0 CONGREGAÇÃO DE SANTA DOROTÉIA DO BRASIL FACULDADE FRASSINETTI DO RECIFE DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO EM PSICOLOGIA CLÍNICA NO HOSPITAL CRIANÇA VÍTIMA DE DESASTRE: REPERCUSSÕES EMOCIONAIS DO PÓS-TRAUMA À LUZ DA GESTALT VIVIANNE CALADO TEIXEIRA LEAL RECIFE 2010 1 VIVIANNE CALADO TEIXEIRA LEAL CRIANÇA VÍTIMA DE DESASTRE: REPERCUSSÕES EMOCIONAIS DO PÓS-TRAUMA À LUZ DA GESTALT Monografia apresentada ao Departamento de Pós-graduação da Faculdade Frassinetti do RecifeFAFIRE, para obtenção de título de especialista em Psicologia Clínica no Hospital. Orientadora: Mestra Josélia Quintas. RECIFE 2010 2 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a todas as pessoas que já passaram pela minha vida, sejam clientes, amigos, familiares, professores ou conhecidos que contribuíram de alguma forma para o ser humano que sou hoje. Aos meus clientes pela confiança da entrega e da possibilidade de acompanhar o acontecer de cada um. Aos amigos pela oportunidade dos encontros e desencontros, momentos de bastante reflexão e companheirismo. A família pelo apoio e constante incentivo. Aos professores por me instigarem sempre a desenvolver e querer aprender sempre mais. Aos conhecidos pela oportunidade de perceber quantas possibilidades de ser e estar no mundo existe. 3 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente à Deus pela força, coragem e determinação de concluir esse trabalho. Agradeço à Thereza Cristina e Célia Regina do curso de formação em Psicologia Hospitalar, pelos momentos de troca e pelo primeiro contato com a teoria e prática do Psicólogo no hospital. Ambas são profissionais de grande referência para minha atuação. Agradeço aos meus professores da graduação na UFPE que semearam a curiosidade necessária para questionar e pesquisar, além dos subsídios técnicos repassados que facilitaram a elaboração desse trabalho. Aos meus professores da pós-graduação na FAFIRE pelas reflexões e ampliação das possibilidades de atuar dentro do hospital. A minha querida orientadora Josélia Quintas que desde o início da pósgraduação me inspirou sendo referência de profissional, de conduta ética e facilitadora de diversas reflexões acerca da atuação do Psicólogo hospitalar. Por propiciar momentos de incentivo ao meu trabalho na Defesa civil indicando textos e trocando reflexões. Por sempre ter se disponibilizado a orientar-me e oferecer-me material bibliográfico recente que enriqueceram este trabalho. Pelo carinho e companheirismo repassados a cada orientação, e finalmente pela paciência e compreensão do meu momento de vida no período de elaboração dessa pesquisa. Ao meu supervisor Hermes Azevedo pelas ricas discussões sobre as possibilidades de intervenção à luz da Gestalt-terapia nos mais variados campos da Psicologia. A minha família pela paciência e compreensão de passarmos diversos momentos distantes, como algumas datas comemorativas importantes, para poder concluir essa monografia. Ao meu noivo pelo companheirismo, cumplicidade e compreensão ao cuidar de diversos detalhes do nosso casamento sem minha presença para que eu pudesse estar mais centrada na elaboração deste trabalho. Aos meus amigos da pós-graduação que contribuíram nas discussões e momentos de aprendizagem durante esse período. Aos funcionários da FAFIRE que contribuíram de forma indireta para a conclusão de mais essa etapa de formação profissional. 4 “Tenho tentado não ter medo dos meus erros, pois acredito que eles não são pecados. São formas de fazer algo de maneira diferente, talvez criativamente novo, e pode ser que demonstre a coragem de dar algo realmente de mim...” (Perls). 5 RESUMO O objetivo deste estudo foi compreender as repercussões emocionais de um desastre no desenvolvimento infantil. O caminho seguido foi compreender o que se entende por desastre e situação de crise, quais as possíveis repercussões emocionais desenvolvidas após esse evento com vítimas infantis e quais as contribuições da Psicologia no atendimento no pós-trauma. A metodologia adotada foi de revisão bibliográfica. Utilizamos como referencial teórico a abordagem fenomenológico-existencial, Gestalt-Terapia que considera o homem como um ser em constante processo, relacional, contextual e acima de tudo, global e singular. Recorremos a autores como Valencio et al para compreender melhor o conceito de desastre; Vieira & Vieira Neto para entender mais acerca do Transtorno de Estresse Pós-Traumático; Aguiar para contextualizar o trabalho do Psicólogo Gestalt-terapeuta com crianças e Pinto para compreender as contribuições da Psicoterapia de curta duração na abordagem Gestáltica. Percebemos com esse estudo que mesmo com a grande incidência de desastres ainda é escasso o material bibliográfico sobre esse tema; com relação às repercussões emocionais atrela-se muito ao tipo de desastre, ao apoio emocional recebido, além do contexto de cada criança; as contribuições da Psicologia ainda têm sido apresentadas muito mais no pós-desastre, e com relação ao papel preventivo do Psicólogo ainda parece que percorreremos um longo caminho. Palavras chaves: desastre, transtorno de estresse pós-traumático, criança e Gestalt-terapia. 6 SUMÁRIO RESUMO 1. INTRODUÇÃO......................................................................................................07 2. DO DESASTRE À SITUAÇÃO DE CRISE...........................................................13 2.1 Contextualizando Desastre................................................................................13 2.2 O que entendemos por situação de crise?......................................................18 2.3 Desdobramentos da Experiência Traumática .................................................21 3. REPERCURSSÕES EMOCIONAIS DA EXPERIÊNCIA TRAUMÁTICA PARA CRIANÇAS E PARA A FAMÍLIA ........................................................................29 3.1 O Transtorno de Estresse Pós-Traumático......................................................29 3.2 Desenvolvimento Infantil na perspectiva Fenomenológica–Existencial.......37 3.3 A Importância da família no desenvolvimento da criança vítima de desastre...............................................................................................................45 4. CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA NO ATENDIMENTO A CRIANÇA VÍTIMA DE DESASTRE.....................................................................................................52 4.1 Surgimento e papel da Psicologia do Desastre na atenção a saúde da criança..................................................................................................................52 4.2 A Gestalt-Terapia no atendimento a criança....................................................60 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................76 REFERÊNCIAS..........................................................................................................81 7 1. INTRODUÇÃO Ao longo da construção desse trabalho monográfico, diversos desastres aconteceram no mundo e na região nordeste do país, antes mais atingida pelas secas, e agora sendo inundada constantemente pelas enchentes. O que fazer com essas mudanças todas? Como agir num desastre? A quem recorrer? Perdi tudo, e agora? Perdi minha família toda, como vou continuar? Todas essas falas estão cada vez mais comuns em toda a mídia. Atuando como Psicóloga há apenas um ano e quatro meses de formação, tivemos a oportunidade de iniciar a carreira trabalhando na Defesa Civil do município do Jaboatão dos Guararapes, localizada no estado de Pernambuco, durante oito meses, período que suscitou diversos questionamentos acerca das possibilidades de intervenção do psicólogo nessa área do saber, a qual era ainda bastante desconhecida, uma vez que havia direcionado toda formação para atuação clínica e hospitalar. Na área hospitalar e clínica já possuíamos uma experiência prática pelas vivencias dos estágios extracurriculares no Hospital Oswaldo Cruz e curriculares na Clínica da Universidade Federal de Pernambuco, além dos cursos de formação realizados paralelamente a graduação, e pela vivência da Especialização em Psicologia Clínica no Hospital, a qual está sendo concluída com a finalização deste trabalho. O trabalho na Defesa Civil como psicóloga foi instigante, proporcionou o desenvolvimento crítico da atuação e contribuiu para a formação profissional e pessoal. Com relação ao como atuar nessa área, reavaliamos as possibilidades de intervenção do Psicólogo na área social, uma vez que essa experiência era ainda pouco conhecida. No início, do trabalho não encontramos muitos referenciais do trabalho do Psicólogo em Defesa Civil e na Prefeitura seria a primeira Psicóloga em Defesa Civil. De fato foi um desafio, mas como gostamos deles, buscamos nos aperfeiçoar a partir de muita leitura sobre Psicologia Social e Comunitária, pesquisamos como estavam se desenvolvendo os trabalhos dos Psicólogos dessa área no país e no mundo. Nessa caminhada pudemos compartilhar com colegas que estavam iniciando o trabalho como Psicólogos na Defesa Civil do Recife as limitações institucionais e de falta de equipe para trabalhar, uma vez que em Recife havia um psicólogo em conjunto com outros técnicos em cada regional, e em 8 Jaboatão a realidade era muito diferente, apenas um Psicólogo formava o setor de Psicologia. Diante disso, buscamos ajuda em Brasília na sede da Defesa Civil Nacional para encontrar referencias de trabalho mais respaldado, e a partir desse contato com as Psicólogas começamos a vislumbrar possibilidades de atuação. Paralelamente a isso sentimos a necessidade de conhecer mais sobre esse Município, suas especificidades, a forma como a cidade se desenvolveu, realizando um estudo de campo diferenciado para ter uma visão ampliada da problemática existente com relação aos tipos de desastres mais recorrentes. Dentre os variados tipos de desastres, Jaboatão possui deslizamentos de barreiras, inundações/enchentes, avanço do mar e conseqüente destruição da orla marinha, desabamento de prédios caixão, além da grande problemática dos desabrigados e da vulnerabilidade social da população. Mediante as visitas realizadas acompanhando as Assistentes Sociais, vislumbramos a possibilidade de um atendimento em conjunto, no qual os olhares diferentes, com relação aos objetivos e particularidades de cada profissão, puderam se complementar e contribuir para um atendimento mais integrado. Enquanto realizamos o cadastro social pudemos fazer uma leitura da dinâmica familiar, oferecer uma escuta diferenciada, realizar encaminhamentos para os atendimentos mais adequados nos centros de saúde, além de contribuirmos com a parte psicopedagógica trabalhando de forma preventiva. Nesses monitoramentos pudemos nos aproximar da realidade e ter a dimensão dos estragos sociais e emocionais causados por um desastre. Na situação de deslizamento de barreiras entramos em contato com a vulnerabilidade social dos habitantes dos morros, que a princípio traz como questionamentos para a maioria dos técnicos que trabalham nessa área, como essas pessoas escolheram viver aqui nesses lugares de alto risco? Contudo, com a vivência de suas realidades, entendemos que elas não escolheram, de certa forma, foram postas nesse lugar e deixaram-se também permanecer, a partir da minha compreensão de relação, que entende a responsabilidade de ambas as partes. Muitas, não vislumbram a oportunidade de morar num lugar plano, sem risco de deslizamento, por compreenderem as cidades sem espaço para elas, e um dos motivos mais presentes é falta de condições de pagar um aluguel, água, energia e de certa forma nos morros eles tem esses “benefícios” e, muitas vezes não precisam pagar por 9 eles, já que o manuseio ilegal desses bens públicos é praticado de forma unânime e sem muita intervenção do governo. Com relação às enchentes, vivenciamos uma na localidade de Muribeca, bairro da cidade do Jaboatão dos Guararapes que desenvolveu-se muito próximo ao leito do rio, ou seja, quando chove muito na cabeceira deste, todo o bairro de Jardim Muribeca fica debaixo d‟água, diante disso os moradores já construíram suas casas numa altura mínima de um metro da base e possuem como meio de transporte em quase todas as casas pequenas canoas, fato esse bastante inusitado. Nessa experiência, compreendemos a necessidade de ter a noção real do contexto em que o desastre acontece e desenvolver uma visão ampliada da situação para poder pensar em técnicas mais eficazes de intervenção psicológica. Ratificamos também a importância de nos aproximar do outro e buscar compreender qual a sua vivencia dos fatos, sem antes colocar a nossa experiência como a única, pois no momento em que fomos convocadas para acompanhar os bombeiros que iriam realizar o resgate das vítimas dessa enchente, tínhamos como objetivo realizar um levantamento do número de famílias ilhadas, visualizar quais eram as necessidades mais prementes. Realmente foi uma tarefa inesperada, nunca havia imaginado estar num bote dos bombeiros. O que uma Psicóloga poderia contribuir diante dos fatos de uma enchente? Questionamos muito, e antes de obter a resposta nosso chefe no momento, disse vocês irão escutar essas vítimas, pois nessa situação, vocês são quem pode coletar melhor os dados e ainda realizar algum atendimento de redução de ansiedade caso os bombeiros precisem. Para falar a verdade, no momento não conseguimos visualizar tudo isso, pois o que mais estava em mente era ter que entrar nesse bote, nessa água suja, e se essa coisa virasse? Hoje visualizamos que foi bastante perigoso realizar tal tarefa pela inexperiência e pela falta de treinamento. Mas, infelizmente essas ações têm acontecido rotineiramente, já que não desenvolvemos a noção de percepção de risco, nem temos o investimento necessário para nos prepararmos e nem conseguimos preparar a comunidade para esses eventos adversos, observamos neste sentido que o problema é muito maior do que conseguimos refletir nesse trabalho e, necessita ainda de muitas discussões. Mas, voltando à tarefa, apresentávamos certa apreensão, considerando que encontraríamos uma situação terrível, tudo seria muito difícil. Realizamos uma catástrofe imaginária e já prevíamos diversas situações inusitadas. Para nossa 10 surpresa, depois que o bote começou a navegar e nos vimos tendo que exercer tal comando, tentamos nos tranqüilizar e observar os fatos, foi quando percebemos a reação dos moradores, eles acenavam sorrindo, num comportamento de tranqüilidade, falando como se estivessem “acostumados” com a situação, colocamos essas aspas porque o costume era de saber como lidar com a situação, mas não de gostarem do que acontecia. Alguns explicaram que preferiam não precisar passar por isso, mas não tinham para onde ir e se saíssem de suas casas quando houvesse a cheia seriam vítimas de saques, e poderiam até ter suas casas invadidas por outros moradores da região, e, por esses motivos, todos se submetiam a continuarem nessa localidade sem abandonar suas moradias e habitavam por um longo período literalmente dentro d‟ água. Nessa experiência questionamos como deveríamos ter um trabalho de percepção de risco mais elaborado, sentimos um despreparo enquanto profissionais para lidar com uma situação que também envolve um sentimento de desamparo do próprio profissional que não está bem treinado para lidar com essas situações adversas, mesmo porque ainda que tivéssemos treinamento adequado, se perceber numa situação de risco para sua vida pode gerar comportamentos diversos, e caso seja incoerente com o que precisaria realizar pode comprometer a ação, isso deve ser levado em consideração haja vista que o profissional também é um ser humano e tem limitações. Outra situação vivenciada na Defesa foi a evacuação de prédios residenciais de forma emergencial, visto que esses estavam sob forte probabilidade de desabamento. Então, num prazo de cerca de três dias precisávamos evacuar em média 160 apartamentos, divididos em seis blocos. Dessa situação, pudemos compreender a importância da informação bem repassada para não deixar dúvidas, levantar sentimentos ambivalentes, nem provocar mais angustia. A comunicação é importante nessas situações, que por si só já são estressantes e mobilizadoras de ansiedade. Mas como a presença do Psicólogo pode ser importante nesses eventos? Foram a partir dessas experiências que pudemos entrar em contato com crianças numa situação de desastre e questionar quais as repercussões emocionais que podem eclodir nela ao passar por essa situação de ameaça a sua integridade num momento de formação de sua personalidade? Ao mesmo tempo em que entendo essa construção como contínua ao longo da vida. 11 A partir dessa experiência na defesa civil, e por estarmos atuando com crianças em consultório e já tê-las atendido nos ambientes hospitalares, começamos a querer compreender quais poderiam ser as possíveis repercussões emocionais no desenvolvimento de crianças vítimas de desastre a partir de uma revisão bibliográfica, bem como pesquisar quais as contribuições da Psicologia à luz da Gestalt num atendimento emergencial logo após o acontecimento traumático. Para estudar acerca deste assunto buscamos expor no primeiro capítulo autores que falam sobre a sociologia dos desastres, utilizando como guia a obra Sociologia dos Desastres: construções, interfaces e perspectivas no Brasil. Após compreender melhor sobre desastre, percebemos que ele por ser considerado por muitos autores como uma situação inusitada e de crise, precisávamos entender sobre ela, e com isso realizamos um resgate sobre as discussões existentes na área da Psicologia sobre a compreensão de crise e quais os recursos interventivos utilizados na atualidade para cuidar de pessoas que se encontrem nessas circunstâncias. Ainda decidimos contextualizar os possíveis desdobramentos da experiência traumática como a hospitalização e o processo de adoecimento. No segundo capítulo, abordamos sobre as possíveis repercussões emocionais da experiência traumática para crianças e para a família utilizando como base textos do livro supracitado e de autores da Terapia Cognitivo Comportamental. Ainda nesse tópico discutimos acerca do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (distúrbio mais evidenciado nas referidas pesquisas) e demais repercussões emocionais que podem se desenvolver após uma experiência traumática. Considerando que o foco do trabalho são as crianças entendemos que seria fundamental abarcar o desenvolvimento infantil na perspectiva fenomenológico– existencial, teoria de base dessa pesquisa. Visualizar o desenvolvimento e suas particularidades contribuiria para o desenvolvimento de uma forma de trabalho melhor fundamentada e congruente com as necessidades do sujeito. Compreendendo que a criança ainda está ligada diretamente a família, e por isso abordamos esse aspecto de forma contextualizada, entendendo o meio em que a criança vive e consequentemente reconhecendo quais as suas referências. Com isso, questionamos se o apoio da família contribui para um desenvolvimento saudável de crianças vítimas de desastre. No terceiro e último capítulo, aludimos acerca das possíveis contribuições da psicologia no atendimento emergencial, e como se deu o surgimento e o atual papel 12 da Psicologia do desastre na atenção a saúde da criança. Além de apresentar e fundamentar a gestalt-terapia e a psicoterapia de curta duração na abordagem gestáltica no atendimento a criança. Trazendo seus benefícios e refletindo sobre a possibilidade terapêutica com crianças numa situação de pós-desastre. Esperamos então, que esse trabalho possa trazer contribuições para o meio acadêmico no sentido de ser utilizado como referência de uma compilação de idéias acerca da compreensão mais atualizada sobre desastres, bem como do ponto de vista prático do trabalho com crianças numa situação de desastres, possa servir para apresentar a possibilidade de trabalhar com a Gestalt-Terapia de forma fundamentada e técnica a partir de uma visão de homem e de mundo bem organizada, além de mostrar os benefícios dessa abordagem para a Psicologia contemporânea e quem sabe também estimular outros profissionais da área para trabalhar de forma preventiva recolocando o lugar da Psicologia, não apenas como remediadora e sim para atuarmos também na prevenção. Temos ainda como expectativa que esse trabalho possa estimular ainda mais questionamentos sobre esse campo tão recente da atuação do Psicólogo e que haja mais discussões acerca da forma mais adequada e ética de se atuar nessas situações de desastre. 