Cirurgiões Revista do Colégio Brasileiro de Órgão Oficial do Colégio Brasileiro de Cirurgiões EDITOR JOSÉ EDUARDO FERREIRA MANSO TCBC - Rio de Janeiro EDITORES ASSOCIADOS JUAN MIGUEL RENTERÍA TCBC - RJ CARLOS ALBERTO GUIMARÃES TCBC - RJ JÚLIO CÉSAR BEITLER TCBC - RJ ASSISTENTE DE PUBLICAÇÕES MARIA RUTH MONTEIRO JORNALISTA RESPONSÁVEL ARLEY SILVA Mtb 8.987 (livro 35 fl. 12v em 06/08/1958) RODRIGO MARTINEZ TCBC - RJ CONSELHO DE REVISORES ABRAO RAPOPORT – ECBC-SP- HOSPHEL- SP-BR FABIO BISCEGLI JATENE- TCBC-SP- USP-BR MARCEL C. C. MACHADO – TCBC-SP- USP-BR ADAMASTOR HUMBERTO PEREIRA- TCBC-RS- UFRS-BR FRANCISCO SÉRGIO PINHEIRO REGADAS-TCBC-CE-UFCE-BR MARCEL A. C. MACHADO – TCBC-SP- USP-BR ADEMAR LOPES – TCBC-SP – UMG-SP-BR FERNANDO QUINTANILHA RIBEIRO – SP- FCMSC-SP-BR NELSON ADAMI ANDREOLLO – TCBC-SP - UNICAMP-SP-BR ALBERTO GOLDENBERG – TCBC-SP- UNIFESP- BR GASPAR DE JESUS LOPES FILHO –TCBC-SP – UNIFESP NELSON FONTANA MARGARIDO – TCBC-SP - USP-BR ALBERTO SCHANAIDER – TCBC-RJ - UFRJ-BR GUILHERME PINTO BRAVO NETO, TCBC-RJ- UFRJ-BR MAURO DE SOUZA LEITE PINHO – TCBC-SC - HOSPITAL ALDO DA CUNHA MEDEIROS- TCBC-RN-UFRN-BR GUSTAVO PEREIRA FRAGA – TCBC-SP- UNICAMP - BR ALESSANDRO BERSCH OSVALDT – TCBC-RS- UFRGS-BR HAMILTON PETRY DE SOUZA – TCBC-RS- PUCRS-BR ORLANDO JORGE MARTINS TORRES- TCBC-MA- UFMA - BR ÁLVARO ANTONIO BANDEIRA FERRAZ – TCBC-PE -UFPE-BR IVAN CECCONELLO – TCBC-SP- USP-BR OSVALDO MALAFAIA – TCBC-PR- UFPR-BR ANDY PETROIANU- TCBC-MG - UFMG-BR JOÃO GILBERTO MAKSOUD- ECBC-SP- USP-BR OSMAR AVANZI – SP - FCMSC-SP-BR ANGELITA HABR-GAMA – TCBC-SP- USP-BR JOÃO GILBERTO MAKSOUD FILHO- USP-BR PAULO FRANCISCO GUERREIRO CARDOSO – ACBC-RS- ANTONIO JOSÉ GONÇALVES – TCBC-SP - FCMSCSP-BR JOAQUIM RIBEIRO FILHO – TCBC-RJ-UFRJ-BR ANTONIO NOCCHI KALIL – TCBC-RS - UFCSPA-BR JOSÉ IVAN DE ANDRADE- TCBC-SP- FMRP- SP-BR PAULO GONÇALVES DE OLIVEIRA – TCBC-DF- UNB-DF-BR ANTONIO PEDRO FLORES AUGE - SP - FCMSCSP-BR JOSÉ EDUARDO DE AGUILAR-NASCIMENTO – TCBC –MT- UFMT-BR PAULO LEITÃO DE VASCONCELOS – CE- UFC- BR ARTHUR BELARMINO GARRIDO JUNIOR – TCBC-SP - USP-BR JOSÉ EDUARDO P. MONTEIRO DA CUNHA – ECBC-SP- USP-BR PAULO ROBERTO SAVASSI ROCHA – TCBC-MG- UFMG-BR AUGUSTO DIOGO FILHO – TCBC-MG- UFU-BR JÚLIO CEZAR WIERDERKEHR- TCBC-PR- UFPR-BR RAUL CUTAIT – TCBC-SP- USP-BR CARLOS ALBERTO MALHEIROS- TCBC- SP-FCMSC-SP-BR JÚLIO CEZAR UILI COELHO- TCBC-PR - UFPR-BR RICHARD RICACHENEVSKY GURSKI – TCBC-RS- UFRGS-BR CLEBER DARIO KRUEL – TCBC-RS - UFRGS-BR LISIEUX EYER DE JESUS- TCBC-RJ- UFF-BR RODRIGO ALTENFELDER SILVA – TCBC-SP- FCMSC-SP-BR DAN LINETZKY WAITZBERG – TCBC-SP- USP-BR LUCIANO ALVES FAVORITO- TCBC-RJ- UERJ-BR RUFFO DE FREITAS JÚNIOR- TCBC-GO- UFGO-BR DANILO NAGIB SALOMÃO PAULO – TCBC-ES- EMESCAM-BR LUIS CARLOS FEITOSA TAJRA- TCBC-PI- UFPI-BR RUY GARCIA MARQUES – TCBC-RJ - UERJ –BR DIOGO FRANCO – TCBC-RJ- UFRJ-BR LUIZ CARLOS VON BAHTEN- TCBC-PR- UFPR-BR RUI HADDAD – TCBC-RJ- UFRJ-BR DJALMA JOSE FAGUNDES – TCBC-SP- UNIFESP-BR LUÍS FELIPE DA SILVA, TCBC-RJ - UFRJ - BR SÉRGIO MIES - TCBC-SP- USP- BR EDMUND CHADA BARACAT – TCBC – SP- UNIFESP-BR MANOEL XIMENES NETO- ECBC-DF - UNB-DF-BR SILVIA CRISTINE SOLDÁ- TCBC-SP- FCMSC-SP-BR EDNA FRASSON DE SOUZA MONTERO – TCBC-SP- UNIFESP-BR MANUEL DOMINGOS DA CRUZ GONÇALVES – TCBC-RJ- UFRJ-BR TALITA ROMERO FRANCO- ECBC-RJ- UFRJ-BR EDUARDO CREMA – TCBC-MG- UFTM-UBERABA-MG-BR MARIA DE LOURDES P. BIONDO SIMOES – TCBC-PR – PUCPR-BR WILLIAM ABRÃO SAAD- ECBC-SP- USP -BR CONSULTORES IVO H. J. CAMPOS PITANGUY, TCBC-RJ MARCOS F. MORAES, ECBC-RJ SAUL GOLDENBERG, ECBC-SP KARL H. FUCHS Markus-Krankenhaus Frankfurter DiakonieKliniken, Wilhelm-Epstein-Straße 4, 60435 Frankfurt am Main ULRICH ANDREAS DIETZ Department of Surgery I, University of Würzburg, Medical School, Würzburg, Germany PROF. W. WEDER Klinikdirektor- UniversitätsSpital Zürich, Switzerland CLAUDE DESCHAMPS M.D - The Mayo Clinic, MN,USA NACIONAIS ADIB DOMINGOS JATENE – ECBC-SP ALCINO LÁZARO DA SILVA, ECBC-MG ALUIZIO SOARES DE SOUZA RODRIGUES, ECBC-RJ ANTONIO LUIZ DE MEDINA, TCBC-RJ ANTONIO PELOSI DE MOURA LEITE, ECBC-SP DARIO BIROLINI, ECBC-SP FARES RAHAL, ECBC-SP FERNANDO MANOEL PAES LEME, ECBC-RJ FERNANDO LUIZ BARROSO, ECBC-RJ ISAC JORGE FILHO, ECBC-SP CONSULTORES ESTRANGEIROS ARNULF THIEDE Department of Surgery, University of Würzburg Hospital, Oberdürrbacher Str. 6, D-97080 