QUINTA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA APELAÇÃO CÍVEL Nº 0400402-96.2009.8.19.0001 7ª VARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL APELANTE: CAMILE FELIX LINHARES APELADO 1: ITAÚ UNIBANCO S.A APELADO 2: CAPEMISA SEGURADORA DE VIDA E PREVIDÊNCIA S/A APELADO 3: BANCO SANTANDER BRASIL S.A RELATOR: DES. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO APELAÇÃO CÍVEL. REVISÃO DE CLÁUSULAS DE CONTRATOS DE EMPRÉSTIMOS PESSOAIS. ALEGAÇÃO DE ANATOCISMO, JUROS EXCESSIVOS, COBRANÇA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA E DE MULTA SUPERIOR A 2%. LAUDO PERICIAL DEMONSTRANDO A OCORRÊNCIA DA PRÁTICA ABUSIVA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. COM O ADVENTO DA LEI 4.595/64, REVOGOU-SE A LEI DA USURA NA PARTE EM QUE LIMITAVA A TAXA DE JUROS NOS CONTRATOS CELEBRADOS POR INSTITUIÇOES FINANCEIRAS. A FALTA DE REGULAMENTAÇÃO DO §3º DO ARTIGO 192 DA CRFB E SUA POSTERIOR REVOGAÇÃO CONSOLIDAM O ENTENDIMENTO DE QUE A TAXA DE JUROS NAS OPERAÇÕES REALIZADAS COM INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS REGULA-SE CONFORME O MERCADO. ANATOCISMO. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.170/2000, CUJO ART.5º, QUE AUTORIZA A CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS, FOI DECLARADO INCONSTITUCIONAL PELO ÓRGÃO ESPECIAL DO TJRJ, COM EFEITO VINCULANTE PREVISTO NO ARTIGO 104 DE SEU REGIMENTO INTERNO. INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL INDENIZÁVEL. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO, NA FORMA DO ART. 557, §1º-A, DO CPC. DECISÃO Matéria de entendimento consolidado na jurisprudência deste Tribunal, suportando o proferimento de deliberação monocrática pelo relator, na forma do artigo 557 do Código de Processo Civil. Assinado por ANTONIO SALDANHA PALHEIRO:000009647 Data: 30/04/2013 19:49:38. Local: GAB. DES ANTONIO SALDANHA PALHEIRO Trata-se de ação de revisão c/c declaração de nulidade de cláusulas contratuais e indenizatória por danos materiais e morais, proposta por Camila Felix Linhares, contra Itaú Unibanco S.A, Capemisa seguradora de Vida e Previdência S.A e Banco Santander Brasil S.A, na qual sustenta possuir conta salário junto ao Banco Itaú, celebrando com os demais réus – Capemisa e Santander -, contratos de empréstimos com desconto direito em sua conta. Aduz, em síntese, a cobrança de juros sobre juros e comissão de permanência. Salienta ter contratado empréstimo junto ao Banco Itaú para a cobertura dos juros cobrados pela utilização do limite LIS. Assevera que os descontos em sua conta, se somados, perfazem montante superior a 30% de seus vencimentos, impossibilitando sua subsistência, uma vez que percebe mensalmente, sem os descontos, R$ 1.469,00. Requer a concessão da antecipação dos efeitos da tutela para que os descontos se limitem a 30% dos seus vencimentos, sendo 10% para cada um dos réus, com sua confirmação ao final, bem como a condenação dos réus no afastamento da cobrança de juros capitalizados, spread excessivo devendo ser cobrado na base de CDB + 20%, taxa de comissão de permanência, financiamentos encadeados e multa excedente a 2% sobre o saldo devedor. Por fim, requer a devolução em dobro ou a compensação dos valores indevidamente pagos, bem como a condenação os réus em indenização a título de danos morais. Decisão, às fls. 88/89, deferindo a antecipação dos efeitos da tutela para limitar em 10% os débitos de cada um dos réus na conta da autora. Contestação da Capemisa Seguradora de Vida e Previdência, às fls. 100/120, aduzindo a validade do contrato celebrado com a autora, ressaltando sua autorização quanto ao desconto direto, não merecendo prosperar qualquer limitação ao quantum. Assevera não merecer prosperar o pedido de revisão contratual, devendo prevalecer as taxas e juros pactuados quando da celebração do contrato. Afirma, ainda, a legalidade da utilização da tabela price, a inexistência de spread, bem como de cobrança de comissão de permanência. Contestação do Itaú Unibanco S.A, às fls. 187/215, arguindo, preliminarmente, a