LIBERAÇÃO DE DOXICICLINA ATRAVÉS DE MEMBRANAS DE TRIACETATO DE CELULOSE OBTIDAS A PARTIR DA RECICLAGEM QUÍMICA DO BAGAÇO DE CANA-DE-AÇÚCAR Sabrina D. Ribeiro*, Elaine A. Mundim, Carla S. Meireles, Daniel A. Cerqueira, Leandro G. Silva, Moacyr F. F. Júnior, Reynaldo Ruggiero, Guimes R. Filho Instituto de Química, Universidade Federal de Uberlândia - UFU, Campus Santa Mônica, Uberlândia-MG, Rua João Naves de Ávila, nº 2121, CEP: 38408-100. [email protected] Nesse trabalho estudou-se a liberação da doxiciclina, usando como matrizes, membranas de triacetato de celulose, que foram produzidas a partir da reciclagem química do bagaço de cana-de-açúcar. O triacetato de celulose foi produzido a partir de uma acetilação homogênea, em que o anidrido acético é utilizado como agente acetilante, o ácido acético como solvente e o ácido sulfúrico como catalisador. A liberação da doxiciclina foi estudada utilizando análise espectrofotométrica na região do Ultravioleta-Visível. As matrizes produzidas apresentaram liberação máxima de doxiciclina no intervalo entre 2 e 4 horas, chegando a aproximadamente 90% de liberação da droga. Palavras-chave: Doxiciclina, triacetato de celulose, bagaço de cana-de-açúcar, liberação controlada, membrana. Doxycycline release through membranes of cellulose triacetate obtained from chemical recycling of sugarcane bagasse In this work, the controlled release of doxycycline was studied using membranes of cellulose triacetate as matrices, which were produced from the chemical recycling from sugarcane bagasse. Cellulose triacetate was produced by homogeneous acetylation, in which acetic anhydride is used as acetylant agent, acetic acid as solvent and sulfuric acid as catalyst. The release of doxycycline was studied using spectrophotometric analysis in ultraviolet range. The matrices showed maximum release from 2 to 4 hours, reaching approximately 90% of drug release. Keywords: Doxycycline, cellulose triacetate, sugarcane bagasse, controlled release, membrane. Introdução A celulose que é um dos mais importantes polímeros naturais existentes e é a maior constituinte das plantas. É um polissacarídeo formado por unidades do monossacarídeo β-D-glicose, que se ligam entre si através dos carbonos 1 e 4 dos anéis glicosídicos, dando origem a um polímero linear. Possui seu uso limitado pelo fato de ser pouco acessível a solventes e reagentes mais comuns. [1] Para dissolver a celulose recorre-se à produção de derivados, que podem ser dissolvidos mais facilmente que a celulose. [1] O derivado estudado nesse trabalho é o acetato de celulose, que pode ser produzido a partir das reações de acetilação, pelas rotas homogênea e heterogênea. Ambos os métodos de acetilação se constituem na reação da celulose com uma mistura de ácido acético e anidrido acético, na presença de ácido sulfúrico ou perclórico como catalisador. [2,3] Os resíduos agroindustriais são importantes fontes de celulose. O Grupo de Reciclagem de Resíduos Poliméricos Industriais e Urbanos tem explorado os derivados desse polímero, como o acetato de celulose a partir de distintas fontes como bagaço de cana-de-açúcar, caroço de manga e jornal. [3-10] A otimização do método de acetilação foi estudada, levando primeiro a metodologia de 24 horas e posteriormente a de 14 horas de acetilação, sendo que essa última apresentou melhores resultados, [4] sendo possível obter material com maior massa molecular, e assim membranas finais mais resistentes, do