Würzburg, Germany MURRAY BRENNAN HeCBC Department of Surgery, Memorial SloanKettering Cancer Center, New York NY, USA MUNICIPAL SÃO JOSÉ- SC-BR FFFCMPA-BR EDITORES DA REVISTA DO CBC 1967 - 1969 JÚLIO SANDERSON 1973 - 1979 HUMBERTO BARRETO 1983 - 1985 JOSÉ LUIZ XAVIER PACHECO 1992 - 1999 MERISA GARRIDO 1969 - 1971 JOSÉ HILÁRIO 1980 - 1982 EVANDRO FREIRE 1986 - 1991 MARCOS MORAES 2000 - 2001 JOSÉ ANTÓNIO GOMES DE SOUZA 2002 - 2005 GUILHERME PINTO BRAVO NETO A REVISTA DO COLÉGIO BRASILEIRO DE CIRURGIÕES é indexada no Latindex, Lilacs e Scielo, Scopus, Medline/PubMed, DOAJ, Free Medical Journals e enviada bimestralmente a todos os membros do CBC, aos seus assinantes, a entidades médicas, bibliotecas, hospitais, e centros de estudos, publicações com as quais mantém permuta, e aos seus anunciantes. REDAÇÃO, ASSINATURAS e ADMINISTRAÇÃO Rua Visconde de Silva, 52 - 3° andar - Botafogo - 22271-092 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil Tel.: + 55 21 2138-0659; Fax: + 55 21 2286-2595; E-mail: [email protected] http//www.cbc.org.br Preço da assinatura anual: a vista, R$ 150,00 ou três parcelas de R$ 60,00 Números avulsos e/ou atrasados: R$ 40,00 Preço da assinatura para o exterior: US$ 248,00 Tiragem: 5.000 exemplares International Standard Serial Number ISSN 0100-6991 PUBLICIDADE IMPRESSÃO e ACABAMENTO Gráfica e Editora Prensa Ltda Rua João Alvares, 27 Saúde - Rio de Janeiro - RJ Tel.: (21) 2253-8343 PROJETO GRÁFICO Tel.: (21) 3116-8300 E-mail: [email protected] Márcio Alvim de Almeida PROJETO GRÁFICO - CAPA Tasso REVISTA DO COLÉGIO BRASILEIRO DE CIRURGIÕES Indexada no Latindex, LILACS e SciELO, Medline/PubMed, Scopus, DOAJ e Free Medical Journals SUMÁRIO / CONTENTS Rev Col Bras Cir 2013; 40(2) EDITORIAL “Hérnias complexas” da parede abdominal Complex abdominal wall hernias Renato Miranda de Melo ............................................................................................................................................................................. 090 ARTIGOS ORIGINAIS Avaliação perioperatória de pacientes em unidade de terapia intensiva Perioperative assessment of the patients in intensive care unit Stelma Regina Sodré Pontes; Rosimarie Morais Salazar; Orlando Jorge Martins Torres ............................................................................ 092 Fatores preditores de fístula salivar pós-laringectomia total Predictors of salivary fistula after total laryngectomy Alexandre de Andrade Sousa; José Maria Porcaro-Salles; João Marcos Arantes Soares; Gustavo Meyer de Moraes; Jomar Rezende Carvalho; Guilherme Souza Silva; Paulo Roberto Savassi-Rocha ....................................................................................... 098 Divertículo faringoesofagiano: avaliação dos resultados do tratamento Pharyngoesophageal diverticulum: evaluation of treatment results Maria Aparecida Coelho de Arruda Henry; Mauro Masson Lerco; José Vicente Tagliarini; Emanuel Celice Castilho; Fabiola Trocoli Novaes; Vania Cristina Lamonica .......................................................................................................................................... 104 Mutação BRAF em pacientes idosos submetidos à tireoidectomia BRAF mutation in the elderly submitted to thyroidectomy Antonio Augusto T. Bertelli; Antonio José Gonçalves; Marcelo B. Menezes; Murilo R. Melo; Stefano Tincani; Luiz Cláudio Bosco Massarollo ...................................................................................................................................................................... 110 Avaliação espirométrica de doentes com sequela de tuberculose submetidos à lobectomia Spirometry evaluation in patient with tuberculosis sequelae treated by lobectomy Elias Amorim; Roberto Saad Junior; Roberto Stirbulov ................................................................................................................................ 117 Valor prognóstico da citologia positiva no lavado peritoneal de pacientes com câncer gástrico ressecável Prognostic role of positive peritoneal cytology in patients with resectable gastric cancer Alexandre Menezes Brito; Bruno José de Queiroz Sarmento; Eliane Duarte Mota; Ailton Cabral Fraga Júnior; Paulo Moacir Campoli; Leonardo Medeiros Milhomem; Orlando Milhomem da Mota ............................................................................... 