impossibilidade jurídica do pedido, diante da impossibilidade de revisão contratual, com renegociação da dívida, por determinação judicial. Assevera não ter a autora demonstrado a alegada capitalização de juros, salientando a sua possibilidade diante da MP nº 1.963-17, a inexistência de abusividade nos juros aplicados ao contrato, bem como a legalidade da cobrança de comissão de permanência. Contestação do Banco Santander Brasil S.A (fls. 221/249), arguindo as preliminares de falta de interesse de agir e inépcia da inicial. No mérito, sustenta a inexistência de qualquer ato ilícito praticado pelo banco réu, salientando que a quantia debitada referente ao empréstimo é inferior a 30% dos proventos da autora. Afirma a impossibilidade de limitação dos juros aplicados aos contratos, devendo prevalecer aquela pactuada no contrato sub judice. Assevera a inexistência de capitalização de juros, não tendo a autora comprovado suas alegações. Laudo pericial elaborado pelo expert do juízo, às fls. 599/617, entendendo: 1) pela capitalização de juros pela utilização do crédito disponibilizado na conta (cheque especial) com o Banco Itaú, bem como pela aplicação de taxas de juros divergentes da média de mercado disponibilizada pelo BACEN; 2) pela existência de capitalização de juros nos contratos de crédito celebrado com os réus, sendo os percentuais de juros aplicados de forma diferente do pactuado, pleiteado e da média do mercado; 3) a cobrança de comissão de permanência. Sentença prolatada, às fls. 655/659, pela improcedência dos pedidos autorais, ao fundamento de que os contratos sub judice foram livremente pactuados entre as partes, tendo a autora ciência de seus débitos, bem como das taxas de juros e encargos praticados pelas empresas. Por fim, diante da gratuidade de justiça, deixou de condenar em custas e de fixar honorários advocatícios. Da decisão proferida, insurge-se a autora (fls. 664/698), sustentando a existência de omissão na sentença, uma vez deixou de observar as conclusões do laudo pericial, que constatou as ilegalidades contratuais de juros capitalizados, spread excessivo, taxa de comissão de permanência, financiamentos encadeados e multa excedente a 2% sobre o saldo devedor. No mérito, repisa os argumentos de sua peça inaugural. Contrarrazões do Banco Itaú (fls. 701/722), da Capemisa Seguradora de Vida e Previdência S/A (fls. 724/741) e do Banco Santander (fls. 731/741), repisando suas teses de defesa e prestigiando o julgado. É, em síntese, o relatório. Passo a decidir, na forma do art. 557, §1º-A, do Código de Processo Civil. Enfrentando inicialmente a questão relativa ao débito, verificamos que os pontos controvertidos repousam na análise dos valores cobrados, que o autor alega que estariam maculados por juros convencionados além do limite legal e a incidência mensal de juros sobre juros (anatocismo), cobrança de comissão de permanência e multa excedente a 2%. Ab initio, não vislumbro qualquer questionamento quanto à incidência do Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8078/90 – nas relações entre os bancos e seus correntistas, por força de dispositivo legal expresso e literal –, que atribui às casas bancárias e demais instituições financeiras a condição de fornecedores de serviços. Ademais, o STF, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2591, reconheceu expressamente que os bancos estão sujeitos às regras do Código de Defesa do Consumidor na relação com seus clientes. É inquestionável que as partes firmaram os contratos de empréstimos, bem como a autora consentiu com os descontos automáticos relativos a tais empréstimos. No entanto, não se mostra aceitável que as rés retenham a quase integralidade dos depósitos realizados a título de salários na conta da autora, para amortização de débitos decorrentes dos referidos contratos. Este tribunal já concluiu, na apreciação de hipóteses idênticas, que o salário é meio de sobrevivência, não sendo possível que o cumprimento do contrato se realize em detrimento da subsistência da autora, em nítida afronta