ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS DESTINADAS AOS

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ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS DESTINADAS AOS PROFESSORES DE
GEOGRAFIA NO BRASIL, NO PRIMEIRO TERÇO DO SÉCULO XX
Márcia Cristina de Oliveira MELLO
UNESP-Câmpus de Ourinhos
Eixo temático 01: Formação inicial de professores para a Educação Básica
[email protected]
1. Introdução
Decorrente de pesquisa de abordagem histórica desenvolvida no curso de Geografia
da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Câmpus de Ourinhos, apresentam-se
resultados parciais do projeto de pesquisa intitulado “História do ensino de Geografia no
Brasil (1837-2013): orientações metodológicas destinadas aos professores”.
A investigação considera o movimento histórico que envolve a constituição dos
modelos de escolarização das práticas culturais de ensino de Geografia. Buscando uma
abertura
interdisciplinar
recorremos
especialmente
aos
trabalhos
historiográficos
educacionais preocupados com a problemática da cultura escolar.
Para André Chervel a escola produz uma cultura específica, singular e original. Desta
forma, “[...] uma disciplina escolar comporta não somente as práticas docentes da aula, mas
também as grandes finalidades que presidiram sua constituição e o fenômeno de
aculturação de massas que ela determina [...]” (1990, p. 184).
2. Orientações metodológicas escolanovistas
Considerando a delimitação cronológica correspondente ao primeiro terço do século
XX, a orientação da “Geografia moderna” e os preceitos dos “métodos modernos de ensino”
- da chamada Pedagogia científica - influenciaram a elaboração dos currículos escolares.
Do ponto de vista temático, a partir das fontes previamente compiladas em nossa
investigação, destacamos que as orientações metodológicas recebidas pelos professores
de Geografia, na falta de publicações nacionais, até então, estavam articuladas as versões
ou até mesmo originais dos manuais escolares estrangeiros para o ensino da disciplina, a
citar o Manuel du Baccalauréat e o Atlas Delamanche, conforme indicava o decreto de 24
de janeiro de 1856 do Colégio D. Pedro II, que fixou os programas e os manuais escolares a
serem utilizados com objetivo de subsidiar uma “boa prática de ensinar” como cópia de
modelos (ROCHA, 1996; BASTOS, 2008).
A partir da produção de importantes manuais de ensino no Brasil, respectivamente
intitulados Methodologia do ensino geographico: introdução aos estudos da Geographia
moderna (1925); Como se ensina Geografia (1928); e Didáctica: nas escolas primárias
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(1930), a orientação do trabalho pedagógico em sala de aula considerou os preceitos do
movimento da Escola Nova.
Desta forma, Methodologia do ensino geographico (1925), escrito por Delgado de
Carvalho traz, como sugestão metodológica, iniciar as temáticas de estudo pelo meio em
que vive o aluno. De acordo com Pessoa (2007) o método apresentado pelo autor consistia
em descrever a realidade estudada de forma objetiva, depois de ter sido vivenciada.
O manual de Delgado de Carvalho se tornou um clássico e alcançou status de
modelo oficial adotado no sistema educacional brasileiro. O renomado autor pretendia
romper com a orientação metodológica antiquada e obsoleta da Geografia clássica e propor
uma forma de ensinar adequada aos princípios escolanovistas.
Como se ensina Geografia (1928), de Firmino de Proença traz especialmente planos
de lições. Destinados aos professores das escolas primárias e aos professorandos da
Escola Normal, o manual destaca a importância do uso abundante de material pedagógico
como recursos importantes e o amor à pátria como conteúdo evidente de ensino. Proença
pretendia ainda que os professores tivessem conhecimento dos fundamentos e princípios da
educação.
Em Didáctica: nas escolas primárias (1930), João Toledo, contrapôs os princípios da
escola tradicional aos da Escola Nova. Segundo o autor, a Geografia poderia contribuir para
a formação cívica e moral do povo. Desta forma, a universalização de uma cultura escolar
se identificava com a modernidade buscada pela sociedade brasileira à época.
Analisando os três manuais escolares evidenciados anteriormente Santos (2005)
destaca que todos tinham como orientação aos professores a premissa da “atividade do
aluno” como ponto de partida para as aulas de Geografia. Assim, a aprendizagem poderia
ocorrer por meio de algo concreto, que possibilitasse observar a natureza ou da
manipulação direta de materiais pedagógicos para terem lembranças de paisagens ou
compreender elementos geográficos. Portanto, os manuais produzidos por Carvalho,
Proença e Toledo expressam, especialmente, orientações metodológicas relacionadas à
didática da Escola Nova.
