A formação profissional em Serviço Social na América Latina e Caribe

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A formação profissional em Serviço Social na América Latina e Caribe:
processo histórico e necessidade de um projeto pedagógico crítico na
perspectiva da emancipação humana 1
Franci Gomes Cardoso2
[email protected]
Josefa Batista Lopes3
[email protected]
Cristiana Costa Lima 4
[email protected]
1 - Introdução
Este trabalho, apoiado em pesquisa histórica, resgata os elementos mais
significativos do Processo de Formação Profissional em Serviço Social na América Latina e
Caribe. Partindo dos estudos que apontam a tendência de vinculação da profissão aos
interesses das classes dominantes que impõe projetos pedagógicos de formação
profissional nessa direção, o trabalho ressalta e demonstra o movimento e o esforço de
segmentos importantes dos profissionais de Serviço Social nesta região na luta pela
superação dessa perspectiva e a vigência histórica de um projeto pedagógico crítico de
formação profissional na perspectiva da emancipação humana como uma necessidade
histórica5; mas particularmente premente para as classes subalternas nas sociedades de
capitalismo dependente e periférico, como as sociedades latino-americanas e do Caribe,
onde a questão social, que está na base do Serviço Social se manifesta de forma aguda,
desde o processo de colonização do continente por Portugal (no caso do Brasil) e Espanha
(no restante do continente) que foi desenvolvido com o massacre das populações nativas,
conforme bem o mostra Eduardo Galeano (2002) em Veias Abertas da América Latina, não
sem a resistência destas. O processo de colonização da América Latina, portanto, está na
origem histórica da questão social que tem se tornado mais complexa, ao mesmo tempo
em que tem se agudizado, ao longo da história do continente que remete a questão social à
questão nacional. Segundo Otávio Ianni (1998), aliás,
1
Ponencia presentada en el XIX Seminario Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social. El Trabajo Social en la
coyuntura latinoamericana: desafíos para su formación, articulación y acción profesional. Universidad Católica
Santiago de Guayaquil. Guayaquil, Ecuador. 4-8 de octubre 2009.
2
Assistente Social, doutora em Serviço Social, Professora aposentada da Universidade Federal do Maranhão.
3
Assistente Social, em Serviço Social, Professora da Universidade Federal do Maranhão no Departamento de Serviço
Social e no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas.
4
Assistente Social, Mestra em Políticas Públicas e doutoranda em Políticas Públicas na Universidade Federal do Maranhão.
5
Encontramos em Agnes Heller os fundamentos para a compreensão do conceito de necessidade histórica. Refere-se às
necessidades radicais que, segundo a autora, nascem do trabalho e “são parte constitutiva orgânica do ‘corpo social’ do
capitalismo, mas de satisfação impossível dentro desta sociedade e que, precisamente por isto, motivam a práxis que
transcende a sociedade determinada” (HELLER, 1978:106).
1
A questão nacional pode estar na base de algumas lutas e controvérsias
fundamentais dos países da América Latina. Em diferentes épocas,
principalmente em conjunturas críticas mais profundas, reabre-se a
problemática nacional. Alguns dos principais temas da história e
pensamento latino-americanos põem em causa as origens,
transformações, crises e dilemas da sociedade nacional, do EstadoNação.
O trabalho apresenta, portanto, o resultado de um estudo histórico pautado no
movimento de formação profissional dos assistentes sociais no âmbito do movimento das
sociedades latino-americanas, considerando que a formação profissional em Serviço Social
exerce um papel fundamental na formação da consciência político-profissional dos
assistentes sociais em relação à função social e pedagógica do exercício da profissão.
2 – Raízes histórico-conceituais da formação profissional em Serviço Social na
America Latina e Caribe e a perspectiva de um projeto de sociedade alternativa ao
capitalismo.
As raízes históricas do processo de Formação Profissional em Serviço Social na
América Latina e Caribe têm seu marco inicial no Chile, na Escola Alejandro Del Rio,
fundada em 1925 (CASTRO, 1984), através de uma iniciativa do Estado que, no entanto,
não a sustentou e não demorou a dar lugar à Igreja que, na função de formadora de
assistentes sociais no continente, avançava também no cumprimento de sua política
expansionista e internacional6.