aos princípios do mínimo existencial e da dignidade da pessoa humana. Apesar de a autora ter autorizado o desconto automático em sua conta corrente, não se pode deixar de assinalar que a absorção da integralidade dos seus vencimentos compromete sua sobrevivência, o que impõe uma solução que tem por objetivo preservar o contrato celebrado, e, ao mesmo tempo, garantir mínimo existencial da autora. Para que se preserve o contrato celebrado e se garanta a sobrevivência da autora, faz-se necessária a estipulação de uma margem consignável, a ser determinada à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, impondo que os réus limitemse a descontar 10% relativo as parcelas do financiamento, perfazendo o montante de 30% de seus rendimentos mensais. Passemos a sopesar a questão dos juros cobrados. Compulsando-se o caderno processual, verifica-se que foi elaborado laudo pericial pelo expert do juízo (fls. 599/617), cumprindo trazer à baila relevantes trechos, in verbis: “V – Conclusão: Para a solução da res in iudicium deducta, o MM. Juízo deferiu a realização de prova pericial contábil, que ao final de seus trabalhos, conclui: 1. A Autora possui uma conta-corrente junto ao 1º Réu (número 03706-6, agência 5622), cujos extratos apresentados abarcam o período de maio de 2008 a novembro de 2010; 2. Os juros cobrados pela utilização do crédito disponibilizados na conta (cheque especial) totalizaram R$ 1.017,62; 3. Nesta operação houve a capitalização de juros, pois estes eram incorporados à base de cálculo (média do saldo devedor) dos juros subsequentes; 4. O montante capitalizado no período foi de R$ 281,19; 5. As taxas de juros aplicadas oscilaram entre 1,04% e 14,98% ao mês, divergentes do percentual pleiteado pela autora (CDB + 20%) e da média de mercado disponibilizada pelo Bacen, conforme gráfico abaixo:; 6. Mútuo nº32000003720 – Cedente: Santander Mútuo nº 1420171-9 – Cedente: Capemisa Confissão de Dívida – Cedente: Itaú Aditamento 08749952-1 – Cedente: Itaú Aditamento 30921318-9 – Cedente: Itaú 7. Os pagamentos efetuados pela autora perfizeram R$ 10.985,09, conforme descrição abaixo: Contrato de Mútuo nº 320000037220: R$ 4.273,29; Contrato de Mútuo nº 1420171-9: R$ 5.778,08; Contrato de Confissão de Dívida: R$ 75,02; Contrato de Aditamento nº 08749952-1: R$ 376,14; Contrato de Aditamento nº 30921318-9: R$ 482,56; 8. Os encargos moratórios totalizaram R$ 27,20; 9. Em novembro de 2009, a Demandante recebia uma remuneração bruta de R$ 2.000,00, do qual 47,12% eram utilizados para adimplir as parcelas dos empréstimos sob lide; 10. Nesta modalidade houve capitalização de juros, pois aqueles cobrados no período de carência (entre a data da operação e um mês antes do primeiro vencimento) foram integrados à base de cálculo (saldo devedor) dos juros subsequentes; 11. Os percentuais de juros utilizados pelos Réus foram divergentes daqueles pactuados, pleiteados e da média de mercado disponibilizada pelo Bacen;” Com relação à taxa de juros, não existe ilegalidade para os percentuais convencionados, uma vez que, tratando-se de instituição financeira, não ficaria adstrita ao limite constitucional do artigo 192, §3º da Constituição da República Federativa do Brasil, mesmo antes de sua supressão. Neste sentido, apontamos reiterada manifestação do Pretório Supremo Tribunal Federal, consolidada no enunciado nº 596 da súmula daquela Corte, que estabelece, in textus: “As disposições do Decreto nº 22626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobradas nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional”. Por outro lado, as normas do Código de Defesa do Consumidor impedem que as instituições financeiras cobrem juros de maneira abusiva e ilimitada, sendo certo que as taxas médias de mercado estipulada pelo Banco Central devem ser observadas no momento da cobrança. Conforme disposto no artigo 51, IV, da Lei 8.078/90, o princípio da autonomia de vontade não autoriza a previsão de cláusulas contratuais abusivas e que estabeleçam obrigações demasiadamente onerosas ao consumidor, permitindo