13 2. DO DESASTRE À SITUAÇÃO DE CRISE 2.1. Contextualizando o Desastre Uma das maiores preocupações da humanidade neste novo século é o desequilíbrio ambiental que vem provocando a ocorrência de desastres. Estes eventos se mostram cada vez mais comuns e com intensidades cada vez mais desastrosas. Há cerca de 4.000 anos atrás os desastres naturais já preocupavam o homem, e este buscou estudá-los através da interpretação dos riscos para então conceituá-los e depois desenvolver uma estratégia de dominação, cujo objetivo era a neutralização do problema. Percebia-se a natureza como culpada pelos desastres, e devido a isso houve uma intensificação nos estudos de prevenção dos fenômenos naturais. Apenas na década de 70 iniciou-se uma ampliação do conceito de desastre que incorporou o discurso da ciência social, a qual refletia que o impacto do desastre era influenciado pela localização onde este ocorria, e se esta era vulnerável, ou não. Acrescenta-se ainda aos estudos a responsabilidade humana em alguns tipos de desastres, uma vez que a humanidade vem se desenvolvendo de forma desorganizada e distanciada da percepção de risco, aumentando a vulnerabilidade individual e social. Mesmo sendo rápida e maciça a destruição provocada por um desastre, e por representar um desafio complexo para a sociedade, as pesquisas sobre desastre ainda são relativamente recentes no campo científico. Os primeiros estudos que se tem registro têm a ver com as guerras mundiais, principalmente o fenômeno que se deu nesse tempo, como o estresse pós-traumático, conhecido também como fadiga de batalha, neurose de guerra e flashbacks. Muitos pesquisadores estudaram sobre a percepção e o comportamento das pessoas em situação de desastre (QUARANTELLI, 1998 apud MARCHEZINI, 2009). As pesquisas se voltaram também para a definição do que se compreende por desastre, e diversos paradigmas foram discutidos. Atualmente esse conceito é bastante amplo, caracterizado por eventos extraordinários de causas naturais, humanas ou antropogênicas e mistas, provocam destruições consideráveis de bens materiais e podem ter como resultado mortes, 14 lesões físicas e sofrimento humano. Esses fenômenos podem ser lentos ou repentinos, naturais, como enchentes, inundações, terremotos, furacões, ou podem ser produzidos pelo homem, como as guerras, o terrorismo, incêndio, contaminação química ou nuclear ou vandalismo social, uma nova forma de desastre humano. Neste trabalho adotamos a compreensão do Ministério da Integração Nacional e da Secretaria Nacional de Defesa Civil sobre o que é desastre: resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem, sobre um ecossistema vulnerável, causando danos humanos, materiais e ambientais e conseqüentes prejuízos econômicos e sociais. [...] A intensidade de um desastre depende da interação entre a magnitude do evento adverso e a vulnerabilidade do sistema ou corpo receptor e é quantificado em função dos danos e dos prejuízos. [...] (p.15) Para desenvolvermos uma melhor percepção dos tipos de fenômenos que podem ocorrer numa comunidade, discorreremos acerca da classificação dos desastres. Existem quatro níveis de desastre: nível I, de pequenas proporções e com danos pouco importantes e os prejuízos menores, por estes motivos, são mais facilmente suportáveis e superáveis pelas comunidades afetadas. A situação de normalidade tende a ser facilmente restabelecida com recursos existentes e disponíveis na área afetada e sem necessidade de grandes mobilizações. Nível II, os de intensidade média apresentam alguma importância e prejuízos significativos. Entretanto, conseguem ser suportáveis e superáveis pela comunidade afetada, se esta estiver bem informada e preparada. A normalidade, nesses casos, pode ser restabelecida com os recursos locais a partir de uma mobilização especial. Nível III, de grandes proporções e prejuízos enormes. Para restabelecer a situação de normalidade, são utilizados recursos locais, reforçados por aportes estaduais e federais existentes no Sistema Nacional de Defesa Civil 1. Nível IV, de muita 1 Sistema Nacional de Defesa Civil (SINDEC) – organiza de forma sistêmica a Defesa Civil no Brasil. A sua estrutura se apresenta da seguinte forma: 1. Como órgão superior, o Conselho Nacional de Defesa Civil (CONDEC), responsável pela formulação e deliberação de políticas e diretrizes do Sistema; 2. Como órgão central, a Secretaria Nacional de Defesa Civil (SEDEC), responsável pela articulação, coordenação e supervisão técnica do Sistema; 3. Como órgãos regionais, as Coordenadorias Regionais de Defesa Civil (CORDEC‟s), localizadas nas cinco macrorregiões geográficas do Brasil e responsáveis pela articulação e coordenação do Sistema em Nível regional; 4. Como órgãos estaduais, as Coordenadorias/Secretarias/Sub-secretarias Estaduais de Defesa Civil ou órgãos correspondentes, Coordenadoria de Defesa Civil do Distrito Federal ou órgão correspondente, inclusive as suas regionais, responsáveis pela articulação e coordenação do Sistema em nível estadual; 5. Como órgãos municipais, as Coordenadorias Municipais de Defesa Civil (COMDEC‟s) ou órgãos correspondentes e Núcleos Comunitários de Defesa Civil (NUDEC‟s), ou entidades correspondentes, responsáveis pela articulação e coordenação do Sistema em nível municipal; 6. Como órgãos setoriais, os órgãos de administração pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, que se articulam com os órgãos de coordenação, com o objetivo de garantir atuação sistêmica; 7. Como órgãos de Apoio, órgãos públicos e entidades privadas, associação de 15 intensidade, com danos e prejuízos muito grandes, sem condições de serem superados sem ajuda de fora do município atingido. O restabelecimento da situação de normalidade depende da mobilização e da ação coordenada dos três níveis do Sistema Nacional de Defesa Civil e, em alguns casos, de ajuda internacional2. Para se conhecer a dimensão de um desastre e ter um prognóstico dos fatores de risco para a saúde mental da população atingida num pós-desastre é necessário observar as condições da população atingida, se houve mortos, quantos foram, qual a intensidade do desastre, se aconteceu num ponto central da comunidade ou expandiu-se, a duração, a rapidez, o grau de previsibilidade, como elas passaram pelas fases de pré-impacto (precede ao desastre, situação de alerta), impacto (momento em que são atingidos pelo fenômeno) e pós-impacto do desastre (começa depois de ocorrido o desastre), a periodicidade do fenômeno e a falta de costume. As condições não são as mesmas para a população. Dependem da cultura de cada comunidade, de cada pessoa, por exemplo, a familiaridade com o fenômeno tanto pode contribuir na percepção do risco, como também desencadear um comportamento de pânico, entre outras reações que estão atreladas ao contexto de vida de cada um. O acontecimento deste fenômeno de fato provocará uma ruptura no cotidiano das pessoas, contudo as manifestações psicológicas dependem de diferentes fatores, como o agente que iniciou o desastre, uma vez que é diferente vivenciar uma enchente, um terremoto ou um desmoronamento; da pessoa e do tipo de sua personalidade; da experiência durante o impacto, pois há pessoas que ficam muito afetadas do ponto de vista emocional, outras se separam dos entes queridos, perdem familiares e amigos; do tempo de duração do evento e das conseqüências do impacto do acontecimento. Existem diversas teorias sobre quais são os fatores que permitirão se prognosticar em que medida essa ruptura vai acontecer. O que é real é que existe uma ruptura. O que se pensava na década passada é que era uma ruptura fatal, traumática para todos, que transformavam as pessoas em doentes psiquiátricos, mas hoje se sabe que existem 140 ou mais possíveis comportamentos psicológicos voluntários, clubes de serviços, organizações não-governamentais e associações de classe e comunitárias, que apóiam os demais órgãos integrantes do Sistema. (POLÍTICA NACIONAL DE DEFESA CIVIL, 2008). 2 (FONTE: SEGURANÇA GLOBAL DA POPULAÇÃO) 16 em situação de desastre (RUIZ, 2006), contudo listar todos esses tipos de comportamento não é o foco desta pesquisa. Entendemos que seja necessário explanar algumas respostas psicológicas, para contextualizar o impacto que um desastre pode causar na vida do homem. De acordo com Ocampo (2006), existem diversas respostas psicológicas dos atingidos por desastre, e o autor as divide em 3 fases: primeiramente as pessoas vivenciam um “estado de choque, de aturdimento, de estupor, de apatia, de confusão, de insensibilidade com o fenômeno” (p. 19). Após esta fase podem desenvolver um estado de “dualidade que pode ter a duração de horas ou dias; os atingidos são mais dóceis pela atenção que têm, e os não atingidos sentem angústia” (p.19); num terceiro momento “as pessoas vivenciam um estado de euforia por estarem vivas, intenso espírito de solidariedade e colaboração, atos de delito, depressão.” (p.19). Os estudos (RUBONIS & BICKMAN, 1991 apud ABUEG, WOODS, WATSON, 2004) sobre a sintomatologia no pós-desastre dizem que há um aumento substancial do nível de angústia e/ou doença psiquiátrica nas comunidades atingidas, dependendo da extensão da destruição e do número de mortos. Entretanto, pesquisas epidemiológicas demonstram que a maior parte dos sobreviventes na maioria dos desastres retorna ao funcionamento original ou a um funcionamento melhorado, conforme evidenciam grandes amostragens epidemiológicas (GREEN, KOROL, GRACE et al., 1991 apud ABUEG, WOODS, WATSON, 2004, p. 205). [...] A vasta maioria dos indivíduos não só se recupera de perdas dramáticas e horríveis, como frequentemente apresenta altruísmo heróico, criatividade e mudanças existenciais em reconhecimento por sua sobrevivência. (ABUEG, WOODS, WATSON, 2004, p.206). Diante do exposto, compreendemos ser muito difícil se estar preparado para passar por uma situação de desastre, inclusive porque os sentimentos se desenvolvem e são influenciados pelo momento de vida atual que engloba todo um sistema de relações e situações vividas. Além desta contextualização, pretendemos ao longo desse estudo, enfatizar como as crianças atravessam um fenômeno dessa natureza. Quando a vítima é uma criança torna-se necessário compreender que o desenvolvimento infantil é demarcado por particularidades e estas são potencializadas na perspectiva de cada fase. Alguns estudos documentaram empiricamente, e terapeutas observaram informalmente, que crianças podem ser singularmente vulneráveis ao trauma em contextos de desastres (HONIG, GRACE, LINDY et al., 1993 apud ABUEG, WOODS, WATSON, 2004, p.216). 17 A Organização das Nações Unidas (ONU) junto com a Estratégia Internacional para a Redução de Desastres (EIRD/ONU) afirma que as crianças que experimentarem um evento traumático antes dos 11 anos têm três vezes mais probabilidade de desenvolver sintomas psicológicos do que aquelas que vivem seu primeiro trauma sendo adolescentes ou adultos (PAVAN, 2009). A pessoa que passa por um evento traumático 3, segundo Vieira (2005) “[...] vivencia uma condição de abandono e impotência diante de uma ameaça à sua existência” (p.115). A ameaça à integridade de um sujeito sempre produz efeitos, que podem ser muito graves se este estiver com uma auto-regulação organísmica frágil e com poucas ou ineficazes redes de apoio social4, acarretando em alguns casos no desenvolvimento de patologias reativas a situação estressora. A auto-regulação organísmica segundo Ribeiro (2006, p. 56), significa respeitar a totalidade funcional do organismo, significa olhar-se e comportar-se como um todo organizado e eficiente, significa privilegiar as necessidades que gritam dentro de nós para ser saciadas ou satisfeitas, significa olhar-se como uma pessoa inteira no mundo, significa amar o corpo como a casa que habitamos, significa prestar atenção aos infinitos pedidos de socorro que o corpo emite e pensar que o alimento pode ser encontrado, sempre, dentro da própria pessoa, sem perder seu aspecto relacional no mundo. O modo como uma pessoa atravessa uma experiência traumática vai depender da percepção que a pessoa tem do acontecimento e da sua capacidade (ou incapacidade) de lidar efetivamente com a circunstância. Se for capaz de encontrar soluções para tal situação crítica, esta logo se resolve e assim é superada. Porém, se solução alguma é adotada, a crise persiste, tornando-se cada vez mais aguda, e consequentemente as reações a tal situação poderão ser mais graves. De acordo com as reações percebidas após um desastre, poderemos considerar uma situação de crise, na qual o indivíduo vivencia uma experiência de ameaça à sua vida e sente-se na maioria das vezes impotente para reagir, uma vez 3 Evento traumático: Psicologicamente falando, “sobrecarga de estímulos que inunda o psiquismo, em uma intensidade e velocidade que torna incapaz um adequado processamento e elaboração psíquica do que está acontecendo conosco. Como resultado disso ocorre a impossibilidade de uma resposta psicológica mais equilibrada e saudável, permitindo que sintomas se instalem como forma mal adaptada de reação” (BORGES, 2009, p. 8). 4 Apoio social: é um constructo teórico com muitos componentes, devendo uma distinção ser feita entre o apoio de fato disponível e a percepção que a pessoa faz em relação à adequação desse apoio. De qualquer forma, a associação com redução da mortalidade sugere que uma rede social adequada pode, de fato, repercutir organicamente na redução do estresse e, consequentemente, nos agravos à saúde (HENDERSON, 1990 apud BOTEGA, 2006). Essa rede pode ser formada pelos profissionais, familiares, amigos, instituição (hospital, por exemplo) e sociedade. 18 que em seus recursos psíquicos não encontram respostas imediatas para solucionar o problema, exacerbando a angústia e gerando medo, passando então por uma das mais difíceis percepções psicológicas dos tempos modernos, que é a de saber não estar no comando do destino. Tudo o que foi construído pela pessoa, inclusive a sua própria vida, pode ser destruída a qualquer momento por acontecimentos que não se consegue controlar, visto não serem de sua “responsabilidade”. Diante de tamanha insegurança, e da vontade de desenvolver estratégias de intervenções nesses períodos críticos, estudiosos, concentram-se em pesquisas e publicações sobre crises e sua relação com etapas da vida e com eventos acidentais. 2.2. O que entendemos por situação de crise Um dos primeiro teóricos que citou em seus estudos algo sobre “teoria da crise”, foi Erikson (1951 apud FREMAN & DATTILIO, 2004) quando formulou sua teoria psicossocial do desenvolvimento, na qual defendeu que crises não são necessariamente ocorrências de vida negativas que prejudicam ou destroem o indivíduo, mas pontos de crescimento. Esse crescimento pode aumentar a força da pessoa, proporcionar-lhe um repertório de enfrentamento e ajudá-lo a ter sucesso em todas as áreas da vida – ou a falta de resolução dessas crises pode levar a um estilo de enfrentamento inadequado (p.21). Caplan (1964 apud AGUIAR, LAGO et al, 1998) acrescenta em sua definição os aspectos emocionais de uma situação de crise, e assim a define como um estado de perturbações, usualmente associado a sentimentos, tais como angústia, medo, culpa ou vergonha, que ocorre quando o indivíduo é exposto a um problema insuperável pelos seus meios habituais de solução de problemas, durante um certo tempo, e outros métodos não lhe parecem disponíveis. Há uma sensação de ineficiência e impotência, que se associa a uma certa desorganização do funcionamento, que faz a pessoa apresentar ser menos eficiente do que usualmente o é (p. 136-137). Para esses autores a crise é compreendida como um momento psicologicamente instável e tanto pode ser uma oportunidade de amadurecimento, com o indivíduo saindo mais fortalecido pela descoberta de novas estratégias para resolver um problema, como pode ser um momento gerador de soluções maladaptativas e que o colocam num nível inferior de funcionamento, inclusive com o 19 aparecimento de sintomas reativos que se tornam indicadores clínicos da resposta da crise, frequentemente tornando necessária alguma intervenção. Essas intervenções têm geralmente o objetivo de reduzir a ansiedade, favorecendo a descarga emocional, e promovendo a compreensão do significado do fato e sua relação com as experiências prévias do sujeito, além de desalentar condutas passivas e favorecer a um ajustamento criativo5. Historicamente, as intervenções psicoterápicas em crise foram desenvolvidas durante a Segunda Guerra Mundial, quando psicólogos e psiquiatras que trabalhavam nos campos de batalha presenciaram casos de extrema “fadiga de batalha” (“neurose de guerra” na Primeira Guerra Mundial; transtorno de estresse pós-traumático no Vietnã). Eles observaram que era possível trabalhar com a crise, próximo a linha de frente, em vez de mandar o paciente para um hospital da retaguarda, trabalhando de modo focal, reduzia ou eliminava o sintoma, aperfeiçoando a atuação desses soldados (DATTILO, FREEMAN et al., 2004). Buscava-se assim a resolução psicológica de uma crise imediata na vida do indivíduo e seu retorno, pelo menos, ao nível de funcionamento existente antes do período de crise. A partir desta época, houve grande impulso no desenvolvimento de técnicas que permitissem uma rápida abordagem das crises, e se multiplicaram as publicações que trouxeram à tona as intervenções em crise, as psicoterapias breves e as técnicas focais. Na construção das intervenções em crise, Sinfeos (1967,1972 apud AGUIAR, LAGO et al, 1998) propôs uma distinção de dois tipos de intervenção em crise: a) Intervenção em crise: o terapeuta examina com um paciente relativamente bem adaptado anteriormente, mas que entrou em crise, os passos que o conduziram até uma crise, examina as possibilidades de superá-la e o confronta com a realidade de 6 suas tentativas, usando técnicas mobilizadoras de ansiedade ; termina este tipo de intervenção num prazo não superior a dois meses, tendo sempre como foco a superação da crise; 5 Ajustamento Criativo (numa compreensão gestáltica): “é o processo pelo qual o corpo-pessoa, usando sua espontaneidade instintiva, encontra em si, no meio ambiente ou em ambos as soluções disponíveis, às vezes aparentemente não claras, de se auto-regular” (RIBEIRO, 2006, P. 64). 6 Técnicas mobilizadoras de ansiedade: tem o objetivo de trabalhar os conteúdos que são mantidos fora da área da consciência, por mecanismos de defensivos, e que, ao serem trabalhados, suscitam ansiedade. Indicados para serem trabalhados com pacientes motivados a se compreender e mudar alguns comportamentos, e não apenas para obter alívio de sintomas. Além de terem a capacidade de responder a interpretações e trabalhar de maneira focal. (MALAN & SIFNEOS, 1972 apud JÚLIO DE MELO, 1992) 20 b) Apoio na crise: o terapeuta procura num prazo de até dois meses ajudar o paciente a superar o problema que o conduziu à 7 crise com técnicas de apoio , tais como reasseguramento, sugestão, etc. (p.139) É importante compreender que essas técnicas devem ser utilizadas de maneira flexível, a partir de cuidadosa avaliação psicológica e da percepção do que é mais urgente em determinado momento para o cliente e da evolução do caso, utilizando mais apoio ou confrontações. Geralmente no momento da crise utiliza-se as técnicas de apoio e quando se percebe o fortalecimento do sujeito, as técnicas incitadoras de ansiedade ou de intervenção em crise, cujo objetivo final é a elaboração da situação traumática. Borges (2009) traz para Psicologia novas discussões acerca das possibilidades de intervenção em crise, sob a perspectiva da Psicoterapia do trauma, e para contextualizar essa nova teoria utiliza como base os conceitos de crise e emergência defendidos por Kleespies e Callahan (1998 apud BORGES, 2009) que destacam “crise, como a perda do equilíbrio psicológico de maneira temporária, que não apresenta risco ou perigo para o indivíduo e que se limita temporalmente a poucos dias até seis semanas. Esse indivíduo acaba desenvolvendo estratégias psíquicas para tentar resolver essa crise, que podem se mostrar construtivas e adaptativas, retornando ao seu funcionamento anterior ao início da mesma, ou ainda pode apresentar estratégias mal-adaptativas e destrutivas. [...] Emergência, como uma situação aguda, abrupta e súbita que apresenta risco iminente de dano e que requer uma resposta imediata para evitá-lo. Além disso, é imprevisível, o que aumenta sua periculosidade. Referem que essas circunstâncias estão restritas a quatro situações: “(1) Risco de suicídio; (2) Risco de causar injúria aos outros; (3) estados de sério prejuízo do juízo crítico ao qual o indivíduo está submetido (delirium, demência, episódio agudo psicótico, estados dissociativos severos, etc.); (4) situações de risco a vítimas indefesas (crianças ou idosos que são abusados).” (p. 217-218) Na Psicoterapia do Trauma entende-se crise de forma similar ao que já foi citado nesse estudo, e observamos que a contribuição dessa nova perspectiva de intervenção é a conceituação da situação de emergência do ponto de vista emocional, mesmo considerando apenas essas situações, o que de certa forma é passível de crítica quando se delimita o que é ou não emergencial sem considerar a 7 Técnicas de apoio ou supressoras de ansiedade: busca o alívio dos sintomas e da ansiedade, promovendo a expansão e a integração das habilidades do paciente na resolução de seus problemas. Indicado para pacientes com poucos recursos egóicos e pouca capacidade de lidar com problemas vivenciais e com relações interpessoais. As intervenções mais comuns são: sugestão, controle ativo, encorajamento, aconselhamento, elogios, ventilação, educação, clarificação e confrontação. (AGUIAR, LAGO et al,1998). Para aprofundamento vide os autores citados. 21 percepção de quem passa pela situação. Contudo, compreendemos a necessidade de criar parâmetros do ponto de vista científico para se desenvolver de forma mais concisa técnicas interventivas. Por isso, Borges (2009) recomenda utilizar a união das técnicas de intervenções de crise e de emergência dependendo do tipo de transtorno a ser atendido, uma vez que no trauma as respostas psicológicas são na maioria das vezes imprevisíveis, o que corrobora também para a instabilidade do plano terapêutico e uma atitude mais fenomenológica, demandando, portanto, maior atenção do terapeuta e sensibilidade para com a demanda do sujeito. As respostas psicológicas num pós-desastre podem ser agravadas de acordo com a perda e o significado que essa terá na vida de cada sujeito. As que precisarem ser atendidas nas emergências e hospitalizadas poderão ter que lidar além do trauma sofrido, com as dificuldades de um processo de adoecimento e todas as consequências de uma hospitalização. Diante dessa possível realidade, acreditamos ser importante refletir acerca do que se compreende por hospitalização e quais as dificuldades desse processo e ainda as necessidades para se realizar um trabalho interdisciplinar e atendimentos mais humanizados que visem contribuir para o processo de qualidade de vida de todos que procuram, necessitam e vivenciam a unidade hospitalar. 2.3. Desdobramentos da Experiência Traumática O presente estudo centraliza-se no sofrimento inerente a um desastre, procuramos compreender o que aconteceu com esse indivíduo e como ele percebe a situação. Pretendemos refletir sobre os desdobramentos da experiência traumática quando a vítima, além de passar por um desastre, necessita de atendimento emergencial e passa por um processo de adoecimento e hospitalização. Na situação de pós-trauma e hospitalização há uma alteração na continuidade da existência que constitui e sustenta o sujeito. Diante de tal acontecimento, o paciente poderá perder momentaneamente a sua capacidade de se autoperceber. O acidente o coloca estranho a si mesmo, fora do seu contexto, provocando estados de angústia pela ameaça iminente ao seu ser. (QUINTAS, 2008, p. 282). 