Sob o domínio das transformações capitalistas, e com forte influência do
pensamento europeu e da igreja católica, firma-se no Chile e se expande na América
Latina e no Caribe um projeto de Serviço Social que orientou a profissão para atuar no
âmbito dos processos de construção de respostas adequadas aos interesses da classe
dominante no controle das relações sociais que subjugam e subalternizam a classe
trabalhadora, com a mediação do Estado e da Igreja católica.
O movimento de significativas transformações no América Latina e Caribe
colocou o Serviço Social, a partir dos anos 1960, entre a modernização conservadora e a
perspectiva histórica de um projeto de sociedade alternativo ao capitalismo como uma
necessidade histórica da classe trabalhadora (LOPES, 1998) que, nesse período
6
O internacionalismo é uma perspectiva essencial na sustentação da Igreja Católica, ainda que sua ação se dê no plano
nacional e mesmo local como campo da ação humana. Na América Latina pode-se até falar em uma “estratégia de
continentalização do Serviço social Católico” que, segundo Manrique (1984, 117), “foi possível na medida em que se
compatibilizava com as condições internas dos vários países onde ela foi aplicada”.
2
avançava na formação de um operariado emergente com base no processo de
industrialização em vários países do continente e sob a influência da vitória da revolução
russa em 1917 e da revolução cubana em 1958, que apontavam para o mundo a
possibilidade concreta de “um padrão de civilização alternativo” (FERNANDES,
1987:251).
É, certamente, a perspectiva histórica de um projeto de sociedade alternativa ao
capitalismo que impõe a necessidade de um projeto pedagógico crítico de formação
profissional em Serviço Social na perspectiva da emancipação da classe trabalhadora e
de toda a humanidade. Um significativo esforço de construção deste projeto tem início no
continente no bojo do movimento de reconceituação e desenvolveu-se de forma
diferenciada nos diferentes países com a contribuição e o impulso do Centro
Latinoamericano de Trabajo Social – CELATS, organismo acadêmico criado em 1972,
vinculado à Asociación Latinoamericana de Escuelas de Trabajo Social – ALAETS 7,
mediante forte influência na difusão da teoria crítica e a articulação acadêmico-política
dos profissionais de Serviço Social no continente, dois fatores fundamentais deste
projeto 8, mas cuja base se encontra no amplo movimento revolucionário que ganhou força
no continente com a vitória da revolução cubana em 1959 com expressiva incidência
sobre as ciências sociais e a universidade.
Esta diferença do desenvolvimento do movimento de reconceituação do Serviço
Social nos diferentes países na América Latina se impôs pelas condições objetivas do
desenvolvimento econômico e político de cada um desses países (CUEVA, Agustín:
1990) e de seus centros de formação acadêmica em relação à pesquisa, à produção e à
difusão do conhecimento. Mas há uma unidade na diversidade, necessária e possível na
construção deste projeto, fortemente tensionado no continente nos anos 1990, com as
políticas neoliberais que redimensionaram e reconfiguraram a questão social e as
7
Estas Instituições de organização acadêmico-política do Serviço Social na América Latina, desempenharam papel de
grande relevância no processo de renovação do Serviço Social nesse continente, destacadamente o CELATS, com sede no
Peru, constituído em 1972 com o incentivo e o apoio da Fundação Konrad Adenauer como organismo acadêmico da
ALAETS (LOPES, 2004). Vale lembrar que o CELATS foi criado no mesmo ano em que teve início o primeiro curso de pósgraduação em Serviço Social no Brasil, o país que no continente mais avançou nesse nível de formação profissional com
uma preocupação, inicialmente, voltada para a formação de professores. Iniciada em 1972, através da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/RJ, a Pós-Graduação na área de Serviço Social neste país conta,
atualmente, com 27 (vinte e sete) Programas, dos quais, 10 (dez) contam com Mestrado e Doutorado e 17 (dezessete)
apenas com mestrado.
8
O CELATS notabilizou-se entre os profissionais de Serviço Social no continente pela sua ação acadêmica no incentivo à
pesquisa e à difusão de um pensamento crítico sobre Serviço Social, Política Social, Investigação, Movimento Social e
vários outros temas de interesse do Serviço Social, através de sua Revista Acción Crítica, dos Cadernos CELATS, da
Edição de Livros e também através da realização de eventos continentais e apoio a eventos nacionais nos diversos países.
