AIDS – ASPECTOS SÓCIO-POLÍTICO: CONVITE PARA O PENSAR Cíntia Pereira Ramos Roberta Cândido RESUMO Considera-se a Aids uma desafiadora expressão da questão social, pois a ela sempre estão associadas as minorias historicamente excluídas, como por exemplo: homossexuais, mulheres, dependentes químicos. Contudo, a doença não acomete somente pessoas empobrecidas. Ela transita meio à toda sociedade. É relevante engendrar a Aids, não como uma demanda qualquer a ser trabalhada, mas como um problema profundo ao qual, para qualifica-la, é imprescindível ações de múltiplos conhecimentos, interventivos, investigativos. Sendo importante além do conhecimento científico, conhecimento humano e social, para deste modo garantir ao ser social a dignidade de sua existência. O presente artigo tem como objetivo apontar os aspectos sociais e políticos que permeiam a doença para o fomento de uma reflexão sobre exclusão, movimentos sociais e políticas sociais. Palavras-chave: AIDS. Exclusão. Movimentos Sociais. Políticas Sociais. INTRODUÇÃO A Aids surgiu como uma desafiadora expressão da “questão social” em 1980 nos Estados Unidos e expandiu-se rapidamente por vários países. A chegada vírus HIV no Brasil trouxe consigo preconceitos, moralismos e medo. Isso associado às características próprias de um país que sofria profundas mudanças políticas, econômicas e sociais. Assim, a AIDS torna-se um tema transversal embebido de preconceito, exclusão e engajamento político. Evidenciando, ainda, a ausência do poder público. Ela é uma doença provocadora, sobretudo, pelas suas características sociais. Ao acometer pessoas com alto poder aquisitivo percebe-se, inicialmente, grandes esforços do poder público e da comunidade científica no desvendamento da doença. Com a mudança de perfil das pessoas infectadas pelo HIV, nota-se o distanciamento do poder público e, consequentemente, a responsabilização da sociedade civil. É nesta perspectiva que o presente trabalho se estrutura e tem como objetivo evidenciar as feições sociais e políticas que permeia a AIDS, vislumbrando, especialmente, fomentar a reflexão sobre exclusão, políticas públicas, movimentos sociais e terceiro setor. Para o desenvolvimento deste artigo foi utilizada uma abordagem teóricoqualitativa, sendo dele divido em dois tópicos. O primeiro, intitulado Aids: aspectos sociais, trata as feições sociais da AIDS, enfatizando a mudança de perfil das pessoas acometida pela moléstia ao longo dos anos. O segundo, nominado Aids: aspectos políticos, aborda o aspecto político da doença e seus rebatimentos na vivência, ou sobrevivência, de pessoas vivendo com HIV/Aids (PVHA). Neste sentido, convidamos o leitor a desvendar o processo excludente que acompanha a doença, bem como as artimanhas do poder público na diminuição das responsabilidades preconizadas constitucionalmente. AIDS: ASPECTOS SOCIAIS A chegada do vírus HIV no Brasil, na década de oitenta, trouxe consigo preconcepções, moralismos e receio. Isso associado às características próprias de um país que sofria profundas mudanças políticas, econômicas e sociais. De acordo com o Ministério da Saúde, HIV é a sigla em inglês do vírus da imunodeficiência humana. Causador da Aids, ataca o sistema imunológico, responsável por defender o organismo de doenças. As células mais atingidas são os linfócitos T CD4 1+. E é alterando o DNA dessa célula que o HIV faz cópias de si mesmo. Depois de se multiplicar, rompe os linfócitos em busca de outros para continuar a infecção. Ou seja, este vírus destrói as defesas do organismo humano deixando-o suscetível a várias infecções oportunistas (BRASIL, 2013). A epidemia tornou-se um marco na história da humanidade. Representa um fenômeno global, dinâmico e instável, cuja forma de ocorrências nas diferentes regiões do mundo depende, entre outros determinantes, do comportamento humano individual e coletivo. Para Brito et. al. (2001), a Aids sobressai-se entre as doenças infecciosas emergentes pela grande vastidão e extensão dos danos causados às populações