Por você vou - Observatório do Valongo

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Sumário
Abertura
02
Nossa ignorância sobre o Universo
03
Nebulosas planetárias: como é belo envelhecer
10
Alquimia estelar
18
A Arqueoastronomia
24
Poeira de estrelas
32
Por você vou roubar os anéis de Saturno
40
Galáxias: blocos de construção do Universo
48
As estrelas envelhecem
58
C
ontrariando a frase “O céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu” da música
“Tendo a Lua”, de Os Paralamas do Sucesso, nesta publicação apresentamos textos
da série “Astronomia para Poetas”, mostrando que o céu de Galileu tem muita poesia.
Poesia ao olhar as belas imagens captadas por modernos telescópios espaciais e terrestres e poesia
no entendimento do Universo através dessas imagens que mostram um céu muito além daquele
conhecido por Galileu.
A primeira série de palestras “Astronomia para Poetas” aconteceu em 2002 e os textos encontramse disponíveis em nosso site www.ov.ufrj.br. Dando continuidade ao projeto, duas outras séries
foram produzidas. Os textos da presente publicação originam-se de palestras apresentadas para
o público em geral nos anos de 2009 e 2011. Em 2009, as palestras integraram as comemorações pelo Ano Internacional da Astronomia escolhido como um marco para compartilhar com o
grande público os mais belos e interessantes resultados do estudo do Universo. O ano de 2009
não foi escolhido ao acaso, nele foi celebrado o primeiro uso astronômico de um telescópio por
Galileu Galilei – uma invenção que desencadeou 400 anos de incríveis descobertas astronômicas. A Casa da Ciência da UFRJ acolheu nossas palestras e também a exposição de mesmo nome
na qual imagens e textos explicativos de diversos objetos estelares foram apresentados.
Em 2011, a comemoração foi outra: o Observatório do Valongo completou 130 anos desde a
sua fundação no morro de Santo Antônio ainda como observatório da Escola Politécnica da Universidade do Brasil. Com o desmanche do morro, todos os instrumentos foram transferidos para
o morro da Conceição, onde o observatório passa a se chamar, inicialmente, Observatório do
Morro do Valongo. Desta vez o local escolhido para levar “nosso” Universo foi a ilha da Cidade
Universitária, no Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza, onde, além dos seminários,
montamos a exposição “130 anos de história do Observatório do Valongo”, que contou um
pouco da história de nosso instituto.
Nossos textos estão misturados a poesias inspiradas no universo escritas por grandes poetas. Apreciem e digam se o céu de Galileu não é mais poético do que o de Ícaro...
Agradecimentos à CoordCOM em especial à Anna Bayer pela produção da revista.
Prof. Silvia Lorenz Martins
Nossa ignorância
sobre o Universo
Carlos Roberto Rabaça
Ainda me lembro perfeitamente de uma conversa
que tive, em 1996, com o meu orientador, o Dr. Jack Sulentic, um pouco antes de defender minha tese de doutorado em
Astrofísica pela University of Alabama, localizada em Tuscaloosa, uma cidade universitária no interior do estado do Alabama, EUA, com menos de 90 mil habitantes. Ao fim de mais
uma jornada de discussões sobre os resultados que seriam incluídos na tese, começamos a divagar sobre a então recente
descoberta de que o Universo estaria em expansão acelerada.
Jack dizia-me que era quase impossível para ele acreditar nas
implicações que isso trazia. Viveríamos em um Universo sobre o qual muito pouco sabemos. “Como posso acreditar que
tudo o que estudamos é aquilo que o Universo não é?”, pergun-
5
tava com cara de incrédulo. Jack era uma pessoa comunicativa e
de muitos amigos, mas, mesmo assim, um cientista controverso,
que se recusava em acreditar no Big Bang, a implosão que teria
originado o Universo, e na natureza cosmológica do desvio para o
vermelho medido no espectro das galáxias, preferindo crer que havia algo de anormal a respeito da lei da gravitação. Passados mais
de 10 anos daquela conversa, o Universo se mantém misterioso e
a lei da gravitação, universal. Mas hoje, há poucos cientistas que
questionam os resultados que demonstram a expansão acelerada.
Assim como Shakespeare, os dados observacionais
também nos revelam que há mais coisas entre o céu e a Terra
do que supõe a nossa vã filosofia. Mais ainda, esses dados nos
dizem que as questões sobre o Universo em grandes escalas estão intimamente conectadas às questões em pequenas escalas, às
escalas de partículas. Ao descobrirmos que existe algo que faz o
Universo acelerar a sua expansão, descobrimos também que esse
algo se contrapõe à gravitação. Mais do que isso, nossas medidas
revelam que a matéria ordinária no Universo, isto é, você, eu, os
planetas, as estrelas, as galáxias e todo o resto que podemos observar diretamente, não é senão uma pequena fração de tudo o que
existe. Para ser mais preciso, não mais do que 5% desse todo. Já
aproximadamente 25% do Universo estariam sob a forma de uma
matéria invisível. Por que invisível? Porque não absorve, não emite,
não reflete e não interage com o espectro eletromagnético.
Como, então, sabemos o que realmente está lá fora? Pelos
efeitos gravitacionais que exerce sobre a matéria visível. De
fato, essa matéria invisível, ou escura, dominaria os efeitos
gravitacionais observados em grandes escalas. E quanto aos
70% restantes do Universo, do que eles seriam compostos?
Esse substrato, ainda muito obscuro, é o que chamamos de
energia escura. (Veja o gráfico na Figura 1.)
Vamos inicialmente descrever as evidências obser-
6
Figura 1:Fração percentual
dos componentes do
Universo.
vacionais que nos confirmam a existência da matéria escura.
Nas galáxias, especialmente em galáxias espirais como a Via
Láctea e a sua vizinha Andrômeda (Figura 2), que fazem parte
do Grupo Local de galáxias, a maior parte da massa estelar
está concentrada no centro. Essa incrível massa de estrelas,
que chamamos de bojo galático, mantém o material do disco,
que inclui estrelas, gás e poeira, girando em órbitas circulares
ao redor do centro. Mesmo sem saber muito sobre Física, podemos, de forma intuitiva, entender que as estrelas do disco
mais próximas dessa massa central devem girar a uma velocidade muito mais alta do que aquelas que estão na borda externa da galáxia. Em outras palavras, ao medirmos a velocidade
orbital das estrelas como função do aumento da distância ao
centro da galáxia, deveríamos notar que ela decresce de forma contínua. Entretanto, quando realizamos essas medidas, o
que obtemos é uma velocidade basicamente constante. Isso
significa que as estrelas da borda estão sentindo o efeito gravitacional de uma matéria que não podemos observar. De fato,
a galáxia estaria imersa em uma nuvem de matéria invisível,
que seria muito mais esférica do que ela própria, se estenderia
para muito além dela e teria cerca de 10 vezes mais massa.
Enfim, vemos a galáxia, mas seria a matéria escura quem de
fato dominaria sua estrutura e dinâmica.
As galáxias também não estão vagando aleatoriamente pelo espaço. Elas tendem a se aglutinar umas às outras,
formando um aglomerado. Um exemplo disso é o famoso aglomerado de Coma (Figura 3). Existem milhares de galáxias em
um aglomerado como o de Coma. Se tirarmos uma foto desse
aglomerado hoje e daqui a 50 anos, elas parecerão idênticas.
Mas, na verdade, as galáxias estão se movendo ao redor umas
das outras com velocidades extremamente altas, presas ao potencial gravitacional comum entre elas. Como resultado desse
forte empuxo gravitacional, elas tendem a se tornar elipsoidais.
Ao medirmos as velocidades orbitais das galáxias, podemos
descobrir quanta massa existe no aglomerado. Novamente, o
que encontramos é que há muito mais massa invisível do que
visível. Mesmo quando observamos em raios X, nos quais podemos ver a enorme quantidade de gás que permeia o potencial do aglomerado como um todo, gás esse que se encontra a
milhões de graus Kelvin e a baixíssimas densidades, a massa
observada não é suficiente para produzir as velocidades envolvidas. Em aglomerados, podem existir até 100 vezes mais
matéria na forma escura, invisível, do que matéria ordinária.
Não seria excelente se pudéssemos colocar a maté-
Figura 2: Foto da galáxia Andrômeda
(conhecida como Messier 31 ou NGC
224), obtida pelo National Optical
Astronomy Observatory (NOAO).
Figura 3: Foto do aglomerado de galáxias de Coma (Abell 1656), obtida
pelo telescópio Spitzer.
7
Figura 4: Foto do aglomerado de galáxias Abell 1689 mostrando o efeito
de lente gravitacional, obtida pelo
telescópio Hubble.
8
ria escura em evidência de um modo mais direto? Essa possibilidade existe com as lentes gravitacionais. Quando olhamos
para uma galáxia, a luz que vemos pode ter viajado bilhões de
anos pelo espaço até chegar aqui. Deduzimos onde a galáxia
estava pela direção em que a luz chega ao nosso olho. Em
princípio, um raio de luz dessa galáxia viajaria ao longo de
uma trajetória reta até nós. Entretanto, se existisse no meio do
caminho um aglomerado de galáxias, com toda a sua matéria
escura, seria muito pouco provável que pudéssemos observar essa galáxia diretamente. Teríamos de levar em conta o
que Einstein previu ao desenvolver a Teoria da Relatividade
Geral, isto é, que o campo gravitacional devido a essa massa
defletirá não apenas a trajetória das partículas, mas também a
própria luz. Um raio de luz emitido por essa galáxia poderia,
assim, seguir uma trajetória curva. Seria possível que ela se
curvasse o suficiente para alcançar o nosso olho. O observador veria, então, a galáxia como se estivesse em outra direção,
mais afastada do aglomerado. Da mesma forma, outros raios
dispostos sobre a superfície de um cone de luz que envolve o
aglomerado poderiam chegar ao olho do observador. O que
nós veríamos seria um círculo, um anel ao redor do aglomerado, chamado de anel de Einstein. Esse anel somente será
perfeito se a fonte (a galáxia), o defletor (o aglomerado) e o
observador estiverem ao longo de uma linha reta perfeita. Se
houver um pequeno deslocamento, observamos arcos. Esse
efeito é chamado de lente gravitacional forte e podemos vê-lo
no céu ao olharmos para alguns aglomerados de galáxias. Na
foto do aglomerado Abell 1689 (Figura 4), tirada pelo telescópio Hubble, as galáxias douradas pertencem ao aglomerado
e estão imersas na matéria escura, que causa a curvatura da
luz e produz os arcos. Os arcos em si nada mais são do que
uma ilusão de óptica causada pela distorção da imagem de
galáxias que estão muito mais distantes. Ao medirmos essas
distorções, também podemos calcular a quantidade de massa
existente no aglomerado. Essa massa é, de fato, muito grande.
Como podemos observar, os arcos não estão centrados nas
galáxias individuais, mas em uma estrutura muito mais ampla,
associada à matéria escura. Esse efeito é o que de mais próximo podemos chamar de “ver a matéria escura com os próprios
olhos”.
Em relação à energia escura, para entendermos a
evidência de sua existência, é preciso antes entender o fato de
que o espaço por si só está expandindo. Se pudéssemos isolar
uma pequena seção do nosso Universo infinito e colocar nela
uma grade para medir a posição das galáxias, iríamos descobrir que, a cada dia, a cada ano, a cada bilhão de anos, a distância entre as galáxias aumentaria. Isso não ocorre porque as
galáxias estão necessariamente se afastando umas das outras
através do espaço, mas porque o próprio espaço está se tornando maior. Esse é o significado da expansão do Universo.
Após o Big Bang, o espaço se expandiu a uma taxa
muito elevada. Pelo fato de a matéria (que sofre atração gravitacional) estar imersa nesse espaço, a velocidade de expansão
do Universo deveria diminuir com o tempo. Ao longo do último século, os astrônomos vêm debatendo qual seria a consequência evolutiva desse freamento. Iria a expansão diminuir,
mas continuar para sempre; iria ela diminuir e assintoticamente parar; ou iria diminuir, parar e reverter, passando o Universo a se contrair novamente? Foi para responder essa questão
que há pouco mais de uma década dois grupos de astrônomos
resolveram medir como a taxa de expansão do Universo estava diminuindo. Para determinar a taxa de expansão, hoje, em
relação à taxa de expansão em épocas passadas, eles usaram
supernovas do tipo Ia, observadas em galáxias a diferentes distâncias.