ponto de vista mecânico. Na área de fármacos, uma vez que os polímeros ganharam importância, o acetato de celulose se destaca na indústria farmacêutica como encapsulantes e sistema de liberação controlada de drogas. [11] No entanto a literatura não apresenta trabalhos em que se avalia o potencial de materiais reciclados a partir da biomassa para a utilização neste tipo de prática. A tecnologia de liberação controlada de fármacos representa uma das fronteiras da ciência, a qual envolve diferentes aspectos multidisciplinares e pode contribuir muito para o avanço da saúde humana. Os sistemas de liberação, freqüentemente descritos como “drug delivery systems”, oferecem inúmeras vantagens quando comparados a outros de dosagem convencional. [12] O tratamento usual demonstra alguns inconvenientes, como concentração insuficiente do fármaco, a necessidade de várias dosagens sucessivas, o que pode fazer com que a concentração do fármaco atinja o nível tóxico e por consequência causar efeitos colaterais como hipersensibilidade e problemas gastrointestinais. [13] O objetivo dos sistemas de liberação controlada é manter a concentração do fármaco entre estes dois níveis por um tempo prolongado, utilizando-se de uma única dosagem, como é visto na figura 1. [12] Figura 1: Perfis de liberação de drogas em função do tempo: convencional x controlada. O fármaco utilizado no presente trabalho é a doxiciclina, medicamento usado no tratamento de periodontite e gengivite. [14,15] A doxiciclina mostrada na figura 2 é um derivado sintético da oxitetraciclina. Ela é um bacteriostático que inibe a síntese da proteína bacteriana devido à perturbação do RNA transportador e RNA mensageiro nos sítios ribossomais. [16] Figura 2: Estrutura química da doxiciclina hidroclorídrica. [16] Anais do 10o Congresso Brasileiro de Polímeros – Foz do Iguaçu, PR – Outubro/2009 Em trabalhos anteriores do nosso grupo, verificou–se a incorporação da doxiciclina e a não citotoxicidade das membranas. [5-8] Nesse trabalho estudou-se a liberação da doxiciclina de membranas de triacetato de celulose, produzidas a partir da reciclagem química do bagaço de canade-açúcar. Procedimento Experimental Purificação do bagaço de cana-de-açúcar Adicionou-se a 4,0 g de bagaço seco e moído 100,0 mL de água destilada. Após 24 horas o bagaço foi filtrado. Adicionou-se 100,0 mL de hidróxido de sódio 0,25 mol L-1 ao bagaço, e após 18 horas a mistura reacional foi filtrada. O bagaço foi colocado em refluxo com três porções sucessivas de uma mistura 20/80 v/v de ácido nítrico e etanol. A cada hora a mistura reacional foi trocada, sendo que na primeira troca o bagaço é lavado antes do segundo refluxo. Após o refluxo a mistura foi filtrada e lavada com água destilada até que a solução da lavagem estivesse incolor. O bagaço foi colocado para secar em estufa a 105° C durante 3 horas. Depois de seco, o bagaço foi triturado em um liquidificador. Produção do triacetato de celulose Adicionou-se 50,0 mL de ácido acético glacial a 2,0 g de bagaço purificado. Agitou-se por 30 minutos em temperatura ambiente. Em seguida adicionou-se uma solução contendo 0,16 mL de H2SO4 concentrado em 18,0 mL de ácido acético glacial e agitou-se por 25 min. em temperatura ambiente. Filtrou-se a mistura e colocou-se o bagaço num frasco. Ao filtrado adicionou-se 64,0 mL de anidrido acético, agitou e retornou-se o filtrado ao frasco inicial com o bagaço. A solução foi agitada por mais 30 min. e deixada