e, desde de sua origem, cada uma de suas características e repercussões tem sido exaustivamente discutida pela comunidade científica e sociedade em geral. No Brasil o primeiro caso da doença foi notificado em 1982, em São Paulo, ano em que ocorreu o primeiro registro da doença pela imprensa. Segundo Marques (2003), a mídia trouxe a público um problema que em pouco tempo se tornaria um dos grandes desafios da saúde pública brasileira. A mída apresentou dois aspectos relevantes, o primeiro, positivo, como meio de informação e alerta do surgimento de uma nova doença. O segundo aspecto, negativo, por alimentar metáforas destacando termos de denominação como peste gay, dentre outros. “ajudando a criar um comportamento coletivo de preconceitos, moralismos, medo, pânico e até mesmo de indiferença ante a infecção pelo HIV”. (MARQUES, 2003, p. 67). Essas notícias foram os primeiros contatos que a sociedade brasileira teve com a Aids e contribuíram para reforçar a imagem do doente a partir da morte; do preconceito associado a grupos sociais e do sofrimento dos pacientes. Essa nova doença estaria acometendo indivíduos do gênero masculino previamente saudável que apresentavam, consistentemente, uma profunda diminuição da imunidade celular, levando a uma epidemia de pneumonias. A imunidade é o que existe de mais importante para nossa proteção contra infecções e os cânceres. (DIAZ, 2012, p.36) 1 Linfócitos TCD4: Também conhecido como Linfócitos auxiliar. Esse é um dos principais organizadores de nossa defesa, sem ele, o nosso organismo fica suscetível a varias infecções oportunista. O vírus HIV usa a proteína Tcd4 para entrar nos Linfócitos e se multiplica, destruindo-o. Para ilustrar a trajetória da Aids no Brasil de forma sintetizada, Parker (1997), divide a herança da epidemia em quatro períodos nos quais se intercruzam aspectos políticos, sociais e econômicos, a serem observados no decorrer do texto, juntamente com a contribuição de outros autores. Não era incomum a representação de doentes restritos a camas de hospitais, em estado de fragilidade física e em situação sugestiva de morte iminente, e “Associado a essa representação, o termo “aidético” passou a ser amplamente utilizado, simbolizando a forma pela qual a sociedade reconhecia a doença e o doente”. (GRANGEIRO et al., 2009, p. 90). Nos primeiros anos da epidemia os pesquisadores entendiam que a doença estava restrita ao grupo de homossexuais, profissionais do sexo e usuários de drogas injetáveis, isto porque nesta população existia uma incidência maior de contaminação. Deste modo, criou-se um imaginário social que entendiam que a Aids estava restrita a um “grupo de risco”. (Marques, 2003). Interessante é que a doença não foi detectada somente em homossexuais masculinos. Na mesma ocasião, heterossexuais, principalmente os hemofílicos, também foram atacados pelo HIV, via transfusões ou mesmo relações sexuais desprotegidas. A epidemiologia da nova doença apontou inicialmente para uma quase exclusiva incidência entre homossexuais masculinos. As autoridades científicas procuraram ligação intrínseca entre homossexualidade e a Aids e essa relação apareceu na epidemiologia, na clínica, na opinião pública, no julgamento moral, e na pesquisa conforme assina-la Parker (1997). Porém não perdurou por muito tempo. Conforme afirma Marques (2003), o surgimento desta doença não ficou restrito a comunidade científica, em pouco tempo alcançou os meios de comunicação. Estes primeiros casos da doença ligada aos homossexuais, ainda com a origem da infecção desconhecida fez com que fosse rotulada como “peste gay” ou “câncer gay”, essa associação gerou como consequência preconceitos e discriminação em relação à doença. Contudo, a doença não foi detectada somente em homossexuais masculinos. Na mesma ocasião, heterossexuais, principalmente os hemofílicos, também foram atacados pelo HIV, via transfusões ou mesmo relações sexuais desprotegidas. Ainda conforme Marques (2003), é também no ano de 1983, que são identificados