As supernovas do tipo Ia são fruto da evolução de
um sistema estelar binário, em que uma das estrelas é uma
anã branca. Já as supernovas do tipo II são produzidas no final
da sequência evolutiva de uma estrela supermassiva isolada.
A quantidade de luz produzida pelos dois tipos de supernova
é aproximadamente a mesma. Entretanto, as propriedades da
luz emitida por elas são intrinsecamente distintas, permitindo distingui-las mesmo que de bem longe (Figura 5). Sendo a
massa das anãs brancas tipicamente uma massa solar, quan-
Figura 5: Curvas de luz de supernovas.
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10
do estas explodem em supernova, sua luminosidade é muito consistente e, portanto, supernovas do tipo Ia podem ser
usadas como uma vela padrão para a medida da distância de
galáxias. Essas explosões liberam, por uma fração de tempo,
uma quantidade de luz equivalente a toda a luz emitida pela
galáxia. Assim, seria possível observá-las em galáxias muito
distantes.
Surpreendentemente, a resposta encontrada por esse
experimento, até certo ponto simples, é que o espaço está se
expandindo hoje a uma taxa maior que a passada. Ou seja,
a expansão do Universo está, de fato, se acelerando. Não há
nenhum argumento teórico convincente para que isso esteja
ocorrendo. A resposta encontrada foi contrária a tudo o que
poderíamos prever! Para explicar isso, precisamos de algo
novo. Matematicamente, podemos inserir esse algo novo
como um termo que representa uma energia, mas que é, de
fato, um tipo completamente distinto de energia, diferente de
tudo o que conhecemos, que tem o efeito de fazer o espaço se
expandir. Nós a chamamos de energia escura.
Neste momento, ainda não temos uma boa motivação teórica para inserir esse termo nas equações cosmológicas. Não sabemos por que temos de colocá-lo lá. O que sabemos é que a matéria escura e a energia escura são duas coisas
bem diferentes. Dois mistérios a que precisamos responder
para saber do que o Universo é composto. Seus efeitos, no
entanto, são muito diferentes. A matéria escura, devido à sua
atração gravitacional, tende a aumentar o crescimento de estruturas. Os aglomerados se formam devido a essa atração
gravitacional. A energia escura, por outro lado, tenta colocar
mais e mais espaço entre as galáxias, tendendo a diminuir a
atração gravitacional entre elas e impedir a formação de estruturas. Portanto, observando os aglomerados de galáxias e
contando o seu número como função do tempo, podemos
aprender como a matéria escura e a energia escura competem
entre si na formação de estruturas.
Em relação à matéria escura, temos argumentos
convincentes para explicá-la: conhecemos bons candidatos
à mesma. Isto é, a Física tem teorias matematicamente consistentes, que foram introduzidas para explicar fenômenos
completamente distintos, e que são capazes de predizer, cada
uma delas, a existência de uma nova partícula de baixíssima
interação. Isso é o que nós buscamos! O que não sabemos ao
certo é se uma, ou mais, dessas partículas é o que chamamos
de matéria escura, ou se ela é algo completamente diferente.
Procuramos avidamente por essas partículas de matéria escura uma vez que elas estão entre nós. Por não interagirem com a matéria ordinária, podem passar através dos
nossos corpos, de prédios inteiros e até mesmo da Terra, sem
serem percebidas. Uma forma de procurá-las é construindo
detectores que são extremamente sensíveis a qualquer matéria
escura que os atravesse, como cristais que irão soar se isso
ocorrer. Um desses detectores foi colocado bem abaixo do
solo, no estado do Minesota, nos EUA. Mesmo sem ter detectado nenhuma partícula nova, ele já nos permite definir um
limite superior para a massa e para a capacidade de interação
dessas partículas. Outro instrumento foi instalado a bordo de
um satélite espacial e apontado para o centro da galáxia, para
ver se consegue observar partículas de matéria escura se aniquilando e produzindo raios gama. Teoricamente, o Grande
Colisor de Hádrons, um acelerador de partículas de 27 quilômetros de perímetro construído debaixo da terra, na fronteira
entre a França e a Suíça, e que entrou em funcionamento em
dezembro de 2008, também seria capaz de produzir algumas
partículas escuras. Devido à baixa interação, essas partículas
escaparão facilmente do detector. Sua assinatura será, então,
uma perda de energia. Infelizmente, existe uma enorme quantidade de novos processos na Física cuja assinatura seria a
perda de energia, e, portanto, será preciso identificar qual é
a diferença entre essas assinaturas. Finalmente, para o futuro,
existem telescópios sendo desenhados especificamente para
responder a questões ligadas à matéria e à energia escuras. No
momento, tudo o que sabemos ao certo é que nossa fronteira
de ignorância continuará a crescer sempre que aumentarmos
o nosso volume de conhecimento.
11
A Velhice Pede Des
hice Pede Desculpa
A Velhice Pede Desculpas
Tão velho estou como árvore no inverno,
vulcão sufocado, pássaro sonolento.
Tão velho estou, de pálpebras baixas,
acostumado apenas ao som das músicas,
à forma das letras.
Fere-me a luz das lâmpadas, o grito frenético
dos provisórios dias do mundo:
Mas há um sol eterno, eterno e brando
e uma voz que não me canso, muito longe, de ouvir.
Desculpai-me esta face, que se fez resignada:
já não é a minha, mas a do tempo,
com seus muitos episódios.
Desculpai-me não ser bem eu:
mas um fantasma de tudo.
Recebereis em mim muitos mil anos, é certo,
com suas sombras, porém, suas intermináveis
sombras.
12
Desculpai-me viver ainda:
que os destroços, mesmo os da maior glória,
são na verdade só destroços, destroços.
Cecília Meireles, in “Poemas (1958)”
sculpas
as
Nebulosas
planetárias:
como é belo envelhecer
Denise R. Gonçalves
1. Introdução
Estrelas similares ao Sol, no final de suas vidas, desprendem suas camadas mais externas que, pouco a pouco, se
expandem e diluem até se confundirem com o meio interestelar, enriquecendo-o com seus nutrientes. O resto da estrela
segue a sua evolução até se transformar em uma anã branca,
Figura 1: Uma montagem de nebulosas planetárias observadas com
o HST. M 2-9, imagem grande à esquerda. As imagens menores, de
cima para baixo, da esquerda para a direita, correspondem a: NGC
6826; MyCn18, Nebulosa da Ampulheta; NGC 3918; CRL 2688,
Nebulosa do Ovo; NGC 6543, Cat’s Eye Nebula ou Nebulosa do Olho
de Gato; Hubble 5; NGC 7009, Nebulosa do Saturno; Nebulosa do
Retângulo Vermelho; NGC 7662, Bola de Neve Azul. Crédito: Muitas
das imagens são de B. Balick e colaboradores. A maioria das demais
encontra-se no sítio Space Telescope Science Institute.
13
Figura 2: NGC 6543, Nebulosa do
Olho do Gato, obtida com o telescópio de 2.56m NOT, por R. Corradi
e D. R. Gonçalves (em 2002). A imagem captura a emissão dos átomos
de nitrogênio uma vez ionizado [NII]
(vermelho) e dos átomos de oxigênio duas vezes ionizado [OIII] (verde
e azul). A dimensão da imagem é de
3,2 x 3 minutos de arco. O processamento da imagem destaca detalhes
da parte interna brilhante, revelando
simultaneamente os tênues anéis
concêntricos e o halo filamentar.
ou seja, em um “cadáver estelar”. Enfim, apesar do nome que
recebem, nebulosas planetárias (que não são, em absoluto,
planetas) representam a última fase (a velhice) da maioria das
estrelas, e também do Sol, dentro de 4.500 milhões de anos.
As estrelas emitem uma banda de luz contínua
(luz branca). Ao contrário, as nebulosas planetárias emitem sua luz em bandas muito mais estreitas, ou seja, em
linhas de emissão (luz discreta com diferentes cores).
Devido a tal característica, as nebulosas planetárias são
facilmente identificadas no céu quando se utiliza um telescópio contendo um prisma, sendo visualizadas como
um verdadeiro caleidoscópio. Por essa razão as imagens
de nebulosas planetárias, observadas com alta resolução
pelo Hubble Space Telescope (HST), estão entre as mais
conhecidas pelo público não especializado (ver Figura 1
de novo).
A diversidade das estruturas que encontramos
nestes objetos é surpreendente. Para tentar entender a
imagem da nebulosa do Olho de Gato (Figura 2), precisamos primeiro pensar numa hipótese – simples e razoável:
as partes das nebulosas que são vistas mais afastadas do
centro são em geral mais velhas, e a recíproca é verdadeira quando se trata das regiões mais internas. Tendo
essa hipótese em mente, que informação sacamos dos
filamentos externos (estruturas “verdes” que dominam a
imagem)? Depois de expulsar séries de bolhas de gás, de
forma concêntrica (anéis concêntricos “azuis”), que efeitos provocaram a ejeção do conjunto de cascas do coração da nebulosa (estruturas elípticas “vermelhas”)? Que
mecanismo é responsável pelos misteriosos jatos que parecem sair dos dois extremos dos arcos elípticos (“amarelo” brilhante) que rodeiam as cascas (“vermelhas”) no
núcleo da nebulosa?
Enfim, o que aprendemos ao estudar as nebulosas planetárias ou o envelhecer de estrelas similares
ao Sol? Equivalentemente às estrelas, a vida humana tem
fases. Nascemos, vivemos e morremos. Além disso, há
uma diversidade enorme de possíveis histórias para nossas vidas, no que tange ao nascer, ao viver e ao morrer.
Então, o que aprendemos da observação minuciosa das
diversas fases de nossas vidas? O acúmulo de informações – aprendizado – a que podemos ter acesso prestando atenção aos indivíduos que já se encontram na terceira idade, ou começam a envelhecer é tão inestimável
quanto aquele oriundo da evolução de estrelas do tipo
solar e de suas nebulosidades.
2. O que são e por que têm este nome
Uma nebulosa planetária compõe-se de gás e poeira,
os quais circundam uma estrela do tipo solar quando esta se
encontra nas fases finais de sua evolução. Esta estrela, a estrela central da nebulosa planetária, ilumina a nebulosidade
ao seu redor, que por sua vez é observada em todas as zonas
do espectro eletromagnético, desde rádios até raios X.
Comparadas com as estrelas, que emitem em uma banda
de luz contínua (luz branca), as nebulosas planetárias emitem
sua luz em bandas muito mais estreitas, ou seja, em linhas
de emissão (luz discreta com diferentes cores). Devido a essa
característica, as nebulosas planetárias são facilmente identificadas no céu quando se utiliza um telescópio contendo um
prisma, um espectro. Ver parte do espectro teórico de uma
nebulosa planetária na Figura 3.
Data de 1764 a primeira vez que se observou uma
nebulosa planetária. O observador Charles Messier encontrou
um objeto nebular que catalogou como M27, hoje conhecida
como Nebulosa dos Halteres (Figura 4). Essa observação foi
seguida por aquela da Nebulosa do Anel (M57, Figura 5), em
1779, por Antoine Darquier. Este último descreveu a Nebulosa do Anel como “pouco brilhante, mas com contornos bem
definidos... é tão grande quanto Júpiter, parecendo-se com um
planeta tênue”. O termo “nebulosa planetária” (NP) foi-lhe
atribuído por William Herschel, dadas as suas similaridades
com os discos esverdeados de planetas como Urano e Netuno, assim as separando das nebulosas brancas formadas por
estrelas, ou seja, das galáxias.
Em suma, quando se observa uma NP com baixa resolução espacial, ela parece redonda e poderia assemelhar-se a um
planeta, daí esse nome tão equivocado. Por outro lado, quando
observada com grande resolução espacial, vê-se claramente que
tais são constituídas por muitas e variadas estruturas.
Mas o que são tais estruturas? A Nebulosa do Olho de
Gato, por exemplo, situada na constelação do Dragão, compõe-se de uma grande variedade de estruturas simétricas, as quais
incluem um halo filamentar extenso; vários anéis concêntricos;
um par de jatos e um complexo conjunto de cascas no seu núcleo (NGC 6543, Figura 2).
Em particular, o conjunto de cascas nebulares no coração de NGC 6543 tem uns mil anos de idade. Contornando esse
Figura 3: Espectro teórico de uma nebulosa
planetária contendo linhas de H, além de
He neutro e ionizado. Crédito: Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics, Laboratory Astrophysics Group.
