Sumário Abertura 02 Nossa ignorância sobre o Universo 03 Nebulosas planetárias: como é belo envelhecer 10 Alquimia estelar 18 A Arqueoastronomia 24 Poeira de estrelas 32 Por você vou roubar os anéis de Saturno 40 Galáxias: blocos de construção do Universo 48 As estrelas envelhecem 58 C ontrariando a frase “O céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu” da música “Tendo a Lua”, de Os Paralamas do Sucesso, nesta publicação apresentamos textos da série “Astronomia para Poetas”, mostrando que o céu de Galileu tem muita poesia. Poesia ao olhar as belas imagens captadas por modernos telescópios espaciais e terrestres e poesia no entendimento do Universo através dessas imagens que mostram um céu muito além daquele conhecido por Galileu. A primeira série de palestras “Astronomia para Poetas” aconteceu em 2002 e os textos encontramse disponíveis em nosso site www.ov.ufrj.br. Dando continuidade ao projeto, duas outras séries foram produzidas. Os textos da presente publicação originam-se de palestras apresentadas para o público em geral nos anos de 2009 e 2011. Em 2009, as palestras integraram as comemorações pelo Ano Internacional da Astronomia escolhido como um marco para compartilhar com o grande público os mais belos e interessantes resultados do estudo do Universo. O ano de 2009 não foi escolhido ao acaso, nele foi celebrado o primeiro uso astronômico de um telescópio por Galileu Galilei – uma invenção que desencadeou 400 anos de incríveis descobertas astronômicas. A Casa da Ciência da UFRJ acolheu nossas palestras e também a exposição de mesmo nome na qual imagens e textos explicativos de diversos objetos estelares foram apresentados. Em 2011, a comemoração foi outra: o Observatório do Valongo completou 130 anos desde a sua fundação no morro de Santo Antônio ainda como observatório da Escola Politécnica da Universidade do Brasil. Com o desmanche do morro, todos os instrumentos foram transferidos para o morro da Conceição, onde o observatório passa a se chamar, inicialmente, Observatório do Morro do Valongo. Desta vez o local escolhido para levar “nosso” Universo foi a ilha da Cidade Universitária, no Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza, onde, além dos seminários, montamos a exposição “130 anos de história do Observatório do Valongo”, que contou um pouco da história de nosso instituto. Nossos textos estão misturados a poesias inspiradas no universo escritas por grandes poetas. Apreciem e digam se o céu de Galileu não é mais poético do que o de Ícaro... Agradecimentos à CoordCOM em especial à Anna Bayer pela produção da revista. Prof. Silvia Lorenz Martins Nossa ignorância sobre o Universo Carlos Roberto Rabaça Ainda me lembro perfeitamente de uma conversa que tive, em 1996, com o meu orientador, o Dr. Jack Sulentic, um pouco antes de defender minha tese de doutorado em Astrofísica pela University of Alabama, localizada em Tuscaloosa, uma cidade universitária no interior do estado do Alabama, EUA, com menos de 90 mil habitantes. Ao fim de mais uma jornada de discussões sobre os resultados que seriam incluídos na tese, começamos a divagar sobre a então recente descoberta de que o Universo estaria em expansão acelerada. Jack dizia-me que era quase impossível para ele acreditar nas implicações que isso trazia. Viveríamos em um Universo sobre o qual muito pouco sabemos. “Como posso acreditar que tudo o que estudamos é aquilo que o Universo não é?”, pergun- 5 tava com cara de incrédulo. Jack era uma pessoa comunicativa e de muitos amigos, mas, mesmo assim, um cientista controverso, que se recusava em acreditar no Big Bang, a implosão que teria originado o Universo, e na natureza cosmológica do desvio para o vermelho medido no espectro das galáxias, preferindo crer que havia algo de anormal a respeito da lei da gravitação. Passados mais de 10 anos daquela conversa, o Universo se mantém misterioso e a lei da gravitação, universal. Mas hoje, há poucos cientistas que questionam os resultados que demonstram a expansão acelerada. Assim como Shakespeare, os dados observacionais também nos revelam que há mais coisas entre o céu e a Terra do que supõe a nossa vã filosofia. Mais ainda, esses dados nos dizem que as questões sobre o Universo em grandes escalas estão intimamente conectadas às questões em pequenas escalas, às escalas de partículas. Ao descobrirmos que existe algo que faz o Universo acelerar a sua expansão, descobrimos também que esse algo se contrapõe à gravitação. Mais do que isso, nossas medidas revelam que a matéria ordinária no Universo, isto é, você, eu, os planetas, as estrelas, as galáxias e todo o resto que podemos observar diretamente, não é senão uma pequena fração de tudo o que existe. Para ser mais preciso, não mais do que 5% desse todo. Já aproximadamente 25% do Universo estariam sob a forma de uma matéria invisível. Por que invisível? Porque não absorve, não emite, não reflete e não interage com o espectro eletromagnético. Como, então, sabemos o que realmente está lá fora? Pelos efeitos gravitacionais que exerce sobre a matéria visível. De fato, essa matéria invisível, ou escura, dominaria os efeitos gravitacionais observados em grandes escalas. E quanto aos 70% restantes do Universo, do que eles seriam compostos? Esse substrato, ainda muito obscuro, é o que chamamos de energia escura. (Veja o gráfico na Figura 1.) Vamos inicialmente descrever as evidências obser- 6 Figura 1:Fração percentual dos componentes do Universo. vacionais que nos confirmam a existência da matéria escura. Nas galáxias, especialmente em galáxias espirais como a Via Láctea e a sua vizinha Andrômeda (Figura 2), que fazem parte do Grupo Local de galáxias, a maior parte da massa estelar está concentrada no centro. Essa incrível massa de estrelas, que chamamos de bojo galático, mantém o material do disco, que inclui estrelas, gás e poeira, girando em órbitas circulares ao redor do centro. Mesmo sem saber muito sobre Física, podemos, de forma intuitiva, entender que as estrelas do disco mais próximas dessa massa central devem girar a uma velocidade muito mais alta do que aquelas que estão na borda externa da galáxia. Em outras palavras, ao medirmos a velocidade orbital das estrelas como função do aumento da distância ao centro da galáxia, deveríamos notar que ela decresce de forma contínua. Entretanto, quando realizamos essas medidas, o que obtemos é uma velocidade basicamente constante. Isso significa que as estrelas da borda estão sentindo o efeito gravitacional de uma matéria que não podemos observar. De fato, a galáxia estaria imersa em uma nuvem de matéria invisível, que seria muito mais esférica do que ela própria, se estenderia para muito além dela e teria cerca de 10 vezes mais massa. Enfim, vemos a galáxia, mas seria a matéria escura quem de fato dominaria sua estrutura e dinâmica. As galáxias também não estão vagando aleatoriamente pelo espaço. Elas tendem a se aglutinar umas às outras, formando um aglomerado. Um exemplo disso é o famoso aglomerado de Coma (Figura 3). Existem milhares de galáxias em um aglomerado como o de Coma. Se tirarmos uma foto desse aglomerado hoje e daqui a 50 anos, elas parecerão idênticas. Mas, na verdade, as galáxias estão se movendo ao redor umas das outras com velocidades extremamente altas, presas ao potencial gravitacional comum entre elas. Como resultado desse forte empuxo gravitacional, elas tendem a se tornar elipsoidais. Ao medirmos as velocidades orbitais das galáxias, podemos descobrir quanta massa existe no aglomerado. Novamente, o que encontramos é que há muito mais massa invisível do que visível. Mesmo quando observamos em raios X, nos quais podemos ver a enorme quantidade de gás que permeia o potencial do aglomerado como um todo, gás esse que se encontra a milhões de graus Kelvin e a baixíssimas densidades, a massa observada não é suficiente para produzir as velocidades envolvidas. Em aglomerados, podem existir até 100 vezes mais matéria na forma escura, invisível, do que matéria ordinária. Não seria excelente se pudéssemos colocar a maté- Figura 2: Foto da galáxia Andrômeda (conhecida como Messier 31 ou NGC 224), obtida pelo National Optical Astronomy Observatory (NOAO). Figura 3: Foto do aglomerado de galáxias de Coma (Abell 1656), obtida pelo telescópio Spitzer. 7 Figura 4: Foto do aglomerado de galáxias Abell 1689 mostrando o efeito de lente gravitacional, obtida pelo telescópio Hubble. 8 ria escura em evidência de um modo mais direto? Essa possibilidade existe com as lentes gravitacionais. Quando olhamos para uma galáxia, a luz que vemos pode ter viajado bilhões de anos pelo espaço até chegar aqui. Deduzimos onde a galáxia estava pela direção em que a luz chega ao nosso olho. Em princípio, um raio de luz dessa galáxia viajaria ao longo de uma trajetória reta até nós. Entretanto, se existisse no meio do caminho um aglomerado de galáxias, com toda a sua matéria escura, seria muito pouco provável que pudéssemos observar essa galáxia diretamente. Teríamos de levar em conta o que Einstein previu ao desenvolver a Teoria da Relatividade Geral, isto é, que o campo gravitacional devido a essa massa defletirá não apenas a trajetória das partículas, mas também a própria luz. Um raio de luz emitido por essa galáxia poderia, assim, seguir uma trajetória curva. Seria possível que ela se curvasse o suficiente para alcançar o nosso olho. O observador veria, então, a galáxia como se estivesse em outra direção, mais afastada do aglomerado. Da mesma forma, outros raios dispostos sobre a superfície de um cone de luz que envolve o aglomerado poderiam chegar ao olho do observador. O que nós veríamos seria um círculo, um anel ao redor do aglomerado, chamado de anel de Einstein. Esse anel somente será perfeito se a fonte (a galáxia), o defletor (o aglomerado) e o observador estiverem ao longo de uma linha reta perfeita. Se houver um pequeno deslocamento, observamos arcos. Esse efeito é chamado de lente gravitacional forte e podemos vê-lo no céu ao olharmos para alguns aglomerados de galáxias. Na foto do aglomerado Abell 1689 (Figura 4), tirada pelo telescópio Hubble, as galáxias douradas pertencem ao aglomerado e estão imersas na matéria escura, que causa a curvatura da luz e produz os arcos. Os arcos em si nada mais são do que uma ilusão de óptica causada pela distorção da imagem de galáxias que estão muito mais distantes. Ao medirmos essas distorções, também podemos calcular a quantidade de massa existente no aglomerado. Essa massa é, de fato, muito grande. Como podemos observar, os arcos não estão centrados nas galáxias individuais, mas em uma estrutura muito mais ampla, associada à matéria escura. Esse efeito é o que de mais próximo podemos chamar de “ver a matéria escura com os próprios olhos”. Em relação à energia escura, para entendermos a evidência de sua existência, é preciso antes entender o fato de que o espaço por si só está expandindo. Se pudéssemos isolar uma pequena seção do nosso Universo infinito e colocar nela uma grade para medir a posição das galáxias, iríamos descobrir que, a cada dia, a cada ano, a cada bilhão de anos, a distância entre as galáxias aumentaria. Isso não ocorre porque as galáxias estão necessariamente se afastando umas das outras através do espaço, mas porque o próprio espaço está se tornando maior. Esse é o significado da expansão do Universo. Após o Big Bang, o espaço se expandiu a uma taxa muito elevada. Pelo fato de a matéria (que sofre atração gravitacional) estar imersa nesse espaço, a velocidade de expansão do Universo deveria diminuir com o tempo. Ao longo do último século, os astrônomos vêm debatendo qual seria a consequência evolutiva desse freamento. Iria a expansão diminuir, mas continuar para sempre; iria ela diminuir e assintoticamente parar; ou iria diminuir, parar e reverter, passando o Universo a se contrair novamente? Foi para responder essa questão que há pouco mais de uma década dois grupos de astrônomos resolveram medir como a taxa de expansão do Universo estava diminuindo. Para determinar a taxa de expansão, hoje, em relação à taxa de expansão em épocas passadas, eles usaram supernovas do tipo Ia, observadas em galáxias a diferentes distâncias. As supernovas do tipo Ia são fruto da evolução de um sistema estelar binário, em que uma das estrelas é uma anã branca. Já as supernovas do tipo II são produzidas no final da sequência evolutiva de uma estrela supermassiva isolada. A quantidade de luz produzida pelos dois tipos de supernova é aproximadamente a mesma. Entretanto, as propriedades da luz emitida por elas são intrinsecamente distintas, permitindo distingui-las mesmo que de bem longe (Figura 5). Sendo a massa das anãs brancas tipicamente uma massa solar, quan- Figura 5: Curvas de luz de supernovas. 