os primeiros casos da doença em mulheres parceiras de homens com Aids, o que começava a evidenciar que a doença não estava focalizada no grupo de risco. Em 1984 foi publicado um caso de Aids cuja a vítima era esposa de um hemofílico, o que veio apontar pela primeira vez a possibilidade da transmissão da doença por contatos heterossexuais. O que até então não tinha sido considerado pelos pesquisadores. Com o aparecimento do HIV/Aids em hemofílicos, UDI, veio comprovar depois a transmissão sanguínea do vírus, e mais tarde, com a ocorrência de casos em crianças, ficou comprovada a transmissão de mãe para filho, podendo ocorrer durante a gravidez, no momento do parto ou por meio da amamentação. (MARQUES, 2003). Fato que foi significativo para descontruir à relação da doença com os homossexuais. Quando foram notificados os primeiros caso de Aids no Brasil, foram iniciadas conversações entre secretarias de saúde do Estado e São Paulo e entidades representativas da classe trabalhadora, tais como trabalhadores, entidades representativas da classe trabalhadora, tais como sindicatos, federações, associações etc. Devido a Aids no Brasil ter sido erroneamente associada a homossexualidade, essas conversações esbararam em fortes preconceitos, pois algumas entidades não queriam relacionar a Aids como problema para trabalhadores, já que a “Aids seria uma doença de homossexuais ricos”. (PARKER, 1997, p. 09). A Aids no Brasil evoluiu de forma diferenciada e seu perfil epidemiológico sofreu muitas transformações desde o registro dos primeiros casos no início da década de oitenta. A epidemia foi progressivamente entre mulheres, por meio de relações heterossexuais sem proteção, caracterizando um processo de feminização e heterossexualização. Outra tendência foi a síndrome acometer pessoas com menor nível de escolaridade, o que foi denominado processo de pauperização. Numa ampla perspectiva social e geográfica, observou-se também a chamada interiorização, ou seja, a propagação da epidemia para um número cada vez maior de municípios distantes das principais áreas metropolitanas, atingindo fortemente aqueles que vivem em comunidades menos assistida. (MIRANDA, 2010). Atualmente, estima-se que entre 0,4% e 0,7% da população geral esteja vivendo com HIV, entre homens gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH) essa proporção cresce para 10,5%. Outras populações afetadas no Brasil são as pessoas que usam drogas e as profissionais do sexo. Foram registrados no Brasil, desde 1980 até junho de 2014, 491.747 (65,0%) casos de AIDS em homens e 265.251(35,0%) em mulheres. Apesar da mudança no perfil da epidemia ainda prevalece o maior número de infecções no sexo masculino. A maior concentração dos casos de AIDS está entre os indivíduos com idade entre 25 a 39 anos em ambos os sexos; entre os homens, essa faixa etária corresponde a 54,0% e entre as mulheres 50,3% do total de casos desde 1980 a junho de 2014. A taxa de detecção entre os indivíduos com até 9 anos de idade não apresenta diferença significativa segundo sexo, enquanto que, entre as demais faixas etárias, a taxa entre os homens é superior a das mulheres, sendo até 2,4 vezes maior no último ano para a faixa etária de 20 a 24 anos. (BRASIL, 2015). Estes dados confirmam o processo de juvenização da epidemia, fato também comprovado pela iniciação precoce da vida sexual. Entre os homens, observa-se um predomínio da categoria de exposição heterossexual; porém, há uma tendência de aumento na proporção de casos em HSH (Homens que fazem Sexo com Homens) nos últimos dez anos, passando de 34,6% em 2004 para 43,2% em 2013. A proporção de usuários de drogas injetáveis (UDI) vem diminuindo ao longo dos anos em todo o Brasil, com tendência estatisticamente significativa de queda. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014). O fato é que a AIDS já matou milhões de pessoas até hoje e a cada ano são registrados de 33 a 35 mil novos casos no país UNAIDS, (2015). A melhor forma de combater esta pandemia é o uso de preservativo, não compartilhar seringas e, principalmente, muita informação contra a ignorância e equívocos, pois muitas pessoas ainda possuem dúvidas sobre as formas de contrair a doença. Mais de três décadas se passaram desde o primeiro caso de HIV/Aids no Brasil, e os sentimentos de apreensão, negação e preconceitos que acompanharam a doença no inicio de sua aparição continuam afligindo as pessoas que vivem com HIV/AIDS (PVHA), até nos dias atuais. As pessoas que vivem com HIV passam por um amplo processo de exclusão social que se dá pela falta de aceitação do próprio diagnóstico, associado a outros fatores como desemprego, moradia. Como qualquer outra pessoa, a pessoa que vive com HIV/Aids tem o direito de levar uma vida igual à de todo mundo. Pode trabalhar normalmente, praticar esportes, ir a festas, frequentar bares, shoppings, clubes e se relacionar com as pessoas, social e afetivamente. Está comprovado que a continuidade da vida social e a adesão adequada ao tratamento resultam na melhora da qualidade de vida e na resposta ao tratamento com medicamentos antirretrovirais. (Brasil, 2015). Portanto é imprescindível a desconstrução da estigmatização e dos preconceitos relacionados às pessoas vivendo com HIV/Aids. AIDS: ASPECTOS POLÍTICOS No período entre 1982 e 1985 se configura o inicio da resposta a epidemia de Aids, correspondendo exatamente ao período inicial de redemocratização do país, com a eleição de forças progressistas aberta ao diálogo com a sociedade civil (Parker, 1997). Consoante Mota (2009), no Brasil as políticas sociais aconteceram tardiamente, os governos deram mais ênfase a industrialização e não acompanharam as mudanças na sociedade brasileira. O Estado não desempenhava um papel regulador e participativo, ao contrário, criava um governo autoritário que refletia negativamente nas políticas públicas e sociais. O que precisa ser ressaltado, como apresenta a autora, é que as regras que regulam o estado nacional são estabelecidas de forma autoritária por um Estado que representa os interesses da classe burguesa e destitui da maior parcela da sua população os direitos sociais. Mesmo a manutenção desta ordem perversa acontecendo em meio a um estado democrático de direito. A política social do Brasil aparece na cena política apenas nos períodos de regime autoritário, o que de certa forma deixava o governo com uma aparência humanista e assim justifica sua ação interventiva. A década de 1980 foi um período de grande mobilização política, como também de aprofundamento da crise econômica que se evidenciou na ditadura militar. Nessa conjuntura, consoante a Bravo e Matos (2004), há um movimento significativo na saúde coletiva de ampliação do debate teórico e a incorporação de algumas temáticas como o Estado e as políticas sociais fundamentadas no marxismo. Segundo Mota, “as políticas de proteção social, nas quais se incluem a saúde, a previdência e assistência social, são consideradas produto histórico das lutas, do trabalho, e das organizações sociais” (2009, p. 40). E na saúde, foi o movimento sanitário que teve mais visibilidade, pois pressionava por reformas no sistema de saúde. O fato marcante e fundamental para a discussão da questão da saúde no Brasil ocorreu na preparação e realização da 8ª Conferência Nacional da Saúde, realizada em março de 1986, em Brasília, Distrito Federal. O temário central versou sobre: I --- A saúde como direito inerente à personalidade e à cidadania; II --- Reformulação do Sistema Nacional de Saúde; III --Financiamento setorial. 2 (BRAVO, 2009, p.96). 