Entre os lugares expressivos de produção de saberes relacionados à Geografia e
seu ensino temos o pioneirismo do Colégio Pedro II, cujos programas e manuais de ensino
produzidos por professores serviram de orientação nacional; a Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo (USP) que formou os primeiros
professores Geografia-História em nível superior no país, articulada a uma intelectualidade
que criou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1930; e a Associação
dos Geógrafos Brasileiros AGB), em 1934. Lugares de memória por se configuraram
enquanto campos de institucionalização e consolidação da Geografia científica e conforme
aponta Custódio (2012):
A preocupação apaixonante com o ensino de Geografia foi uma das
características marcantes da Geografia daquela época. As sugestões de
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aperfeiçoamento metodológico do ensino secundário apresentadas por
Aroldo de Oliveira, José de Oliveira Orlandi, Maria da Conceição Vicente
de Carvalho e Pierre Monbeig refletiam uma compreensão sobre a
importância da Geografia na formação de futuros intelectuais, uma vez
que esta propiciaria um despertar de uma visão crítica. (Prefácio).
Ainda na década 1930 foi criado o Ministério da Educação e da Saúde Pública,
destaca-se a atuação de Gustavo Capanema à frente do ministério de 1934 a 1945, fase em
que promoveu diversas reformas dos ensinos secundário e universitário. Tal época ficou
marcada pela centralização do Ministério frente à organização do ensino, características que
durou até 1961, quando da aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB).
3. O sentido das orientações destinadas aos professores de Geografia
Na busca de elementos para compreender o passado, que possam auxiliar na
reflexão dos problemas enfrentados no presente quanto ao ensino de Geografia, utilizamos
as contribuições da História cultural, especialmente por contemplar uma maneira de
interpretá-lo considerando a diversidade das práticas sociais. No caso da escola, a cultura
escolar se torna categoria decisiva na compreensão das permanências e transformações
das práticas pedagógicas.
As transformações nas práticas pedagógicas nem sempre podem ser investigadas
apenas pelas evidências do legado oficial, ou seja, pelas “práticas autorizadas”. Nessa
perspectiva, procuramos na investigação identificar os “sujeitos” e os “lugares” decisivos de
produção dos saberes necessários a “boa” aula de Geografia “[...] para compreender os
mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo
social, os valores que são os seus, e o seu domínio.” (CHARTIER, 1990, p. 17).
Certeau (2009), em A invenção do cotidiano, nos remete a preocupação da análise
das diferentes formas que os professores se apropriam da formalidade das práticas,
apontando a relação dialética entre as “artes de dizer” e as “artes de fazer” no campo
pedagógico. Assim, práticas comuns e experiências particulares compõem as “maneiras de
fazer” cotidianas, portanto, podem ser entrecruzadas com análises sobre as políticas
impostas (orientações oficiais).
Desta forma, na constituição da disciplina Geografia, as orientações metodológicas
expressas nas fontes documentais podem ser consideradas “matrizes ” de ordenação e/ou
classificação do campo, a partir de um “código disciplinar”.
Entendemos que tais “matrizes” se tornaram “variantes” tanto na produção quanto no
uso, se consideradas as mudanças propostas nas orientações metodológicas, que foram se
expandindo, nem sempre preservando suas características iniciais, não conferindo unidade
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e continuidade no tempo, especialmente, se observados seus determinantes históricos,
políticos, sociais e educacionais.
Devido a tais características, as concepções de metodologia de ensino em
Geografia, constituídas historicamente, podem ser configuradas enquanto estratégias de
intervenção no campo pedagógico, a partir de diferentes visões teóricas e políticas - o que
determina os seus quadros conceituais, ancorados na ciência geográfica e na Pedagogia.
Entendemos assim, que o modo como foram se constituindo as orientações
metodológicas destinadas aos professores, com forte articulação entre os avanços dos
campos
da
ciência
geográfica
(em
seus
aspectos
teóricos,
epistemológicos
e
metodológicos) e o da educação - na medida em que conceitos, categorias, teorias e
saberes pedagógicos operaram como estratégias de transformação da prática docente,
especialmente relacionadas a escolha de conteúdos e de formas de se ensinar Geografia na
escola brasileira - nem sempre dialogou com aquilo que as tornam possível na prática dos
professores. Desta forma, as “matrizes” podem não corresponder a variáveis das práticas
pedagógicas.
Neste sentido, Certeau nos alerta que há uma relação tensa entre as formas de
produção e consumo dos saberes escolares, o que define os modos como os saberes se
organizam e se reorganizam.