9 10 do estas explodem em supernova, sua luminosidade é muito consistente e, portanto, supernovas do tipo Ia podem ser usadas como uma vela padrão para a medida da distância de galáxias. Essas explosões liberam, por uma fração de tempo, uma quantidade de luz equivalente a toda a luz emitida pela galáxia. Assim, seria possível observá-las em galáxias muito distantes. Surpreendentemente, a resposta encontrada por esse experimento, até certo ponto simples, é que o espaço está se expandindo hoje a uma taxa maior que a passada. Ou seja, a expansão do Universo está, de fato, se acelerando. Não há nenhum argumento teórico convincente para que isso esteja ocorrendo. A resposta encontrada foi contrária a tudo o que poderíamos prever! Para explicar isso, precisamos de algo novo. Matematicamente, podemos inserir esse algo novo como um termo que representa uma energia, mas que é, de fato, um tipo completamente distinto de energia, diferente de tudo o que conhecemos, que tem o efeito de fazer o espaço se expandir. Nós a chamamos de energia escura. Neste momento, ainda não temos uma boa motivação teórica para inserir esse termo nas equações cosmológicas. Não sabemos por que temos de colocá-lo lá. O que sabemos é que a matéria escura e a energia escura são duas coisas bem diferentes. Dois mistérios a que precisamos responder para saber do que o Universo é composto. Seus efeitos, no entanto, são muito diferentes. A matéria escura, devido à sua atração gravitacional, tende a aumentar o crescimento de estruturas. Os aglomerados se formam devido a essa atração gravitacional. A energia escura, por outro lado, tenta colocar mais e mais espaço entre as galáxias, tendendo a diminuir a atração gravitacional entre elas e impedir a formação de estruturas. Portanto, observando os aglomerados de galáxias e contando o seu número como função do tempo, podemos aprender como a matéria escura e a energia escura competem entre si na formação de estruturas. Em relação à matéria escura, temos argumentos convincentes para explicá-la: conhecemos bons candidatos à mesma. Isto é, a Física tem teorias matematicamente consistentes, que foram introduzidas para explicar fenômenos completamente distintos, e que são capazes de predizer, cada uma delas, a existência de uma nova partícula de baixíssima interação. Isso é o que nós buscamos! O que não sabemos ao certo é se uma, ou mais, dessas partículas é o que chamamos de matéria escura, ou se ela é algo completamente diferente. Procuramos avidamente por essas partículas de matéria escura uma vez que elas estão entre nós. Por não interagirem com a matéria ordinária, podem passar através dos nossos corpos, de prédios inteiros e até mesmo da Terra, sem serem percebidas. Uma forma de procurá-las é construindo detectores que são extremamente sensíveis a qualquer matéria escura que os atravesse, como cristais que irão soar se isso ocorrer. Um desses detectores foi colocado bem abaixo do solo, no estado do Minesota, nos EUA. Mesmo sem ter detectado nenhuma partícula nova, ele já nos permite definir um limite superior para a massa e para a capacidade de interação dessas partículas. Outro instrumento foi instalado a bordo de um satélite espacial e apontado para o centro da galáxia, para ver se consegue observar partículas de matéria escura se aniquilando e produzindo raios gama. Teoricamente, o Grande Colisor de Hádrons, um acelerador de partículas de 27 quilômetros de perímetro construído debaixo da terra, na fronteira entre a França e a Suíça, e que entrou em funcionamento em dezembro de 2008, também seria capaz de produzir algumas partículas escuras. Devido à baixa interação, essas partículas escaparão facilmente do detector. Sua assinatura será, então, uma perda de energia. Infelizmente, existe uma enorme quantidade de novos processos na Física cuja assinatura seria a perda de energia, e, portanto, será preciso identificar qual é a diferença entre essas assinaturas. Finalmente, para o futuro, existem telescópios sendo desenhados especificamente para responder a questões ligadas à matéria e à energia escuras. No momento, tudo o que sabemos ao certo é que nossa fronteira de ignorância continuará a crescer sempre que aumentarmos o nosso volume de conhecimento. 11 A Velhice Pede Des hice Pede Desculpa A Velhice Pede Desculpas Tão velho estou como árvore no inverno, vulcão sufocado, pássaro sonolento. Tão velho estou, de pálpebras baixas, acostumado apenas ao som das músicas, à forma das letras. Fere-me a luz das lâmpadas, o grito frenético dos provisórios dias do mundo: Mas há um sol eterno, eterno e brando e uma voz que não me canso, muito longe, de ouvir. Desculpai-me esta face, que se fez resignada: já não é a minha, mas a do tempo, com seus muitos episódios. Desculpai-me não ser bem eu: mas um fantasma de tudo. Recebereis em mim muitos mil anos, é certo, com suas sombras, porém, suas intermináveis sombras. 12 Desculpai-me viver ainda: que os destroços, mesmo os da maior glória, são na verdade só destroços, destroços. Cecília Meireles, in “Poemas (1958)” sculpas as Nebulosas planetárias: como é belo envelhecer Denise R. Gonçalves 1. Introdução Estrelas similares ao Sol, no final de suas vidas, desprendem suas camadas mais externas que, pouco a pouco, se expandem e diluem até se confundirem com o meio interestelar, enriquecendo-o com seus nutrientes. O resto da estrela segue a sua evolução até se transformar em uma anã branca, Figura 1: Uma montagem de nebulosas planetárias observadas com o HST. M 2-9, imagem grande à esquerda. As imagens menores, de cima para baixo, da esquerda para a direita, correspondem a: NGC 6826; MyCn18, Nebulosa da Ampulheta; NGC 3918; CRL 2688, Nebulosa do Ovo; NGC 6543, Cat’s Eye Nebula ou Nebulosa do Olho de Gato; Hubble 5; NGC 7009, Nebulosa do Saturno; Nebulosa do Retângulo Vermelho; NGC 7662, Bola de Neve Azul. Crédito: Muitas das imagens são de B. Balick e colaboradores. A maioria das demais encontra-se no sítio Space Telescope Science Institute. 13 Figura 2: NGC 6543, Nebulosa do Olho do Gato, obtida com o telescópio de 2.56m NOT, por R. Corradi e D. R. Gonçalves (em 2002). A imagem captura a emissão dos átomos de nitrogênio uma vez ionizado [NII] (vermelho) e dos átomos de oxigênio duas vezes ionizado [OIII] (verde e azul). A dimensão da imagem é de 3,2 x 3 minutos de arco. O processamento da imagem destaca detalhes da parte interna brilhante, revelando simultaneamente os tênues anéis concêntricos e o halo filamentar. ou seja, em um “cadáver estelar”. Enfim, apesar do nome que recebem, nebulosas planetárias (que não são, em absoluto, planetas) representam a última fase (a velhice) da maioria das estrelas, e também do Sol, dentro de 4.500 milhões de anos. As estrelas emitem uma banda de luz contínua (luz branca). Ao contrário, as nebulosas planetárias emitem sua luz em bandas muito mais estreitas, ou seja, em linhas de emissão (luz discreta com diferentes cores). Devido a tal característica, as nebulosas planetárias são facilmente identificadas no céu quando se utiliza um telescópio contendo um prisma, sendo visualizadas como um verdadeiro caleidoscópio. Por essa razão as imagens de nebulosas planetárias, observadas com alta resolução pelo Hubble Space Telescope (HST), estão entre as mais conhecidas pelo público não especializado (ver Figura 1 de novo). A diversidade das estruturas que encontramos nestes objetos é surpreendente. Para tentar entender a imagem da nebulosa do Olho de Gato (Figura 2), precisamos primeiro pensar numa hipótese – simples e razoável: as partes das nebulosas que são vistas mais afastadas do centro são em geral mais velhas, e a recíproca é verdadeira quando se trata das regiões mais internas. Tendo essa hipótese em mente, que informação sacamos dos filamentos externos (estruturas “verdes” que dominam a imagem)? Depois de expulsar séries de bolhas de gás, de forma concêntrica (anéis concêntricos “azuis”), que efeitos provocaram a ejeção do conjunto de cascas do coração da nebulosa (estruturas elípticas “vermelhas”)? Que mecanismo é responsável pelos misteriosos jatos que parecem sair dos dois extremos dos arcos elípticos (“amarelo” brilhante) que rodeiam as cascas (“vermelhas”) no núcleo da nebulosa? Enfim, o que aprendemos ao estudar as nebulosas planetárias ou o envelhecer de estrelas similares ao Sol? Equivalentemente às estrelas, a vida humana tem fases. Nascemos, vivemos e morremos. Além disso, há uma diversidade enorme de possíveis histórias para nossas vidas, no que tange ao nascer, ao viver e ao morrer. Então, o que aprendemos da observação minuciosa das diversas fases de nossas vidas? O acúmulo de informações – aprendizado – a que podemos ter acesso prestando atenção aos indivíduos que já se encontram na terceira idade, ou começam a envelhecer é tão inestimável quanto aquele oriundo da evolução de estrelas do tipo solar e de suas nebulosidades. 2. O que são e por que têm este nome Uma nebulosa planetária compõe-se de gás e poeira, os quais circundam uma estrela do tipo solar quando esta se encontra nas fases finais de sua evolução. Esta estrela, a estrela central da nebulosa planetária, ilumina a nebulosidade ao seu redor, que por sua vez é observada em todas as zonas do espectro eletromagnético, desde rádios até raios X. Comparadas com as estrelas, que emitem em uma banda de luz contínua (luz branca), as nebulosas planetárias emitem sua luz em bandas muito mais estreitas, ou seja, em linhas de emissão (luz discreta com diferentes cores). Devido a essa característica, as nebulosas planetárias são facilmente identificadas no céu quando se utiliza um telescópio contendo um prisma, um espectro. Ver parte do espectro teórico de uma nebulosa planetária na Figura 3. Data de 1764 a primeira vez que se observou uma nebulosa planetária. O observador Charles Messier encontrou um objeto nebular que catalogou como M27, hoje conhecida como Nebulosa dos Halteres (Figura 4). Essa observação foi seguida por aquela da Nebulosa do Anel (M57, Figura 5), em 1779, por Antoine Darquier. Este último descreveu a Nebulosa do Anel como “pouco brilhante, mas com contornos bem definidos... é tão grande quanto Júpiter, parecendo-se com um planeta tênue”. O termo “nebulosa planetária” (NP) foi-lhe atribuído por William Herschel, dadas as suas similaridades com os discos esverdeados de planetas como Urano e Netuno, assim as separando das nebulosas brancas formadas por estrelas, ou seja, das galáxias. Em suma, quando se observa uma NP com baixa resolução espacial, ela parece redonda e poderia assemelhar-se a um planeta, daí esse nome tão equivocado. Por outro lado, quando observada com grande resolução espacial, vê-se claramente que tais são constituídas por muitas e variadas estruturas. Mas o que são tais estruturas? A Nebulosa do Olho de Gato, por exemplo, situada na constelação do Dragão, compõe-se de uma grande variedade de estruturas simétricas, as quais incluem um halo filamentar extenso; vários anéis concêntricos; um par de jatos e um complexo conjunto de cascas no seu núcleo (NGC 6543, Figura 2). Em particular, o conjunto de cascas nebulares no coração de NGC 6543 tem uns mil anos de idade. Contornando esse Figura 3: Espectro teórico de uma nebulosa planetária contendo linhas de H, além de He neutro e ionizado. Crédito: Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics, Laboratory Astrophysics Group. Figura 4: M27, Nebulosa dos Halteres. Em termos do tamanho projetado no céu, é a maior das nebulosas planetárias, medindo 16 minutos de arco. A cor verde representa a linha [OIII] e o vermelho indica aquela de [NII] e do hidrogênio (Hα). Esta imagem foi obtida com o telescópio de 0.82m IAC80 (situado no Observatorio del Teide). Crédito: The IAC Morphological Catalog of Northern Galactic Planetary Nebulae (Manchado et al. 1996). 