A formação profissional em Serviço Social na América Latina e Caribe: processo histórico e necessidade de um projeto pedagógico crítico na perspectiva da emancipação humana 1 Franci Gomes Cardoso2 [email protected] Josefa Batista Lopes3 [email protected] Cristiana Costa Lima 4 [email protected] 1 - Introdução Este trabalho, apoiado em pesquisa histórica, resgata os elementos mais significativos do Processo de Formação Profissional em Serviço Social na América Latina e Caribe. Partindo dos estudos que apontam a tendência de vinculação da profissão aos interesses das classes dominantes que impõe projetos pedagógicos de formação profissional nessa direção, o trabalho ressalta e demonstra o movimento e o esforço de segmentos importantes dos profissionais de Serviço Social nesta região na luta pela superação dessa perspectiva e a vigência histórica de um projeto pedagógico crítico de formação profissional na perspectiva da emancipação humana como uma necessidade histórica5; mas particularmente premente para as classes subalternas nas sociedades de capitalismo dependente e periférico, como as sociedades latino-americanas e do Caribe, onde a questão social, que está na base do Serviço Social se manifesta de forma aguda, desde o processo de colonização do continente por Portugal (no caso do Brasil) e Espanha (no restante do continente) que foi desenvolvido com o massacre das populações nativas, conforme bem o mostra Eduardo Galeano (2002) em Veias Abertas da América Latina, não sem a resistência destas. O processo de colonização da América Latina, portanto, está na origem histórica da questão social que tem se tornado mais complexa, ao mesmo tempo em que tem se agudizado, ao longo da história do continente que remete a questão social à questão nacional. Segundo Otávio Ianni (1998), aliás, 1 Ponencia presentada en el XIX Seminario Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social. El Trabajo Social en la coyuntura latinoamericana: desafíos para su formación, articulación y acción profesional. Universidad Católica Santiago de Guayaquil. Guayaquil, Ecuador. 4-8 de octubre 2009. 2 Assistente Social, doutora em Serviço Social, Professora aposentada da Universidade Federal do Maranhão. 3 Assistente Social, em Serviço Social, Professora da Universidade Federal do Maranhão no Departamento de Serviço Social e no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas. 4 Assistente Social, Mestra em Políticas Públicas e doutoranda em Políticas Públicas na Universidade Federal do Maranhão. 5 Encontramos em Agnes Heller os fundamentos para a compreensão do conceito de necessidade histórica. Refere-se às necessidades radicais que, segundo a autora, nascem do trabalho e “são parte constitutiva orgânica do ‘corpo social’ do capitalismo, mas de satisfação impossível dentro desta sociedade e que, precisamente por isto, motivam a práxis que transcende a sociedade determinada” (HELLER, 1978:106). 1 A questão nacional pode estar na base de algumas lutas e controvérsias fundamentais dos países da América Latina. Em diferentes épocas, principalmente em conjunturas críticas mais profundas, reabre-se a problemática nacional. Alguns dos principais temas da história e pensamento latino-americanos põem em causa as origens, transformações, crises e dilemas da sociedade nacional, do EstadoNação. O trabalho apresenta, portanto, o resultado de um estudo histórico pautado no movimento de formação profissional dos assistentes sociais no âmbito do movimento das sociedades latino-americanas, considerando que a formação profissional em Serviço Social exerce um papel fundamental na formação da consciência político-profissional dos assistentes sociais em relação à função social e pedagógica do exercício da profissão. 