Siráj (A Gaivota)

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Siráj (A Gaivota)
de Anton Tchékhov
TEATRO 13, 14 E 15 DE JANEIRO
21h30 · Palco do Grande Auditório · Duração 3h15 com intervalo · Falado em húngaro com tradução simultânea
Um espectáculo do Teatro Krétakör
Tradução húngara Géza Morcsányi Dramaturgista Anna Veress Cenografia Márton Ágh, Tamás Bányai Assistente de
encenação Péter Tóth Director de produção Máté Gáspár Equipa técnica András Éltető, Erika Marton Tradução do
húngaro para português/Tradução simultânea Györgyi Bada Encenação Árpád Schilling
Irina Nikolaevna Arkadina, uma actriz Eszter Csákányi Piotr Nikolaevitch Sorin, seu irmão József Gyabronka Konstantin Gravilovitch Treplev, seu filho Zsolt Nagy Nina Zaretchnaya, uma rapariga Annamária Láng Boris Trigorin, um
escritor Tilo Werner Ievgueni Sergueevitch Dorn, um médico Sándor Terhes Shamraev, feitor Péter Scherer Polina Andreevna, sua segunda mulher Borbála Péterfy Masha, sua filha Lilla Sárosdi Medvedenko, um professor László Katona
O espectáculo estreou a 23 de Outubro de 2003 no Fészek Klub Kupolaterem, em Budapeste. Ganhou cinco prémios
no festival anual de teatro húngaro POSZT, incluindo o de melhor espectáculo e o prémio do público. Esteve
recentemente no Festival Nitra (Eslováquia), Belfast, várias cidades holandesas, Riga (Letónia) e Rússia. Depois de
Lisboa, será apresentado na MC93 Bobigny em Paris.
Em paralelo:
Dia 15 de Janeiro · sábado · 18h00
Tchékhov, por que ponta lhe pegar: conversa com Árpád Schilling e Mónica Calle
© Bence Kovács
A Gaivota
do Teatro Krétakör
Quando começámos a trabalhar na Gaivota
de Tchékhov, depois das primeiras ondas de
entusiasmo e alegria — toda a gente sabia
de antemão, mas foi à mesma uma aventura
perceber como é uma peça perfeita — levantou-se uma série de questões e dúvidas.
Os ensaios de análise duraram um mês,
enquanto, por falta de espaço, discutíamos
a peça no apartamento do encenador.
Tivemos discussões extremadas sobre o
significado de certas frases ou cenas; sobre
as características e intenções das personagens; sobre o que Anton Pavlovitch poderia
ter pensado aqui ou ali; e que mensagens
a peça nos transmite. Era uma questão de
grande importância revelar aqueles elementos da peça que agora, cem anos depois,
têm o mesmo sentido para nós do que para
os contemporâneos de Tchékhov.
O espectáculo foi preparado em três etapas: a característica principal do método de
trabalho do Teatro Krétakör, um retiro de
dez dias, seguiu-se aos ensaios de análise.
Desta vez recolhemo-nos numa casa
de madeira nas florestas das montanhas
Harghita na Transilvânia. Vivendo juntos
e experimentando um trabalho intensivo,
tentámos captar a essência das cenas e das
personagens através da improvisação. A
imersão colectiva na peça esboçou sem ambiguidades a nossa direcção: à medida que
o tempo passava, as soluções formais tornaram-se cada vez mais claras, virámo-nos
para menos meios e começámos a confiar
apenas no texto de Tchékhov. Depois, na
sala da cúpula do Fészek Klub — a escolha do
espaço resultou em parte de uma limitação,
mas acabou por revelar-se produtiva — começámos os ensaios de palco, baseados já
na versão final do texto e no conceito do encenador. O nosso objectivo era apresentar A
Gaivota como uma história contemporânea
de pessoas contemporâneas. Por isso tentámos fazer uma selecção e substituir os
elementos que estavam por um lado muito
fortemente ligados ao tempo de Tchékhov
ou que, por outro lado, contradissessem as
situações e pessoas do nosso espectáculo.
Tínhamos a sensação de nos aproximarmos gradualmente do núcleo da peça em
cada etapa. Encontrámos respostas para
muitas das perguntas, enquanto que outros
problemas ficaram por resolver como matéria para o espectador pensar.
É difícil resumir as discussões que tivemos durante o processo de ensaios; ainda
assim, gostaria de mencionar alguns dos
pontos em volta dos quais mais debatemos
durante a preparação do espectáculo, e que
esperamos os espectadores tomem também em consideração.
