EDITORIAL Evitando a tributação excessiva C omo todo brasileiro sabe, a carga tributária do nosso país está entre as mais altas do mundo. Além de muito alta é também bastante complexa. Ao todo são 92 tributos (divididos entre impostos, contribuições, taxas, contribuições de melhorias) em vigor. Acrescente-se ao dever de recolhê-los tempestivamente, uma quase infindável gama de obrigações acessórias a qual o contribuinte está obrigado a informar. Considerando todo esse enredamento é muito comum que haja falhas e erros que podem se transformar em autuações fiscais ou levar o contribuinte ao equívoco de recolher o tributo sem necessidade. Neste prisma, recai sobre a classe médica uma especial atenção no tocante à Contribuição para o INSS, já que, no exercício de sua função, não é raro o médico possuir duas, três ou mais fontes pagadoras: seja um hospital, uma empresa operadora de plano de saúde, uma clínica médica, entre outras. A soma das retenções realizadas por todas as fontes pagadoras não pode ultrapassar o teto estipulado, que atualmente é de R$ 482,93 por mês. Para evitar a tributação em excesso, o profissional deve escolher uma fonte pagadora para sofrer a retenção e solicitar às demais que deixe de fazê-la. Para aqueles que tiveram recolhimentos excessivos é possível solicitar o ressarcimento relativo aos últimos cinco anos mediante apresentação de pedido eletrônico de restituição junto à Receita Federal do Brasil. Em suma, a classe médica, devido à sua atividade atribulada e ao número de fontes pagadoras que lhe é peculiar, deve manter-se atenta para que o Fisco não abocanhe parcela maior que devida, principalmente em relação à Contribuição do INSS, em que a própria sistemática de recolhimento facilmente induz ao pagamento em excesso. Adriano Faria Dias Consultor Tributário, graduado pela UFMG e Pós Graduado em Finanças pela Fundação Dom Cabral [email protected] Editor chefe Ronado Damião Editores associados Danio S. L. da Costa Cruz Eoisio Aexsandro da Siva A T U A L I Z A Ç Ã O Atualização em DAEM – TRT em Pacientes com PSA Elevado, CA de Próstata e Apneia do Sono Daniel de Freitas G. Soares Aluno do Curso de Mestrado em Ciências da Saúde da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre | UFCSPA Assistente do Programa de Residência Médica em Urologia | UFCSPA Preceptor do ambulatório de Andrologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre | RS TiSBU Luiza Ramos Rhoden Acadêmica de Medicina da Universidade Católica de Pelotas | RS Ernani Luis Rhoden Professor Livre-docente de Urologia | UFCSPA Pós-Doutorado em Urologia/Andrologia na Harvard University, Boston, Estados Unidos | CAPES Médico do Corpo Clínico do Hospital Moinhos de Vento e Irmandade Santa Casa de Misericórdia - PA | RS Introdução O hipogonadismo é uma condição clínica na qual níveis subnormais de testosterona (T) estão associados a sinais e sintomas específicos, que incluem diminuição da libido, disfunção erétil, diminuição da sensação de bem estar, redução da massa muscular e óssea, alterações do humor e anemia (tabela 1)1. Essa condição está intimamente relacionada ao envelhecimento masculino, tendo-se convencionado chamar o fenômeno de DAEM – deficiência androgênica do envelhecimento masculino. Mais de 95% da testosterona circulante é produzida nas células de Leydig testiculares. Diariamente, um total de 7mg de testosterona é secretado pelos testículos 4 UROLOGIA ESSENCIAL V.4 N.1 JAN JUN 2014 do homem adulto. Cerca de 1 a 2 % dessa testosterona circula livremente pelo plasma, enquanto 98 a 99% do restante desse andrógeno estão ligados ou à albumina (40-50%), ou à SHBG (sex hormone-binding globulin) (50-60%). A testosterona se liga à SHBG com alta afinidade, razão pela qual apenas a testosterona livre e a ligada à albumina estão disponíveis para ação biológica (testosterona biodisponível, ou BAT – bioavailable testosterone)2,3. Estima-se que a diminuição da testosterona total seja da magnitude de 1 a 2% ao ano a partir da terceira década de vida. Aos 40 anos de idade, essa condição afeta aproximadamente 10% dos homens, aumentando para 50% aos 70 anos (utilizando-se como referência uma testosterona total inferior a 325 ng/dl como critério laboratorial na sua definição)3. www.urologiaessencial.org.br Com o envelhecimento, há diminuição do numero de células de Leydig (falência primária), da amplitude dos pulsos de GnRH (hormônio liberador de ganadotropina ) e aumento da proteína de transporte de hormônios sexuais (SHBG), resultando na diminuição da testosterona total e da testosterona livre e biodisponível. Além disso, comorbidades e medicações podem acentuar esse declínio3,4. Embora os benefícios da terapia de reposição de testosterona (TRT) sejam inequívocos em relação ao restabelecimento dos níveis de testosterona sérica e à melhora dos sinais e sintomas clínicos de hipogonadismo, há um receio histórico de seus potenciais efeitos adversos3. TABELA 1 Síndrome clínica de DAEM • Reconhecimento simples da diminuição do desejo sexual e qualidade da função erétil, particularmente das ereções noturnas; • alterações do humor com diminuição concomitante da atividade intelectual; • desorientação espacial; • fadiga, depressão e irritabilidade; • distúrbios do sono; • diminuição da massa magra com diminuição associada do volume e força muscular; • aumento da gordura corporal; • diminuição dos pelos corporais e alterações na pele; • diminuição da densidade mineral óssea, osteopenia e osteoporose. Dada a nítida relação do hipogonadismo com o envelhecimento, é frequente a concomitância com doenças igualmente prevalentes em idosos, como hiperplasia e câncer de próstata, distúrbios do sono e doenças cardiovasculares. No entanto, o estabelecimento de relações causais é difícil, e os dados da literatura são, muitas vezes, contradi- tórios. O objetivo deste artigo é, portanto, sumarizar as principais evidências disponíveis acerca da associação entre DAEM e essas condições clínicas, bem como o impacto da TRT em situações ainda controversas. Limites séricos de testosterona (T) para diagnóstico Embora se entenda que a T biodisponível ou a T livre (TL) possam refletir o cenário clínico de forma mais fidedigna, nenhum ensaio clínico até o momento foi capaz de definir que método de medida de T melhor define o homem hipogonádico ou sua probabilidade de responder ao tratamento. Convencionou-se, então, utilizar a testosterona total (TT) sérica como teste diagnóstico, por ser este mais acessível, reprodutível e apresentar menor custo. Diretrizes da Sociedade Americana de Endocrinologia recomendam que a investigação de DAEM deva incluir dosagem de TT como exame inicial. Na presença de valores limítrofes, uma nova medida pode ser acompanhada da TL ou da T biodisponível na sua forma calculada3. Os valores normais de TT estabelecidos em diretrizes clínicas, no entanto, variam, sendo que a maioria dos especialistas estima um valor acima de 300 ng/dL como normal. Embora a unidade padronizada pelo Sistema Internacional de Unidades (SIU) seja nmol/L, os valores de testosterona são expressos em ng/dL na maioria dos estudos e na quase totalidade dos laboratórios brasileiros. Caso haja necessidade de convertê-los para nmol/L, basta multiplicar o valor total em ng/dL pelo fator numérico de 0,03476,7. A abordagem proposta por Morales e Lunenfeld em 2002 sugere que seja adotado um limite mínimo de 346ng/dL (12 nmol/L) de testosterona total, porém enfatizando que a definição bioquímica é menos relevante do que a clínica, e concluindo que todo homem que apresente características clínicas de hipogonadismo associadas à evidência V.4 N.1 JAN JUN 2014 UROLOGIA ESSENCIAL 5 ATUALIZAÇÃO ATUALIZAÇÃO EM DAEM – TRT EM PACIENTES COM PSA ELEVADO, CA DE PRÓSTATA E APNEIA DO SONO DANIEL DE FREITAS G. SOARES LUIZA RAMOS RHODEN ERNANI LUIS RHODEN bioquímica de diminuição da produção de testosterona pode se beneficiar da suplementação com esse hormônio, excetuando-se os casos que apresentem contraindicações8. A Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) acompanha, no contexto global, as recomendações das principais Sociedades Internacionais, destacando que DAEM é uma síndrome fundamentalmente clínica, não dependente de valores bioquímicos rígidos. Alguns autores citam a seguinte regra: homens com dosagem de TT < 300 ng/ml são hipogonádicos. Aqueles com dosagem > 400 ng/ml dificilmente o são e os indivíduos com dosagem entre 300-400 ng/ml devem ser avaliados com base na apresentação clínica. O emprego de outros parâmetros hormonais, como níveis de gonadotrofinas ou estradiol, por exemplo, é raramente útil para a tomada de decisões do ponto de vista e prática clínica, excetuando-se a prolactina sérica, que deve ser incluída na avaliação hormonal do homem hipogonádico, tendo em vista a possibilidade de diagnósticos de prolactinomas, especialmente quando seus valores estiverem acima de 2 vezes o limite superior da normalidade para este hormônio6,8-10. TRT em homens com antígeno prostático específico (PSA) elevado Níveis séricos endógenos de testosterona parecem exercer efeitos limitados sobre as células prostáticas. Diversos estudos sugerem que a testosterona estimula o crescimento do câncer de próstata (CaP) apenas em níveis muito baixos, próximos aos de castração, e que variações na concentração de testosterona endógena dentro dos limites fisiológicos ou mesmo em níveis supra fisiológicos não parecem influenciar os níveis de PSA. Esse efeito limitado seria decorrente da saturação dos receptores androgênicos das células prostáticas11. Em metanálise publicada em 2010, que incluiu 51 ensaios clínicos randomizados e avaliou mortalidade, eventos cardiovasculares, eventos prostáticos e eritrocitose em pacientes submetidos a TRT, nenhuma diferença significativa foi observada em relação à incidência de CaP, necessidade de biópsia 6 UROLOGIA ESSENCIAL V.4 N.1 JAN JUN 2014 de próstata, aumento no PSA ou alteração nos sintomas relacionados ao trato urinário inferior quando comparados grupo intervenção e grupo controle12. O elegante estudo denominado Massachusetts Male Aging Study (MMAS), que avaliou 1.576 homens, não encontrou correlação entre níveis de PSA e de testosterona séricos13. Estudos que analisaram concentrações suprafisiológicas de testosterona através da sua administração exógena também não identificaram elevações significativas, seja no nível de PSA, seja no volume prostático11-13. Estudo publicado em 2004, no NEJM, por Rhoden e Morgentaler, concluiu que a taxa de detecção de CaP em pacientes submetidos a TRT não foi maior do que a da população geral14. Mais recentemente, uma revisão sistemática, com critérios de inclusão consideravelmente rígidos, selecionou 11 estudos controlados por placebo envolvendo homens em TRT, demonstrando que apenas 7 (1.3%) de 543 homens no grupo tratado desenvolveram câncer de próstata, enquanto que no grupo controle esse evento ocorreu em 5 (1.5%) de 333 homens. Essas taxas são baixas, tendo em vista que os indivíduos foram acompanhados de forma continuada e muito mais detalhada do que a prática habitual em homens incluídos em programas de rastreamento para diagnóstico precoce de câncer de próstata15. Esses resultados demonstram, de maneira convincente, que variações da testosterona sérica em níveis fisiológicos ou acima destes não parecem ter influência sobre a próstata, reforçando a capacidade finita dos receptores androgênicos de se ligarem à testosterona. Abaixo de algum valor sérico de testosterona, designado como ponto de saturação, há uma escassez relativa de testosterona ou di-hidrotestosterona (DHT), quando, então, a concentração de androgênios se torna fator limitante à proliferação tecidual prostática, seja esta maligna ou benigna. Acima deste ponto, portanto, a concentração sérica de testosterona tem mínimo, ou nenhum efeito sobre a próstata11,14,16,17. A concomitância de DAEM e PSA elevado é frequentemente encontrada na prática clínica urológica, colocando médico e paciente frente ao ATUALIZAÇÃO EM DAEM – TRT EM PACIENTES COM PSA ELEVADO, CA DE PRÓSTATA E APNEIA DO SONO DANIEL DE FREITAS G. SOARES dilema de como conduzir essa situação. As indicações clínicas de TRT são inequívocas, desde que respeitadas as contraindicações (tabela 2)14. Neoplasia de próstata biologicamente ativa ainda representa uma contraindicação e a sua susTABELA 2 Contraindicações para TRT ABSOLUTAS RELATIVAS* Neoplasia de próstata não tratada com intenção curativa Síndrome da apneia obstrutiva do sono Câncer de mama em homens Sintomas miccionais severos Prolactinomas Eritrocitose ou poliglobulia *Pacientes com contraindicações relativas podem ser incluídos em programas de TRT, desde que a condição subjacente tenha sido controlada. peição (por alterações no exame digital da glândula prostática e/ou por alterações nos valores do PSA) remete, portanto, à necessidade de biópsia de próstata. Caso o paciente tenha, então, CaP diagnosticado, o tratamento da neoplasia deve ser priorizado. Por outro lado, diante de biópsia de próstata considerada benigna (tecido prostático normal, HPB ou prostatite), os indivíduos com níveis subnormais de testosterona e quadro clínico compatível com hipogonadismo permanecem candidatos a TRT, mesmo que apresentem níveis elevados de PSA (figura 1). A monitorização deste seleto grupo inclui o rigoroso controle habitualmente empregado, com atenção especial à variação dos valores de PSA (tabela 3), sendo aceita uma elevação de aproximadamente 20% dos níveis basais após o restabelecimento da testosterona total sérica. Na presença de elevações acima desses referenciais, uma segunda biópsia deve ser considerada14. Frente ao achado histopatológico de ASAP (proliferação de ácinos atípicos), neoplasia deve ser afastada através de novo exame, com intervalo de LUIZA RAMOS RHODEN ERNANI LUIS RHODEN ATUALIZAÇÃO 3 a 6 meses, ficando a TRT suspensa até então. Outro diagnóstico não raramente encontrado é o PIN (neoplasia intraepitelial). Nesta situação, há apenas um trabalho disponível na literatura, no qual a TRT por 12 meses não se associou ao aumento dos diagnósticos de CaP entre indivíduos com PIN, quando comparados a controles14,18 (figura 1). TRT em homens tratados para Ca de próstata (CaP) A influência dos níveis séricos endógenos de testosterona sobre o risco de recidiva bioquímica de CaP tem sido abordada por um número crescente de trabalhos. Embora o número de pacientes nesses estudos seja singelo e nenhum deles forneça evidências de nível 1, suas contribuições para a compreensão dos fenômenos que envolvem testosterona e CaP foram extremamente relevantes19-26. A primeira publicação neste contexto foi realizada por Kaufman e Graydon, em 2004, que reportaram uma série de 7 pacientes submetidos a TRT após prostatectomia radical (PR). Todos FIGURA 1 TRT em paciente com DAEM e indicação de biópsia de próstata. DAEM Contraindicações a TRT? NÃO SIM TRT SUSPENSA PSA e/ou TR alterado? Biópsia de próstata Benigna TRT Tratar Cap Cap Re-biópsia 3-6m ASAP PIN V.4 N.1 JAN JUN 2014 UROLOGIA ESSENCIAL 7 ATUALIZAÇÃO TABELA 3 ATUALIZAÇÃO EM DAEM – TRT EM PACIENTES COM PSA ELEVADO, CA DE PRÓSTATA E APNEIA DO SONO DANIEL DE FREITAS G. SOARES LUIZA RAMOS RHODEN ERNANI LUIS RHODEN Recomendação de monitorização do paciente em TRT14 TEMPO DE TRATAMENTO AVALIAÇÃO INDICADA Pré-tratamento TT, Ht/Hb, PSA total, perfil lipídico. Exame digital da próstata. Registrar sintomas miccionais. Considerar densitometria óssea. 