2 – Raízes histórico-conceituais da formação profissional em Serviço Social na America Latina e Caribe e a perspectiva de um projeto de sociedade alternativa ao capitalismo. As raízes históricas do processo de Formação Profissional em Serviço Social na América Latina e Caribe têm seu marco inicial no Chile, na Escola Alejandro Del Rio, fundada em 1925 (CASTRO, 1984), através de uma iniciativa do Estado que, no entanto, não a sustentou e não demorou a dar lugar à Igreja que, na função de formadora de assistentes sociais no continente, avançava também no cumprimento de sua política expansionista e internacional6. Sob o domínio das transformações capitalistas, e com forte influência do pensamento europeu e da igreja católica, firma-se no Chile e se expande na América Latina e no Caribe um projeto de Serviço Social que orientou a profissão para atuar no âmbito dos processos de construção de respostas adequadas aos interesses da classe dominante no controle das relações sociais que subjugam e subalternizam a classe trabalhadora, com a mediação do Estado e da Igreja católica. O movimento de significativas transformações no América Latina e Caribe colocou o Serviço Social, a partir dos anos 1960, entre a modernização conservadora e a perspectiva histórica de um projeto de sociedade alternativo ao capitalismo como uma necessidade histórica da classe trabalhadora (LOPES, 1998) que, nesse período 6 O internacionalismo é uma perspectiva essencial na sustentação da Igreja Católica, ainda que sua ação se dê no plano nacional e mesmo local como campo da ação humana. Na América Latina pode-se até falar em uma “estratégia de continentalização do Serviço social Católico” que, segundo Manrique (1984, 117), “foi possível na medida em que se compatibilizava com as condições internas dos vários países onde ela foi aplicada”. 2 avançava na formação de um operariado emergente com base no processo de industrialização em vários países do continente e sob a influência da vitória da revolução russa em 1917 e da revolução cubana em 1958, que apontavam para o mundo a possibilidade concreta de “um padrão de civilização alternativo” (FERNANDES, 1987:251). É, certamente, a perspectiva histórica de um projeto de sociedade alternativa ao capitalismo que impõe a necessidade de um projeto pedagógico crítico de formação profissional em Serviço Social na perspectiva da emancipação da classe trabalhadora e de toda a humanidade. Um significativo esforço de construção deste projeto tem início no continente no bojo do movimento de reconceituação e desenvolveu-se de forma diferenciada nos diferentes países com a contribuição e o impulso do Centro Latinoamericano de Trabajo Social – CELATS, organismo acadêmico criado em 1972, vinculado à Asociación Latinoamericana de Escuelas de Trabajo Social – ALAETS 7, mediante forte influência na difusão da teoria crítica e a articulação acadêmico-política dos profissionais de Serviço Social no continente, dois fatores fundamentais deste projeto 8, mas cuja base se encontra no amplo movimento revolucionário que ganhou força no continente com a vitória da revolução cubana em 1959 com expressiva incidência sobre as ciências sociais e a universidade. Esta diferença do desenvolvimento do movimento de reconceituação do Serviço Social nos diferentes países na América Latina se impôs pelas condições objetivas do desenvolvimento econômico e político de cada um desses países (CUEVA, Agustín: 1990) e de seus centros de formação acadêmica em relação à pesquisa, à produção e à difusão do conhecimento. Mas há uma unidade na diversidade, necessária e possível na construção deste projeto, fortemente tensionado no continente nos anos 1990, com as políticas neoliberais que redimensionaram e reconfiguraram a questão social e as 7 Estas Instituições de organização acadêmico-política do Serviço Social na América Latina, desempenharam papel de grande relevância no processo de renovação do Serviço Social nesse continente, destacadamente o CELATS, com sede no Peru, constituído em 1972 com o incentivo e o apoio da Fundação Konrad Adenauer como organismo acadêmico da ALAETS (LOPES, 2004). Vale lembrar que o CELATS foi criado no mesmo ano em que teve início o primeiro curso de pósgraduação em Serviço Social no Brasil, o país que no continente mais avançou nesse nível de formação profissional com uma preocupação, inicialmente, voltada para a formação de professores. Iniciada em 1972, através da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/RJ, a Pós-Graduação na área de Serviço Social neste país conta, atualmente, com 27 (vinte e sete) Programas, dos quais, 10 (dez) contam com Mestrado e Doutorado e 17 (dezessete) apenas com mestrado. 