22 Assim, vemos a importância de logo que possível ao momento de chegada dos feridos, disporem de profissionais de saúde mental em áreas críticas: salas de espera, unidades de terapia intensiva e espaços para familiares. Este é geralmente um momento de muita confusão, impacto, e a presença de profissionais treinados poderão ajudar as pessoas a processarem essa situação. Os psicólogos agem na atenção do impacto emocional provocado nos familiares e conhecidos; acompanhando familiares na busca de informações; orientando e assessorando os servidores administrativos e voluntários; além de orientar e observar o estado emocional da equipe médica que precisa atuar com presteza. Sterian (2000 apud SIMONETTI, 2004) recomenda que nas situações de emergência se distinga o sujeito na urgência do sujeito da urgência. O primeiro é o sujeito que se torna o foco das atenções terapêuticas, e o segundo, o sujeito que demanda, que solicite, o atendimento em caráter de urgência. Os dois podem estar na mesma pessoa ou não (p. 146). Compreendendo o tipo de atendimento psicológico numa unidade de emergência, no caso de uma vítima de desastre, ser uma criança que chegue a esta unidade, desmaiada, acompanhada de seus pais, que pedem, angustiados, atendimento para o seu filho, o sujeito na urgência é a criança, essa a princípio será atendida pela equipe médica, que no momento de uma hospitalização é a que primeiro deve ser mobilizada. Contudo, o olhar do psicólogo será para o sujeito da urgência, nesse exemplo, os pais, que provavelmente estarão aflitos e tomados pela incerteza da situação. No âmbito hospitalar, o estado emocional comprometido pode ser um dos fatores que interfere no tratamento do paciente e na comunicação entre todos, e silenciosamente se instala, sem que, muitas vezes, a equipe de saúde perceba. Por essa razão, afirmamos ser a nossa atuação preventiva em relação a maiores complicações de ordem emocional durante a hospitalização e o tratamento. (QUINTAS, 2008, p.283). No caso dos pais ou parentes da criança, se o estado emocional encontra-se alterado, certamente trará repercussões para a criança que precisando do amparo não poderá contar com a confiança e o equilíbrio dos adultos responsáveis. Considerando a doença aguda como bastante ameaçadora, mobilizadora de medos, incertezas, fantasias e até desconfiança é necessário, então compreender a doença e a hospitalização na significação particular e específica de cada indivíduo, uma vez que a maneira como cada um vivencia e enfrenta a doença é algo pessoal em função da sua personalidade, da capacidade de tolerar frustrações, das 23 vantagens e desvantagens advindas da posição de doente, assim como da sua relação com as pessoas e projetos de vida. Por essa compreensão, há uma ruptura na vida, contudo não se consegue mensurar o grau, haja vista que sobre o prisma da fenomenologia, apenas o serdoente-em-situação poderá dar voz à experiência de passar por uma situação de desastre e consequentemente adoecimento. Além de necessitar de cuidados específicos passando por um processo de hospitalização, no qual entra geralmente em contato com as incertezas da vida, com a realidade de outros enfermos, também necessita de cuidados específicos que muitas vezes o deixa dependente do outro, como também tem seu corpo manuseado como nunca antes imaginou. Tal situação pode provocar a sensação de estar sendo “agredido” a todo o momento por procedimentos invasivos, que invariavelmente são fundamentais para sua sobrevivência e recuperação. Outra reação na hospitalização é a despersonalização, significando a perda dos papéis exercidos anteriormente, além do afastamento do ambiente familiar e do círculo de amigos. No hospital, passa a ser identificado, muitas vezes, como paciente do leito 444 ou por sua patologia. Assinalam-se várias outras reações esperadas durante a hospitalização: medo do desconhecido; frustração de sonhos e projetos de vida; insegurança; desconfiança; temor da morte e perda do controle; agressividade; ansiedade; sentimentos de culpa; inconformismo, podendo até desencadear sentimentos paranóides. (CAMPOS, 2008, p. 162). Diante do exposto, percebemos que é importante compreender melhor o movimento desses pacientes, como vivenciam a situação de dor, sofrimento, qual o grau de vulnerabilidade diante do acontecimento e quais os recursos psíquicos disponíveis para o enfrentamento da situação. Simonetti (2004) explica que a pessoa entra no processo de adoecimento, geralmente pela negação, depois se revolta com a situação, tende a entrar em depressão e após um período de esforço e trabalho pessoal alcança a possibilidade de enfrentamento real. Contudo, essas fases não podem ser encaradas de forma estanque e numa senquência organizada, visto que diversos rearranjos podem ser visualizados nos pacientes, a partir do seu contexto de vida e rede de apoio. Nas pesquisas de Elisabeth Kluber-Ross (1998) a autora afirma que quando o paciente recebe a notícia de um diagnóstico, por exemplo, tende a de imediato utilizar-se do mecanismo de defesa da Negação como reação mais comum, o que é típico do homem ao vivenciar pressões fortes e inesperadas. A temporalidade dessa reação não é a mesma para cada tipo de pessoa, podendo durar alguns segundos, 24 ou meses, e também não chega a ser total porque a pessoa compreende o que foi dito, mas o problema é que não suporta entrar em contato com a realidade, por esta no momento ser muito difícil. O paciente que passa por essa etapa apresenta uma “incoerência entre o estado de ânimo e a sua situação” (QUINTAS, 2008, p. 284). Esse comportamento funciona de certa forma como um amortecedor para se ganhar forças e assim mobilizar defesas. Entretanto, quando o paciente se apropria da real situação, pode apresentar um comportamento de Revolta, sentindo muita raiva. Para Almeida e Amorim (1999 apud CAMPOS, 2008) O sofrimento psíquico provocado pela enfermidade também faz com que a pessoa descubra que não é onipotente, não tendo total controle sobre tudo que acontece em sua vida (p. 159). Geralmente um trauma gera um grande sofrimento, pois há uma ruptura na rotina, modificando a relação que este estabelece consigo mesmo, repercutindo nas demais relações e em toda sua vida. A explosão de raiva nessa etapa pode vir a serviço de uma válvula de escape para a liberação da angústia sentida de forma intensa, sendo encarada muitas vezes como um sinal de luta pela vida. Contudo, devemos tomar cuidado com o exagero e sua constância, uma vez que pode também atrapalhar na adesão ao tratamento ao se transformar em algo estressante. Diante disso, poderemos favorecer a expressão desse sentimento, com a finalidade de ajudar numa melhor elaboração da sua raiva e impulsionar a uma auto-regulação organísmica que contribua para um ajustamento criativo. Ainda segundo Kubler-Ross [Op. cit.], após esse estágio, o paciente pode apresentar também um comportamento de Barganha como reparação à ira manifesta diante dos familiares, da equipe de saúde e de Deus, através de pactos ou troca de favores, que o possibilite ter nova chance de se curar, de ter mais um tempo com seus entes queridos, entre outros investimentos na vida. Desse modo, o paciente agrega força e energia mobilizando-as para a vida. Mesmo diante desse investimento, ele pode se deparar com um estado de Depressão, no qual o contato com a perda da saúde e a tristeza gerada pela sua atual condição fica mais em evidência. Normalmente o paciente fica mais quieto, reflexivo, recusa-se a comer, não quer ver as pessoas, e não quer saber sobre o mundo externo. Geralmente esse comportamento se estabelece quando se sabe, com certeza, que a doença não terá reversão, não haverá possibilidade de retorno à 25 vida anterior. “O paciente vai lidando com a perda de si próprio”. [...] “É como se a energia fosse direcionada para o interior do ser, para uma revisita de toda a vida e separação de tudo que foi considerado essencial” (KOVÁCS, 2002, p. 112), se caracterizando como uma depressão de cunho elaborativo que é extremamente benéfica e necessária nesse processo de preparação para a morte. No entanto, não podemos esquecer que além da depressão reativa decorrente do uso de medicações necessárias ao tratamento ou de ordem psiquiátrica, ela pode estar atrelada ao não saber lidar com a situação, desenvolvendo uma atitude de abandono, desistência frente ao mundo e vínculos significativos (FONGARO & SEBASTIANI, 1996). Os estados de depressão tanto elaborativa como a patológica mobilizam a todos que cercam o paciente, pois desperta nas pessoas a lembrança de sua própria condição de finitude, sentimento este que ainda é bastante difícil de lidar até mesmo para os profissionais que acompanham o paciente, colocando em cheque seus limites de atuação profissional. Os familiares também sofrem, elaborando o processo de morte e consequente desapego, ou desistindo de forma abrupta do vínculo com o paciente, o que pode desencadear um luto patológico posterior. O paciente também pode chegar ao estágio da Aceitação/Enfrentamento, onde há a compreensão real dos limites e possibilidades impostas pelo desastre, doença, hospitalização, tratamento e a vida, de forma flexível, com a ansiedade em um nível suportável. Percebe-se também um empoderamento de sua vida, no qual o paciente está mais fortalecido e se torna agente do seu tratamento, agindo de forma criativa nas mais diversas situações. Spitz (1997, apud CAMPOS, 2008, p. 161) refere que “a adaptação do paciente depende dos recursos pessoais e do modo de reagir e lidar com situações difíceis.” Acrescenta-se ainda que nesse momento o paciente deve estar mais integrado, em contato com a multiplicidade de sentimentos e sabendo se auto-regular de maneira criativa percebendo as necessidades predominantes do seu ser, que geralmente apresenta uma alternância que se mistura, entre a luta e o luto. A aceitação pode ser o fim de um processo que envolveu a negação, a raiva, a inveja pela saúde dos outros e a elaboração a partir de um processo de depressão, o que possibilitou um movimento de introversão. Há um desligamento do mundo, não mais como fuga, e, sim como preparação para uma grande ação. É o momento do silêncio, do desligamento; é quando o paciente não quer mais ver as pessoas, não porque não as ama e, sim, porque sua presença traz a dor da separação. É importante compreender que não se trata de rejeição, mas de proteção. Em alguns pacientes se 26 observa a aceitação como um semblante tranqüilo, após tantas lutas e desafios que tiveram de ser vencidos. (KOVÁCS, 2008, p. 114). O pensamento nessa posição se caracteriza pela sua amplitude, quando o paciente consegue perceber os aspectos positivos e negativos da sua realidade e assim desenvolver estratégias de enfrentamento saudáveis. Esses estágios podem ser encontrados em qualquer situação de crise ou processo de adoecimento, pois todos passam por um sentimento de invasão e agressão com a respectiva sensação de impotência. Esses estados psicológicos são dinâmicos e estão correlacionados com o desenvolvimento da doença, o tratamento e a vida do indivíduo. Diante disso, não há uma linearidade absoluta da elaboração da doença, podendo ocorrer retorno ou co-existência das “fases” apresentadas. (KOVÁCS, 2002). Diante de toda a reflexão evocada, até o momento compreendemos que a situação de internação representa um desafio à capacidade de adaptação do paciente, provocando respostas diferentes em cada pessoa, de acordo com muitos fatores, entre eles: experiência anterior de hospitalização; idade da pessoa; sexo; nível de escolaridade; aspectos da personalidade; capacidade de enfrentamento; significado subjetivo da doença (sentimentos de perda, de culpa, castigo, ganhos secundários); apoio da família; situação de trabalho; situação econômica; status social; recursos sociais; instituição procurada e as condições da assistência; confiança na equipe de saúde; acolhimento e ambiente físico disponibilizado; diagnóstico, tipo de doença (aguda ou crônica); prognóstico; sequelas, limitações, incapacidades; procedimentos invasivos; tempo de internação. A resposta de um indivíduo a uma doença varia também em função do tipo de enfermidade e do tratamento a ser submetido: resolutivo, paliativo, mutilante, ou incapacitante. O paciente hospitalizado por uma doença aguda pode apresentar diferentes reações estressantes quer precisam ser consideradas no curso de uma hospitalização: ameaça à integridade; ansiedade da separação: pessoas, objetos, ambiente e estilo de vida; medo de estranhos: sua vida nas mãos de outros; culpa e medo de retaliação: doença como castigo; medo da perda de controle de funções: fala, esfíncter, andar; perda de amor e de aprovação: dependência, autodesvalorização; medo da perda de partes ou dano de partes do corpo: mutilação; medo da morte e da dor. 27 Reações de ajustamento e de adaptação são subdividas de acordo com a duração e com os sintomas predominantes. Geralmente os sintomas negativos são transitórios e melhoram com apoio psicológico e boa comunicação e principalmente, cessam com a recuperação clínica e a alta hospitalar. Entretanto, alguns pacientes persistem por mais tempo com episódios depressivos reativos sendo necessário intervenção psicológica e ainda avaliação psiquiátrica e uso de medicação adequada. Com relação à criança, sua reação diante da doença, está diretamente relacionada a múltiplos fatores como: idade, estresse imediato representado pela dor física desencadeada pela doença, angústia de separação devido à hospitalização, traços de personalidade, experiências e qualidade de suas relações parentais. A criança, ser sadio que, em sua plenitude, adoece, passa a vivenciar uma das mais traumáticas experiências de infância. Ela sente a dor de estar doente, de não compreender o que está acontecendo, de não entender por que sofre. A exposição a procedimentos dolorosos e agressivos para a avaliação de diagnóstico e tratamento médico [...] causa danos físicos e psicológicos à sua vida. (SANTOS, 2002, p.24). Uma experiência traumática se caracteriza por um evento extremo que ameaça a vida e a capacidade de enfrentamento das vítimas, além de provocar um estresse tão grave que a pessoa não consegue encontrar alívio através de seus recursos usuais, desencadeando em muitas situações interferência no funcionamento psicológico tanto das vítimas quanto dos que a rodeiam, surgindo sentimentos confusos e ambivalentes. Entretanto, esse transtorno irá se manifestar de forma diferente para cada pessoa, uma vez que “a intensidade do trauma varia também de acordo com a proximidade do vínculo familiar ou comunitário”. (HARBERT, 2004, p. 318) A resposta do indivíduo exposto ao trauma afeta a todos os membros da família, especialmente às crianças. O trauma é uma experiência tão intensa, de tal modo potente, que os indivíduos que o vivenciam passam a encarar de modo distinto o mundo e suas vivências posteriores serão modeladas pela experiência traumática prévia. (YEHUDA, 2002 apud VIEIRA NETO & VIEIRA, 2005, p. 24). Estudos mostram que a principal conseqüência psicológica da experiência traumática é o desenvolvimento do quadro psicopatológico do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (CIA, 2001 apud VIEIRA NETO & VIEIRA, 2005, p. 17). Essa patologia será abordada de forma mais específica no próximo capítulo, uma vez que, compreende-se ser necessário entender melhor esse conceito, como 28 também refletir sobre as possíveis repercussões emocionais desenvolvidas tanto para a criança, objeto de estudo do referido trabalho, como para a família, primeiro espaço de expressão dos sentimentos da criança, além de estar diretamente ligada a forma como a criança desenvolve a patologia e o como será acolhida. 29 3. REPERCURSSÕES EMOCIONAIS DA EXPERIÊNCIA TRAUMÁTICA PARA CRIANÇAS E PARA A FAMÍLIA 3.1. O Transtorno de Estresse Pós-Traumático Atualmente, ouvimos muitas informações sobre os Transtornos emocionais graves e de longa duração que podem ocorrer após acontecimentos traumáticos, como as guerras, os desastres naturais, acidentes automobilísticos, morte repentina, violação física, entre outros tipos de traumas. O trauma faz parte da história do homem desde sempre, como diz Berlink (1998) O homem é, assim, um ser da catástrofe..., e é a capacidade criativa para sua superação que, desde a Era Glacial, vem garantindo a sobrevivência da espécie. O homem sempre teve de enfrentar as forças da natureza ou inimigos mais poderosos e nem sempre levou vantagem sobre eles, tendo sua vida constantemente ameaçada. Podemos imaginar que essas lutas, inevitáveis à sobrevivência, possam, desde os tempos mais remotos, ter deixado marcas na mente do homem primitivo. Os primeiros registros dessas marcas são citadas por Cia (2001), sobre evidências de Transtorno de Estresse Pós-Traumático em soldados no século 6 a.C. Cazabat (2001) cita também registros de sofrimento psicológico após batalhas presentes na Bíblia, no Talmud e em clássicos da Antiguidade, como a Itália. (VIEIRA NETO & VIEIRA, 2005, p. 20). Diante disso, observamos que o homem demonstra ter a capacidade de desenvolver de forma criativa comportamentos de superação para as mais diversas situações adversas, utilizando-se dos seus mecanismos de defesa. Contudo, nem todos conseguem passar por esses eventos de forma adaptativa, se auto-regulando de forma criativa e ajustando-se as mais diversas situações. Nesses casos, as repercussões emocionais do acontecimento podem desencadear comportamentos, ditos patológicos pela comunidade científica. As reações sintomáticas após uma situação traumática são estudadas há muito tempo e receberam diversas denominações de acordo com o período histórico que se desenvolviam, por exemplo, no período das grandes guerras, chamou-se de “Fadiga de Batalha, Neurose de Guerra, Choque Pós-Guerra”, em outras situações, como a dos campos de concentração na Segunda Guerra Mundial denominou-se 30 “Síndrome dos Campos de Concentração” o qual descrevia os sintomas desenvolvidos pelos sobreviventes. Em casos de estupro e abuso infantil também se criou outras nomenclaturas. Entretanto, com o avanço das pesquisas observou-se que em todas essas situações havia algo em comum, vivenciar uma situação traumática e apresentar um comportamento muito semelhante, independente do tipo de estressor. Tal compreensão foi determinante para enquadrar todas essas nomenclaturas dentro do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (VIEIRA NETO & VIEIRA, 2005). É necessário nos dedicarmos mais aos estudos dos aspectos emocionais e psicológicos que surgem após uma experiência traumática, visto que na maioria dos casos, eles deixam marcas muito difíceis de serem apagadas e superadas pelo homem. Quando este ainda é uma criança em processo de desenvolvimento, as implicações podem ser danosas para ela e para sua família. O TEPT ocorre em crianças e adolescentes, mas o DSM-IV-TR não traz muitas referências de seus efeitos em crianças, apenas enfoca como sintomas a presença de sonhos repetitivos sobre o acontecimento, pesadelos de monstros e desenvolvimento de sintomas físicos como dores de cabeça e de estômago. Entretanto estudos mostram que Como era de se esperar, a prevalência de TEPT é mais elevada em crianças do que em adultos expostos ao mesmo estressor. Em certas situações 90% delas desenvolveram-no. Em geral, o TEPT tem sido subestimada nessa população. (SADOCK & SADOCK, 2008, p. 261). Os fatores de risco em crianças incluem diversos aspectos, como idade, sexo, nível socioeconômico, acontecimentos na vida diária, compreensão do contexto cultural em que vive, presença ou ausência de co-morbidade psiquiátrica, forma de lidar com elementos estressores, situação familiar, entre outros. Com relação e reencenação e reexperimentação, as crianças pequenas, geralmente apresentam uma forma específica que consiste em encenar de forma repetitiva o evento traumático ou temas relacionados a ele por meio de brinquedos. Já as mais velhas podem incorporar aspectos do trauma em suas vidas. Ainda observam-se comportamentos de desinteresse por atividades antes prazerosas, como também podem ocorrer comportamentos regressivos, como enurese noturna ou medo de dormir só. 31 Voltando ao Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) de forma geral, considera-se como condição que ele se desenvolva, quando uma pessoa vê, tem notícia ou é envolvida por um estressor traumático, cuja exposição envolva a ocorrência ou a ameaça consistente de morte ou ferimentos graves para si ou para outros, além das reações de medo, impotência, desamparo e horror. Em resposta a este evento traumático, desenvolvem-se os sintomas de reviver o evento traumático e a constante evitação de estímulos a ele associados para evitar lembrar-se dele. Entretanto, o estressor por si só não é suficiente para causar TEPT, uma vez que se precisa levar em consideração fatores individuais preexistente, tanto biológicos, como psicossociais, além dos acontecimentos que possam ter acontecido antes e depois do traumatismo, já que nem todas as pessoas que vivenciam um evento traumático desenvolvem TEPT (SADOCK & SADOCK, 2008). Para diagnosticar-se o TEPT utilizaremos os critérios do DSM-IV-TR8 dispostos na tabela abaixo: Tabela 1. Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para transtorno de estresse póstraumático A. Exposição a um evento traumático no qual os seguintes quesitos estiveram presentes: (1) a pessoa vivenciou, testemunhou ou foi confrontada com um ou mais eventos que envolveram morte ou grave ferimento, reais ou ameaçados, ou uma ameaça à integridade física, própria ou alheia; (2) a resposta da pessoa envolveu intenso medo, impotência ou horror. Nota: Em crianças, isso pode ser expressado por um comportamento desorganizado ou agitado. B. O evento traumático é persistentemente revivido em uma (ou mais) das seguintes maneiras: (1) recordações aflitivas, recorrentes e intrusivas do evento, incluindo imagens, pensamentos ou percepções. Nota: Em crianças pequenas, podem ocorrer jogos repetitivos, com expressão de temas ou aspectos do 8 De American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4 th ed. Text rev. Washington, DC: American Psychiatric Association; copyrigth 2000 In: SADOCK, B. J.; SADOCK, V. A. Manual conciso de psiquiatria clínica. Tradução: Cristina Monteiro. – 2. Ed. – Porto Alegre: Artmed, 2008, p 260. 32 trauma; (2) sonhos aflitivos e recorrentes com o evento. Nota: em crianças podem ocorrer sonhos amedrontadores sem um conteúdo identificável; (3) agir ou sentir como se o evento traumático estivesse ocorrendo novamente (inclui um sentimento de revivência da experiência, ilusões, alucinações e episódios de flashbacks dissociativos, inclusive aqueles que ocorrem ao despertar ou quando intoxicado). Nota: em crianças pequenas pode ocorrer reencenação específica do trauma; (4) sofrimento psicológico intenso quando da exposição a indícios internos ou externos que simbolizam ou lembram algum aspecto do evento traumático; (5) reatividade fisiológica na exposição a indícios internos ou externos que simbolizam ou lembram algum aspecto do evento traumático. C. Esquiva persistente de estímulos associados com o trauma e entorpecimento da responsividade geral (não presente antes do trauma), indicados por três (ou mais) dos seguintes quesitos: (1) esforços no sentido de evitar pensamentos, sentimentos ou conversas associadas com o trauma; (2) esforços no sentido de evitar atividades, locais ou pessoas que ativem recordações do trauma; (3) incapacidade de recordar algum aspecto importante do trauma; (4) redução acentuada do interesse ou da participação em atividades significativas; (5) sensação de distanciamento ou afastamento em relação a outras pessoas; (6) faixa de afeto restrita (por ex., incapacidade de ter sentimentos de carinho); (7) sentimento de um futuro abreviado (por ex., não espera ter uma carreira profissional, casamento, filhos ou um período normal de vida). D. Sintomas persistentes de excitabilidade aumentada (não presentes antes do trauma), indicados por dois (ou mais) dos seguintes quesitos: (1) dificuldade em conciliar ou manter o sono (2) irritabilidade ou surtos de raiva 33 (3) dificuldade em concentrar-se (4) hipervigilância (5) resposta de sobressalto exagerada E. A duração da perturbação (sintomas dos Critérios B, C e D) é superior a um mês. F. A perturbação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. Especificar se: Agudo: se a duração dos sintomas é inferior a três meses Crônico: se a duração dos sintomas é superior a três meses Especificar se: Com início Tardio: se o início dos sintomas ocorre pelo menos seis meses após o estressor É inegável a importância de um adequado reconhecimento do quadro de TEPT, tanto pela evidente prevalência do transtorno, quanto pelo comprometimento que ele acarreta ao indivíduo e conseqüentemente à sociedade. Além disso, esses critérios permitem que os clínicos possam realizar o diagnóstico diferencial o TEPT sem confundi-lo com outros tipos de transtorno, como também ajuda na elaboração do plano terapêutico corroborando para um tratamento mais eficaz. O TEPT aparece com altas taxas de comorbidade com outros distúrbios de natureza mental. Pacientes com esse diagnóstico apresentam uma sensibilidade maior em relação à depressão e ansiedade, apresentando doenças associadas como, Episódio Depressivo Maior, Transtorno Bipolar, Síndrome do Pânico, transtornos relacionados a uso de álcool, uso de diversas outras drogas, aumento do uso de cafeína, consumo de nicotina, Transtorno Obsessivo Compulsivo. Podem também apresentar alterações fisiológicas, como do sistema imunológico, de memória, aparecimento de dores crônicas e alergias, além de mudanças de comportamento social, isolando-se, apresentando grande necessidade de controle e dependência (VIEIRA NETO, 2005). Especula-se ainda que o desenvolvimento do TEPT ainda em idade precoce, produz “vulnerabilidade para o desenvolvimento de outros distúrbios psiquiátricos” (VIEIRA NETO, 2005, p. 64). 