121 A biópsia de linfonodo sentinela não deve ser recomendada para pacientes portadores de melanoma espesso Sentinel node biopsy should not be recommended for patients with thick melanoma Renato Santos de Oliveira Filho; Allisson Monteiro da Silva; Daniel Arcuschin de Oliveira; Gustavo Gianotto Oliveira; Fabio Xerfan Nahas ...................................................................................................................................................................................... 127 Modelo experimental estável de aneurisma sacular em artéria carótida de suínos utilizando veia jugular interna Stable experimental model of carotid artery saccular aneurysm in swine using the internal jugular vein Severino Lourenço da Silva Júnior; Guilherme Benjamin Brandão Pitta; Adamastor Humberto Pereira; Aldemar de Araújo Castro; Maria Helena Tavares de Matos; Fábio Duque Silveira; Leonardo Torres Magalhães; José Adolfo Hurt Almeida de Moraes; Emmylena Karina Cordeiro Machado; Carlos Wagner de Souza Wanderley; Camila Meirelles de Souza Silva; Luciana da Paz dos Santos; João Nicolle Tupiná Nogueira ........................................................................................................................... 130 Repercussão hepática da carcinogênese colorretal induzida pelo azoximetano Hepatic repercussions of azoxymethane-induced colorectal carcinogenesis Idália Maria Brasil Burlamaqui; Conceição Aparecida Dornelas; Paulo Roberto Carvalho Almeida; Francisco Vagnaldo Fechine Jamacaru; Daniel Magalhães Coutinho Mota; Francisco José Cabral Mesquita; Lara Albuquerque de Brito; Lara Burlamaqui Veras; Lusmar Veras Rodrigues ............................................................................................................................................................................... 137 Rev. Col. Bras. Cir. Rio de Janeiro Vol 40 Nº 2 p 090 / 171 mar/abr 2013 REVISÃO Cirurgia para controle de danos: estado atual Damage control surgery: an update Rodrigo Camargo Leão Edelmuth; Yuri dos Santos Buscariolli; Marcelo Augusto Fontenelle Ribeiro Junior ............................................... 142 ENSINO Avaliação de treinamento cirúrgico na graduação de medicina Evaluation of surgical training in medical school Kátia Sheylla Malta Purim; Laila Djensa Souza dos Santos; Gabriel Treml Murara; Eliane Mara Cesário Pereira Maluf; Julio Wilson Fernandes; James Skinovsky ..................................................................................................................................................... 152 NOTA TÉCNICA Linfadenectomia no câncer gástrico com hook laparotômico Lymphadenectomy in gastric cancer with laparotomic hook André Rossetti Portela; Mário Gissoni de Carvalho; José de Alencar Gonçalves de Macedo ...................................................................... 157 Hepatectomia videolaparoscópica com dispositivo de radiofrequência Laparoscopic hepatectomy with radiofrequency device Vivian Resende; Cristiano Xavier Lima; Mário Marcos Lusckal; Milton Carlos Aguiar Junior; Emanuele Gammeri; Nagy Adley Habib; José Renan da Cunha-Melo ........................................................................................................................................... 160 TELEMEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIA (TBE-CITE) Classificação de gravidade na pancreatite aguda Classification of severity of acute pancreatitis Tercio De Campos; José Gustavo Parreira; José Cesar Assef; Sandro Rizoli; Barto Nascimento; Gustavo Pereira Fraga ........................... 164 RELATO DE CASOS Tumor raro em mediastino: hamartoma A rare mediastinum tumor: hamartoma Roberto Saad Júnior; José Donato de Próspero; Roberto Gonçalves; Jorge Henrique Rivaben; Fabiano Alves Squeff .............................. 