Um dos temas centrais da Gaivota é o
problema de se ser ou não talentoso e a questão do sucesso e falhanço artísticos. Todos
os estudiosos de Tchékhov dão uma interpretação diferente do talento de Treplev, e
trata-se sempre de saber quão dotados são
Treplev e Nina — talvez ele pudesse ter sido
um grande escritor se sobrevivesse. A sua
revolta contra os clichés e rotinas da arte é
sem dúvida justificada, mas em que base se
apoia este tumulto? Era Treplev realmente
um inovador artístico por cumprir ou teria
a sua revolta origem apenas no desencanto
provocado pela amargura da mãe e pelos
ciúmes contra Trigorin? Há realmente “alguma coisa de especial” na sua peça que
fracassa no I Acto, como diz o Doutor Dorn,
ou tem Arkadina razão quando lhe chama
“balelas”? Treplev exige “formas novas”;
mas existirão agora, no início do séc. XXI,
formas novas da arte teatral que ainda não
tenham sido vistas algures? Era óbvio aquilo
contra o que a peça se revoltava quando foi
escrita, a sociedade e cultura fortemente
repressivas da altura deram-lhe uma resposta — mas em que é que consiste o “velho”
contra o qual nos revoltamos?
E quem é Nina? É uma “jovem camponesa” inocente, a quem a fama deu a volta à cabeça, indo-se abaixo quando a realidade lhe
contradiz os sonhos? Ou trata-se de uma
carreirista astuta, que quer chegar ao topo
com a ajuda do famoso escritor? Será um
talento ambicioso que merece uma vida melhor, destruído por um homem fraco e irresponsável (“passa, olha para ela, e como não
tem mais nada que fazer, destrói-a”)? No
final da peça, depois de experimentar uma
tragédia na vida privada, regressa como actriz de província — entrou em depressão?
Está desequilibrada? Seguiu realmente a
sua vocação, como afirma? Ou trata-se antes do mesmo jogo, a mesma vida de mentira como o seu amor por Trigorin?
As questões relativas a Arkadina e
Trigorin, os dois artistas instalados que ocupam o outro pólo do conflito de gerações,
são ligeiramente diferentes. Não sabemos
se Arkadina é realmente uma grande artista, mas é sem dúvida uma actriz famosa e
somos também capazes de ver a sua vaidade, o seu egoísmo. No seu caso a questão é
a de saber se está apenas a jogar um jogo.
Quando e até que ponto está a ser honesta?
Tem razão quando se envolve em confrontos ideológicos e emocionais com o filho,
quais são as suas intenções relativamente
a ele? Está a tentar encontrar um equilíbrio
delicado na relação com o filho ou está apenas a ser dominadora com Trigorin?
E Trigorin, que se auto-caracteriza como
um “homem lânguido, mole”, está apenas
a tentar levar uma vida confortável ou é um
artista cheio de vocação, que submete a vida
privada à criação? Aqui tenho de referir que
no nosso espectáculo o papel de Trigorin é
desempenhado por um actor alemão, Tilo
Werner. Tilo Werner está a trabalhar com o
Krétakör pela segunda vez (também participou no espectáculo Pátria). Apercebemo-nos
de que se adequa perfeitamente à personagem de Trigorin: o famoso escritor chega à
província não da capital mas do estrangeiro.
A personagem de Sorin — Piotr
Nikolaevitch, o tio Piotr — também levanta uma série de questões. Qual é de facto
o seu problema? Está realmente doente?
Estará até a morrer durante o espectáculo
(como acontecia durante o período de ensaios numa das versões)? Ou está simplesmente a ficar doente porque é incapaz de
agir e decidir? A razão do seu problema será
o facto de nunca na vida ter feito algo de
útil? Segundo o texto original, Sorin era um
presidente judicial, quase um conselheiro de
estado, mas, como estas noções têm para
nós e provavelmente também para o espectador contemporâneo um sentido algo
obscuro, substituímo-las por uma profissão
com que o público de hoje estivesse mais familiarizado. Assim, na nossa interpretação,
tornou-se presidente do comité cultural.
O Doutor Dorn, adversário e parceiro de
discussões permanente de Sorin, também
é uma personagem misteriosa. É talvez a
única pessoa que não deseja alcançar nada
— estará acima de todos? É um espectador
sábio capaz de compreender os acontecimentos circundantes de uma perspectiva
filosófica? Ou, pelo contrário, é uma pessoa
fria e sem sentimentos, que não os aceita
por causa do conforto? Não reage às palavras suplicantes de Masha porque sabe que
não a pode ajudar? Ou isto acontece porque
se recusa a tratar dos problemas dos outros? Está apenas a condenar Masha como
faz com todos os outros?