a sua modificação ou revisão, nos moldes do artigo 6°, V, do diploma consumerista. vi: Nesse sentido, manifestou-se o Excelso Superior Tribunal de Justiça, ex “AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE. LIMITAÇÃO DOS JUROS. AFASTAMENTO. CDC. INAPLICABILIDADE. LEI Nº 4.595/64. LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA. ABUSIVIDADE. MATÉRIA DE PROVA. I - Os juros pactuados em limite superior a 12% ao ano somente são considerados abusivos quando comprovado nos autos que discrepantes em relação à taxa de mercado. Assim, embora incidente o Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários, no que se refere à taxa de juros, preponderam a Lei 4.595/64 e a Súmula 596/STF. II – A prova da excessividade do lucro obtido com a intermediação financeira decorre da análise comparativa entre a taxa de juros cobrada pelo banco com quem o mutuário contratou e a média das taxas praticadas em operações similares pelas demais instituições que integram o Sistema Financeiro Nacional. A solução dessas questões dependerá das peculiaridades de cada caso concreto, dada a necessidade de produção de prova, estando sua discussão, portanto, afeta às instâncias ordinárias. Agravo a que se nega provimento.” (AgRg nos Edcl no Ag 458881/RS, Terceira Turma, Ministro Castro Filho, julgado em 23/09/2003). Na mesma esteira, manifestou-se o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, in verbis: “AÇÃO ORDINÁRIA - REVISÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO -INSTITUIÇÃO FINANCEIRA-ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DE JUROS EXTORSIVOS E CAPITALIZADOS - APLICAÇÃO DO CODECON SÚMULAS 596 E 121 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ARTIGO 4° DO DECRETO 22.626/33 - EMENDA CONSTITUCIONAL N° 40- JUROS PACTUADOS NO CONTRATO LAUDO - PERICIAL EXISTÊNCIA DE PROVA QUANTO À COBRANÇA DE JUROS CAPITALIZADOS - INCIDÊNCIA DA SÚMULA 296 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - TAXA MÉDIA - DE MERCADO ESTIPULADA .PELO. BANCO CENTRAL DO BRASIL, LIMITADA AO PERCENTUAL - CONTRATADO UTILIZAÇÃO DA TAXA, REF. POSSIBILIDADE REFORMADA SENTENÇA Provimento parcial do apelo, para, tão somente, declarar a nulidade dos lançamentos e critérios de cobrança com a contagem de juros capitalizados, a fim de que os juros remuneratórios sejam devidos à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado, cujo quantum será apurado em liquidação de sentença, mantida, no mais, a sentença monocrática. Sucumbência recíproca, determinando-se o rateio das custas e a compensação dos honorários advocatícios.” (Apelação Cível 2005.001.22847, Décima Quarta Câmara Cível, Rel. Des. Ernani Klausner, julgado em 21/02/2006). “ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO. DECLARATÓRIA. NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL. REVISIONAL DE OBRIGAÇÃO CREDITÍCIA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. JUROS COMPENSATÓRIOS. PREVISÃO CONTRATUAL E LEGAL. Não se pode olvidar as decisões do STF proclamadas na ADIN nº 4, quanto à inaplicabilidade do artigo 192, §3º da CRFB/88 revogado pela Emenda Constitucional nº 40, de 30.05.03 e Súmulas 596, 283 e 296, dos E. STF e STJ aduzindo que as disposições do Decreto nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privados, que integram o sistema financeiro nacional. Nenhuma instituição de Cartão de crédito tem condições de financiar o consumidor, se não pago o débito no vencimento, cobrando juros compensatórios no limite máximo de 1%, porquanto não corresponde à realidade econômica, social e jurídica brasileira, sob pena de se precipitar à quebra de todas as instituições de créditos e financeiras de nosso país. Não pode o devedor utilizar fato próprio - inadimplência das prestações contratuais -, em conduta contraditória, para levar vantagem financeira, em prejuízo do credor, violando o princípio VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM, vedado pelo direito, tendo em vista a sua opção pelo financiamento, por vontade própria ou circunstâncias da vida, obrigando