archives. The music is an indispensable part of universal human
knowledge. Singing through the reading widens the universal master pieces panorama, even for
the ones that doesn’t play any instrument at all. And those master pieces can only reach their
purpose if they can echoes in the souls of millions.
Introdução
Toda discussão de nada adiantará se nossos argumentos, estilo e pensamentos forem
avessos às inovações e atualidades. Mesmo que saibamos “tudo” sobre aprender e ensinar, nos
faltará em algum momento saber fazer o que não está em livros, que depende exclusivamente do
contato humanizado de aluno e professor, e vice-versa, dentro ou fora de uma sala de aula, mas
no ambiente de teoria e práticas. Momento de planejamento, de ação, de interação, avaliação e de
reflexão dessa ação. Não esqueçamos que é necessário um meio dinâmico para que ocorra o
processo ensino - aprendizagem e que nenhuma das partes: aluno, professor, instituição de ensino
e sociedade, é passiva. Embora uma das partes em determinados momentos se esqueça disso.
Para a compreensão do presente estudo buscamos aspectos que se tornarão significativos à
explanação e o esclarecimento do objeto estimulador deste.
Consideramos que este pode resultar em contributo para melhor compreensão,
propiciando possíveis tomadas de decisão sobre os caminhos cotidianos da prática educativa no
ensino, em especial a de música, e na formação de um profissional com pensamento crítico,
capacidade para identificar problemas, trabalho de equipe multidisciplinar, liderança, integração
de conhecimento e habilidade de comunicação oral ou não, conforme suas habilidades e
competências. Pautado em princípios éticos e na compreensão da realidade social e cultural do
seu meio.
Na discussão aqui intencionada verificamos a necessidade de tratar a musicalização em
uma ótica que envolve a formação da pessoa e profissional com a participação consciente do
professor, instituição e sociedade. Garantindo ainda assim, a possibilidade de eficácia deste
processo. Para tanto, torna-se necessário à investigação direcionada que dará conta de uma
discussão versada nas terminologias aqui empregadas.
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Musicalização ou Educação Musical? É necessário esclarecermos o porquê do termo
musicalização e não somente educação musical. E como nada é obvio demais...
Musicalização é o início do aprendizado musical que envolve e/ou requer experiências,
vivências e meios dinâmicos para isso. Enquanto que, educação musical é o sistema amplo de
todo o processo musical.
A musicalização, no método Kodály, enfatizado por Marli Ávila (1994), propõe reforçar e
continuar o processo de desenvolvimento humano, tal como a alfabetização é destinada a quem
aprendeu a falar. Algumas atividades como sentar no chão, em círculo, cantando “escravos de
jó”, onde cada participante com um sapato na mão passa para o colega do lado direito sempre
cantando. Primeiro com a letra, depois com lá, lá, lá; na terceira vez com hum (de boca fechada);
e por último, apenas pensando na música mas não a cantamos; toda esta execução mesmo de
maneira simples potencializa a coordenação motora, raciocínio, concentração, socialização e
outros.
Como este assunto também foi objeto de nosso trabalho de conclusão de curso nesta
instituição, verificamos que durante o período inicial deste estudo descobrimos que algumas
crianças, com carga horária expressiva em frente à aparelhos eletro-eletrônicos, apresentaram
dificuldades, principalmente de: socialização, disciplina, concentração. Certamente, crianças que
estudam música e mantém sua regularidade apresentam-se mais seguros, independentes,
organizados, com maior concentração e raciocínio.
Segundo Erzsébet Szônyi (1996),
Zoltán Kodály o renomado compositor húngaro,
apresenta a música como parte indispensável ao conhecimento humano universal. Diz que
entender música está ao alcance de todos; e uma vez possuindo essas habilidade, todos podem
compartilhar de grandes experimentos musicais.
Segundo Erzsébet Szônyi (1996), Kodály destaca que o objetivo do ensino primário é
construir os alicerces da personalidade completa. Não há pessoa completa sem música....O ensino
musical deve começar no jardim de infância para que a criança possa assimilar os fundamentos
da música na idade mais tenra.