2-3 meses Acessar alívio dos sintomas e EAs. Considerar ajuste de dose. 3/3 meses no primeiro ano Acessar alívio dos sintomas e EAs. TT, Ht/Hb, PSA total. Questionar padrão de sono e SAOS. Avaliar sintomas miccionais. Anualmente após o primeiro ano Acessar alívio dos sintomas e EAs. TT, Ht/Hb, PSA total, perfil lipídico. Questionar padrão de sono e SAOS. Avaliar sintomas miccionais. Exame digital da próstata. Considerar densitometria óssea. Ht: hematócrito, Hb: hemoglobina, TT: testosterona total, EAs: efeitos adversos apresentavam neoplasias de prognóstico favorável e, após 1 a 12 anos de seguimento, nenhum caso de recidiva foi observado19. Semelhantemente, estudo conduzido por Agarwal e Oefelein incluiu 10 homens hipogonádicos previamente submetidos a PR e sem sinais de recidiva bioquímica. A maioria dos pacientes apresentava CaP com prognóstico favorável, mas um homem com escore de Gleason 8 foi incluído. A duração média da TRT foi de 19 meses e nenhum caso de recidiva bioquímica foi observado no período de seguimento, apesar dos níveis séricos de TT terem aumentado de forma sustentada, de uma média de 197 (95% IC: 145 a 248) para 591 ng/dL (95% IC: 469 a 713)20. Em 2009, Khera e colaboradores também publicaram estudo retrospectivo sobre TRT após PR. Cinquenta e sete pacientes com valores indetectáveis de PSA e margens cirúrgicas negativas receberam TRT por um tempo médio de 36 meses. Os valores médios da testosterona aumen8 UROLOGIA ESSENCIAL V.4 N.1 JAN JUN 2014 taram de 255 ng/dL para 459 ng/dL após a TRT (p < 0,001). Não houve aumento nos níveis de PSA após o início da TRT e, dessa forma, não houve diagnóstico de recorrência bioquímica, permitindo aos autores concluir que a TRT se mostrou segura em pacientes selecionados tratados para CaP21. Talvez a mais importante contribuição da literatura neste contexto seja o trabalho de Shabsigh, no qual o autor avaliou a recorrência bioquímica em 111 homens hipogonádicos, previamente submetidos a tratamento para câncer de próstata, tanto por radioterapia (RT) quanto por PR, randomizados para receber TRT ou placebo. Recorrência bioquímica ocorreu em apenas 2 (1.8%) indivíduos em TRT, número muito inferior ao que é observado na maioria das séries de prostatectomia radical. Entretanto, deve-se levar em consideração que esta população é selecionada, certamente distinta da maioria das séries que avaliam a recorrência bioquímica em homens submetidos a tratamento com intenção curativa para CaP15. Os efeitos da suplementação androgênica em pacientes tratados por métodos não cirúrgicos (radioterapia e braquiterapia) parecem ainda mais complexos. Vários aspectos concorrem para essa observação, entre os quais: (1) a glândula não é totalmente removida, (2) tecido prostático eventualmente viável pode permanecer biologicamente responsivo à ação androgênica e (3) o tempo após o tratamento e os níveis séricos de PSA que assegurem controle bioquímico da neoplasia são imprecisos. Nesses casos, além da disfunção do eixo hipotálamo-pituitário-gonadal inerente da população idosa, também a supressão medicamentosa da função gonadal (quando prescrita associação de antiandrogênicos) e o dano testicular direto causado pela radiação ioni- ATUALIZAÇÃO EM DAEM – TRT EM PACIENTES COM PSA ELEVADO, CA DE PRÓSTATA E APNEIA DO SONO DANIEL DE FREITAS G. SOARES zante contribuem para a incidência considerável do hipogonadismo. Até o momento, há poucos estudos com seguimento suficientemente longo para avaliar recidiva de CaP nesse contexto. Podem-se destacar três séries de pacientes submetidos a radioterapia22,27,28 e duas de pacientes submetidos a braquiterapia29. Em conjunto, somam 52 homens hipogonádicos, dos quais apenas 1 (1,9%) apresentou recorrência bioquímica após a TRT. O primeiro relato de TRT após braquiterapia foi feito por Sarosdy em 2007, que compreende uma série de 31 homens com níveis séricos de testosterona variando de 30 a 255 ng/dL e sintomas compatíveis com hipogonadismo. A reposição androgênica foi iniciada pelo menos seis meses após a braquiterapia. Nenhum paciente interrompeu a TRT em função de recorrência bioquímica ou progressão clínica, permitindo aos autores concluírem que a TRT pode ser utilizada, com acompanhamento rigoroso, em homens hipogonádicos que realizaram braquiterapia como forma de tratamento do CaP localizado29. TRT em homens com CaP não tratado A suplementação de testosterona em homem com CaP não tratado é tópico de controvérsia ímpar. As informações existentes na literatura, nesse contexto, são, evidentemente, limitadas, porém tendem a aumentar na medida em que as séries de observação vigilante para CaP também aumentam. A primeira publicação de que se tem notícia sobre reposição hormonal em homens com CaP incluídos em protocolos de observação vigilante data de abril de 2011. Neste estudo, Morgentaler e colaboradores acompanharam 13 pacientes com sintomas de DAEM que receberam TRT por, pelo menos, 12 meses após o diagnóstico de CaP. A duração média da TRT foi de 3,1 anos. TT, T livre, FSH e LH variaram significativamente com a TRT, ao passo que PSA e volume prostático não se alteraram. Todos os pacientes foram submetidos a, pelo menos, uma biópsia de próstata de seguimento. O único paciente com indício de progres- LUIZA RAMOS RHODEN ERNANI LUIS RHODEN ATUALIZAÇÃO são apresentou variação de escore de Gleason de 6 para 7 (3+4), mas continuou em vigilância ativa, tendo demonstrado Gleason 6 em duas biópsias subsequentes. Logo, não houve casos de progressão definitiva da neoplasia durante a TRT. Todos os pacientes apresentaram melhora significativa na libido, performance sexual, humor e energia30. Embora esses dados sejam extremamente interessantes, não são, evidentemente, conclusivos, tratando-se de análise de série de casos. Entretanto, nos remetem à história natural do CaP e emergem indícios sobre as diferenças biológicas entre as neoplasias histológicas latentes e as clinicamente relevantes, bem como sua relação com os níveis de testosterona. Nesse contexto, reforça-se o modelo da saturação dos receptores androgênicos prostáticos, que merece ser mais profundamente explorado. Testosterona e sono A exposição regular à luz artificial e à disponibilidade de atividades laborais e sociais a qualquer hora do dia, associadas às pressões econômicas da atualidade resultam em menor disponibilidade de tempo para dormir, o que origina a maior parte dos distúrbios do sono. Estima-se que privação crônica de sono acometa aproximadamente 45% dos adultos em sociedades industrializadas31. A média de tempo de sono reduziu de 8,9 horas na década de 1960 para 6,9 horas nos anos 200032. Até recentemente, o período de sono era considerado primariamente importante para restabelecer a função cerebral, sobrecarregada ao longo do dia. Entretanto, atualmente, há evidências contundentes da importância do sono na modulação de funções endócrinas e metabólicas, na regulação do sistema imune e de atividades cardiovasculares. O sono noturno é particularmente caracterizado por um padrão específico de secreção hormonal33. Um padrão circadiano de liberação de testosterona em humanos já pode ser identificado desde os 5 anos de idade. Homens adultos costumam apresentar picos de testosterona no momento em V.4 N.1 JAN JUN 2014 UROLOGIA ESSENCIAL 9 ATUALIZAÇÃO ATUALIZAÇÃO EM DAEM – TRT EM PACIENTES COM PSA ELEVADO, CA DE PRÓSTATA E APNEIA DO SONO DANIEL DE FREITAS G. SOARES LUIZA RAMOS RHODEN ERNANI LUIS RHODEN que acordam, com diminuição gradual ao longo do dia. Curiosamente, estudos com coletas seriadas identificaram associação entre picos noturnos de testosterona e períodos de sono REM (rapid eye movement). Isso explica porque as concentrações basais desse hormônio costumam ser mais elevadas nas últimas horas do período de sono, quando a quantidade acumulada de sono REM é máxima33,34. Embora a relação entre ereções noturnas e sono REM não seja ainda completamente elucidada, estudos de polissonografia com monitoramento da tumescência peniana demonstram que essas ereções ocorrem apenas durante essa fase do sono (figura 2)35. Uma das primeiras hipóteses para explicar essa relação foi proposta por Bancroft em 2005, que sugeriu que neurônios noradrenérgicos do locus ceruleus fossem inibitórios para as ereções, e que a cessação de suas descargas, que ocorrem durante o sono REM, pudessem induzir tumescência peniana através de ações excitatórias mediadas por testosterona36. Paradoxalmente, a secreção do hormônio luteinizante (LH), principal estimulante hipofisário à esteroidogênese testicular, não guarda qualquer relação com as fases do sono. Tanto LH quanto o folículo estimulante (FSH) mantém seus níveis séricos constantes durante toda a noite, enquanto a prolactina e a melatonina elevam seus níveis similarmente aos da testosterona. No entanto não é possível, até o momento, identificar o estimulante testicular responsável por esse padrão de secreção37. Por outro lado, diversos estudos demonstraram que os distúrbios do sono causam redução na concentração de androgênios circulantes em homens saudáveis. Estudo realizado por Singer e colaboradores, que incluiu jovens médicos submetidos a períodos regulares de privação de sono, confirmam esses achados. O clássico estudo de Opstad, que submeteu militares do sexo masculino a dosagem de níveis de androgênio antes e depois de operações envolvendo estresse físico e privação de sono prolongados, também observou a queda nos níveis de testosterona, FIGURA 2 Tumescência peniana durante os diferentes estágios do sono. Ereções noturnas ocorrem apenas durante os períodos de sono REM (colunas cinzas). In: Soares DFG, Rhoden EL. A 35-year-old-men presenting sleep-related painful erections: a case report and review of literature. Advances in Sexual Medicine 2014;4: 6-10. mm REM slepp ( - ) Sleep stages 20 Penile tumescence 10 0 0 1 2 3 Sleep time, hours 10 UROLOGIA ESSENCIAL V.4 N.1 JAN JUN 2014 4 5 6 7 ATUALIZAÇÃO EM DAEM – TRT EM PACIENTES COM PSA ELEVADO, CA DE PRÓSTATA E APNEIA DO SONO DANIEL DE FREITAS G. SOARES androstenediona, diidroepiandrosterona (DHEA) e 17 α-hidroxiprogesterona, na impressionante ordem de 70 a 90%, sugerindo impacto tanto na secreção hormonal testicular quanto adrenal38,39. Além disso, o próprio processo de envelhecimento comumente afeta a arquitetura do sono, que se torna cada vez mais fragmentado por episódios de agitação e despertar, levando a uma dificuldade na manutenção do mesmo e tornando-o mais curto33. A privação de sono, ou simplesmente a sua interrupção, é capaz, portanto, de reduzir significativamente a produção noturna de testosterona, contribuindo para o surgimento de níveis hipogonádicos. Pode-se concluir, então, que a preservação da arquitetura do sono contribui para a homeostase dos hormônios sexuais e seu restabelecimento deve, por isso, fazer parte da terapêutica das disfunções sexuais e do hipogonadismo relacionado ao envelhecimento33-40. TRT e apneia do sono A síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) é uma patologia da via aérea superior, com sintomas de intensidade variável, que acomete 5 a 7% da população adulta masculina. Embora aparentemente inofensiva, tem sido associada a um número crescente de comorbidades, como cardiopatia isquêmica e disfunção erétil, e a predominância em homens sugere que hormônios sexuais estejam envolvidos na sua patogenia. Diversos estudos sugerem, ainda, que a SAOS em homens está associada à diminuição da produção androgênica40-41. Como vimos, a fragmentação e a diminuição do tempo de sono são capazes de inibir a secreção pulsátil de testosterona