Articuladamente, Anne-Marie Chartier (2000), aponta os
“fazeres ordinários da classe” enquanto práticas variáveis e experiências particulares que
constituem as inúmeras práticas pelas quais os professores se apropriam do espaço
organizado das ordenações oficiais. Assim, “Antes mesmo de toda inovação designada
como tal, o ordinário da classe implica os tateamentos incessantes, as adaptações locais, as
modificações provisórias sem as quais não se faz a classe.” (p. 164).
Compreender alguns elementos da história da constituição da Geografia enquanto
disciplina escolar implica, então, conhecer sua estrutura de organização interna, os sujeitos
da sua produção, suas práticas e representações.
Considerações finais
Como resultados parciais de pesquisa destacamos que as práticas escolares de
Geografia resultaram/resultam não do mero acaso, mas de intenções previamente
estruturadas que se materializaram/materializam em instrumentos para divulgar, instaurar e
controlar o processo educativo a partir de determinadas concepções ligadas ao “novo”, a
“modernidade” ou a “inovação” das práticas pedagógicas.
Dentre os instrumentos para divulgar as “novas” práticas, os manuais escolares,
vinculados a projetos editoriais, apresentaram-se como suporte, produzidos a partir de
programas oficiais e/ou registros escritos de planos de lições dos professores, além de
relatos de experiências bem sucedidas. Assim, no primeiro terço do século XX, a orientação
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da “Geografia moderna” e os preceitos dos “métodos modernos de ensino” influenciaram a
elaboração dos currículos escolares, consequentemente a orientação na formação dos
professores.
Tal orientação relacionada à didática da Escola Nova, expressa especialmente no
manual de Delgado de Carvalho, pode ser representada resumidamente pela:
- crítica a característica descritiva e mnemônica do ensino de Geografia baseado nas
prerrogativas de um ensino tradicional;
- necessidade de despertar no aluno o desejo de aprender, que requer um ambiente
facilitador da aprendizagem, que pode ser criado por meio de atividades interessantes, até
mesmo em ambientes externos à sala de aula;
- importância das bases psicológicas relativas à maturidade e ao interesse do aluno;
e
- utilização de materiais e recursos didáticos atraentes enquanto auxiliares ao ensino
dos conceitos geográficos, como por exemplo, a fotografia e as gravuras.
Dadas algumas das características das orientações metodológicas destinadas aos
professores de Geografia no primeiro terço do século XX, reunimos elementos para ampliar
a reflexão envolvendo a problemática da conflituosa relação entre o “dizer” e o “fazer”
pedagógicos no ensino de Geografia.
Referências
BASTOS, Maria Helena Camara. Manuais escolares franceses no imperial Colégio de Pedro
II (1856-1892). História da Educação, Pelotas, v. 12, n. 26, p. 39-58., set.dez. 2008.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Tradução de Ephraim
Ferreira Alves. 16. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.
CHARTIER, Anne-Marie. Fazeres ordinários da classe: uma aposta para a pesquisa e para a
formação. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 26, n.2, jul./dez. 2000, p. 157-168.
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Tradução de Maria
Manuela Galhardo. Lisboa: DIFEL, 1990. (Coletânea de textos publicados entre 1982 e
1987).
CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de
pesquisa. Teoria e Educação, Porto Alegre, n.2, 1990, p. 177-229.
CUSTÓDIO, Vanderli (Org.). Fundamentos teórico-metodológicos do ensino e da pesquisa
em Geografia: textos selecionados das primeiras publicações da Associação dos Geógrafos
Brasileiros (AGB) – Geografia (1935-1936) e Boletim da AGB (1941-1944). São Paulo: AGB,
2012.
PESSOA, Rodrigo Bezerra. Um olhar sobre a trajetória da Geografia escolar no Brasil e a
visão dos alunos de Ensino Médio sobre a Geografia atual. 130 f. Dissertação (Mestrado
em Geografia). Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2007.
6174
ROCHA, Genilton Odilon Rêgo da. A trajetória da disciplina Geografia no currículo escolar
brasileiro. 1996. 298 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Pontifícia Universidade
Católica, São Paulo, 1996.
SANTOS, Fátima Aparecida dos. A Escola Nova e as prescrições destinadas ao ensino
da disciplina de Geografia da escola primária em São Paulo no início do século XX. 2005.
181 f. Dissertação (Mestrado em Educação) Pontifícia Universidade Católica, São Paulo,
2005.
Fontes documentais
CARVALHO, Carlos Miguel Delgado de. Methodologia do ensino geographico: introdução
aos estudos da Geographia moderna. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1925.
PROENÇA, Antônio Firmino. Como se ensina Geographia. São Paulo: Melhoramentos,
[1928].
TOLEDO, João. Didáctica: nas escolas primárias. São Paulo: Livraria Liberdade, 1930.
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