34 Qualquer pessoa pode desenvolver tal transtorno ao experienciar uma situação ameaçadora a vida, como, terremotos, enchentes, furações, alagamentos; acidentes; atos de violência; processos de adoecimento, tudo que for maior do que a capacidade do indivíduo para enfrentá-lo, com base em suas experiências anteriores. Até mesmo situações de emergência corporal ou mental, como infarto do miocárdio, parada cardíaca ou o surgimento de uma esquizofrenia paranóide, por serem situações que apresentam uma ameaça à vida, podem provocar o aparecimento de TEPT. (MINGOTE et al, 2001 apud VIEIRA NETO, 2005, p. 46). Existem também situações potencialmente traumáticas que não envolvem diretamente risco de morte, mas também podem provocar TEPT, variando as conseqüências psicológicas dependendo da situação traumática e de como o indivíduo vivencia de acordo com sua subjetividade essa situação, por exemplo, existem estudos com pessoas que apenas assistiram a um fato violento pela televisão e desenvolveram o TEPT. Para Cia (2001 apud, VIEIRA NETO, 2005), existem dois tipos de situações traumáticas, Tipo I – são as de pequena duração, inesperadas e eventuais, angustiantes, como os desastres naturais, acidentes, assaltos. “Os eventos são recordados em detalhe e criam lembranças bem vivas e completas. Geralmente oferecem uma rápida recuperação, mas podem conduzir ao desenvolvimento de TEPT, com idéias intrusivas, evitação e hiperexcitação” (p. 47); Tipo II – são as de maior duração, previsíveis e às vezes repetidas, como situações de abuso, maustratos, tortura, seqüestro planejado, assédio moral, entre outros, onde as vítimas se sentem incapazes de se defender. “As lembranças são geralmente imprecisas, confusas, isoladas e fragmentadas, devido à dissociação. (p. 47)”. Pessoas que passam por essas situações tendem a reagir de forma dissociativa, apresentando uma “insensibilidade ou anestesia afetiva”, às vezes isolando-se e podendo até a fazer o uso de drogas para se afastar do sentimento de vergonha, desvalorização e até culpa por agüentarem essas situações. Ainda com relação aos sintomas desenvolvidos após uma situação traumática, existem trabalhos recentes que ainda não estão descritos no DSM-IV e na CID-10 que mostram sintomas secundários ao TEPT, como “alterações na percepção do tempo, antecipações catastróficas e premonições em „espiral negativa‟” (MINGOTE et al, 2001 apud VIEIRA NETO, 2005, p. 49). Percebe-se 35 ainda um comportamento mais reticente, sem confiança no futuro o que implica numa dificuldade de realizar planejamentos a longo prazo, manter os objetivos prévios da vida familiar e profissional, o que contribui para o surgimento de conflitos intra familiares. Observa-se, assim que há um momento de desestruturação para a vítima e sua família, uma vez que é esse o primeiro grupo de relações em que o indivíduo está inserido. Contudo, existem muitas variáveis que determinam como alguém será afetado pelo estresse traumático, dentre elas a idade, a experiência, expectativas, interpretações, entendimento e percepções do evento traumático. Já com relação à recuperação, deve-se levar em consideração a personalidade, o tipo de estressor, os recursos de enfrentamento, os recursos de apoio e a maneira como desenvolve a capacidade de se adaptar as mudanças decorrentes do episódio vivido. A experiência traumática não tem apenas como consequência psicopatológica única o desenvolvimento do TEPT. A CID-10 e o DSM-IV apontam para a existência de um outro diagnóstico possível, o Transtorno de Estresse Agudo (TEA). A diferença crucial entre os dois é a temporalidade dos sintomas, no primeiro há uma persistência por mais de 30 dias, e no segundo o diagnóstico deve ser dado no período entre 48h e 30 dias após a situação traumática, caracterizando o TEA como um diagnóstico provisório. No que se referem ao período do surgimento e duração dos sintomas, Vieira Neto (2005) cita diversos estudos, os quais defendem que existe uma variação de algumas semanas a meses após o evento traumático para se iniciar os sintomas e sua duração passando de três meses pode ser considerada crônica. No entanto, quando o estressor é transitório ou pode ser aliviado, os sintomas começam a diminuir após um período inferior a oito horas. Caso a exposição ao estressor continue, os sintomas devem começar a diminuir em 48 horas. Considerando os critérios do DSM-IV para Reação Aguda ao Estresse, além da exposição do indivíduo ao evento traumático grave, esse deve ter apresentado intenso medo, ou sensação de impotência no momento da exposição. Enquanto a pessoa vivenciava o evento, ou logo após, pode passar a ter diferentes sintomas dissociativos, como sensação de distanciamento, redução da consciência quanto às coisas que a rodeiam, desrealização, despersonalização e incapacidade de recordar algum aspecto importante do trauma. Para fins diagnósticos, conforme o DSM-IV é exigida a presença de pelo menos três destes sintomas dissociativos. 36 Então, além da exposição ao evento traumático, sensação de impotência frente a ele, e pelo menos três sintomas dissociativos, o indivíduo com Reação Aguda ao Estresse passa a reviver o evento traumático (através de imagens, pensamentos, sonhos) e a evitar aspectos que possibilitem a recordação do trauma, por exemplo: locais, conversas ou pessoas. Esses sintomas devem interferir significativamente na vida do indivíduo, mas o transtorno tem como ponto limitante a duração deles, pois persistem por, no mínimo, dois dias e, no máximo, quatro semanas. Existem críticas no meio científico quanto a necessidade do diagnóstico de TEA, autores como Harvey e Bryant (2001) relacionam algumas delas, entretanto a constatação mais acertada é que geralmente ocorre uma sobreposição dos dois diagnósticos o que leva diversos pesquisadores questionarem se de fato existem dois diagnósticos (VIEIRA NETO, 2005). Retomando a discussão sobre o TEPT, identificou-se a partir de pesquisas estatísticas fatores que favorecem o surgimento de TEPT, como depressão ou ansiedade preexistente, exposição anterior a outras situações traumáticas, separação ou morte precoce dos pais, histórico de abusos físicos e também diversas outras adversidades, como dívidas, adoecimento concomitante ao momento do trauma, percebe-se que o contexto de vida de cada pessoa interfere diretamente no como cada uma enfrentará a situação adversa (VIEIRA NETO, 2005). O diagnóstico, por exemplo, de uma doença crônica, considerada incurável e permanente exige que o indivíduo ressignifique sua existência, adaptando-se às limitações e novas condições geradas. É necessário estabelecer uma nova relação com a vida. Diante disso, a família também precisa se reorganizar e se adaptar, pois as funções e os papéis de cada um devem ser repensados e distribuídos de forma que auxiliem a vítima na elaboração de sentimentos confusos e dolorosos ocasionados por esse processo de adoecer. Observa-se que nessas circunstâncias há uma ruptura do equilíbrio dinâmico familiar, haja vista que esta terá que readaptar-se as novas mudanças geradas pelo evento traumático, nesse caso o adoecimento. Santos e Sebastiani (2001 apud LAFAYETTE, 2007) descrevem três tipos de reações da família frente à situação de adoecimento crônico, como a princípio se mobilizar numa tentativa de resgate do funcionamento anterior, mas como não é mais possível, passa por dificuldades no processo adaptativo uma vez que busca desenvolver uma nova identidade; outro 37 tipo de reação é a paralisação decorrente do impacto; ainda há as famílias que percebem os ganhos secundários do adoecimento de determinado parente e este é colocado como o depositário de todas as patologias das relações familiares. Diante disso, notamos a importância de compreender como se configura o campo que o indivíduo vítima de um desastre faz parte para assim, contextualizar o como pode ter desenvolvido o TEPT, quais os fatores que podem ter contribuído, como tem vivenciado essa experiência, e assim, desenvolver técnicas interventivas mais apropriadas que ajudem no ajustamento criativo. 3.2. Desenvolvimento Infantil na perspectiva Fenomenológica – Existencial O nosso objeto de estudo é a criança, e por isso, entendemos ser fundamental compreender acerca desse conceito, explanando a perspectiva histórico-social e contextualizando como percebemos o seu desenvolvimento, a partir da Gestalt-terapia abordagem fenomenológico-existencial, que considera o homem como um ser em constante processo, relacional, contextual e acima de tudo, global e singular. A criança bem como a infância são noções construídas histórico-socialmente entre os Séc. XVII e XIX, haja vista que pessoas nessa faixa etária eram percebidas como miniaturas de adultos, vivendo e assumindo papéis e trabalhos junto aos adultos; não havia uma preocupação particular com elas, assim que eram desmamadas e podiam ensaiar os primeiros passos eram inseridas, sem distinções, em todas as atividades. (AIRÈS, 1981). Só a partir do Séc. XIX momento de transformação político-econômicas da sociedade, na qual a nova ordem econômica centrada no capital, a família muda de lugar, e passa a constituir apenas uma unidade de consumo e reprodução, paralelamente a isso, as crianças adquirem um novo valor e importância; compreende-se que elas são, potencialmente, uma riqueza econômica – o trabalhador do futuro. O que indica uma mudança de paradigma da concepção de criança, a qual agora começa a ser cuidada, educada, alvo de atenção, mudando até a configuração familiar que desenvolve uma relação afetiva entre ela e os pais, propiciando o surgimento do sentimento de pertença, uma vez que a família agora 38 de fato era responsável pela preparação da criança para o seu futuro, implicando assim no surgimento do sentimento de família e constituição da família nuclear. [Op. cit.]. Diante dessa mudança de paradigma, diversas ciências surgiram para aperfeiçoar o cuidado com as crianças. Entre elas, a psicologia, a partir de seus experimentos laboratoriais e das elaborações de Freud (1980), que estudou o papel da infância na etiologia de algumas neuroses e em todo o desenvolvimento da personalidade humana. Outra fonte de estudos foi a Psicologia do Desenvolvimento, que de acordo com Souza (1997 apud AGUIAR, 2005), percebe a criança sob os aspectos evolutivos, no que se refere à perspectiva biológico-evolucionista e a pedagógico-normativa – ambas fragmentando o homem em áreas ou setores do desenvolvimento, estabelecendo marcos cronológicos para suas aquisições, focalizando a infância como o período de desenvolvimento por excelência e negando-o como um ser único que interage com seu meio, modificando-o ao mesmo tempo em que é modificado por ele (p.63). Desse modo, entendemos que a Psicologia do Desenvolvimento prioriza a questão da maturação ao longo do tempo estabelecendo uma dicotomia entre crianças e adultos, por exemplo, na qual a infância é compreendida como um período de mudanças e instabilidade que se contrapõe a uma vida adulta estável e madura. Além de enfatizar a idéia de que o desenvolvimento se dá apenas nos espaço entre o nascimento e a vida adulta. Ao conceber a criança como um ser imaturo, inacabado e imperfeito, em contraposição com o adulto maduro, desenvolvido e acabado; e ainda ao colocar a criança como passiva, à mercê do ambiente, deixando de levar em consideração o papel fundamental dela como agente transformador do seu meio e protagonista do seu desenvolvimento, assim como o adulto, reduzem, determinam e neutralizam o ser humano. A Gestalt-terapia possui uma visão holística do desenvolvimento, e resgata o caráter de um sujeito global, social, histórico e cultural que se desenvolve num processo singular e infinito, a partir do biológico e do social em permanente interação, num constante diálogo entre todos os elementos do campo 9. (AGUIAR, 2005). 9 Campo: um conjunto de conceitos por meio dos quais pode representar a realidade psicológica. Estes conceitos devem ser bastante amplos para serem aplicáveis a todas as formas de comportamento e, ao mesmo tempo, bastante específicos para representarem uma pessoa definida em sua situação concreta. (MARTINS, 1992, p.11). 39 Para Perls (1981, p. 31) “Não há eventos internos / externos, mas sim uma totalidade, um organismo e um meio que interagem e mantém uma relação de reciprocidade”. Na abordagem Gestáltica, o homem e, portanto a criança também é vista como um ser de relação com o mundo, onde no seu desenvolvimento, vislumbra-se o processo em si, processo este que se dá na relação. Portanto, somos um ser em constante transformação, e cada ser é singular, único, tendo suas possibilidades e limitações. Com a criança em desenvolvimento não é diferente, ela está a reconhecer e a aprender a lidar com essas diversas facetas da sua existência. Por exemplo, quando a criança é muito bebê e está deitada em seu berço tem apenas uma perspectiva do mundo: até onde vai seu olhar e sua possibilidade de mover a cabeça. Pouco a pouco percebe que pode dar uma viradinha e mudar de lugar no berço, depois aprende a rolar no berço, a levantar o pescoço e descobre novas formar de movimentação, desenvolvendo gradativamente o engatinhar, a percepção mais ampliada do seu contexto. Ao visualizar objetos que pode segurar-se e ficar de pé, passo de grande importância para o bebê, porque seu campo visual amplia-se, bem como seu alcance para outros objetos de desejo, parte de suas necessidades e poderão influenciar no descobrimento de que pode andar sozinho, depois correr, pular e assim sucessivamente. Nota-se que nesse exemplo, que há um processo ininterrupto de interação criança/mundo, no qual ela utilizaria de ajustamentos criativos para saciar suas necessidades mais prementes se auto-regulando. Sob essa perspectiva, o que moveria o ser humano no mundo, abrindo espaço para a aquisição e transformação ao longo do tempo, seria sua tendência a auto-regular-se e isso aconteceria de forma contínua e dinâmica durante toda nossa vida, numa constante busca de equilíbrio a partir da emergência de nossas necessidades, que por sua vez emergem no contato com o mundo. Vale lembrar que ao falarmos de “necessidade”, em Gestaltterapia, estamos nomeando toda e qualquer demanda do organismo vivo e não só “necessidades orgânicas e fisiológicas”. (AGUIAR, 2005, p.69). Diante disso, entende-se que a criança já tem a capacidade de “dar-se conta” daquilo que se passa com ela a cada momento em sua relação com o mundo, do que ela sente, pensa, faz e necessita nessa interação. É nesse sentido, que colocamos o ser humano como capaz de ser criativo e de tornar o mundo mais assimilável e possível para suas necessidades, descartando o que não precisa e 40 utilizando o que lhe serve. Dessa forma, a criança vai convivendo com seu contexto e criando sua história de vida, ajustando-se, vai ampliando cada vez mais seu contato com o mundo, adquirindo através de suas experiências recursos para lidar com as mais variadas situações, que estarão sempre permeados pelo campo, o qual faz parte, pois esse transmitirá para ela seus mitos, valores, modos de ser e perceber o mundo (AGUIAR, 2005). Nota-se que a partir dessa nova possibilidade de perceber o ser humano, particularmente no pós-guerra, entendemos o homem como um ser que é tomado por um fim que ele mesmo está sempre por fazer; ele é digno de confiança para realizar as escolhas da sua vida, bem como responsável por elas; é um ser biopsico-socio-espirítual, ou seja, total, e essa, são maiores que a soma de suas partes. Então, conhecer apenas algumas partes pode nos levar a inúmeros enganos; funciona adequadamente à medida que se mantém ligado no aqui e agora10, consciente do seu presente; tem a capacidade de se auto-regular, observando qual a necessidade predominante de seu corpo em determinado momento porque se movimenta sempre na direção da satisfação dessas necessidades; e por fim crê que o homem é um ser em busca do sentido de sua existência (MARTINS, 1995). Nota-se que a todo o momento ao explicarmos sobre o processo de desenvolvimento, abordamos a necessidade da experiência do contato consigo, percebendo suas necessidades, e ao mesmo tempo com o meio que ajudará na elaboração de recursos para lidar com as diversas situações. Nesse sentido, Tellegen (1984) expressa a noção de contato a partir de uma concepção fenomenológico-existencial: A noção de contato, assim entendida, como base relacional fundamental e originária daquilo que se apresenta a nossa experiência como eu-outro, sujeito-objeto, interno-externo, constitui a base fenomenológica da abordagem gestáltica e é o cerne da sua metodologia (p. 50). Polster (2001) acrescenta que o contato é o sangue vital do crescimento, o meio para mudar a si mesmo e a experiência que se tem do mundo. A mudança é um produto inevitável do contato porque se apropriar do que é assimilável ou rejeitar o que é inassimilável na novidade irá inevitavelmente levar à mudança (p.113). 10 Estar no aqui e agora significa que este aqui e agora contém e explica a minha relação com a realidade como um todo, ou seja, o que vejo, o que eu percebo agora pode ser explicado pelo agora, sem necessidade de recorrer a experiências passadas de percepção. (RIBEIRO, 1986, p. 79). 41 Nessa perspectiva, a possibilidade de mudança e transformação acompanha o ser humano por toda sua vida, contrariando a perspectiva de desenvolvimento como algo que acontece durante um certo período ou somente até uma certa idade. Ontologicamente, somos ser-de-relação, ser do contato e para o contato. Nascemos da interação, da comunicação, do encontro com um outro ser. Desde o útero, estabelecemos uma relação de reciprocidade em que somos afetados e afetamos; somos influenciados e influenciamos um ao outro. A criança vai desenvolvendo diversas formas de se relacionar com o mundo e de se perceber, que podem tanto ser mais ou menos satisfatórias. Isso dependerá da forma que ela está conseguindo se ajustar criativamente a partir dos seus recursos e as possibilidades oferecidas pelo meio. Assim, observamos que nem todo ajustamento é satisfatório, uma vez que podemos desenvolver uma forma disfuncional de nos ajustarmos, que apesar de oferecer alguma satisfação para a necessidade em questão, não satisfaz plenamente, “implicando em uma série de consequências desagradáveis e/ou prejudiciais ao indivíduo” (AGUIAR, 2005, p. 72). O processo de desenvolvimento do ser humano de acordo com a Gestaltterapia é o processo pelo qual o ser humano desloca-se gradativamente da utilização de um hetero-suporte ou suporte ambiental para a satisfação de suas necessidades e escolhas no mundo, para um parâmetro pessoal e singular, denominado de auto-suporte. Isso significa dizer que o ser humano nasce em uma situação de total dependência do outro; progressivamente adquire recursos para poder escolher aquilo que precisa do outro e decidir de que forma e com que intensidade vai buscá-lo. Cabe ressaltar que autonomia não é sinônimo de auto-sufuciência e, por isso, uma condição autônoma não é aquela que prescinde do outro, mas a que possui condições de avaliar e escolher quando e de que forma esse outro é importante. (AGUIAR, 2005, p. 74-75). Consideramos o desenvolvimento como um caráter relacional que existe desde antes da fecundação, pois muito antes de nascer de fato, a criança já existe no desejo dos pais e da família, uma vez que todos já desenvolveram expectativas, planos, ou seja, diversos elementos já constituem um campo onde esse bebê já se encontra presente e começará a conviver e desenvolver-se. Durante toda a gestação há uma influência mútua do bebê e da mãe, essa vivencia experiências que influenciam o desenvolvimento do bebê, e esse interfere na vida da mãe como um todo, a partir de seu crescimento, por exemplo. Como diz Fernandes et all (1995 apud AGUIAR, 2005, p. 75): 42 Desde a gestação, o bebê vai convivendo com os pais e construindo sua história de vida no contato com eles. Este, que trazem consigo gestalten inacabadas, cristalizações, ajustamentos criativos, por sua vez, também transmitem seus mitos, valores, seu modo de ser, enfim, uma história que foi influenciada por seus ancestrais e por sua cultura. Na gestação a relação estabelecida ainda é de muita confluência, na qual ainda não há uma separação do que é meu e o que é do outro. Mas, quando nasce há uma comparação entre o bebê real e o imaginário, fato que coloca em cheque como serão as primeiras interações com a criança, uma vez que a forma como essa família vai lidar com ele e, particularmente as expectativas que atravessam esses padrões relacionais vão ser cruciais para o desenvolvimento, haja vista, a dependência inicial, que implica na apreensão do mundo a partir das introjeções fornecidas pelos adultos mais próximos, os quais apresentaram o mundo, dizem como ele deveria ser e o que são as coisas, como também proporcionam as maiores satisfações do recém-nascido. Esse processo de introjeção fornece a base sobre a qual a criança construirá seu conhecimento acerca de si mesmo e do mundo e, inicialmente aquilo que é apresentado, é entendido como única possibilidade de se perceber no mundo, as pessoas, as coisas, o que é certo e o que é errado e principalmente quem ele é. Essa forma é fundamental para o desenvolvimento da criança, pois possibilita principalmente segurança, além da sensação de cuidado e proteção. Por outro lado, há de se pensar que pela criança ter nesse momento uma capacidade seletiva pouco desenvolvida, torna-se muito propício para a introjeção de aspectos negativos a respeito de si mesmo, o que de fato pode interferir no desenvolvimento de sua auto-imagem e dificuldades do seu contato pleno com o mundo. Diante disso, verifica-se que não podemos pensar o desenvolvimento inicial do ser humano sem a presença marcante da família. [Op. cit., 2005]. Nessa progressiva inserção no mundo, a criança cada vez mais se diferencia, uma vez que suas experiências são ampliadas para fora do contexto mãe-filhofamília e passa a desenvolver-se em outros espaços, entrando em contato com diferentes formas de relacionamentos e situações, e ainda percebe-se incongruente com alguns sentimentos e comportamentos aprendidos, verificando que esses não são compatíveis e necessitam ser revistos, questionando dessa forma o que o mundo lhe apresenta, desenvolvendo a capacidade de discriminação do que é seu e do que é do outro. Essa possibilidade é fundamental para a construção e 43 sedimentação de sua capacidade de escolher e criar, tornando-se mais ajustada às suas necessidades, criando aquilo de que necessita. Quando chega a adolescência, possuir a capacidade de discriminação bem desenvolvida ajuda na rearfimação de uma identidade singular e fortalece a entrada no mundo adulto. Contudo, segundo Aguiar (2005) para que todo esse intricado processo se dê, é fundamental que a criança tenha, sempre de acordo com suas possibilidades maturacionais, oportunidades de expressar seus sentimentos, de exercitar a capacidade de escolha, de tomar decisões, enfrentar situações e resolver problemas, mesmo que isso redunde algumas vezes em frustrações, pois em toda escolha reside a possibilidade sobre suas consequências e a possibilidade de errar. Sobretudo é fundamental que ela seja confirmada em seus sentimentos, limites e possibilidades a cada momento do seu desenvolvimento (p. 82). Ainda nesse processo de diferenciação, a criança necessita ter a experiência dos limites (aquilo que dá contorno), que oferece uma determinada concepção de mundo, para que depois ela possa questionar e transformar. Ter consciência dos limites contribui para que percebam que existe uma fronteira de contato, a qual propicia o desenvolvimento da percepção si mesma e ajuda na diferenciação dos outros, além de possibilitar o desenvolvimento da consciência da posição que cada um ocupa dentro de determinado contexto, seja família, escola ou outros. [Op. cit.]