e, consequentemente, diminuir seus níveis séricos. Fatores como idade, índice de massa corpórea (IMC) e nível de hipóxia durante apneia, provavelmente, exercem ação sinérgica e magnificam esse efeito42. Uma série de mecanismos foram propostos para explicar a relação entre testosterona e SAOS, e uma análise criteriosa dos dados publicados permite concluir que a testosterona, em níveis LUIZA RAMOS RHODEN ERNANI LUIS RHODEN ATUALIZAÇÃO tanto hipogonádicos quanto suprafisiológicos, podem aumentar a sua incidência e diminuir o tempo total de sono e a proporção de sono REM. Em 1994, Cistulli demonstrou que níveis suprafisiológicos de testosterona estavam associados a uma maior incidência de colapso da via aérea superior durante o sono, provavelmente devido ao seu efeito anabólico nos tecidos da oro e nasofaringe43, enquanto Liu reportou redução no tempo total de sono após elevação da testosterona41. É preciso salientar, contudo, que o objetivo a TRT em pacientes com DAEM é restabelecer níveis eugonadais de testosterona sérica, e não expor os tecidos a níveis suprafisiológicos de androgênio14. Formulações que reproduzem a secreção diária de testosterona, como as tópicas diárias ou as intramusculares de liberação lenta, devem ser preferidas em relação às que produzem picos suprafisiológicos para pacientes com DAEM e distúrbios do sono pré-estabelecidos ou com fatores de risco importantes para desenvolvê-los (IMC elevado, obstrução nasal, micrognatia, macroglossia, tabagismo, consumo frequente de álcool e de benzodiazepínicos). Na suspeita de SAOS, a polissonografia está indicada para confirmação diagnóstica, e referência para especialista em distúrbios do sono e vias aéreas é fortemente recomendada para acompanhamento e tratamento complementar33. Considerações finais Apesar do número crescente de publicações demonstrando a sua segurança, a reposição androgênica ainda é cercada de controvérsias. Os estudos que envolvem CaP e testosterona têm limitações óbvias, entre as quais o pequeno número de pacientes, a inclusão de homens com doença localizada, de baixo volume e baixo a moderado grau histológico, o que certamente limita a validação dos dados para a totalidades dos pacientes tratados por neoplasia de CaP. Além disso, impedimentos éticos dificultam a busca de evidências que esclareçam de forma definitiva o efeito da TRT no paciente com CaP localmente avançado ou metastático. V.4 N.1 JAN JUN 2014 UROLOGIA ESSENCIAL 11 ATUALIZAÇÃO ATUALIZAÇÃO EM DAEM – TRT EM PACIENTES COM PSA ELEVADO, CA DE PRÓSTATA E APNEIA DO SONO DANIEL DE FREITAS G. SOARES LUIZA RAMOS RHODEN Embora faltem estudos especificamente delineados para avaliar a associação da TRT com distúrbios do sono, as evidências atuais sugerem que o simples restabelecimento de níveis normais de testosterona seja benéfico para a arquitetura do sono e não esteja associado a aumento no risco de desenvolvimento de SAOS. A seleção do paciente com DAEM candidato a TRT deve ser, portanto, criteriosa, com especial atenção às suas contraindicações e sempre fazendo-se pesar os riscos, de forma a compartilhar com o paciente a decisão pelo tratamento. O seguimento deve ser igualmente rigoroso, com avaliação frequente da eficácia no controle dos sintomas e da presença de efeitos adversos. ERNANI LUIS RHODEN TABELA 4 Evidências atuais para TRT empacientes com DAEM EVIDÊNCIA NE GR O risco de um homem desenvolver CaP não se correlaciona com seus níveis séricos de T. 1b A TRT em pacientes selecionados não aumenta o risco de CaP. 1b A Hipogonadismo não é fator protetor para CaP. 3 C Altas concentrações de T não se correlacionam com pior prognóstico do CaP. 3 C O restabelecimento de níveis normais de T diminui a incidência de SAOS em homens com DAEM. 4 C 4 C Homens com CaP que zeraram o PSA após tratamento com intenção curativa podem ser incluídos em programas de TRT. 3 C O monitoramento do paciente em TRT deve ser regular e incluir hemograma, PSA total sérico, exame digital da próstata, pesquisa de sintomas miccionais e de distúrbios do sono. 4 C Baixos níveis de T, bem como níveis suprafisiológicos, estão associados a maior prevalência de distúrbios de sono, incluindo SAOS. NE: nível de evidência, GR: grau de recomendação REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 12 Wu FC, Tajar A, Beynon M, et al. Identification of late-onset hypogonadism in middle-aged and elderly men. N Engl J Med 2010 Jul 8;363(2):123-35. Marks LS, Mazer NA, Mostaghel E, et al. Effect of testosterone replacement therapy on prostate tissue in men with late-onset hypogonadism: a randomized controlled trial. JAMA 2006;296:2351-61. Buvat J, Maggi M, Gooren L, Guay A.T, Kaufman J.M, Morgentaler A, Schulman C, Tan H.M, Torres L.O, Yassin A, Zitzmann M, Endocrine Aspects of Male Sexual Dysfunctions. J Sex Med 2010;7:1627-1656. Morgentaler A. Testosterone replacement therapy and prostate cancer. Urol Clin North Am 2007;34:555–63. Nieschlag E, Behre HM (eds). Andrology: male reproductive health and dysfunction. 3rd edn. Heidelberg: Springer, 2010. Wang C, Nieschlag E, Swerdloff R et al. 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V.4 N.1 JAN JUN 2014 UROLOGIA ESSENCIAL 13 M U LT I D I S C I P L I N A R I D A D E Implicações do Gadolínio no Sistema Urinário CARLOS MARTINS CARNEIRO DE ARAÚJO JÚNIOR Médico Radiologista | Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia CDPI | Rio de Janeiro Fellow de Imagem do Abdome e Pelve | Clínica LEONARDO KAYAT BITTENCOURT, PHD Médico Radiologista | Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia Mestre e Doutor em Radiologia | UFRJ Adjunto de Radiologia | UFF Coordenador do Setor de Medicina Interna | CDPI Barrashopping A procura de alternativas aos meios de contrastes iodados nos exames radiológicos em pacientes com histórico de reações alérgicas ou insuficiência renal preexistente viabilizou o uso do gadolínio como primeiro contraste paramagnético aprovado para uso clínico em exames de ressonância magnética (RM), a partir de 19881. Diferentemente dos meios de contraste densos (iodados e baritados) dos exames radiográficos e tomográficos, o gadolínio gera contraste na ressonância magnética através da modificação das propriedades dos átomos de hidrogênio nos tecidos onde se encontra, sendo, portanto, do ponto de vista físico, a denominação de agente paramagnético mais adequada que a de meio de contraste para os compostos de gadolínio1,2. Hoje, praticamente todos os exames de ressonância magnética para indicações urológicas requerem o uso de contrastes à base de gadolínio em seu pro- 14 UROLOGIA ESSENCIAL V.4 N.1 JAN JUN 2014 Professor tocolo ideal/completo. Os principais exemplos se dão na caracterização de nódulos e cistos renais (figura 1), no estadiamento de tumores vesicais (figura 2) e na avaliação multiparamétrica da próstata (figura 3). O gadolínio (Gd+3) é um elemento químico metálico, cuja forma livre (ionizada) é tóxica a tecidos biológicos. Assim, os meios de contraste à base desse elemento o empregam sob a forma de quelato, ou seja, moléculas orgânicas que se ligam de maneira estável ao íon de gadolínio, a fim reduzir as chances de toxicidade. Existem, basicamente, duas famílias de quelatos de gadolínio: os de configuração linear e os macrocíclicos. Os compostos lineares têm uma cadeia mais simples, na qual o gadolínio se encontra mais exposto e, potencialmente, com maior chance de dissociação do que nos compostos macrocíclicos. Já esses últimos, de moléculas maiores e ramificadas, são considerados mais estáveis www.urologiaessencial.org.br FIGURA 1 RM do abdome superior no plano axial, ponderada em T2 (A), mostrando lesão cística complexa no rim direito (seta), com septos espessos e irregulares. Sequências em T1 com supressão de gordura pré (B) e pós-contraste (C), mostrando componentes nodulariformes com realce de permeio aos septos (seta), caracterizando cisto do tipo IV de Bosniak e, portanto, altamente suspeito para envolvimento neoplásico. A B C FIGURA 2 Sequência pesada em T2 no plano coronal (A), mostrando espessamento focal irregular de aspecto polipoide na parede anterolateral direita da bexiga (seta), com indefinição de sua parede. Imagem pesada em T1 com supressão de gordura pós-gadolínio (B), mostrando realce precoce e intenso da lesão pelo contraste, sobretudo de seu pedículo, sem extensão significativa à profundidade da parede, sugerindo mais provavelmente lesão polipoide superficial. A B V.4 N.1 JAN JUN 2014 UROLOGIA ESSENCIAL 15 MULTIDISCIPLINARIDADE IMPLICAÇÕES DO GADOLÍNIO NO SISTEMA URINÁRIO CARLOS MARTINS CARNEIRO DE ARAÚJO JÚNIOR LEONARDO KAYAT BITTENCOURT FIGURA 3 Câncer de próstata – lesão fusiforme hipointensa em T2 na face posterolateral do terço médio da zona periférica prostática à direita (seta em A), com sinais de restrição à difusão da água, sugerindo alta celularidade (seta em B). Ao estudo dinâmico de permeabilidade pós-injeção de gadolínio, observa-se foco de realce precoce, correspondente à área suspeita nas demais sequências (seta em C). A combinação dos achados multiparamétricos configurou alta suspeição para esta lesão. A peça de prostatectomia revelou adenocarcinoma usual prostático grau 7 (3+4) de Gleason, confinado à região suspeita pelos achados de RM (cabeçasde-seta em D). A B C D e com menor chance de dissociação dos íons de gadolínio1,2. A tabela 1 resume os principais meios de contraste, baseados em gadolínio à disposição no mercado para uso clínico. Os meios de contraste paramagnéticos baseados em gadolínio são largamente utilizados e considerados seguros do ponto de vista renal, pois não apresentam efeito nefrotóxico, o que os diferencia dos meios de contraste iodados. Dessa forma, não há, especificamente, a preocupação com advento de nefropatia induzida por contraste com o uso de gadolínio, tampouco há necessidade de medidas protetoras de função renal em pacientes que serão submetidos a exames de RM. 16 UROLOGIA ESSENCIAL V.4 N.1 JAN JUN 2014 Os meios de contraste baseados em gadolínio são considerados bastante seguros para uso clínico geral, sobretudo em comparação com a incidência de efeitos adversos de meios de contraste iodados. É descrito que até 5% dos pacientes em uso de compostos de gadolínio apresentam reações adversas, porém menos de 1% de tais reações são consideradas moderadas ou graves. As mais comuns incluem náuseas, vômitos, cefaleia, dor, alterações do paladar, tontura, vasodilatação e sensação de frio no local da injeção. Raramente se observam reações anafilactoides graves, e estas se dão, em sua maioria, em pacientes sabidamente alérgicos a múltiplas outras substâncias2,3. Além disso, devido à toxicidade intrínseca do íon livre de gadolínio, existe a possibilidade de efeitos dose-dependentes e cumulativos, resultantes da deposição do gadolínio em tecidos do organismo4,5. Dentre esses efeitos de deposição, a condição de maior notoriedade, e que tem sido exaustivamente estudada na literatura radiológica recente, é a fibrose sistêmica nefrogênica (FSN). A FSN é uma doença sistêmica rara descrita desde 1997, geralmente progressiva, debilitante e potencialmente fatal, caracterizada por fibrose tecidual generalizada, sendo originalmente conhecida como dermopatia fibrosante nefrogênica devido a seus achados cutâneos dominantes, que, entretanto, teve sua terminologia modificada em razão de uma maior compreensão de seus efeitos sistêmicos1. Clinicamente, a FSN é caracterizada pelo espessamento e endurecimento da pele, com envolvimento IMPLICAÇÕES DO GADOLÍNIO NO SISTEMA URINÁRIO CARLOS MARTINS CARNEIRO DE ARAÚJO JÚNIOR LEONARDO KAYAT BITTENCOURT MULTIDISCIPLINARIDADE TABELA 1 Meios de contraste baseados em gadolínio Nome Estrutura Química Vias de Eliminação Ligação Carga Protéica Relato de FSN Genérico Comercial Gadodiamida Omniscan Lienar Renal Não Não iônica Sim Gadoversetamide OptiMARK* Linear Renal Não Não iônica Sim Gadopentado de dimeglumina Magnevist, Magnograf Linear Renal Não Iônica Sim Gadobenato de dimeglumina MultiHance Linear 97% renal <5% Iônica Não <15% Iônica Não 9% biliar >85% Iônica Não 3% biliar Ácido gadoxético Primovist Linear 50% renal 50% biliar Gadofosveset Vasovist Linear 95% renal Gadoteridol ProHance Cíclico Renal Não Não Iônica Não Gadobutrol Gadovist Cíclico Renal Não Não Iônica Não Gadoterato de meglumina Dotarem Cíclico Renal Não Iônica Não Adaptado de Karam, 20082. principalmente das extremidades, resultando em contraturas em flexão, com redução da amplitude dos movimentos, associada à dor, parestesias e prurido intenso1. Não existe um único teste capaz de diagnosticar a doença. Os achados laboratoriais geralmente encontrados são déficit da função renal, estados de hipercoagulabilidade e oscilações na contagem de plaquetas. O padrão-ouro para o diagnóstico da FSN é a análise histopatológica através da biópsia da pele acometida6. Observou-se, no início da última década, uma sucessão de casos de FSN em pacientes com histórico comum de realização de exames de RM com gadolínio. Percebeu-se, então, que havia um maior risco de desenvolvimento de FSN relacionada a gadolínio em pacientes com taxa de filtração glomerular menor do que 30mL/min/1,73m2, especialmente naqueles submetidos à diálise, apesar de também poder ocorrer em casos de insuficiência renal agu- da, particularmente com síndrome hepatorrenal, o que obriga a comunidade radiológica a rever os conceitos de segurança do gadolínio em pacientes com função renal comprometida2, 7. A hipótese mais aceita até então é a de que, em pacientes com função renal