Sociologia no currículo do Ensino Médio brasileiro: um olhar sobre as concepções de Sociologia presentes no debate referente a reintrodução da disciplina. Ana Olívia Costa de Andrade [email protected] Universidade Federal da Paraíba Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica, PIBID-Sociologia Orientadora: Dra. Simone M. Brito 1. Introdução Quando se pensa na reintrodução do ensino de Sociologia na educação básica brasileira, consequentemente resvala-se em temas como a institucionalização das Ciências Sociais no Brasil, a intermitência da Sociologia na educação básica do país, as formas de converter o ensino da Sociologia do nível superior para o ensino médio, a estrutura curricular da educação básica brasileira, práticas de ensino da Sociologia, formação de professores, material didático, entre outras questões que norteiam o debate atual sobre o retorno da disciplina ao currículo do ensino médio. Contudo, este trabalho pretende refletir sobre como esse debate vislumbra a disciplina em si. A questão é: esse debate se direciona para que concepção de Sociologia? Que Sociologia ensinar no ensino médio? Com que finalidade? Ao falar em concepção de Sociologia, falo de como a disciplina vem sendo abordada nos discursos, sobretudo oficiais, que envolvem sua institucionalização no Ensino Médio (se de uma forma funcionalista ou estruturalista, compreensiva, crítica). A partir dessa análise pretendo refletir sobre o que se aponta como ensino de Sociologia para o nível médio e o papel da disciplina na formação do discente da escola básica brasileira. Tendo a construção do material didático como um auxílio importante para o desempenho de tal análise, – por ser o livro didático um dos principais canais de expressão das concepções de Sociologia formuladas em volta do retorno da disciplina ao currículo da escola básica – observarei os critérios propostos e cobrados para a construção de um livro didático ideal de Sociologia, no intuito de perceber as expectativas do Ministério da Educação sobre como a disciplina deve ser configurada e ensinada no nível médio. 2. Papel da Sociologia no Ensino Médio e os critérios para o livro didático Para iniciar a averiguação do tipo de Sociologia presente no debate a respeito da reinserção da disciplina no Ensino Médio, se faz necessário refletir sobre as expectativas referentes ao papel da disciplina na formação de alunos da educação básica brasileira. Embora não se tenha uma resposta concreta e uniforme para tal papel, mesmo existindo a justificativa de que seria para formar cidadãos críticos (coisa que qualquer outra disciplina pode fazer), no texto O papel da Sociologia no currículo do Ensino Médio, Ileizi Luciana Fiorelli Silva (2009) apresenta uma reflexão ampla referente a temática. Nesse texto a autora defende que a Sociologia só tem sentido no Ensino Médio se estiver dentro de um projeto delimitado de educação, de formação de adolescentes, jovens e adultos e enfatiza que o papel da disciplina na educação básica, ainda que discutido desde a década de 1940, está em construção. Silva (2009) argumenta que a Sociologia só fará sentido em uma estrutura de currículo que preze por uma educação científica e humanista. Dessa forma, o ensino da Sociologia deve possibilitar o desenvolvimento da capacidade de distanciamento e envolvimento, ou seja, os jovens devem compreender o meio social onde estão inseridos, os conhecimentos adquiridos na escola, os valores da sociedade, do capitalismo e de sua religião de origem a partir do estranhamento desses fenômenos tidos como naturais. Nesse contexto a autora segue os princípios epistemológicos: estranhamento e desnaturalização, apontados nas Orientações Curriculares do Ensino Médio-Sociologia (2004) como necessários para o ensino da Sociologia na educação básica, sendo estes princípios formas de problematizar os fenômenos sociais com o objetivo de conhecê-los e vê-los como antinaturais. Silva (2009) alega que a capacidade dos jovens de se envolverem com a compreensão de seu meio social, possibilitará que elaborem novos métodos de explicação e de envolvimento com esses fenômenos. Então ela diz que o objetivo do ensino da Sociologia é mudar os padrões de distanciamento e envolvimento dos jovens em relação à vida social: Os olhares dos alunos deverão ser alterados pelos “óculos” das teorias sociais. Seus olhares deverão se desprender das imagens já construídas sobre a escola, os professores, os pobres, os ricos, as igrejas, as religiões, a cidade, os bairros, as favelas, a violência, os políticos, a política, os movimentos sociais, os conflitos, as desigualdades, entre outros. O que significa alterar os “olhares” dos nossos alunos? Significa doutriná-los em nossas convicções religiosas e políticas? Significa dizer para eles que tudo o que eles pensam é senso comum, não serve para o exercício da razão? Significa afirmar-se com um