Terá Polina razões para ter ciúmes?
Estará mesmo loucamente apaixonada pelo
médico ou simplesmente não ama o seu marido? Porque é que interfere no problema de
Masha no IV Acto? Tem pena da rapariga ou
só quer passar o tempo? No espectáculo alterámos ligeiramente o papel de Polina: tornou-se madrasta de Masha, em vez da mãe
original; a mudança fez-se devido à pequena
diferença de idades entre as duas actrizes.
De acordo com algumas interpretações,
Masha é a “heroína secreta” da peça. Está
sempre em cena, todos os actos começam
com ela; adora Treplev, mas o que é que ela
pensa dos outros participantes da história? Está zangada com eles? Despreza-os?
Considera-se superior aos demais? Bebe
por causa da sua timidez? Acha realmente
que pode abafar o seu amor por Kostia ao
casar com Medvedenko?
Tchékhov apagou grande parte do texto
de Medvedenko na versão final de modo a
evitar que se tornasse uma caricatura em
palco (estes textos sobreviveram no exemplar do censor). Reinserimos algumas das
suas frases quezilentas, esperando no entanto não ter falseado o conceito de Anton
Pavlovitch.
E temos finalmente Shamraev, o feitor.
Sendo um homem prático, lisonjeia Arkadina
por respeito pelas artes? Ou despreza furtivamente todo o grupo de intelectuais? Sabe
que a sua mulher tem um caso com o médico? Tem ciúmes ou é indolente?
Estivemos a discutir abundantemente
questões como estas ligadas às características, sentimentos, intenções das personagens; as relações que têm entre si, como
estas relações mudam, se transformam e
desenvolvem durante o espectáculo. A peça
de Tchékhov apresenta de forma incrivelmente subtil e precisa a complicada rede
das relações humanas e emocionais das personagens. No entanto, esta é apenas uma
camada do significado da peça.
A outra, um tópico igualmente importante, prende-se com o teatro e a sua produção.
À medida que mergulhávamos na obra, surgiu uma estranha sensação. Ficámos com a
impressão de que Tchékhov tem andado a jogar um jogo espantosamente refinado e astucioso com o público e connosco. Começa
este drama onde toda a gente desempenha
um papel ao pôr num palco um palco sem
cenário a não ser o lago e o nascer da lua,
sabendo no entanto perfeitamente que isto
será apresentado num teatro onde não há
lago nem lua, mas cenário. “Põem-me fora
de mim estes fósseis que representam num
quarto de três paredes a maneira como as
pessoas comem, amam e vestem o casaco” — diz no início da peça um actor que
na maior parte do tempo representa num
quarto de três paredes a maneira como
Kostia Treplev come, ama e veste o casaco.
O Treplev de Tchékhov, recusando a falsidade deste teatro, quer um teatro onde a vida
seja “como a vemos nos nossos sonhos”
— no entanto Tchékhov não escreveu um
teatro onírico e surrealista, mas sim peças
para serem representadas em quartos de
três paredes. No seu tempo, A Gaivota de
Tchékhov e de Stanislavski foi um ponto de
começo numa revolução teatral que determina ainda hoje a nossa noção de teatro. A
verdade de Tchékhov, o teatro de Tchékhov
ainda é uma arte viva e válida — durante os
ensaios e discussões sobre a peça provou-se novamente que isto era verdadeiro. É tão
difícil a revolta contra isto como encontrar
uma forma realmente nova, que não tenha
existido antes. Assim tirámos a conclusão
que Kostia Treplev tira no final da peça: não
importa se a forma é nova ou velha, a única
coisa que importa é que venha livremente
da alma.
Por último mas não menos importante temos de explicar o título da peça — A Gaivota
está escrita em húngaro com um erro ortográfico [“siráj” em vez de “sirály”]. Para nós
a peça de Tchékhov é uma obra de arte rica
e inultrapassável, cheia de mistérios, com
um número incontável de interpretações,
e em cada época, cada situação histórica
houve coisas diferentes consideradas mais
importantes do que outras, coisas diferentes foram sublinhadas. Assim, julgámos que
o nosso espectáculo, por mais que procuremos a perfeição, não pode ser “a” Gaivota,
mas apenas uma versão do original, pode
apenas dar uma ideia sobre a profundidade
e abundância da peça. Assinalámos isto fazendo um pequeno erro no título.