comprometida, a permanência prolongada dos compostos de gadolínio na circulação sanguínea facilita a dissociação em íons livres, que podem, então, se depositar nos tecidos. Além de comprometimento da função renal, um grande número de pacientes acometidos por FSN apresenta, ainda, outras comorbidades, como estado de hipercoagulabilidade ou de eventos trombóticos em procedimentos cirúrgicos, principalmente vasculares, antecedendo o aparecimento dos sintomas, sendo que muitos pacientes também apresentam hepatopatia crônica concomitante (hepatite B e C) e acidose. Entretanto, o exato significado da associação do comprometimento renal com essas comorbidades V.4 N.1 JAN JUN 2014 UROLOGIA ESSENCIAL 17 MULTIDISCIPLINARIDADE IMPLICAÇÕES DO GADOLÍNIO NO SISTEMA URINÁRIO CARLOS MARTINS CARNEIRO DE ARAÚJO JÚNIOR na gênese da FSN ainda não está claro8. Pacientes com doença renal avançada (pacientes em diálise ou com taxa de filtração glomerular (TFG) < 15 mL/min) devem ser criteriosamente avaliados quanto à necessidade e ao benefício do uso do contraste e, caso seja realmente necessário, deve-se administrar a menor dose possível do mesmo. Nos pacientes que se apresentam com insuficiência renal aguda, os valores de creatinina e a taxa de filtração glomerular estimada são imprecisos, devendo ser, geralmente, evitada a utilização de agentes de contraste à base de gadolínio. Para pacientes com insuficiência renal crônica, a FDA (Food and Drug Administration) determinou que o risco é maior quando a taxa de filtração glomerular estimada é inferior a 30 mL/min/1,73 m2 1, 3, 9. Não há informações suficientes para determinar a verdadeira utilidade da diálise em prevenir ou tratar a fibrose sistêmica nefrogênica em pacientes com função renal reduzida. Entretanto, sabe-se que a realização de diálise nesses pacientes eliminará o contraste circulante, com taxas médias de excreção de 78%, 96% e 99%, nas respectivas sessões de diálise. Portanto, recomenda-se que a hemodiálise seja realizada imediatamente após a administração do agente de contraste à base de gadolínio e, novamente, 24 horas mais tarde7, 9, 10. As novas diretrizes de utilização do gadolínio variam de acordo com sociedades que norteiam essas orientações, sendo basicamente a norteamericana e a europeia4, 5. Enquanto a norteamericana não leva em consideração o tipo de gadolínio que está sendo utilizado, e determina condutas genéricas para o uso desse agente, a europeia tem normas variáveis dependendo do tipo de gadolínio que será utilizado, sendo esta a adotada em nosso serviço e a que conta com maior aceitação mundial4, 5. A European Society of Urogenital Radiology (ESUR) Contrast Media Safety Committee definiu os grupos de risco para o uso do gadolínio da seguinte forma11: ALTO risco: • pacientes com IRC graus 4 e 5 (clearance estimado de creatinina <30 mL/min/1,73 m2); 18 UROLOGIA ESSENCIAL V.4 N.1 JAN JUN 2014 LEONARDO KAYAT BITTENCOURT • pacientes em diálise; • pacientes com insuficiência renal aguda. BAIXO risco: • pacientes com IRC grau 3 (clearance estimado de creatinina entre 30 e 59 mL/ min/1,73 m2); • crianças menores do que um ano de idade. SEM risco: • pacientes com TFG >60 mL/min. A classificação quanto ao tipo dos meios de contraste paramagnéticos, segundo o risco para desenvolvimento de FSN, dá-se da seguinte forma: ALTO RISCO: • gadodiamida (Omniscan®); • gadopentetato dimeglumina (Magnevist®); • gadoversetamida (Optimark®). Esses agentes não devem ser utilizados em doses superiores a 0,1 mmol/kg por exame e por paciente, sendo mandatória a determinação dos níveis séricos de creatinina11. São contraindicados para os pacientes com insuficiência renal crônica graus 4 e 5, insuficiência renal aguda, grávidas e recém-nascidos. Tais contrastes devem ser utilizados com cautela nos pacientes com IRC grau 3 e nas crianças menores do que um ano de idade. RISCO INTERMEDIÁRIO: • gadobenato dimeglumina (Gd-Bopta®); • gadofosveset trissódico (Vasovist®); • gadoxetato dissódico (Primovist®). BAIXO RISCO: • gadobutrol (Gadovist®); • gadoterato meglumina (Dotarem®); • gadoteridol (Prohance®). Os contrastes com risco intermediário e baixo podem ser utilizados com precaução em pacientes com IRC 4 e 5, com um intervalo mínimo de 7 dias entre duas injeções, utilizando-se as menores do- IMPLICAÇÕES DO GADOLÍNIO NO SISTEMA URINÁRIO CARLOS MARTINS CARNEIRO DE ARAÚJO JÚNIOR ses possíveis. O comitê afirma que não é necessária a detecção dos níveis de creatinina para o uso dos agentes desses grupos, exceto nos pacientes com IRC graus 4 e 5. Portanto, contrastes à base de gadolínio na dosagem correta podem ser utilizados com segurança. Porém devemos ter cautela com pacientes com IRC graus 4 e 5, levando-se em consideração o bom senso na avaliação do risco versus benefício desses pacientes. Em resumo, os meios de contraste baseados em gadolínio são substâncias seguras para uso LEONARDO KAYAT BITTENCOURT MULTIDISCIPLINARIDADE clínico em pacientes hígidos ou com leve comprometimento da função renal. A ocorrência de reações alérgicas graves é muito incomum, e não há perfil de nefrotoxicidade para esses compostos. A principal complicação a se ter atenção é a FSN, cujo principal fator de risco é o comprometimento moderado/ grave da função renal, associado a condições sistêmicas como infecção ou acidose. Compostos de estrutura macrocíclica são considerados mais estáveis e, portanto, com menor risco de desenvolvimento de FSN, devendo ser preferidos em pacientes com qualquer histórico de alteração na função renal. REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. Juluru K, Vogel-Claussen J, Macura KJ, Kamel IR, Steever A, Bluemke DA. Quality Initiatives MR Imaging in Patients at Risk for Developing Nephrogenic Systemic Fibrosis: Protocols, Practices, and Imaging Techniques to Maximize Patient Safety1. Radiographics. 2009;29(1):9-22. Karam MAH. Risco de Fibrose Sistêmica Nefrogênica com o Uso de Contraste à Base de Gadolínio em Doença Renal Crônica. J Bras Nefrol. 2008;30(1):66-71. Martin DR. Nephrogenic systemic fibrosis: A radiologist’s practical perspective. European journal of radiology. 2008;66(2):220-4. Thomsen HS. How to avoid nephrogenic systemic fibrosis: current guidelines in Europe and the United States. Radiologic Clinics of North America. 2009;47(5):871-5 Leite CdC. 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Embora saibamos que dificilmente esse sinal representa uma patologia grave (incidência estimada de 0,5% em populações submetidas a screening de câncer de próstata) e que, na maioria das vezes, cursa com autolimitação em poucas semanas (em 60% dos casos o episódio é único), precisamos estabelecer uma sistematização de conduta. A primeira atitude do médico é tranquilizar o paciente, explicando-lhe, com firmeza e segurança, que em mais da metade dos casos não há como se fazer diagnóstico e que, apesar disso, raramente o sangramento seria o prenúncio de uma 20 UROLOGIA ESSENCIAL V.4 N.1 JAN JUN 2014 doença grave, devendo desaparecer naturalmente, mormente nos indivíduos abaixo de 50 anos, ocasião de maior incidência do sinal clinico; mas que serão feitos todos os esforços para que uma eventual causa seja diagnosticada e tratada. Posteriormente, afora a questão idiopática mais frequente, sobretudo nos pacientes adultos jovens, há que termos em mente cinco horizontes básicos a serem investigados: 1. 2. 3. 4. 5. história de trauma; doenças sistêmicas; distúrbios hemorrágicos; inflamações próstato-vesiculares; tumores. Assim, a obtenção de uma história clínica direcionada, tais como a que é listada a seguir, já nos permite algumas pistas: traumatismo perineal ou pélvico, biópsia de próstata (causa identificável mais frequente), irradiação prostática para tratamento de tumores, instrumentação uretral, vasectomia, HEMATOSPERMIA SYLVIO QUADROS MERCÊS JÚNIOR UROLOGIA DE CONSULTÓRIO www.urologiaessencial.org.br uso de anticoagulantes, uso de anti-hipertensivos, mia em jejum, provas de função hepática, sumáalcoolismo, sintomas urentes miccionais e/ou flurio de urina (urina tipo I), urocultura qualitativa e xos retrais de qualquer natureza. Outro aspecto quantitativa, cultura para BAAR na urina, esperrelevante é a duração do sangramento. mograma (diagnóstico diferencial de melanosperAlguns autores consideram uma incidência de mia) e, nos pacientes acima de 40 anos, PSA sérico mais de 10 ejaculações hemáticas como hematoestotal. Além disso, deve ser solicitada uma ultrassopermia crônica. Outros preferem classificá-la connografia das vias urinárias e transretal da próstata soante o tempo.; nesses casos, a chance da relação e vesículas seminais4. Com isso, já podemos aprofundar as suspeitas ou estreita com uma causa evidenciável é maior, na raconfirmar uma série de possíveis causas da hemazão direta da longevidade do paciente. Daí, é preciso tospermia: distúrbios hemáticos que o médico se atenha ao exa(leucemia, linfoma) e da coagume físico, que deve ser iniciado lação sanguínea (uso de anticocom a medida da tensão arteagulantes – mesmo o ácido acerial. Esse simples exame pode Alguns autores consideram tilsalicílico, hemofilia, púrpura); evidenciar a causa não objetiva uma incidência de mais de 10 hepatopatia crônica; infecção urimais frequente de hematosperejaculações hemáticas como nária; tuberculose genitourinária; mia, que é a hipertensão arterial melanoma (metástase em vesícusistêmica. As razões do sangrahematoespermia crônica. Outros las seminais)5; câncer e litíase da mento, nesse caso, não são bem preferem classificá-la consoante próstata; tumores, cistos inflamaconhecidas, por vezes ocorrendo o tempo.; nesses casos, a chance tórios ou divertículos das vesícuconcomitantemente à hemorrada relação estreita com uma las seminais5 etc. gia nasal1,2. causa evidenciável é maior, na A seguir, devemos proceder Pacientes com queixas sugesrazão direta da longevidade à avaliação física da genitália tivas de uretrite devem ser invesdo paciente.” externa, iniciando-se pela vetigados neste sentido, através de rificação de sangramento procultura para gonococo (Thayerveniente da uretra, inspeção -Martin), IFD para Chlamydia trado períneo e palpação dos testículos e cordões comatis, exame direto para Trichomonas vaginalis, espermáticos: o canal deferente deve ser palpado culturas específicas para Mycoplasma hominis e inteiramente, quando a presença de nódulos ou Ureaplasma urealyticum, pesquisa de fungos e soáreas de endurecimento, na ausência de vasectorologia para herpes simples (IgM e IgG)6. A ressonância nuclear magnética (exame padrão ouro para mia, nos remete a pensar em tuberculose3. É importante recordar que os pacientes acima avaliação da próstata e vesículas seminais) apenas de 40 anos devem ser submetidos a exame digital deve ser solicitada, de maneira apropriada, para da próstata. maior esclarecimento de lesões evidenciadas pelos Como as vesículas seminais normalmente não estudos ecográficos iniciais, podendo ser incremensão palpáveis, ao fazê-lo, a possibilidade de patotada como o probe transretal6,7. Nos casos de persistência do sangramento selogia subjacente torna-se significativa, o que reminal e esgotadas todas as formas de investigação quer, de imediato, uma avaliação complementar anteriormente pontuadas, deve-se proceder a uma através da ultrassonografia. uretrocistoscopia, ocasião em que algumas situaOs exames laboratoriais, inicialmente, deções podem ser esclarecidas e possivelmente revem constar de: hemograma, coagulograma, gliceV.4 N.1 JAN JUN 2014 UROLOGIA ESSENCIAL 21 UROLOGIA DE CONSULTÓRIO HEMATOSPERMIA SYLVIO QUADROS MERCÊS JÚNIOR lacionadas à queixa: HPB, varizes, hemangiomas8, teleangiectasias ou cálculos prostáticos. Resumo e recomendações 1. Hematospermia quase sempre é uma condição benigna, podendo ser devida a várias causas, identificáveis e não identificáveis, sendo mais frequente em adultos jovens com idade média de 37 anos. 2. A relação do sangramento com malignidade, embora rara, existe nos pacientes acima de 60 anos de idade. 3. Hematospermia que persiste por mais de um mês ou em mais de 10 ejaculações quase sempre sugere a possibilidade maior de uma patologia identificável, justificando uma investigação clínica mais aprofundada. 4. É necessário deixar claro para o paciente que existe, quase sempre, uma dissintonia entre hematospermia e gravidade mórbida, cabendo ao médico ter habilidade para orientá-lo e tranquilizá-lo no decorrer da investigação clínica. 5. Conduta empírica com antibioticoterapia supressiva, Finasterida ou Dutasterida faz parte da abordagem terapêutica desta condição clínica. Tratamento Como foi sobejamente referido, na maioria das vezes não se consegue chegar a uma conclusão diagnóstica e o sangramento cessa, espontaneamente, em poucas semanas. Portanto, a “pedra angular” da abordagem ao paciente é tranquilizá-lo e tornar-se disponível no acompanhamento clínico Entretanto, do ponto de vista prático, seguimos a seguinte ordem de conduta, de acordo com a situação vigente: 1. pacientes com causas identificaficáveis: tratá-las especificamente! 2. pacientes com prostatite presumível (15 a 28%): antibioticoterapia adequada. 