2 A preparação desse movimento, foi estrategicamente realizado a partir de mobilizações para o evento, foram realizadas pré- conferências em quase todos estados brasileiros com temário pré-estabelecido. O conceito de saúde em seu sentido mais abrangente, proposto pela Oitava Conferência versava o seguinte: a saúde é resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio-ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida. A saúde não é um conceito abstrato. Define-se no contexto histórico de determinada sociedade e num dado momento de seu desenvolvimento, devendo ser conquistada pela população em suas lutas cotidianas. BRAVO (2009). Neste contexto a saúde passa a ser problematizada entrando na agenda do governo e tendo um caráter político. A Conferência, realizada em 1986 aprovou a bandeira de viabilizar uma “Reforma Sanitária”, com objetivo de operacionalizar mudança na configuração do sistema de saúde. Os reformadores tinham como principio a crítica ao modelo de saúde curativa, restrita à dimensão biológica e individual, bem como a afirmação da relação entre organização social, organização dos serviços e práticas médicas. (VASCONCELOS, 2002). Os ideais propostos pela reforma Sanitária serviram de base para negociação na reformulação da política de saúde contida na Constituição de 1988 que assumiu o caráter de Constituição Cidadã, em virtude de seu compromisso com a criação de uma nova ordem social. Essa nova ordem tem a seguridade social como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistencial social” (BRASIL, 1988, art. 194). Conforme Bravo (2009), o texto constitucional, com relação à saúde, após vários acordos políticos e pressão popular, atende em grande parte às reivindicações do movimento sanitário, desfavorece os interesses empresariais do setor hospitalar, mas não altera a situação da indústria farmacêutica. As políticas sociais são frutos das lutas de classes, jogo de interesses, legitimação do poder e a acumulação capitalista. Então não podemos dizer que tem um único motivo para as políticas públicas. A fragilidade das medidas reformadoras em curso, a ineficácia do setor público, as tensões com os profissionais de saúde, a redução do apoio popular diante da ausência de resultados concretos na melhoria da atenção a saúde e a reorganização dos setores conservadores contrários à reforma”. (Bravo, 2009, p. 99) A partir da década de1990, a Constituição Federal passou a vivenciar o embate acirrado com as políticas neoliberais introduzidas no Brasil que resultou em um desmonte importante dos serviços públicos, acompanhamento de forte restrição orçamentária, sobretudo para o social, pois o Estado neoliberal prima pelo econômico em detrimento do social, promovendo o desmonte da proteção social, produzindo cada vez mais políticas focalizadas, descentralizadas e privativista. O projeto privativista aponta para contenção de gastos, com racionalização da oferta e descentralização com isenção de responsabilidades, transferindo-as a sociedade civil a quem são propostas parcerias (BRAVO E MATOS, 2004). O projeto societário direcionado pelo pensamento neoliberal, numa perspectiva política que defende intervenção mínima no social e fortalecimento do econômico, defesa da propriedade e de produção. Ao contrário, poderá vender sua força de trabalho para usufruir os bens e serviços disponíveis no mercado e não aqueles disponibilizados pelo Estado. (MONTAÑO, 2010). Ainda conforme o autor, nesta perspectiva as ONG’s perderam o importante papel de subsidiar os movimentos sociais, notadamente, pela perda de financiamento advindo do estrangeiro. Assim, o Estado propõem projetos de financiamento das ONG’s em troca da prestação de serviços à população. Neste processo, é nítido o processo de cooptação da ONG que começam a se multiplicar, porém com recursos insuficientes para manter a instituição e o público em sua totalidade. Bem como, a cooptação de lideranças através de cargos comissionados. Paralelo a isso, pode-se identificar também a desmobilização dos movimentos sociais e enfraquecimento do movimento sindical devido à perda dos financiamentos então injetado por essas organizações. As mesmas foram gerando um processo de refilantropização da questão social de forma mais organizada criando a responsabilidade social em troca de impostos gerando uma despolitização da questão social marcada pela perda e enfraquecimento dos direitos através da precarização de seu funcionamento. Em