15 núcleo encontra-se uma série de anéis concêntricos (“azuis”), cada um deles está no limite de uma bolha de gás, em expansão, expulsada pela estrela central em intervalos regulares de uns 1.500 anos, sendo que o primeiro ocorreu há uns 18 mil anos. Já os filamentos mais externos (“verdes”) datam, no máximo, de há uns 60 mil anos. A massa do material estelar dessa nebulosa deve ser similar à massa do Sol. Figura 5: Nebulosa do Anel, M57, um dos objetos celestes mais fotografados. Suas cascas mais externas definem um tamanho de 3,8 minutos de arco (aqui o azul representa a linha de emissão [OIII] e o vermelho [NII]+Hα). Imagem obtida com o telescópio de 2.56m NOT (situado no Observatorio del Roque de los Muchachos). Crédito: The IAC Morphological Catalog of Northern Galactic Planetary Nebulae (Manchado et al. 1996). 16 3.Ventos estelares Já sabemos que as nebulosas planetárias originam-se no final da vida de estrelas com massas similares àquela do Sol. Agora queremos entender seu processo de formação, ou seja: o que faz com que essas estrelas se transformem em nebulosas planetárias? O esquema da Figura 5 nos ajudará a responder à questão. O diagrama representa a vida das estrelas do tipo solar (proposto por B. Paczynski em 1970). No princípio (canto inferior direito do diagrama) a luminosidade dessas estrelas resulta da queima de hidrogênio no núcleo – o que origina o Hélio que também entrará em combustão. Tais estrelas passam a maior parte de suas vidas nesta fase de queima nuclear de hidrogênio quase 10 bilhões de anos. Quando se acaba o Hidrogênio do núcleo, a estrela se expande, transformando-se em uma gigante vermelha, ao mesmo tempo que o seu núcleo se contrai. Nessa fase a energia da estrela vem da queima do Hidrogênio, não no núcleo, mas em uma camada mais externa. Como consequência do fato de que o núcleo se contrai ainda mais, o Hélio volta a ser queimado no núcleo e a estrela experimenta mais uma fase de expansão nas camadas externas. Quando a estrela entra no ramo assintótico das gigantes (AGB) o seu núcleo já não queima Hidrogênio nem Hélio, e compõe-se do que sobrou das combustões anteriores, ou seja, de Carbono e Oxigênio. Nessa fase, e por um período de aproximadamente um milhão de anos, a estrela continuará seu processo de expansão, ao mesmo tempo que sua luminosidade crescerá, alçando valores de umas mil vezes a luminosidade do Sol. Os ventos estelares presentes nessa e nas fases imediatamente posteriores das estrelas do tipo solar (ou seja, os ventos que ocorrem em uma AGB, culminando na expulsão da nebulosa, e em uma pós-AGB, englobando as fases AGB, protoplanetária e nebulosa planetária, ver esquema) gradualmente expulsam o gás das camadas mais externas, deixando exposto o núcleo quente. O que sobra dos ventos estelares é a própria nebulosa planetária. Assim, aquela que denominamos a estrela central de uma nebulosa planetária é justamente a es- trela cuja evolução estivemos acompanhando. Quando cessa a combustão do hidrogênio nas camadas externas, a estrela perde seu brilho e transforma-se em uma anã branca. Em síntese, as estrelas do tipo solar, quando chegam às fases finais de suas vidas, expelem grande parte do gás da sua atmosfera, pelo menos em dois episódios distintos de perda de massa. Primeiro, devido ao vento lento de uma estrela no ramo assintótico das gigantes (ou estrela AGB), cuja velocidade típica é da ordem de 10 km/s, com uma taxa de perda de massa de 10-5 massas solares por ano. E depois, através do vento rápido, expelido durante a fase imediatamente posterior da estrela central (ou seja, no vento de uma pós-AGB), caracterizado por 10-7 massas solares por ano e que alcança uma velocidade de até 2 mil km/s. Aqui vale ressaltar que a mais importante das características desses ventos é que eles ocorrem durante o último milhão de anos, de estrelas que vivem, tipicamente, 10 milhões de anos. A teoria mais aceita para a formação das nebulosas planetárias é ainda mais recente, proposta por S. Kwok, C. Purton e P. Fitzgerald em 1978 (ver Figura 6). A teoria diz que essas são o resultado da interação dos dois ventos estelares que estamos discutindo: da AGB e da pós-AGB. Seguindo o raciocínio do parágrafo anterior – na fase em que o núcleo da estrela fica exposto –, o vento estelar rápido, procedente deste núcleo quente e compacto, varre o material expelido previamente, dando forma à nebulosa. O invólucro desta nebulosa, sua casca, expande-se a uma velocidade de aproximadamente 25 km/s (velocidade intermediária entre aquelas dos ventos que precedem e dão origem à NP), é mais denso do que estes ventos estelares, tem temperaturas da ordem de 10 mil Kelvin e dura mais ou menos 30 mil anos. Esquematicamente (Figura 7), vê-se claramente como se dá esse processo de formação. Ou seja, o gás do vento rápido (pós-AGB), ao expandir-se sobre o material do vento lento (AGB), forma uma frente de choque. Na região mais interna, o limite dessa frente de choque é o próprio vento rápido, enquanto o choque externo está delimitado por uma casca densa (devido à acumulação do material varrido pelo vento rápido) que, quando observada no óptico, é a componente mais brilhante de uma nebulosa planetária. Entre os choques interno e externo, encontra-se a bolha quente (somente observável em raios X). E, por último, o halo compõe -se pelo que resta do vento AGB, e devido à sua baixa densidade quando comparado com a casca, é o componente menos brilhante das NPs nas imagens óticas. Toda a explicação do parágrafo anterior diz respeito aos aspectos dinâmicos da formação das NPs. Mas, qual é a fonte de sua Figura 6: Esquema da vida de uma estrela do tipo solar (adaptação da Figura 7.2 de “Cosmic Butterflies The Colorful Misteries of Planetary Nebulae”, de S. Kwok). Figura 7: Esquema da interação dos ventos estelares que dão origem às nebulosas planetárias (adaptação da Figura 7 de S. Kwok –1994, PASP, 106, 344. energia, ou equivalentemente, qual é a fonte do seu brilho? As nebulosas planetárias brilham porque os fótons energéticos (fótons ultravioletas) da estrela central “iluminam” suas cascas e halos, fazendo com que o gás, inicialmente neutro, se ionize e emita a radiação que observamos. As ideias expostas anteriormente são capazes de explicar satisfatoriamente a formação das NPs, não só daquelas esféricas, mas também daquelas cuja casca tem forma elíptica, bipolar ou com simetria de ponto (ver Figura 1). Tais ideias também dão conta das propriedades físicas (temperaturas e densidades), químicas (enriquecimento químico do meio circum-estelar oriundo da síntese de He, C e N, na estrela central) e cinemáticas das NPs, pelo menos no que diz respeito às suas macroestruturas (cascas e halos). 4. Sociologia estelar e PNs como fonte de vida Sabemos que 95% de todas as estrelas converter-se-ão em nebulosas planetárias. Justifica-se, então, todo o esforço que vem sendo empregado em “descobrir” detalhadamente os processos físico-químicos “escondidos” nessas fabulosas estruturas. Ao estudar nebulosas planetárias ou o destino final da grande maioria das estrelas, fazemos Sociologia estelar. Da mesma forma, ao estudar indivíduos em fase terminal, por exemplo, tentamos determinar: se fumaram ou beberam ao longo de suas vidas; qual a relação desses hábitos com o entorno no qual nasceram ou para o qual migraram; e se esses hábitos estão ou não relacionados à forma que se devenvolveram ou como morrerão. As nebulosas planetárias – velhinhas de rara beleza – são o que sobra de estrelas em fase terminal, e representam uma curta fase, ainda que gloriosa, da vida de muitíssimas estrelas. Elas terminam sua existência espalhando átomos, moléculas e poeira nas diferentes regiões da Galáxia. Depois de vagar pelo meio interestelar durante milhões de anos, alguns desses ingredientes podem ter-se agregado ao ejeto de outras nebulosas planetárias para formar as nuvens densas (berços), onde nasceram novas estrelas. Os fragmentos que restaram da formação estelar resultaram em cometas, asteroides e planetas. Parte do material originário das nebulosas planetárias pode ter sobrevivido e ter sido depositado no planeta do qual surgiu a nossa vida. De fato, recentemente, foram observadas moléculas orgânicas complexas, similares àquelas de organismos vivos, em nebulosas planetárias ricas em carbono, como NGC 7027 e BD+30˚3639. 19 ice é um Vento Velhice é um Vento A Velhice é um Vento A velhice é um vento que nos toma no seu halo feliz de ensombramento. E em nós depõe do que se deu à obra somente o modo de não sentir o tempo, senão no ritmo interior de a sombra passar à transparência do momento. Mas um momento de que baniram horas o hábito e o jeito de estar vendo para muito mais longe. Para de onde a obra surde. E a velhice nos ilumina o vento. Fernando Echevarría, in “Figuras” 20 o Alquimia estelar Helio Jaques Rocha-Pinto Os antigos alquimistas tornaram-se legendários em sua busca pela pedra filosofal: a substância cuja qualidade superior lhes concederia capacidade de modificar outras substâncias, podendo, entre outras coisas, tornar metais grosseiros em ouro e conceder imortalidade ao Homem. Igualmente legendária é a história da evolução das ideias que levam à compreensão da origem dos elementos químicos. Essas duas narrativas distintas, aparentemente desconexas, confluem na asserção de que metais podem sim ser transmutados em ouro. Todavia, a pedra filosofal da Astronomia moderna não é uma substância passível de ser encontrada em cadinhos e fornos terrestres, mas sim em um ambiente de natureza profundamente extraterrena: o interior de uma estrela. O interior de uma estrela é um ambiente bem diferente de todos aqueles com os quais estamos acostumados e somos capazes de reproduzir. Tomemos o Sol, como exemplo. Comparado a outras estrelas, o Sol não tem nada demais. Ele não figura nem entre as maiores, nem entre as menores estrelas. A rigor, o Sol é uma estrela muito ordinária, similar a diversas outras estrelas de nossa Galáxia. Sua importância para nós deve-se ao fato de que é a estrela central de nosso sistema planetário e é a fonte de energia primaz do nosso ecossistema. A potência energética do Sol, isto é, a taxa de energia produzida e lançada ao espaço pelo Sol, equivale a cerca de 383 sextilhões de watts, da qual uma ínfima fração chega à Terra. Essa potência é descomunal face às potências das maiores usinas que conseguimos planejar. Ainda mais assombroso é constatar que o Sol mantém aproximadamente essa potência há mais de 4,5 bilhões de anos. Certamente, o Sol possui, em seu interior, algum mecanismo de geração de energia altamente eficiente e sustentável, distinto de tudo quanto há na Terra. O mesmo mecanismo é ainda mais eficiente nas estrelas maiores que o Sol, para as quais a potência pode chegar a ser até 1 milhão de vezes maior do que a do Sol. A fonte dessa energia parece, a princípio, tão mágica quanto as propriedades reputadas à pedra filosofal. No cerne de seu entendimento, encontram-se ideias relativamente recentes da Física, enfeixadas no que rotulamos de Mecânica Quântica. O mistério da geração de energia nos interiores estelares começou 21 22 a dissipar-se após o advento da teoria dos quanta e da descoberta da radioatividade. Foi na década de 1920 que o astrônomo inglês Arthur Eddington aventou a possibilidade de que no interior de estrelas haveria fusão nuclear de Hidrogênio em Hélio, gerando energia. Vários físicos e astrônomos posteriormente elaboraram essa ideia, dentre os quais merecem destaque George Gamow e Hans Bethe. O russo