A força dos ventos que vem do mar

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PING PONG
Felipe Pimenta
Um estudo inédito com dados
públicos da Nasa e informações
meteorológicas de uma bóia
da Marinha e plataformas da
Petrobras indicou um potencial
de 100 GW de energia eólica
offshore no Sul do Brasil. Seu
autor é o oceanógrafo brasileiro
Felipe Pimenta, que concluiu
sua pesquisa com apoio da
Universidade de Delaware, nos
EUA. Pimenta acredita que o
país, por ter uma costa bastante
extensa tem muito a oferecer
dessa fonte, mas falta ao
governo uma visão estratégica
sobre o tema. “Desconhecer um
recurso disponível também é um
fator de risco.”
4Alexandre Gaspari, Elisângela
Mendonça e Rodrigo Polito
A força dos ventos
que vem do mar
tBrasil Energia, nº 342, maio 2009
O que o motivou a fazer esse
levantamento?
Fiz um curso sobre a avaliação de recursos offshore dos EUA durante meu
doutorado em Oceanografia Física, em
Delaware (EUA). Resolvi fazer um trabalho sobre a região Sul do Brasil. Desde o início me deparei com um problema: não havia informação. Mas tive a
ajuda da Petrobras e da Marinha, que
me passaram dados. O Brasil não tem
muitas informações offshore. Então utilizei a tecnologia do escaterômetro QuickSCAT, um sensor instalado em satélites da Nasa que consegue estimar a velocidade do vento na superfície do oceano, para obter a velocidade dos ventos
entre duas boias no sul do Brasil.
Só há duas boias para medição
meteorológica no Sul?
Na verdade o estudo englobou uma
boia e uma plataforma. A boia mais ao
sul era da Marinha, e não sei se ainda
existe. Ela tem 5 m de altura e tem uma
estação meteorológica. E a boia ao lado
de Florianópolis, que chamei de B1, na
verdade era uma plataforma da Petrobras, que media os ventos a 78 m de altura. Infelizmente não sei precisar qual
era a plataforma.
A Petrobras mantém essas medições em outras plataformas?
Não sei, mas quando chegar ao Brasil, voltarei a falar com a Petrobras para
tentar delinear um projeto. É relativamente mais barato instalar uma estação
meteorológica numa plataforma do que
uma bóia, que custa em torno de R$ 50
mil. Uma estrutura como a das plataformas offshore, em que é possível medir ventos em diferentes alturas, é uma
oportunidade singular.
Como foi feito o cálculo?
Os satélites extrapolam os ventos para a altura de 10 m. Depois faço uma transformação, baseada na lei
logarítmica, e extrapolo os ventos pa-
ra 80 m. Para esse trabalho foi interessante medir os ventos a 78 m porque
essa é aproximadamente a altura do
hub das turbinas da REpower. Então,
os dados de energia gerada que mostramos são bem próximos da realidade.
Já para a boia mais ao sul fizemos a extrapolação. Ainda assim, os mapas nos
dão com confiança a magnitude do recurso que temos. O recurso encontrado é de 100 GW para um setor bem
pequeno da costa do país.
O potencial eólico brasileiro
está sendo reavaliado considerando as torres de 100 m. A medição
offshore não deveria ser feita nessa
altura também?
O motivo para aumentarem a altura das torres é que a tecnologia está evoluindo. Hoje a REpower tem turbinas
de 6 MW, com uma área maior, que
capta mais energia. Em compensação,
a turbina precisa ser mais alta, para não
encostar na terra nem na água. O ideal
não é só medir os ventos mais altos, mas
em diversas alturas, de 200 m ou 300
m, até a superfície. Assim seria possível
medir o perfil do vento.
Esses 100 GW são apenas para a
região Sul?