. Essa interação é realizada através das funções de contato, caminhos por meio dos quais experienciamos o contato com o mundo, são eles: visão, audição, tato, paladar, olfato, linguagem e movimento corporal. Todas essas funções configuram-se de forma única e funcionam de acordo com a importância de cada momento vivenciado. Então, a criança deve ser estimulada a experienciar todos esses canais de contato consigo e com o mundo para favorecer a mais alternativas de ajustamento criativo. [Op. cit.]. É interessante refletir que a infância feliz, protegida, segura não existe para muitas crianças. Crianças que vivem em ambientes desfavoráveis, hostis, desamorosos precocemente criam condutas adaptadoras disfuncionais para a manutenção do equilíbrio emocional próprio e da família. A capacidade que a criança tem de descobrir formas criativas para enfrentar um ambiente estressante, hostil ou negligente é formidável, uma vez que a dimensão sensorial/intuitiva predomina em sua existência. Perls, Goodman e Hefferline (1997) afirmam que “a psicologia é o estudo dos ajustamentos criativos [...] a psicologia anormal é o estudo da interrupção, inibição ou outros acidentes no decorrer do ajustamento criativo” (p. 44 45). O ajustamento criativo representa o processo dinâmico e ativo de interação do indivíduo com o ambiente para solucionar situações e restaurar a harmonia, o equilíbrio, a saúde do organismo, o qual se dá por meio da auto-regulação (processo espontâneo e inato em nosso organismo), que visa à satisfação das necessidades primordiais do momento, considerando as possibilidades ambientais. Contudo, nem sempre o meio atende às necessidades primárias da criança que, para se autoregular, modifica a necessidade original, realizando um ajustamento criativo coerente com as possibilidades do meio de supri-la. Frazão (1996) explica que: Trata-se de um ajuste necessário à sobrevivência psíquica da pessoa num determinado momento, mas na medida em que este ajustamento se mantém, deslocado no tempo e espaço, acaba se constituindo em um ajustamento disfuncional, embora seja importante compreender que em algum momento foi funcional e criativo (p. 30). A doença significa que a criança interrompeu sua capacidade de dar respostas criativas a específicas situações conflitivas e às suas necessidades internas. Passou a perceber o outro de uma forma petrificada, criando padrões de comportamento e interação repetitivos vinculados a uma gestalt fixada, que enrijece a formação de novas figuras e interrompe o fluxo natural da percepção das necessidades. O adoecer, portanto, é uma forma de auto-regulação (mesmo que vise atender as necessidades secundárias, as quais se sobrepõem as originais), que revela uma personalidade fazendo uso de seus recursos psíquicos particulares para enfrentar o sofrimento, a dor, a tensão. Os sintomas aparecem como tentativas de ajustamentos criativos (comportamentos, gestos, pensamentos, tensões corporais) que surgem para neutralizar a angústia, sinalizando que uma necessidade importante está insatisfeita e, por conseqüência, uma gestalt está aberta. Os sintomas mascaram o drama real, criam um falso conflito, tornando-se o núcleo neurótico. A criança adoecida perdeu a capacidade de manter um contato nutritivo consigo e com o outro, cortou a conexão com o corpo e vivencia um confuso senso de eu que abala a autoconfiança, o auto-suporte, a auto-estima. Já a criança saudável desenvolve boa capacidade para lidar com a ansiedade e com momentos de tensão. É capaz de esperar, consegue adiar a gratificação e tolerar a frustração (BRIGGS, 1986). Aprende que amar é estabelecer troca com o outro, o que a torna capaz de dar e receber, efetuar condutas de reparação, preocupar-se com o outro e assumir responsabilidades (WINNICOTT, 1983), mostrando que desenvolveu 45 mecanismos flexíveis de ajustamento criativo e de adaptação às demandas das situações. Nessa perspectiva de ser humano auto-regulado, relacional e contextual, destacamos o contexto familiar como um dos particularmente significativos para o desenvolvimento e funcionamento saudável da criança, haja vista que além de ser o primeiro espaço de interação, demonstra ser o espaço mais relevante devido ao forte vínculo de dependência estabelecido no início da vida, em parte pelas fortes introjeções adquiridas e por se configurar um espaço de proteção e segurança. Diante disso, para compreender o que se passa com uma criança é fundamental entender a dinâmica de seu contexto familiar. 3.3. A Importância da família no desenvolvimento da criança vítima de desastre Conceituar família não é uma tarefa fácil, e percebemos que tal definição está muito ligada ao contexto histórico-social. Já houve épocas em que se colocava impreterivelmente na sua definição a função de reprodutora, ligada à continuidade da espécie. Entretanto, a evolução da família ao longo da história está relacionada com mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais. Três momentos políticoeconômicos foram marcantes no mundo ocidental: o feudalismo (séculos XVI e XVII), a industrialização (século XVIII e metade do XIX) e o sistema capitalista de produção industrial, com ênfase no alto avanço tecnológico (até os dias de hoje). Atualmente, técnicas de fertilização in vitro, barrigas de aluguel, adoção de crianças por casais homossexuais, filhos de outros casamentos habitando juntos trouxeram uma nova ótica para essa questão (AIRÈS, 1981). Atualmente a família é considerada um sistema aberto através da possibilidade de entrada e saída de componentes a qualquer momento. Essa disposição para receber a influência do novo membro que por ventura surgir, trata-se das novas configurações familiares surgidas ao longo dos séculos. Segundo Bacelar (2002), em muitas épocas família foi sinônimo de segurança, aconchego, amor e procriação, mas em outras passou a representar luta de poder, definição de papéis, repressão, entre outros conflitos. Dentro dessas características, marido e mulher 46 foram diminuindo seu número de filhos ou passaram a não desejá-los, homens não representam mais o papel de detentor das decisões familiares e se um casal tem sua relação desestrutura, o divórcio é uma satisfatória solução, com ele, a possibilidade dos recasamentos e assim a junção de vários filhos ligados pelos laços sangüíneos de apenas um dos pais. De fato, conforme Berger (2003) traz em sua obra, a família nuclear clássica, onde moram juntos os pais e filhos não representa a ausência de problemas, muito pelo contrário, nem todo pai ou mãe biológico é tão competente para formar um lar familiar educativo. Muitas vezes ambientes onde não há condições de suprir as necessidades, onde há pais que são perturbados a ponto de não ter a capacidade de adquirir o senso de responsabilidade de ter um filho e dar condições para o seu desenvolvimento, fazem com que carências significativas prejudiquem o curso saudável do ciclo vital das crianças. Como podemos visualizar existem vários tipos de famílias, e muitas maneiras de classificá-las, dependendo do vértice de que se parte: neste trabalho, utilizaremos a perspectiva da Gestalt-terapia, a qual não importa que a família seja convencional ou não, o caráter saudável é dado pelo tipo de configuração estabelecido entre os membros, “os lugares ocupados na dinâmica familiar e as funções estabelecidas por eles” (AGUIAR, 2005, p.94) e é a partir disso que seu olhar e trabalho irão se solidificar. Ainda segundo Aguiar (2005) família é: uma totalidade inserida em outras totalidades e composta por diferentes elementos – os indivíduos que a compõem – que se encontram em permanente interação, afetando uns aos outros, na busca da melhor forma possível de auto-regulação. Uma vez que seus elementos encontram-se em permanente interação, o comportamento de cada um dos membros está relacionado e depende do comportamento de todos os outros. Assim, a mesma perspectiva de totalidade auto-regulada e relacional que possuímos para o ser humano é válida para a nossa forma de perceber o grupo familiar bem como a noção de desenvolvimento contínuo da família através de sucessivas reconfigurações sempre que o “equilíbrio” dela se altera (p.94). Nessa perspectiva, a família tem a capacidade de se auto-regular, uma vez que todos os seus membros se influenciam, reagem e respondem às expectativas e necessidades do outro na busca de um equilíbrio. Assim, o comportamento agressivo de uma criança, por exemplo, pode estar a serviço de um equilíbrio maior, o que na maioria das vezes não é percebido pela família. Fato este que pode justificar a procura para um acompanhamento psicológico. Momento em que o 47 ajustamento criativo utilizado pela criança não está sendo suficientemente satisfatório e suas conseqüências estão ameaçando ainda mais o equilíbrio familiar. Zinker (2001) nos lembra que: A saúde de uma família está refletida em sua habilidade para fluir entre as interações adulto-adulto, adulto-criança, criança-criança, e usar livremente todas as combinações possíveis. Qualquer combinação fixa que ocorra com mais freqüência do que os outros agrupamentos deve ser notada e abordada em seus aspectos nutridores ou venenosos. O agrupamento fixo mais comum é aquele formado pelos pais e por um dos filhos. Isto pode ser disfuncional, impedindo que os adultos interajam um com o outro, e impedindo que o filho saia livremente (p. 244). De acordo com Yontef (1998), a confirmação aceita a pessoa como ela é, e também confirma o potencial vital e de crescimento da existência dessa pessoa. A pessoa se manifesta num dado momento de uma certa forma, mas esta não é a única manifestação possível de seu ser (p. 210). Esse papel de confirmação exercido pela família é fundamental para o desenvolvimento da criança, já que ajudarão a construir um forte senso de eu, com auto-estima elevada e uma crença em sua capacidade de lidar com suas necessidades em consonância com as necessidades do meio. Para que isso se dê é fundamental que o contexto familiar possa confirmar todos os sentimentos e necessidades da criança, ainda que nem todos sejam agradáveis para a família. Isso nem sempre é tarefa fácil porque implica em confirmar sentimentos ou necessidades que muitas vezes a família tem dificuldade de lidar e aceitar, por exemplo, o sentimento de raiva, que na maioria das vezes não é validado, e inibido em prol da aceitação do outro. Tal comportamento de suprimir esse sentimento pode gerar ajustamentos criativos disfuncionais que impedirão o desenrolar satisfatório do curso do seu desenvolvimento e de sua interação com o mundo. (AGUIAR, 2005) Entretanto, é necessário compreender que o fato de confirmar os sentimentos da criança, não significa aceitar todo o tipo de expressão do mesmo. Ao ajudar essa expressão dos sentimentos, confirmamos a possibilidade de sua existência e a potencialidade para lidar com ele de forma satisfatória, oferecendo alternativas adequadas para sua expressão quando esta não for adequada para o momento ou situação, ou vier a ferir o critério de integridade da família e do espaço. Dessa forma colaboramos para uma melhor integração da criança, a qual conseguirá compreender melhor sua forma de ser e estar no mundo, e descobrirá à medida que 48 vivenciar essas experiências, estratégias mais saudáveis para lidar com determinadas situações. [Op. cit.] Observamos que é na família que as habilidades emocionais florescerão inicialmente, e isso, dependerá das habilidades emocionais dos outros membros da família. Esses, muitas vezes podem vivenciar situações difíceis ou pouco satisfatórias para o desenvolvimento humano, como terem passado por uma situação traumática após um desastre, por exemplo, e estarem num momento de busca por uma reorganização, na tentativa de superar os problemas, realizando ajustamentos criativos para não interferir de forma negativa no desenvolvimento dos filhos. Se esta interação, família-criança, estiver comprometida de algum modo, isso irá interferir no desenvolvimento e funcionamento saudável da criança. Ressaltamos dessa forma, que a família é parte integrante da construção do self, pois é dentro do contexto familiar e da forte dependência deste âmbito, que as introjeções são realizadas e atender ou não a tal necessidade irá revelar as características da criança frente ao mundo e o tipo de funcionamento que terá, saudável ou não. [Op. cit.] Completando tal idéia, Aguiar (2005) aponta que os membros de uma família afetam-se uns aos outros numa constante interação e esta acaba por repercutir na vida individual de cada um deles, onde o comportamento muitas vezes irá corresponder a uma resposta e reação à expectativa do outro. Compreender este conceito é essencial para pensar a respeito dos possíveis sintomas apresentados pelas crianças e sobre a visão de família saudável dentro da abordagem gestáltica. Esse caráter será definido através da constatação do tipo de interação existente entre os elementos da família. Conforme a visão de auto-regulação do organismo, os sintomas apresentados devem ser entendidos como a forma apresentada por um dos membros de tentar reagir a tal situação e buscar o equilíbrio. Por exemplo, ao observar o comportamento de uma determinada criança, deve-se ter em mente a existência de uma teia de forças e influências mútuas, onde seu quadro não necessariamente representa uma disfunção do seu desenvolvimento, mas sim o reflexo de uma dinâmica familiar conflituosa. A família é a instância onde se desenvolve o processo de subjetivação do indivíduo, é, conforme Bacelar (2002) relata, o local que fornece elementos para que o homem possa se constituir enquanto sujeito, a partir do conhecimento e 49 diferenciação entre quem ele é e quem é o outro. Nessa função, tal instância tem que ser capaz de suprir as necessidades de confirmação, diferenciação e construção da percepção de si através de experiências boas e ruins, ou seja, protegendo, acolhendo, satisfazendo as necessidades, mas também proporcionando experimentos de frustrações, aceitando as diferenças para que, de acordo com a exposição de Aguiar (2005), o ser humano possa ter seu autoconceito construído de forma positiva, numa valorização de suas características e comportamentos mais autênticos e individuais. Antony (2006) recorda que há três dilemas que são ontológicos ao processo de todo o ser humano e que poderão se estender até a vida adulta, são eles: união x separação; dependência x independência e individualidade x alteridade. Essas polaridades surgidas da ligação entre organismo e ambiente configuram o drama existencial-relacional de cada pessoa em busca de sua identidade e esta, conforme já explicitado anteriormente, só será adquirida através da confirmação, aceitação e reconhecimento por parte do outro. A identidade infantil irá se desenvolver de acordo com um conjunto de fatores crucias nos primeiros anos de vida, os quais o papel da família é de fundamental importância. Através da observação do comportamento da mãe, de seus gestos, expressões faciais e outros sinais, a criança desvenda que a necessidade do afeto passa a lhe trazer satisfação, pois recebeu dessa fonte aquilo que estava precisando. Do momento da infância até a idade adulta, as percepções de si e do ambiente irão se modificar para que a diferenciação e a autonomia cresçam. Tal ação ocorre quando, sem atravessamentos de obstáculos psicológicos, a pessoa busca a sua maturidade, momento o qual a personalidade poderá representar o máximo de suas potencialidades, de acordo com sua constante auto-regulação organísmica. Para Antony (2006), quando a criança não tem suporte ambiental de cuidado e segurança parental, em sua limitada capacidade de reflexão, percebe estes pais tendo atitudes de punição decorrentes da reprovação de algo que ela tenha feito. Deste modo, através da introjeção de aspectos depreciativos, dá-se início a formação de uma auto-imagem negativa e a conseqüente organização distorcida de self que, por sua vez, produzirá padrões de contato com o mundo não saudáveis. Oaklander (1980) prossegue referindo que os bebês não nascem com percepções ruins acerca de si mesmo, contudo, as mensagens provenientes de seus pais/ 50 cuidadores constituíram na tradução de qualquer tipo de mensagem do ambiente que acabará reforçando a percepção de si, formada em decorrência das atitudes parentais. Para Ribeiro (2006), self pode ser definido como um sistema de contatos, como uma unidade que dá consistência e unidade ao funcionamento da personalidade, como algo que regula os diversos sistemas de contato do organismo humano, como algo que é o si mesmo e me permite olhar e me reconhecer como um indivíduo diferente de qualquer outro (p.172) Desta maneira, o self11 é uma estrutura processual em constante busca de contatos, crescimento e auto-regulação e diz respeito ao estilo pessoal e demais elementos envolvidos com o ser no mundo. O self funcionando como um protetor da harmonia produzirá a maneira pela qual o sujeito estará se relacionando em determinado momento com o ambiente. A possibilidade de novos arranjos, obtenção de outros elementos e sucessivos ajustamentos permite que o self seja capaz de se modificar, se constituindo a cada momento (AGUIAR, 2005). Compreendemos o quanto é importante considerar o como a família se relaciona com a criança e que implicações têm sobre ela, visto que perceber essa relação é um ponto-chave para se entender o seu desenvolvimento. Haja vista que a família é o primeiro elo de contato da criança com o mundo, é nesse contexto que a criança se confirma enquanto ser humano, e o primeiro espaço no qual lhe são atribuídas características próprias e específicas que a diferenciam uns dos outros. Diante do exposto, inferimos que as crianças vítimas de desastre podem ter maiores chances de superar essa situação adversa se possuírem uma rede de apoio segura, como por exemplo, os pais, familiares, amigos e professores; se conseguirem desenvolver uma boa capacidade para lidar com a ansiedade e com momentos de tensão; além de utilizar-se de mecanismos flexíveis de ajustamento criativo e de adaptação às demandas da situação vivenciada. Estudos de Pavan (2009) explicam que logo após a ocorrência do evento deve-se realizar, dentre as várias ações que poderão ajudar as crianças, Self – Perls não se deteve a elaborar um conceito para self em sua teoria, porque para ele somos quem somos. “A noção de „self‟ ou „eu‟, para Perls, não é estática e objetivável; „eu‟ é simplesmente um símbolo para uma função de identificação. O „eu‟ identifica-se com qualquer que seja a experiência emergente da figura em primeiro plano; todos os aspectos do organismo saudável (sensorial, motor, psicológico e assim por diante) identificam-se temporariamente com a gestalt emergente, e a experiência do „eu‟ é essa totalidade de identificações. Função e estrutura são idênticas”. (GINGER & GINGER, 1995, p. 141). 11 51 o provimento de informações clara e concisa sobre o desastre; Explicar que o desastre não é culpa delas; Mantê-las ocupadas com tarefas, que inclui ajudar a família a se recuperar do desastre; Não minimizar a gravidade do evento ocorrido; Entender que as crianças sofrem com a perda de brinquedos, jogos, roupas e outros objetos favoritos”. (EIRD/ONU, 2001 apud PAVAN, 2009, p. 97). Observa-se que essas recomendações traduzem a necessidade de incluir as crianças na solução dos problemas, ajudando-as a se responsabilizar por si mesmas, dentro de suas limitações cognitivas, e assim contribuindo para que elas se preparem e consigam se proteger e alertar a própria família ou irmãos menores numa outra situação de risco que eventualmente possa ocorrer, resultando numa redução de danos humanos ou até mesmo evitando-os. Compreende-se então que a partir das informações que lhes são transmitidas pelo convívio social, elas se capacitam para reagir e atuar diante das mais variadas situações. Sendo assim, entendemos que quando a criança consegue ter uma percepção de si, dos seus sentidos, do corpo, dos sentimentos, também possui um bom contato com o meio ambiente e com as pessoas desse meio ambiente corroborando para um desenvolvimento mais flexível e, por conseguinte, mais saudável. Entretanto, ao experienciar uma situação de crise, será que conseguirá ajustar-se criativamente, sem gerar comportamentos disfuncionais? Acreditamos que essa resposta nunca poderá ser respondida de forma completa, apenas poderemos inferir relacionando a certos exemplos já vivenciados, ou por meio de conjecturas, haja vista que a realidade nunca acontece de fato como nós prevemos e ainda por compreendermos o homem, como um ser fenomenológico, contextual, relacional e mutável, num processo singular e infinito e em constante diálogo entre todos os elementos do campo. Ainda buscando refletir acerca da pergunta feita acima, iremos nos debruçar no próximo tópico sobre quais as contribuições que a Psicologia tem sobre esse tema e como vem se desenvolvendo o ramo da Psicologia do Desastre no nosso país e na América Latina. 