169 Rev. Col. Bras. Cir. Rio de Janeiro Vol 40 Nº 2 p 090 / 171 mar/abr 2013 Silva O momento do Editorial Cirurgião Geral 90 “ H é rnias complexas ” da parede abdominal complexas” Complex abdominal wall hernias TCBC–GO RENATO MIRANDA DE MELO A s hérnias ventrais, incluindo as epigástricas e umbilicais, as inguinais, as femorais e as incisionais se revestem de grande importância médica, seja por sua frequência mais elevada ou pelas repercussões clínicas mais graves que podem acarretar. Entretanto, permanece imprecisa a classificação da hérnia incisional, que mesmo passível de ocorrer em qualquer região do abdome, onde haja uma cicatriz, está inserida entre as ventrais, cuja localização é especificamente anterolateral, segundo os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS/BIREME) e a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, em sua 10a. revisão (CID-10). Essas mesmas convenções internacionais também não diferenciam as hérnias primárias das recidivadas nem levam em consideração seu tamanho ou volume, seja do anel ou do conteúdo herniado, que podem variar amplamente. Vale ressaltar ainda que, por definição, toda hérnia recidivada é também uma hérnia incisional, e como tal deverá ser considerada. Um dos desdobramentos dessa incerteza é que o Sistema Único de Saúde (SUS), e muitos dos planos e seguros privados, não reconhecem que hérnias primárias (epigástricas, umbilicais, inguinais e femorais/crurais) sejam passíveis de grande crescimento, ainda que mais raramente. Assim, reservam para o seu reparo apenas as próteses (telas) de tamanho pequeno, como se todas elas tivessem anel herniário e conteúdo pequenos sempre. E seguem o mesmo critério para o tratamento do que denominam “hérnias recidivantes”. Quanto às incisionais, prevêem a utilização de telas médias, com base na mesma premissa, não raras vezes, exigindo justificativa para as próteses grandes e sobretudo para as especiais. No tocante às hérnias epigástricas e umbilicais, grande parte das vezes são defeitos pequenos, que dão passagem apenas à gordura pré-peritonial, e seu tratamento é obtido por sutura simples do anel, recompondo o estrato musculoaponeurótico, após a exérese ou a redução do conteúdo herniado. O mesmo não se aplica àquelas que atingiram volumes maiores, como ocorre na maioria das hérnias incisionais e também em algumas inguinais primárias, pois exigem procedimentos mais elaborados e onerosos (grande porte), incluindo a utilização de telas especiais e de tamanho grande, além de demandarem maior tempo no preparo e na recuperação desses pacientes. A despeito de o volume do conteúdo herniado não guardar relação com o tamanho do anel, algumas podem adquirir grandes proporções, provocando a perda de domicílio das vísceras e estruturas abdominais, em que parte considerável desses elementos se aloja no saco herniário. Este pode atingir 20% ou mais do volume abdominal, constituindo uma “segunda cavidade”, o que provoca alterações graves na dinâmica ventilatória, na postura corporal, no retorno venoso e no linfático, na motilidade intestinal e na perfusão esplâncnica, especialmente a renal, e também da pele, como as dermatites, as úlceras e o abdome em avental. Da mesma forma, a redução pura e simples do conteúdo herniado, sem o devido preparo do paciente (e da cavidade abdominal primitiva), pode não só inviabilizar a redução desse conteúdo, mas também gerar complicações graves, decorrentes do aumento súbito da pressão intra-abdominal (PIA), como a síndrome de compartimento abdominal, que pode ser letal. Algumas comorbidades, como hipertensão, diabetes e obesidade, que são comuns nesses casos, aumentam a frequência de complicações, dificultando o manejo clínico desses pacientes e, muitas vezes, exigem que o seu tratamento seja realizado em Unidade de Terapia Intensiva. Além disso, a necessidade quase imperativa do uso de telas grandes e especiais, para reduzir a possibilidade de recidiva, elevam os custos assistenciais, onerando ainda mais as fontes pagadoras. Esses e outros desafios fazem com que os pacientes, nessas condições, sequer sejam admitidos na maioria dos serviços cirúrgicos, sobretudo aqueles que atendem ao SUS. É um risco proibitivo para os primeiros e um obstáculo às vezes intransponível para os últimos. Isso acaba por forçar o referenciamento desse contingente para hospitais públicos e universitários, gerando longas filas de espera e o afastamento desnecessário de indivíduos, muitas em idade produtiva, seja do mercado de trabalho ou do convívio social. A principal razão que leva esses pacientes a procurar atendimento, com todas as mazelas da exclusão a que estão subjugados, é a intenção de melhorar a qualidade de vida, entendida de