a administradora captar, em taxa média do mercado, dinheiro suficiente para manter seu fluxo de caixa e a vida negocial, quando poderia evitar tais custos e encargos, se honrasse o pagamento do débito no prazo. Sentença mantida. DESPROVIMENTO DO RECURSO.” (Apelação Cível 2005.001.48089, Nona Câmara Cível, Rel. Des. Roberto de Abreu e Silva, julgado em 11/04/2006) Assim, não merece prosperar o pleito autoral de aplicação de juros na forma “CB + 20%”, devendo ser aplicados os juros da média de mercado, aplicando-se, contudo, os contratuais, se previstos em patamar inferior. No caso em exame, o laudo pericial é conclusivo ao pontuar a ocorrência da capitalização mensal, tanto na utilização do crédito disponibilizados na conta (cheque especial) pelo Banco Itaú, quanto nos demais contratos sub judice. Nessa toada, cumpre declarar nulas as cláusulas contratuais que possibilitavam a ocorrência da capitalização mensal de juros. Quanto ao configurado anatocismo, ressalte-se que permanece em plena vigência a vedação expressamente estabelecida na Lei da Usura, interpretação também consagrada no enunciado nº 121 da Súmula da Corte Suprema, assim orientando: “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada.” A evolução jurisprudencial sobre o tema tem sido oscilante. A Medida Provisória nº 2.170/00 veio estatuir, em seu artigo 5º, que “nas operações realizadas por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano”, sendo que esta se manteve eficaz por força da Emenda Constitucional nº32, de setembro de 2002, cujo artigo 2º afirma que continuam em vigor aquelas editadas em data anterior à publicação da Emenda “até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional”. Passaram a coexistir duas interpretações: (a) a incidência de juros sobre juros, qualquer que seja a periodicidade, está deferida às Instituições Financeiras a partir da primeira edição da referida MP de 31/03/2000 com suporto do artigo 5º; (b) o artigo 5º da MP 2170 é inconstitucional. A questão restou pacificada pelo Órgão Especial desta Corte de Justiça, que declarou inconstitucional o artigo 5º da Medida Provisória nº 2.170/2000, com efeito vinculante previsto no artigo 104 de seu Regimento Interno, A propósito, confira-se o inteiro teor do referido artigo 104, ex positis: “A decisão que declarar a inconstitucionalidade ou rejeitar a argüição, se for proferida por dezessete ou mais votos, ou reiterada em mais duas sessões, será de aplicação obrigatória para todos os Órgãos do Tribunal”. Assim sendo, não assiste razão aos apelados que sustentam a inexistência de capitalização de juros. Quanto a cobrança de comissão de permanência, esta foi instituída pela prática bancária e autorizada pelo Banco Central, com o objetivo de neutralizar os efeitos da corrosão inflacionária, em um período de permanente e galopante desvalorização da moeda, inexistindo então a previsão legal da cobrança de correção monetária. A situação foi então neutralizada pelo advento da Lei 6.899/81, que regulamentou a cobrança da atualização do poder de compra da moeda nacional, institucionalizando a incidência da correção monetária, tornando injustificável a acumulação com a comissão de permanência. Os negócios bancários diversificam as alternativas para aplicação de encargos variados, sempre na busca desenfreada da maximização do lucro, passando a aplicar a chamada correção pré-fixada, cuja suposta atualização, acrescida da remuneração do capital, vem previamente estipulada e incluída no valor da prestação futura, a qual é novamente atualizada com a chamada comissão de permanência em caso de mora, em inafastável hipótese de acumulação indevida, encoberta por diferentes denominações e sofisticados artifícios contábeis, sempre em desfavor de quem utiliza a prestação do serviço bancário. Tal entendimento também já foi consagrado pelos Tribunais Superiores, ao reconhecer que os referidos acessórios foram criados antes do surgimento do instituto da correção monetária, exatamente para mitigar a desvalorização do poder aquisitivo da