Gamow foi quem forneceu boa parte do arcabouço teórico necessário à compreensão da radioatividade, explicando como alguns núcleos atômicos conseguem “quebrar-se”, gerando energia e núcleos atômicos ou partículas elementares diferentes. Essas mesmas equações permitem entender como dois outros núcleos podem juntar-se, formando um novo núcleo atômico. Em 1939, 11 anos após a publicação da teoria de Gamow, o alemão Hans Bethe, já trabalhando nos EUA, analisou a geração de energia por estrelas, identificando dois conjuntos de reações termonucleares que levavam à criação de Hélio a partir da fusão sucessiva de quatro átomos de Hidrogênio. Cada instância dessa cadeia de fusões termonucleares gera, isoladamente, cerca de 47 milhões de vezes menos energia do que cada um de nós gasta, em média, ao pronunciar uma única sílaba de uma palavra. Porém, no Sol, ocorrem cerca de um duodecilhão de instâncias desse conjunto de reações a cada segundo. Esse número é de assustar qualquer mortal, não somente pelo neologismo raramente empregado mas pelo que ele significa em uma escala um pouco mais compreensível: mil bilhões de bilhões de bilhões de bilhões. A maior parte dessa energia fica retida no próprio Sol, mantendo-o estável contra a força de sua própria gravidade. Curiosamente, é a própria gravidade do Sol que promove essas reações termonucleares, ao esmagar átomos uns contra os outros nas partes mais internas da estrela. Por isso, o mecanismo de geração de energia é sustentável e tem durado tanto tempo: o peso das camadas mais externas do Sol funde átomos no seu interior, cuja liberação de energia aquece essas mesmas camadas externas, aumentando-lhes a pressão, e contrabalançando, assim, a força da gravidade. As consequências mais fascinantes desse mecanismo é a produção de novos núcleos atômicos, a partir da fusão de núcleos pré-existentes no interior estelar. Essa teoria, batizada Nucleossíntese Estelar, começou a ser desenvolvida em 1948 por Fred Hoyle e ganhou contornos mais bem definidos em 1957, após a publicação de seminal artigo do próprio Hoyle, do casal Geoffrey e Margaret Burbidge e de Willie Fowler, apodado B2FH a partir das iniciais dos sobrenomes de seus autores. De acordo com a teoria cosmológica padrão, o Big Bang — a “Grande Explosão” — corresponde ao evento a partir do qual o Universo veio a ser criado. Matéria, energia, partículas, tudo isso ganha existência após o Big Bang. Mas sabemos que as condições físicas desse evento teriam gerado um universo composto por matéria bariônica quase que exclusivamente sob a forma de átomos de Hidrogênio, Hélio e raros núcleos atômicos mais pesados que este último. Não haveria Oxigênio, Carbono, Ferro... Não haveria mais de 90% da tabela periódica. O Universo pós-Big Bang deve ter sido um marasmo em termos de diversidade química! Donde vieram então todos os demais elementos químicos? Das estrelas!, indica-nos B2FH. As reações termonucleares que vimos ocorrer no interior solar envolvem apenas a fusão do Hidrogênio. Uma vez que o Hidrogênio no centro da estrela seja completamente consumido e transformado em Hélio, novas reações vêm a ocorrer, compondo núcleos cada vez mais pesados a partir da fusão de núcleos menores. Essas cadeias de reações termonucleares mais complexas ocorrem tanto no interior de estrelas mais pesadas que o Sol, como devem ocorrer parcialmente no interior do próprio Sol, dentro de uns 5 bilhões de anos, quando o Hidrogênio do interior solar for totalmente consumido. São várias as “famílias” de reações termonucleares da Nucleossíntese Estelar, que podem envolver tanto a fusão, quanto a fissão nuclear, ou, ainda, a captura de partículas menores, como os nêutrons, o que por sua vez leva a novas transmutações. Por 23 24 exemplo, as reações termonucleares que envolvem a fusão de átomos de Hélio com outros átomos de Hélio ou átomos resultantes desta mesma fusão geram os chamados núcleos alfa: Carbono, Oxigênio, Magnésio, Silício, Enxofre, Neônio, Argônio, entre outros. Essas reações são mais frequentes nos interiores de estrelas com massa superior a duas massas solares. Já os elementos mais pesados do que o Ferro, tais como Bário, Iodo, Prata, Chumbo, etc, são formados a partir da fusão de nêutrons com átomos de Ferro ou de algum outro elemento mais pesado que o Ferro que pré-exista na estrela. Uma vez formados, esses átomos podem participar de novas reações na própria estrela ou manterem-se intactos, até o momento em que a vida da estrela chegar ao fim. O destino da estrela será traçado pelo seu tamanho. As estrelas muito pesadas acabam explodindo e dando origem a supernovas. As de menor massa, como o Sol, expulsarão boa parte da sua massa através de pulsos, dando origem ao objeto que chamamos de Nebulosa Planetária. Em ambos os casos, uma grande quantidade de elementos químicos sintetizados na estrela será lançada ao espaço interestelar. Assim, paulatinamente o Universo foi-se enriquecendo em novos elementos químicos, após várias e várias gerações estelares terem chegado ao fim da vida. Mas a morte das estrelas é o prelúdio de nova vida. Dessa matéria interestelar enriquecida em novas espécies atômicas, outras estrelas formar-se-ão, tendo herdado uma matéria mais diversificada do que aquela deixada pelo Big Bang. No entorno dessas novas estrelas, fenômenos astronômicos que dependem de um meio atomicamente diversificado começam a ter vez: moléculas ricas em Silício se aglomeram em grãos de poeira, que podem crescer em tamanho, eventualmente ganhando uma capa de gelos compostos majoritariamente por H2O e CO2; moléculas orgânicas participam de cadeia de reações químicas elaboradas; planetas se formam; a Vida evolui... É muito intrigante constatar o quanto dessa história nos toca. Dez por cento do peso médio do corpo humano é composto por átomos de Hidrogênio. Todo o resto é de elementos mais pesados que o Hélio, justamente aqueles elementos produzidos dentro de estrelas. Praticamente toda a matéria de nosso corpo foi forjada no quentíssimo interior de incontáveis gerações estelares que surgiram ao longo de cerca de oito a nove bilhões de anos de idade da Galáxia antes da formação do Sol. Somos, por assim dizer, poeira cósmica, cinza estelar, ligas de uma siderurgia sideral. 25 26 A Arqueoastronomia Rundsthen Vasques de Nader Todas as civilizações em desenvolvimento demonstram uma certa reverência pelo céu e pelos objetos que nele vemos, tanto durante o dia quanto à noite. O movimento cíclico do Sol e da Lua, os planetas, bem como as estrelas, representam um tipo de perfeição e harmonia aparentes não alcançáveis para os mortais. Os eventos regulares e previsíveis do nascer e ocaso do Sol e da Lua davam aos antigos algo seguro e ordenado, um pilar estável em que apoiar seus conhecimentos. Todavia, atualmente já não precisamos da Astronomia prática na vida cotidiana. Desapareceu completamente a necessidade que tínhamos de observar cuidadosamente os fenômenos celestes. Quem saberia dizer, agora, a que horas o Sol nasceu hoje ou em qual fase da Lua estamos? Ao nos afastarmos das luzes da cidade e observarmos as cintilantes luzes no firmamento podemos vislumbrar o que as mentes curiosas de nossos ancestrais imaginavam para construir uma epopeia com imagens que falavam de suas relações com a Natureza e o Universo sobre suas cabeças. Há muito tempo a humanidade tomou consciência, intuitivamente, de que estávamos ligados, de alguma forma, ao céu que nos envolvia e que nunca poderíamos nos separar da Natureza. Nossos ancestrais se inseriam neste universo por intermédio de um diálogo criativo com as montanhas, as águas, a Lua e o Sol, dentre muitas outras entidades. Tentavam explicar a Natureza por meio de sua arte, arquitetura, pela palavra, tanto oral quanto escrita, pela mitologia e transmitiram suas observações a sucessivas gerações, que por sua vez as transformaram e as adaptaram. Lentamente esse diálogo com a Natureza foi se modificando até se transformar no que é hoje em dia. Os astrônomos atuais voltam seus telescópios para cima, porém os antigos observadores do céu voltavam seus olhos, despidos de tecnologia, para o horizonte. Isso porque os eventos celestes estavam ligados à prática ritualística de 27 A Lua (Renato Rocha) A Lua Quando ela roda É Nova! Crescente ou Meia A Lua! É Cheia! E quando ela roda Minguante e Meia Depois é Lua novamente Diiiizz!... Quando ela roda É Nova! Crescente ou Meia A Lua! É Cheia! E quando ela roda Minguante e Meia Depois é Lua-Nova... Mente quem diz Que a Lua é velha... Mente quem diz! 28 Figura 2: Alinhamento megalítico de Stonehenge, Inglaterra Figura 1: Representação da supernova de 1054 em Chaco Cânion, USA nossos ancestrais e eles estavam mais interessados com a altura em que uma de suas divindades celeste elevava-se acima de um templo dedicado à sua adoração em uma determinada época do ano. Mas hoje em dia é difícil para nós compreender, ou explicar, um evento natural sem os padrões de organização que a Ciência nos ensinou. A Arqueoastronomia, um ramo recente da Astronomia e da Arqueologia, tenta compreender o papel que a Astronomia tinha na vida cotidiana dos povos antigos, como ela influenciava a sociedade, como as antigas culturas observavam o céu e de que forma materializavam essas observações em construções e representações com os mais diversos fins (práticos ou não) e das mais diversas formas. Cometa (Carlos Drummond de Andrade Figura 3: Pirâmide El Castillo em Chichén Itzá, México A Arqueoastronomia é o estudo das “astronomias” dos tempos antigos e pré-históricos. “Astronomias” porque, ao contrário do que hoje acontece, os métodos de observação e interesses astronômicos variaram de lugar para lugar e de época para época. Os construtores megalíticos da Europa Ocidental, nas latitudes mais ao Norte, construíram miras de precisão em relação ao horizonte e ao nascer e por helíacos de objetos celestes. Na América Central, observavam-se passagens zenitais de astros. E tanto as diferenças quanto as semelhanças que nos conduzem pelos caminhos que a Ciência trilhava nesses dias lançam luz sobre o modo como chegamos a ser o que somos hoje. A Arqueoastronomia é o que se pode chamar de Olho o cometa com deslumbrado horror de sua cauda que vai bater na Terra e o mundo explode. Não estou preparado! Quem está, para morrer? O céu é dia, um dia mais bonito do que o dia. O sentimento crava unhas em mim: não tive tempo nem mesmo de pecar, ou pequei bem? Como irei a DEUS sem boas obras, e que são boas obras? O cometa chicoteia de luz a minha vida e tudo que não fiz brilhar em diadema e tudo é lindo. Ninguém chora nem grita. A luz total de nossa morte faz um espetáculo... Figura 4:Pintura rupestre na Toca do Cosmo, Bahia, Brasil 29 Representação da supernova de 1054, Bahia, Brasil Nu (Manuel Bandeira) Quando estás vestida ninguém imagina os mundos que escondes sob as tuas roupas. Assim, quando é dia, não temos noção dos astros que luzem no profundo céu. Mas a noite é nua. E nua na noite, Palpitam teus mundos E os mundos da noite. 