Se observarmos a costa do Rio
Grande do Sul, o mapa informará
com confiança que aquela região possui uma energia média de 2,2 MW, a
partir da turbina escolhida para o estudo, de 3 MW. Com esse valor, fiz a batimetria e calculei a área de superfície
do fundo oceânico para instalar uma
turbina, bem como o número de geradores que poderíamos instalar, de acordo com a profundidade. Os 100 GW
são referentes aos limites práticos atuais, de até 50 m de profundidade. Se
fôssemos explorar toda a energia possível até 20 m de profundidade, teríamos de instalar 17 mil turbinas e chegaríamos à média de 27 GW. Se considerarmos turbinas entre 20 m e 50 m
Brasil EnergiaONBJPt
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Felipe Pimenta
de profundidade, são mais 75 GW. Se
estendermos os cálculos até áreas com
100 m de profundidade, são mais 100
GW. Mas turbinas para 100 m estão
além da tecnologia atual.
Hoje é possível seguramente
instalar turbinas até 50 m de profundidade?
Sim. Elas foram feitas assim porque os mares na Europa são muito
rasos. Para os países que estão começando a olhar para isso agora, como
Brasil e EUA, será necessário desenvolver tecnologias mais profundas.
A REpower instalou um projeto no
Mar do Norte com uma turbina de 5
MW através de uma jack-up a 50 m
de profundidade. A tecnologia já está disponível. A StatoilHydro desenvolveu agora um protótipo de turbina flutuante e vai construir o primeiro protótipo em escala real.
Qual o porte desse mercado hoje?
Segundo o Global Wind Energy
Council, o investimento eólico total
chegou a US$ 50 bilhões em 2007. E
a capacidade instalada da indústria cresceu 27% em 2008.
Não conhecer um
recurso também
é um fator de
risco. Até agora a
oceanografia vem
evoluindo no Brasil
graças ao esforço
da Petrobras, da
Marinha e de
universidades
tBrasil Energia, nº 342, maio 2009
Quanto disso se refere à eólica
offshore?
Não sei precisar. Mas existem hoje 1,1 GW eólicos offshore. E na Europa se planeja construir mais 5 GW
nos próximos anos. O problema de
espaço disponível lá é muito maior
do que no Brasil, onde ainda existe
muito espaço para eólicas onshore.
Na Europa, inclusive, há um projeto
de supergrid, cabos submarinos que
interligarão praticamente todas as fazendas eólicas para estabilizar a geração. É como se uma fazenda eólica no norte da costa leste dos EUA
pudesse complementar os períodos
de baixos ventos de outra na Flórida.
Esse supergrid vai conectar em torno
de 10 GW offshore.
O fator de potência de uma eólica
offshore é igual ao de uma onshore?
A energia offshore tem algumas vantagens. Por não existirem obstáculos como montanhas e árvores, a velocidade
dos ventos é maior, e eles são mais uniformes, espacialmente e temporalmente.
A turbina offshore chega a gerar três vezes
mais. Outro ponto é a aparência. Pode-se
instalar mais turbinas ao longo da costa
sem impacto visual. O tamanho das turbinas também não é limitado. Transportar uma turbina de 5 MW em região do
continente sem boas estradas ou acidentada é bem complicado. As pás têm mais
de 150 m de comprimento e são muito
pesadas. Já no mar isso não é problema,
os navios as transportam. E no mar não
há competição imobiliária. O dono das
águas é o país. Mas quero deixar claro que
não sou contra as eólicas onshore. Ambas
devem ser estimuladas pelo país.
Qual é a diferença de custos entre elas?
Os custos offshore são, naturalmente, mais altos, mas a quantidade de energia gerada é muito maior. Os preços vão
cair muito ao longo das duas próximas
décadas. Hoje o preço inicial de instalação de uma turbina offshore de 5 MW
é de US$ 4 milhões, para uma fazenda
eólica de 100 turbinas.
É possível o Brasil acompanhar o
ritmo dos EUA de instalação de eólicas offshore?