3. pacientes com situações não identificáveis: orientação, acompanhamento e tratamento empírico, cujos efeitos terapêuticos são cientificamente pouco inteligíveis mas que parecem modificar o curso da hematospermia: uso de Finasterida ou Dutasterida por um período não inferior a 3 meses. REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 22 Kumar P, Kapoor S, Nargud V Haematospermia: a systematic review: Ann R Coll Surg Engl; 88, 339-342. Hamburger S, Styczynski M, O’Hearne J, German G Hemospermia and hypertension two case reports J Kans Med Soc 1980; 81:459. Ahmad I, Krisna, NS: Hemospermia J Urol 2007; 177, 1613-1618. Mulhall JP and Albertsen PC Hemospermia: diagnosis and management Urology 1995; 46:463. Smith GW, Griffth DP, Pranke DW Melanospermia: an anusual presentation of malignant melanoma J Urol 1973; 110:314. Wang TM, Chuang CK, Lai MK Seminal vesicle cyst; An anusual cause of hematospermia – a case report. Changgeng Yi Xue Za Zhi 1993; 16:275. UROLOGIA ESSENCIAL V.4 N.1 JAN JUN 2014 Bamberger E, Madeb R, Steinberg J, et al. Detection of sexually transmitted patogens in patients with hematospermia Isr Med Assoc J 2005; 7:224. 8. Torigian DA, Ramchandani P Hematospermia: imaging findings Abdom imaging 2007; 32:29. 9. Zhao H, Luo J, Wang D, et al The value of transrectal ultrasound in the diagnosis of hematospermia in a large coort of patients J Androl 2012; 33:897. 10. Furuya S, Ogura H, Shimamura S, et al Hemangioma of the prostate urethra. Hematospermia and massive postejacuation hematuria with clot retention Int J Urol 1997; 4:524. 7. TÉCNICAS CIRÚRGICAS Incontinência Urinária PósProstatectomia Radical: Técnica de Implante do Esfíncter Urinário Artificial MÁRCIO AUGUSTO AVERBECK EAU Clinical Fellowship | Universidade de Innsbruck/Áustria Video-Urodinâmica do Hospital Moinhos de Vento | PA/RS LUIS AUGUSTO SEABRA RIOS Chefe do Serviço de Urologia do HSPE | SP do Hospital Albert Einstein Doutor em Urologia | Unifesp EPM Introdução A incontinência urinária pós-prostatectomia (IUPP) é uma condição que tem um efeito devastador na qualidade de vida do paciente e está associada a elevado risco de depressão, isolamento social e altos custos para o sistema de saúde1 .As estratégias de rastreamento têm facilitado o diagnóstico e o tratamento precoces do câncer de próstata nas últimas décadas. Contudo, apesar dos avanços na técnica cirúrgica da prostatectomia radical, o número de pacientes com incontinência urinária aumentou consideravelmente. O presente artigo visa descrever as indicações e a técnica de implante do esfíncter urinário artificial. Informações concisas sobre prevalência da IUPP, fisiopatologia e modalidades de tratamento conservador também serão apresentadas. 24 UROLOGIA ESSENCIAL V.4 N.1 JAN JUN 2014 Comitê de Promoção da Neurourologia da ICS Unidade de Coordenador da Unidade de Urodinâmica Prevalência da Incontinência Urinária Pós-Prostatectomia Radical As taxas de incontinência pós-prostatectomia são muito variáveis na literatura médica (tabela 1). Isso se deve a diferentes definições de incontinência significativa e aos distintos métodos de avaliação utilizados (critérios subjetivos versus objetivos). Estima-se que cerca de 5% dos pacientes submetidos à prostatectomia radical permanecerão incontinentes por um ano após a cirurgia, mesmo após a aplicação das modalidades de tratamento conservador. Fatores de Risco Dentre os fatores que poderiam estar associados à incontinência urinária pós-prostatectomia (IUPP), podemos citar: a idade do paciente, estadiamento do tumor, técnica cirúrgica utilizada (nerve-sparing), www.urologiaessencial.org.br TABELA 1 Taxas de continência após a prostatectomia radical, de acordo com diferentes definições de continência* Definição 1: controle total, sem uso de absorventes ou relato de perdas. Definição 2: sem uso de absorventes, contudo, com relato de perda de gotas de urina. Definição 3: uso de até 1 absorvente por dia. Autor N Idade média (anos) Continente Definição 1 Continente Definição 2 Kielb, et al2 90 59,6 76% Sebesta, et al3 675 <65 43,7% Lepor & Kaci4 92 58,7 44,6% Olsson, et al5 115 65,2 56,8% 78,4% Madalinska, et al6 107 62,6 33% 65% RRP Deliveliotis, et al7 149 66,5 92,6% RPP Harris, et al8 508 65,8 96% RPP Maffezzini, et al9 300 65,5 88,8% RRP Hofmann, et al10 83 Ruiz-Deya, et al11 200 Augustin, et al12 69,2% Tipo de cirurgia 99% RRP 82,2% RRP 94,6% RRP 100% LRP 88% RRP+/-Rx 63 93% RPP 368 63,3 87,5% RRP Anastasidis, et al13 70 230 65 64 67% 72% RRP LRP Sacco, et al14 985 65 83% 93% RRP Jacobsen, et al15 172 64 87% 88% RRP 67 61 83% 50% LRP 219 219 65 64 89,9% 90,3% RRP LRP Rassweiler, et al16 74,7% Continente Definição 3 92% * Tabela modificada de 1. Herschorn S, Bruschini H, Comiter CV, et al. Surgery for urinary incontinence in men. In: Abrams P, Cardozo L, Khoury AE, Wein A, editors. Incontinence: 5th International Consultation. Paris: ICUD-EAU; 2013. pp. 1229–305. RRP: Prostatectomia radical retropúbica/ RPP: Prostatectomia radical perineal/ LRP: Prostatectomia radical laparoscópica/ Rx: Radioterapia disfunção vesical e/ou incontinência urinária prévias, histórico de radioterapia, comprimento da uretra membranosa, ressecção transuretral da próstata previamente e comorbidades vasculares1. Entretanto, os estudos disponíveis na literatura relataram achados conflitantes sobre esses potenciais fatores de risco1. Fisiopatologia A incontinência urinária pós-prostatectomia, como qualquer outro tipo de incontinência, pode estar associada à disfunção vesical, disfunção esfincteriana ou a uma combinação de ambas. Além da incontinência urinária, sintomas urinários de V.4 N.1 JAN JUN 2014 UROLOGIA ESSENCIAL 25 TÉCNICAS CIRÚRGICAS INCONTINÊNCIA URINÁRIA PÓS-PROSTATECTOMIA RADICAL: TÉCNICA DE IMPLANTE DO ESFÍNCTER URINÁRIO ARTIFICIAL MÁRCIO AUGUSTO AVERBECK LUIS AUGUSTO SEABRA RIOS armazenamento ou esvaziamento podem estar presentes e devem ser sempre avaliados17. O estudo urodinâmico é importante para excluir obstrução infravesical e disfunção vesical (hiperatividade detrusora, hipocontratilidade detrusora). A deficiência esfincteriana intrínseca ocorre como causa isolada da IUPP em mais de dois terços dos pacientes, enquanto que a disfunção vesical isolada é incomum, afetando menos de 10% dos pacientes. Entretanto, a disfunção esfincteriana e a disfunção vesical podem coexistir em pelo menos um terço dos casos18. FIGURA 1 AMS 800 Tratamento Conservador A abordagem conservadora compreende tratamento comportamental, exercícios do assoalho pélvico e farmacoterapia. Segundo os achados de dois ensaios clínicos randomizados19, 20, a reabilitação do assoalho pélvico, iniciada logo após a remoção do cateter vesical de demora, pode reduzir o período de tempo necessário para o paciente readquirir a continência ou apresentar algum grau de melhora. A diferença máxima entre a fisioterapia e a simples observação é verificada após 3 meses e essa diferença praticamente não é mais observada após 12 meses de acompanhamento. Tratamento Cirúrgico Vários tratamentos cirúrgicos minimamente invasivos foram introduzidos para a incontinência pós-prostatectomia refratária, tais como agentes de volume (bulking), balões periuretrais, constritor periuretral e diferentes tipos de slings (com ancoramento ósseo, retropúbico, transobturatório, ajustável etc). Contudo, o esfíncter urinário artificial (AMS 800, American Medical Systems, Minneapolis, MN, EUA) ainda é considerado o dispositivo padrão-ouro para tratamento da incontinência urinária pós-prostatectomia moderada a grave (figura 1). O AMS 800 é um dispositivo composto por três peças: um reservatório, um cuff (manguito) e um pump (bomba de controle). O cuff, que é preenchido com fluidos, comprime a uretra levemente, de 26 UROLOGIA ESSENCIAL V.4 N.1 JAN JUN 2014 forma a mantê-la fechada e impedir a incontinência urinária. No momento da micção, o cuff é esvaziado através de compressão da bomba, o que promove a movimentação do líquido da referida peça em direção ao reservatório. Vazia, ela descomprime a uretra e a micção torna-se possível. Após 3 a 5 minutos, o líquido retorna automaticamente do reservatório ao cuff, restabelecendo-se a continência. O Esfíncter Urinário Artificial – AMS 800 é o tratamento cirúrgico mais efetivo em longo prazo para a IUPP associada à deficiência esfincteriana. Entretanto, devido a fatores como custo do dispositivo, inabilidade para manipular o pump (bomba de controle) e possibilidade de complicações pós-operatórias, o AMS 800 não é ideal para todos os pacientes que sofrem de IUPP1. Descrição da Técnica – Implante do Esfíncter Urinário Artificial por Via Perineal Posição O paciente é colocado na posição de litotomia modificada, que permite acesso ao períneo e ao abdome inferior (figura 2). É então realizada antissepsia cuidadosa e os campos cirúrgicos são fixados à pele do períneo, para evitar contaminação da região anal. INCONTINÊNCIA URINÁRIA PÓS-PROSTATECTOMIA RADICAL: TÉCNICA DE IMPLANTE DO ESFÍNCTER URINÁRIO ARTIFICIAL MÁRCIO AUGUSTO AVERBECK FIGURA 2 LUIS AUGUSTO SEABRA RIOS TÉCNICAS CIRÚRGICAS FIGURA 4a e 4b a Afastador de Scott b pode ser gentilmente colocada na uretra, para facilitar sua dissecação posterior (figura 5). A identificação dos corpos cavernosos representa o limite lateral de dissecção. Insere-se uma sonda de Foley, que irá facilitar a dissecção uretral e evitará perdas urinárias durante o procedimento. Traça-se uma linha horizontal no períneo, no local onde a uretra se aprofunda, em direção à bexiga. Incisão vertical é realizada na rafe mediana do períneo (figura 3). Os tecidos subjacentes são dissecados até a identificação do bulbo uretral. FIGURA 5 Dissecção do músculo bulbocavernoso e da uretra bulbar a b FIGURA 3 C Com o auxílio de um afastador de Scott (figura 4a), continua-se a dissecção até a identificação do músculo bulbocavernoso, que é incisado com tesoura delicada (figura 4b). Dissecção do músculo bulbocavernoso O músculo é dissecado lateralmente até o isolamento completo da uretra. Uma pinça de Babcock Com uma pinça de Mixter, realiza-se dissecação cuidadosa da uretra, de forma a circundá-la completamente. Quando se consegue um caminho posterior à uretra, remove-se o Babcock e insere-se uma fita vascular que facilitará o restante da dissecção. Realiza-se distensão retrógrada da uretra, ao redor da sonda de Foley, com solução salina, para verificação de eventual lesão uretral durante sua dissecção (figura 6). Avalia-se a circunferência bulbouretral com a fita medidora, que faz parte do kit, para se decidir o tamanho do cuff a ser utilizado. A porção mais larga da fita tem a mesma largura do cuff, o que permite avaliar se o túnel posterior previamente V.4 N.1 JAN JUN 2014 UROLOGIA ESSENCIAL 27 TÉCNICAS CIRÚRGICAS INCONTINÊNCIA URINÁRIA PÓS-PROSTATECTOMIA RADICAL: TÉCNICA DE IMPLANTE DO ESFÍNCTER URINÁRIO ARTIFICIAL MÁRCIO AUGUSTO AVERBECK LUIS AUGUSTO SEABRA RIOS FIGURA 6 Distensão retrógrada da uretra com solução salina criado acomodará o cuff adequadamente (figura 7a). Neste caso, o tamanho do cuff avaliado pelo cirurgião foi de 4,5cm (figura 7b). O cuff uretral de 4,5 cm, já preenchido com pequena quantidade de soro e livre de bolhas, é passado ao redor do bulbo uretral previamente dissecado e a fita medidora é retirada. FIGURA 7a e 7b a Reservatório O tubo do balão-reservatório é passado pela aponeurose do reto abdominal em direção ao subcutâneo, com ajuda da agulha passadora, que também faz parte do Kit de implantação do AMS 800. O balão é, então, acomodado no espaço pré-vesical. Com dissecação romba, cria-se um túnel subcutâneo entre a incisão abdominal e a parte mais distal do escroto, para introdução da bomba de controle (pump), que é inserida com ajuda da pinça vascular e espéculo nasal até a bolsa sub- FIGURA 8a Incisão abdominal para implante do reservatório no espaço retropúbico Fita medidora e cuff uretral b O tubo do cuff é passado pelo orifício apropriado, que será preso ao botão de encaixe contralateral, permitindo o ajuste final desse componente à uretra. A escolha do cuff apropriado permite que este fique justo, mas não apertado, sem dobras ou espaços. A fita medidora é retirada e inicia-se a fase abdominal da cirurgia, através da qual serão inseridos o reservatório e a bomba de controle. Fase abdominal Neste caso, a incisão escolhida foi vertical sobre a cicatriz da prostatectomia anterior (figura 8a). 