maneira global. Mas padecer de uma hérnia complexa não é prerrogativa das classes menos favorecidas. Na verdade, as hérnias reúnem muitas afecções sob uma única denominação, mas trata-se de um grupo bastante heterogêneo. A etiologia é multifatorial, as repercussões são variadas, assim como as complicações também podem ser múltiplas. Portanto, o tratamento adequado deverá ser particularizado, multimodal e, por vezes, multiprofissional. O objetivo é devolver o conteúdo herniado à cavidade abdominal, corrigir o defeito e recuperar a função da parede, com o mínimo de complicações e de sequelas. Rev. Col. Bras. Cir. 2012; 40(2): 090-091 Silva O momento do Cirurgião Geral 91 Não há procedimento considerado padrão-ouro para corrigi-las. E mais, nas dobras e no domo do saco herniário, a pele redundante pode apresentar-se macerada ou mesmo ulcerada e, nos casos de abdome em avental, ela deverá ser ressecada (dermolipectomia), para facilitar a abordagem cirúrgica e a higienização, além de ajudar a reerguer a autoestima dos pacientes. Por tudo isso, os portadores de hérnias volumosas, associadas a alterações locais e sistêmicas graves, exigem atenção e cuidados redobrados. Não raras vezes, impõem-se medidas preliminares de expansão da cavidade abdominal, mediante insuflação de ar ambiente ou de gás carbônico (pneumoperitônio progressivo pré-operatório) e/ ou bloqueio farmacológico da musculatura lateral do abdome, com toxina botulínica do tipo A, na tentativa de favorecer a redução do conteúdo herniado e de prevenir, simultaneamente, a síndrome compartimental. O fortalecimento diafragmático e a melhora da expansibilidade pulmonar, pela fisioterapia respiratória e motora, são fundamentais para que a correção desses defeitos maiores não prejudique ainda mais a função pulmonar, já comprometida pela própria hérnia. Da mesma forma, deve-se compensar as deficiências nutricionais, por meio de reposição específica, seja por dieta oral, enteral ou parenteral. Abordagens simplistas, imediatistas ou intempestivas estão sujeitas ao fracasso, que pode variar desde uma recidiva a mais até o óbito, dado o alto grau de complexidade inerente a esses casos. Se não bastassem tais desafios, as planilhas de custo dos planos de saúde, públicos ou privados, não diferenciam o tratamento de quadros mais complexos daqueles mais simples. Todos são nivelados em patamar único e mínimo, para fins de remuneração. Enquanto o trabalho médico e os gastos hospitalares, sobretudo com o pessoal de apoio (enfermeiros, fisioterapeutas e nutricionistas), são subestimados, os materiais utilizados para esse fim (telas e grampeadores, por exemplo) são sobrevalorizados, quan- do não sobretaxados, o que faz seu custo final subir exponencialmente. De forma paradoxal, paga-se bem mais por um dispositivo industrializado, fabricado em série, do que pelo trabalho particularizado, caso a caso, para implantá-lo com segurança em um organismo já adoecido. É útil lembrar que a responsabilidade do médico, assim como a do fabricante desses materiais, não se encerra ao final do procedimento cirúrgico, mas se prolonga por vários anos nos pacientes que receberam qualquer tipo de prótese. Atualmente, tanto no âmbito do SUS como no da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), não há procedimento específico que contemple o tratamento dessas lesões mais complexas. Ao corrigir tais defeitos, muitos deles gigantescos, o médico despende várias horas de trabalho, em procedimentos laboriosos e de execução desafiadora, até para aqueles com maior experiência clínica, e por remuneração muito aquém do justo. Também não há consenso sobre o que seja uma hérnia complexa, tampouco do seu manejo ideal, e menos ainda do valor pela contraprestação dos serviços, ao contrário de outras afecções, não menos graves da parede abdominal, como a onfalocele e a gastrosquise, que figuram entre as malformações do sistema osteomuscular. É premente que tais questões sejam reexaminadas, a fim de inserir as “hérnias complexas da parede abdominal”, neste rol, com base na elevada gravidade desses casos, e para que o seu tratamento seja realizado em serviços com capacidade instalada adequada (recursos humanos e tecnológicos) e também para que seja valorizado de forma proporcional à alta complexidade dos procedimentos. Assim como