Para se ter uma ideia, o aspecto regulatório nos EUA é muito mais restrito e rigoroso do que no Brasil. Acredito
que, se houvesse investidores e recursos
disponíveis no Brasil, esses projetos seriam facilmente implementados.
Mas no Brasil existem o Ibama e o
Ministério Público.
Ainda assim, acredito que seria mais
rápido. Fico surpreso com os motivos
fúteis que às vezes emperram todo o
processo nos EUA. Há investidores sé-
rios aqui. Mas acredito que as coisas vão
mudar com o governo Obama.
Qual é o tempo estimado para
a construção de um parque eólico
offshore?
Pode-se instalar uma turbina por dia.
Seria extremamente viável no Brasil um
parque com dez ou 20 turbinas. Claro,
teria de se pesquisar um lugar que minimizasse impactos ambientais e maximizasse a geração de energia, e que fosse
próximo a regiões de consumo de energia
para reduzir as perdas de transmissão.
Nesse ponto o Sul seria perfeito.
Regiões como o Cabo de Santa
Marta, em Santa Catarina, e o norte
do Rio Grande do Sul são bem energéticas. Outro lugar interessante é o
Nordeste, onde os ventos são realmente muito fortes.
É possível expandir o estudo para
o restante da costa brasileira?
Sim. Este é, inclusive, o meu objetivo. Os dados do QuickSCAT são
de domínio público. Ele tem uma série bem longa, desde 1999. O problema é que a maioria das boias que temos
no Brasil tem, no máximo, dois anos de
dados armazenados.
Do que o Brasil precisa para mapear com precisão seu potencial eólico offshore?
Falta iniciativa em nível federal,
como um programa de instalação de
Em quanto tempo o mapeamento
ficaria pronto?
Com tudo instalado, em seis meses,
ou menos.
Considerando R$ 50 mil por
boia, seriam R$ 2,5 milhões, um investimento baixo para o possível ganho.
Não conhecer um recurso também
é um fator de risco. Até agora a oceanografia vem evoluindo no Brasil graças ao
esforço da Petrobras, da Marinha e de
universidades. Falta organização em nível mais alto de governo. Nos EUA há a
National Oceanic Atmospheric Administration (NOAA), a “Nasa” de oceanos e atmosfera. Ela tem cerca de 100
anos e realiza medições de furacões e sistemas de previsões climáticas. Há boias
com mais de 40 anos de dados de medição. Se existisse um programa especial
do governo para a costa brasileira, poderíamos medir não somente ventos, mas
ondas e correntes marítimas.
É relativamente
barato instalar
uma estação
meteorológica numa
plataforma. Uma
estrutura como a
das plataformas
offshore, onde
é possível medir
ventos em diferentes
alturas, é singular
Rogério Reis/Petrobras
No Nordeste poderia haver perdas
de transmissão.
Mas se a energia for transmitida para regiões distantes passa a valer a teoria da complementaridade, como entre as eólicas e as hidrelétricas. O Brasil tem uma costa mais extensa meridionalmente do que os EUA. Isso é muito promissor. Apenas na área onshore o
potencial é de 143 GW. Também existe
energia considerável no oceano.
boias. Seria interessante instalar umas
50 boias e algumas torres com espaço de 300 km entre elas. E tentar uma
parceria com petroleiras para medir
ventos em diferentes níveis nas plataformas. Ainda teria de ser feito um
estudo do solo marinho, um remapeamento da plataforma continental. É
um problema claramente multidisciplinar, que depende de engenharia, desenvolvimento de equipamentos, implantação de indústrias, meteorologia.
É o velho problema brasileiro de
falta de apoio a pesquisa e desenvolvimento.
Falta visão estratégica. Os EUA medem furacões pela óbvia razão da precaução. Mas também medem os ventos
e as correntes marinhas porque isso gera conhecimento e possibilidades de uso
inteligente do mar e seus recursos. No
Brasil, talvez não falte apoio, mas sim
apoio mais organizado e contínuo.
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