Figura 4: M27, Nebulosa dos Halteres. Em
termos do tamanho projetado no céu, é a
maior das nebulosas planetárias, medindo
16 minutos de arco. A cor verde representa
a linha [OIII] e o vermelho indica aquela
de [NII] e do hidrogênio (Hα). Esta imagem foi obtida com o telescópio de 0.82m
IAC80 (situado no Observatorio del Teide).
Crédito: The IAC Morphological Catalog
of Northern Galactic Planetary Nebulae
(Manchado et al. 1996).
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núcleo encontra-se uma série de anéis concêntricos (“azuis”),
cada um deles está no limite de uma bolha de gás, em expansão, expulsada pela estrela central em intervalos regulares de uns
1.500 anos, sendo que o primeiro ocorreu há uns 18 mil anos.
Já os filamentos mais externos (“verdes”) datam, no máximo, de
há uns 60 mil anos. A massa do material estelar dessa nebulosa
deve ser similar à massa do Sol.
Figura 5: Nebulosa do Anel,
M57, um dos objetos celestes
mais fotografados. Suas cascas
mais externas definem um tamanho de 3,8 minutos de arco
(aqui o azul representa a linha
de emissão [OIII] e o vermelho
[NII]+Hα). Imagem obtida com o
telescópio de 2.56m NOT (situado no Observatorio del Roque
de los Muchachos). Crédito: The
IAC Morphological Catalog of
Northern Galactic Planetary Nebulae (Manchado et al. 1996).
16
3.Ventos estelares
Já sabemos que as nebulosas planetárias originam-se
no final da vida de estrelas com massas similares àquela do Sol.
Agora queremos entender seu processo de formação, ou seja:
o que faz com que essas estrelas se transformem em nebulosas
planetárias?
O esquema da Figura 5 nos ajudará a responder à
questão. O diagrama representa a vida das estrelas do tipo solar
(proposto por B. Paczynski em 1970). No princípio (canto inferior direito do diagrama) a luminosidade dessas estrelas resulta
da queima de hidrogênio no núcleo – o que origina o Hélio
que também entrará em combustão. Tais estrelas passam a maior
parte de suas vidas nesta fase de queima nuclear de hidrogênio
quase 10 bilhões de anos. Quando se acaba o Hidrogênio do
núcleo, a estrela se expande, transformando-se em uma gigante
vermelha, ao mesmo tempo que o seu núcleo se contrai. Nessa
fase a energia da estrela vem da queima do Hidrogênio, não no
núcleo, mas em uma camada mais externa. Como consequência
do fato de que o núcleo se contrai ainda mais, o Hélio volta a
ser queimado no núcleo e a estrela experimenta mais uma fase
de expansão nas camadas externas. Quando a estrela entra no
ramo assintótico das gigantes (AGB) o seu núcleo já não queima
Hidrogênio nem Hélio, e compõe-se do que sobrou das combustões anteriores, ou seja, de Carbono e Oxigênio. Nessa fase, e por
um período de aproximadamente um milhão de anos, a estrela
continuará seu processo de expansão, ao mesmo tempo que sua
luminosidade crescerá, alçando valores de umas mil vezes a luminosidade do Sol. Os ventos estelares presentes nessa e nas fases imediatamente posteriores das estrelas do tipo solar (ou seja,
os ventos que ocorrem em uma AGB, culminando na expulsão
da nebulosa, e em uma pós-AGB, englobando as fases AGB,
protoplanetária e nebulosa planetária, ver esquema) gradualmente expulsam o gás das camadas mais externas, deixando
exposto o núcleo quente. O que sobra dos ventos estelares é a
própria nebulosa planetária. Assim, aquela que denominamos
a estrela central de uma nebulosa planetária é justamente a es-
trela cuja evolução estivemos acompanhando. Quando cessa a
combustão do hidrogênio nas camadas externas, a estrela perde
seu brilho e transforma-se em uma anã branca.
Em síntese, as estrelas do tipo solar, quando chegam
às fases finais de suas vidas, expelem grande parte do gás da sua
atmosfera, pelo menos em dois episódios distintos de perda de
massa. Primeiro, devido ao vento lento de uma estrela no ramo
assintótico das gigantes (ou estrela AGB), cuja velocidade típica
é da ordem de 10 km/s, com uma taxa de perda de massa de
10-5 massas solares por ano. E depois, através do vento rápido, expelido durante a fase imediatamente posterior da estrela
central (ou seja, no vento de uma pós-AGB), caracterizado por
10-7 massas solares por ano e que alcança uma velocidade de
até 2 mil km/s. Aqui vale ressaltar que a mais importante das
características desses ventos é que eles ocorrem durante o último
milhão de anos, de estrelas que vivem, tipicamente, 10 milhões de
anos.
A teoria mais aceita para a formação das nebulosas planetárias é ainda mais recente, proposta por S. Kwok, C. Purton e
P. Fitzgerald em 1978 (ver Figura 6). A teoria diz que essas são o
resultado da interação dos dois ventos estelares que estamos discutindo: da AGB e da pós-AGB. Seguindo o raciocínio do parágrafo
anterior – na fase em que o núcleo da estrela fica exposto –, o vento
estelar rápido, procedente deste núcleo quente e compacto, varre
o material expelido previamente, dando forma à nebulosa. O invólucro desta nebulosa, sua casca, expande-se a uma velocidade de
aproximadamente 25 km/s (velocidade intermediária entre aquelas
dos ventos que precedem e dão origem à NP), é mais denso do
que estes ventos estelares, tem temperaturas da ordem de 10 mil
Kelvin e dura mais ou menos 30 mil anos. Esquematicamente (Figura 7), vê-se claramente como se dá esse processo de formação.
Ou seja, o gás do vento rápido (pós-AGB), ao expandir-se sobre o
material do vento lento (AGB), forma uma frente de choque. Na região mais interna, o limite dessa frente de choque é o próprio vento
rápido, enquanto o choque externo está delimitado por uma casca
densa (devido à acumulação do material varrido pelo vento rápido)
que, quando observada no óptico, é a componente mais brilhante de uma nebulosa planetária. Entre os choques interno e externo,
encontra-se a bolha quente (somente observável em raios X). E, por
último, o halo compõe -se pelo que resta do vento AGB, e devido à
sua baixa densidade quando comparado com a casca, é o componente menos brilhante das NPs nas imagens óticas.
Toda a explicação do parágrafo anterior diz respeito aos
aspectos dinâmicos da formação das NPs. Mas, qual é a fonte de sua
Figura 6: Esquema da vida de uma
estrela do tipo solar (adaptação da
Figura 7.2 de “Cosmic Butterflies The Colorful Misteries of Planetary
Nebulae”, de S. Kwok).
Figura 7: Esquema da interação dos
ventos estelares que dão origem às
nebulosas planetárias (adaptação da
Figura 7 de S. Kwok –1994, PASP, 106,
344.
energia, ou equivalentemente, qual é a fonte do seu brilho? As nebulosas planetárias brilham porque os fótons energéticos (fótons ultravioletas) da estrela central “iluminam” suas cascas e halos, fazendo
com que o gás, inicialmente neutro, se ionize e emita a radiação que
observamos.
As ideias expostas anteriormente são capazes de explicar
satisfatoriamente a formação das NPs, não só daquelas esféricas,
mas também daquelas cuja casca tem forma elíptica, bipolar ou
com simetria de ponto (ver Figura 1). Tais ideias também dão conta
das propriedades físicas (temperaturas e densidades), químicas (enriquecimento químico do meio circum-estelar oriundo da síntese de
He, C e N, na estrela central) e cinemáticas das NPs, pelo menos no
que diz respeito às suas macroestruturas (cascas e halos).
4. Sociologia estelar e PNs como fonte de vida
Sabemos que 95% de todas as estrelas converter-se-ão
em nebulosas planetárias. Justifica-se, então, todo o esforço que
vem sendo empregado em “descobrir” detalhadamente os processos físico-químicos “escondidos” nessas fabulosas estruturas. Ao
estudar nebulosas planetárias ou o destino final da grande maioria das estrelas, fazemos Sociologia estelar. Da mesma forma, ao
estudar indivíduos em fase terminal, por exemplo, tentamos determinar: se fumaram ou beberam ao longo de suas vidas; qual a
relação desses hábitos com o entorno no qual nasceram ou para
o qual migraram; e se esses hábitos estão ou não relacionados à
forma que se devenvolveram ou como morrerão.
As nebulosas planetárias – velhinhas de rara beleza –
são o que sobra de estrelas em fase terminal, e representam uma
curta fase, ainda que gloriosa, da vida de muitíssimas estrelas. Elas
terminam sua existência espalhando átomos, moléculas e poeira
nas diferentes regiões da Galáxia. Depois de vagar pelo meio interestelar durante milhões de anos, alguns desses ingredientes podem ter-se agregado ao ejeto de outras nebulosas planetárias para
formar as nuvens densas (berços), onde nasceram novas estrelas.
Os fragmentos que restaram da formação estelar resultaram em
cometas, asteroides e planetas. Parte do material originário das nebulosas planetárias pode ter sobrevivido e ter sido depositado no
planeta do qual surgiu a nossa vida. De fato, recentemente, foram
observadas moléculas orgânicas complexas, similares àquelas de
organismos vivos, em nebulosas planetárias ricas em carbono,
como NGC 7027 e BD+30˚3639.
19
ice é um Vento
Velhice é um Vento
A Velhice é um Vento
A velhice é um vento que nos toma
no seu halo feliz de ensombramento.
E em nós depõe do que se deu à obra
somente o modo de não sentir o tempo,
senão no ritmo interior de a sombra
passar à transparência do momento.
Mas um momento de que baniram horas
o hábito e o jeito de estar vendo
para muito mais longe. Para de onde a obra
surde. E a velhice nos ilumina o vento.
Fernando Echevarría, in “Figuras”
20
o
Alquimia estelar
Helio Jaques Rocha-Pinto
Os antigos alquimistas tornaram-se legendários em sua
busca pela pedra filosofal: a substância cuja qualidade superior
lhes concederia capacidade de modificar outras substâncias, podendo, entre outras coisas, tornar metais grosseiros em ouro e conceder imortalidade ao Homem. Igualmente legendária é a história
da evolução das ideias que levam à compreensão da origem dos
elementos químicos. Essas duas narrativas distintas, aparentemente desconexas, confluem na asserção de que metais podem sim ser
transmutados em ouro. Todavia, a pedra filosofal da Astronomia
moderna não é uma substância passível de ser encontrada em cadinhos e fornos terrestres, mas sim em um ambiente de natureza
profundamente extraterrena: o interior de uma estrela.
O interior de uma estrela é um ambiente bem diferente
de todos aqueles com os quais estamos acostumados e somos capazes de reproduzir. Tomemos o Sol, como exemplo. Comparado
a outras estrelas, o Sol não tem nada demais. Ele não figura nem
entre as maiores, nem entre as menores estrelas. A rigor, o Sol é
uma estrela muito ordinária, similar a diversas outras estrelas de
nossa Galáxia. Sua importância para nós deve-se ao fato de que é
a estrela central de nosso sistema planetário e é a fonte de energia
primaz do nosso ecossistema. A potência energética do Sol, isto é,
a taxa de energia produzida e lançada ao espaço pelo Sol, equivale a cerca de 383 sextilhões de watts, da qual uma ínfima fração
chega à Terra. Essa potência é descomunal face às potências das
maiores usinas que conseguimos planejar. Ainda mais assombroso
é constatar que o Sol mantém aproximadamente essa potência há
mais de 4,5 bilhões de anos. Certamente, o Sol possui, em seu
interior, algum mecanismo de geração de energia altamente eficiente e sustentável, distinto de tudo quanto há na Terra. O mesmo
mecanismo é ainda mais eficiente nas estrelas maiores que o Sol,
para as quais a potência pode chegar a ser até 1 milhão de vezes
maior do que a do Sol.
A fonte dessa energia parece, a princípio, tão mágica
quanto as propriedades reputadas à pedra filosofal. No cerne de
seu entendimento, encontram-se ideias relativamente recentes da
Física, enfeixadas no que rotulamos de Mecânica Quântica. O
mistério da geração de energia nos interiores estelares começou
21
22
a dissipar-se após o advento da teoria dos quanta e da descoberta
da radioatividade. Foi na década de 1920 que o astrônomo inglês
Arthur Eddington aventou a possibilidade de que no interior de
estrelas haveria fusão nuclear de Hidrogênio em Hélio, gerando
energia. Vários físicos e astrônomos posteriormente elaboraram
essa ideia, dentre os quais merecem destaque George Gamow e
Hans Bethe.