Tchékhov: breve cronologia
1860 Anton Pavlovitch Tchékhov nasce a 17 de Janeiro
na cidade portuária de Taganrog, junto ao Mar
Negro, terceiro de seis filhos de Ievguenia e
Pavel, merceeiro. O avô paterno era um servo
que comprou a sua liberdade.
1868 Entra para a escola.
1875 Falência do negócio do pai, que parte para Moscovo à procura de trabalho, deixando a mulher
com Anton e os filhos mais novos.
1876 A família é despejada e a mãe vai ter com o
marido a Moscovo. Só Anton fica em Taganrog,
para completar os estudos.
1877 O pai arranja trabalho num armazém de roupas.
Primeira visita de Tchékhov a Moscovo.
1878 Escreve Platonov, peça não publicada nem
produzida durante a sua vida.
1879 Junta-se à família em Moscovo e inscreve-se na
faculdade para estudar medicina.
1880 Começa a colaborar em jornais humorísticos
de Moscovo e São Petersburgo para sustentar a
família.
1884 Começa a praticar medicina. Primeiros sintomas
de tuberculose.
1885 Inicia a publicação de contos em jornais sérios,
primeiro ainda sob pseudónimo, depois com
o nome verdadeiro no jornal do conservador
Suvorin.
1887 Estreia da peça em quatro actos Ivanov no
Teatro Korsh em Moscovo.
1888 Recebe o prémio Puchkin por uma colecção de
contos publicada no ano anterior.
1888-1890 Escreve quatro farsas em um acto.
1889 Ivanov é apresentado com grande sucesso
no Teatro Alexandrinski de São Petersburgo.
Morte de Nicolai, um dos irmãos mais velhos, de
tuberculose.
1890 Em Abril parte em viagem pela Sibéria para
visitar e fazer um relatório sobre a colónia penal
da ilha de Sacalina. Entrevista toda a população
de prisioneiros e exilados.
1891 Escreve o conto “O Duelo”.
1892 Muda-se com a família para a casa de campo em
Melikhovo, perto de Moscovo. Escreve os contos
“Vizinhos” e “Enfermaria Número Seis”.
1894 Escreve “O Monge Negro”.
1895 Entre Outubro e Novembro, escreve A Gaivota.
1896 Estreia da Gaivota a 17 de Outubro no Teatro
Alexandrinski de São Petersburgo. Só sobrevive
a cinco representações depois de uma estreia
desastrosa.
1897 Revê uma peça anterior, O Selvagem, que dará
origem ao Tio Vânia. Hemorragias pulmonares.
Reconhece finalmente que tem tuberculose.
1898 Em Nice, toma o partido de Zola no caso Dreyfus
e por isso Suvorin corta relações com ele. É
contactado por Nemirovitch-Dantchenko, que
quer A Gaivota na primeira temporada do Teatro
de Arte de Moscovo. É apresentado aos actores
da companhia, entre os quais Olga Knipper. A
17 de Dezembro A Gaivota é apresentada com
sucesso pelo Teatro de Arte, com encenação de
Stanislavski. Amizade com Gorki.
1899 Compra e muda-se para uma nova propriedade
em Ialta, na Crimeia. É eleito para a Academia
das Ciências. Em Outubro, Tio Vânia é montado
com sucesso pelo Teatro de Arte de Moscovo,
depois de ser recusada pelo Teatro Mali. Escreve
o conto “A Senhora do Cãozinho”.
1900 Escreve as Três Irmãs e o conto “Na Ravina”.
1901 Em Janeiro, produção das Três Irmãs, recebida
com críticas fracas. Publicados dez volumes
das suas obras completas. Em Maio casa com a
actriz Olga Knipper.
1902 Demite-se da Academia das Ciências em protesto contra a expulsão de Gorki. Escreve O Cerejal
e o conto “A Noiva”.
1904 Em Janeiro, estreia do Cerejal pelo Teatro de
Arte, um sucesso imediato. Em Maio, parte a
ordens do seu médico para as termas de Badenweiler na Alemanha. No final de Junho sofre
dois ataques de coração. Morre a 2 de Julho.
As duas primeiras produções d’A Gaivota
1896 – a estreia no Teatro Alexandrinski,
São Petersburgo
Houve apenas alguns ensaios antes da representação. Ninguém percebia a peça a
não ser Comissarevskaya, uma das personalidades mais destacadas do teatro russo,
que fazia de Nina e recebeu o texto quatro
dias (!) antes da estreia. Os actores não tinham decorado os papéis...