52 4. CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA NO ATENDIMENTO A CRIANÇA VÍTIMA DE DESASTRE 4.1. Surgimento e papel da Psicologia do Desastre na atenção a saúde da criança Inicialmente, as áreas que se preocupavam com os estudos sobre emergência e desastres eram apenas a sociologia e a geografia humana. O envolvimento da Psicologia foi muito gradual, e assim continua sendo, porque estamos no século XXI, e só agora estamos trabalhando esse acordo, não apenas no pós-desastre, mas da atuação da Psicologia no trabalho de prevenção. O estudo dos desastres atualmente está situado nos campos da Psicologia Ambiental e, mais especificamente, da Psicologia das Emergências e dos Desastres. A Psicologia Ambiental enquanto disciplina, vêm buscando enfatizar teoricamente a influência do ambiente nas pessoas, bem como a influência destas no ambiente. Desse modo, no que tange aos desastres a relação homem x ambiente é de fundamental importância, uma vez que existe entre ambos uma relação de reciprocidade (KUHNEN, 2006). A Psicologia dos Desastres, por sua vez, é um ramo novo da psicologia, que vai estudar as influências dos riscos e acidentes num âmbito individual e coletivo, além de avaliar as mudanças e as conseqüências provocadas na sociedade. Envolve as diferentes esferas de atuação do psicólogo nas situações de ocorrência de emergências e desastres, no estudo dos seus impactos psicológicos nos indivíduos e grupos, bem como, no trabalho de prevenção a desastres e no auxílio às vítimas de modo a reconstruir suas vidas no pós-desastre. Enquanto área do conhecimento, embora recente no Brasil, contempla uma ampla bagagem de investigações e construtos teóricos que evoluíram de estudos descritivos e individuais para trabalhos estatisticamente significativos, até propostas de técnicas específicas de intervenção (COÊLHO, 2006). Fazendo uma alusão histórica ao surgimento do interesse por se estudar as repercussões emocionais de pessoas envolvidas em desastres, encontramos o primeiro estudo, bastante citado na área de desastres, o do médico psiquiatra, 53 Edward Stierlin, em 1909, pesquisador que trabalhou com acidentes de mina, de trem e marítimos, na costa leste dos Estados Unidos. Já a primeira pesquisa reconhecida cientificamente foi a de Samuel Prince, em 1920, em Hallifax, Canadá. Ele também trabalhou com explosões e desastres marítimos. Entretanto, o primeiro estudo, de fato, feito na área de intervenção pós-desastre, foi realizado em 1944, por Lindemann, constituiu-se na avaliação sistemática das respostas psicológicas a desastres no incêndio de uma boate, no qual morreram mais de 400 pessoas. Essa pesquisa ficou reconhecida como um marco teórico pelo levantamento das reações psicológicas de forma mais organizada (COÊLHO, 2006). Em 1976, durante as inundações em Buffalo Creek, se começa a falar da necessidade de se trabalhar com os aspectos emocionais. Apesar de todos os danos produzidos pelos desatres, das desorganizações sofridas pelas comunidades, das perdas de inúmeras vidas, tem-se dedicado escassa atenção aos aspectos emocionais e psicológicos. Somente em 1974 aparece, pela primeira vez, a lei de atuação e ajudas em desastres, através do Instituto de saúde Mental do Departamento de Saúde dos Estados Unidos, na qual se inclui uma seção sobre orientação psicológica aos atingidos (OCAMPO, 2006). As primeiras pesquisas trataram do âmbito individual e social, das conseqüências psicológicas relativas às calamidades, demonstrando que os desastres podem causar estresse emocional, dentre outras conseqüências negativas na saúde mental dos afetados. Atualmente estudiosos da Psicologia tem desenvolvido um novo olhar sobre as intervenções nessa área das emergências e dos desastres, e a pesquisadora Coêlho (2006) crê que a “preocupação da Psicologia é para mudar o paradigma de uma disciplina patologizante” (P.62) haja vista que os estudos eram totalmente influenciados pela psiquiatria e com uma visão da época da Segunda Guerra Mundial, uma vez que se trabalhava com a possibilidade de guerra nuclear. Então, havia um investimento grande para entender as reações das pessoas frente aos desastres e às emergências para, na eventualidade de um ataque nuclear, se saber como conduzir esse tipo de trabalho, e talvez por isso a ênfase da Psicologia tenha sido de diagnóstico na área de desastres. Contudo, hoje percebemos que quando se enfatizava o diagnóstico, deixava-se de cuidar de muitas pessoas que haviam sobrevivido, com problemas que eram de longa duração para serem resolvidos e que, com uma intervenção rápida, imediata e cuidadosa, teriam a repercussão 54 psicológica e psicossocial minimizada. Diante disso, percebemos que podemos ir muito além, trabalhando com a prevenção e a promoção de saúde, por exemplo, através do estímulo a percepção de risco, e da responsabilidade de cada um com suas condutas. Desse modo, a psicologia das emergências e dos desastres, deve atuar com base nas quatro fases adotadas nas ações de redução de desastres (prevenção, preparação, reposta e reconstrução), trabalhando a percepção do risco, a sensibilização e acompanhando as pessoas afetadas, direta ou indiretamente, por eventos adversos. O atendimento pode ser realizado no pré-desastre, trabalhando com psico-educação em desastre (levando informações às pessoas em risco quanto às medidas preventivas, às reações psicológicas e comportamentais esperadas). As pessoas reagem “normalmente” a uma situação anormal. Simplesmente saber disso já as tranqüiliza e capacita para bom manejo da situação; na fase do desastre propriamente dito, temos como função proteger psicologicamente os sobreviventes de se expor a mais situações traumáticas. As pessoas perdem a noção de tempo/espaço e do perigo, ficam desorientadas, confusas e podem se colocar em grande risco. Nesta fase, temos o papel de avaliar quem são as pessoas que necessitarão de apoio psicológico/médico continuado; no pós-desastre, acontece o acompanhamento do processo de luto advindo e das pessoas que desenvolveram algum distúrbio psicológico, a despeito de toda a intervenção. Não se trata de uma psicoterapia comum; é preciso treinamento para realizá-la (COÊLHO, 2006). Diante disso, lembramos que ao se avaliar a exposição a estressores como os desastres, deve-se levar em conta tanto o trauma individual baseado em perdas pessoais, quanto a extensão em que uma comunidade foi destruída ou afetada. Embora, prevaleça de um modo geral no estudo dos desastres a sua dimensão física, ou seja, os impactos sociais decorrentes da magnitude de um evento, destacam que as conseqüências de um desastre, especialmente as psicológicas, estão estreitamente relacionadas à percepção dos indivíduos e grupos, relativa ao evento em si. Isso não significa que o estresse gerado por um desastre não esteja relacionado às restrições impostas por este, bem como às dificuldades de convivência e adaptação ao problema, mas que para que o processo de estresse se inicie é necessário ocorrer uma percepção cognitiva de que há uma ameaça, sendo 55 esta suficiente para desencadear uma resposta de estresse mesmo que o evento físico nunca aconteça (OCAMPO, 2006). Embora, estudos revelem que a ocorrência de um desastre de qualquer natureza e em qualquer situação seja suficientemente significativa para gerar instabilidade na vida das pessoas, pelo fato de perturbar diretamente suas atividades cotidianas é comum que indivíduos ou comunidades afetados declaremse despreparados frente à ocorrência de um evento dessa magnitude, de modo que suas conseqüências acabam sendo geralmente graves a ponto de se tornarem crônicas, vindo a afetar diferentes esferas da vida das famílias como a psicológica, a social, a econômica e a cultural, por exemplo [Op. cit]. Estudos de Valencio et all (2009) demonstram que o suporte social, se oferecido de forma adequada, possui propriedades preventivas, enquanto que se ele for inadequado, pode ser um fator de risco para enfermidades. Essas pesquisas têm evidenciado, também, que as redes de apoio social podem funcionar como fonte de informação e mediação de modo a facilitar o processo de gerenciar desastres, já que nelas se produz o intercâmbio contínuo de idéias, serviços e modos de fazer, de maneira que as pessoas encontram nelas apoio e refúgio além de recursos, o que pode ser de grande relevância no enfrentamento de situações extremas como desastres. Já, os recursos psicológicos referem-se aos estilos psicológicos e cognitivos individuais e às respostas de comportamento. Ainda sobre a importância do suporte social, entendemos que para atender a vítimas de desastres é fundamental um trabalho em rede, de cooperação entre as equipes de primeiros socorros, membros da comunidade, representantes do terceiro setor, mídia e a equipe de emergência psicológica, uma vez que essas pessoas que passaram por uma experiência traumática (perda de um ente querido, abuso sexual, seqüestro, assalto, catástrofe) têm risco aumentado para uma série de sintomas e doenças, como ansiedade, depressão, transtorno de estresse agudo e póstraumático, síndrome do pânico, insônia, distúrbios alimentares, enxaquecas, dores inespecíficas, problemas de pele, distúrbios gastrintestinais, oscilações de pressão, desmaios, abuso de álcool/drogas. Há também a terrível sensação de não estar seguro, de que o mundo é um lugar muito perigoso e incontrolável, que as pessoas não são dignas de confiança, levando ao retraimento social, problemas no trabalho e conflitos familiares, podendo evoluir inclusive para o suicídio. É notável a depressão do sistema imunológico, aliada à falta de auto-cuidado, diante de uma exposição 56 excessiva e/ou continuada a eventos estressantes. Devemos estar mais atentos às crianças, idosos e às pessoas com algum tipo de necessidade especial (DATTILO, FREEMAN et al., 2004). Em todo o mundo, dentre as vítimas dos desastres, as crianças são as mais afetadas, toda vez que são mais vulneráveis às mortes causadas por afogamento e soterramento, tem menor resistência à desidratação e a falta de nutrição, e constituem as principais vítimas de doenças por veiculação hídrica. Além disso, a experiência tem mostrado que em situações de alto estresse, como as emergências, aumenta o exercício da violência em suas diferentes formas, e, simultaneamente, se enfraquecem os mecanismos de proteção próprios das comunidades, deixando crianças e adolescentes mais expostos a sofrer violência. Atualmente as ONG‟s têm alertado que as crianças correm perigo: das 350 milhões de pessoas que serão afetadas por desastres naturais em todo o mundo, a cada ano, durante a próxima década, 175 milhões serão crianças, dados da organização não governamental (ONG) Save the Children12 (INTERNATIONAL SAVE THE CHILDREN ALLIANCE, 2008 apud PAVAN, 2009, p.97). Entendemos essa prospecção da ONG como um fato preocupante, haja vista que há um consenso mundial: “as crianças são o futuro”, então se forem vítimas fatais desses desastres que já estão acontecendo e que muitos ainda estão por vir, que futuro a humanidade terá? Entretanto, deve-se levar em consideração que as crianças apresentam uma vulnerabilidade especial diante de um desastre, pois, além da fragilidade física, esta é, na maioria das vezes, uma situação inusitada e ser enfrentada, o que gera angústias, medo e traumas. Então, como será a recuperação psicológica dessas crianças que já foram vitimadas por algum tipo de desastre? Diante dessa preocupação diversos instrumentos e acordos nacionais e internacionais contemplam o direito à Proteção de crianças e adolescentes nos contextos das emergências. As autoridades e as comunidades são responsáveis por zelar pela proteção infantil e também por promover a participação infanto-juvenil como forma de ampliar a capacidade de auto proteção, permitindo o reconhecimento dos riscos e a apresentação de propostas para reduzi-los. As principais referências desse Enfoque são a Convenção Internacional dos Direitos da Criança (CDC), instrumento que reconhece os direitos humanos específicos de crianças e 12 Save the Children - Salvem as crianças. 57 adolescentes pela sua condição de sujeitos em desenvolvimento, e o Estatuto da Criança e do Adolescente no Brasil (ECA). O enfoque dos Direitos da Infância e da Adolescência na Gestão Local de Riscos implica o compromisso com a promoção e garantia dos direitos de crianças e adolescentes. Assim, meninos e meninas afetados por uma emergência são reconhecidos/as em suas potencialidades e capacidades de superar os traumas oriundos dessa situação. Passam a serem considerados atores sociais protagonistas na intervenção em uma situação de emergência e agentes de mudança do seu próprio desenvolvimento. Diante dessas vulnerabilidades de alguns segmentos sociais têm sido elaborados e aprovados tratados específicos para garantir seu desenvolvimento em condições de liberdade e igualdade. A Convenção Internacional dos Direitos da Criança (CDC), subscrita pela Assembléia Geral das Nações Unidas, é o instrumento que reconhece os direitos específicos de crianças e adolescentes pela sua condição de sujeitos em desenvolvimento. Respeitando essa condição, a CDC introduz o conceito de Proteção Integral das crianças e dos/as adolescentes. Após ratificar a CDC em 1989, o Brasil aprova, em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA: Os Direitos Humanos são garantias legais universais das pessoas frente a ameaças contra sua liberdade e dignidade. Se baseiam no respeito a dignidade e no valor que cada pessoa tem como indivíduo e como membro de uma comunidade Princípios: Universalidade, Responsabilização, Indivisibilidade e Participação. O enfoque de Direitos assume que esses são próprios da condição humana e devem ser garantidos no presente e no futuro Portanto, nas emergências, isso supõe atender as situações urgentes e 13 também prevenir os desastres. (FONTE) Esses novos problemas aumentam a necessidade de profissionais para essas comunidades despreparadas. Elas precisam dos psicólogos especializados em gestão de risco. No Brasil, o grau de vulnerabilidade a que a população está exposta é muito grande se comparada a vulnerabilidade em outros países onde as condições sociais estão melhor equacionadas. Isto porque, neste país, a péssima distribuição da riqueza aliada à ausência de serviços governamentais de amparo social aos mais carentes. Os serviços de saúde e educação funcionam em péssimas condições 13 Introdução à Gestão de Riscos – Fonte: Apostila Fundo Comunitário de Reconstrução (9 de setembro, 2009 por deborah.parrela) - http://www.forcavoluntaria.org.br/2009/09/09/91 58 favorecendo um ambiente de risco e vulnerabilidade permanente, impossibilitando a segurança institucional suficiente para que os indivíduos possam responder eficientemente às situações de desastre. Entretanto, mesmo com estas condições precárias, ou apesar delas, - porque quanto mais organizado socialmente um país, maior a preocupação dos grupos estruturados em buscar melhores condições de vida - percebe-se pouca preocupação dos psicólogos em estudar estas condições sob a ótica dos desastres. Analisa-se, é certo, com outros referenciais. Mas o que gostaríamos de enfatizar é que sob esta perspectiva de análise, pode-se dar um salto qualitativo enquanto modelo teórico de abordagem, possibilitando a interseção de vários segmentos ou campos disciplinares ao estudar o mesmo fenômeno. Saberes da Psicologia podem ser usados, mas não atendem completamente à gestão das áreas de risco. É necessária uma visão articulada, que contribua para a mobilização comunitária nessas regiões. Até as mudanças climáticas contribuíram para criar novas áreas de risco onde vivem populações ainda não preparadas para esses desastres naturais, como é o caso da seca na Amazônia (LOPEZ, 2006). Tanto os psicólogos sociais, quanto os que fazem clínica ou aqueles que pesquisam, podem encontrar um campo de atuação conjunta porque esta abordagem é necessariamente multifacetada, abrangendo mais do que um campo específico como a psicologia, para buscar uma maior interseção com os demais pesquisadores em áreas distintas, como os geógrafos, epidemiólogos além dos cientistas sociais em geral. Para remediar esse contexto atual, Psicólogos de todo o país vem aquecendo as discussões acerca da sua atuação nessa área doas Emergências e Desastres, por meio de seminários, conferências de Defesa e Civil, inclusive o próprio CFP (Conselho Federal de Psicologia) vem abrindo espaço para esse novo tema, diante da necessidade de intervenções na preventivas que ajudem a nação brasileira no desenvolvimento de uma percepção de risco mais preparada, não de forma individualizada, mas através de oficinas realizadas em cada região do país, contemplando as especificidades de cada área, agindo, assim de forma mais eficaz. Para isso, precisamos de profissionais mais capacitados e com uma visão de mundo mais ampla, compreendendo o homem, potencial vítima de desastres como agente ativo desse processo e responsável pelas suas atitudes diante do meio em que vive. 59 Entretanto existem desafios para a construção de um programa de formação/investigação em Psicologia das emergências e dos desastres, citados por Bindé (2006): Primeiro desafio: desenvolver uma cultura preventiva e de aplicabilidade dos saberes psicológicos, pois desse profissional será exigida uma visão ampla dos setores da vida de uma sociedade bem como conhecimento específico sobre desastres; Segundo desafio: transitar em diferentes áreas da Psicologia, tais como a Psicologia comunitária, Psicologia clínica, Psicologia do trânsito, Psicologia ambiental, psicopatologia, psicotraumatologia, saúde mental, confrontandoas com suas limitações de ação e inabilidade em tomadas de decisão sob estresse, bem como frente a diferentes interesses e prioridades sóciopolítico-econômicos antes, durante e depois da ocorrência de um desastre; Terceiro desafio: trabalhar em equipe com paradigmas, geralmente, diferentes ou desconhecidos pelo psicólogo; Quarto desafio: adotar uma flexibilidade metodológica, visando a buscar respostas práticas e adequadas, sustentadas em um planejamento estratégico orientado para desenvolver algum suporte metodológico consistente e participativo para a construção de um plano de formação de psicólogos na área; Quinto desafio: gerenciar a crise junto à população e aos profissionais envolvidos no complexo cenário de combate e prevenção de desastres; Sexto desafio: implementar uma rede nacional para o desenvolvimento da Psicologia das emergências e dos desastres no País, em nível de graduação e pós-graduação (p. 106). Visualizamos que os desafios são muitos, contudo, necessitamos avançar nos estudos e no aperfeiçoamento do profissional de Psicologia nessa recente área de atuação que a cada dia cresce e necessita de Psicólogos capacitados e capazes de realizar pontes com outras áreas do saber para promover uma atuação interdisciplinar. Uma das iniciativas principais em andamento é o apoio da ABEP (Associação Brasileira de Ensino de Psicologia) para inclusão da atividade na grade curricular das universidades e em cursos de especialização, além de levar a matéria para os estudantes de ensino básico. Vem-se percebendo também como fundamental o contínuo apoio ao fortalecimento e criação de novos grupos dos Nudecs (Núcleo Comunitários de Defesa Civil) que tem como função ampliar a percepção de risco da comunidade, e oferecer um trabalho preventivo, através de oficinas multiprofissionais sobre saúde mental, envolvendo socorristas, bombeiros, enfermeiros, médicos, policiais militares e outras profissões envolvidas diretamente com emergências e desastres. Com esse trabalho em conjunto contribuímos para a construção de comunidades mais seguras. 60 A Psicóloga Coêlho (2005)14 no Jornal do Conselho Federal de Psicologia que já compreendia os desastres como fazendo parte das polêmicas atuais, defendia a importância das contribuições do Psicólogo nesta área, defendendo que a interação dos conceitos de subjetividade, ecologia e desastres pode apontar para uma contribuição possível da área da Psicologia à matéria, superando o isolamento de uma visão exclusivamente individualista dos desastres e compartilhando idéias voltadas à promoção de saúde, que são básicas para mudanças sociais significativas (p.09). Estamos dessa forma, introduzindo a questão da subjetividade como fundamental para o sucesso nas intervenções de defesa civil, uma vez que é preciso considerar que, além da dimensão objetiva das perdas materiais, é o homem que está em questão, visto que ele é que sofre, e muitas vezes está desorganizado, são um homem e uma mulher que moram em lugares que não escolheram morar, que habitam e trabalham em situações não escolhidas e estão ali expostos a situações de risco. Então, pensamos que se essas comunidades puderem ser incorporadas como atores fundamentais do próprio cuidado, estarão mais preservadas, e que os danos materiais, se inevitáveis, não levem as vidas e não produzam feridas e não atinjam com o sofrimento maior as comunidades de nosso país. Diante da vulnerabilidade evidente do ser humano, e, portanto da criança vítima de desastre é necessário desenvolver e oferecer um serviço psicológico eficaz e que tenha a capacidade de contribuir com a preservação da qualidade de vida. Assim, no próximo tópico faremos alusão à forma de atendimento realizado por profissionais da abordagem gestáltica, a qual é considerada por nós como congruente com as contribuições que a psicologia das emergências e dos desastres propõe. 4.2. A Gestalt-Terapia no atendimento a criança Primeiramente acreditamos ser necessário realizar um preâmbulo acerca da compreensão da Gestalt-Terapia, essa nova terapia que ainda é indefinida para o grande público e já foi antes batizada com diversos nomes: “terapia da concentração, terapia do aqui e agora, psicanálise existencial, terapia integrativa, 14 Autora citada em matéria do Jornal de Psicologia Federal em Brasília, Abril de 2005, na sessão Polêmicas Atuais – Subjetividade e Desastres: a contribuição possível da Psicologia. 61 psicodrama imaginário, terapia do contato” (GINGER & GIRNGER, 1995, p. 16). Mas, Perls a denominara primeiramente de terapia da concentração, opondo-se ao método da livre associação, da Psicanálise ortodoxa. Entretanto acabou mudando de idéia e sugeriu o nome Gestalt-terapia, o que suscitou diversas críticas, principalmente de Laura Perls, sua mulher, pois esta como estudiosa da Psicologia da Gestalt15 não via relação estreita entre essas teorias. Outros autores como Paul Goodman achava o termo diferente demais, no entanto esse era o objetivo do irreverente Perls, que buscava algo que chamasse a atenção e suscitasse curiosidade quanto ao significado do termo [Op.cit.]. Gestalt uma palavra alemã que não tem uma tradução literal para o português, mas que nos dicionários comuns da língua Brasileira trazem o sentido de forma, figura que emerge de um todo. O sentido geral é de uma disposição ou configuração - uma organização específica de partes que constitui um todo particular. O princípio mais importante de abordagem gestáltica é o de propor que uma análise das partes nunca pode proporcionar uma compreensão do todo, uma vez que o todo é definido pelas interações e interdependências das partes. As partes de uma Gestalt não mantêm sua identidade quando estão separadas de sua função e lugar no todo (FADIMAN & FRAGER, 1979, p.129). A concepção da Gestalt-terapia foi por volta dos anos 40, na África do Sul, mas seu nascimento oficial foi após a Segunda Guerra Mundial, por volta de 1951, em Nova York com a publicação do livro Gestalt-terapia escrito por Perls, Herfferline e Godman, numa época de pleno otimismo das psicoterapias humanistas. Contudo, foi na Califórnia que ela tomou maiores proporções em busca de novos valores humanistas de criatividade, procurou “revalorizar o ser em relação ao ter, emancipar o saber em relação ao poder” (GINGER & GINGER, 1995, p. 17). Ela pretendia ser antiintelectualista, com o intuito de mostrar a importância de se trabalhar holisticamente e existencialmente com os clientes. Atingindo, sobremaneira, os níveis emocionais e relacionais. A Gestalt-terapia concorda com a proposta existencialista e fenomenológica. Em sua aplicação prática, ressalta a 15 Psicologia da Gestalt - Foi uma das principais influências do pensamento de Perls e vem a ter uma presença de peso na fundamentação da GT, pois sua conceituação sobre a percepção dos fenômenos sensoriais passa a ser estendida à compreensão dos fenômenos psíquicos. “A Psicologia da Gestalt vê o problema da percepção, da aprendizagem e solução de problemas como algo determinante pela realidade do campo visto como um todo. Quando existe problema em alguma destas três modalidades é que falta algo à verdadeira solução da situação. Torna-se, então, necessária uma reestruturação do campo perceptual” (Ribeiro, 1985, p. 65/66). 