em repouso. Após 14 horas a solução foi filtrada em um funil de placa porosa com o kitassato contendo certa quantidade de água destilada para que se formasse o precipitado. Filtrou-se a mistura a vácuo lavando com água destilada até a neutralização. O material foi seco em estufa por 2h a 70° C. Produção das membranas As membranas foram produzidas a partir de soluções de triacetato de celulose, contendo 5% (m/m) de doxiciclina e uma mistura de solvente de diclorometano/ metanol (9:1). A solução foi espalhada em uma placa de vidro com auxílio de um espalhador com abertura de 200 μm. O tempo de evaporação do solvente foi de 2,5 minutos. Em seguida a placa com a membrana foi colocada dentro de um recipiente contendo água destilada e gelo, banho do não solvente. O estudo de Anais do 10o Congresso Brasileiro de Polímeros – Foz do Iguaçu, PR – Outubro/2009 incorporação foi feito utilizando análise espectrofotométrica na faixa do Ultravioleta-Visível (UV250 1 PC Shimadzu) de amostras do banho de não solvente no comprimento de onda 275 nm. Liberação da doxiciclina No estudo da liberação do fármaco utilizou-se um banho termostatizado MA 184 Marconi, a 36,5 °C. Foi preparada uma solução tampão fosfato com pH 7,2. As membranas foram pesadas e medidas e o tamanho padrão foi 2 cm2. A liberação foi controlada a cada hora. O estudo da liberação foi feito usando análise espectrofotométrica na região do Ultravioleta-Visível (UV-250 1 PC Shimadzu) de amostras da solução que continha as membranas utilizadas. Resultados e Discussão Em um trabalho anterior [8] mostrou-se que a partir da metodologia utilizada para a produção dessas membranas obtém-se uma incorporação média de 75% de doxiciclina em relação à quantidade adicionada inicialmente, o que corresponde, portanto a 63,43 mg de doxiciclina por grama de triacetato de celulose do bagaço de cana-de-açúcar. Conforme mostrado na Figura 2, a doxiciclina possui na sua estrutura grupos aminas, carbonila e hidroxila, [16] o que lhe garante alta polaridade em relação à cadeia de triacetato de celulose. No experimento realizado nesse trabalho, a membrana foi mergulhada em uma solução tampão fosfato. Espera-se que devido a sua estrutura polar a doxiciclina tenha mais afinidade com a solução do que com a membrana, havendo assim uma liberação da droga para o sistema. Esse comportamento foi observado e os resultados são apresentados na figura 3. Teor de Doxiciclina liberada(%) 100 Boltzmann fit 80 Model: Boltzmann Equation: y = A2 + (A1-A2)/(1 + exp((x-x0)/dx)) Weighting: y No weighting 60 Chi^2/DoF = 6.03872 R^2 = 0.99777 40 A1 A2 x0 dx 20 5.05321 91.31522 179.89516 12.44416 ±2.08379 ±1.18546 ±1.57754 ±8.18575 0 0 100 200 300 400 500 Tempo(minutos) Figura 3: Teor da doxiciclina liberada em função do tempo. Anais do 10o Congresso Brasileiro de Polímeros – Foz do Iguaçu, PR – Outubro/2009 Os dados de liberação de doxiciclina em função do tempo, mostrados na figura 3, estão de acordo com a distribuição de Boltzman obtida a partir do programa OriginPro 7.5®. De acordo com a curva obtida, observa-se que nas primeiras duas horas de experimento há um período de indução, no qual o teor de doxiciclina liberada é mantido em aproximadamente 5%, valor este já alcançado na primeira hora de liberação. Essa liberação inicial provavelmente é devida à doxiciclina que está adsorvida na superfície da membrana. Após 2 h de experimento, a droga que está distribuída mais no interior da membrana consegue