Na noite de 17 de Outubro de 1896, antes
da estreia, o caos atingiu o cúmulo. Todos estavam perplexos, a atmosfera era tudo menos alegre. O público (atraído ao teatro pela
peça em homenagem à actriz favorita de
S. Petersburgo) esperou pacientemente no
início. Mas quando o famoso monólogo da
peça-dentro-da-peça começou — “Os homens e as mulheres, os leões, as águias e as
perdizes, os veados, os gansos, as aranhas,
os mudos peixes que vivem no mar” — as
palavras entusiásticas da Comissarevskaya
foram interrompidas por algumas risadinhas
tolas. Como que pegando na deixa, todo o
público começou a assobiar, a rir e a patear.
A voz da actriz mal se ouvia no pandemónio geral... O espectáculo tornou-se um
escândalo; mesmo pessoas experientes do
meio literário como Suvorin concordaram
que nunca tinham visto um horror tal.
O autor tinha entretanto desaparecido.
Depois do espectáculo andaram desesperadamente à sua procura, mas não estava em
parte alguma. Partiu no primeiro comboio
para Melikhovo. Quando a sua irmã chegou
a casa, em vez de a cumprimentar, disse-lhe
para nem sequer mencionar a peça. O seu
diário preservou apenas algumas frases
com a data de 17 de Outubro: “A minha
peça, A Gaivota, foi hoje apresentada no
teatro Alexandrinski. Não foi um sucesso.”
(...) Os críticos nunca estragaram Tchékhov
com mimos. No entanto, o que teve de suportar a 17 de Outubro e nos dias seguintes
não era comparável a nada do que se passara antes. Aqui está um exemplo típico
entre muitos, escrito por um crítico literário importante (tirando isto): “Não sei, não
me lembro quando é que o Sr. Tchékhov se
transformou num grande talento, mas para
mim é indubitavelmente verdade que foi
um erro elevá-lo a este patamar literário...
A sua peça chamada Gaivota dá primeiro
que tudo a impressão do desconforto de
um escritor, da inércia literária de um sapo
inchando-se a si próprio. Sente-se que o
autor tem vontade de dizer alguma coisa
— exactamente o quê, ele próprio não o
sabe — mas é incapaz de alcançar o seu
objectivo. E todos os esforços, todas as
tensões desta arte minúscula parecem ser
patologicamente lastimáveis...” Dezenas
de jornais publicaram críticas neste estilo.
(...) Houve apenas um crítico que se espantou com esta atitude: “Quem e de que maneiras pode Tchékhov atingir, quem pode
insultar, quem está ele a entravar para merecer esta malevolência? Será possível que
capacidades e popularidade sejam razões
suficientes para a evocar?”
A segunda representação — a versão
melhorada da peça, apresentada a um
público diferente, com papéis finalmente
memorizados — foi recebida com um bem
merecido sucesso. Comissarevskaya pôde
enviar o telegrama feliz nos primeiros
minutos depois do espectáculo: “Anton
Pavlovitch, meu querido, ganhámos!” O sucesso veio tarde demais, desta vez o espectáculo não atraiu atenções e a peça saiu do
programa depois da quinta representação.
Tchékhov escreveu em Dezembro a
Suvorin: “Nos últimos tempos acalmei-me,
o meu estado de espírito é o do costume,
mas não consigo esquecer o que aconteceu
— como não conseguiria esquecer uma bofetada, por exemplo...”
Ágnes Gereben, Csehov világa (O Mundo de
Tchékhov), Budapeste, Editora Európa, 1980
“A Gaivota é uma grande porcaria, não vale
nada; está escrita como se tivesse sido
Ibsen a escrevê-la.” – Tolstoi
Nota no diário de Suvorin, 11 de Fevereiro de 1897
1898 – a segunda montagem no Teatro
de Arte de Moscovo, encenada por
Stanislavski
Arkadina – Olga Knipper (mais tarde mulher de Tchékhov)
Treplev – Vsevolod Meyerhold
Nina – Roxanova
Trigorin – Constantin Stanislavski
Masha – Maria Lilina (mulher de Stanislavski)
A Gaivota tinha falhado na estreia. Muitos
procuravam as razões para isto. O elenco
do teatro Alexandrinski era de facto impressionante, mesmo a grande actriz da altura,
Comissarevskaya, desempenhara um papel.