Ao mesmo tempo o CELATS desenvolvia uma política de apoio e incentivo aos processos organizativos dos profissionais
de Serviço Social em seus países, dos quais um bom exemplo foi o apoio do CELATS ao movimento que no Brasil
promoveu a “virada” na direção política do III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, realizado em São Paulo de 23 a
28 de setembro de 1979. Sobre este apoio no Brasil ver Abramides e Cabral (1995: 117) e indicações sobre o processo ver
a Revista Temporalis nº 7 que trata sobre “Articulação Latino-americana e Formação Profissional.
3
estratégias de seu enfrentamento em todo o mundo. Estas políticas produziram um forte
impacto sobre a formação e o exercício profissional em Serviço Social na América Latina,
golpeando profundamente os fundamentos de um projeto pedagógico crítico que, no
entanto, continua como necessidade na formação da consciência profissional-política do
assistente social para entender a questão social na América Latina como uma totalidade
histórica produzida em processo intrínseco ao desenvolvimento do capital, o ponto de
partida para um exercício profissional vinculado às lutas sociais orientadas para as
transformações radicais de constituição de uma alternativa ao capitalismo.
A formação do continente tal como é hoje conhecido é produto da expansão das
civilizações ocidentais que teve início com a “conquista” portuguesa e espanhola dos
países do “novo mundo”, marcado pela divisão do mundo em dois: o centro e a periferia.
Em tal divisão coube América Latina o papel de fornecedor de matéria-prima ao
desenvolvimento industrial dos países capitalistas centrais. Eduardo Galeano (2002)
expõe com riqueza de dados econômicos, históricos e ideológicos esta situação.
Ao longo do século XX, foi esta a lógica que se propagou na região. Um aparato
de poder que sufocou o processo democrático, aniquilou movimentos de resistência e
sustentou ditaduras militares por longo tempo, com a de Pinochet, no Chile, a dos
militares na Argentina, no Brasil, no Paraguai, no Uruguai etc.
Um modelo de desenvolvimento pautado em benefício dos pólos dinâmicos da
expansão capitalista implica conseqüências negativas para os países periféricos, a
exemplo de uma sociedade extremamente desigual, com uma minoria social dominante
que retém para si todos os privilégios e que exclui a grande maioria de todos os direitos.
Florestan Fernandes (1975) jogará luz sobre essa situação latina, demonstrando que as
classes dominantes locais se colocam à serviço do projeto hegemônico imperialista. A
condição latino-americana está dada pela opção das classes hegemônicas de cada país
ao submeterem-se à estratégia de desenvolvimento dos países centrais, especialmente a
dos Estados Unidos, no século XX.
No caso dos países periféricos, as classes operaram unilateralmente, no sentido
de preservar e intensificar os privilégios de alguns e excluir os demais. Elas não atuaram
no sentido de buscar a sua autonomia. Ao contrário, contentaram-se em manter a
acumulação do capital, repartindo o excedente econômico com as burguesias
hegemônicas. Como não vão além disso, convertem-se em meios estruturais de
perpetuação do capitalismo selvagem e de preservação do status quo. (FERNANDES,
1975)
4
O modelo autocrático-burguês de transformação capitalista adotado na América
Latina inibiu o conflito e o confronto entre as classes. Acabou por anular as mudanças,
mesmo as que são próprias do desenvolvimento capitalista. Assim, há, na transformação
capitalista e na dominação burguesa ocorrida na América Latina, uma dissociação entre
desenvolvimento capitalista e democracia, que é resultante da forma própria de
acumulação de capital nos quadros do capitalismo periférico e dependente. Segundo
Otávio Ianni
A revolução burguesa não tem sido capaz de resolver o problema
agrário, no que se refere aos interesses de amplos setores da
sociedade nacional. Pode-se imaginar que as desigualdades
originárias desse problema alimentam contradições que podem ser
decisivas na emergência de movimentos sociais, protestos, revoltas.
Toda revolução popular na América Latina conta com segmentos
camponeses, quando não arranca do mundo camponês. A história
de Tupac Amaru, Wilka, Antônio Conselheiro, Zapata, Villa, Sandino
e muitos outros, desde os tempos coloniais até o século XX, passa
pelo mesmo grito: - Terra e liberdade! A revolução socialista em
curso no continente e nas ilhas tem raízes distantes, longas.
3 – O Serviço Social na América Latina e no Caribe, a partir dos anos 60, e a
vigência histórica de um projeto de formação profissional na perspectiva da
emancipação humana.