O russo Gamow foi quem forneceu boa parte do arcabouço teórico necessário à compreensão da radioatividade, explicando como alguns núcleos atômicos conseguem “quebrar-se”,
gerando energia e núcleos atômicos ou partículas elementares
diferentes. Essas mesmas equações permitem entender como dois
outros núcleos podem juntar-se, formando um novo núcleo atômico. Em 1939, 11 anos após a publicação da teoria de Gamow,
o alemão Hans Bethe, já trabalhando nos EUA, analisou a geração
de energia por estrelas, identificando dois conjuntos de reações
termonucleares que levavam à criação de Hélio a partir da fusão
sucessiva de quatro átomos de Hidrogênio. Cada instância dessa
cadeia de fusões termonucleares gera, isoladamente, cerca de 47
milhões de vezes menos energia do que cada um de nós gasta, em
média, ao pronunciar uma única sílaba de uma palavra. Porém, no
Sol, ocorrem cerca de um duodecilhão de instâncias desse conjunto de reações a cada segundo. Esse número é de assustar qualquer
mortal, não somente pelo neologismo raramente empregado mas
pelo que ele significa em uma escala um pouco mais compreensível: mil bilhões de bilhões de bilhões de bilhões. A maior parte
dessa energia fica retida no próprio Sol, mantendo-o estável contra a força de sua própria gravidade. Curiosamente, é a própria
gravidade do Sol que promove essas reações termonucleares, ao
esmagar átomos uns contra os outros nas partes mais internas da
estrela. Por isso, o mecanismo de geração de energia é sustentável
e tem durado tanto tempo: o peso das camadas mais externas do
Sol funde átomos no seu interior, cuja liberação de energia aquece essas mesmas camadas externas, aumentando-lhes a pressão, e
contrabalançando, assim, a força da gravidade.
As consequências mais fascinantes desse mecanismo é a
produção de novos núcleos atômicos, a partir da fusão de núcleos
pré-existentes no interior estelar. Essa teoria, batizada Nucleossíntese Estelar, começou a ser desenvolvida em 1948 por Fred Hoyle
e ganhou contornos mais bem definidos em 1957, após a publicação de seminal artigo do próprio Hoyle, do casal Geoffrey e
Margaret Burbidge e de Willie Fowler, apodado B2FH a partir das
iniciais dos sobrenomes de seus autores.
De acordo com a teoria cosmológica padrão, o Big Bang
— a “Grande Explosão” — corresponde ao evento a partir do qual
o Universo veio a ser criado. Matéria, energia, partículas, tudo isso
ganha existência após o Big Bang. Mas sabemos que as condições
físicas desse evento teriam gerado um universo composto por matéria bariônica quase que exclusivamente sob a forma de átomos
de Hidrogênio, Hélio e raros núcleos atômicos mais pesados que
este último. Não haveria Oxigênio, Carbono, Ferro... Não haveria
mais de 90% da tabela periódica. O Universo pós-Big Bang deve
ter sido um marasmo em termos de diversidade química! Donde
vieram então todos os demais elementos químicos? Das estrelas!,
indica-nos B2FH.
As reações termonucleares que vimos ocorrer no interior
solar envolvem apenas a fusão do Hidrogênio. Uma vez que o
Hidrogênio no centro da estrela seja completamente consumido e
transformado em Hélio, novas reações vêm a ocorrer, compondo
núcleos cada vez mais pesados a partir da fusão de núcleos menores. Essas cadeias de reações termonucleares mais complexas
ocorrem tanto no interior de estrelas mais pesadas que o Sol, como
devem ocorrer parcialmente no interior do próprio Sol, dentro de
uns 5 bilhões de anos, quando o Hidrogênio do interior solar for
totalmente consumido.
São várias as “famílias” de reações termonucleares da
Nucleossíntese Estelar, que podem envolver tanto a fusão, quanto
a fissão nuclear, ou, ainda, a captura de partículas menores, como
os nêutrons, o que por sua vez leva a novas transmutações. Por
23
24
exemplo, as reações termonucleares que envolvem a fusão de átomos de Hélio com outros átomos de Hélio ou átomos resultantes
desta mesma fusão geram os chamados núcleos alfa: Carbono,
Oxigênio, Magnésio, Silício, Enxofre, Neônio, Argônio, entre outros. Essas reações são mais frequentes nos interiores de estrelas
com massa superior a duas massas solares. Já os elementos mais
pesados do que o Ferro, tais como Bário, Iodo, Prata, Chumbo,
etc, são formados a partir da fusão de nêutrons com átomos de
Ferro ou de algum outro elemento mais pesado que o Ferro que
pré-exista na estrela.
Uma vez formados, esses átomos podem participar de
novas reações na própria estrela ou manterem-se intactos, até o
momento em que a vida da estrela chegar ao fim.
O destino da estrela será traçado pelo seu tamanho. As
estrelas muito pesadas acabam explodindo e dando origem a supernovas. As de menor massa, como o Sol, expulsarão boa parte
da sua massa através de pulsos, dando origem ao objeto que chamamos de Nebulosa Planetária. Em ambos os casos, uma grande
quantidade de elementos químicos sintetizados na estrela será
lançada ao espaço interestelar. Assim, paulatinamente o Universo
foi-se enriquecendo em novos elementos químicos, após várias e
várias gerações estelares terem chegado ao fim da vida.
Mas a morte das estrelas é o prelúdio de nova vida. Dessa matéria interestelar enriquecida em novas espécies atômicas,
outras estrelas formar-se-ão, tendo herdado uma matéria mais
diversificada do que aquela deixada pelo Big Bang. No entorno
dessas novas estrelas, fenômenos astronômicos que dependem de
um meio atomicamente diversificado começam a ter vez: moléculas ricas em Silício se aglomeram em grãos de poeira, que podem
crescer em tamanho, eventualmente ganhando uma capa de gelos
compostos majoritariamente por H2O e CO2; moléculas orgânicas
participam de cadeia de reações químicas elaboradas; planetas se
formam; a Vida evolui...
É muito intrigante constatar o quanto dessa história nos
toca. Dez por cento do peso médio do corpo humano é composto por átomos de Hidrogênio. Todo o resto é de elementos mais
pesados que o Hélio, justamente aqueles elementos produzidos
dentro de estrelas. Praticamente toda a matéria de nosso corpo foi
forjada no quentíssimo interior de incontáveis gerações estelares
que surgiram ao longo de cerca de oito a nove bilhões de anos de
idade da Galáxia antes da formação do Sol. Somos, por assim dizer, poeira cósmica, cinza estelar, ligas de uma siderurgia sideral.
25
26
A Arqueoastronomia
Rundsthen Vasques de Nader
Todas as civilizações em desenvolvimento demonstram uma certa reverência pelo céu e pelos objetos que nele vemos, tanto durante o dia quanto à noite.
O movimento cíclico do Sol e da Lua, os planetas, bem
como as estrelas, representam um tipo de perfeição e
harmonia aparentes não alcançáveis para os mortais. Os
eventos regulares e previsíveis do nascer e ocaso do Sol
e da Lua davam aos antigos algo seguro e ordenado, um
pilar estável em que apoiar seus conhecimentos. Todavia,
atualmente já não precisamos da Astronomia prática na
vida cotidiana. Desapareceu completamente a necessidade que tínhamos de observar cuidadosamente os fenômenos celestes. Quem saberia dizer, agora, a que horas o Sol
nasceu hoje ou em qual fase da Lua estamos?
Ao nos afastarmos das luzes da cidade e observarmos as cintilantes luzes no firmamento podemos vislumbrar o que as mentes curiosas de nossos ancestrais
imaginavam para construir uma epopeia com imagens que
falavam de suas relações com a Natureza e o Universo sobre suas cabeças. Há muito tempo a humanidade tomou
consciência, intuitivamente, de que estávamos ligados,
de alguma forma, ao céu que nos envolvia e que nunca
poderíamos nos separar da Natureza. Nossos ancestrais
se inseriam neste universo por intermédio de um diálogo
criativo com as montanhas, as águas, a Lua e o Sol, dentre
muitas outras entidades. Tentavam explicar a Natureza
por meio de sua arte, arquitetura, pela palavra, tanto oral
quanto escrita, pela mitologia e transmitiram suas observações a sucessivas gerações, que por sua vez as transformaram e as adaptaram.
Lentamente esse diálogo com a Natureza foi se
modificando até se transformar no que é hoje em dia. Os
astrônomos atuais voltam seus telescópios para cima, porém os antigos observadores do céu voltavam seus olhos,
despidos de tecnologia, para o horizonte. Isso porque os
eventos celestes estavam ligados à prática ritualística de
27
A Lua
(Renato Rocha)
A Lua
Quando ela roda
É Nova!
Crescente ou Meia
A Lua!
É Cheia!
E quando ela roda
Minguante e Meia
Depois é Lua novamente
Diiiizz!...
Quando ela roda
É Nova!
Crescente ou Meia
A Lua!
É Cheia!
E quando ela roda
Minguante e Meia
Depois é Lua-Nova...
Mente quem diz
Que a Lua é velha...
Mente quem diz!
28
Figura 2: Alinhamento
megalítico de Stonehenge,
Inglaterra
Figura 1: Representação da supernova de 1054 em Chaco Cânion, USA
nossos ancestrais e eles estavam mais interessados com a
altura em que uma de suas divindades celeste elevava-se
acima de um templo dedicado à sua adoração em uma
determinada época do ano. Mas hoje em dia é difícil para
nós compreender, ou explicar, um evento natural sem os
padrões de organização que a Ciência nos ensinou.
A Arqueoastronomia, um ramo recente da Astronomia e da Arqueologia, tenta compreender o papel que
a Astronomia tinha na vida cotidiana dos povos antigos,
como ela influenciava a sociedade, como as antigas culturas observavam o céu e de que forma materializavam
essas observações em construções e representações com
os mais diversos fins (práticos ou não) e das mais diversas
formas.
Cometa
(Carlos Drummond de Andrade
Figura 3: Pirâmide El Castillo em Chichén Itzá, México
A Arqueoastronomia é o estudo das “astronomias” dos tempos antigos e pré-históricos. “Astronomias”
porque, ao contrário do que hoje acontece, os métodos de
observação e interesses astronômicos variaram de lugar
para lugar e de época para época. Os construtores megalíticos da Europa Ocidental, nas latitudes mais ao Norte,
construíram miras de precisão em relação ao horizonte e
ao nascer e por helíacos de objetos celestes. Na América Central, observavam-se passagens zenitais de astros. E
tanto as diferenças quanto as semelhanças que nos conduzem pelos caminhos que a Ciência trilhava nesses dias
lançam luz sobre o modo como chegamos a ser o que
somos hoje.
A Arqueoastronomia é o que se pode chamar de
Olho o cometa
com deslumbrado horror de sua cauda
que vai bater na Terra e o mundo explode.
Não estou preparado! Quem está,
para morrer? O céu é dia,
um dia mais bonito do que o dia.
O sentimento crava unhas
em mim: não tive tempo
nem mesmo de pecar, ou pequei bem?
Como irei a DEUS sem boas obras,
e que são boas obras? O cometa
chicoteia de luz a minha vida
e tudo que não fiz brilhar em diadema
e tudo é lindo.
Ninguém chora
nem grita.
A luz total
de nossa morte faz um espetáculo...
Figura 4:Pintura rupestre na
Toca do Cosmo, Bahia, Brasil
29
Representação da supernova de
1054, Bahia, Brasil
Nu
(Manuel Bandeira)
Quando estás vestida
ninguém imagina
os mundos que escondes
sob as tuas roupas.
Assim, quando é dia,
não temos noção
dos astros que luzem
no profundo céu.
Mas a noite é nua.
E nua na noite,
Palpitam teus mundos
E os mundos da noite.
30
uma Ciência realmente interdisciplinar. Combina o conhecimento e as modernas técnicas da Arqueologia moderna com a precisão numérica da Astronomia prática. Por
ser uma Ciência recente (suas bases somente começaram
a se definir a partir dos anos 1970), não existem ainda departamentos universitários de Arqueoastronomia. Como
resultado disso, a maior parte dos que para ela contribuem
chegam por caminhos diferentes. Alguns são astrônomos,
têm o conhecimento dos fenômenos que interessaram aos
primeiros astrônomos, e aplicam suas técnicas matemáticas para deduzir quais alinhamentos foram construídos relacionados a determinados objetos celestes. Determinam
quais cálculos foram realizados. Já os arqueólogos são
capazes de avaliar os pormenores de um local. Datam-no
e reconstroem sua história, traduzem antigas inscrições,
obtêm as provas independentes necessárias para confirmar as hipóteses astronômicas. Os etnólogos procuram
pistas nos costumes antigos e também nos que persistem
até nossos dias. Há também os matemáticos, engenheiros,
arquitetos e muitos outros profissionais de diversas áreas
que aplicam seus conhecimentos para ajudar a entender
os muitos aspectos da interpretação das evidências arqueoastronômicas.