8 O CELATS notabilizou-se entre os profissionais de Serviço Social no continente pela sua ação acadêmica no incentivo à pesquisa e à difusão de um pensamento crítico sobre Serviço Social, Política Social, Investigação, Movimento Social e vários outros temas de interesse do Serviço Social, através de sua Revista Acción Crítica, dos Cadernos CELATS, da Edição de Livros e também através da realização de eventos continentais e apoio a eventos nacionais nos diversos países. Ao mesmo tempo o CELATS desenvolvia uma política de apoio e incentivo aos processos organizativos dos profissionais de Serviço Social em seus países, dos quais um bom exemplo foi o apoio do CELATS ao movimento que no Brasil promoveu a “virada” na direção política do III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, realizado em São Paulo de 23 a 28 de setembro de 1979. Sobre este apoio no Brasil ver Abramides e Cabral (1995: 117) e indicações sobre o processo ver a Revista Temporalis nº 7 que trata sobre “Articulação Latino-americana e Formação Profissional. 3 estratégias de seu enfrentamento em todo o mundo. Estas políticas produziram um forte impacto sobre a formação e o exercício profissional em Serviço Social na América Latina, golpeando profundamente os fundamentos de um projeto pedagógico crítico que, no entanto, continua como necessidade na formação da consciência profissional-política do assistente social para entender a questão social na América Latina como uma totalidade histórica produzida em processo intrínseco ao desenvolvimento do capital, o ponto de partida para um exercício profissional vinculado às lutas sociais orientadas para as transformações radicais de constituição de uma alternativa ao capitalismo. A formação do continente tal como é hoje conhecido é produto da expansão das civilizações ocidentais que teve início com a “conquista” portuguesa e espanhola dos países do “novo mundo”, marcado pela divisão do mundo em dois: o centro e a periferia. Em tal divisão coube América Latina o papel de fornecedor de matéria-prima ao desenvolvimento industrial dos países capitalistas centrais. Eduardo Galeano (2002) expõe com riqueza de dados econômicos, históricos e ideológicos esta situação. Ao longo do século XX, foi esta a lógica que se propagou na região. Um aparato de poder que sufocou o processo democrático, aniquilou movimentos de resistência e sustentou ditaduras militares por longo tempo, com a de Pinochet, no Chile, a dos militares na Argentina, no Brasil, no Paraguai, no Uruguai etc. Um modelo de desenvolvimento pautado em benefício dos pólos dinâmicos da expansão capitalista implica conseqüências negativas para os países periféricos, a exemplo de uma sociedade extremamente desigual, com uma minoria social dominante que retém para si todos os privilégios e que exclui a grande maioria de todos os direitos. Florestan Fernandes (1975) jogará luz sobre essa situação latina, demonstrando que as classes dominantes locais se colocam à serviço do projeto hegemônico imperialista. A condição latino-americana está dada pela opção das classes hegemônicas de cada país ao submeterem-se à estratégia de desenvolvimento dos países centrais, especialmente a dos Estados Unidos, no século XX. No caso dos países periféricos, as classes operaram unilateralmente, no sentido de preservar e intensificar os privilégios de alguns e excluir os demais. Elas não atuaram no sentido de buscar a sua autonomia. Ao contrário, contentaram-se em manter a acumulação do capital, repartindo o excedente econômico com as burguesias hegemônicas. Como não vão além disso, convertem-se em meios estruturais de perpetuação do capitalismo selvagem e de preservação do status quo. (FERNANDES, 1975) 4 O modelo autocrático-burguês de transformação capitalista adotado na América Latina inibiu o conflito e o confronto entre as classes. Acabou por anular as mudanças, mesmo as que são próprias do desenvolvimento capitalista. Assim, há, na transformação capitalista e na dominação burguesa ocorrida na América Latina, uma dissociação entre desenvolvimento capitalista e democracia, que é resultante da forma própria de acumulação de capital nos quadros do capitalismo periférico e dependente. Segundo Otávio Ianni A revolução burguesa não tem sido capaz de resolver o problema agrário, no que se refere aos interesses de amplos setores da sociedade nacional. Pode-se imaginar que as desigualdades originárias desse problema alimentam contradições que podem ser decisivas na emergência de movimentos sociais, protestos, revoltas. Toda revolução popular na América Latina conta com segmentos camponeses, quando não arranca do mundo camponês. A história de Tupac Amaru, Wilka, Antônio Conselheiro, Zapata, Villa, Sandino e muitos outros, desde os tempos coloniais até o século XX, passa pelo mesmo grito: - Terra e liberdade! A revolução socialista em curso no continente e nas ilhas tem raízes distantes, longas. 