discurso moralista ou revolucionário? Certamente que não! Mesmo que a neutralidade não exista na elaboração dos programas da disciplina e das aulas, um certo rigor é necessário (SILVA, 2009, p. 11). Silva (2009) também relembra que muitas vezes o ensino da Sociologia foi direcionado como um mecanismo de introjeção de valores sejam eles conservadores, progressistas, democráticos, socialistas, ou revolucionários. Ela reconhece a tarefa difícil que é levar os alunos ao conhecimento mais completo da Sociologia, pois isso requer delimitações de conteúdos, recortes teóricos, entre outras questões, e aponta também a limitação do tempo de aula no ensino médio, que é curto, como um fator de dificuldade. Com isso o docente é levado a escolher o que ele acha melhor, ou o que ele tem o domínio maior para tratar como conteúdo em sala de aula. Silva (2009) acredita que se deve ter autonomia nessa delimitação de conteúdos, mas alerta para o cuidado que se deve ter com a essência da ciência de referência. Silva (2009) defende que para ensinar Sociologia é necessário acionar as diferentes formas teóricas da disciplina, pois elas são indispensáveis para iluminar os fenômenos sociais que não são inteligíveis a primeira vista, com o uso das várias teorias, indica-se a mais adequada para determinados fenômenos “Como, por exemplo, ao estudar educação vamos colocá-la sob o holofote de várias “luzes”- teorias, mas, dependendo do contexto histórico, determinadas luzes/teorias iluminarão melhor os fenômenos educativos” (SILVA, 2009, p. 13). A autora também reflete sobre como a Sociologia pode ajudar os jovens a encontrar sentidos para suas vidas, alegando que se a disciplina auxiliará a escola de maneira geral a pensar os fenômenos sociais, auxiliará também a pensar a própria juventude, pois são categorias a serem refletidas. A autora propõe que as práticas sociais dos jovens da escola sejam diagnosticadas, para que a aula de Sociologia recorte temáticas significativas para eles e para a ciência, a Sociologia. Que as aulas não sejam apenas baseadas em temas fragmentários, que seguem a pauta da mídia sobre vários problemas e fatos, mas que não são tratados de forma científica. Essas temáticas devem ser apresentadas a luz das teorias e termos clássicos e contemporâneos dos pensadores das Ciências Sociais. Dessa forma, os textos didáticos de Sociologia, deverão problematizar, com um nível de sofisticação, os problemas que são significativos para os jovens. A autora ainda diz que jornais e revistas não devem servir de materiais didáticos, mas de objeto de estudo e análise da Sociologia e critica as aulas que nos últimos anos tem se baseado em revistas e programas de televisão, por não cumprirem o papel que a Sociologia deve ter no currículo científico1. A autora conclui falando que para o Ensino Médio proporcionar o surgimento de jovens desejosos de agir para superar as condições políticas, econômicas e sociais do Brasil, é preciso um modelo de currículo que tenha como base a cultura e a ciência como seus elementos propulsores, formando jovens com esquemas, instrumentos, linguagens, repertórios e códigos que os libertem como pensadores capazes de realizar projetos coletivos. A Sociologia e as demais Ciências Sociais se encontram no conjunto do campo científico e da base cultural da atualidade, são conhecimentos científicos a respeito dos fenômenos sócio-culturais e são eles os responsáveis por possibilitar diversas chaves para o Ensino Médio e os currículos formarem discentes com capacidade de analisar e transformar a sociedade brasileira. Após perceber as perspectivas de modelos de currículos, formas de ensinar Sociologia e o papel da disciplina na educação básica, é válido refletir sobre os materiais didáticos, como eles tratam as teorias sociológicas, também a respeito do 1 Forma que a autora julga ser mais adequada de currículo, baseada na análise que ela faz dos três tipos de currículos que vêm se mesclando nas reformas educacionais do Ensino Médio no país, sendo eles o currículo tecnicista, que é um modelo de currículo autoritário, voltado para a profissionalização obrigatória, desvalorizando as disciplinas tradicionais, com sua busca de uma formação imediata. Nesse modelo de currículo, o que era para ser aula de Sociologia e Filosofia foi transformado em estudos sociais, moral e cívica e OSPB. O outro modelo seria o currículo das competências, que segundo a autora consagrou o individualismo e psicologizou o processo de aprendizagem e ensino, por valorizar os procedimentos de motivação, ao invés dos procedimentos de ensino de algo para alguém, nesse modelo o professor passa ser técnico e entretenidor, também resulta na desvalorização das disciplinas, e igualmente ao modelo anterior ideologiza as ciências sociais. Por fim ela trata do modelo dos currículos científicos, que resgata as disciplinas tradicionais, o papel do professor