Com base na premissa, já explicitada anteriormente, de que á a perspectiva
histórica de um projeto de sociedade alternativo ao capitalismo que impõe a necessidade
de um projeto de formação profissional na direção da emancipação humana, buscamos
evidenciar, neste item, a vigência deste projeto no processo histórico do Serviço Social na
América Latina e no Caribe, a partir dos anos 1960, no bojo do movimento de
reconceituação da profissão.
Pensar esse processo histórico exige um entendimento de um conjunto de
determinações desse movimento, as quais se transformam sob a influência das
mudanças que ocorrem na dinâmica societária totalizante da América Latina, num
determinado período histórico a partir dos anos 60.
O movimento de reconceituação do Serviço Social na América Latina, que
emerge no continente na metade dos anos 60 representa um marco decisivo no
redimensionamento crítico da profissão na busca de superação do Serviço Social
designado como “tradicional” e de construção de um “novo” Serviço Social latino5
americano identificado com os interesses das classes subalternas. Serviço Social, cujo
projeto de formação aponta em direção à emancipação humana, impulsionado por
determinações societárias com perspectiva histórica de um projeto de sociedade
alternativo ao capitalismo. Tal perspectiva é, portanto, predominantemente de crítica e
combate ao tradicionalismo do Serviço Social de caráter empirista, reiterativo e
assistencialista, voltado para o enfrentamento de questões psicossociais ligadas a
indivíduos e grupos, tendo como pressuposto a ordenação capitalista da vida social.
Enfrentamento este que
assume dimensões delimitadas por construções fenomenológicas dos
conceitos de capacitação social, participação social e transformação
social centrados na compreensão e orientados pelos processos de
mudanças macrossociais a partir das transformações operadas no âmbito
interno dos sujeitos envolvidos (Almeida, 1979, apud Maciel,2002:127 ).
Os determinantes históricos propiciadores dessa postura crítica ao Serviço
Social tradicional são de amplitude mundial, expressos na crise de um padrão de
desenvolvimento capitalista ao final dos anos 60, cujas tensões estruturais induziram a
mobilização das classes subalternas em defesa de seus interesses.
Registram-se, então, amplos movimentos que em suas variadas
expressões apresentam demandas econômicas, sociais e culturais e
põem em questão a racionalidade do Estado burguês, suas instituições e,
no limite, negam a ordem burguesa e seu estilo de vida (Netto, 2005:7).
No contexto particular da América Latina, as condições históricas e políticoideológicas que possibilitaram, e até impuseram ao Serviço Social a formulação e
desenvolvimento de um projeto de formação profissional como alternativo ao tradicional e
em direção à perspectiva emancipatória, são consubstanciados pelo processo de
industrialização acelerado, sob a ideologia desenvolvimentista e pelas lutas sociais e
processos revolucionários intensificados no Pós- segunda guerra mundial, nas décadas
de 50 e 70. Essas lutas se revitalizam nos anos 70, quando, em termos mundiais, as
bases de sustentação do Welfare State avançam em seu processo de esgotamento e
consolidam-se as saídas capitalistas sob a orientação neoliberal à crise do capital,
alternativa hegemônica em todo mundo na atualidade (Maciel, 2002:128).
A partir de meados dos anos 70, ao final da década de 1980, algumas atividades
desenvolvidas pelo Centro Latino-americano de Trabajo Social (CELATS) são apontadas
por estudiosos da Reconceituação como parte significativa do espírito de renovação
desse movimento. Seminários e colóquios, investigações, publicações e outros
6
contribuíram para o processo de autocrítica da profissão na América Latina. Segundo
Netto (2001), duas atividades entre as várias realizações do CELATS, merecem
destaque: a primeira diz respeito a um projeto sobre as alternativas da organização dos
Assistentes Sociais no continente, que foi central para indicar uma direção do
associacionismo profissional em muitos países; a segunda refere-se ao formato à
investigação acerca da história do Serviço Social na América Latina. Para o mesmo autor,
a experiência do CELATS viabilizou, com sua crítica e sua denùncia a passagem do
“Serviço Social tradicional” ao “Serviço Social Crítico”. Serviço Social marcado por
polêmicas e debates, teoricamente e politicamente plural e que, na contemporaneidade é
uma expressão viva da atualidade da reconceituação.