28 Disseca-se até a aponeurose do reto abdominal, que é incisado. Os retos abdominais são afastados lateralmente e disseca-se o espaço de Retzius a fim de criar espaço para a introdução do reservatório. UROLOGIA ESSENCIAL V.4 N.1 JAN JUN 2014 cutânea previamente criada. A posição da bomba é superficial e tem a bolinha de desativação sempre voltada para a pele escrotal, permitindo sua fácil manipulação. Uma pinça de Babcock pode ser colocada para estabilizar a bomba e seus tubos, além de evitar o deslocamento desse componente. O tubo do cuff é, então, transferido para a região abdominal, com ajuda da agulha passadora, através do subcutâneo da região inguinal e com controle digital bimanual. O balão-reservatório é preenchido com 22 ml de solução fisiológica através de seu tubo preto INCONTINÊNCIA URINÁRIA PÓS-PROSTATECTOMIA RADICAL: TÉCNICA DE IMPLANTE DO ESFÍNCTER URINÁRIO ARTIFICIAL MÁRCIO AUGUSTO AVERBECK e a pressão retrógrada é testada ao final do enchimento (figura 8b). Os tubos são sempre clampeados com Kellys protegidos, para evitar a entrada de bolhas no sistema. A solução habitual utilizada é a fisiológica. Caso haja interesse em utilizar a solução radiopaca, deve-se consultar o fabricante para verificação dos contrastes aprovados para esse fim. Após preenchimento do reservatório e retirada do excesso, os tubos pretos podem ser finalmente conectados. LUIS AUGUSTO SEABRA RIOS TÉCNICAS CIRÚRGICAS FIGURA 9 Conexões Anéis de pressão e conexões Os anéis de pressão são aplicados nas extremidades dos tubos. O conector reto é colocado FIGURA 8b Enchimento do reservatório em uma das extremidades do tubo e novamente se faz a irrigação dos terminais para retirada de bolhas ar. Após checagem do posicionamento adequado do conector, a outra extremidade é firmemente encaixada e os anéis são colocados no conector, com a utilização do instrumento apropriado (figuras 9 e 10). O conector é rodado em 360º para verificação do encaixe adequado dos tubos, que são gentilmente tracionados para checagem da firmeza da conexão. Os tubos brancos são conectados da mesma forma. Nesse caso, o cirurgião fixa as conexões à aponeurose do reto abdominal, para evitar migração dos tubos e conexões para incisão. Novos planos de sutura Outros dois planos de sutura são realizados para minimizar o risco de erosão do cuff e outras complicações perineais (figura 11). A pele é aproximada com sutura intradérmica e a incisão abdominal é fechada por planos (figura 12). O dispositivo permanecerá desativado por 4 a 6 semanas. A desativação é realizada da seguinte maneira: (1) pressiona-se a extremidade da bomba escrotal (para que o líquido seja transferido do cuff para o reservatório); (2) pressiona-se firmemente o botão na parte superior da bomba para o travamento do fluxo na posição desativada (figura 13). FIGURA 10 Instrumento para conexões V.4 N.1 JAN JUN 2014 UROLOGIA ESSENCIAL 29 TÉCNICAS CIRÚRGICAS INCONTINÊNCIA URINÁRIA PÓS-PROSTATECTOMIA RADICAL: TÉCNICA DE IMPLANTE DO ESFÍNCTER URINÁRIO ARTIFICIAL MÁRCIO AUGUSTO AVERBECK LUIS AUGUSTO SEABRA RIOS FIGURA 11 Fechamento da ferida operatória perineal Após a alta, o paciente é orientado a evitar pressão no períneo e a utilizar os antibióticos prescritos (figura 14). Resultados A efetividade em longo prazo do esfíncter urinário artificial foi demonstrada por Fulford et al., que verificaram que 75% dos pacientes ainda tinham dispositivos funcionantes após 10 a 15 anos de acompanhamento21. A tabela 2 ilustra os resultados do esfíncter urinário artificial, segundo autores distintos. Complicações FIGURA 12 Fechamento da ferida operatória abdominal FIGURA 13 Pump (bomba de controle) na bolsa escrotal Uma potencial complicação do esfíncter urinário artificial é a necessidade de revisões cirúrgicas por problemas mecânicos ou biológicos. As taxas de revisão e remoção devido a complicações (falha mecânica, atrofia uretral, infecção e erosão) variam consideravelmente entre os estudos disponíveis, atingindo 8-45% e 7-17%, respectivamente34. As figuras 15 a 18 ilustram possíveis complicações pós-implante do esfíncter urinário artificial. Maiores taxas de revisão foram verificadas em pacientes que receberam radioterapia pélvica35,36. As taxas de continência também podem FIGURA 14 Aspecto final Reservatório Cuff oclusivo (manguito) Pump (bomba de controle) 30 UROLOGIA ESSENCIAL V.4 N.1 JAN JUN 2014 INCONTINÊNCIA URINÁRIA PÓS-PROSTATECTOMIA RADICAL: TÉCNICA DE IMPLANTE DO ESFÍNCTER URINÁRIO ARTIFICIAL MÁRCIO AUGUSTO AVERBECK LUIS AUGUSTO SEABRA RIOS TÉCNICAS CIRÚRGICAS TABELA 2 Resultados do esfíncter urinário artificial no tratamento da incontinência urinária pós-prostatectomia radical* Autor N Acompanhamento (anos) 0-1 absorvente por dia Montague22 66 3,2 75% Perez e Webster23 49 3,7 85% Martins e Boyd24 28 2 85% Fleshner e Herschorn25 30 3 87% Mottet, et al26 96 1 86% Madjar, et al27 71 7,7 59% Klijn, et al28 27 3 81% Haab, et al29 36 7,2 80% Trigo Rocha, et al30 40 4,5 90% Kim, et al31 124 6,8 82% Lai, et al32 218 3,1 69% Goldwasser33 42 1,2 82% * Tabela adaptada de: Herschorn S, Bruschini H, Comiter CV, et al. Surgery for urinary incontinence in men. In: Abrams P, Cardozo L, Khoury AE, Wein A, editors. Incontinence: 5th International Consultation. Paris: ICUD-EAU; 2013. pp. 1229–305. ser inferiores nesse grupo específico de pacientes23,36. Para pacientes com histórico de radioterapia pélvica, recomenda-se que o reservatório a ser implantado tenha pressões mais baixas e que o sistema somente seja ativado após um período mais longo de tempo35. FIGURA 15 FIGURA 16a Infecção associada Erosão cutânea tardia do pump FIGURA 16b Infecção (detalhe cutâneo) V.4 N.1 JAN JUN 2014 UROLOGIA ESSENCIAL 31 TÉCNICAS CIRÚRGICAS INCONTINÊNCIA URINÁRIA PÓS-PROSTATECTOMIA RADICAL: TÉCNICA DE IMPLANTE DO ESFÍNCTER URINÁRIO ARTIFICIAL MÁRCIO AUGUSTO AVERBECK LUIS AUGUSTO SEABRA RIOS FIGURA 18a FIGURA 17a Ressonância magnética de paciente com dispositivo não funcionante – reservatório no canal inguinal Cirurgia para remoção do dispositivo (erosão uretral) FIGURA 17b Esfínter urinário artificial removido FIGURA 18b Perfil O Esfíncter Urinário Artificial e o Rol da ANS Segundo a resolução normativa – RN no 338, de 21 de outubro de 2013, o esfíncter urinário artificial foi incluído no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), com uma diretriz de utilização (DUT) específica: INCONTINÊNCIA URINÁRIA – TRATAMENTO CIRÚRGICO SLING OU ESFÍNCTER ARTIFICIAL 1. Cobertura obrigatória para pacientes com incontinência urinária grave (confirmada por exame de urodinâmica) após prostatectomia para tratamento de câncer de próstata, quando o paciente preencher todos os critérios do Grupo I e nenhum dos critérios do Grupo II: Grupo I a. prostatectomia realizada há pelo menos 12 meses; 32 UROLOGIA ESSENCIAL V.4 N.1 JAN JUN 2014 b. níveis séricos de PSA <0,01 ng/ml nos últimos 12 meses ou <0,5 ng/ml para os casos em que o paciente foi submetido a radioterapia; c. estado nutricional adequado (Albumina ≥3,5 g/ dl e IMC > 22kg/m2); d. possua habilidade motora e cognitiva sendo capaz de realizar as atividades da vida diária; e. tenha sido tentado tratamento conservador prévio, sem resultados. INCONTINÊNCIA URINÁRIA PÓS-PROSTATECTOMIA RADICAL: TÉCNICA DE IMPLANTE DO ESFÍNCTER URINÁRIO ARTIFICIAL MÁRCIO AUGUSTO AVERBECK LUIS AUGUSTO SEABRA RIOS TÉCNICAS CIRÚRGICAS pélvica. Há evidências robustas na literatura demonstrando o sucesso em longo prazo. As significativas taxas de sucesso parecem compensar a necessidade de revisões cirúrgicas em até 1/3 dos pacientes. Grupo II a. recidiva local da neoplasia; b. baixa expectativa de vida; c. história de alergia ao silicone; d. doenças uretrais crônicas. Agradecimento Conclusões O esfíncter urinário artificial permanece como o padrão-ouro para o tratamento da incontinência urinária por deficiência esfincteriana, de grau moderado a severo, que persiste após 6 a 12 meses da prostatectomia radical. A efetividade do método também foi demonstrada em pacientes que receberam radioterapia A pedido dos autores, as figuras 1 e 14 foram cedidas pela American Medical Systems (AMS) para publicação na Revista Urologia Essencial. Conflito de Interesses Nenhum declarado. REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. Herschorn S, Bruschini H, Comiter CV, et al. Surgery for urinary incontinence in men. In: Abrams P, Cardozo L, Khoury AE, Wein A, editors. Incontinence: 5th International Consultation. 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Artificial urinary sphincter implantation for radical prostatectomy urinary incon- UROLOGIA ESSENCIAL V.4 N.1 JAN JUN 2014 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. tinence: which factors influence patient satisfaction? BJU Int. 2000;86 (suppl. 3):121. Klijn AJ, Hop WC, Mickisch G, Schroeder FH, Bosch JL. The artificial urinary sphincter in men incontinent after radical prostatectomy: 5 year actuarial adequate function rates. Br J Urol. Oct 1998;82(4):530-533. Haab F, Trockman BA, Zimmern PE, Leach GE. Quality of life and continence assessment of the artificial urinary sphincter in men with minimum 3.5 years of followup. J Urol. Aug 1997;158(2):435-439. Trigo Rocha F, Gomes CM, Mitre AI, Arap S, Srougi M. A prospective study evaluating the efficacy of the artificial sphincter AMS 800 for the treatment of postradical prostatectomy urinary incontinence and the correlation between preoperative urodynamic and surgical outcomes. Urology. Jan 2008;71(1):85-89. 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Artificial sphincter insertion after radiotherapy: is it worthwhile? BJU Int. Mar 2000;85(4):490-492 URO RESUMOS BRASIL SILVA NETO Professor Adjunto - Depto Cirurgia | UFRGS Chefe do Serviço de Urologia | HCPA LUCAS MEDEIROS BURTTET Mestrando do curso de Pós-Graduação em Medicina - Ciências Cirúrgicas | UFRGS Radical Prostatectomy or Watchful Waiting in Early Prostate Cancer Prostatectomia Radical ou Conduta Expectante em Câncer de Próstata Precoce Anna Bill-Axelson, M.D., Ph.D., Lars Holmberg, M.D., Ph.D., Hans Garmo, Ph.D., Jennifer R. Rider, Sc.D., Kimmo Taari, M.D., Ph.D., Christer Busch, M.D., Ph.D., Stig Nordling, M.D., Ph.D., Michael Häggman, M.D., Ph.D., Swen-Olof Andersson, M.D., Ph.D., Anders Spångberg, M.D., Ph.D., Ove Andrén, M.D., Ph.D., Juni Palmgren, Ph.D., Gunnar Steineck, M.D., Ph.D., Hans-Olov Adami, M.D., Ph.D. e Jan-Erik Johansson, M.D., Ph.D. INTRODUÇÃO A prostatectomia radical (PR) reduz a mortalidade entre os homens com câncer de próstata (CAp) localizado, no entanto, questões importantes sobre benefício a longo prazo permanecem. MÉTODOS Entre 1989 e 1999, 695 homens com câncer de próstata precoce foram randomizados para observação (watchful waiting) ou PR e acompanhados até o final de 2012. Os desfechos primários no estudo, feito pelo Grupo de Câncer de Próstata Escandinavo 4 (SPCG -4), 36 UROLOGIA ESSENCIAL V.4 l N.1 l JAN l JUN l 2014 foram: mortalidade global, mortalidade por câncer de próstata e risco de metástases. Os desfechos secundários incluíram o uso de terapia antiandrogênica. RESULTADOS Durante 23,2 anos de acompanhamento, morreram 200 dos 347 homens incluídos no grupo de cirurgia e 247 dos 348 homens no grupo de observação. Dessas mortes, 63 no grupo de cirurgia e 99 no grupo de observação se deram devido ao câncer de próstata; o risco relativo foi de 0,56 (intervalo de confiança 95% [IC], 0,41-0,77, P = 0,001), sendo que a diferença absoluta foi de 11,0 pontos percentuais (95% IC, 4,5 a 17,5). O número necessário para tratar (NNT), a fim de evitar morte, foi de oito. Um homem morreu após a cirurgia no grupo de PR. Terapia de deprivação de androgênio foi utilizada em menos pacientes submetidos à prostatectomia (diferença de 25,0 pontos percentuais, 95% IC, 17,7-32,3). O benefício da cirurgia em relação à morte por câncer de próstata foi maior em homens com menos de 65 anos de idade (risco relativo de 0,45) e naqueles com câncer de próstata de risco intermediário (risco relativo de 0,38). No entanto, PR foi associada a uma redução do risco de metástases entre homens mais velhos (risco relativo (RR), 0,68, P = 0,04). www.urologiaessencial.org.br CONCLUSÕES O acompanhamento prolongado confirmou uma redução significativa na mortalidade após a PR; o NNT para evitar uma morte continuou a diminuir quando o tratamento foi analisado de acordo com a idade no momento do diagnóstico e risco de tumor. Uma grande proporção de sobreviventes a longo prazo do grupo de observação não necessitou de qualquer tratamento paliativo. COMENTÁRIO Este trabalho é a atualização do ensaio clínico randomizado escandinavo, estudo que apresenta maior tempo de acompanhamento na comparação de pacientes com CAp localizado, tratados com PR versus observação. Os principais achados foram uma redução significativa do risco de mortalidade global (RR 0,71), de mortalidade câncer-específica (RR 0,56) e de metástases no grupo da PR. Tais achados persistiram no acompanhamento prolongado (até 23,2 anos) e foram mais acentuados entre pacientes com menos de 65 anos. Na análise de subgrupo, em pacientes acima de 65 anos, o benefício de sobrevida global e câncer-específica não foram significativos. O presente estudo deve ser analisado em conjunto com Prostate Cancer versus Observation Trial (PIVOT), estudo americano que também comparou cirurgia versus observação, no qual não houve benefício de sobrevida específica. Ambos os trabalhos foram conduzidos já na era do PSA mas, enquanto no PIVOT 50% dos pacientes tinham diagnóstico por rastreamento (T1c), no SPCG-4 apenas 12% apresentaram-se com tumor não palpável1. Tal dado deve ser considerado face à situação atual, na qual a maioria dos pacientes é diagnosticada com doença microscópica, o que pode significar doença indolente. Outras considerações que devem ser feitas incluem o fato de que a técnica operatória atual poderia apresentar resultados oncológicos melhores e com menos morbidade do que nos anos 90. Por outro lado, ambos os estudos comentados compararam a PR com observação, apenas, e não com vigilância ativa (active surveillance), conduta mais amplamente aceita como meio de evitar os riscos e complicações nos tratamentos primários com potencial de, também, evitar desfechos relacionados à neoplasia, com indicação de tratamento apenas em casos com evidência de progressão. Apesar de ser a melhor evidência atual, de nível 1 e com tempo de acompanhamento prolongado, este estudo ainda não dá resposta definitiva quanto à melhor conduta em pacientes com câncer de próstata localizado. Entretanto, ele reforça a ideia de que a cirurgia pode ser benéfica, porém para um grupo limitado de pacientes, e o maior desafio ainda está em identificar quais pacientes realmente beneficiam-se de tratamento precoce e definitivo. Referências 1. Wilt TJ, Brawer MK, Jones KM, Barry MJ, Aronson WJ, Fox S, et al. Radical Prostatectomy versus Observation for Localized Prostate Cancer. N Engl J Med. 2012 Jul 19;367(3):203–13. V.4 l N.1 l JAN l JUN l 2014 UROLOGIA ESSENCIAL 37 URO-RESUMO