30 uma Ciência realmente interdisciplinar. Combina o conhecimento e as modernas técnicas da Arqueologia moderna com a precisão numérica da Astronomia prática. Por ser uma Ciência recente (suas bases somente começaram a se definir a partir dos anos 1970), não existem ainda departamentos universitários de Arqueoastronomia. Como resultado disso, a maior parte dos que para ela contribuem chegam por caminhos diferentes. Alguns são astrônomos, têm o conhecimento dos fenômenos que interessaram aos primeiros astrônomos, e aplicam suas técnicas matemáticas para deduzir quais alinhamentos foram construídos relacionados a determinados objetos celestes. Determinam quais cálculos foram realizados. Já os arqueólogos são capazes de avaliar os pormenores de um local. Datam-no e reconstroem sua história, traduzem antigas inscrições, obtêm as provas independentes necessárias para confirmar as hipóteses astronômicas. Os etnólogos procuram pistas nos costumes antigos e também nos que persistem até nossos dias. Há também os matemáticos, engenheiros, arquitetos e muitos outros profissionais de diversas áreas que aplicam seus conhecimentos para ajudar a entender os muitos aspectos da interpretação das evidências arqueoastronômicas. Os povos da antiguidade observaram que o que acontecia sobre suas cabeças repetia-se periodicamente, e essas repetições tornaram possível estruturar o tempo e suas vidas, como fazemos até hoje em dia. Alguns ciclos são simples e fáceis de observar. Outros são complexos e difíceis de perceber e, além das luzes da cidade e a poluição do ar nos afastarem de uma visão límpida do céu, também as grandes construções que nos cercam nos impedem de termos uma visão ampla do céu, dificultando a constatação de que tais ciclos existam. Esses povos que se preocupavam com ambiciosos programas de observação astronômica estão separados entre si, tanto geográfica quanto temporalmente. Desde que a humanidade existe ela está em constante fluxo entre a sobrevivência e os elementos. Dependendo, sobretudo, da terra e do céu para a sobrevivência, as diversas culturas espalhadas pelo planeta encontraram diferentes formas de tratar com esse delicado equilíbrio. O estudo da Arqueoastronomia tenta entender como estas diferentes culturas lidavam com esse equilíbrio, examinando de que forma elas correlacionavam os eventos terrestres com os cósmicos. No que diz respeito à cosmologia, aos mitos, aos sistemas de calendários, navegação e outros fenômenos celestes observados por uma cultura, o foco do arqueoastrônomo é menos com as estrelas e mais com a própria cultura. Sendo ainda uma Ciência jovem, muitas perguntas ainda não puderam ser respondidas. Ela teria realmente capacidade de estudar e entender a cultura dos povos com base na Astronomia? Se a resposta for positiva, qual seu impacto na comunidade científica? Essas questões básicas continuam ainda sem uma resposta definitiva e continuam dependendo dos conceitos teóricos, metodológicos e epistemológicos usados para tentar entender a cosmovisão dos povos antigos. Aliás, uma das críticas à Arqueoastronomia é a questão da metodologia e sua relevância. Sendo uma Ciência multi e interdisciplinar, ela reúne aspectos de várias ciências, mas basicamente de Astronomia e Arqueologia. Pesquisadores de Arqueoastronomia geralmente vêm de uma dessas duas áreas. Uma das áreas de maior estudo na pesquisa arqueoastronômica tem sido a de estruturas megalíticas e construções ritualísticas e seus aparentes alinhamentos ou associações relacionadas aos fenômenos astronômicos. No Brasil esse estudo está em estágio mais inicial ainda, devido a vários fatores. Um dos maiores complicadores na análise da Arqueoastronomia é que não temos, até o momento, evidências de construções como as vistas em outras regiões do planeta. O que temos à nossa disposição são, basicamente, pinturas e gravações feitas em Saudades (Casimiro de Abreu) Nas horas mortas da noite Como é doce meditar Quando as estrelas cintilam Nas ondas quietas do mar; Quando a Lua majestosa Surgindo linda e formosa Como donzela vaidosa Nas águas se vai mirar. Calendário asteca, Cidade do México 31 Pintura rupestre representando objeto celeste, Bahia, Brasil 32 Pintura rupestre representando objetos celestes e sistemas de contagem, Bahia, Brasil rochas. Isso dificulta muito a tentativa de compreensão do significado dessas imagens, já que dificilmente conseguimos associá-las a culturas ou narrativas existentes. Devemos, portanto, ter extremo cuidado em dar uma interpretação para o que vemos, e nunca sermos taxativos sobre uma análise de uma pintura ou conjunto delas. Este ainda não é um terreno bem conhecido e qualquer engano, mesmo que bem intencionado, pode trazer consequências não desejadas para a credibilidade da Arqueoastronomia no país. Entre outras coisas, o arqueoastrônomo define um sítio como tendo, ou não, alguma associação astronômica, e o faz utilizando-se de ferramentas e técnicas arqueológicas. Em muitos casos, questionam-se tais métodos, argumentando que o significado astronômico para determinado sítio é exagerado, para dizer o mínimo. Esse é um dos gargalos da Arqueoastronomia, mas mesmo quando as conclusões são mais palpáveis, elas, geram, por parte de pessoas sensacionalistas, teorias que enfraquecem sua credibilidade e sua aceitação no meio científico. Talvez no fato de sofrer a influência de duas ciências tão distintas esteja a dificuldade de definir uma identidade própria para a Arqueoastronomia, já que tanto a Astronomia quanto a Arqueologia vêm de diferentes bases teóricas, e a fusão de ambas tem sido um contínuo desafio. Em resumo, já haveria fundamentos suficientes para tentar compreender a evolução das culturas tendo como base a Astronomia? Fica claro que ainda resta um longo caminho a ser percorrido para o estabelecimento das bases teóricas e metodológicas. O estabelecimento e aceitação da Arqueoastronomia irá requerer uma grande ênfase na teoria e na metodologia e um questionamento conceitual da epistemologia e da relevância de todos os estudos arqueoastronômicos. Os atuais percalços são similares àqueles que outras ciências enfrentaram na direção de sua gradual aceitação. O maior desafio para a Arqueoastronomia é a fusão da Ciência observacional com a pesquisa cultural. Quando isso for conseguido, ela será vista como um ramo da Ciência, agregando conhecimento ao que podemos chamar de uma “cultura das estrelas”. Via Láctea Soneto XIII (Olavo Bilac) “Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso!” Eu vos direi, no [entanto, Que, para ouvi-Ias, muita vez desperto E abro as janelas, pálido de espanto... E conversamos toda a noite, enquanto A via láctea, como um pálio aberto, Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em [pranto, Inda as procuro pelo céu deserto. Direis agora: “Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão [contigo?” E eu vos direi: “Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender [estrelas. 33 O Universo não é uma Ideia Minha ... O Universo não é uma ideia minha. A minha ideia do Universo é que é uma ideia minha. A noite não anoitece pelos meus olhos, A minha ideia da noite é que anoitece por meus olhos. Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos A noite anoitece concretamente E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso. Fernando Pessoa 34 Poeira de estrelas S.Lorenz-Martins 1.Introdução: dust to dust, ashes to ashes Estrelas nascem, vivem por um tempo e morrem. Durante seu tempo de vida, elas produzem elementos químicos em seus interiores através de reações termonucleares. De fato, a Terra e o Sol possuem elementos que foram processados nos interiores estelares, ou seja, matéria reciclada, produzida por gerações de estrelas anteriores ao nosso Sistema Solar. À medida em que as estrelas evoluem, os elementos que foram recém processados são primeiramente levados à superfície estelar e, posteriormente, jogados para o Meio Interestelar (MI – região entre as estrelas), através dos ventos estelares, enriquecendo-o. Assim, a galáxia como um todo também evolui, já que estrelas são formadas, evoluem, morrem, enriquecendo-a e possibilitando a formação de novas estrelas com matéria reciclada, as quais repetirão o ciclo. O final evolutivo de uma estrela depende fortemente de sua massa e poderá ser tranquilo ou explosivo. Nosso Sol terá um final tranquilo, terminando sua vida como uma anã branca, passando antes por estágios evolutivos intermediários tais como a fase de gigante vermelha e a fase de nebulosa planetária. Esses estágios são curtos se comparados à vida total da estrela, no entanto, produzem os mais belos objetos estelares registrados. Assim, o espaço entre as estrelas não é vazio, mas contém matéria. A maior parte dessa matéria é formada por Hidrogênio atômico e/ou molecular, dependendo da temperatura e densidade das regiões analisadas, e também por outros elementos mais pesados. Em nossa galáxia, a Via Láctea, cerca de 1% da matéria interestelar é composta de pequenas partículas sólidas com tamanhos variando entre poucos nanômetros até vários microns, atingindo milímetros, em regiões de formação estelar. São os grãos de poeira. A poeira é um grande problema para os observadores, pois modifica a radiação proveniente das estrelas de duas maneiras: a poeira absorve e espalha a radiação, provocando a extinção da mesma (diminuição da luz). Por causa das propriedades da poeira, que absorve a radiação nos comprimentos de onda mais curtos, e, depois de aquecida, reemite nos comprimentos de onda mais longos, um efeito conhecido como “avermelhamento” é pro- 35 duzido nas medidas feitas. Mas são justamente as propriedades da poeira que a tornam especial para a formação de novas estrelas; grãos de poeira são eficazes na proteção dos sítios de formação estelar contra a radiação ultravioleta proveniente de outras estrelas. Em uma nuvem molecular, na qual pode ocorrer formação estelar, a poeira forma uma barreira protetora impedindo que a radiação de estrelas já formadas iniba a formação de novas gerações de estrelas. Uma região rica em poeira, conhecida como Saco de Carvão, fica à esquerda na constelação do Cruzeiro do Sul e, em uma noite escura, longe das luzes das grandes cidades, podemos observá-la a olho nú. Uma outra região rica em poeira é a nebulosa escura conhecida como Cabeça do Cavalo (Figura 1). Figura 1 – Nebulosa Cabeça de Cavalo – telescópio espacial Hubble (HST – Hubble Space Telescope), NASA 36 2. O que são Grãos e o Ciclo de Vida da Poeira Partículas de poeira são partículas sólidas, tais como grãos de areia, e podem ter diferentes composições químicas que revelam o ambiente onde foram produzidas. São formados por Carbono, Oxigênio, Ferro, Silício, Magnésio, Titânio, entre outros elementos. Os grãos têm um ciclo de vida complicado: são produzidos por estrelas em seus estágios evolutivos finais, lançados ao MI através de ventos estelares para depois serem consumidos na formação de novas estrelas ou sistemas planetários. No MI os grãos estarão concentrados em nuvens onde poderão ser destruídos total ou parcialmente e, em especial nas nuvens densas, sofrerão processos de acresção (crescimento), que modificarão suas estruturas. Nas nuvens os grãos de poeira são utilizados como matéria (juntamente com o gás) para a formação de novas estrelas e sistemas planetários que os consomem, destroem, evaporam. Na Figura 2, vemos um grão de Carbono amorfo, com um núcleo de carbeto de Titânio, extraído de um meteorito caído na Terra. Hoje existem inúmeras evidências de que os grãos são produzidos por estrelas evoluídas, em seus envoltórios circunstelares, sendo as principais fontes, estrelas de massas baixas e massas intermediárias. Nosso Sol, em seu futuro, também produzirá grãos de poeira, provavelmente óxidos e silicatos. Por outro lado, as estrelas ricas em Carbono produzirão grãos de carbeto de Silício, carbono amorfo e outros compostos envolvendo Carbono. Os estágios em que os grãos são ejetados no MI são as fases evolutivas mais avançadas. No caso de estrelas de massas baixas, tal como o Sol, essas fases situam-se entre a fase de gigante vermelha e a fase de nebulosa planetária. Nesses estágios, as estrelas ejetam também uma quantidade significativa de gás, através de ventos estelares (Figura 3). Por outro lado, estrelas com massas muito grandes também podem produzir grãos de poeira em seus estágios evolutivos mais avançados. Tais estrelas têm massas com cerca de 10 a 50 vezes a massa do Sol e terminarão suas vidas em eventos explosivos, como supernovas. As supernovas Figura 3 – Nebulosa da Helix – nebulosa planetária – final evolutivo de uma estrela com massa similar à do Sol observada com detector infravermelho pelo Telescópio Espacial Spitzer, da NASA. Figura 2 – Grão de Grafite com núcleo de carbeto de titânio (TiC), formado nos ventos de supernova. 