É este “Serviço Social Crítico” que dispõe de hegemonia na produção
teórica do campo profissional (resultado de forte investimento na
pesquisa), desfruta de audiência acadêmica nacional e internacional e
goza de respeitabilidade pública, inclusive pela sua intervenção política
(Netto, 2001 p:18).
Nessas condições históricas latino-americanas, anteriormente assinaladas, o
processo de redefinição do Serviço Social em suas diferentes dimensões em particular a
da formação profissional, se desenvolve na construção de um projeto permeado de
contradições, fruto de determinações econômicas, sócio-históricas e político-ideológicas
vinculada ao projeto societário, emancipatório em permanente construção pelas classe
subalternas, nos processos de lutas sociais pela superação da ordem capitalista,
considerando-se, nesses processos, os avanços e os recuos dessas lutas.
Esse projeto de formação profissional, com clara direção sócio-política a
processos emancipatórios, que apresenta avanços, a partir dos anos 70, se consolida nas
décadas de 80 e 90, pela vinculação da profissão com a perspectiva histórica das classes
subalternas, ancorado na matriz teórico-metodológica da tradição marxista.
O período contemporâneo, sob a orientação neoliberal em âmbito mundial,
apresenta inúmeros desafios a serem enfrentados para conduzir e fortalecer o referido
projeto de formação, fruto de conquistas teóricas e político-ideológicas que orientam o
projeto profissional de ruptura com o conservadorismo, nos últimos 35 anos. Dentre esses
desafios, destacam-se: necessidade de fortalecimento dos vínculos das lutas da categoria
dos Assistentes Sociais, com as lutas do conjunto das classes subalternas; criação de
estratégias
para
enfrentamento
da
precarização
das
condições
de
trabalho;
desenvolvimento de um programa de ação que se contraponha à cultura do conformismo
de sindicatos, movimentos sociais populares e outras organizações das classes
7
subalternas, de modo a contribuir para a reversão desse quadro; construção de
estratégias
para
o
enfrentamento
de
expressões
da
questão
social
na
contemporaneidade; e, enfim, um dos maiores desafios desse período é a reafirmação da
direção sócio-política desse projeto nas relações estruturais e conjunturais adversas e,
consequentemente nas relações internas da profissão, atentando para as diferentes
concepções teórico-políticas em disputa no campo de ruptura com o conservadorismo.
Mas, ao mesmo tempo, é importante ter presente no enfrentamento desses desafios, que
a vigência da ordem mundial capitalista e as lutas sociais pela sua superação mantêm
vivas e atuais a perspectiva teórico-metodológica e revolucionária da tradição marxista em
que se ancora o projeto ético-político-profissional do Serviço Social, bem como a luta dos
sujeitos da profissão na construção de um projeto de formação profissional na perspectiva
da emancipação humana.
4 – Considerações finais
A necessidade de um projeto pedagógico crítico na perspectiva da emancipação
humana para a formação profissional em Serviço Social continua vigente na América Latina
hoje, conforme demonstrado acima, impondo-se como uma exigência da realidade dos
diferentes segmentos sociais das sociedades nos diferentes estados nacionais do
continente, mas fundamentalmente pelas classes populares. Esta necessidade se expressa
na consciência da necessidade de criação de uma nova cultura
que, de acordo com
Gramsci
...não significa apenas fazer individualmente descoberta ‘originais’,
significa também e, sobretudo, difundir criticamente verdades já
descobertas, ‘socializá-las, por assim dizer; e, portanto, transformá-las em
bases de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem
intelectual e moral. O fato de que uma multidão de homens seja
conduzida a pensar coerentemente e de maneira unitária a realidade
presente é um fato ‘filosófico’ bem mais importante e ‘original’ do que a
descoberta, por parte de um ‘gênio’ filosófico, de uma nova verdade que
permaneça como patrimônio de pequenos grupos de intelectuais.”
(GRAMSCI, 1999:1995-6)
A experiência brasileira com as chamadas Diretrizes Curriculares aprovadas em
1996, com a mediação da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social –
ABEPSS, indicam uma forte incidência sobre o projeto de formação profissional orientado
pelo chamado projeto ético-político dos assistentes sociais com a sustentação das
entidades (ABEPSS, CFESS e ENESSO) acadêmico-políticas da categoria
8
das contradições engendradas pela atual reestruturação econômica,
política e social do capital sob a orientação neoliberal na reforma do
ensino superior, orquestrada pelos organismos financeiros internacionais
(FMI e Banco Mundial) que direcionam para mercantilização da educação,
base da precarização e da flexibilização da formação profissional.