Carl Orff, o primeiro pedagogo progressista (Swanwick, 1988), enfatizou a participação
efetiva do aluno por meio de sua experiência na execução de instrumentos musicais, canto,
treinamento auditivo, movimento e improvisação. Defendeu a prática antes da teoria, não se
preocupando com a segunda questão. Para Orff, a música é o resultado natural da fala, do ritmo e
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do movimento, estabelecendo-se assim a tríplice aliança artística, igualmente almejada por ele –
música, dança e drama. O importante é a criança vivenciar, fazer música dentro de um grupo até
criar suas próprias manifestações sonoras e ir tomando consciência de conjunto a cada etapa do
processo.
Hentschke (1993) entende que, além das três bases educacionais (tradicional, progressista
e multicultural), ainda uma outra está presente na ação pedagógica dos professores de música, a
Teoria Psicológica. Esta se refere aos processos cognitivos envolvidos na aprendizagem do
pensamento musical. Desde o século passado educadores musicais e psicólogos vem pesquisando
como a música é processada pelo indivíduo e que efeitos psicológicos exerce sobre ele (Ibid.,
p.63). Uma das tentativas é a Teoria Espiral de Desenvolvimento Musical de Keith Swanwick
(1988), que enfoca a maneira pela qual ocorre o conhecimento e a compreensão musical de cada
indivíduo. São idéias elaboradas a partir de constatações fundamentadas em sua prática docente e
em pesquisa de campo.
Baseada nas idéias de Piaget onde o conhecimento se dá por etapas sucessivas e é
construído pelo indivíduo, devemos obedecer etapas sucessivas proporcionais ao nível de
amadurecimento psicológico do indivíduo:
1) Material: Sensorial / Manipulativo – de 0 a 4 anos.
2) Expressão: de 5 a 9 anos.
3) Forma: Especulativo / Idiomático – de 10 a 15 anos.
4) Valor: Simbólico / Sistemático – maiores de 15 anos.
Este processo de aprendizagem propõe trabalhar os conteúdos de maneira encadeada, para
justamente favorecer o desenvolvimento cognitivo de forma integral e não fragmentada:
T – Técnica (manipulação do instrumento, notação simbólica, audição)
E - Execução (tocar, cantar)
C – Composição (criação, improvisação)
L – Literatura (história da música)
A – Apreciação (reconhecimento de estilos / forma / tonalidade / graus).
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Uma prática educacional baseada nos princípios da Teoria Psicológica, segundo
Hentschke (1993), deve se preocupar com “os processos cognitivos, idade psicológica da criança,
e o que ela é capaz de aprender, musicalmente falando, de acordo com sua idade mental,
psicomotora e afetiva” (1993, p. 64). Um currículo estruturado dessa forma propiciará melhores
condições de aprendizagem musical, pois estará em conformidade com o desenvolvimento físico
e psicológico da criança, encadeadas.
Segundo Penna (1990):
... não podemos esquecer que esses métodos carregam uma concepção de música e de mundo.
Podemos nos reapropriar de exercícios dos vários métodos, na condição de, compreendendo os
princípios que os embasam, redirecioná-los para as metas que almejamos.
Para exemplificar apresentaremos uma sugestão prática de uma atividade já realizada por
nós com crianças no período das pesquisas iniciais: o professor de música forma três círculos no
chão e dentro de cada
círculo dispõe instrumentos pequenos de percussão industrial ou
construído (esta atividade chamamos de circuito musical e pode ser trabalhado conteúdos
diversos, como: dinâmicas (forte e fraco por exemplo), células rítmicas, diferenças rítmicas
(percepção), melódicas, e outros); o professor explica para a turma que também estará dividida
em pequenos grupos aguardando sua participação, que em cada círculo existe uma música (ou
trechos) diferente, dependendo do objetivo do professor de música: no círculo 1, “Poema de
Amor – mestre Isoca”; no círculo 2, “Uirapuru – Waldemar Henrique” , e no círculo 3 “Sabor
Açaí – Nilson Chaves”; cada grupo de alunos passará pelo círculo em “x” tempo, trocando
quando sinalizado pelo professor, formando assim o circuito musical. Esta dinâmica nos permite
trabalhar, tranquilamente, o repertório local. Melhor seria se já tivéssemos a versão para crianças.
Reafirmando o que cita Penna, o método Kodály foi criado para suprir as necessidades
específicas da Hungria. No entanto, devemos extrair sua essência. Kodály diz, segundo Erzsébet
Szônyi (1996) que seu material predominante deve ser constituído pela música própria de cada
povo. Deve-se utilizar a tradição musical do próprio país propiciando contato com as raízes.