37 Canção Mínima (Cecília Meireles) No mistério do sem-fim equilibra-se um planeta. E, no planeta, um jardim, e, no jardim, um canteiro; no canteiro uma violeta, e, sobre ela, o dia inteiro, entre o planeta e o sem-fim, a asa de uma borboleta também têm sido consideradas fonte de poeira no Universo e são responsáveis pela formação de grafite, diamante, óxidos, entre outras espécies. Existem estudos que sugerem que supernovas de tipo II – resultado da evolução de uma única estrela de grande massa – podem produzir uma quantidade de poeira da ordem da massa do Sol, em um tempo de 0.01 a 0.1 bilhões de anos a partir do nascimento da progenitora. Mapeamentos recentes feitos com o telescópio espacial Spitzer de Cassiopeia A, uma remanescente de supernova, revelaram que a poeira formada na matéria ejetada foi de, pelo menos, 2% da massa do Sol, e que a composição química da poeira reflete a composição química do sítio de formação. É claro que o tempo de formação, quantidade e tamanho dos grãos produzidos em eventos desse tipo dependem do tipo de SN envolvido. Mas, do mesmo modo que as supernovas produzem grãos de poeira, elas também destroem parte deles durante a explosão. 3. Onde está a Poeira? Observamos a poeira em várias situações: (i) galáxias; (ii) nuvens interestelares; (iii) discos de poeira, que podem ser classificados como discos proto-planetários ou discos circunstelares; (iv) envoltórios circunstelares, onde são nucleados; (v) Sistema Solar. Figura 4 – Galáxia do Sombrero – HST, Spitzer, Chandra. A imagem maior corresponde as três imagens combinadas: visível (tal como nosso olho enxerga), infravermelho (como detectamos a poeira) e raios-X. 38 A nucleação de grãos de poeira por estrelas evoluídas não é característica da Via Láctea, mas também é observada em outras galáxias. Em geral, nas outras galáxias similares à nossa, a poeira está localizada nos braços espirais, região na qual geralmente a matéria é mais enriquecida. Um exemplo pode ser visto na Figura 4, a galáxia do Sombrero, observada pelos telescópios espaciais Hubble e Spitzer. No disco protoFigura 5 – Nebulosa da Águia, uma região de formação estelar. -planetário, que formou nosso Sistema Solar, a poeira também teve um papel importante, os grãos foram aglutinando-se até formarem planetesimais que cresceram, dando origem aos planetas e a pequenos corpos. Nos cometas, os grãos estão misturados a moléculas congeladas compostas de elementos voláteis e serão soltos quando o cometa se aproximar do Sol, formando uma cauda de poeira (Figura 6 – Cometa Halle-Bopp, cauda amarela). O estudo de meteoritos é um campo muito importante para o estudo da poeira. A matéria mais primitiva encontrada nos meteoritos são os grãos circunstelares. A partir do estudo de isótopos nestes grãos pré-solares é possível determinar quais foram as estrelas que produziram a matéria que formou nosso Sistema Solar, por exemplo. Os grãos de poeira possuem estruturas que geralmente são complexas, formadas por um núcleo e camadas Veja o mundo num grão de areia, veja o céu em um campo florido, guarde o infinito na palma da mão, e a eternidade em uma hora de vida! (William Blake) 39 Figura 6 – Cometa Hale-Boppe – cauda de poeira (amarela) e cauda de gás ionizado (azul). 40 superficiais, os mantos. Os núcleos foram formados nos envoltórios circunstelares e os mantos podem ter sido formados nesse ambiente, também, ou foram sendo acretados nas nuvens no MI. O fato é que os núcleos de tais partículas podem permanecer intactos, tal como revela o estudo de meteoritos e podem ter trazido a vida à Terra. Modelos de grãos observados no MI possuem características orgânicas, tais como cadeias imensas compostas por benzeno, moléculas que são conhecidas como hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (PAH: Polycyclic Aromatic Hydrocarbon, em inglês). Esse composto é encontrado também nos envoltórios de estrelas de baixas massas, em estágios evolutivos avançados. Outros grãos observados no MI podem conter moléculas como formaldeídos (H2CO), formadas nas superfícies dos grãos nas nuvens interestelares densas e também outras mais complexas, tais como CH3CHO, HNCO, HC3N. Formaldeídos também já foram detectados e podem ser transformados em poli-sacarídeos (H2CO) n e celulose (n=6). Essas duas últimas espécies são observadas na região do Trapézio, uma área de formação estelar. O fato é que, já há muito tempo, foi proposto por Hoyle & Wickramasinghe um modelo de grão biológico, que sugere que “a vida é um fenômeno cósmico”. Tal modelo faz uma conexão entre grãos orgânicos e biológicos, e a proposta apresentada por eles é que cometas contendo água e nutrientes orgânicos complexos fornecem um meio ideal para a criação de bactérias. Resumindo, somos todos poeira de estrelas. Belo Belo Estes poemas belíssimos, de Manuel Bandeira — Estrela da Vida Inteira, Ed. Nova Fronteira, fone (021)286.78.22, Brasil — foram inspiração (e homenagem a ele) para Soares Feitosa, in Do BeloBelo. Belo belo belo, Tenho tudo quanto quero. Tenho o fogo de constelações [extintas há milênios. E o risco brevíssimo — que foi? [passou — de tantas estrelas [cadentes. A aurora apaga-se, E eu guardo as mais puras [lágrimas da aurora. O dia vem, e dia adentro Continuo a possuir o segredo [grande da noite. Belo belo belo, Tenho tudo quanto quero. Não quero o êxtase nem os [tormentos. Não quero o que a terra só dá [com trabalho. As dádivas dos anjos são [inaproveitáveis: Os anjos não compreendem os [homens. Não quero amar, Não quero ser amado. Não quero combater, Não quero ser soldado. — Quero a delícia de poder [sentir as coisas mais simples. 41 Além da Terra, Além do Céu Além da Terra, Além do Céu Além da Terra, além do Céu, no trampolim do sem-fim das estrelas, no rastro dos astros, na magnólia das nebulosas. Além, muito além do sistema solar, até onde alcançam o pensamento e o coração, vamos! vamos conjugar o verbo fundamental essencial, o verbo transcendente, acima das gramáticas e do medo e da moeda e da política, o verbo sempreamar, o verbo pluriamar, razão de ser e de viver. Carlos Drummond de Andrade Eterno é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata.... Figura1 - Cassini Imaging Team, SSI, JPL, ESA, NASA. Por você vou roubar os anéis de Saturno... Thais Mothé Diniz 1. Por que Saturno? Poetas ou não, cientistas ou artistas, na montanha ou à beira-mar, quem nunca suspirou ao olhar para o céu vendo a beleza da Lua, fez um pedido ao ver um meteoro, ou mesmo imaginou como seriam os “outros mundos” se eles fossem habitados? Foi na tentativa de ver melhor um outro mundo que Galileu Galilei, em 1609, tornou-se o responsável pela história que vamos contar, ao apontar pela primeira vez uma luneta para o céu. Em sua homenagem celebramos este ano (2009) o Ano Internacional da Astronomia. Até então, Saturno, conhecido desde a antiguidade, era mais um “astro errante”, um planeta como os outros oito planetas conhecidos a seu tempo, apenas distintos das estrelas do céu por seu movimento em relação às mesmas. O que viu Galileu há 400 anos foi um mundo novo de possibilidades, um planeta com uma característica particular, afinal, o segundo maior planeta do Sistema Solar, apareceu-lhe ao telescópio portando “orelhas” em ambos os lados de seu disco circular, como mostra a figura 1. Apenas 45 anos mais tarde, o astrônomo holandês Christiaan Huygens descobriu que as tais ditas “orelhas” eram na verdade um fino anel que orbitava em torno do equador de Saturno e, dessa maneira, nossa fascinação por este mundo novo começou, assim como ganhou mais vida a fantasia dos poetas e amantes. Saturno aparece na literatura como um planeta majestoso e seus anéis, com frequência, são simbolicamente associados ao noivado ou ao casamento. Hoje sabemos que “o anel” de Saturno não é apenas um, mas vários, que há regiões vazias entre eles, chamadas “falhas”. A primeira falha no anel de Saturno então conhecido 43 Figura 1. Observações de Saturno por outros, antes de Huygens: I é a observação de Galileo em 1610. II foi feita por Scheiner em 1614. III por Riccioli entre 1641-1643. IV-VII representam sugestões de Hevelius baseado em suas teorias. VIII e IX são observações de Riccioli entre 1648-1650. X por Divini entre 1646-1648. XI é a observação feita por Fontana em 1636. XII por Gassendi em 1646. XIII por Fontana e outros entre 1644-1645. Poema de Amor Esta noite sonhei oferecer-te o anel de Saturno e quase ia morrendo com o receio de que ele não te coubesse no dedo. foi percebida pelo astrônomo, matemático e engenheiro italiano Giovanni Domenico Cassini, em 1676. A parte externa do anel foi então chamada de anel A, e a mais interna e mais brilhante, anel B. Essa falha observada por Cassini foi posteriormente chamada de “divisão de Cassini”. Conforme a tecnologia e os telescópios melhoravam, foi aumentando o número de anéis identificados e também foram-se descobrindo mais falhas e estruturas dentro dos anéis conhecidos. O nome “Saturno” deve-se a uma homenagem ao deus Romano Saturnus (de onde derivou o nome do sétimo dia da semana, Sábado), equivale ao deus grego Chronos, o Titã, pai de Zeus (ou Júpiter). Equivale também ao deus babilônio Ninurta e ao hindu Shani. Saturno não é conhecido "apenas" pela imponência de seus anéis. Há também uma enorme diversidade em seu conjunto de luas, seus satélites. Jorge Sousa Braga (Poeta Português, 1957-_) 44 2. Quem é este maravilhoso planeta? De que são feitos seus anéis? Como surgiram? Hoje sabemos que Saturno é achatado nos polos, devido à rápida rotação do planeta em torno de seu eixo. Um dia em Saturno tem 10 horas e 39 minutos, e ele leva 29,5 anos terrestres para girar em torno do Sol. Sua distância ao Sol é quase 10 vezes a distância da Terra ao Sol, ou 9,5 unidades astronômicas. Saturno possui um núcleo sólido em seu interior, e sua extensa atmosfera é composta principalmente de Hidrogênio, com pequenas quantidades de Hélio e Metano. Saturno é ainda o único planeta mais leve do que a água. Se pudéssemos colocá-lo em um oceano, ele flutuaria. Em sua atmosfera há ventos a altas velocidades, chegando a 100 metros por segundo próximo ao equador. Todas essas informações nos foram reveladas por observações a partir de telescópios terrestres e pelas naves Voyager 1 e 2 na década de 1980. As Voyagers também observaram, na época, três novas luas de Saturno e descobriram vários outros anéis, chamados por letras do alfabeto romano C, D, E, F, G. Hoje o número de satélites descobertos desse planeta ultrapassa 60, e outros possivelmente ainda serão encontrados. O primeiro satélite a ser descoberto foi Titã, por Huygens, no ano de 1655. Hoje sabemos que os anéis são formados por material sólido de tamanhos diversos, desde poucos milímetros até vários metros. Esse material é feito principalmente de gelo de água e alguns silicatos. Os anéis se distribuem em sete regiões principais ao redor do equador de Saturno, de espessuras em O astrônomo Enquanto os namorados/ fazem desenhos coloridos do futuro/ à luz dos candeeiros/ e os bêbados começam a esquecer/ a tristeza pelos bares,/ ele estende a mão para tocar/ os astros e as estrelas solitárias. Nada sabe do escuro/ e das suas medonhas ocupações/ porque só tem olhos para as brilhantes,/ longínquas constelações. Quando o Sol nasce ele adormece/ e cai num leve sono diurno, / sonha que no seu aniversário / lhe vão oferecer o anel de Saturno. Álvaro Magalhães, In O Brincador http://www.ensino.eu/2006/dez2006/cultura.html Figura 2. Imagem tomada em 5 de outubro de 2008 pela sonda Cassini, ao passar a apenas 25 km da superfície do satélite Enceladus. A foto mostra uma superfície recoberta por fraturas, dobras e sulcos, marcas da impressionante atividade tectônica de um mundo relativamente pequeno. 