E não foi só a estreia a falhar, os espectáculos seguintes falharam também. Tchékhov,
que tinha há muito deixado São Petersburgo
e podia ler o encorajamento entusiástico e
portanto demasiado duvidoso nas cartas
dos amigos, estava perfeitamente a par da
situação. Os críticos de teatro culpavam-no
acima de tudo a ele e à sua peça, não o teatro, a encenação ou os actores.
A maior parte dos críticos julgou que a
peça tinha falhado porque era um drama
fraco. É impossível perceber pelas críticas
contemporâneas a verdadeira razão do falhanço, o único documento que nos pode
dar algumas pistas é o caderno do encenador Evtikhi Karpov encontrado muitos anos
depois. Aparentemente não percebeu bem
a peça.
Segundo as suas notas, a interpretação de Karpov — e portanto também a sua
apresentação — concentrava-se no melodrama de Nina Zaretchnaya. Afirma: “Nina,
de coração despedaçado, fica sozinha de pé
e enfrenta orgulhosa todas as outras personagens, pessoas egoístas e mesquinhas.”
(É duvidoso que seja interpretação da actriz, sabendo que só recebeu o papel quatro
dias antes do espectáculo.)
Dois
anos
depois
Nemirovitch-Dantchenko apaixonou-se pela peça e convenceu Stanislavski a fazer o espectáculo.
Na altura, Stanislavski não gostou nem percebeu a peça. Era Verão, retirou-se para a
propriedade do irmão e escreveu a encenação da Gaivota, operando assim a reforma
do teatro russo. Começou a gostar e a perceber o texto enquanto escrevia sobre ele.
O texto da encenação foi publicado
inicialmente em 1938, quarenta anos depois da estreia (mais tarde, em 1981, foi
republicado numa edição de seis volumes
que reunia outros textos de encenação).
Na introdução, Stanislavski considerou
importante distanciar-se em certa medida
desse seu trabalho anterior, já que as suas
ideias tinham mudado muito entretanto.
Aquele era o método de um déspota, com
quem estava agora desavindo, como afirmou; no entanto, três décadas depois da
Gaivota, escreveu no mesmo estilo a encenação de Otelo (publicada em 1945). Como
atenuante deve mencionar-se que estava
na altura em Nice e dirigiu os ensaios a partir de lá, e é por isso que se justificava um
texto de encenação tão preciso.
Stanislavski chamava ao texto de encenação cuidadosamente escrito uma partitura, a
música visível e audível da peça. Tudo o que
acontecia em palco estava ali. No entanto,
faltava uma coisa que não podia ser incluída:
se o espectáculo fosse feito de acordo com
estas instruções seria um sucesso. E foi um
sucesso. Stanislavski não proclamava as
ideias de uma nova criação teatral enquanto
“escrevia” a Gaivota, não estava ainda a prever as reformas, mas fê-la, escreveu-a, encenou-a (e também a representou). As inovações podiam de facto ler-se nesse texto. A
data da estreia foi 17 de Dezembro de 1898.
Parte das inovações tornou-se entretanto rotineira, ficou gasta. As instruções
para o cenário, sons, ruídos, movimentos
e actores demonstram a ideia de que este
teatro se deveria basear no ser e na vida,
não num jogo. É a criação de um segundo
realismo. É o próprio realismo. Desde então,
este realismo permanece no teatro como
uma espécie de doença (ou virtude?). (...)
Um ponto importante da reforma de
Stanislavski era o espaço, o cenário e a pintura de cena. Ele quis liquidar o palco vazio,
o proscénio. Quis criar um espaço como
na vida (uma segunda realidade), que estava atulhado com uma série de coisas em
desordem, tanto nos primeiros dois actos
(que têm lugar “ao ar livre”) como nos últimos dois (“a casa”).
(...) Stanislavski construiu por conseguinte e de forma ostensiva uma quarta
parede com essas muitas coisas que estavam no primeiro plano do palco. Sentou os
seus actores num longo banco qual quarta
parede, virado de costas para o público.
Era assim que assistiam à peça de Treplev.
(Stanislavski foi de tal maneira bem sucedido na construção desta quarta parede
que desde então toda a gente a quer demolir, juntamente com as outras três.) (...)