Os povos da antiguidade observaram que o que
acontecia sobre suas cabeças repetia-se periodicamente,
e essas repetições tornaram possível estruturar o tempo e
suas vidas, como fazemos até hoje em dia. Alguns ciclos
são simples e fáceis de observar. Outros são complexos
e difíceis de perceber e, além das luzes da cidade e a
poluição do ar nos afastarem de uma visão límpida do
céu, também as grandes construções que nos cercam nos
impedem de termos uma visão ampla do céu, dificultando
a constatação de que tais ciclos existam. Esses povos que
se preocupavam com ambiciosos programas de observação astronômica estão separados entre si, tanto geográfica
quanto temporalmente.
Desde que a humanidade existe ela está em constante fluxo entre a sobrevivência e os elementos. Dependendo, sobretudo, da terra e do céu para a sobrevivência,
as diversas culturas espalhadas pelo planeta encontraram
diferentes formas de tratar com esse delicado equilíbrio.
O estudo da Arqueoastronomia tenta entender como estas diferentes culturas lidavam com esse equilíbrio, examinando de que forma elas correlacionavam os eventos
terrestres com os cósmicos. No que diz respeito à cosmologia, aos mitos, aos sistemas de calendários, navegação e
outros fenômenos celestes observados por uma cultura, o
foco do arqueoastrônomo é menos com as estrelas e mais
com a própria cultura. Sendo ainda uma Ciência jovem,
muitas perguntas ainda não puderam ser respondidas. Ela
teria realmente capacidade de estudar e entender a cultura dos povos com base na Astronomia? Se a resposta
for positiva, qual seu impacto na comunidade científica?
Essas questões básicas continuam ainda sem uma resposta
definitiva e continuam dependendo dos conceitos teóricos, metodológicos e epistemológicos usados para tentar
entender a cosmovisão dos povos antigos.
Aliás, uma das críticas à Arqueoastronomia é a
questão da metodologia e sua relevância. Sendo uma Ciência multi e interdisciplinar, ela reúne aspectos de várias
ciências, mas basicamente de Astronomia e Arqueologia.
Pesquisadores de Arqueoastronomia geralmente vêm de
uma dessas duas áreas.
Uma das áreas de maior estudo na pesquisa arqueoastronômica tem sido a de estruturas megalíticas e
construções ritualísticas e seus aparentes alinhamentos ou
associações relacionadas aos fenômenos astronômicos.
No Brasil esse estudo está em estágio mais inicial ainda,
devido a vários fatores. Um dos maiores complicadores
na análise da Arqueoastronomia é que não temos, até o
momento, evidências de construções como as vistas em
outras regiões do planeta. O que temos à nossa disposição são, basicamente, pinturas e gravações feitas em
Saudades
(Casimiro de Abreu)
Nas horas mortas da noite
Como é doce meditar
Quando as estrelas cintilam
Nas ondas quietas do mar;
Quando a Lua majestosa
Surgindo linda e formosa
Como donzela vaidosa
Nas águas se vai mirar.
Calendário asteca, Cidade do México
31
Pintura rupestre representando
objeto celeste, Bahia, Brasil
32
Pintura rupestre representando
objetos celestes e sistemas de
contagem, Bahia, Brasil
rochas. Isso dificulta muito a tentativa de compreensão
do significado dessas imagens, já que dificilmente conseguimos associá-las a culturas ou narrativas existentes. Devemos,
portanto, ter extremo cuidado em dar uma interpretação para
o que vemos, e nunca sermos taxativos sobre uma análise de
uma pintura ou conjunto delas. Este ainda não é um terreno
bem conhecido e qualquer engano, mesmo que bem intencionado, pode trazer consequências não desejadas para a
credibilidade da Arqueoastronomia no país.
Entre outras coisas, o arqueoastrônomo define um
sítio como tendo, ou não, alguma associação astronômica,
e o faz utilizando-se de ferramentas e técnicas arqueológicas. Em muitos casos, questionam-se tais métodos,
argumentando que o significado astronômico para determinado sítio é exagerado, para dizer o mínimo. Esse é um
dos gargalos da Arqueoastronomia, mas mesmo quando
as conclusões são mais palpáveis, elas, geram, por parte
de pessoas sensacionalistas, teorias que enfraquecem sua
credibilidade e sua aceitação no meio científico. Talvez
no fato de sofrer a influência de duas ciências tão distintas esteja a dificuldade de definir uma identidade própria para a Arqueoastronomia, já que tanto a Astronomia
quanto a Arqueologia vêm de diferentes bases teóricas, e
a fusão de ambas tem sido um contínuo desafio.
Em resumo, já haveria fundamentos suficientes
para tentar compreender a evolução das culturas tendo
como base a Astronomia? Fica claro que ainda resta um
longo caminho a ser percorrido para o estabelecimento
das bases teóricas e metodológicas. O estabelecimento e
aceitação da Arqueoastronomia irá requerer uma grande
ênfase na teoria e na metodologia e um questionamento conceitual da epistemologia e da relevância de todos
os estudos arqueoastronômicos. Os atuais percalços são
similares àqueles que outras ciências enfrentaram na direção de sua gradual aceitação. O maior desafio para a Arqueoastronomia é a fusão da Ciência observacional com
a pesquisa cultural. Quando isso for conseguido, ela será
vista como um ramo da Ciência, agregando conhecimento
ao que podemos chamar de uma “cultura das estrelas”.
Via Láctea
Soneto XIII
(Olavo Bilac)
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” Eu vos direi, no
[entanto,
Que, para ouvi-Ias, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em
[pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão
[contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender
[estrelas.
33
O Universo não é
uma Ideia Minha ...
O Universo não é uma ideia minha.
A minha ideia do Universo é que é uma ideia minha.
A noite não anoitece pelos meus olhos,
A minha ideia da noite é que anoitece por meus olhos.
Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos
A noite anoitece concretamente
E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso.
Fernando Pessoa
34
Poeira de estrelas
S.Lorenz-Martins
1.Introdução: dust to dust, ashes to ashes
Estrelas nascem, vivem por um tempo e morrem.
Durante seu tempo de vida, elas produzem elementos químicos em seus interiores através de reações termonucleares. De
fato, a Terra e o Sol possuem elementos que foram processados nos interiores estelares, ou seja, matéria reciclada, produzida por gerações de estrelas anteriores ao nosso Sistema
Solar. À medida em que as estrelas evoluem, os elementos que
foram recém processados são primeiramente levados à superfície estelar e, posteriormente, jogados para o Meio Interestelar (MI – região entre as estrelas), através dos ventos estelares,
enriquecendo-o. Assim, a galáxia como um todo também evolui, já que estrelas são formadas, evoluem, morrem, enriquecendo-a e possibilitando a formação de novas estrelas com
matéria reciclada, as quais repetirão o ciclo. O final evolutivo
de uma estrela depende fortemente de sua massa e poderá
ser tranquilo ou explosivo. Nosso Sol terá um final tranquilo,
terminando sua vida como uma anã branca, passando antes
por estágios evolutivos intermediários tais como a fase de gigante vermelha e a fase de nebulosa planetária. Esses estágios
são curtos se comparados à vida total da estrela, no entanto,
produzem os mais belos objetos estelares registrados.
Assim, o espaço entre as estrelas não é vazio, mas
contém matéria. A maior parte dessa matéria é formada por
Hidrogênio atômico e/ou molecular, dependendo da temperatura e densidade das regiões analisadas, e também por outros
elementos mais pesados. Em nossa galáxia, a Via Láctea, cerca
de 1% da matéria interestelar é composta de pequenas partículas sólidas com tamanhos variando entre poucos nanômetros até vários microns, atingindo milímetros, em regiões de
formação estelar. São os grãos de poeira. A poeira é um grande problema para os observadores, pois modifica a radiação
proveniente das estrelas de duas maneiras: a poeira absorve
e espalha a radiação, provocando a extinção da mesma (diminuição da luz). Por causa das propriedades da poeira, que
absorve a radiação nos comprimentos de onda mais curtos, e,
depois de aquecida, reemite nos comprimentos de onda mais
longos, um efeito conhecido como “avermelhamento” é pro-
35
duzido nas medidas feitas. Mas são justamente as propriedades da poeira que a tornam especial para a formação de novas
estrelas; grãos de poeira são eficazes na proteção dos sítios
de formação estelar contra a radiação ultravioleta proveniente
de outras estrelas. Em uma nuvem molecular, na qual pode
ocorrer formação estelar, a poeira forma uma barreira protetora impedindo que a radiação de estrelas já formadas iniba a
formação de novas gerações de estrelas. Uma região rica em
poeira, conhecida como Saco de Carvão, fica à esquerda na
constelação do Cruzeiro do Sul e, em uma noite escura, longe
das luzes das grandes cidades, podemos observá-la a olho nú.
Uma outra região rica em poeira é a nebulosa escura conhecida como Cabeça do Cavalo (Figura 1).
Figura 1 – Nebulosa Cabeça de Cavalo –
telescópio espacial Hubble (HST – Hubble
Space Telescope), NASA
36
2. O que são Grãos e o Ciclo de Vida da Poeira
Partículas de poeira são partículas sólidas, tais como
grãos de areia, e podem ter diferentes composições químicas
que revelam o ambiente onde foram produzidas. São formados por Carbono, Oxigênio, Ferro, Silício, Magnésio, Titânio,
entre outros elementos.
Os grãos têm um ciclo de vida complicado: são produzidos por estrelas em seus estágios evolutivos finais, lançados ao MI através de ventos estelares para depois serem
consumidos na formação de novas estrelas ou sistemas planetários. No MI os grãos estarão concentrados em nuvens onde
poderão ser destruídos total ou parcialmente e, em especial
nas nuvens densas, sofrerão processos de acresção (crescimento), que modificarão suas estruturas. Nas nuvens os grãos
de poeira são utilizados como matéria (juntamente com o gás)
para a formação de novas estrelas e sistemas planetários que
os consomem, destroem, evaporam. Na Figura 2, vemos um
grão de Carbono amorfo, com um núcleo de carbeto de Titânio, extraído de um meteorito caído na Terra.
Hoje existem inúmeras evidências de que os grãos
são produzidos por estrelas evoluídas, em seus envoltórios
circunstelares, sendo as principais fontes, estrelas de massas
baixas e massas intermediárias. Nosso Sol, em seu futuro,
também produzirá grãos de poeira, provavelmente óxidos e
silicatos. Por outro lado, as estrelas ricas em Carbono produzirão grãos de carbeto de Silício, carbono amorfo e outros
compostos envolvendo Carbono. Os estágios em que os grãos
são ejetados no MI são as fases evolutivas mais avançadas.
No caso de estrelas de massas baixas, tal como o Sol, essas fases
situam-se entre a fase de gigante vermelha e a fase de nebulosa planetária. Nesses estágios, as estrelas ejetam também uma
quantidade significativa de gás, através de ventos estelares (Figura 3).
Por outro lado, estrelas com massas muito grandes
também podem produzir grãos de poeira em seus estágios
evolutivos mais avançados. Tais estrelas têm massas com
cerca de 10 a 50 vezes a massa do Sol e terminarão suas vidas em eventos explosivos, como supernovas. As supernovas
Figura 3 – Nebulosa da Helix – nebulosa planetária
– final evolutivo de uma estrela com massa similar
à do Sol observada com detector infravermelho
pelo Telescópio Espacial Spitzer, da NASA.
Figura 2 – Grão de Grafite com núcleo de
carbeto de titânio (TiC), formado nos ventos
de supernova.
37
Canção
Mínima
(Cecília Meireles)
No mistério do sem-fim
equilibra-se um planeta.