62 atitude dialógica16, na qual o ser-no-mundo é a prioridade, na compreensão do que é apresentado ao cliente, estimula a co-responsabilidade no setting terapêutico e o método experiencial como forma de obter awareness 17, percebe-se com isso que ela constrói uma teoria a partir da prática (RODRIGUES, 2000). A Gestalt-terapia foi também inspirada nos novos paradigmas da física moderna e das teorias sistêmica, holística e de campo, isto é, numa perspectiva psicossocial que enfatiza o processo, não a busca de essências, promovendo uma visão contextualizada do ser humano, isto é, como parte integrante e inseparável do sistema indivíduo-meio. Por isso, apresenta-se como uma verdadeira filosofia existencial, uma maneira ímpar de conceber as relações do ser vivo com o mundo. Ela dá importância à tomada de consciência da experiência atual, o chamado aqui e agora, e restitui a percepção emocional e corporal, pouco valorizada na cultura ocidental, com o objetivo de integrar as diversas dimensões do ser humano, sensoriais, afetivas, intelectuais, sociais e espirituais (GINGER & GINGER, 1995). Com isso o homem começa a se perceber, compreende seus comportamentos e sentimentos propiciando uma tomada de consciência e responsabilidade por suas atitudes, escolhas, evitações entre outros processos. O objetivo desta abordagem não é explicar as possíveis dificuldades que o homem tem, mas proporcionar momentos em que ele experimente, no aqui e agora, o seu como, sua própria forma de ser e agir no mundo. Busca-se que o cliente interesse-se genuinamente em compreender seu próprio processo, entrando em contato com seus sentimentos que antes estavam fora do seu campo de percepção e com isso possa reorganizar seu mundo. Com isso ele poderá ampliar sua capacidade de estar consciente de si e de sua relação no contexto que o envolve, mobilizando-se para fechar suas gestalten18 inacabadas. A Gestalt-terapia pode ser definida como uma terapia dialógica, haja vista que se utiliza do diálogo como principal instrumento de encontro consigo, com o outro e 16 Para Buber a relação EU-TU representa uma atitude dialógica, na qual acontece um interesse genuíno para com a pessoa com quem se estar interagindo. 17 Awareness – Trata-se de uma consciência de apreensão de totalidade, como se todo meu ser se resumisse em um único ato de cognição emocional. Não é algo puramente cognitivo, é a expressão vivenciada e consciente de que somos seres de relação, em um profundo dar-se conta por meio de uma sensação de integração de todas as minhas partes em um único ato de percepção interna (RIBEIRO, 2006, p. 74). 18 Gestalten - plural de Gestalt. Atualmente também se aceita Gestalts. 63 com o mundo. É também uma terapia do contato e não se pode pensar em contato sem pensar em diálogo e vice-versa. É para o entre que a atenção do terapeuta deve estar voltada, o diálogo não ocorre no cliente, nem no terapeuta, mas ocorre entre duas palavras que transportam, de um lado para outro, o “ser dos interlocutores” (RIBEIRO, 2006). Acreditamos ser necessário compreender qual a visão de homem da GT 19, pois é esta concepção que orientará e delimitará o trabalho psicoterápico em todas as suas fases e dimensões, desde a sua formulação e construção teórica, passando pelo modo como se realizam suas intervenções e pesquisas, como será supervisionada e até como serão as práticas e técnicas utilizadas. A compreensão de homem para esta abordagem é de um ser digno de confiança, isto é, é responsável por si mesmo pois se escolhe ser o que é, é uma totalidade que pode ser integrada, voltado para a consciência, auto-regulado, em permanente energia de auto-realização e presentificação e em busca de dar um sentido à suas percepções, às suas experiências, à sua existência. (MARTINS, 1995, p.3). Essa concepção de homem e, por conseguinte de criança20 e de infância que introjetamos encontra-se inevitavelmente presente e atuante na relação terapêutica. A partir dessa visão de ser humano holístico, contextualizaremos como se realiza o atendimento psicoterápico à crianças na perspectiva da GT, objetivo maior da nossa pesquisa, e para isso, sentimos a necessidade de localizá-la no cenário mais amplo da Psicoterapia Infantil para contextualizar seu surgimento e assinalar sua forma de tratar as questões básicas relativas à psicoterapia com crianças que vieram sendo introduzidas ao longo do último século pelas principais abordagens psicoterápicas do ser humano. No período do pós-guerra, houve uma busca incessante por novas possibilidades de perceber o ser humano. Nesse momento, surge uma perspectiva existencial fenomenológica em psicoterapia infantil, e seu marco foi à publicação do livro de Virginia Axiline, Ludoterapia que junto com o estrondoso sucesso de Dibs em busca de si mesmo, da mesma autora, revolucionaram a forma de trabalhar psicoterapeuticamente com crianças por trazer uma visão de homem e de mundo bastante diversa da perspectiva psicanalítica, mais adotada na época (AXILINE, 1984). 19 20 GT – lê-se Gestalt-Terapia. Concepção de criança e infância – já trabalhada no capítulo 2. 64 De acordo com Aguiar (2005) esse método defende a aceitação da criança exatamente como ela é, o respeito pelo seu tempo e pela sua capacidade em resolver seus próprios problemas, a nãodiretividade das suas ações ou conversas, o estabelecimento de um sentimento de permissividade e o desenvolvimento de uma sólida relação de confiança entre criança e psicoterapeuta são os princípios básicos dessa nova forma de compreender e trabalhar psicoterapeuticamente com a criança (p.35). Comungando desse novo olhar, Violet Oaklander (1980) expande seus trabalhos com crianças, entretanto, coloca o psicoterapeuta num lugar mais participativo no atendimento com criança e utiliza-se de técnicas que objetivavam ampliar a consciência da criança a respeito de seus padrões de evitação de contato e suas possibilidades de escolha na interação com o mundo. Em trabalhos posteriores essa autora, após sofrer algumas críticas quanto à falta de arcabouço teórico que desse sentido a suas técnicas, começa a articular suas propostas técnicas a alguns objetivos básicos da psicoterapia com crianças sob uma perspectiva gestáltica, como ajudar a criança a reconhecer suas próprias necessidades, o desenvolvimento de auto-suporte, o trabalho com as introjeções e a facilitação da emergência de sentimentos através da projeção, tais como a tristeza e a raiva (AGUIAR, 2005). Com o posterior e progressivo desenvolvimento e fundamentação da GT com crianças, junto à perspectiva humanista, existencial e fenomenológica, somou-se à visão de campo e a atitude dialógica que, dentre outras implicações, concorreram para uma maior participação do contexto familiar na psicoterapia e no uso da técnica submetida aos princípios da relação dialógica. De posse desse aporte teórico e de acordo com nossos pressupostos fenomenológicos básicos que nos ensinam a trabalhar com o fenômeno, com aquilo que se manifesta no momento presente ao psicoterapeuta, iniciamos o processo terapêutico pelo acolhimento e pela escuta da demanda de psicoterapia enunciada pelos responsáveis com o objetivo de verificar “quem está precisando do quê”. Nessa perspectiva de campo, entendemos que o comportamento da criança é a figura que emerge do campo familiar total, e para elaborarmos nossa compreensão diagnóstica precisamos relacioná-los aos outros elementos do campo, ou seja, compreender o contexto que a criança vive e como estabelece suas relações, haja vista que em contextos diferentes reagimos de formas diferentes. É importante que essas informações sejam coletadas nas primeiras entrevistas para se 65 realizar uma compreensão diagnóstica melhor fundamentada e proporcionar um acompanhar do acontecer da criança de forma mais aguçada, e ainda contribuir para uma escuta mais atenta dos conteúdos trazidos nas sessões. Na medida em que esse campo é configurado, damos prosseguimento explicando as condições objetivas e subjetivas que permeiam e permitem que o trabalho terapêutico aconteça, estabelecer e clarificar essas condições é muito importante para o processo inicial de escolha dos responsáveis, evitando uma série de transtornos e mal entendidos posteriores ao longo do processo terapêutico, por exemplo, explicar que o processo terapêutico com crianças se realiza de forma diferente dos adultos, pois se utiliza de recursos lúdicos. Essa explicação pode fazer parte do momento de contrato, que segundo Aguiar (2005) o contrato dá limite, dá contorno, estabelece algumas fronteiras básicas dessa relação que se inicia, auxiliando a caracterizá-la como uma relação terapêutica. A estabilidade apontada pelo horário e pela periodicidade da psicoterapia, por exemplo, é responsável por boa parte do sucesso do trabalho. Ambos são elementos organizadores, configurando, por isso mesmo, uma parcela significativa das intervenções „ocultas‟ que a psicoterapia imprime à vida do cliente (p. 150). O estabelecimento do contrato demanda um compromisso recíproco para a prestação e o recebimento de serviços e delimita o campo onde a relação terapêutica irá se constituir, com suas regras e responsabilidades. Esse contrato deve ser formulado de forma que o psicoterapeuta sinta-se confortável e trabalhando de forma justa, de modo que consiga manter sua postura básica de aceitação e disponibilidade para o cliente, como também respeitar seu código de ética profissional. No mais, não acreditamos que exista uma forma certa de se elaborar um contrato terapêutico, uma vez que existe uma gama de possibilidades de funcionar que se adéquam ao jeito de cada psicoterapeuta e a forma de trabalhar. Após esse momento de contrato, nas entrevistas iniciais com a criança o objetivo principal, a princípio é a construção do vínculo entre terapeuta e criança que será a base para a relação acontecer. Para isso se desenvolver é importante adotar uma postura de acolhimento, aceitação e respeito pela criança e sua forma de estar naquele momento, independente do que acontecer. Entretanto é válido ressaltar que o acolhimento, a aceitação e o respeito não implicam em deixar a criança fazer tudo, e sim aceitar e respeitar essa vontade, os sentimentos articulados a esta necessidade, bem como os sentimentos despertados pela apresentação do limite. Resgatando a visão da GT com crianças Aguiar (2005) ratifica que ela 66 é um ser de potencialidades, que ela possui uma sabedoria organísmica que guia seus ajustamentos criativos, que suas fronteiras se encontram configuradas da melhor forma possível, que seu comportamento é a expressão de onde ela se encontra no momento e que só podemos encontrá-la na fronteira, não vamos ter dificuldades de colocar em prática tais princípios (p. 155). Essa percepção de respeito pela criança é fundamental para o estabelecimento do vínculo de confiança, o qual é muito importante para o desenrolar do processo, já que acompanhá-la significa interessar-se genuinamente pelo que ela tem para mostrar, aceitar seus convites, sugestões e pedidos desde que não quebrem o critério de limites, antes já estabelecido no contrato. Observamos que empoderados dessa visão estamos em consonância com o objetivo do processo terapêutico que é resgatar o curso satisfatório do desenvolvimento da criança, propiciando oportunidades, conforme diz Oaklander (1992 apud AGUIAR, 2005) de reencontrar a vivacidade e o contato pleno com o mundo através da desobstrução de seus sentidos, do reconhecimento do seu corpo, da possibilidade de realizar escolhas e verbalizar suas necessidades, bem como de encontrar formas para satisfazê-las, além de aceitar quem ela é na sua singularidade (p. 186). Sendo assim, o processo vai se desenrolar tendo como fio condutor a relação estabelecida entra a criança e o psicoterapeuta, vivenciada de forma fenomenológica, com auxílio de técnicas facilitadoras que tem o objetivo de proporcionar uma maior awareness21 da criança a respeito de si mesmo e do mundo, expandindo e flexibilizando suas fronteiras de contato 22 e, com isso, criando outras possibilidades de ser e estar no mundo. Notamos que há uma participação ativa do terapeuta nessa relação com a criança, já que acreditamos no contato pela relação dialógica. Para exercer muitas vezes esse contato, o terapeuta pode utilizarse dessas técnicas, denominadas pela GT como experimentos, cujo objetivo é facilitar o contato com alguns sentimentos antes alienados. 21 Awareness (uma forma de experienciar) – palavra alemã conservada no original por não ter tradução correspondente ao português. Trata-se de uma consciência de apreensão de totalidade, como se todo meu ser se resumisse em um único ato de cognição emocional. Não é algo puramente cognitivo, é a expressão vivenciada e consciente de somos seres de relação, em um profundo dar-se conta por meio de uma sensação de integração de todas as minhas partes em um único ato de percepção interna (RIBEIRO, 2006, p. 74). 22 Fronteiras de contato – como uma membrana que deve ser mantida permeável para permitir trocas, porem suficientemente firme para ter autonomia (YONTEF, 1998). De acordo com Aguiar (2005) é na fronteira de contato onde as trocas acontecem, o ser humano assimila o novo e se livra daquilo que não lhe serve mais. 67 Através do experimento, o cliente é mobilizado para confrontar as emergências de sua vida, operando seus sentimentos e ações abortadas, numa situação de segurança relativa. Desse modo, é criada uma emergência segura na qual a exploração aventureira pode ser sustentada. Além disso, podem ser explorados os dois lados do continuum da emergência, enfatizando primeiro o suporte e depois o correr riscos, dependendo do que pareça mais saliente no momento (POLSER & POLSTER, 2001). O experimento não é apenas uma reprodução de algo que já aconteceu ou poderia acontecer, serve para ajudar na expressão das necessidades sentidas num exato momento relacionando-as à realidade exterior, ou seja, um experimentar no presente qual a sensação de fluir com awareness para a ação experimental. Pois, se acredita que uma vez que se tenha sentido o ritmo de seu momento existencial, ele bem pode se comportar de um modo diferente no mundo exterior do que teria feito antes. Entretanto, é importante compreender que o comportamento do cliente no exterior não será necessariamente uma réplica do que aconteceu na terapia, uma vez que no setting terapêutico o cliente pode tremer, sofrer, sorrir, chorar e experimentar diversos sentimentos num ambiente seguro, no qual o terapeuta é seu mentor e companheiro, ajudando-o a manter em equilíbrio a segurança e os aspectos emergentes da experiência, dando sugestões, orientação e apoio. Zinker (1979 apud RIBEIRO, 2006) explica que o experimento é a pedra angular da aprendizagem por experiência e tem as seguintes finalidades: 1 - expandir o repertório de condutas da pessoa; 2 - criar aquelas condições em que a pessoa possa ver sua vida como uma criação sua; 3 - estimular a aprendizagem experimental da pessoa e a elaboração de novos conceitos de si mesma a partir de criações no plano do comportamento; 4 - completar situações inacabadas e superar bloqueios no ciclo de consciência-excitação-contato; 5 - integrar compreensões intelectuais a expressões motoras; 6 - descobrir as polarizações das quais não se tem consciência; 7 - estimular a integração de forças pessoais em conflito (p.110). Existem diversos tipos de experimentos23 que proporcionam um maior contato do cliente consigo mesmo, como: representação; comportamento dirigido; fantasia; sonhos, lição de casa, cadeira vazia. Entretanto, realizar uma explicação acerca de cada tipo de experimento não é o objetivo deste estudo. 23 Os tipos de experimentos podem ser encontrados de forma bem explicada na obra de Polster & Polster (2001). 68 Como todas as intervenções do psicoterapeuta, os experimentos, acontecerão sempre a partir do que a criança traz, seja em termos de processo, seja em termos de conteúdo, e possuem como objetivo facilitar a descoberta de algo mais acerca das suas questões. Eles podem ser bons recursos no acompanhamento à crianças por muitas vezes ser mais fácil o encontro com a criança pela linguagem lúdica em detrimento da linguagem verbal, que em muitos casos ainda se encontra em desenvolvimento. Diante disso, os recursos lúdicos, servem para facilitar a expressão e a comunicação no espaço terapêutico. Seguindo a perspectiva fenomenológica o processo terapêutico, de acordo com Aguiar (2005), se desenvolve com a utilização de três níveis de intervenção: descrição, elaboração e identificação. É importante ressaltar que esses níveis não são fases, nem estágios que obrigatoriamente acontecem dessa forma e nessa ordem. Em uma sessão pode-se passar pelos três níveis. Num outro momento, ou com outra criança, pode-se levar todo o processo terapêutico a percorrê-los, entre outras possibilidades. Ao utilizarmos uma linguagem descritiva nas intervenções com crianças possibilitamos que a criança construa gradativamente o significado do material que traz para a sessão terapêutica, haja vista que também é sempre levada a descrever como está se sentindo em cada situação experienciada, contribuindo para uma expansão das suas fronteiras de contato. Quando a criança aceita intervenções que vão além da descrição, como questionamentos e propostas de experimentos, encontra-se atuando no nível da elaboração. É nesse nível do trabalho fenomenológico que se localiza a grande maioria das técnicas gestálticas tal como apresentadas por Oaklander (1980), por exemplo. Ir ao encontro da criança em seu espaço lúdico é de fundamental importância para a realização das intervenções. Muitas vezes, ele precisará efetuar uma intervenção dentro de uma brincadeira, utilizando a linguagem lúdica. Isso nos remete a um outro ponto crucial: a disponibilidade para o brincar. Embora algumas crianças prefiram não envolvê-lo em suas brincadeiras, fazendo com que ele assuma o papel de observador, constatamos que a maioria precisa que o psicoterapeuta faça parte dela. Na medida em que a linguagem lúdica é predominante, então a brincadeira é o dialogo e o psicoterapeuta precisa participar. Quando isso acontece, toda a atenção é pouca para que ele não se desloque do seu papel de psicoterapeuta. Brincar de acordo com Aguiar (2005) 69 com criança não é tornar-se criança no espaço terapêutico. Brincar com a criança não é reagir como se fosse criança. Brincar com a criança é poder compartilhar da importância e da magia daquela linguagem sem perder de vista a tarefa terapêutica. Inclusive porque, esta tarefa, com algumas crianças, pode implicar em desempenhar impecavelmente determinados papéis elaborados de forma minuciosa e distribuídos de acordo com suas necessidades (p. 198-199). Ter essa consciência é fundamental para ir ao encontro da criança, não como criança, mas como terapeuta e de fato poder realizar intervenções úteis e coerentes com o momento. Retomando os níveis de intervenções, o último nível de trabalho a que nos referimos é a identificação, que consiste na apropriação, por parte da criança, dos conteúdos de sua brincadeira e produção no espaço terapêutico. É quando, por exemplo, quando a criança se identifica com o personagem que sempre representava nas brincadeiras com fantoche. Entretanto, tem-se observado que a identificação nem sempre é necessária, pois muitas vezes, a partir da elaboração realizada através das intervenções técnicas do psicoterapeuta na linguagem lúdica, a criança reconfigura e ressignifica seu campo sem que a identificação precise ser verbalizada (AGUIAR, 2005). No que se refere à relação terapêutica, acreditamos que seja qual for o recurso lúdico utilizado pela criança ou a técnica utilizada pelo psicoterapeuta, o ponto central de qualquer processo terapêutico é a relação que se estabelece entre eles. Antes de qualquer coisa, é a relação que de fato vai fazer a diferença na possibilidade de reconfigurações mais satisfatórias na criança e em seu meio. Para que ela se estabeleça é fundamental a adoção de uma atitude dialógica caracterizada por uma presença genuína do psicoterapeuta na relação, pela sua inclusão, ou seja, pela sua capacidade de se pôr no lugar da criança e pela possibilidade de confirmação da criança de todo seu potencial. Estas características permitem que o processo terapêutico seja regido pelos princípios básicos da aceitação, permissividade e respeito pela criança [Op. cit.]