Olga Leonardovna Knipper (que se tornou mulher de Tchékhov em 1901) fazia o
papel de Arkadina. Escreveu que as características importantes da Gaivota não eram
o cenário nem os figurinos mas apenas os
actores. Meyerhold fez de Treplev. Mais
tarde, quando abandonou o Teatro de Arte
(e se tornou seu opositor), escreveu que
o sucesso da Gaivota se devia à representação dos actores, não à encenação de
Stanislavski.
Knipper e Meyerhold representaram
muito bem. Tchékhov também gostou deles. Tchékhov quis tirar o papel de Nina a
Roxanova. A actriz deixaria em breve o teatro. Masha, desempenhada por Maria Lilina
(mulher de Stanislavski), era muito melhor
do que ela. Todos os críticos julgaram importante mencionar Masha. De acordo com
os críticos, a outra interpretação fraca na
peça era a de Trigorin, desempenhado por
Stanislavski. Não era o encenador mas sim
o actor que não convencia.
(...) Tchékhov fez grandes alterações
no papel de Medvedenko. Tinha muitos
receios quanto a esta personagem; apagou
todos os textos anteriores, até que na versão final Medvedenko quase não fala (mas
está presente). Tchékhov deve ter temido
que o facto de Medvedenko estar sempre a
falar de dinheiro deslizasse facilmente para
a caricatura. (...)
“Que tipo de pessoa é este escritor?” —
Sorin faz a pergunta no I Acto. Que tipo de
pessoa era então Trigorin? Stanislavski não
era um bom Trigorin. O próprio Tchékhov
não gostou dele. A sua figura apoiava-se
numa única característica: a fraqueza.
Era um Trigorin mole e extremamente
complacente, escreveu sobre ele Ephros.
Stanislavski desempenhou este papel durante sete anos; mudou-o em 1905.
Andrea Tompa, Száz éve és ma (Faz agora cem
anos), Színház, 2002, 2
© Ctibor Bachratý
O Teatro Krétakör
A palavra húngara “Krétakör” quer dizer “círculo de
giz”, por causa do Círculo de Giz Caucasiano de Brecht:
uma pequena área delimitada e escolhida no espaço,
onde acontecem coisas importantes e emocionantes,
onde surgem conflitos e se tomam decisões. Depois o
giz será levado pelas solas dos sapatos e lavado pela
chuva, portanto desenhamos outro círculo noutro lugar e esse passa a ser o nosso espaço escolhido, o
nosso teatro.
O Teatro Krétakör, fundado em 1995 por Árpád
Schilling, começou como formação ocasional de
uma mão-cheia de actores que produzia anualmente
um espectáculo independente. A comparação feita
acima alude ainda à situação actual da companhia,
já que, embora o Krétakör represente sobretudo em
Budapeste, não conseguimos encontrar um edifício na
capital com uma tabuleta à entrada a dizer “Krétakör
Színház”. A sede da companhia é sempre o teatro onde
representa. Trinta e cinco pessoas — catorze actores, encenador, artistas associados, pessoal técnico
e administrativo — criam e gerem os espectáculos.
Desde o início, os espectáculos do Krétakör e os seus
membros já receberam mais de 25 prémios diferentes
na Hungria e no estrangeiro.
Durante os últimos anos, o Krétakör tornou-se um
dos representantes mais conhecidos do teatro húngaro na Europa — em 2003 representámos em 28 cidades
de 11 países por todo o continente.
Krétakör
O Teatro Krétakör pretende desenvolver uma alternativa arrojada, unindo a energia e a coragem de
experimentar das companhias “alternativas” ao funcionamento permanente e seguro dos teatros estabelecidos.
Em cada um dos nossos espectáculos caminhamos numa via que nos leva a um fim desconhecido,
procuramos momentos imprevisíveis em que tudo
pode acontecer — a nós e ao nosso público. Não queremos pôr o público a sonhar mas conquistar novas
percepções em conjunto com ele, e atrevemo-nos a
ser desagradáveis, irritantes ou contraditórios para o
conseguir. Tentamos criar, através da busca e experimentação permanentes, a linguagem teatral autêntica para isto. Para nós, a presença intensa dos actores,
o texto, a imagem, a música ao vivo e o movimento
são igualmente importantes. Somos uma companhia
jovem mas não queremos fazer teatro apenas para a
nossa geração: representamos para todos os que estiverem disponíveis para um teatro vivo e do presente.
Árpád Schilling
© Bence Kovács
Espectáculos do Teatro Krétakör:
1995 A nagy játék (Grande Jogo), baseado no romance Les Enfants Terribles de Jean Cocteau
Teatro Godot – Ugyanakkor. Ugyanott. (Teatro
Godot – Mesma hora. Mesmo sítio.)