fez a Cirurgia Bariátrica e Metabólica, qualquer proposta deverá partir da definição do que se entenda por “hérnia complexa” e do credenciamento de serviços preparados para tratá-la adequadamente. Rev. Col. Bras. Cir. 2012; 40(2): 090-091 Pontes Avaliação perioperatória de pacientes em unidade de terapia intensiva Artigo Original 92 Avaliação perioperatória de pacientes em unidade de terapia intensiva Perioperative assessment of the patients in intensive care unit STELMA REGINA SODRÉ PONTES1; ROSIMARIE MORAIS SALAZAR2; ORLANDO JORGE MARTINS TORRES, TCBC-MA3 R E S U M O Objetivo Objetivo: Avaliar as condições pré-operatórias e o procedimento cirúrgico relacionando-os à morbidade e mortalidade de pacientes cirúrgicos em uma unidade de terapia intensiva geral de um hospital universitário. Métodos Métodos: Foram estudados os prontuários de pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos de médio e grande porte, admitidos na unidade de terapia intensiva geral. Foram analisados: dados demográficos, quadro clínico, registros de antecedentes pessoais e exames laboratoriais pré-operatórios e de admissão na unidade de terapia intensiva, exames de imagem, relato operatório, boletim anestésico e antibioticoprofilaxia. Após a admissão, as variáveis estudadas foram: tempo de internação, tipo de suporte nutricional, utilização de tromboprofilaxia, necessidade de ventilação mecânica, descrição de complicações e mortalidade. Resultados Resultados: Foram analisados 130 prontuários. A mortalidade foi 23,8% (31 pacientes); Apache II maior do que 40 foi observado em 57 pacientes submetidos à operação de grande porte (64%); a classificação ASA e” II foi observada em 16 pacientes que morreram (51,6%); o tempo de permanência na unidade de terapia intensiva variou de um a nove dias e foi observado em 70 pacientes submetidos à cirurgia de grande porte (78,5%); a utilização da ventilação mecânica por até cinco dias foi observada em 36 pacientes (27,7%); hipertensão arterial sistêmica foi observada em 47 pacientes (47,4%); a complicação mais frequente foi a sepse. Conclusão Conclusão: a correta estratificação do paciente cirúrgico determina sua alta precoce e menor exposição a riscos aleatórios Descritores: Morbidade. Mortalidade. Pacientes. Período perioperatório. Unidades de terapia intensiva. INTRODUÇÃO A pesar de toda a evolução científica e tecnológica, as complicações relacionadas às doenças e aos seus respectivos tratamentos ainda se fazem presentes e proporcionam grandes preocupações1,2. A avaliação perioperatória é constituída por um conjunto de procedimentos realizados antes e depois da operação, com objetivo agregar as diferentes áreas do conhecimento de forma sistemática, para a identificação de fatores que possam aumentar o risco operatório, planejando estratégias para evitar ou reduzi-los, visando o melhor curso operatório. Sua realização se justifica pela ocorrência de complicações pós- operatórias que variam entre 17 e 20%1,2. Pacientes cirúrgicos submetidos a grandes procedimentos são constantemente admitidos nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), o que leva a um maior custo hospitalar3,4. Diversos fatores influenciam no resultado global do paciente de risco, tais como hipotermia, alterações do sistema cardiovascular e respiratório, desequilíbrios hidroeletrolítico e acidobásico e perdas volêmicas, podendo ocasionar várias mudanças na homeostase orgânica devido ao estresse cirúrgico. Nesse aspecto, a UTI tem sido estimulada a utilizar mecanismos de avaliação para estratificar pacientes com real risco de morte ou morbidade. A determinação do prognóstico e a efetividade dos tratamentos desse paciente têm influência na prevenção das complicações e manutenção das condições de recuperação8,9. Nesse aspecto, a UTI tem sido estimulada a utilizar mecanismos de avaliação para estratificar pacientes com realNesse aspecto, a UTI tem sido estimulada a utilizar mecanismos de avaliação para estratificar pacientes com real risco de morte ou morbidade. A determinação do prognóstico e a efetividade dos tratamentos desse paciente têm influência na prevenção das complicações e manutenção das condições de recuperação5. Dentro da instituição hospitalar, a avaliação do risco para determinado grupo de pacientes pode ser utilizada para orientar os recursos financeiros, de pessoal e das instalações hospitalares. As UTI’s constituem aproximadamente 20% dos custos hospitalares, seu gerenciamento pode ser uma forma de reduzi-los6-8. Trabalho realizado na Disciplina de Clínica Cirúrgica III e Unidade de Terapia Intensiva Geral do Hospital Universitário – Universidade Federal do Maranhão – UFMA. 1. Enfermeira do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (UFMA); 2. Médica da Unidade de Terapia Intensiva Geral do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão – UFMA; 3. Professor Livre-Docente do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) – UFMA. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 092-097 Pontes Avaliação perioperatória de pacientes em unidade de terapia intensiva A avaliação do risco é realizada através da anamnese, do exame físico e de exames complementares baseados nos dados da clínica do paciente. Estudos descrevem que a avaliação pré-operatória influi positivamente no resultado final do ato operatório6,9. A classificação da American Society of Anaesthesiologists (ASA)2 é um dos métodos utilizado para avaliar tais riscos. Esse tipo de sistema de avaliação é bastante usado para quantificar os riscos cirúrgicos. Aproximadamente 50% da mortalidade cirúrgica pode ser classificada como escore IV ou V, 33% é III e apenas 17% é I e II10. Pode existir significante variabilidade perioperatória na avaliação ASA, colaborando no manejo do paciente. Nas UTI’s, o sistema APACHE II (Acute Physiology and Chronic Health Evaluation) é muito utilizado, colaborando com o planejamento da assistência do paciente grave11-13. O diagnóstico inicial é essencial para o ajuste do risco, portanto, estabelecer critérios comuns e referências para observação e comparação através do reconhecimento precoce das complicações, a intervenção adequada e acompanhamento criterioso, são a chave para evitar o desfecho negativo do ato operatório. O tempo de internação pode ser visto como um marcador indireto de resultados adversos e de maior utilização de recursos após a operação12-16. O objetivo deste estudo foi avaliar as condições pré-operatórias e o procedimento cirúrgico relacionandoos com a morbidade e mortalidade de pacientes cirúrgicos em uma unidade de terapia intensiva geral de um hospital universitário. MÉTODOS Foram analisados, de forma retrospectiva e analítica, os dados de prontuários de pacientes submetidos à operações de médio e grande porte no período de janeiro a agosto de 2009, encaminhados à UTI do Hospital Universitário Unidade Presidente Dutra, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). A população constou de 146 prontuários dos quais 16 foram excluídos, permanecendo 130 prontuários analisados. Todos aqueles que tiveram indicação pré, trans e pós-operatória e que foram admitidos imediatamente após o procedimento cirúrgico na UTI, foram incluídos no estudo. Os critérios de exclusão foram pacientes submetidos a procedimentos cardíacos por terem unidade de terapia intensiva específica, os submetidos à operação em outras unidades hospitalares, os em pós-operatório de procedimentos obstétricos e crianças, bem como, prontuários incompletos. Após aprovação do Comitê de Ética, a coleta de dados foi realizada, junto aos prontuários, através do registro em ficha específica. As variáveis levantadas foram idade, sexo, quadro clínico, registros pré-operatórios, exames laboratoriais pré-operatórios e de admissão na UTI (hemograma completo, eletrólitos e marcadores hepáticos, 93 gasometria arterial) e de imagem (ultrassonografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética e radiografia), relato cirúrgico, boletim anestésico e antibioticoprofilaxia. Durante o período de internação foram estudados tempo de internação e tipo de nutrição adotada, uso de anticoagulante, uso de ventilação mecânica e alta ou óbito como desfecho. Foram utilizados como avaliador do estado físico, o escore ASA no pré-operatório descrito em ficha de anestesia e APACHE II como indicador de gravidade, aplicado nas primeiras 48 horas de internação na UTI. Os procedimentos cirúrgicos foram classificados em médio (operações com até duas horas de duração) e grande porte (operações com mais de duas horas de duração), sendo cada operação agrupada por especialidade ficando