se difundir para a superfície e inicia-se então a liberação efetiva da droga no intervalo entre 2 e 4 h. Após esse período a liberação alcança um estado estacionário, no qual as velocidades de liberação e absorção da droga pela membrana são iguais, e não ocorre nenhum acréscimo no teor de doxiciclina liberada, o qual se estabiliza em aproximadamente 90%. Conclusões De acordo com os resultados observa-se que ao utilizar membranas de triacetato de celulose produzidas a partir da reciclagem química do bagaço de cana-de-açúcar, têm-se um tempo de indução de duas horas, a liberação efetiva ocorre no período entre 2 e 4 horas, atingindo um estado estacionário com aproximadamente 90% de doxiciclina liberada. Agradecimentos Os autores agradecem ao CNPq pelo “Projeto Casadinho” UFU/UFG/UFMS (620181/20060), a FAPEMIG pelo apoio financeiro e pelo projeto APQ-02356/08 e ao Portal Periódicos da Capes. Meireles e Cerqueira agradecem à CAPES pela bolsa doutorado, e Cerqueira agradece à CAPES pela bolsa sandwich (BEX 0368/07-5), Ribeiro agradece ao CNPq pela bolsa PIBIC (A – 032/2008) e Mundim agradece à FAU pela bolsa APQ – 00466-08. Referências Bibliográficas 1. C. S. Meireles, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Uberlândia, 2007. 2. G. Rodrigues Filho; S. F. Cruz; D. Pasquini; D. A. Cerqueira; V.S. Prado; R. M. N. Assunção. J. Membrane Science, 2000, 177, 225. 3. G. Rodrigues Filho; R. Ch. Silva; C. S. Meireles; R. M. N. Assunção; H. Otaguro. Journal of Applied Polymer Science, 2005, 96(2), 516. 4. D. A. Cerqueira; G. Rodrigues Filho; C. S. Meireles. Carbohydrate Polymer, 2007,69. 5. D.A. Cerqueira; G. Rodrigues Filho; R. M. N. de Assunção; C. S. Meireles; L.C. Toledo; M. Zeni; K. Mello; J. Duarte. Polymer bulletin, 2008, 60, 397. 6. G. Rodrigues Filho; L. C. Toledo; D. A. Cerqueira; R. M. N. de Assunção; C. S. Meireles; A. B. Lugão, S. O. Rogero; H. Otaguro. Polymer Bulletin, 2007, 59, 73. 7. G. Rodrigues Filho; L. C. Toledo; L. G. Silva; R. M. N. Assunção; C. S. Meireles; D. A. Cerqueira; R. Ruggiero. Journal of Applied Polymer Science, 2009. [DOI:10.1002/app.30270] Anais do 10o Congresso Brasileiro de Polímeros – Foz do Iguaçu, PR – Outubro/2009 8. S.D. Ribeiro; L. G. Silva; G. Rodrigues Filho; R. Ruggiero; D. A. Cerqueira; R. M. N. Assunção; C. S. Meireles. Em livro de resumos da XXII Reunião Regional da Sociedade Brasileira de Química, 2008, Belo Horizonte, Minas Gerais. 9. E. A. Mundin; C.S. Meireles; M. F. F. Junior; R. M. N. Assunção; G. Rodrigues Filho. Em livro de resumos da XXII Reunião Regional da Sociedade Brasileira de Química, 2008, Belo Horizonte, Minas Gerais. 10. G. Rodrigues Filho; D. S. Monteiro; C. S. Meireles; R. M. N. Assunção; D. A. Cerqueira; H. S. Barud; S. J.L. Ribeiro; Y. Messadeq. Carbohyd Polym., 2008, 73. 11. L.M. Geever et al. European Journal of Pharmaceutics and Biopharmaceutics, 2008, 69, 1147. 12. M. M. M. Azevedo, Monografia, Universidade Estadual de Campinas,2002. 13. S. Govender et al. / International Journal of Pharmaceutics, 2005,306, 24. 14. M. M. Meier; L. A. Kanis; V. Soldi. International Journal of Pharmaceutics, 2004, 278, 99. 15. Jr. F. A. Carranza; F. R. Saglie. Glickman's Clinical Periodontology, W.B. Saunders, New York, 1990. 16. L. C. Toledo, et al. In: Anais - COMAT 2007 - 4th International conference on science and technology of composite materials, 2007. p. AP - 08. Anais do 10o Congresso Brasileiro de Polímeros – Foz do Iguaçu, PR – Outubro/2009