1996 Toronykút (Poço da Torre) baseado na peça
Delito al Isola Delle Capre de Ugo Betti
1997 Kicsi, avagy mi van, ha a tiszavirágnak rossz napja van?! (Pouco, ou o que acontece quando a
mosca de maio tem um dia mau?!)
1998 Baal de Bertolt Brecht
1999 Szerelem, vagy amit akartok (Amor ou o que vos
aprouver) de Attila Lőrinczy, baseado em Noite
de Reis de Shakespeare
2000 NEXXT? Frau Plastic Chicken Show de István
Tasnádi
2001 Liliom (O Lírio) de Ferenc Molnár
Megszállottak (Fanáticos), baseado em The
Crucible de Arthur Miller
W – Munkáscirkusz (W – Circo dos Trabalhadores)
baseado em Woyzeck de Georg Büchner
2002 Leonce és Léna (Leôncio e Lena) de Georg
Büchner
Hazámhazám (Pátria) de István Tasnádi e Árpád
Schilling
2003 A hideg gyermek (A Criança Fria) de Marius von
Mayenburg
Siráj (A Gaivota) de Tchékhov
2004 Mizantróp (O Misantropo) de Molière
Blackland, a partir de textos de István Tasnádi,
Anna Veress e improvisações
A Nibelung lakópark (Condomínio Nibelungo) de
János Térey, a partir de Wagner
2005 Kasimir és Karoline (Casimiro e Carolina) de
Ödön von Horváth
Os portadores de bilhete para o espectáculo
têm acesso ao Parque de Estacionamento da
Caixa Geral de Depósitos.
PRÓXIMO ESPECTÁCULO
MÚSICA 21 E 22 DE JANEIRO
19h00 · Grande Auditório · Entrada Gratuita
(Levantamento de senha de acesso, dentro dos lugares disponíveis. As senhas poderão ser levantadas na
bilheteira da Culturgest a partir do dia 17 de Janeiro)
Concertos de
Encerramento do
3º Workshop da
Orquestra Gulbenkian
para Jovens
Compositores
Com o presente workshop, o Serviço de Música da
Fundação Calouste Gulbenkian dá continuidade a uma
iniciativa pioneira, lançada com êxito em 2003, e que
trouxe um novo incremento à sua actividade de incentivo à criação musical.
As obras a apresentar nestes concertos, em 1ª
audição absoluta, foram seleccionadas de entre as
apresentadas por doze compositores com idades
até trinta e cinco anos. Tiveram consideração preferencial os compositores ainda sem experiência
orquestral ou em início de carreira. A selecção esteve
a cargo de uma comissão de leitura presidida por
Emmanuel Nunes.
Conselho de Administração
Presidente Manuel José Vaz
Vice-Presidente Miguel Lobo Antunes
Vogal Luís dos Santos Ferro
Assessores
Gil Mendo (Dança)
Francisco Frazão (Teatro)
Miguel Wandschneider (Arte Contemporânea)
Direcção Técnica
Eugénio Sena
Direcção de Produção
Margarida Mota
Audiovisuais
Américo Firmino
Paulo Abrantes
Produção e Secretariado
Patrícia Blazquez
Mariana Cardoso de Lemos
Tiago Rodrigues *
Exposições
António Sequeira Lopes (Produção e Montagem)
Paula Tavares dos Santos (Produção)
Susana Sameiro (Culturgest Porto)
Comunicação
Filipe Folhadela Moreira
Sílvia Sequeira *
Publicações
Marta Cardoso
Rosário Sousa Machado
Actividades Comerciais
Catarina Carmona
Serviços Administrativos e Financeiros
Cristina Ribeiro
Paulo Silva
* estagiário
Direcção de Cena e Luzes
Horácio Fernandes
Iluminação de Cena
Fernando Ricardo (Chefe)
Nuno Alves
Maquinaria de Cena
José Luís Pereira (Chefe)
Alcino Ferreira
Técnicos Auxiliares
Tiago Bernardo
Álvaro Coelho
Frente de Casa
Rute Moraes Bastos
Bilheteira
Manuela Fialho
Edgar Andrade
Recepção
Teresa Figueiredo
Sofia Fernandes
Auxiliar Administrativo
Nuno Cunha
Culturgest, uma casa do mundo.
Informações 21 790 51 55
Edifício Sede da CGD, Rua Arco do Cego, 1000-300 Lisboa
[email protected] • www.culturgest.pt
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