relação à epidemia de HIV a situação dos portadores é mais delicada, porque estes usuários necessitam de atendimento em serviços especializados. Apesar do Brasil dispor de uma política universal de saúde e de um Programa Nacional de DST, HIV/Aids com objetivo de coordenar, elaborar e formular políticas para este seguimento, na prática não é bem o que acontece. Essas equipes especializadas de atendimento estão localizadas nos grandes centros, o que obriga os pacientes deslocarem de suas cidades para serem atendidos. (MIRANDA, 2010). Segundo Pereira (2010), foi a partir dessa ausência do governo em criar estratégias para o enfrentamento da Aids, que ocorreu o fenômeno do surgimento das ONG’s/Aids, o que concretizou novas formas de organização da sociedade civil no enfrentamento da doença no Brasil. Dentre muitas, destacam-se a Abia – Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids e o Pela Vidda - Grupo Pela Valorização, Integração e Dignidade do Doente de Aids. Estas duas ONGs, junto com o GAPA, são consideradas os três modelos de ONGs/Aids que serviram de referência aos grupos que surgiram posteriormente. A Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) é a segunda organização da sociedade civil criada no Brasil para enfrentar a epidemia. Não se pode deixar de citar, Herbert de Souza (o Betinho) sociólogo e ativista dos Direitos Humanos no Brasil, juntamente com um grupo interdisciplinar de colaboradores que reuniram-se para uma série de encontros no Rio de Janeiro, que levariam à fundação da ABIA. Cabe ressaltar que ABIA tem viés diferenciado, pois considerava ser de responsabilidade exclusiva do Estado a proteção e o tratamento das pessoas vivendo com HIV/Aids e direcionava seu trabalho a pressionar o governo diante da omissão de respostas frente a epidemia. Também criticava a violação dos direitos civis das PVHA. Nos anos que se seguiram, outras ONG’s/Aids foram criadas em cidades localizadas em todo território brasileiro, direcionadas as pessoas vivendo com HIV e AIDS, tais como o Grupo Pela Vidda do Rio de Janeiro, o Grupo Pela Vidda de São Paulo, o Grupo de Incentivo à Vida (GIV) e a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids (RNP+Brasil), bem como diversas outras organizações não governamentais ao redor do país. (BARBOSA, 1997). Frente as pressões vindas dos grupos organizados da sociedade civil e das instituições de saúde principalmente das secretarias estaduais, em razão da rápida evolução da epidemia, o Ministério da Saúde através da Portaria 236 de 02 de maio de 1985, cria o primeiro programa nacional de combate a Aids, o qual estabelece as primeiras diretrizes para o enfrentamento da doença. BRASIL (1985). As ONG’s na luta contra a Aids foram protagonistas ao incentivar o governo para tomar providencias contra a epidemia, mas, em contra partida, percebe-se que o Estado impulsionou as ONG’s a executarem o trabalho social atuando sobre as expressões da questão social, desveladas pela doença Contudo, as ONG’s não podem e não garantem direito a todos. No Brasil como em tantos outros países este período caracterizou-se pela negação e omissão generalizadas por parte da das autoridades governamentais, especialmente na esfera federal, junto com uma onda moral de pânico, medo, estigma e discriminação. Na falta de liderança internacional ou nacional, as respostas a epidemia a surgir tendem de baixo, dos representantes das comunidades afetadas, como o emergente movimento homossexual, e da dedicação dos setores progressistas dentro dos serviços estaduais e municipais de saúde, que se apresentam como aliados dessas comunidades.