3 – O Serviço Social na América Latina e no Caribe, a partir dos anos 60, e a vigência histórica de um projeto de formação profissional na perspectiva da emancipação humana. Com base na premissa, já explicitada anteriormente, de que á a perspectiva histórica de um projeto de sociedade alternativo ao capitalismo que impõe a necessidade de um projeto de formação profissional na direção da emancipação humana, buscamos evidenciar, neste item, a vigência deste projeto no processo histórico do Serviço Social na América Latina e no Caribe, a partir dos anos 1960, no bojo do movimento de reconceituação da profissão. Pensar esse processo histórico exige um entendimento de um conjunto de determinações desse movimento, as quais se transformam sob a influência das mudanças que ocorrem na dinâmica societária totalizante da América Latina, num determinado período histórico a partir dos anos 60. O movimento de reconceituação do Serviço Social na América Latina, que emerge no continente na metade dos anos 60 representa um marco decisivo no redimensionamento crítico da profissão na busca de superação do Serviço Social designado como “tradicional” e de construção de um “novo” Serviço Social latino5 americano identificado com os interesses das classes subalternas. Serviço Social, cujo projeto de formação aponta em direção à emancipação humana, impulsionado por determinações societárias com perspectiva histórica de um projeto de sociedade alternativo ao capitalismo. Tal perspectiva é, portanto, predominantemente de crítica e combate ao tradicionalismo do Serviço Social de caráter empirista, reiterativo e assistencialista, voltado para o enfrentamento de questões psicossociais ligadas a indivíduos e grupos, tendo como pressuposto a ordenação capitalista da vida social. Enfrentamento este que assume dimensões delimitadas por construções fenomenológicas dos conceitos de capacitação social, participação social e transformação social centrados na compreensão e orientados pelos processos de mudanças macrossociais a partir das transformações operadas no âmbito interno dos sujeitos envolvidos (Almeida, 1979, apud Maciel,2002:127 ). Os determinantes históricos propiciadores dessa postura crítica ao Serviço Social tradicional são de amplitude mundial, expressos na crise de um padrão de desenvolvimento capitalista ao final dos anos 60, cujas tensões estruturais induziram a mobilização das classes subalternas em defesa de seus interesses. Registram-se, então, amplos movimentos que em suas variadas expressões apresentam demandas econômicas, sociais e culturais e põem em questão a racionalidade do Estado burguês, suas instituições e, no limite, negam a ordem burguesa e seu estilo de vida (Netto, 2005:7). No contexto particular da América Latina, as condições históricas e políticoideológicas que possibilitaram, e até impuseram ao Serviço Social a formulação e desenvolvimento de um projeto de formação profissional como alternativo ao tradicional e em direção à perspectiva emancipatória, são consubstanciados pelo processo de industrialização acelerado, sob a ideologia desenvolvimentista e pelas lutas sociais e processos revolucionários intensificados no Pós- segunda guerra mundial, nas décadas de 50 e 70. Essas lutas se revitalizam nos anos 70, quando, em termos mundiais, as bases de sustentação do Welfare State avançam em seu processo de esgotamento e consolidam-se as saídas capitalistas sob a orientação neoliberal à crise do capital, alternativa hegemônica em todo mundo na atualidade (Maciel, 2002:128). A partir de meados dos anos 70, ao final da década de 1980, algumas atividades desenvolvidas pelo Centro Latino-americano de Trabajo Social (CELATS) são apontadas por estudiosos da Reconceituação como parte significativa do espírito de renovação desse movimento. Seminários