BRASIL SILVA NETO LUCAS MEDEIROS BURTTET The fluctuation of nocturia in men with Lower Urinary Tract Symptoms allocated to placebo during a 12-month randomized, controlled trial A flutuação da noctúria em homens com Sintomas do Trato Urinário Inferior alocados para grupo placebo durante um ensaio clínico randomizado com 12 meses de duração Camille P Vaughan, Theodore M Johnson II, Jari Haukka, et al. The Journal of Urology vol. 191, abril/2014. OBJETIVO Determinamos a flutuação da noctúria no período de 12 meses, em homens com sintomas do trato urinário inferior. MATERIAIS E MÉTODOS Homens com sintomas do trato urinário inferior foram alocados para o grupo placebo no estudo do programa de hiperplasia prostática benigna do Programa de Estudos Cooperativos do Veterans Department Affairs dos Estados Unidos. A frequência de noctúria reportada usando o AUA-SI foi obtida em seis momentos (2, 4, 13, 26, 39 e 52 semanas). Medidas repetidas de noctúria durante o período de uma anáfora foram analisadas, usando um modelo linear generalizado misto. RESULTADOS Dos 305 homens alocados para o grupo placebo, 256 participantes (84%) responderam nos seis momentos. Em toda a amostra, a contagem média de noctúria não variou significativamente do baseline (semana 2), após ajustes das covariáveis (p=0,542). Contudo, houve considerável flutuação na noctúria durante um ano. Dos 93 homens com três ou quatro 38 UROLOGIA ESSENCIAL V.4 l N.1 l JAN l JUN l 2014 episódios no baseline, 47% melhoraram e 12% pioraram em um ano. Dos 184 homens que relataram dois ou mais episódios no baseline, 15% relataram nenhum ou um após 52 semanas. Dependendo da definição do caso ao longo do seguimento, a probabilidade de progressão da noctúria variou entre 8 e 54%, enquanto a regressão do sintoma variou entre dois e 33%. CONCLUSÃO Utilizando-se repetidamente a aplicação do questionário de sintomas, observamos considerável flutuação no sintoma de noctúria. Contudo, em geral, não houve aumento significativo na prevalência deste sintoma em um ano de seguimento. Estes achados podem reassegurar, para médicos e pacientes, a decisão de postergar o início de intervenção para tratamento da noctúria. COMENTÁRIOS A noctúria é um dos sintomas miccionais que mais influenciam na qualidade de vida do paciente. A história natural desse sintoma, isoladamente, não é bem conhecida. Da mesma forma, a caracterização do próprio sintoma em estudos observacionais é bastante variável. O presente estudo avaliou o grupo placebo de um ensaio clínico randomizado (VA CSP BPH), com intervenção farmacológica, com a utilização de terazosina e/ou finasterida pelo período de um ano. Utilizando a pergunta sobre noctúria do questionário de sintomas prostáticos do AUA-SI, tal sintoma foi avaliado em seis momentos, diferentemente daquilo que é utilizado na prática clínica rotineira, em que o sintoma é avaliado, em média, em dois momentos distintos. Levando em consideração as limitações do estudo, em especial o fato de que avaliou pacientes com LUTS, randomizados para um ensaio clínico sobre HBP, o achado mais significativo é o de que há regressão dos sintomas de noctúria em uma parcela considerável dos pacientes, dentro do período de um ano e sem progressão significativa em outra parcela dos pacientes. Conclui-se que, avaliando a história natu- BRASIL SILVA NETO ral do problema, é possível postergar o início de intervenções farmacológicas por mais tempo, reservando a terapia para os pacientes que pioram de maneira progressiva a sua condição, ao longo de um período maior de tempo. Função renal após cirurgia conservadora versus nefrectomia radical: resultados de estudo randomizado EORTC 30904 Renal function after nephron-sparing surgery versus radical nephrectomy: results from EORTC randomized trial 30904 LUCAS MEDEIROS BURTTET URO-RESUMO INTERVENÇÃO Os pacientes foram randomizados para NR (n = 273) ou NP (n = 268). MEDIDAS DE DESFECHO E ANÁLISE ESTATÍSTICA Seguimento da estimativa das taxas de filtração glomerular (eTFG; ml/minuto/1,73 m2) foram registrados para 259 pacientes no braço da NR e 255 no braço da NP. As percentagens de indivíduos com, no mínimo, desenvolvimento de doença renal moderada (eTFG <60 ), doença renal avançada (eTFG <30) ou insuficiência renal (taxa de filtração glomerular <15), foram calculados para cada grupo de tratamento, com base na menor eTFG registrada durante o acompanhamento (análise por intenção de tratar). RESULTADOS E LIMITAÇÕES Emil Scosyrev, Edward M. Messing, Richard Sylvester, Steven Campbell, Hendrik Van Poppel. BASE TEÓRICA No estudo randomizado EORTC 30904, cirurgia poupadora de néfrons ou nefrectomia parcial (NP) foi associada com a redução da sobrevida global em comparação com a nefrectomia radical (NR) durante um período de acompanhamento médio de 9,3 anos (odds ratio: 1,50 , intervalo de confiança de 95% [IC], 1,03-2,16). OBJETIVO Analisar o impacto da NP com relação à NR na função renal no estudo EORTC 30904. DESENHO, CONFIGURAÇÃO E PARTICIPANTES Este ensaio randomizado internacional de fase 3 foi realizado com pacientes portadores de massa renal pequena (< 5 cm) e rim contralateral normal, os quais foram alocados de março de 1992 a janeiro de 2003. Com um seguimento médio de 6,7 anos, eTFG < 60 foi alcançada por 85,7%, com NR e 64,7% com a NP, com uma diferença de 21,0% (IC 95%, 13,828,3); eTFG < 30 foi alcançada por 10,0%, com NR e 6,3% com NP, com uma diferença de 3,7% (IC 95%: -1,0 a 8,5) e taxa de filtração glomerular <15 ocorreu em 1,5% pós-NR e de 1,6% pós-NP, com uma diferença de 0,1% (IC 95 %, -2.2 a 2.1). O tempo de seguimento para o eTFG é uma limitação dessas análises. CONCLUSÕES Em comparação com NR, NP reduziu substancialmente a incidência de disfunção renal, pelo menos moderada (taxa de filtração glomerular <60), apesar da incidência de doença renal avançada (eTFG<30) ter sido relativamente similar nos dois braços de tratamento no tempo disponível de acompanhamento, e de a incidência de insuficiência renal terminal (ETFG < 15) ter sido quase idêntica. O impacto benéfico da NP na eTFG não resultou em melhora da sobrevida na população estudada. V.4 l N.1 l JAN l JUN l 2014 UROLOGIA ESSENCIAL 39 URO-RESUMO BRASIL SILVA NETO LUCAS MEDEIROS BURTTET 2. Ibrahim HN, Foley R, Tan L, Rogers T, Bailey RF, Guo H, et al. Long- COMENTÁRIOS O EORTC demonstra menor sobrevida global para pacientes submetidos à NP, mas esse achado não é atribuível à mortalidade por câncer. NP reduziu a incidência de insuficiência renal moderada, mas essa redução não foi suficiente a ponto de ser acompanhada de menor mortalidade global neste grupo submetido à cirurgia poupadora de néfrons. Uma hipótese que vem sendo investigada é a de que a IRC induzida por cirurgia pode ter menos impacto negativo na sobrevida global do que IRC clínica (induzida por HAS ou DM, por exemplo)1,3. Apesar de haver teorias de que a isquemia renal poderia levar a efeitos negativos na regulação da pressão arterial, no estudo fica evidente que a cirurgia poupadora de néfrons foi efetiva na manutenção de função no rim acometido. Estudos observacionais já demonstraram que o impacto da perda de néfrons deve ser menor em pacientes com função renal pré-operatória normal. Outra evidência que segue essa hipótese vem dos estudos com pacientes submetidos à nefrectomia para doação renal, em que não se observou impacto negativo na sobrevida global dos pacientes, comparando com controles não nefrectomizados2. É importante lembrar que o estudo se refere à cirurgia poupadora de néfrons em pacientes com rim contralateral normal, e não a casos com indicações imperativas (rim único funcional, lesões bilaterais) de nefrectomia parcial. Os dados de controle oncológico com a NP, associados à melhora na função renal, mantêm a cirurgia poupadora de néfrons como padrão-ouro para lesões renais pequenas (em especial T1a), mas a sobrevida global nesses pacientes ainda deve ser mais bem investigada, já que este é o desfecho que deve ser avaliado na tomada de decisão final 3. -term consequences of kidney donation. N Engl J Med. 2009 Jan 29;360(5):459–69. Stevens LA, Coresh J, Greene T, Levey AS. Assessing Kidney Function — Measured and Estimated Glomerular Filtration Rate. N Engl J Med. 2006 Jun 8;354(23):2473–83. Validity of midday total testosterone levels in older men with erectile disfunction Validade dos níveis de testosterona total ao meio-dia em idosos com disfunção erétil R. Charles Welliver, Jr., Herbert J. Wiser, Robert E. Brannigan, Kendall Feia, Manoj Monga e Tobias S. Kohler. Journal of Urology, vol. 192, 165-169, julho/2014 OBJETIVO Baseado em estudos mostrando o ritmo circadiano da testosterona, o momento ideal do dia para coleta da testosterona total em homens, classicamente, é reportado entre 8 – 11h. Entretanto, estudos adicionais demonstraram que o ritmo circadiano da testosterona modifica-se com a idade. MATERIAIS E MÉTODOS Revisamos, retrospectivamente, nos registros de 2.569 homens que buscaram consulta médica por disfunção erétil, as dosagens de testosterona total e os horários das coletas. Comparamos esses homens por faixa etária, incluindo pacientes com menos de 40 anos de idade e, em grupos de 5 anos, acima dos 40. A variabilidade da testosterona total foi analisada durante os horários mais comuns de coleta (7 – 14h). Referências 1. Go AS, Chertow GM, Fan D, McCulloch CE, Hsu C-Y. Chronic kidney disease and the risks of death, cardiovascular events, and hospitalization. N Engl J Med. 2004 Sep 23;351(13):1296–305. 40 UROLOGIA ESSENCIAL V.4 l N.1 l JAN l JUN l 2014 RESULTADOS Testosterona total média entre 7 – 9h e entre 9 – 14h diferiu clinicamente clínica e estatisticamente BRASIL SILVA NETO somente nos homens com menos de 40 anos vs. 40-45 anos (diferença média= 207ng/dl, 95%CI 98315, p=0,0004 vs. 149ng/dl, 95% CI 36-262, p=0,01). Nenhum outro grupo mostrou diferença clínica ou estatística entre esses períodos. CONCLUSÕES Testosterona total em homens com disfunção erétil, com idade menor que 45 anos: devem fazer a coleta para testosterona o mais próximo das 7h, porque um decréscimo significativo, clínico e estatístico ocorrerá ao longo do dia. Homens com idade maior que 45 anos podem fazer a coleta em qualquer horário, até às 14h, sem comprometer o resultado. COMENTÁRIOS O presente estudo avaliou, retrospectivamente, os resultados da dosagem de testosterona total de 2.569 pacientes com queixa de disfunção erétil e avaliou os resultados do exame, considerando a idade do paciente e a hora do dia em que a coleta foi realizada. A recomendação de consenso é a de que a coleta da testosterona total deva ocorrer entre 7 e 9h, respeitando-se o ritmo circadiano de LUCAS MEDEIROS BURTTET URO-RESUMO liberação da testosterona, cujo pico ocorre nesse horário. Os pesquisadores deste estudo observaram que a regra vale, de fato, para os pacientes mais jovens, especificamente, os pacientes com menos de 45 anos, cujo valor decresce progressivamente, após às 7h. Após essa idade, os níveis de testosterona manteriam-se estáveis até às 14h, horário avaliado como limítrofe no presente estudo, que corrobora achados de publicação anterior, a qual observou a inexistência de variação significativa na dosagem de testosterona em pacientes, em média com 60 anos de idade, quando coletada até às 14h1. De acordo com os resultados e ressalvadas as limitações metodológicas do presente trabalho, podemos concluir que há uma anulação do ritmo circadiano e do pico matinal da liberação da testosterona em pacientes com idade superior a 45 anos e sinais de deficiência androgênica, podendo o exame ocorrer até às 14h, sem influência no seu resultado. Referências 1. Crawford ED, Barqawi Ab, O’Donnel C, et al. The association of time of day and serum testosterone concentration in a large screening population. BJU Int 2007; 100:509. V.4 l N.1 l JAN l JUN l 2014 UROLOGIA ESSENCIAL 41 PONTO DE VISTA Qual a recomendação para escolha da técnica de Análise do Cálculo Urinário? LUIZ CARLOS DUARTE DE MIRANDA Chefe do serviço de Urologia -Hospital Universitário Clementino Fraga Filho - UFRJ TiSBU BRUNO PASSOS LEITE DOS SANTOS R3 do Serviço - HUCFF - UFRJ F atos concretos, como o aumento da incidência de nefrolitíase nos últimos vinte anos1, 2, a previsão de taxas de recorrência de 10 a 23% por ano, ou até de 50% em cinco anos para os casos cuja prevenção não fora aplicada, bem como a preocupante probabilidade de que 3% desses pacientes evoluam para a falência renal3, justificam a necessidade de maior entendimento sobre a fisiopatologia da litíase do trato urinário4, cujo entendimento tem grande impacto na profilaxia. O capítulo da análise físico-química da composição dos cálculos do aparelho urinário permanece em evolução desde as primeiras publicações, que datam do século XVlll, quando foi estabelecida a primeira rotina para a análise química desses cálculos5. Muito tempo depois, com o advento de medidas de índices de refração por microscopia de luz polarizada, surgiu a possibilidade de se identificar a composição 42 UROLOGIA ESSENCIAL V.4 N.1 JAN JUN 2014 mineral dos cálculos, através de análise morfológica5, abrindo caminho para medidas de profilaxia. Apenas um terço dos cálculos são constituídos por único mineral. O cálcio é o seu principal componente, e 60 a 70% dos cálculos são compostos por oxalato de cálcio. A tabela 1 apresenta os principais componentes dos cálculos por ordem de frequência. O objetivo da análise dos cálculos é o de identificar e quantificar todos os minerais presentes na formação