45 Figura 3. Imagem do satélite Iapetus tomada pela sonda Cassini em sua aproximação máxima em set. 2007. (NASA/ JPL/SSI) 46 torno de 1 km, com exceção do anel E, cuja espessura varia com a distância ao planeta, entre 10 mil e 20 mil km. Em cada uma das sete regiões também há falhas menores, anéis mais finos e até pequenas luas. A diferença entre os anéis é dada pela variação na quantidade e composição da poeira, do material maior e dos gelos nos mesmos, e também pela variação de sua espessura. A ordem das letras que denominam os anéis é de acordo com o seu descobrimento, e não em ordem de distância ao centro de Saturno, como poderíamos esperar. Mas Saturno não é o único planeta a possuir anéis. Todos os demais planetas gigantes (Júpiter, Urano e Netuno) possuem anéis, que são bem mais tênues e menores do que os anéis de Saturno. A origem dos anéis de Saturno é ainda um problema em discussão. Duas fontes principais podem ser as “geradoras” de anéis: a primeira seria a perda de partículas por uma lua, como é o caso da ejeção de material pelo satélite Enceladus, na forma de erupções criovulcânicas (vulcões de gelo), ou mesmo do satélite Io de Júpiter, com seus vulcões de enxofre. A colisão de algum objeto que destrua um satélite também poderia produzir material que ficaria em órbita em torno do planeta, formando um anel. O efeito de maré exercido pelo planeta também poderia destruir uma lua já formada, fazendo com que o material resultante dessa quebra produzisse um novo anel. A segunda causa para a existência de anéis seria a “sobra” de partículas que existiam naquela região na época da formação do planeta no sistema solar e que ficaram “capturadas” no campo gravitacional do planeta, não conseguindo formar, pela sua aglomeração (acresção), uma lua devido a esse mesmo efeito forte de maré exercido pelo mesmo. Figura 4. Imagem do anel F, tomada imediatamente após suas partículas encontrarem o satélite Prometeu, mostrando a “quebra” momentânea do anel. (NASA/JPL/SSI) 47 Para saber mais: Joias do Sistema Solar: Informações sobre os anéis de Saturno e de outros planetas. Ciência Hoje das Crianças. 21/11/2008. http://cienciahoje. uol.com.br/133012 Página web da missão CassiniHuygens (site em inglês): http:// saturn.jpl.nasa.gov/ Christiaan Huygens. Systema Saturnium... (1659). Disponível online em: http://www.sil.si.edu/ DigitalCollections/HST/ Huygens/huygens-text.htm Belas imagens de Saturno e de outros corpos do Sistema Solar: http://photojournal.jpl.nasa.gov/ 48 Parte 3: Mais material para alimentar a imaginação? Lançada no ano de 1997, a espaçonave CassiniHuygens chegou ao sistema de Saturno em 2004 e começou enviar inigualáveis imagens e informações jamais sonhadas sobre o mesmo. Vimos anéis dentro dos anéis, confirmamos sua composição de partículas de gelos e grãos de poeira. Conseguimos capturar instantes mágicos em que ondulações nos anéis são formadas, causadas pelo cruzamento de satélites pelos mesmos. Vimos satélites de todas as formas e características. Encelado com jatos de gelo sendo expelidos por várias regiões de sua superfície, um pequeno mundo extremamente ativo, com tectonismo “gelado”, algo nunca antes imaginado. Superfícies como as dos satélites Iapetus e Penélope, completamente recobertas por crateras, e crateras dentro de crateras, causadas pela queda de meteoritos. E com a sonda Huygens vimos o belo Titã, o primeiro satélite de Júpiter a ser descoberto... A sonda Huygens pousou, pela primeira vez na história da humanidade, em um objeto do Sistema Solar externo. Tiramos fotografias 3D com ajuda de radares que nos revelaram detalhes de altitude da superfície, montanhas, grandes lagos de etano e metano (o principal componente do gás natural), planícies e dunas... Um mundo que tem muitas semelhanças com a Terra em algumas de suas características. Uma superfície com ampla diversidade geológica, um satélite rico em materiais orgânicos e o único mundo conhecido além da Terra a ter uma atmosfera densa. A pressão lá é apenas um pouco maior do que na Terra, os ventos sopram de um lado para outro transportando nuvens pelo céu. Titã parece uma versão congelada da Terra há vários bilhões de anos, antes de a vida começar a injetar oxigênio em nossa atmosfera. Enfim, o sistema de Saturno, com suas luas e anéis, é uma das maiores belezas do Sistema Solar, e o seu contínuo estudo vem plantando ainda mais sementes na imaginação de todos. 49 Cometas, Astros com Cabeleira Olho o cometa com deslumbrado horror de sua cauda que vai bater na Terra e o mundo explode. Não estou preparado! Quem está, para morrer? O céu é dia, um dia mais bonito do que o dia. O sentimento crava unhas em mim: não tive tempo nem mesmo de pecar, ou pequei bem? Como irei a DEUS sem boas obras, e que são boas obras? O cometa chicoteia de luz a minha vida e tudo que não fiz brilhar em diadema e tudo é lindo. Ninguém chora nem grita. A luz total de nossa morte faz um espetáculo... Carlos Drummond de Andrade Galáxias blocos de construção do Universo Paulo Afranio Augusto Lopes 1. Descoberta e primeiras observações de galáxias Uma galáxia é um sistema estelar isolado e independente contendo centenas de milhões a centenas de bilhões de estrelas. A distância típica de uma galáxia é enorme, a mais próxima da Terra encontra-se a mais de 150 mil anos-luz (1 ano-luz = 9,4605 x 1012 km). Atualmente, estima-se que o universo contenha dezenas de bilhões de galáxias. Devido à grande distância, a observação a olho nu desses objetos é bastante difícil. Duas das galáxias mais próximas de nós são as Nuvens de Magalhães, exibidas na Figura 1 abaixo. O estudo de galáxias teve seu início de forma sistemática no séc. XVIII, com o astrônomo Charles Messier, que identificou acidentalmente várias galáxias, enquanto realizava uma seleção de cometas. Como visto na Figura 1, as galáxias se parecem com distribuições difusas de luz, sendo distinguidas de cometas por C. Messier. Ele criou um catálogo Figura 1: Grande (canto superior direito) e pequena (canto inferior esquerdo) Nuvens de Magalhães. Observação do Anglo-Australian Observatory. 51 desses objetos que, mais tarde, vieram a ser chamados de galáxias. No entanto, nem todos os objetos astronômicos por ele selecionados eram galáxias. Alguns constituíam nuvens gasosas ou aglomerados estelares, dentro da nossa própria galáxia. No século seguinte, outros cientistas criaram listas semelhantes de objetos celestes, também incluindo galáxias. Entre essas destaca-se aquela gerada por Sir William Herschel. Apesar de galáxias já serem identificadas de forma sistemática desde o séc. XVIII, até o início século XX (década de 1920) não se tinha uma ideia clara da natureza dessas fontes astronômicas, que eram denominadas simplesmente por nebulosas espirais. Em realidade, nessa época ocorreu uma discussão científica que veio a ser chamada de o “Grande debate”, liderado pelos astronômos Harlow Shapley e Heber Curtis. O primeiro defendia que as nebulosas estavam contidas em nossa própria galáxia, que representaria a extensão total do universo. Já Curtis dizia que as nebulosas eram galáxias separadas da nossa, também chamadas de “universos ilha”. Uma ideia implícita no debate é a questão do tamanho ou escala do universo. A resolução desse debate veio com o astrônomo Edwin Hubble, que realizou diversas observações com o telescópio de 2,5m no Mount Wilson, Califórnia. Com essas, Hubble pode calcular a distância até a “Nebulosa” de Andrômeda, verificando que a distância era ainda maior que o tamanho estimado da Via Láctea (nossa galáxia). Sendo assim, Andrômeda passou a ser considerada uma galáxia, assim como a nossa. Resultados subsequentes para outras nebulosas levaram a conclusões idênticas, de forma que esses objetos passaram a ser reconhecidos como galáxias externas à nossa. 52 2. Tipos de galáxias As galáxias podem ser classificadas de acordo com sua aparência (morfologia), além de outras propriedades. Dentre os diversos sistemas de classificação de galáxias disponíveis, o mais conhecido foi desenvolvido na década de 1920 por E. Hubble. Nesse sistema há três tipos principais de galáxias: de elípticas, espirais e irregulares. Além desses há um outro tipo chamado de “lenticular”, sendo “intermediário” entre elípticas e espirais. As galáxias espirais possuem dois ou mais “braços espirais” a partir do centro. Quando vistas de lado, elas têm a aparência de um disco, onde se localizam os braços espirais. No sistema de classificação de Hubble elas são identificadas pela letra “S”, seguida de uma letra minúscula que vai de “a” até “d”. As espirais Sa tem uma região central (denominada bojo) grande e braços espirais bem próximos a esse bojo. De forma sequencial, as Sb possuem bojo um pouco menor que as Sa e braços espirais um pouco mais abertos (em relação ao bojo). Para as Sc e Sd essa predominância do bojo é cada vez menor, enquanto os braços espirais ficam cada vez mais abertos. Isso pode ser visto na Figura 2, na qual é apresentado o diagrama de Hubble, contendo seu sistema de classificação. Já as galáxias elípticas não têm estrutura espiral, apresentando uma distribuição mais suave de luz. Elas são representadas pela letra “E” seguida de um índice que vai de 0 a 7. Esse é dado pela expressão 10Є, onde Є = (1- b/a), sendo que a e b são os semi-eixos maior e menor da elipse representando a galáxia. Galáxias com índice zero (E0) são circulares, enquanto as E7 são as mais achatadas (Figura 2). As irregulares não possuem nem braços espirais, nem uma estrutura suave, não tendo uma forma bem definida. Por fim, as galáxias lenticulares têm uma forma de disco (como espirais), mas não possuem braços, sendo consideradas um tipo intermediário entre elípticas e espirais. As lenticulares são representadas por S0 (Figura 2). Figura 2: Esquema representativo do diagrama de Hubble, com galáxias elípticas, S0, e espirais (com ou sem barra). Entre as espirais, há também as chamadas espirais com barra, nas quais os braços espirais partem de uma espécie de barra na região central (em vez de um núcleo). Essas são denomidas por SBa, SBb, SBc ou SBd, onde o “B” significa que a galáxia apresenta uma barra. Estas podem ser identificadas na Figura 2. Hubble imaginou que o diagrama acima representasse uma espécie de sequência evolutiva, em que as 53 galáxias nasceriam como elítpicas e evoluiriam para espirais. Atualmente, sabe-se que essa sequência evolutiva não é real, mas ainda se utiliza esse diagrama pela forma simplificada de apresentar os diferentes tipos de galáxias. Algumas imagens com exemplos de galáxias são exibidas na Figura 3. Figura 3: Mosaico de galáxias observadas pelo All-wavelength Extended Groth strip International Survey, com o Hubble Space Telescope (HST). 54 3. Propriedades de galáxias Além de diferirem pela aparência os diversos tipos de galáxias também podem ser distinguidos por determinadas características. Por exemplo, galáxias elípticas, em geral, são mais vermelhas, possuem pouco ou quase nenhum gás, tem uma população de estrelas mais velha e formam poucas estrelas. A cor mais avermelhada dessas galáxias (ver figura 3) é decorrente do fato de elas serem preferencialmente constituídas por estrelas velhas, de massa pequena e mais vermelhas. Já a pequena taxa de formação estelar é consequência da pouca presença de gás, combustível para formação de novas estrelas. As espirais e irregulares são mais azuis (figura 3), têm grande quantidade de gás, possuem estrelas jovens e velhas e alta taxa de formação estelar. A alta taxa de formação de estrelas se deve à grande quantidade de gás nessas galáxias. Em particular, a quantidade de gás em irregulares indica que essas são menos evoluídas que espirais, no sentido de que deverão formar estrelas por mais tempo. A cor mais azul dessas galáxias é explicada pela formação de estrelas de alta massa, que são quentes e azuis. Note que o bojo de galáxias espirais é mais vermelho que o disco, onde estão os braços espirais. O bojo de uma espiral assemelha-se (tanto na forma como nas propriedades) a uma galáxia elíptica em miniatura, sendo quase desprovido de gás. Já os braços espirais possuem bastante gás, o que explica a presença de estrelas jovens nos braços. Há diversas hipóteses para explicar os diferentes tipos de galáxias. Segundo uma dessas a maioria das galáxias nasceria com uma forma de disco, com quase nenhum bojo (região predominante no centro). Ao longo da evolução do universo colisões e fusões entre essas galáxias criariam as galáxias elípticas. Isto explicaria, pelo menos em parte, a formação de galáxias elípticas. Dessa forma espera-se que colisões e fusões de galáxias sejam comuns na evolução do Universo. Exemplos de galáxias em interação são exibidos na figura 4. 