e colóquios, investigações, publicações e outros 6 contribuíram para o processo de autocrítica da profissão na América Latina. Segundo Netto (2001), duas atividades entre as várias realizações do CELATS, merecem destaque: a primeira diz respeito a um projeto sobre as alternativas da organização dos Assistentes Sociais no continente, que foi central para indicar uma direção do associacionismo profissional em muitos países; a segunda refere-se ao formato à investigação acerca da história do Serviço Social na América Latina. Para o mesmo autor, a experiência do CELATS viabilizou, com sua crítica e sua denùncia a passagem do “Serviço Social tradicional” ao “Serviço Social Crítico”. Serviço Social marcado por polêmicas e debates, teoricamente e politicamente plural e que, na contemporaneidade é uma expressão viva da atualidade da reconceituação. É este “Serviço Social Crítico” que dispõe de hegemonia na produção teórica do campo profissional (resultado de forte investimento na pesquisa), desfruta de audiência acadêmica nacional e internacional e goza de respeitabilidade pública, inclusive pela sua intervenção política (Netto, 2001 p:18). Nessas condições históricas latino-americanas, anteriormente assinaladas, o processo de redefinição do Serviço Social em suas diferentes dimensões em particular a da formação profissional, se desenvolve na construção de um projeto permeado de contradições, fruto de determinações econômicas, sócio-históricas e político-ideológicas vinculada ao projeto societário, emancipatório em permanente construção pelas classe subalternas, nos processos de lutas sociais pela superação da ordem capitalista, considerando-se, nesses processos, os avanços e os recuos dessas lutas. Esse projeto de formação profissional, com clara direção sócio-política a processos emancipatórios, que apresenta avanços, a partir dos anos 70, se consolida nas décadas de 80 e 90, pela vinculação da profissão com a perspectiva histórica das classes subalternas, ancorado na matriz teórico-metodológica da tradição marxista. O período contemporâneo, sob a orientação neoliberal em âmbito mundial, apresenta inúmeros desafios a serem enfrentados para conduzir e fortalecer o referido projeto de formação, fruto de conquistas teóricas e político-ideológicas que orientam o projeto profissional de ruptura com o conservadorismo, nos últimos 35 anos. Dentre esses desafios, destacam-se: necessidade de fortalecimento dos vínculos das lutas da categoria dos Assistentes Sociais, com as lutas do conjunto das classes subalternas; criação de estratégias para enfrentamento da precarização das condições de trabalho; desenvolvimento de um programa de ação que se contraponha à cultura do conformismo de sindicatos, movimentos sociais populares e outras organizações das classes 7 subalternas, de modo a contribuir para a reversão desse quadro; construção de estratégias para o enfrentamento de expressões da questão social na contemporaneidade; e, enfim, um dos maiores desafios desse período é a reafirmação da direção sócio-política desse projeto nas relações estruturais e conjunturais adversas e, consequentemente nas relações internas da profissão, atentando para as diferentes concepções teórico-políticas em disputa no campo de ruptura com o conservadorismo. Mas, ao mesmo tempo, é importante ter presente no enfrentamento desses desafios, que a vigência da ordem mundial capitalista e as lutas sociais pela sua superação mantêm vivas e atuais a perspectiva teórico-metodológica e revolucionária da tradição marxista em que se ancora o projeto ético-político-profissional do Serviço Social, bem como a luta dos sujeitos da profissão na construção de um projeto de formação profissional na perspectiva da emancipação humana. 