(ABREU e LOPES, 2007: 11)
Estas condições são, no entanto, ao mesmo tempo, uma ameaça a um projeto
pedagógico crítico de uma formação profissional na perspectiva da emancipação humana,
pensada como parte constitutiva de um projeto profissional que se define e redefine no
movimento contraditório da sociedade a partir de uma direção social estratégica; mas
também uma convocatória à “luta e resistência na defesa de uma educação referenciada
nas demandas das classes subalternas na perspectiva do fortalecimento das lutas sociais
emancipatórias [...] 9”(ABREU e LOPES, 2007: 13). Assim, conforme firmado na proposta
aprovada em Santiago do Chile, em 2006, para a criação da Asociación Latinoamericana
de Enseñanza e Investigación em Trabajo Social - ALAEITS, apesar do ambiente
“destructivo y de amenazas a la lucha social de los trabajadores, no haya
enfriado la Región. según Atilio Borón (2004), las perspectivas de cada uno
de los países del continente, están irremediablemente vinculados a las
perspectivas de los otros. Evidentemente, esta es la señal que conduce a
la articulación y a la organización de todos los segmentos de la sociedad
que se oponen a la historia de las “venas abiertas”, dominación y
subordinación de América Latina, y se disponen a la resistencia en la ardua
tarea de construcción de una alternativa. En este sentido, la lucha social
mantiene vigencia histórica y hace de la organización política de la
resistencia una necesidad. Se impone la prioridad de la articulación
académico-política del Servicio Social en América Latina, vinculándose al
movimiento internacionalista de organización de las luchas emancipatorias.
Daí deriva a necessidade estratégica de fortalecimento do processo de articulação
acadêmico-político do Serviço Social em nível interno de cada país, orientado sempre por
uma perspectiva internacionalista que articule o Serviço Social no continente e no mundo.
Nesta direção a ALAEITS poderá exercer um papel fundamental.
9
Deve ser ressaltada a posição política encaminhada pelas entidades ABEPSS, CFESS e ENESSO contra a criação de
cursos seqüenciais, a garantia das 3000 horas para integralização do curso contra a proposta do MEC de baixar a carga
horária integral do curso para 2600 horas; a influência da ABEPSS através da Comissão de Assessores da Avaliação da área
do Serviço Social na definição dos critérios de avaliação do desempenho estudantil (ENADE) e das condições de ensino,
fundados nos conteúdos estabelecidos pelas diretrizes curriculares sob a orientação do projeto ético-político alternativo do
Serviço Social e a posição contra ao ensino de graduação à distância.
9
Referências
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pedagógicos da prática profissional. São Paulo, Cortez Editora, 2002
ABREU, Marina Maciel e LOPES, Josefa Batista Lopes. Formação Profissional e
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ABRAMIDES, Maria Beatriz Costa. Desafios do projeto Profissional de ruptura com o
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Paulo, Cortez Editora, 2007
ABRAMIDES, Maria Beatriz Costa e CABRAL, Maria do Socorro Reis. O Novo
Sindicalismo e o Serviço Social. São Paulo, Cortez, 1995.
CASTRO, Manoel Manrique. História do Serviço Social na América Latina. São Paulo,
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GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da América Latina. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
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nacional
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Estudos
Avançados. vol.2 nº.1, São Paulo Jan./Mar. 1998
LOPES, Josefa Batista. O SERVIÇO SOCIAL NA AMÉRICA LATINA: nas malhas da
modernização e do projeto alternativo de sociedade. Tese de doutorado
defendida na PUC/SP em 1998
____. História da Organização político-acadêmica do Serviço Social na América Latina:
significado e perspectiva. In REVISTA TEMPORALIS Nº 7. Articulação Latinoamericana e Formação Profissional. ABEPSS, 2003
NETTO, José Paulo. Reconceituação do Serviço Social 40 anos depois. Serviço Social
& Sociedade nº 84, Ano XXVI São Paulo, Cortez Editora, 2005.
PROPUESTA
APROBADA
PARA
LA
ARTICULACIÓN
LATINOAMERICANA
DE
SERVICIO SOCIAL, ALAEITS, Santiago, Chile, 2006
VV.AA. REVISTA TEMPORALIS Nº 7. Articulação Latino-americana e Formação
Profissional. ABEPSS, 2003
10
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