como intelectual e da escola como responsável por transmissor uma cultura sofisticada, nesse modelo de currículo se permite a Sociologia científica e é esse modelo que Silva (2009) defende. enquadramento proposto pelo MEC para o livro Didático. Dessa reflexão suponho um possível mapeamento da concepção ou concepções de Sociologia que se espera para o ensino no nível médio. O livro da autora Simone Meucci (2011) Institucionalização da Sociologia no Brasil: primeiros manuais e cursos faz um levantamento a respeito da produção dos primeiros manuais didáticos de Sociologia no país e traz uma discussão indispensável aos debates a respeito da institucionalização da disciplina no currículo do ensino básico. Meucci (2011) acaba por introduzir a análise dos sentidos conferidos a Sociologia e aos conteúdos dos materiais didáticos, pois entre outras coisas ela observou que os manuais escritos destinados ao ensino da Sociologia, acabaram por contribuir com a elaboração e organização dos métodos e teorias sociológicas no Brasil. Ela relata que nos primeiros manuais estavam presentes as expectativas relacionadas ao plano de constituição da nação, de ensinar a um povo em formação, pois nas décadas de 20 e 30 o Brasil se encontrava em busca de um plano nacional. Nesse sentido, pode-se dizer que o conhecimento sociológico produzido na época, sofreu influências da dinâmica social vigente. Com isso, a forma a qual se concebia a Sociologia por diferentes intelectuais responsáveis pela produção dos manuais na época, correspondia não apenas as suas aspirações ideológicas, mas ao processo de formação a qual o Brasil passava. Entendo essa reflexão como uma base para tratar o caso contemporâneo, pela retomada da produção do material didático de Sociologia. Com o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) responsável pela análise, seleção e distribuição gratuita dos livros para educação básica, os materiais passam pela avaliação de um grupo de pareceristas reunidos pelo MEC, segundo esses pareceristas, o livro didático de Sociologia deveria corresponder aos seguintes princípios básicos: Podemos afirmar que quatro princípios básicos fundamentaram a elaboração dos critérios específicos da Sociologia: 1. Assegurar a presença das contribuições das três áreas que compõem as Ciências Sociais: Antropologia; Ciência Política; e Sociologia. 2. Garantir que as Ciências Sociais se apresentem nas páginas do livro como um campo científico rigoroso, composto por estudos clássicos e recentes e por diferenças teóricas, metodológicas e temáticas. 3. Permitir, por meio de mediação didática exitosa, que o aluno desenvolva uma perspectiva analítica acerca do mundo social. 4. Servir como uma ferramenta de auxílio ao trabalho docente, preservando-lhe a autonomia. (Guias de Livros Didáticos 2012, 2011, p. 8). Além desses princípios, os pareceristas do MEC analisaram as obras a partir do auxílio de uma ficha de avaliação, que foram elaboradas com base nos princípios expostos acima, e nela continha os seguintes critérios: 1. Critérios de legislação: as perguntas deste item auxiliaram o parecerista a avaliar se o livro respeita a legislação vigente (a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o Estatuto da Criança e do Adolescente, as Diretrizes Curriculares Nacionais). 2. Critérios teóricos conceituais: neste item, questões relativas à qualidade das referências teórico-conceituais foram elaboradas para auxiliar o parecerista a avaliar se, no conjunto, a obra em julgamento zela pelo rigor na apresentação de conceitos e paradigmas teóricos do campo das Ciências Sociais, tanto em seu período clássico como em suas contribuições mais recentes. 3. Critérios didático-pedagógicos – Conteúdo: as questões deste item referiram-se à avaliação da linguagem, dos argumentos e das estratégias usadas pela autoria no texto de base do livro para realizar a mediação entre o conhecimento científico e o saber escolar. 4. Critérios didático-pedagógicos – Atividades e exercícios: neste item em particular, foram formuladas indagações para ajudar o parecerista a julgar se as atividades de aprendizagem propostas mobilizam diferentes capacidades, se são coerentes com a abordagem e o conteúdo proposto no livro, e se, de fato, auxiliam na consecução dos objetivos da aprendizagem. 5. Critérios de avaliação de imagens (fotos, ilustrações, gráficos, tabelas e mapas): perguntas neste item ajudaram o parecerista a ponderar se as imagens presentes na obra avaliada atendem desde os critérios relativos à clareza de impressão e à imediata identificação de créditos e fontes, até critérios avaliadores da capacidade de fato de as imagens auxiliarem na aprendizagem, despertando a reflexão e não vinculando estereótipos de qualquer natureza, conteúdo religioso ou marca comercial. 