4 – Considerações finais A necessidade de um projeto pedagógico crítico na perspectiva da emancipação humana para a formação profissional em Serviço Social continua vigente na América Latina hoje, conforme demonstrado acima, impondo-se como uma exigência da realidade dos diferentes segmentos sociais das sociedades nos diferentes estados nacionais do continente, mas fundamentalmente pelas classes populares. Esta necessidade se expressa na consciência da necessidade de criação de uma nova cultura que, de acordo com Gramsci ...não significa apenas fazer individualmente descoberta ‘originais’, significa também e, sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, ‘socializá-las, por assim dizer; e, portanto, transformá-las em bases de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral. O fato de que uma multidão de homens seja conduzida a pensar coerentemente e de maneira unitária a realidade presente é um fato ‘filosófico’ bem mais importante e ‘original’ do que a descoberta, por parte de um ‘gênio’ filosófico, de uma nova verdade que permaneça como patrimônio de pequenos grupos de intelectuais.” (GRAMSCI, 1999:1995-6) A experiência brasileira com as chamadas Diretrizes Curriculares aprovadas em 1996, com a mediação da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social – ABEPSS, indicam uma forte incidência sobre o projeto de formação profissional orientado pelo chamado projeto ético-político dos assistentes sociais com a sustentação das entidades (ABEPSS, CFESS e ENESSO) acadêmico-políticas da categoria 8 das contradições engendradas pela atual reestruturação econômica, política e social do capital sob a orientação neoliberal na reforma do ensino superior, orquestrada pelos organismos financeiros internacionais (FMI e Banco Mundial) que direcionam para mercantilização da educação, base da precarização e da flexibilização da formação profissional. (ABREU e LOPES, 2007: 11) Estas condições são, no entanto, ao mesmo tempo, uma ameaça a um projeto pedagógico crítico de uma formação profissional na perspectiva da emancipação humana, pensada como parte constitutiva de um projeto profissional que se define e redefine no movimento contraditório da sociedade a partir de uma direção social estratégica; mas também uma convocatória à “luta e resistência na defesa de uma educação referenciada nas demandas das classes subalternas na perspectiva do fortalecimento das lutas sociais emancipatórias [...] 9”(ABREU e LOPES, 2007: 13). Assim, conforme firmado na proposta aprovada em Santiago do Chile, em 2006, para a criação da Asociación Latinoamericana de Enseñanza e Investigación em Trabajo Social - ALAEITS, apesar do ambiente “destructivo y de amenazas a la lucha social de los trabajadores, no haya enfriado la Región. según Atilio Borón (2004), las perspectivas de cada uno de los países del continente, están irremediablemente vinculados a las perspectivas de los otros. Evidentemente, esta es la señal que conduce a la articulación y a la organización de todos los segmentos de la sociedad que se oponen a la historia de las “venas abiertas”, dominación y subordinación de América Latina, y se disponen a la resistencia en la ardua tarea de construcción de una alternativa. En este sentido, la lucha social mantiene vigencia histórica y hace de la organización política de la resistencia una necesidad. Se impone la prioridad de la articulación académico-política del Servicio Social en América Latina, vinculándose al movimiento internacionalista de organización de las luchas emancipatorias. Daí deriva a necessidade estratégica de fortalecimento do processo de articulação acadêmico-político do Serviço Social em nível interno de cada país, orientado sempre por uma perspectiva internacionalista que articule o Serviço Social no continente e no mundo. Nesta direção a ALAEITS poderá exercer um papel fundamental. 9 Deve ser ressaltada a posição política encaminhada pelas entidades ABEPSS, CFESS e ENESSO contra a criação de cursos seqüenciais, a garantia das 3000 horas para integralização do curso contra a proposta do MEC de baixar a carga horária integral do curso para 2600 horas; a influência da ABEPSS através da Comissão de Assessores da Avaliação da área do Serviço Social na definição dos critérios de avaliação do desempenho estudantil (ENADE) e das condições de ensino, fundados nos conteúdos estabelecidos pelas diretrizes curriculares sob a orientação do projeto ético-político alternativo do Serviço Social e a posição contra ao ensino de graduação à distância. 9 Referências ABREU, Marina Maciel. Serviço Social e a organização da Cultura: perfis pedagógicos da prática profissional. São Paulo, Cortez Editora, 2002 ABREU, Marina Maciel e LOPES, Josefa Batista Lopes. Formação Profissional e diretrizes curriculares. 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