(Parker, 1997,p.9). A Aids enquanto problema de saúde pública vem demandando a cada ano novas formas de ações na perspectiva de um efetivo controle da doença pautadas em práticas educativas. O trabalho de educação em saúde tende cada vez mais a assumir uma perspectiva coletiva, através da realização de eventos como oficinas, palestras, debates, cursos, seminários, campanhas e semana de prevenção. (COSTA, 2009). O Brasil recentemente adotou novas estratégias para frear a epidemia de AIDS, oferecendo tratamento a todas as pessoas vivendo com HIV, independentemente de seu estado imunológico (contagem de CD4 3) Anteriormente a medicação era oferecida somente aos pacientes com CD4 inferior a 500 células; oferecendo a todos assim que o diagnóstico é confirmado. O Ministério da Saúde entende que desta forma vai simplificando e descentralizando o tratamento antirretroviral; aumentando a cobertura de testagem de HIV em populações-chave, entre outras iniciativas. (BRASIL, 2015). A resposta brasileira ao HIV/AIDS tem sido reconhecida internacionalmente nesses 30 anos, por ter garantido, entre vários avanços, o acesso ao tratamento com antirretrovirais numa época em que muitos diziam que países em desenvolvimento só deveriam trabalhar com prevenção. Conforme o Ministério da saúde (2012), os serviços ambulatoriais em HIV/Aids são serviços de saúde que realizam ações de assistência, prevenção e tratamento às pessoas vivendo com HIV ou Aids. Estes serviços possuem diferentes configurações institucionais: são ambulatórios gerais ou de especialidades, ambulatórios de hospitais, unidades básicas de saúde, postos de saúde, policlínicas e serviços de assistência especializados (SAE) em DST, HIV/Aids. Também são administrados de diferentes formas: por municípios, estados, governo federal, universidades, organizações filantrópicas e não governamentais conveniadas ao SUS. O objetivo destes serviços é prestar um atendimento integral e de qualidade aos usuários, por meio de uma equipe de profissionais de saúde composta por médicos, psicólogos, enfermeiros, 3 Entre as células de defesa estão os linfócitos T CD4+, principais alvos do HIV, O HIV liga-se a um componente da membrana dessa célula, o CD4, se múltipla dentro desta Célula e a destrói. farmacêuticos, nutricionistas, educadores, assistentes sociais que compõem as equipes de enfrentamento a Aids desde a década de 1980. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste contexto, o assistente social, numa perspectiva ético-política, com seu arcabouço teórico, sua trajetória profissional, bem como com seu caráter pedagógico, torna-se um profissional requisitado no bojo da política de saúde, em especial no enfrentamento ao HIV/Aids. Faz-se necessário visualizar, no entanto que a requisição de tal profissional ocorre principalmente pela sua capacidade de mediação que o mesmo imputa em suas intervenções diárias. Compreendemos que o processo coletivo de trabalho nos serviços de saúde define-se a partir das condições históricas sob as quais a saúde pública se desenvolveu no Brasil; das mudanças tanto organizacional, como os avanços tecnológicos. No conjunto das profissões de saúde, Masson (2014), sustenta que o assistente social é aquele que é formado com necessária competência para proceder à ação ideológica e política, contribuindo com a consciência social e crítica. E deste modo transcender o empirismo da prática profissional que historicamente o predestinou. A atual conjuntura, evidencia que o assistente social se tornou indispensável nos serviços de saúde. Pela formação crítica e generalista que recebem, têm sido articuladores de práticas interdisciplinares, reforçando o trabalho em equipe e a possibilidade de uma visão holística do sujeito social. (COSTA, 2009). O trabalho em equipe merece ser refletido e as atribuições do profissional de Serviço Social precisam ficar especificamente e divulgadas para os demais membros da equipe, resguardando-se, assim, a interdisciplinaridade como perspectiva de trabalho a ser defendida. Cada um com o seu saber realizando a inclusão do usuário. Diante disso o assistente social, ao participar de trabalho em equipe na saúde dispõe de ângulos particulares de observação na interpretação das condições de saúde do usuário e, uma competência também distinta para o encaminhamento das ações, que o diferencia dos demais profissionais. (PARÂMETROS, 2010). Porém cabe ao profissional