E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro;
no canteiro uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,
entre o planeta e o sem-fim,
a asa de uma borboleta
também têm sido consideradas fonte de poeira no Universo e
são responsáveis pela formação de grafite, diamante, óxidos,
entre outras espécies. Existem estudos que sugerem que supernovas de tipo II – resultado da evolução de uma única
estrela de grande massa – podem produzir uma quantidade
de poeira da ordem da massa do Sol, em um tempo de 0.01
a 0.1 bilhões de anos a partir do nascimento da progenitora. Mapeamentos recentes feitos com o telescópio espacial
Spitzer de Cassiopeia A, uma remanescente de supernova,
revelaram que a poeira formada na matéria ejetada foi de,
pelo menos, 2% da massa do Sol, e que a composição química da poeira reflete a composição química do sítio de
formação. É claro que o tempo de formação, quantidade e
tamanho dos grãos produzidos em eventos desse tipo dependem do tipo de SN envolvido. Mas, do mesmo modo
que as supernovas produzem grãos de poeira, elas também
destroem parte deles durante a explosão.
3. Onde está a Poeira?
Observamos a poeira em várias situações: (i) galáxias; (ii) nuvens interestelares; (iii) discos de poeira, que podem ser classificados como discos proto-planetários ou discos
circunstelares; (iv) envoltórios circunstelares, onde são nucleados; (v) Sistema Solar.
Figura 4 – Galáxia do Sombrero – HST, Spitzer, Chandra. A imagem
maior corresponde as três imagens combinadas: visível (tal como
nosso olho enxerga), infravermelho (como detectamos a poeira) e
raios-X.
38
A nucleação de grãos de poeira por estrelas evoluídas não é característica da Via Láctea, mas também é observada em outras galáxias. Em geral, nas outras galáxias similares
à nossa, a poeira está localizada nos braços espirais, região na
qual geralmente a matéria é mais enriquecida. Um exemplo
pode ser visto na Figura 4, a galáxia do Sombrero, observada
pelos telescópios espaciais Hubble e Spitzer. No disco protoFigura 5 – Nebulosa da Águia,
uma região de formação estelar.
-planetário, que formou nosso Sistema Solar, a poeira também
teve um papel importante, os grãos foram aglutinando-se até
formarem planetesimais que cresceram, dando origem aos
planetas e a pequenos corpos. Nos cometas, os grãos estão
misturados a moléculas congeladas compostas de elementos
voláteis e serão soltos quando o cometa se aproximar do Sol,
formando uma cauda de poeira (Figura 6 – Cometa Halle-Bopp, cauda amarela). O estudo de meteoritos é um campo muito importante para o estudo da poeira. A matéria mais
primitiva encontrada nos meteoritos são os grãos circunstelares. A partir do estudo de isótopos nestes grãos pré-solares é
possível determinar quais foram as estrelas que produziram a
matéria que formou nosso Sistema Solar, por exemplo.
Os grãos de poeira possuem estruturas que geralmente são complexas, formadas por um núcleo e camadas
Veja o mundo num grão de areia,
veja o céu em um campo florido,
guarde o infinito na palma da mão,
e a eternidade em uma hora de
vida!
(William Blake)
39
Figura 6 – Cometa Hale-Boppe
– cauda de poeira (amarela) e
cauda de gás ionizado (azul).
40
superficiais, os mantos. Os núcleos foram formados nos envoltórios circunstelares e os mantos podem ter sido formados nesse
ambiente, também, ou foram sendo acretados nas nuvens no MI.
O fato é que os núcleos de tais partículas podem permanecer intactos, tal como revela o estudo de meteoritos e podem ter trazido
a vida à Terra. Modelos de grãos observados no MI possuem características orgânicas, tais como cadeias imensas compostas por
benzeno, moléculas que são conhecidas como hidrocarbonetos
policíclicos aromáticos (PAH: Polycyclic Aromatic Hydrocarbon,
em inglês). Esse composto é encontrado também nos envoltórios
de estrelas de baixas massas, em estágios evolutivos avançados.
Outros grãos observados no MI podem conter moléculas como
formaldeídos (H2CO), formadas nas superfícies dos grãos nas nuvens interestelares densas e também outras mais complexas, tais
como CH3CHO, HNCO, HC3N. Formaldeídos também já foram
detectados e podem ser transformados em poli-sacarídeos (H2CO)
n e celulose (n=6). Essas duas últimas espécies são observadas na
região do Trapézio, uma área de formação estelar.
O fato é que, já há muito tempo, foi proposto por Hoyle
& Wickramasinghe um modelo de grão biológico, que sugere que
“a vida é um fenômeno cósmico”. Tal modelo faz uma conexão
entre grãos orgânicos e biológicos, e a proposta apresentada por
eles é que cometas contendo água e nutrientes orgânicos complexos fornecem um meio ideal para a criação de bactérias. Resumindo, somos todos poeira de estrelas.
Belo Belo
Estes poemas belíssimos,
de Manuel Bandeira —
Estrela da Vida Inteira,
Ed. Nova Fronteira, fone
(021)286.78.22, Brasil
— foram inspiração (e
homenagem a ele) para
Soares Feitosa, in Do BeloBelo.
Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.
Tenho o fogo de constelações
[extintas há milênios.
E o risco brevíssimo — que foi?
[passou — de tantas estrelas
[cadentes.
A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras
[lágrimas da aurora.
O dia vem, e dia adentro
Continuo a possuir o segredo
[grande da noite.
Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.
Não quero o êxtase nem os
[tormentos.
Não quero o que a terra só dá
[com trabalho.
As dádivas dos anjos são
[inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os
[homens.
Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.
— Quero a delícia de poder
[sentir as coisas mais simples.
41
Além da Terra,
Além do Céu
Além da Terra, Além do Céu
Além da Terra, além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver.
Carlos Drummond de Andrade
Eterno é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas
com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força
jamais o resgata....
Figura1 - Cassini Imaging Team, SSI, JPL, ESA, NASA.
Por você vou
roubar os anéis
de Saturno...
Thais Mothé Diniz
1. Por que Saturno?
Poetas ou não, cientistas ou artistas, na montanha
ou à beira-mar, quem nunca suspirou ao olhar para o céu
vendo a beleza da Lua, fez um pedido ao ver um meteoro,
ou mesmo imaginou como seriam os “outros mundos” se eles
fossem habitados?
Foi na tentativa de ver melhor um outro mundo
que Galileu Galilei, em 1609, tornou-se o responsável pela
história que vamos contar, ao apontar pela primeira vez
uma luneta para o céu. Em sua homenagem celebramos este
ano (2009) o Ano Internacional da Astronomia. Até então,
Saturno, conhecido desde a antiguidade, era mais um “astro
errante”, um planeta como os outros oito planetas conhecidos
a seu tempo, apenas distintos das estrelas do céu por seu
movimento em relação às mesmas. O que viu Galileu há
400 anos foi um mundo novo de possibilidades, um planeta
com uma característica particular, afinal, o segundo maior
planeta do Sistema Solar, apareceu-lhe ao telescópio portando
“orelhas” em ambos os lados de seu disco circular, como
mostra a figura 1. Apenas 45 anos mais tarde, o astrônomo
holandês Christiaan Huygens descobriu que as tais ditas
“orelhas” eram na verdade um fino anel que orbitava em torno
do equador de Saturno e, dessa maneira, nossa fascinação por
este mundo novo começou, assim como ganhou mais vida a
fantasia dos poetas e amantes. Saturno aparece na literatura
como um planeta majestoso e seus anéis, com frequência, são
simbolicamente associados ao noivado ou ao casamento.
Hoje sabemos que “o anel” de Saturno não é apenas
um, mas vários, que há regiões vazias entre eles, chamadas
“falhas”. A primeira falha no anel de Saturno então conhecido
43
Figura 1. Observações de Saturno
por outros, antes de Huygens: I é a
observação de Galileo em 1610. II foi feita
por Scheiner em 1614. III por Riccioli
entre 1641-1643. IV-VII representam
sugestões de Hevelius baseado em suas
teorias. VIII e IX são observações de
Riccioli entre 1648-1650. X por Divini
entre 1646-1648. XI é a observação feita
por Fontana em 1636. XII por Gassendi
em 1646. XIII por Fontana e outros entre
1644-1645.
Poema de Amor
Esta noite sonhei oferecer-te o
anel de Saturno
e quase ia morrendo com o
receio de que ele não
te coubesse no dedo.
foi percebida pelo astrônomo, matemático e engenheiro
italiano Giovanni Domenico Cassini, em 1676. A parte
externa do anel foi então chamada de anel A, e a mais interna
e mais brilhante, anel B. Essa falha observada por Cassini foi
posteriormente chamada de “divisão de Cassini”. Conforme
a tecnologia e os telescópios melhoravam, foi aumentando o
número de anéis identificados e também foram-se descobrindo
mais falhas e estruturas dentro dos anéis conhecidos.
O nome “Saturno” deve-se a uma homenagem ao
deus Romano Saturnus (de onde derivou o nome do sétimo
dia da semana, Sábado), equivale ao deus grego Chronos,
o Titã, pai de Zeus (ou Júpiter). Equivale também ao deus
babilônio Ninurta e ao hindu Shani. Saturno não é conhecido
"apenas" pela imponência de seus anéis. Há também uma
enorme diversidade em seu conjunto de luas, seus satélites.
Jorge Sousa Braga
(Poeta Português, 1957-_)
44
2. Quem é este maravilhoso planeta? De que são feitos seus
anéis? Como surgiram?
Hoje sabemos que Saturno é achatado nos polos,
devido à rápida rotação do planeta em torno de seu eixo.
Um dia em Saturno tem 10 horas e 39 minutos, e ele leva 29,5
anos terrestres para girar em torno do Sol. Sua distância ao Sol
é quase 10 vezes a distância da Terra ao Sol, ou 9,5 unidades
astronômicas. Saturno possui um núcleo sólido em seu
interior, e sua extensa atmosfera é composta principalmente
de Hidrogênio, com pequenas quantidades de Hélio e
Metano. Saturno é ainda o único planeta mais leve do que a
água. Se pudéssemos colocá-lo em um oceano, ele flutuaria.
Em sua atmosfera há ventos a altas velocidades, chegando a
100 metros por segundo próximo ao equador. Todas essas
informações nos foram reveladas por observações a partir de
telescópios terrestres e pelas naves Voyager 1 e 2 na década de
1980. As Voyagers também observaram, na época, três novas
luas de Saturno e descobriram vários outros anéis, chamados
por letras do alfabeto romano C, D, E, F, G. Hoje o número
de satélites descobertos desse planeta ultrapassa 60, e outros
possivelmente ainda serão encontrados. O primeiro satélite a
ser descoberto foi Titã, por Huygens, no ano de 1655.
Hoje sabemos que os anéis são formados por material
sólido de tamanhos diversos, desde poucos milímetros até
vários metros. Esse material é feito principalmente de gelo de
água e alguns silicatos. Os anéis se distribuem em sete regiões
principais ao redor do equador de Saturno, de espessuras em
O astrônomo
Enquanto os namorados/ fazem desenhos
coloridos do futuro/ à luz dos candeeiros/
e os bêbados começam a esquecer/
a tristeza pelos bares,/ ele estende a
mão para tocar/ os astros e as estrelas
solitárias.
Nada sabe do escuro/ e das suas
medonhas ocupações/ porque só tem
olhos para as brilhantes,/ longínquas
constelações.
Quando o Sol nasce ele adormece/ e cai
num leve sono diurno, / sonha que no
seu aniversário / lhe vão oferecer o anel
de Saturno.
Álvaro Magalhães, In O Brincador
http://www.ensino.eu/2006/dez2006/cultura.html
Figura 2. Imagem tomada em 5
de outubro de 2008 pela sonda
Cassini, ao passar a apenas 25 km
da superfície do satélite Enceladus.
A foto mostra uma superfície
recoberta por fraturas, dobras e
sulcos, marcas da impressionante
atividade tectônica de um mundo
relativamente pequeno.
45
Figura 3. Imagem do satélite
Iapetus tomada pela sonda
Cassini em sua aproximação
máxima em set. 2007. (NASA/
JPL/SSI)
46
torno de 1 km, com exceção do anel E, cuja espessura varia
com a distância ao planeta, entre 10 mil e 20 mil km. Em cada
uma das sete regiões também há falhas menores, anéis mais
finos e até pequenas luas. A diferença entre os anéis é dada pela
variação na quantidade e composição da poeira, do material
maior e dos gelos nos mesmos, e também pela variação de sua
espessura. A ordem das letras que denominam os anéis é de
acordo com o seu descobrimento, e não em ordem de distância
ao centro de Saturno, como poderíamos esperar.
Mas Saturno não é o único planeta a possuir anéis.