. O relacionar-se com a criança precisa ser genuíno e, nesse sentido, até a forma de comunicar-se com elas deve ser coerente com a sua faixa etária, sem jargões e formalidades, sem gírias e comportamentos infantilizados apenas para se sentirem mais próximos, pois muitas crianças não gostam de serem tratadas assim, e ainda evidencia-se uma representação do que um encontro real. Desse modo, a presença na relação terapêutica implica em trazer para a interação com a criança a 70 plenitude de nós mesmos, sem nos esquecermos da necessidade da redução fenomenológica em prol da tarefa terapêutica. Aguiar (2005) fundamenta que Sem o suporte de uma relação dialógica baseada nesses princípios, as técnicas tornam-se exercícios e o espaço terapêutico um simples lugar de recreação. As intervenções técnicas surgem no contexto da relação e para que elas possam ser efetivas é preciso que essa relação inspire confiança, exposição e entrega. A centralidade da relação terapêutica é tal em Gestaltterapia que Ribeiro (1991), em um interessante trabalho, afirma que antes de qualquer outro experimento, a própria relação terapêutica já se constitui em um experimento em si. O que é realmente terapêutico é como o psicoterapeuta reage e se posiciona com relação ao comportamento e às diversas formas de ser da criança. Inúmeras vezes percebemos olhares incrédulos, expressões surpresas e visíveis embargos vindos de crianças diante de uma determinada atitude profissional (P. 210). A aceitação do psicoterapeuta parece ser importante para o processo, já que este será um dos grandes diferenciais da relação terapêutica face a outras relações estabelecidas pela criança. Essa aceitação, diz respeito não só do cliente por parte do terapeuta, mas também da aceitação do próprio cliente como a grande possibilidade de mudança, no sentido de aceitar aquilo que podemos ser a cada momento, com nossos limites e possibilidades. Em psicoterapia infantil, a aceitação da criança acontece como um todo, com todas as suas características, por parte do psicoterapeuta é crucial para que ela possa também aceitar a si mesma. Somente no momento em que ela puder se perceber aceita sem restrições, independente do que ela pense, sinta ou faça, é que ela vai se permitir expressar, examinar e apropriar-se de todos os seus sentimentos e necessidades, sem precisar utilizar os mecanismos de defesa, como deflexão, projeção e retroflexão. Esses mecanismos podem ser saudáveis ou patológicos, conforme a intensidade e sua maleabilidade. Eles muitas vezes são necessários ao equilíbrio psicossocial, pois ajudam numa reação saudável de adaptação (POLSTER & POLSTER, 2001). Com relação à permissividade, é válido ressaltar que queremos que não compreendam como ausência total de limites, mas um número reduzido e inquestionável de limites que visa particularmente à segurança do campo total da criança/psicoterapeuta. Assim sendo, precisa-se levar em conta as necessidades da criança no espaço terapêutico, condizentes com a tarefa do psicoterapeuta e não com regras, valores ou humores do psicoterapeuta naquela situação. Por exemplo, reconhecer a frustração da criança e a possibilidade dela sentir raiva do 71 psicoterapeuta é fundamental para que ela possa se sentir realmente aceita, com todos os seus sentimentos, sem precisar suprimi-los ou lidar com eles de forma pouco satisfatória. Aguiar (2005) coloca que os limites incidem sempre sobre o comportamento e nunca sobre os sentimentos da criança envolvidos na situação. Os sentimentos precisam ser experimentados, aceitos e canalizados em formas adequadas e construtivas de expressão para que a criança possa percebê-los de outro modo, atribuindo-lhe assim, outros significados (p. 221). Dessa forma, os limites devem ser apresentados somente no momento em que se fizerem necessários, evitando assim trazer ao espaço terapêutico algo que não emerge da criança e sim do psicoterapeuta, antecipando situações que talvez não venham a acontecer e gerando em alguns o receio de arriscar e, em outros, a necessidade de se contrapor a algo que já foi colocado, ainda que ela não tenha feito nada nesse sentido. As experiências vivenciadas pela criança no espaço terapêutico servem, em última instância, para auxiliá-las a construir recursos para lidar com sua vida mais ampla. Com base na perspectiva de desenvolvimento saudável proposta pela teoria, a prática da GT junto à criança é, por um lado, promover as necessárias reconfigurações de padrões estereotipados e cristalizados que caracterizam o funcionamento não saudável e, por outro, também facilitar o pleno desenvolvimento de seu potencial (AGUIAR, 2005). Dessa maneira, entendemos que existe um caráter não só „curativo‟ ou de trabalho com aquilo que não se apresenta saudável, mas também uma perspectiva de prevenção do funcionamento não saudável por meio da promoção do funcionamento saudável. Aguiar (2005) defende que Promover o funcionamento saudável, significa poder encontrar a criança antes que ela chegue em nossos consultórios, encontrá-la em seus fóruns naturais, tais como a escola e a comunidade. Isso implica em seu campo promovendo a informação, a reflexão e a awareness de todos que fazem parte dele, propiciando assim relações mais fluidas e nutritivas e, consequentemente um desenvolvimento mais saudável (p. 307) Notamos então que o campo da Psicologia já não se refere tão só a doença ou a sua profilaxia, mas também à promoção de um maior equilíbrio, de um melhor nível de saúde na população, fazendo com que o nosso interesse não seja somente 72 ausência de doença e sim o desenvolvimento pleno dos indivíduos e da comunidade total. Esse olhar holístico para o sujeito, de acordo com a reflexão de Quintas (2009) “hoje coincide com os ideais de integralidade do SUS, tem desenvolvido trabalhos em outros espaços, entre eles e o hospital. Somos chamados para o público, onde a população vive a experiência de ameaça e desamparo provocado pelo fluir da fragilidade humana em situação de crise aguda. E lembrando Perez (2005) „(...) A vivencia do impacto do inesperado e o defrontar-se com a possibilidade de morte, que caracterizam a situação emergencial, lançam o sujeito no estado inicial da condição humana, o desamparo (P. 54)‟ (p. 08)” Nesse sentido, percebemos que face ao cenário das abordagens contemporâneas, a GT se afina bastante com tais propostas, uma vez que tem enfatizado a necessidade de um atendimento que cuide do todo de forma bio-psicosocial-político-espirítual. Principalmente quando o homem se encontra numa situação de desamparo, na qual precisa de uma atenção integral, o que aponta também para um olhar interdisciplinar. Com relação a crianças vítimas de desastre, compreendemos que a partir do que foi exposto, a contribuição da GT é ajudar essas crianças na elaboração dos sentimentos resultantes da experiência traumática, através de uma abordagem direta a situação vivenciada, uma vez que acreditamos que o ocorrido deve ser trazido a luz, discutido, talvez reencenado simbolicamente. Diversas vezes, ocorre um tipo de dessensibilização ao reexaminar e conversar sobre a experiência. Estes sentimentos precisam ser elaborados e para que isso ocorra, muitas vezes são vivenciados, para que possam lidar melhor como o acontecido. Utilizamos então, desenhos, representações, produções diversas, que são recursos valiosos para que a criança consiga elaborar seus medos, traumas e temores. Os medos podem ser transformados em fobias, por isso, o ideal é trabalhar com o que está acontecendo no presente. Trabalhando diretamente com a situação do medo presente, pedindo que a criança, por exemplo, desenhe o medo ou faça uma encenação por meio de bonecos ou de uma situação dramática, onde possa descrever e sentir sensações relacionadas ao seu medo, isso ajuda a criança a ficar mais próxima e entender o que está lhe acontecendo. Pode ser que a criança tenha medo, mas não sabe precisar do que. Os desenhos são um meio excelente de penetrar no medo. Pode-se pedir à criança que feche os olhos e imagine como poderia mostrar o seu medo em cores, linhas, forma 73 ou símbolos. Podemos também, pedir que à criança converse com a figura ou o símbolo que ela desenhou. O terapeuta observa o que acontece com a criança durante esse processo: alterações de voz, expressões corporais, bem como no significado do que é dito. Esses medos podem ser resultado de idéias falsas ou situações reais, mas os medos precisam ser reconhecidos, aceitos e respeitados. Só assim, a criança poderá criar forças para lidar com um mundo, muitas vezes, ameaçador para ela. Sobre isso, Yontef (1998) explica que a GT é baseada na aprendizagem dos clientes, em usar seus próprios sentidos para explorar a si mesmos aprender a encontrar sãs próprias soluções para seus problemas. Sendo assim, os psicoterapeutas têm a missão de proporcionar ao cliente o processo de estar awere (consciente em todos os sentidos); do que está fazendo e como está fazendo, em vez de falar a respeito de como ele deveria ser ou porque ele é como é. A psicoterapia infantil de base gestáltica fornece respaldo para que a criança escolha seu próprio caminho e aprenda a fazer suas próprias escolhas, uma vez que os outros não poderão escolher sempre por ela, assim ajudando-a a sentir-se forte dentro de si própria e a ver o mundo a sua volta tal como ele é realmente. Além da psicoterapia infantil a Gestalt-Terapia traz ainda como elemento para a prática clínica com crianças em situação de pós-trauma a Psicoterapia de curta duração, que de acordo com Ribeiro (1999 apud PINTO, 2009, p. 54) engloba „as chamadas psicoterapias breve, de confronto, de intervenção em crise e de apoio‟. Ele justifica sua assertiva afirmando que a ação do terapeuta estará estreitamente vinculada à necessidade do cliente e à sua experiência imediata vivida. Pinto (2009) ainda completa explicando que essa psicoterapia tem por finalidade oferecer ao cliente a possibilidade de vivenciar uma situação especial em um contexto relacional de aceitação e confiança, no qual ele possa chegar a uma formulação pessoal do conflito e re-estruturar sua vivência frente a uma situação emocional antes dolorosa (p.51). Desse modo, notamos que a prática da Psicoterapia de curta duração pode ser bastante útil no atendimento de crianças em situação de pós-trauma, visto que a Gestalt-Terapia trabalha com a situação presente e vivencial, respeitando a singularidade do sujeito, além de possuir técnicas/experimentos que facilitam o contato com os sentimentos, caminho utilizado por essa abordagem, para construir um processo de significação real e empoderamento da criança pela sua própria vida. Com isso, a Psicoterapia de curta duração pode contribuir ainda mais no sentido de 74 determinar objetivos específicos e trabalhar com figuras/ focos que podem emergir da situação de crise e que cliente e psicoterapeuta num determinado tempo, podem acelerar os benefícios do acompanhamento psicoterápico. Geralmente é utilizada com clientes que expressam a necessidade de “retomada do equilíbrio pré-existente; superação de crise recente; superação de sintomas; facilitação de mudanças (as quais podem ser profundas, mas não necessariamente) [...] (PINTO, 2009, p. 58)”. Com crianças vítimas de desastre, tem um bom resultado, uma vez que as repercussões emocionais já estudadas podem ser acolhidas e até remediadas. A maneira com a Gestalt-Terapia entende essa possibilidade de mudança fundamentase na Teoria Paradoxal da Mudança, de Beisser (1977 apud PINTO, 2009, p.62) a qual explica que “a mudança ocorre quando uma pessoa se torna o que é, não quando tenta converter-se no que não é”. Nos casos de superação de crise recente como na experiência de um desastre, os clientes buscam também uma retomada de equilíbrio pré-existente, contudo esse novo equilíbrio de forma geral tende a ser melhor que o anterior, no sentido de estar mais realista e em contato com as experiências do presente. Entendemos que dessa forma o cliente consegue desenvolver uma ampliação do campo de consciência, percebendo-se em num contato mais aprofundado e mais respeitoso por si mesmo (PINTO, 2009). O foco no trabalho Psicoterápico de curta duração respeita a compreensão diagnóstica do que emerge nos primeiros atendimentos, a queixa apresentada, a compreensão diagnóstica do que ainda não foi trazido como figura, mas que sempre é observado pelo psicoterapeuta, que é o estilo da personalidade de quem apresenta a queixa, bem como o campo existencial no qual a queixa se insere, sua história, suas possibilidades, enfim a maneira como se configura sua vida nesse momento, a totalidade que a pessoa é e que deve ser alvo de atenção do terapeuta, sem perder de vista o próprio sintoma. “Assim, o Gestalt-terapeuta levará em conta, além do campo fenomenológico do cliente, o seu sofrimento e o fundo pessoal de onde esse sofrimento emerge” (PINTO, 2009, p. 86). De posse dessa compreensão do cliente, a partir de um diagnóstico processual e levando em consideração a visão de homem já estudada acolhemos o cliente e reforçamos a aliança terapêutica, já que acreditamos na importância da vinculação para o desenrolar do processo, além disso, aceitamos o cliente em sua singularidade e a partir de uma relação dialógica de troca o acompanhamento é 75 realizado. Ao cumprir o prazo estipulado, esse pode ter um caráter flexível a partir do acordo entre terapeuta e cliente, esperamos que o cliente esteja com sua possibilidade de lidar com a vida ampliada, com seus recursos mais disponíveis, com sua capacidade de conscientização e de responsabilização incrementadas, mas não está pronto e nem imunizado contra os sofrimentos e o trágico da vida [Op. cit.]. 76 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante da pesquisa bibliográfica realizada pudemos ratificar a escassez de material existente sobre desastre, bem como a evolução desses estudos. Encontramos atualmente muitas notas em jornais, alguns poucos fóruns, mas pesquisas científicas ainda são raras. Entretanto visualizamos uma mobilização para mudar essa postura, diante da intensidade dos desastres ocorridos no mundo e com uma freqüência antes nunca vista, aqui no Brasil. Esse ano inclusive ao participar da Conferência Estadual de Defesa Civil do estado de Pernambuco percebemos a preocupação do governo e da comunidade científica em direcionar um novo olhar para as situações de desastre em nosso país. Presenciamos o empenho do Conselho Federal e Psicologia em colocar em discussão as contribuições da nossa profissão para esse campo ainda muito restrito de atuação, contudo, visualizamos que é mais pelo desconhecimento dessa área do que por haver uma rejeição sobre esse tipo de atuação. Situações que antes se desenvolviam quase que exclusivamente por eventos naturais, e eram vistas como inusitadas e adversas, atualmente têm ocorrido com freqüência, e o homem tem sido vítima, ao mesmo tempo em que é um dos maiores causadores de desastres. Pelas leituras realizadas, essa problemática é muito maior do que uma simples falta de percepção de risco, ponto levantado por diversos autores, como por exemplo, quando diversas cidades são construídas nas proximidades dos rios, podendo utilizar de seus benefícios, mas sem levar em consideração as adversidades de estarem tão próximo as suas margens, e em caso de excesso de chuva, uma enchente aconteceria de forma natural atingindo todo o entorno. Observamos que além dessa falta de percepção de risco existente, há uma alienação do homem com relação ao seu papel na sociedade e perante o mundo, cada um, muitas vezes, não reconhece o poder de suas atitudes, pois se sentem sozinhos, isolados, como se suas ações não implicassem em reações nos outros e no mundo, como jogar lixo nas ruas, por exemplo. Entendemos ser necessária uma implicação de todos, e ainda que acreditemos o quanto somos responsáveis por todas as nossas atitudes. 77 Por meio dessa experiência pudemos ampliar nosso olhar para o ser humano e vislumbrar que nos atendimentos domiciliares além de preenchimento de fichas cadastrais para inclusão, monitoramento ou exclusão de alguns programas sociais, poderíamos utilizar a escuta clínica para realizar atendimentos pontuais. Com uma percepção mais ampliada da dinâmica familiar que se apresentava em cada entrevista, realizar intervenções diretivas de orientação e encaminhamentos aos serviços específicos, e acima de tudo visualizamos a possibilidade de atuar de forma preventiva, contribuindo para a promoção de saúde, e qualidade de vida, utilizando de recursos da Gestalt-Terapia, abordagem que trabalha o presente, o aqui e agora. Diante disso, pudemos experienciar trabalhar com a demanda que surgia a cada momento, aguçando a percepção das pessoas sobre suas responsabilidades quanto ao lugar onde moravam e assim, contribuindo para a construção de uma percepção de risco mais acentuada. Questionamentos recorrentes continuarão sem respostas por um bom tempo, caso a atuação do governo e da população se restrinja ao atendimento de vítimas, e não ao ensinamento, educação, além de chamar a atenção e responsabilidade para com a cidadania de cada um. Entendemos, assim que precisamos construir propostas de intervenção preventiva, atuando nas comunidades, atuando diretamente na população, ajudando eles a refletirem sobre o papel de cada um dentro do seu ambiente, trabalhando as crianças para desenvolverem uma percepção de risco mais aguçada e implicarem elas desde cedo nas responsabilidades da comunidade. Diversas pessoas atualmente estão vivenciando essas situações e muitas estão adoecendo com o pânico de não saberem lidar com essas situações inusitadas, consideradas antes como eventos adversos e agora quase que recorrentes. As repercussões emocionais após essas situações têm lotado consultórios psiquiátricos e psicológicos, entre elas o Transtorno de Estresse PósTraumático tem sido o campeão dos diagnósticos, de acordo com as pesquisas, além do Transtorno de Estresse Agudo, Transtorno de Pânico, entre outros comportamentos. Dentre esses pacientes, houve um aumento do número de crianças apresentando reações após passar por um evento traumático. A partir da pesquisa realizada observamos que temos ainda pouquíssimos estudos que discutam as possíveis reações emocionais em uma criança que vivencia um desastre. Contudo, 78 notamos bastante coerência nos estudos encontrados, que sempre expressam a importância de compreender o contexto relacional da criança, seu comportamento antes do desastre para entender melhor seu funcionamento atual após a experiência desse acontecimento que pode de fato ser traumático. Além disso, apontam para importância de levar em consideração toda uma gama de fatores como, a sua idade para inferir se em sua faixa etária por ser mais comum comportar-se de determinada maneira, se isso pode estar influenciando para o desenvolvimento de tal sintoma e não de outro; é importante compreender o contexto em que a criança vive; qual a rede de apoio que possui; como se estabelecem as relações com a família nuclear e as demais pessoas que se inserem em seu campo; qual foi o evento traumático que aconteceu; como a criança reagiu no momento do acontecimento; qual a lembrança que tem do evento, pois essa muitas vezes tende a estar distorcida; quais os sintomas que está apresentando; qual a sua experiência com relação a situações adversas; quais as perdas significativas que ela teve, entre brinquedos, casa, até entes queridos e familiares; como geralmente lida com situações difíceis/limítrofes; entre outros dados que podem ser trazidos caso a criança seja encaminhada para o consultório. Vimos que existem diversas situações que devem ser levadas em consideração no atendimento psicológico, por exemplo, numa situação em que a vítima foi exclusivamente a criança e os pais a levam para a emergência. A criança em questão precisa de imediato atendimento médico para que este assegure sua vida. Quando estiver consciente e o trabalho médico for realizado poderá então receber intervenções da psicologia. Dessa forma, enquanto a criança for atendida, os pais é que precisarão de um momento para expressar seus sentimentos de forma acompanhada e poder externar seus medos, anseios, além de contribuírem com informações acerca do filho e falarem de suas relações o que ajudará no posterior atendimento ao filho caso seja possível. Diante de um fato como este, compreendemos que a família, é a urgência para nós Psicólogos, pois podemos ajudá-las na redução de ansiedade, facilitar o diálogo com a equipe e contribuir para uma relação mais harmoniosa que colabore para o acompanhamento e tratamento da criança, bem como ajude aos familiares a estabelecerem um nível emocional coerente com a situação, sem precisar descompensar, e consequentemente, poder a vir interferir no tratamento da criança. 79 Propiciar essa primeira escuta terapêutica contribui na visão da Psicologia para uma redução da angústia e ansiedade, além do sentimento de estarem sendo acolhidos na sua dor, o que possibilita muitas vezes uma mudança de postura e uma elaboração dos seus sentimentos colaborando para um ajustamento criativo mais saudável. Essa postura está congruente com o que a Gestalt-terapia de curta duração aborda sobre como atuar nessas situações de crise, atentando-se ao que se torna figura, sem esquecer-se do que fica submerso, contudo, respeitando a queixa principal trazida pelo cliente e compreendendo o como ele está experienciando essa situação. Aos poucos, a partir dessas vivencias, realizamos conexões e acrescentamos ao conhecimento adquirido sobre Psicologia Social e Comunitária a forma que trabalhávamos em hospitais com Gestalt-terapia de curta duração, haja vista que nessas situações de desastre o homem sempre se apresentava em crise, e, portanto, começamos a acreditar nas intervenções realizadas no hospital como passíveis de serem aplicadas de forma contextualizada nessas situações de pósdesastre, e ainda observando o tripé do atendimento hospitalar, o paciente, a família e a equipe, relacionamos a importância de se trabalhar com a vítima, com a rede de apoio e com a equipe para ter um olhar mais ampliado. O adoecimento pode colocar o ser humano em crise, tanto quanto uma situação de desastre, haja vista que ambos colocam o indivíduo num encontro doloroso com sua possibilidade recorrente de finitude e limitação com relação à vida. Num evento crítico, no qual o ser humano passar muito perto da fragilidade de sua vida, e encara algumas limitações existenciais, podem causar diferentes tipos de reações. Acreditamos que o Psicólogo pode contribuir muito nesses atendimentos utilizando como recurso suas intervenções de apoio, escuta terapêutica, um olhar mais ampliado sobre a situação, agindo em alguns momentos de forma diretiva, facilitando a comunicação com a equipe sobre o estado real do paciente, bem como ajudando na escuta dos diagnósticos e compreensão do processo de hospitalização, além de oferecer suporte emocional para a família, favorecendo o fortalecimento do apoio que o paciente, mais do que todos envolvidos, precisará. O Psicólogo possui uma escuta diferenciada e tem um treino na forma da comunicação contribuindo, assim para redução de ansiedade e angústia das vítimas, uma vez que essas encontram no atendimento um momento para dar vazão aos seus sentimentos. Com esse acompanhamento elas não se sentem tão sozinhas, 80 nem desamparadas. Observamos também que mesmo em situações de emergência as pessoas demandam a necessidade de expressar suas perdas, seus sentimentos e serem escutados de fato e aceitos na sua dor, compreendendo os comportamentos, sejam eles agressivos ou dolorosos. Atentar para as possíveis reações emocionais é importante no sentido de realizarmos estudos acerca de técnicas que possam ser adequadas a cada reação, mas ao mesmo tempo, compreendendo o sujeito como único e singular, ele poderá até desenvolver comportamentos às vezes até muito similares, contudo como cada um lida com cada sintoma apresentado, é diferente, e isso com certeza é significativo. No caso das crianças vítimas de desastres não existem estudos que abarquem todas as repercussões emocionais, e acredito que nunca haverá, uma vez que ao considerar cada criança como única, subjetiva e bastante influenciada pelo seu meio, ao mesmo tempo em que, o influencia, e com isso, colocamos o caráter relacional como uma prerrogativa importante para o modo como ela se apresentará após um evento traumático. Se a criança for constantemente tratada como um ser indefeso poderá regredir mais ainda o seu desenvolvimento após uma situação estressante; caso seja muito “amadurecido” no sentido de dar conta de muitas coisas sozinha, poderá desenvolver um comportamento depressivo, por dessa vez não ter conseguido reagir da forma mais satisfatória, como sempre conseguia. Esses são apenas exemplos ilustrativos, sem causa e efeito certo, apenas para ajudar na compreensão do que está sendo explicado. Compreender o desenvolvimento da criança como algo infinito, sem fases isoladas, contribui para atendermos ela de forma única sem comparações com padrões de comportamento pré-estabelecidos, eles devem apenas ser usados como um referencial flexível e contextualizado. Desse modo, consegue-se ajudar a criança a descobrir o potencial que possui de ajustar-se criativamente, auto-regulando-se de forma mais satisfatória, contemplando suas necessidades mais urgentes. Dentro da perspectiva da Gestalt-Terapia encontramos diversos subsídios que colocam essa abordagem como bastante eficaz no acompanhamento de crianças em geral e, portanto, nas que foram vítimas de desastre, uma vez que trabalhamos no presente, contemplando o campo que o cliente está inserido e trazendo sempre para o presente os sentimentos e as possibilidades de atuação, já que no passado não se pode voltar e no futuro, podemos supor, mas jamais ter a 81 total certeza das conseqüências de nossas atitudes. Tal visão pode contribuir para o desenvolvimento de uma responsabilidade pelo presente, afasta o sentimento de culpa do passado e ajuda na redução da ansiedade de descobrir o futuro. REFERÊNCIAS ABUEG, F. R.; WOODS, G. W.; WATSON, D. S. Trauma de Desastre. In: DATTILIO, F. M.; FREEMAN, A. [et al]. Estratégias Cognitivo – Comportamentais de Intervenção em Situações de Crise. Porto Alegre: Artmed, 2004. AGUIAR, L. Gestalt-terapia com crianças: teoria e prática. Campinas: Livro Pleno, 2005. AGUIAR, R. W.; LAGO, P. F. [et al]. Intervenções em crises. In: CORDIOLI, A. V. Psicoterapias Abordagens Atuais. São Paulo: Artmed Editora, 1998. ANTONY, S. A Criança em desenvolvimento no mundo: um olhar gestáltico. IGT na Rede, Rio de Janeiro, ano 3, n. 04, 2006. Disponível em: <http://www.igt.psc.br/Artigos/a_crianca_em_desenvolvimento_um_olhar_gest altico.htm> Acesso em: 15 julho 2010. ARÌES, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. BACELAR, R. 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