4. Galáxias ativas Galáxias ativas são objetos que apresentam uma emissão de energia extraordinária vinda de uma região central (núcleo) muito pequena. A origem dessa energia é gravitacional, causada pela presença de um buraco-negro no centro dessas galáxias. O processo de acreção explica essa geração de energia, segundo o qual, através da queda de matéria em direção a um buraco-negro central, energia potencial é convertida em energia cinética. Parte desta é então convertida em energia interna (calor) que é emitida sob a forma de radiação. Figura 4: Mosaico de galáxias em colisão observadas com o Hubble Space Telescope (HST). 55 As galáxias ativas são agrupadas sob o nome de AGN (active galactic nuclei, em inglês), também possuindo forte emissão em outras faixas do espectro eletromagnético (como em rádio e raios X). Os tipos mais comuns de AGNs são galáxias rádio, galáxias Seyfert e quasares. A luminosidade de quasares pode alcançar mil vezes a luminosidade de galáxias normais (como a Via Láctea). Em imagens ópticas eles têm uma aparência puntiforme, como de uma estrela. Na figura 5, temos um exemplo de um quasar (objeto bem distante) e de uma estrela próxima de nós. Figura 5: Exemplo de um quasar (esquerda) e um estrela (direita). Na parte superior da imagem aparece uma galáxia. Imagem obtida com o Hubble Space Telescope (HST). Figura 6: Comparação da curva de rotação esperada (a partir da massa visível em estrelas) de uma galáxia e a curva observada. A diferença é explicada pela presença de matéria escura. 56 5. Matéria escura Matéria escura é o material ao qual é creditada a discrepância entre a massa de uma galáxia obtida a partir da terceira lei de Kepler modificada e a massa observada na forma de gás e estrelas. A quantidade de matéria escura necessária para resolver essa discrepância é muito grande, chegando a 10 vezes a massa visível de algumas galáxias. Ou seja, quando olhamos uma galáxia é possível que observemos somente 10% de sua matéria. Uma das evidências mais fortes da existência de matéria escura vem da observação da curva de rotação de galáxias espirais. O disco dessas galáxias gira com velocidade de rotação dependente da distância R ao centro. A massa desses sistemas pode ser estimada da distribuição de luz estelar e a razão massa-luminosidade média da população estelar. Dessa estimativa de massa pode-se prever a velocidade de rotação em função do raio (usando mecânica Newtoniana). Entretanto, a velocidade rotacional é muito maior do que a esperada da distribuição de massa observada. Na figura 6 é apresentada a curva de rotação (em função do raio) esperada para uma galáxia. Essa sofre um aumento brusco para raios pequenos, diminuindo a partir de raios intermediários. Essa curva é obtida a partir da distribuição de massa visível (em estrelas) numa galáxia. Entretanto a curva observada é bem diferente da esperada, pois a velocidade de rotação observada praticamente não diminui para grandes raios. A diferença entre as duas curvas se deve à presença de matéria escura. 6. Grupos e aglomerados de galáxias As galáxias nem sempre são sistemas estelares isolados, podendo também ser encontradas em estruturas chamadas grupos e aglomerados de galáxias. Esses sistemas representam conjuntos de galáxias mantidas próximas umas das outras por sua atração gravitacional. Grupos têm poucas galáxias (no máximo algumas dezenas), enquanto aglomerados podem ter várias dezenas, centenas e até milhares de galáxias. O tamanho típico de aglomerados é de vários milhões de anos-luz. Exemplos de grupos e aglomerados são exibidos na Figura 7. Figura 7: Exemplo de um grupo de galáxias (esquerda) e de um aglomerado (direita). Aglomerados de galáxias representam regiões de alta densidade de matéria no Universo. Galáxias mais isoladas (não pertencentes a grupos ou aglomerados) estão em regiões de baixa densidade, também conhecidas por “campo”. Em grupos e aglomerados, a população típica de galáxias é constituída de elípticas e S0; enquanto no campo encontramos mais galáxias espirais e irregulares. Ou seja, o ambiente onde as galáxias residem tem forte influência no tipo das galáxias. As galáxias elípticas e S0 são aquelas com uma população estelar mais velha, menos gás e pouca formação estelar; e são vistas em regiões densas. Já as espirais e irregulares são galáxias mais azuis, com mais gás e formação estelar ativa; sendo mais facilmente encontradas no campo. Portanto, em ambientes mais densos, as galáxias sofrem transformações morfológicas que as levam a perder gás e consequentemente ter a formação de novas estrelas inibida. A nossa própria Via Láctea pertence a uma pequena aglomeração chamada Grupo Local, que contém cerca de 30 membros, sendo os 3 maiores a Via Láctea, M31 e M33. Os menores objetos em nosso grupo são galáxias satélites orbitando M31 e a Via Láctea. Os mais famosos são as chamadas Nuvens de Magalhães (grande e pequena; ver Figura 1). Elas têm cerca de 1/10 do tamanho da Via Láctea e são atraídas por ela. 57 58 As Estrelas Envelhecem Wagner Marcolino Não é muito difícil encontrar alguém que já tenha observado as Três Marias no céu quando criança. Décadas depois e as famosas estrelas ainda podem ser vistas soberanas na constelação de Orion. Essas mesmas Marias já constavam nos famosos desenhos de constelação de Johannes Hevelius, astrônomo polonês do século XVII. De fato, o céu como um todo – com exceção dos planetas e da Lua – parece um tanto estático, eterno, imutável. As mesmas estrelas ontem, hoje, e amanhã. Praticamente todas as estrelas visíveis a olho nu hoje, também foram vistas por civilizações antigas, como a grega, egípcia, romana, entre outras. Povos inteiros que apareceram e sumiram. Dante Alighieri, em sua obra A Divina Comédia, descreve o Inferno como círculos situados abaixo da superfície terrestre. O Purgatório estaria pouco acima, em uma espécie de montanha. O Paraíso de Dante seria dividido em esferas, se estendendo para além da Lua. Segundo ele, aumentaríamos gradualmente nosso grau de pureza e perfeição quanto mais próximo das estrelas fixas estivéssemos. Percebemos, portanto, que tanto na literatura quanto no imaginário popular encontramos as estrelas sendo representadas como objetos fixos, eternizados no céu. Figura 1: Aglomerado de estrelas M-45 ( Plêiades). 59 Figura 2: Hans Bethe. Físico teórico ganhador do prêmio Nobel (pela descoberta da fonte de energia das estrelas). 60 Esses conceitos estão associados à curta escala de tempo humana. Comparando nosso cotidiano às distâncias e escalas de tempo astronômicas, podemos fazer analogias interessantes. Por exemplo, sabemos que em uma órbita completa da Terra ao redor do Sol fazemos aniversário. No entanto, nunca veremos Netuno dar uma volta completa ao redor do Sol. Seu período orbital é de cerca de 165 anos e, antes disso, todas as pessoas vivas hoje na Terra já terão morrido. Quando consideramos escalas astronômicas, os valores fogem completamente ao que estamos acostumados. Hoje sabemos que estrelas podem viver de milhões a bilhões de anos. Não é à toa, portanto, que elas pareçam um tanto eternas para nós. Entretanto, elas envelhecem. Para entender como uma estrela envelhece – ou como os astrônomos gostam de falar, evolui – devemos entender qual é a sua principal fonte de energia. Essa questão era um desafio para os cientistas décadas atrás, e foi Hans Bethe (um físico alemão naturalizado americano – foto ao lado) quem decifrou o mistério: a energia das estrelas tem origem na fusão do núcleo de certos elementos químicos. Dito de maneira mais técnica: na fusão nuclear, que ocorre no interior das estrelas, é liberada uma enorme quantidade de energia que elas exibem através da sua luminosidade. A famosa equação de Einstein – E=mc2 – tem um papel central nessa história: dois núcleos de Hidrogênio (o elemento mais abundante no Universo) se fundem para formar o elemento Hélio. Todavia, a massa total do elemento resultante (o Hélio) é inferior à massa dos núcleos de Hidrogênio. À primeira vista, parece que uma pequena fração de massa “m” desaparece. No entanto, na verdade, ela é convertida em energia pela equação mais famosa da Física (Energia = massa vezes a velocidade da luz ao quadrado – E=mc2). Nesse processo, a quantidade de energia liberada é suficiente para manter a estrela brilhando por um longo período de tempo (milhões a bilhões de anos). Dizemos que, se um elemento como o hidrogênio sofre a fusão nuclear, ele é o elemento combustível. Hans Bethe e outros pesquisadores descobriram que somente certos elementos são combustíveis, estabelecendo quais são as cadeias nucleares possíveis. Um fator crucial para entender a evolução estelar é o equilíbrio entre a gravidade da estrela e sua pressão interna (gás+radiação). A gravidade tenta sempre compactar a estrela, mas a pressão resiste. Uma analogia interessante, nesse caso, é o pistão para encher o pneu de uma bicicleta. A força que fazemos faria o papel da gravidade e a pressão contrária que sentimos (principalmente se o orifício estiver obstruído ou o pneu estiver cheio) é devido à pressão do gás. Em condições normais, temos equilíbrio. Todavia, ao terminar um combustível nuclear, a energia liberada que regula a pressão interna ces- sa de ser produzida. Dessa forma, o equilíbrio entre a gravidade e pressão é abalado. A estrela muda sua estrutura interna e isso é geralmente refletido em suas partes mais externas, observáveis (raio, temperatura, luminosidade): a estrela evolui. Da mesma maneira, ao começar a “queimar” um novo combustível, a energia produzida pode ser suficiente para – via pressão – vencer a gravidade, alterando novamente sua estrutura interna. Em suma, apesar de omitirmos aqui outros mecanismos físicos importantes, o consumo e o esgotamento de combustíveis nucleares fazem a estrela evoluir ou, se você preferir, envelhecer. Uma das coisas mais interessantes em evolução estelar é que nem todas as estrelas evoluem da mesma maneira. Um fator determinante é a sua massa. Estrelas parecidas com o Sol (na verdade, de até cerca de 10 vezes a massa do Sol) evoluem bem devagar e vivem bilhões de anos. Viram as chamadas Gigantes Vermelhas, depois Nebulosas Planetárias e finalmente terminam suas vidas como anãs-brancas. Já as estrelas ditas de “alta massa” (acima de cerca de 10 vezes a massa do nosso Sol) vivem apenas milhões de anos. No entanto, elas possuem características excepcionais. Elas têm luminosidades e temperaturas altíssimas comparadas com as estrelas de menor massa. Podem chegar a ter, por exemplo, 10 vezes a temperatura do Sol e também um milhão de vezes a luminosidade do Sol. Além disso, elas geralmente terminam suas vidas de maneira espetacular, com as tão chamadas explosões de supernovas, podendo deixar para trás estrelas de nêutrons ou buracos negros – alguns dos objetos mais fascinantes do universo. Os detalhes e as razões para essa bifurcação drástica na evolução das estrelas é assunto para outra hora. O fato é que mudanças em sua(s) fonte(s) de energia fazem as estrelas evoluírem. Elas não são eternas. Nascem, “envelhecem”, e morrem. Nesse sentido, talvez possamos nos comparar às estrelas. Figura 3: Supernova (remanescente) N 63A. Final da vida de uma estrela de alta massa. 61 Lista dos Autores Carlos Roberto Rabaça Ph.D. em Astrofísica pela The University of Alabama, E.U.A. Denise Gonçalves Doutora em Astronomia pelo IAG/USP Helio Jaques Rocha-Pinto Doutor em Astronomia pelo IAG/USP Paulo Lopes Doutor em Astronomia pelo ON/MCTI Rundsthen Vasques de Nader Mestre em Astronomia – ON/MCTI Silvia Lorenz-Martins Doutora em Ciencias Físicas pela Universidade de Nice – Sophia Antipolis, França Thais Mothé-Diniz Doutora em Astronomia pelo ON/MCTI Wagner Marcolino Doutor em Astronomia pelo ON/MCTI 62 63 64