Então, para todos, apresentamos a seguinte questão: Qual a nossa tradição musical local?
Ao refletir sobre a situação da educação musical no Brasil, verificamos que vários são os
fatores que impedem a formação de uma sociedade musicalmente educada. Podemos dizer
através das palavras de Beyer (1993) que a “falta de continuidade é uma das deficiências no
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ensino de música. A prática da educação musical está desarticulada, inexiste a idéia da
construção de uma seqüência como um fio condutor em sua essência”.
Kodály afirma que a regularidade desenvolve musicalmente a criança. E, Swanwick
enfatiza que devemos trabalhar de maneira vinculada, para que as fases não estejam dissociadas
impedindo o desenvolvimento cognitivo.
Tourinho (1995) constata que
não existe um levantamento de dados sobre onde, como, sob que orientação e programa este ensino
acontece. Registra-se, portanto, a necessidade da sistematização do ensino de música nas escolas
brasileiras através de programas curriculares correspondentes e adequados aos mais diversos
fatores que interferem no sistema escolar.
Kodály considerava a educação musical um dever público e citou pontos a considerar:
1. Tornar a música acessível a todos;
2. A importância da música na formação geral;
3. Uma educação verdadeira e efetiva deve ser organizada em bases gerais e controladas
pelo Estado;
4. É primordial uma formação mais completa aos professores (acrescento ainda a formação
continuada);
5. A importância da cooperação internacional (Ter em mente que deve ser priorizado nossos
saberes locais depois buscamos outros, se houver necessidade.)(grifos meus) e do
intercâmbio de idéias;
Então, como melhorar, como converter o ensino musical das crianças em algo útil e
prático dentro da escola? Antes de mais nada, devemos extrair os resquícios da “polivalência” de
dentro dos órgãos responsáveis pela “ educação para todos” e implantar o sistema musical tão
debatido pela ABEM (Associação Brasileira de Educação Musical).
O processo de ensinar o público em geral a apreciar sua música local e artística só pode
ser iniciado na escola. A herança da música popular adquirida na escola serve como guia para a
compreensão de toda a literatura musical, não simplesmente como nacionalismo vazio, mas como
história, como registro, como memória, principalmente a nós da Amazônia – Pará . A música não
só necessita da vida emotiva como também da vida intelectual, da mesma forma que os outros
temas escolares, e, assim, não se chega a ela apenas por meio do conhecimento de sua leitura e
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escrita. A música na escola não é apenas uma disciplina, mas um meio poderoso para colaborar
na educação nos diferentes aspectos do saber humano, e não somente no domínio das artes.
A importância ou valor da música é singular a nós paraenses (amazônicos) que possuímos
uma riqueza deste capital. É a possibilidade da ação transformadora e a afirmação da identidade
dos saberes amazônicos e a música. É o registro de uma educação local, também musical.
A música só adquire verdadeira importância acadêmica quando estudada sob um ângulo
intelectual e emotivo, e o material educativo/musical empregado na escola deve ser de fato
consistente, lúcido e identitário.
Considerada as questões presente neste estudo, apresentamos-lhes a oportunidade futura
com as seguintes sugestões, ficando a critério do interessado o aprofundamento sobre: a
veracidade desta prática; o que se utiliza: prática educativa ou “receita” de métodos?; lucidez:
realidade ou utopia?
Palavras-chave: Musicalização; Saberes Amazônicos; Educação Musical; Educação.
Keywords: Musicalization; know of amazonia; Musical Education; Education.
Agradecimentos
Quantas graças de tantos recebi!
Ofertaram-me
conhecimento,
sabedoria,
estima,
respeito,
amizade,
incentivo,
companheirismo.... Tantas dádivas, que contá-las é impossível; de tantos, que nomeá-los
seria tarefa inexeqüível. Assim, reconhecendo a prodigalidade de professores, amigos e
parentes, registro aqui o meu agradecimento a todos, inclusive à UFPA, escolhendo como
seu representante o que institucionalmente esteve mais próximo nessa trajetória de estudo:
Professor Msc. Luiz Oliveira Maia (Silvério Maia).
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Referências
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PENNA, M. Reavaliações e Buscas em Musicalização. São Paulo: Loyola, 1990.
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