Todos os demais planetas gigantes (Júpiter, Urano e Netuno)
possuem anéis, que são bem mais tênues e menores do que os
anéis de Saturno.
A origem dos anéis de Saturno é ainda um problema
em discussão. Duas fontes principais podem ser as “geradoras”
de anéis: a primeira seria a perda de partículas por uma lua,
como é o caso da ejeção de material pelo satélite Enceladus, na
forma de erupções criovulcânicas (vulcões de gelo), ou mesmo
do satélite Io de Júpiter, com seus vulcões de enxofre. A colisão
de algum objeto que destrua um satélite também poderia
produzir material que ficaria em órbita em torno do planeta,
formando um anel. O efeito de maré exercido pelo planeta
também poderia destruir uma lua já formada, fazendo com que
o material resultante dessa quebra produzisse um novo anel.
A segunda causa para a existência de anéis seria a
“sobra” de partículas que existiam naquela região na época da
formação do planeta no sistema solar e que ficaram “capturadas”
no campo gravitacional do planeta, não conseguindo formar,
pela sua aglomeração (acresção), uma lua devido a esse mesmo
efeito forte de maré exercido pelo mesmo.
Figura 4. Imagem do anel F,
tomada imediatamente após
suas partículas encontrarem o
satélite Prometeu, mostrando a
“quebra” momentânea do anel.
(NASA/JPL/SSI)
47
Para saber mais:
Joias do Sistema Solar:
Informações sobre os anéis de
Saturno e de outros planetas.
Ciência Hoje das Crianças.
21/11/2008. http://cienciahoje.
uol.com.br/133012
Página web da missão CassiniHuygens (site em inglês): http://
saturn.jpl.nasa.gov/
Christiaan Huygens. Systema
Saturnium... (1659).
Disponível online em:
http://www.sil.si.edu/
DigitalCollections/HST/
Huygens/huygens-text.htm
Belas imagens de Saturno e de
outros corpos do Sistema Solar:
http://photojournal.jpl.nasa.gov/
48
Parte 3: Mais material para alimentar a imaginação?
Lançada no ano de 1997, a espaçonave CassiniHuygens chegou ao sistema de Saturno em 2004 e começou
enviar inigualáveis imagens e informações jamais sonhadas
sobre o mesmo. Vimos anéis dentro dos anéis, confirmamos
sua composição de partículas de gelos e grãos de poeira.
Conseguimos capturar instantes mágicos em que ondulações
nos anéis são formadas, causadas pelo cruzamento de satélites
pelos mesmos.
Vimos satélites de todas as formas e características.
Encelado com jatos de gelo sendo expelidos por várias regiões
de sua superfície, um pequeno mundo extremamente ativo,
com tectonismo “gelado”, algo nunca antes imaginado.
Superfícies como as dos satélites Iapetus e Penélope,
completamente recobertas por crateras, e crateras dentro de
crateras, causadas pela queda de meteoritos. E com a sonda
Huygens vimos o belo Titã, o primeiro satélite de Júpiter a ser
descoberto... A sonda Huygens pousou, pela primeira vez
na história da humanidade, em um objeto do Sistema Solar
externo. Tiramos fotografias 3D com ajuda de radares que
nos revelaram detalhes de altitude da superfície, montanhas,
grandes lagos de etano e metano (o principal componente do
gás natural), planícies e dunas... Um mundo que tem muitas
semelhanças com a Terra em algumas de suas características.
Uma superfície com ampla diversidade geológica, um satélite
rico em materiais orgânicos e o único mundo conhecido além
da Terra a ter uma atmosfera densa. A pressão lá é apenas um
pouco maior do que na Terra, os ventos sopram de um lado
para outro transportando nuvens pelo céu. Titã parece uma
versão congelada da Terra há vários bilhões de anos, antes de
a vida começar a injetar oxigênio em nossa atmosfera.
Enfim, o sistema de Saturno, com suas luas e anéis,
é uma das maiores belezas do Sistema Solar, e o seu contínuo
estudo vem plantando ainda mais sementes na imaginação de
todos.
49
Cometas,
Astros com Cabeleira
Olho o cometa
com deslumbrado horror de sua cauda
que vai bater na Terra e o mundo explode.
Não estou preparado! Quem está,
para morrer? O céu é dia,
um dia mais bonito do que o dia.
O sentimento crava unhas
em mim: não tive tempo
nem mesmo de pecar, ou pequei bem?
Como irei a DEUS sem boas obras,
e que são boas obras? O cometa
chicoteia de luz a minha vida
e tudo que não fiz brilhar em diadema
e tudo é lindo.
Ninguém chora
nem grita.
A luz total
de nossa morte faz um espetáculo...
Carlos Drummond de Andrade
Galáxias
blocos de construção do
Universo
Paulo Afranio Augusto Lopes
1. Descoberta e primeiras observações de galáxias
Uma galáxia é um sistema estelar isolado e independente contendo centenas de milhões a centenas de bilhões de
estrelas. A distância típica de uma galáxia é enorme, a mais
próxima da Terra encontra-se a mais de 150 mil anos-luz (1
ano-luz = 9,4605 x 1012 km). Atualmente, estima-se que o
universo contenha dezenas de bilhões de galáxias. Devido à
grande distância, a observação a olho nu desses objetos é bastante difícil. Duas das galáxias mais próximas de nós são as
Nuvens de Magalhães, exibidas na Figura 1 abaixo.
O estudo de galáxias teve seu início de forma
sistemática no séc. XVIII, com o astrônomo Charles Messier,
que identificou acidentalmente várias galáxias, enquanto realizava uma seleção de cometas. Como visto na Figura 1, as
galáxias se parecem com distribuições difusas de luz, sendo
distinguidas de cometas por C. Messier. Ele criou um catálogo
Figura 1: Grande (canto superior direito) e pequena (canto inferior esquerdo)
Nuvens de Magalhães. Observação do Anglo-Australian Observatory.
51
desses objetos que, mais tarde, vieram a ser chamados de galáxias. No entanto, nem todos os objetos astronômicos por
ele selecionados eram galáxias. Alguns constituíam nuvens
gasosas ou aglomerados estelares, dentro da nossa própria
galáxia. No século seguinte, outros cientistas criaram listas
semelhantes de objetos celestes, também incluindo galáxias.
Entre essas destaca-se aquela gerada por Sir William Herschel.
Apesar de galáxias já serem identificadas de forma
sistemática desde o séc. XVIII, até o início século XX (década
de 1920) não se tinha uma ideia clara da natureza dessas
fontes astronômicas, que eram denominadas simplesmente
por nebulosas espirais. Em realidade, nessa época ocorreu
uma discussão científica que veio a ser chamada de o “Grande
debate”, liderado pelos astronômos Harlow Shapley e Heber
Curtis. O primeiro defendia que as nebulosas estavam contidas
em nossa própria galáxia, que representaria a extensão total
do universo. Já Curtis dizia que as nebulosas eram galáxias
separadas da nossa, também chamadas de “universos ilha”.
Uma ideia implícita no debate é a questão do tamanho ou
escala do universo.
A resolução desse debate veio com o astrônomo
Edwin Hubble, que realizou diversas observações com
o telescópio de 2,5m no Mount Wilson, Califórnia. Com
essas, Hubble pode calcular a distância até a “Nebulosa” de
Andrômeda, verificando que a distância era ainda maior que o
tamanho estimado da Via Láctea (nossa galáxia). Sendo assim,
Andrômeda passou a ser considerada uma galáxia, assim
como a nossa. Resultados subsequentes para outras nebulosas
levaram a conclusões idênticas, de forma que esses objetos
passaram a ser reconhecidos como galáxias externas à nossa.
52
2. Tipos de galáxias
As galáxias podem ser classificadas de acordo com
sua aparência (morfologia), além de outras propriedades.
Dentre os diversos sistemas de classificação de galáxias
disponíveis, o mais conhecido foi desenvolvido na década
de 1920 por E. Hubble. Nesse sistema há três tipos principais de
galáxias: de elípticas, espirais e irregulares. Além desses há um outro
tipo chamado de “lenticular”, sendo “intermediário” entre elípticas
e espirais.
As galáxias espirais possuem dois ou mais “braços espirais”
a partir do centro. Quando vistas de lado, elas têm a aparência de
um disco, onde se localizam os braços espirais. No sistema de
classificação de Hubble elas são identificadas pela letra “S”, seguida
de uma letra minúscula que vai de “a” até “d”. As espirais Sa tem
uma região central (denominada bojo) grande e braços espirais bem
próximos a esse bojo. De forma sequencial, as Sb possuem bojo um
pouco menor que as Sa e braços espirais um pouco mais abertos
(em relação ao bojo). Para as Sc e Sd essa predominância do bojo é
cada vez menor, enquanto os braços espirais ficam cada vez mais
abertos. Isso pode ser visto na Figura 2, na qual é apresentado o
diagrama de Hubble, contendo seu sistema de classificação.
Já as galáxias elípticas não têm estrutura espiral,
apresentando uma distribuição mais suave de luz. Elas são
representadas pela letra “E” seguida de um índice que vai de 0 a 7.
Esse é dado pela expressão 10Є, onde Є = (1- b/a), sendo que a e b
são os semi-eixos maior e menor da elipse representando a galáxia.
Galáxias com índice zero (E0) são circulares, enquanto as E7 são as
mais achatadas (Figura 2).
As irregulares não possuem nem braços espirais, nem
uma estrutura suave, não tendo uma forma bem definida. Por fim,
as galáxias lenticulares têm uma forma de disco (como espirais), mas
não possuem braços, sendo consideradas um tipo intermediário
entre elípticas e espirais. As lenticulares são representadas por S0
(Figura 2).
Figura 2: Esquema representativo do diagrama de Hubble, com
galáxias elípticas, S0, e espirais (com ou sem barra).
Entre as espirais, há também as chamadas espirais
com barra, nas quais os braços espirais partem de uma espécie
de barra na região central (em vez de um núcleo). Essas são
denomidas por SBa, SBb, SBc ou SBd, onde o “B” significa que
a galáxia apresenta uma barra. Estas podem ser identificadas
na Figura 2. Hubble imaginou que o diagrama acima
representasse uma espécie de sequência evolutiva, em que as
53
galáxias nasceriam como elítpicas e evoluiriam para espirais.
Atualmente, sabe-se que essa sequência evolutiva não é real,
mas ainda se utiliza esse diagrama pela forma simplificada de
apresentar os diferentes tipos de galáxias. Algumas imagens
com exemplos de galáxias são exibidas na Figura 3.
Figura 3: Mosaico de galáxias observadas pelo All-wavelength
Extended Groth strip International Survey, com o Hubble Space
Telescope (HST).
54
3. Propriedades de galáxias
Além de diferirem pela aparência os diversos tipos
de galáxias também podem ser distinguidos por determinadas
características. Por exemplo, galáxias elípticas, em geral, são mais
vermelhas, possuem pouco ou quase nenhum gás, tem uma
população de estrelas mais velha e formam poucas estrelas. A cor
mais avermelhada dessas galáxias (ver figura 3) é decorrente do fato
de elas serem preferencialmente constituídas por estrelas velhas, de
massa pequena e mais vermelhas. Já a pequena taxa de formação
estelar é consequência da pouca presença de gás, combustível para
formação de novas estrelas.
As espirais e irregulares são mais azuis (figura 3), têm grande
quantidade de gás, possuem estrelas jovens e velhas e alta taxa de
formação estelar. A alta taxa de formação de estrelas se deve à grande
quantidade de gás nessas galáxias. Em particular, a quantidade de gás
em irregulares indica que essas são menos evoluídas que espirais, no
sentido de que deverão formar estrelas por mais tempo. A cor mais
azul dessas galáxias é explicada pela formação de estrelas de alta
massa, que são quentes e azuis. Note que o bojo de galáxias espirais é
mais vermelho que o disco, onde estão os braços espirais. O bojo de
uma espiral assemelha-se (tanto na forma como nas propriedades) a
uma galáxia elíptica em miniatura, sendo quase desprovido de gás. Já
os braços espirais possuem bastante gás, o que explica a presença de
estrelas jovens nos braços.
Há diversas hipóteses para explicar os diferentes tipos de
galáxias. Segundo uma dessas a maioria das galáxias nasceria
com uma forma de disco, com quase nenhum bojo (região
predominante no centro). Ao longo da evolução do universo
colisões e fusões entre essas galáxias criariam as galáxias
elípticas. Isto explicaria, pelo menos em parte, a formação
de galáxias elípticas. Dessa forma espera-se que colisões e
fusões de galáxias sejam comuns na evolução do Universo.