se posicionar e qualificar sua participação frente à equipe. De acordo com o documento QUALIAIDS, 4 do Ministério da Saúde todos os serviços de atendimento especializado (SAE) em HIV/Aids e CTA’s o assistente social integra as equipes. (BRASIL, 2010). Nos serviços de atendimento especializado (SAE) em DTS’s, HIV/Aids o assistente social é o profissional que faz o primeiro contato/atendimento com os pacientes que são inseridos nos serviços, ocupando o lugar de grande relevância no cotidiano das PVHA. Para atendê-los de forma macro é preciso compreender a realidade e necessidades desses usuários, sem discriminar por questões de classe social, gênero, etnia, religião nacionalidade, opção sexual, idade e condição física. Deve buscar sempre o pensamento crítico para adquirir visão da relação entre o sujeito e a sociedade, o que para o enfrentamento da Aids é primordial pela indispensabilidade do sigilo, respeitando as particularidades e não apresentando juízo de valor. Durante o acolhimento o assistente social mergulha na vida privada das pessoas passando a conhecer suas vivências mais subjetivas, usa o instrumental da linguagem que conforme afirma Sousa (2008), é o instrumento número um de todos os profissionais, pois ela possibilita a comunicação entre profissional e usuário onde se interagem. “o Serviço Social como uma das formas institucionalizadas de atuação nas relações entre os homens no cotidiano da vida social, tem como recurso básico de trabalho a linguagem”. (IAMAMOTO, 2009; p. 101). Neste momento revela-se a postura profissional frente à realidade da epidemia no sentido de acompanhar o processo social da doença não através de práticas prontas e acabadas, mas sim construídas de acordo com a demanda, carência e necessidade social, reconhecendo que este público exige dos profissionais conhecimentos específicos para fazer acompanhamento social, o que requer investigação e adoção de estratégias pensadas com base no cotidiano, resgatando identidade, autonomia e emancipação no sentido de promover o fortalecimento humano e social. Conforme afirma Costa (1998), as fases de atendimento e acompanhamento individual ou coletivo, o assistente social realiza ações socioeducativas e comunicação em saúde, quer seja por meio de orientações, encaminhamentos ou criação de espaços de discussão, de modo geral o assistente social é responsável pela sensibilização e 4 QUALIAIDS Ferramenta criada pelo Ministério da saúde para avaliar os serviços ambulatoriais do SUS que assistem adultos vivendo com HIV/Aids no Brasil. esta avaliação é realizada de 4/4 anos. A primeira foi em 2007. mobilização. Em relação ao SAE essas atividades compreendem ao processo de adesão ao tratamento. Assim, a presença de assistentes sociais nos serviços de saúde em especial as PVHA, se justifica em função de que o adoecer envolve outras necessidades subjetivas e objetivas, cabendo a esse profissional captar o que há de social relacionado à questão da saúde. Entre as demandas postas para este profissional está o empobrecimento da doença, que se expressa pela busca de benefício previdenciário, sobre tudo o BPC (Benefício de Prestação Continuada) por não haver necessidade de contribuição, apesar das suas condicionalidades. Cada caso exige uma busca constante de recursos sejam jurídicos, sociais, redes familiares e ONG’s. (SANTOS, 2006). Portanto faz mister que o profissional procure qualificação, adquira especialização e conhecimento de todos os seguimentos sociais, principalmente do campo do HIV/Aids que requer uma política interdisciplinar para seu enfrentamento, considerando que esta demanda representa um vasto campo de atuação para assistente social no qual a ação não ocorre de forma isolada, mas articulada a outros profissionais e a diversos serviços. REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL/CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Apresentação, In: Capacitação em Serviço Social e Política Social. 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