6. Critérios de editoração e aspectos visuais: aqui as perguntas formuladas se referiram à avaliação dos cuidados relativos à revisão ortográfica e à coerência e precisão das informações sobre referências de livros, sites e documentos. Algumas indagações deste item abordaram o projeto gráfico, que deve favorecer a aprendizagem do aluno e facilitar o manuseio do livro. 7. Manual do professor: neste item foram realizadas perguntas cujas respostas ajudaram o parecerista a julgar se o Manual do Professor realmente cumpre o objetivo de orientá-lo acerca dos pressupostos que fundamentaram a elaboração do livro e das possibilidades de seu uso, com sugestões adicionais que qualificam a aula, respeitando a autonomia docente. (Guias de Livros Didáticos 2012, 2011, p. 10) A análise desses princípios e critérios, para identificar a forma a qual o livro didático de Sociologia é idealizado, também faz parte da pretensão desse trabalho. Suponho que a partir dessa análise será possível perceber as concepções de Sociologia que o debate atual sobre sua reintrodução no ensino básico retrata. 3. Problematização No levantamento bibliográfico, percebe-se que os debates a cerca do retorno da Sociologia para o Ensino Médio é bastante abrangente, mas algumas coisas são pouco evidentes. Exemplo, quando se fala em formas e práticas de ensino da disciplina, se é dada uma série de sugestões, mas não se fala diretamente o que transmitir da ciência para a escola básica. Fala-se em autonomia do professor nas delimitações de conteúdos, fala-se no que se espera como efeito do ensino da Sociologia, que é levar os jovens a estranhar e desnaturalizar os fenômenos tidos como naturais e com isso torná-los capazes de interferir nos rumos sociais do país, mas não se fala a partir de que perspectiva teórica sociológica fazer isso. Há sugestões sobre o uso das diversas teorias, ou escolha das que mais se adequam a certos fenômenos, mas sabemos que a Sociologia é ampla e que tem variadas vertentes possíveis de observação, método, conceitos, temas e teoria sobre fenômenos. Essa observação não significa que se deva esperar uma receita a seguir, ou um apontamento arbitrário de conteúdos e formas de prática do ensino, porém, sabemos que a escolha da estrutura do currículo e a forma como se sugere ensinar Sociologia (eleição de temas, conceitos, métodos, teorias) no Ensino Médio são frutos de concepções, de escolhas e essas escolhas são guiadas por algum interesse determinado, são construídas. A partir da observação das concepções, escolhas e construção de ideais de como se deve ensinar Sociologia no Ensino Médio, também do questionamento referente a que Sociologia a produção atual de materiais didáticos – que tem sido avaliada e selecionada – se direcionam, acredito ser válido um mapeamento das concepções de Sociologia presentes nos discursos oficiais que englobam o retorno da disciplina no currículo da educação básica e nos critérios e princípios levantados como fundamentais ao ensino da Sociologia. 4. Metodologia e Hipótese Para mapear as aspirações de Sociologia presentes nos debates referente a reintrodução da disciplina ao currículo do Ensino Médio, farei uma análise sistemática dos documentos oficiais que institucionalizam a disciplina no Ensino Médio e trabalhos tidos como referência para a temática. Pretendo também fazer uma leitura das concepções teóricas presentes nos livros didáticos de Sociologia aprovados na execução do Programa Nacional do Livro didático e nos requisitos propostos pelo MEC para a análise desse material. Para isso, precisarei de uma maior compreensão das etapas do pensamento sociológico e das formas conceituais e teóricas que compreendem a Sociologia. Como hipótese, suponho que a produção atual de livros didáticos, as reflexões do papel da Sociologia no Ensino Médio, a estrutura do currículo atual e a própria obrigatoriedade da disciplina da rede básica correspondem as influências da dinâmica social vigente. A partir do exposto, imagino que no caso contemporâneo, a produção do conhecimento sociológico, a formulação formal do Estado referente ao que é Sociologia e de que forma ela deve ser abordada nos materiais didáticos e na educação básica, assim como que requisitos ela deve cumprir, são construções associadas a um caráter político instrumental que precisa ser analisado. 5. Referências Bibliográficas BRASIL. Orientações curriculares para o Ensino Médio. Ciências Humanas e suas tecnologias. Volume 3; Secretaria de educação básica. Brasília: Ministério da Educação, 2006. Guia de livros didáticos: PNLD 2012: Sociologia. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2011. MEUCCI, Simone. Institucionalização da sociologia no Brasil: primeiros manuais e cursos. São Paulo: Hucitec: Fapesp, 2011. SILVA, Ileizi Luciana Fiorelli. O papel da Sociologia no currículo do Ensino Médio. In: II Simpósio estadual sobre a formação de professores de Sociologia. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2009.