Exemplos de galáxias em interação são exibidos na figura 4.
4. Galáxias ativas
Galáxias ativas são objetos que apresentam uma
emissão de energia extraordinária vinda de uma região
central (núcleo) muito pequena. A origem dessa energia é
gravitacional, causada pela presença de um buraco-negro
no centro dessas galáxias. O processo de acreção explica
essa geração de energia, segundo o qual, através da queda
de matéria em direção a um buraco-negro central, energia
potencial é convertida em energia cinética. Parte desta é
então convertida em energia interna (calor) que é emitida
sob a forma de radiação.
Figura 4: Mosaico de galáxias em colisão observadas com o Hubble Space
Telescope (HST).
55
As galáxias ativas são agrupadas sob o nome de
AGN (active galactic nuclei, em inglês), também possuindo
forte emissão em outras faixas do espectro eletromagnético
(como em rádio e raios X). Os tipos mais comuns de AGNs são
galáxias rádio, galáxias Seyfert e quasares. A luminosidade de
quasares pode alcançar mil vezes a luminosidade de galáxias
normais (como a Via Láctea). Em imagens ópticas eles têm uma
aparência puntiforme, como de uma estrela. Na figura 5, temos
um exemplo de um quasar (objeto bem distante) e de uma
estrela próxima de nós.
Figura 5: Exemplo de um quasar
(esquerda) e um estrela (direita).
Na parte superior da imagem aparece uma galáxia. Imagem obtida com
o Hubble Space Telescope (HST).
Figura 6: Comparação da curva de rotação
esperada (a partir da massa visível em
estrelas) de uma galáxia e a curva observada.
A diferença é explicada pela presença de
matéria escura.
56
5. Matéria escura
Matéria escura é o material ao qual é creditada a
discrepância entre a massa de uma galáxia obtida a partir
da terceira lei de Kepler modificada e a massa observada
na forma de gás e estrelas. A quantidade de matéria escura
necessária para resolver essa discrepância é muito grande,
chegando a 10 vezes a massa visível de algumas galáxias. Ou
seja, quando olhamos uma galáxia é possível que observemos
somente 10% de sua matéria.
Uma das evidências mais fortes da existência de
matéria escura vem da observação da curva de rotação de
galáxias espirais. O disco dessas galáxias gira com velocidade
de rotação dependente da distância R ao centro. A massa
desses sistemas pode ser estimada da distribuição de luz estelar
e a razão massa-luminosidade média da população estelar.
Dessa estimativa de massa pode-se prever a velocidade de
rotação em função do raio (usando mecânica Newtoniana).
Entretanto, a velocidade rotacional é muito maior do que a
esperada da distribuição de massa observada. Na figura 6 é
apresentada a curva de rotação (em função do raio) esperada
para uma galáxia. Essa sofre um aumento brusco para raios
pequenos, diminuindo a partir de raios intermediários. Essa
curva é obtida a partir da distribuição de massa visível (em
estrelas) numa galáxia. Entretanto a curva observada é bem
diferente da esperada, pois a velocidade de rotação observada
praticamente não diminui para grandes raios. A diferença
entre as duas curvas se deve à presença de matéria escura.
6. Grupos e aglomerados de galáxias
As galáxias nem sempre são sistemas estelares isolados,
podendo também ser encontradas em estruturas chamadas
grupos e aglomerados de galáxias. Esses sistemas representam
conjuntos de galáxias mantidas próximas umas das outras por
sua atração gravitacional. Grupos têm poucas galáxias (no
máximo algumas dezenas), enquanto aglomerados podem ter
várias dezenas, centenas e até milhares de galáxias. O tamanho
típico de aglomerados é de vários milhões de anos-luz. Exemplos
de grupos e aglomerados são exibidos na Figura 7.
Figura 7: Exemplo de um grupo de galáxias (esquerda) e de um
aglomerado (direita).
Aglomerados de galáxias representam regiões de alta
densidade de matéria no Universo. Galáxias mais isoladas
(não pertencentes a grupos ou aglomerados) estão em regiões de
baixa densidade, também conhecidas por “campo”. Em grupos
e aglomerados, a população típica de galáxias é constituída de
elípticas e S0; enquanto no campo encontramos mais galáxias
espirais e irregulares. Ou seja, o ambiente onde as galáxias residem
tem forte influência no tipo das galáxias.
As galáxias elípticas e S0 são aquelas com uma
população estelar mais velha, menos gás e pouca formação estelar;
e são vistas em regiões densas. Já as espirais e irregulares são
galáxias mais azuis, com mais gás e formação estelar ativa; sendo
mais facilmente encontradas no campo. Portanto, em ambientes
mais densos, as galáxias sofrem transformações morfológicas que
as levam a perder gás e consequentemente ter a formação de
novas estrelas inibida.
A nossa própria Via Láctea pertence a uma pequena
aglomeração chamada Grupo Local, que contém cerca de 30
membros, sendo os 3 maiores a Via Láctea, M31 e M33. Os menores objetos em nosso grupo são galáxias satélites orbitando M31
e a Via Láctea. Os mais famosos são as chamadas Nuvens de
Magalhães (grande e pequena; ver Figura 1). Elas têm cerca de
1/10 do tamanho da Via Láctea e são atraídas por ela.
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As Estrelas
Envelhecem
Wagner Marcolino
Não é muito difícil encontrar alguém que já tenha observado as Três Marias no céu quando criança. Décadas depois e as
famosas estrelas ainda podem ser vistas soberanas na constelação
de Orion. Essas mesmas Marias já constavam nos famosos desenhos
de constelação de Johannes Hevelius, astrônomo polonês do século
XVII. De fato, o céu como um todo – com exceção dos planetas e da
Lua – parece um tanto estático, eterno, imutável. As mesmas estrelas
ontem, hoje, e amanhã. Praticamente todas as estrelas visíveis a olho
nu hoje, também foram vistas por civilizações antigas, como a grega,
egípcia, romana, entre outras. Povos inteiros que apareceram e sumiram.
Dante Alighieri, em sua obra A Divina Comédia, descreve o Inferno como círculos situados abaixo da superfície terrestre. O
Purgatório estaria pouco acima, em uma espécie de montanha. O
Paraíso de Dante seria dividido em esferas, se estendendo para além
da Lua. Segundo ele, aumentaríamos gradualmente nosso grau de pureza e perfeição quanto mais próximo das estrelas fixas estivéssemos.
Percebemos, portanto, que tanto na literatura quanto no imaginário
popular encontramos as estrelas sendo representadas como objetos
fixos, eternizados no céu.
Figura 1: Aglomerado de estrelas M-45 ( Plêiades).
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Figura 2: Hans Bethe. Físico teórico
ganhador do prêmio Nobel (pela
descoberta da fonte de energia das
estrelas).
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Esses conceitos estão associados à curta escala de tempo
humana. Comparando nosso cotidiano às distâncias e escalas de tempo astronômicas, podemos fazer analogias interessantes. Por exemplo, sabemos que em uma órbita completa da Terra ao redor do Sol
fazemos aniversário. No entanto, nunca veremos Netuno dar uma
volta completa ao redor do Sol. Seu período orbital é de cerca de 165
anos e, antes disso, todas as pessoas vivas hoje na Terra já terão morrido. Quando consideramos escalas astronômicas, os valores fogem
completamente ao que estamos acostumados.
Hoje sabemos que estrelas podem viver de milhões a bilhões de anos. Não é à toa, portanto, que elas pareçam um tanto eternas para nós. Entretanto, elas envelhecem.
Para entender como uma estrela envelhece – ou como os
astrônomos gostam de falar, evolui – devemos entender qual é a sua
principal fonte de energia. Essa questão era um desafio para os cientistas décadas atrás, e foi Hans Bethe (um físico alemão naturalizado
americano – foto ao lado) quem decifrou o mistério: a energia das
estrelas tem origem na fusão do núcleo de certos elementos químicos. Dito de maneira mais técnica: na fusão nuclear, que ocorre no
interior das estrelas, é liberada uma enorme quantidade de energia
que elas exibem através da sua luminosidade. A famosa equação de
Einstein – E=mc2 – tem um papel central nessa história: dois núcleos
de Hidrogênio (o elemento mais abundante no Universo) se fundem
para formar o elemento Hélio. Todavia, a massa total do elemento
resultante (o Hélio) é inferior à massa dos núcleos de Hidrogênio. À
primeira vista, parece que uma pequena fração de massa “m” desaparece. No entanto, na verdade, ela é convertida em energia pela equação mais famosa da Física (Energia = massa vezes a velocidade da
luz ao quadrado – E=mc2). Nesse processo, a quantidade de energia
liberada é suficiente para manter a estrela brilhando por um longo
período de tempo (milhões a bilhões de anos). Dizemos que, se um
elemento como o hidrogênio sofre a fusão nuclear, ele é o elemento
combustível. Hans Bethe e outros pesquisadores descobriram que somente certos elementos são combustíveis, estabelecendo quais são as
cadeias nucleares possíveis.
Um fator crucial para entender a evolução estelar é o equilíbrio entre a gravidade da estrela e sua pressão interna (gás+radiação).
A gravidade tenta sempre compactar a estrela, mas a pressão resiste.
Uma analogia interessante, nesse caso, é o pistão para encher o pneu
de uma bicicleta. A força que fazemos faria o papel da gravidade e
a pressão contrária que sentimos (principalmente se o orifício estiver
obstruído ou o pneu estiver cheio) é devido à pressão do gás. Em
condições normais, temos equilíbrio. Todavia, ao terminar um combustível nuclear, a energia liberada que regula a pressão interna ces-
sa de ser produzida. Dessa forma, o equilíbrio entre a gravidade e
pressão é abalado. A estrela muda sua estrutura interna e isso é geralmente refletido em suas partes mais externas, observáveis (raio,
temperatura, luminosidade): a estrela evolui. Da mesma maneira,
ao começar a “queimar” um novo combustível, a energia produzida
pode ser suficiente para – via pressão – vencer a gravidade, alterando
novamente sua estrutura interna. Em suma, apesar de omitirmos aqui
outros mecanismos físicos importantes, o consumo e o esgotamento
de combustíveis nucleares fazem a estrela evoluir ou, se você preferir,
envelhecer.
Uma das coisas mais interessantes em evolução estelar é
que nem todas as estrelas evoluem da mesma maneira. Um fator determinante é a sua massa. Estrelas parecidas com o Sol (na verdade,
de até cerca de 10 vezes a massa do Sol) evoluem bem devagar e
vivem bilhões de anos. Viram as chamadas Gigantes Vermelhas, depois Nebulosas Planetárias e finalmente terminam suas vidas como
anãs-brancas.
Já as estrelas ditas de “alta massa” (acima de cerca de 10 vezes a massa do nosso Sol) vivem apenas milhões de anos. No entanto,
elas possuem características excepcionais. Elas têm luminosidades e
temperaturas altíssimas comparadas com as estrelas de menor massa.
Podem chegar a ter, por exemplo, 10 vezes a temperatura do Sol e
também um milhão de vezes a luminosidade do Sol. Além disso, elas
geralmente terminam suas vidas de maneira espetacular, com as tão
chamadas explosões de supernovas, podendo deixar para trás estrelas de nêutrons ou buracos negros – alguns dos objetos mais fascinantes do universo.
Os detalhes e as razões para essa bifurcação drástica na
evolução das estrelas é assunto para outra hora. O fato é que mudanças em sua(s) fonte(s) de energia fazem as estrelas evoluírem. Elas não
são eternas. Nascem, “envelhecem”, e morrem. Nesse sentido, talvez
possamos nos comparar às estrelas.
Figura 3: Supernova (remanescente) N 63A. Final da vida de uma
estrela de alta massa.
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Lista dos Autores
Carlos Roberto Rabaça
Ph.D. em Astrofísica pela The University of Alabama,
E.U.A.
Denise Gonçalves
Doutora em Astronomia pelo IAG/USP
Helio Jaques Rocha-Pinto
Doutor em Astronomia pelo IAG/USP
Paulo Lopes
Doutor em Astronomia pelo ON/MCTI
Rundsthen Vasques de Nader
Mestre em Astronomia – ON/MCTI
Silvia Lorenz-Martins
Doutora em Ciencias Físicas pela Universidade de Nice
– Sophia Antipolis, França
Thais Mothé-Diniz
Doutora em Astronomia pelo ON/MCTI
Wagner Marcolino
Doutor em Astronomia pelo ON/MCTI
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