moeda, o que passou a ser neutralizado com a incidência pactuada de indexadores especificamente destinados a este fim. É mister destacar que o Superior Tribunal de Justiça admite a cobrança de comissão de permanência, somente, contudo, sendo vedada a cumulação com correção monetária e juros, evitando-se, assim, bis in idem (Súmulas 30, 294 e 296 STJ). Colaciona-se julgado da Egrégia Corte Fluminense no mesmo sentido: “Agravo interno na apelação. Decisão do relator que negou seguimento ao recurso, fundada em jurisprudência dominante desta Corte. Inteligência do caput do art. 557 do CPC. Mútuo de veículo com cláusula de alienação fiduciária. Comissão de permanência cumulada com juros moratórios e outros encargos contratuais. Impossibilidade. Instituição financeira apelante que se insurge contra a declaração de ilegalidade da cobrança de taxa de permanência com juros moratórios e outros encargos contratuais. Prova pericial que constatou a cobrança de tal rubrica . Jurisprudência do STJ e desta Corte que seguem no sentido da impossibilidade de cumulação da taxa de permanência com juros moratórios e outros encargos contratuais. Desprovimento do agravo interno. (AP 0134807-13.2004.8.19.0001, Rel. Des.ª Cristina Tereza Gaulia, j. 05/04/11). (grifei) Nessa toada, resta esvaziado o pleito autoral de impossibilidade de cobrança de comissão de permanência, uma vez que a sua cobrança isolada é permitida, somente sendo vedada a cumulação com correção monetária e juros, consoante anteriormente explanado. No que tange à multa, não há conclusão do expert do juízo quanto a cobrança de quantum excedente, sendo certo que esta deverá limitar-se aos 2% previstos contratualmente, restando impossível qualquer cobrança excessiva. Quanto aos valores indevidamente pagos, estes deverão ser restituídos ou compensados em cada financiamento que ainda possuam parcelas em aberto, na forma simples, uma vez que somente incide o parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor quando caracterizada a má-fé, o que não restou demonstrada nos autos. Passo a analisar o pleito autoral de indenização a título de danos morais. Em que pese as razões recursais entabuladas, os descontos realizados na conta da autora, por si só, não são capazes de gerar abalo psicológico que justifiquem indenização a título de dano moral, mormente foram eles realizados com autorização da autora, que somente foram limitados por decisão judicial. Frise-se, ainda, que a autora reconhecidamente se encontrava inadimplente, sendo certo que não eram as quantias descontadas indevidamente que culminaram, por si só, no seu descontrole financeiro. Ressalte-se que os réus efetuaram descontos relativos aos empréstimos contratados em patamares superiores a 30%, tendo a autora contratado tais empréstimos e autorizado o débito das parcelas, não configurando, portanto, reparação imaterial indenizável. Por fim, com a procedência somente de parte dos pedidos autorais, impõe-se o reconhecimento da sucumbência recíproca, com o rateio das custas pelas partes e com honorários advocatícios compensados. Por todo exposto, dou provimento parcial ao recurso, na forma do artigo 557, §1º-A, do Código de Processo Civil, para confirmar a tutela antecipada, limitando em 10%, para cada um dos réus, as parcelas do financiamento, e determinar a revisão das cláusulas contratuais, a fim de que as taxas de juros sejam aplicadas de acordo com a taxa de mercado estipulado pelo Banco Central do Brasil, caso superiores os juros pactuados, para expurgar da dívida o anatocismo e a cumulação de comissão de permanência com demais consectários moratórios, bem como de eventual multa excedente a 2%, tudo a ser apurado em liquidação de sentença, sendo certo que a devolução de quantia paga a maior ou recálculo dos débitos deverão se dar sob a forma simples. Por fim, cumpre reconhecer a sucumbência recíproca, com o rateio das custas e compensação dos honorários, observando-se o art. 12 da Lei nº 1.060/50. Rio de Janeiro, de de 2013. DESEMBARGADOR ANTONIO SALDANHA PALHEIRO Relator