que foi capturada, com o intuito de que se possa avaliar a possibilidade de alguma ação preventiva contra uma nova cristalização6. Podemos dividir esses métodos em análise química e física, também conhecida como análise morfológica. As vantagens do método de análise morfológica são basicamente a possibilidade de poder utilizar pequenas amostras de cálculos e a rapidez dos resultados, além de poder classificar www.urologiaessencial.org.br TABELA 1 Oxalato de Cálcio 60% Oxalato de Cálcio + Hidroxi-Apatita 18% Acido Úrico 9% Fosfato de amônio e magnésio ( Estruvita ) 9% Bruchita 2% Cistina 1% Indinavir 1% os cristais de oxalato de cálcio em monohidratado (Wewelita), comumente associados à hiperoxalúria, e di-hidratado (Wedelita), associados à hipercalciúria. Hesse (2005) tendo realizado um levantamento em mais de cem laboratórios, observa uma tendência na substituição do método de análise química pelos de análise morfológica. Verificou que, em princípio, mais de 80% dos laboratórios utilizavam o método químico mas que, a partir de 2001, somente 13% mantinham essa tendência, enquanto que a espectroscopia infravermelha, um método físico, chegava a 79% das análises6. Basiri (2012), em artigo de revisão, além de listar as técnicas químicas e morfológicas disponíveis na atualidade, fez uma análise crítica em relação a elas (tabela 2)6. A análise química é uma técnica de fácil execução e de baixo custo; porém, requer um bom volume de amostra de cálculo, demanda tempo e não TABELA 2 Analise Química Os kits comerciais têm ampla utilização pelos laboratórios, sendo ainda um dos métodos mais utilizados em prática clínica. Somente consegue identificar a presença de íons e de radicais, sem, contudo, poder especificar a composição mineral de vários tipos de cálculos2. Termogravimetria (TG ou TGA análise) Técnica simples e rápida de se executar. Baseia-se na elevação progressiva da temperatura em até 1000 graus centígrados de uma amostragem de cálculo. Parte do conhecimento da evaporação do material a uma temperatura já conhecida, identifica a perda de peso do material a determinada temperatura, fazendo associação com a temperatura e a decomposição de cada material2. Microscopia Óptica Polarizante Este método se baseia na interação da luz polarizada com os cristais. O cálculo é fraturado e os seus fragmentos são vistos sob luz polarizada em microscópio. Utiliza um índice próprio de refração de líquidos9 percebendo as cores e a refração da luz6, e identificando, assim, os elementos minerais daquela amostra. Microscopia Eletrônica com Escaneamento Não necessita da destruição do cálculo para a análise e é capaz de revelar detalhes de fragmentos tão diminutos quanto os de 1 a 5 nm de tamanho10. Espectroscopia É o estudo da interação entre a matéria e a energia irradiada. Pode ser classificada baseada no tipo de energia irradiada (eletromagnética, partículas e acústica), na natureza da interação (absorção, emissão, reflexão), e no tipo de matéria (átomos, núcleos e moléculas). V.4 N.1 JAN JUN 2014 UROLOGIA ESSENCIAL 43 PONTO DE VISTA QUAL A RECOMENDAÇÃO PARA ESCOLHA DA TÉCNICA DE ANÁLISE DO CÁLCULO URINÁRIO? LUIZ CARLOS DUARTE DE MIRANDA BRUNO PASSOS LEITE DOS SANTOS consegue distinguir os cristais de cálcio mono-hidratados dos di-hidratados. A microscopia polarizada também é de baixo custo e de rápida realização e pode utilizar pequenas amostras; porém, é necessário que haja muita experiência para a sua interpretação, visto que há algumas dificuldades para diferenciar acido úrico, fosfatos e cálcio. A espectroscopia infravermelha pode utilizar pequenos fragmentos de cálculos e se mostra muito útil para identificar compostos orgânicos, monocristais, proteínas, metabolitos de gorduras e de drogas. Foi usada pela primeira vez em 1955, tornando-se popular na última década; utiliza a radiação infravermelha para causar vibrações atômicas, formando bandas de absorção de energia pelos cristais, que são posteriormente analisados pelo espectrômetro. Existem dois métodos de abordagem. A primeira é a transmissão direta de radiação infravermelha, que utiliza uma mistura de brometo de potássio com o cálculo, comprimindo-a em forma de disco, para que possa ser submetida à análise. Essa técnica consome tempo para o seu preparo e, infelizmente, o material obtido não pode ser recuperado para alguma outra avaliação, limitando a sua utilização em pequenas quantidades de cálculos. A outra alternativa de abordagem, mais recente, utiliza o método de reflexão atenuada total (ATM), cuja preparação é muito mais simples e rápida, não necessitando misturar a amostra do cálculo com outro material, como o brometo de potássio6. A difração por RX é de fácil preparação e, feita por medição automática, faz análise quantitativa, pode determinar os componentes cristalinos. Porém, seu custo é muito elevado e não identifica substâncias não cristalinas, como compostos orgânicos. A termogravimetria é um método rápido e simples que, porém, requer um volume elevado de amostra (cálculos volumosos), que se perderá durante o processo de análise. 44 UROLOGIA ESSENCIAL V.4 N.1 JAN JUN 2014 A microscopia eletrônica com escaneamento é um método que não destrói a amostra, contudo seu custo é muito elevado. Técnicas recentes com utilização in vivo, como as de RX com monoenergia e a Tomografia Computadorizada, através da análise da densidade (unidades Hounsfield), conseguem diferenciar materiais com densidades eletrônicas similares pela diferença na absorção de prótons (7). A utilização de CT de energia simples, de energia dupla e até o novo Micro-CT, certamente contribuirão para a evolução da análise mineral, entretanto, ainda apresentam a limitação de um custo cerca de dez vezes mais elevado do que o da espectroscopia8. A modalidade mais recente de espectroscopia utiliza-se da quebra das amostras de cálculo por energia a laser, transportando os fragmentos vaporizados com o auxilio do gás de argônio para a análise, através de um espectrômetro, que faz leitura seletiva dos íons em suspensão, denominada pela sigla LA-ICP-MS. Conclusões Independente do método utilizado, é aconselhável que se proceda à análise do cálculo urinário em todos os casos de primeira formação no aparelho urinário, bem como repeti-la em casos de recorrência, seja precoce ou tardia, tendo ou não o paciente realizado medidas preventivas9. O método de escolha atualmente recomendado deve ser o da espectroscopia por infravermelho ou de difração por RX. Resultados equivalentes podem ser verificados por Microscopia de polarização em centros especializados. Embora seja razoável pensar em utilizar ambas as técnicas, química e física, como sugere Silva10, a técnica de análise química tende a ser considerada obsoleta. QUAL A RECOMENDAÇÃO PARA ESCOLHA DA TÉCNICA DE ANÁLISE DO CÁLCULO URINÁRIO? LUIZ CARLOS DUARTE DE MIRANDA BRUNO PASSOS LEITE DOS SANTOS PONTO DE VISTA REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. Stamatelou KK, Francis ME, Jones CA, Nyberg LM, Curhan GC. Time trends in reported prevalence of kidney stones in the United States: 1976-1994. Kidney Int2003 ; 63 : 1817-23. Kasidas GP, Samuell CT, Weir TB. Renal stone analysis: why and how? Ann Clin Biochem.2004; 41: 91-97. Estepa L, Daudon M. Contribution of Fourier transform infrared spectroscopy to the identification of urinary stones and kidney crystals deposits. Bioespectroscopy.1997;3:347-369. Krepinsky J, Ingram AJ, Churchill DN. Metabolic investigation of recurrent nephrolithiasis: compliance with recompliance whit recommendations. Urology.2000; 56: 915-20. Prien EL, Frondel C . Studies in uroltiThiasis; the composition of urinary calculi. J Urol. 1947 ; 57; 949-94. Basiri A, Taheri M, TaheriF. What is the State of the Stone AnalisisTechiniques in Urolitiasis? 2013 J.Urol.vol 9 n . 2 445454. 7. Hidas G, Eliahou R, Duvdevani M, et al. Determination of renal stone composition with dual-energy CT: in vivo analysis and comparasion with x-ray diffraction. Radiology 2010; 257:394-401. 8. Zarse CA, McAteerJA ,Sommer AJ, et al. Nondestructive analysis of urinary calculi using micro computer tomography.BMC Urol.2004;4:15. 9. www.guidelinesonurolithiasis EAU 2012. 10. SILVA SFR, Matos DC, Silva SL, Daher EDF, Campos HH, Silva CAB. Chemical and morphological analysis of kidney stones: a double-blind comparative study. Acta Cirurgica Brasileira. 2010; 25: 444-48. 6. V.4 N.1 JAN JUN 2014 UROLOGIA ESSENCIAL 45 IMAGEM EM UROLOGIA Pielonefrite Enfisematosa em Paciente Submetido a Transplante Renal de Doador Cadáver PEDRO NICOLAU GABRICH Mestre em Urologia pela UERJ Médico Assistente da Disciplina de Urologia da UERJ Transplante Renal do Hospital Geral de Bonsucesso Médico Assistente do Serviço de DANILO SOUZA LIMA DA COSTA CRUZ Mestre em Ciências da Cirurgia pela UNICAMP Médico Assistente da Disciplina de Urologia da UERJ tente do Serviço de Transplante Renal do Hospital Geral de Bonsucesso A pielonefrite enfisematosa é rara, porém a frequência é alta em paciente diabéticos e imunodeprimidos. Essa infecção é frequentemente causada por Escherichia coli ou Klebisiela pneumoniae e está associada a alto índice de mortalidade. Ocorre mais frequentemente em rins nativos de pacientes diabéticos, porém, como mostrado no presente caso, podem afetar também rins transplantados. A tomografia computadorizada é um exame crucial para a realização do diagnóstico, classificação prognóstica e também para determinar o tratamento. Caso clínico Paciente de 56 anos, do sexo feminino, hipertensa e diabética foi submetida a transplante renal de doador cadáver, com implante na fossa ilíaca direita, em junho 46 UROLOGIA ESSENCIAL V.4 l N.1 l JAN l JUN l 2014 Médico Assis- de 2013. Recebeu alta hospitalar no décimo dia de pós-operatório, com melhora progressiva de escórias nitrogenadas, sem necessidade de hemodiálise e mantendo bom débito urinário. Após 48 horas de alta hospitalar, a paciente evoluiu com febre alta, distensão abdominal importante e piora súbita de função de enxerto renal e leucocitose (figura 1). Estudo de imagens Foi solicitada TC de abdome e pelve, que evidenciou moderada quantidade de líquido livre perienxerto e em subcutâneo, com importante quantidade de gás perienxerto e em subcutâneo. No momento, nosso principal diagnóstico diferencial foi perfuração de víscera oca (ceco ou delgado), por isquemia ou por manipulação durante o transplante (figura 2). MEDIDA DA ESPESSURA DO DETRUSOR NO HOMEM COM LUTS – QUAIS AS EVIDÊNCIAS PARA SUA UTILIZAÇÃO? DANIEL MOSER SILVA IMAGEM EM UROLOGIA www.urologiaessencial.org.br FIGURA 1 Distensão abdominal e abaulamento de ferida operatória. A paciente foi submetida à revisão cirúrgica, na qual observamos necrose e perfuração de ureter distal de enxerto, com saída de urina com aspecto purulento e enxerto renal de bom aspecto. Não observamos qualquer sinal de perfuração ou de isquemia de víscera oca. Diante desse quadro clínico, fechamos diagnóstico de pielonefrite enfisematosa (figura 3). A apresentação clínica da pielonefrite enfisematosa consiste em febre, dor abdominal ou em flanco, náuseas e vômitos e é indistinguivel de aspectos clínicos da pielonefrite aguda severa1. O diagnóstico é frequentemente feito por radiografia simples de abdomem e/ ou tomografia computadorizada de abdomem, que demonstra ar no parênquima renal ou no espaço pararrenal. Achados laboratoriais usualmente mostram leucocitose e aumento da proteina C reativa. Urinálises demostram leucocitúria/ piúria. Diversos tratamentos são descritos na literatura, como nefrostomia, tratamento clínico e nefrectomia3, 4, 5. FIGURA 2 Importante quantidade de gás e líquido perienxerto e em subcutâneo. Discussão Muitos aspectos da etiopatogenia da pielonefrite enfisematosa são ilusórios. Entretanto, diabetes mellitus tem sido documentado como o fator de maior risco. Mais de 80% dos pacientes com pielonefrite enfisematosa têm diabetes1, 2. O aumento dos níveis de glicose na urina em pacientes com diabetes pode propiciar um ambiente favorável para a produção de gás pela bactéria. Pacientes que têm pielonefrite enfisematosa na ausência de diabetes mellitus frequentemente mostram obstrução do trato urinário1. V.4 l N.1 l JAN l JUN l 2014 UROLOGIA ESSENCIAL 47 IMAGEM EM UROLOGIA PIELONEFRITE ENFISEMATOSA EM PACIENTE SUBMETIDO A TRANSPLANTE RENAL DE DOADOR CADÁVER PEDRO NICOLAU GABRICH FIGURA 3 DANILO SOUZA LIMA DA COSTA CRUZ Ureter distal de enxerto com necrose e fístula urinária. REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 48 Sven Schmidt, Ellen Foer, Walter Zidek, Markus van der Giel, Timm H. Westhoff. Emphysematous pyelonephritis in a kidney allograft. American J of Kidney Diseases, Vol 53, 5 (may); 2009: 895-897. R.A.Bhat, I Khan, T. Mir. Emphysematous pyelonephritis: Outcome with conservative management. Indian Journal of Nephrology. 2013, nov-dec; 23(6):444-447. Alexsander S, Varughese S, David VG, Kodgire SV, Mukha RP. Extensive emphysematous pyelonephritis in a renal allograft treated conservatively: case report and review of the literature. Transp Infect Dis. 2012 dec; 14(6) 150-155. UROLOGIA ESSENCIAL V.4 l N.1 l JAN l JUN l 2014 4. 5. Chuang YW, Chen CH, Cheng CH, Hung SW, Yu TM, Wu MJ, Shu Kh. Severe emphysematous pyelonephritis ina renal allograft: successful treatment with percutaneous drainage and antibiotics. Clin nrphrol. 2007, jul; 68(1): 42-46. Chouaib A, Sebe P, Haab F, Tligui M. Emphysematous pyelonephritis in a kidney allograft: indication for a secondary nephrectomy. Med Mal Infect. 2011. Aug; 41(8):443-445.