descriminados por cirurgia abdominal, neurológica, ortopédica, torácica, urológica e vascular. Cada prontuário foi lido rigorosamente confrontando-se nome e número de matrícula e atendendo aos critérios de exclusão. Para que os dados fossem coletados de forma correta, a ficha protocolo foi anteriormente testada. Houve a participação de um coletor, que foi treinado para a correta coleta de dados. A releitura de todo prontuário foi realizada para melhor interpretação dos dados observados. Os fatores associados à mortalidade e às complicações graves no período perioperatório foram determinados através de modelos de regressão logística múltipla. Inicialmente, foram investigadas cada uma das variáveis agrupadas segundo afinidades, problemas clínicos coexistentes, complexidade da operação e dados referentes ao procedimento cirúrgico. Posteriormente, foi investigada a colinearidade entre variáveis de cada grupo e entre variáveis de grupos distintos. Foram incluídas no modelo final apenas as que apresentaram associação mais forte com o evento. O banco de dados foi estruturado para a realização das análises descritivas. A entrada dos dados foi realizada mensalmente com análise de consistência paralela e correção de eventuais erros. Utilizou-se software estatístico para a construção e análise desses modelos preditivos do risco de mortalidade. Para a comparação dos dados entre os diferentes grupos foi utilizado o teste de Qui-quadrado, conforme o tamanho da amostra. O nível de significância adotado para a hipótese de nulidade foi 5% (p<0,05). RESULTADOS No período do estudo foram analisados 146 prontuários, dos quais 16 (10,9%) foram excluídos; dez destes (6,8%) por serem mulheres submetidas à cesariana que evoluíram com complicações no pós-parto, quatro (2,7%) com informações insuficientes para o estudo e dois (1,4%) por serem crianças. A amostra final foi constituída de 130 prontuários que preenchiam os critérios de inclusão. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 092-097 Pontes Avaliação perioperatória de pacientes em unidade de terapia intensiva 94 Dos 130 prontuários analisados, a sobrevida foi 76,1% (99 pacientes), havendo predomínio do sexo masculino (59,5%) e a faixa etária destes pacientes foi superior a 40 anos de idade em 63 pacientes (63,6%). Oitenta e nove pacientes (68,5%) foram submetidos à operação de grande porte, dentre as quais a operação abdominal foi realizada em 35 pacientes (35,5%). Através da avaliação do estado físico, 65 pacientes (65,5%) foram classificados em ASA II; 38 pacientes (38,3%) apresentavam o índice de massa corporal (IMC) inferior a 18,7%; e a hipertensão arterial sistêmica (HAS) foi observada em 47 pacientes (47,4%), entretanto esse achado não influenciou na alta hospitalar (Tabela 1). Quanto à admissão dos pacientes na UTI, 89 pacientes (68,5%) foram submetidos a operações classificadas como de grande porte. Na classificação ASA, o risco maior ou igual a II foi observado em 70 pacientes (53,8%) A avaliação de escore de gravidade APACHE II considerou o risco de 40% de mortalidade para a maioria dos pacientes na admissão na UTI (81 pacientes – 62,3%); 57 (64,0%) realizaram operação classificada como de grande porte. Os que evoluíram a óbito representaram 38,3%, sendo 12 pacientes do grupo de médio porte e 19 pacientes do grupo de grande porte (Tabela 2). O tempo de permanência na unidade de terapia intensiva foi de até nove dias. Noventa e quatro pacientes (72,3%) não fizeram uso de suporte ventilatório invasivo. Trinta e seis pacientes permaneceram até cinco dias com ventilação mecânica. Não houve diferença significante em relação à complexidade cirúrgica (Tabela 2). Tabela 1 - A tromboprofilaxia subcutânea foi realizada em todos os pacientes, incluindo os 99 que sobreviveram. A enoxeparina foi o medicamento de escolha. O suporte nutricional foi utilizado em 41 pacientes (31,5%) distribuídos em relação ao porte da operação: 25 (19,2%) receberam suporte nutricional enteral e 16 (12,3%), parenteral, (Tabela 2). A ocorrência de complicações apresentou relação direta com a sobrevida do paciente. Dentre os pacientes que receberam alta hospitalar, 76 pacientes (76,7%) não apresentaram nenhum tipo de complicação. Dentre os pacientes que morreram, a presença de sepse não controlada em 17 pacientes (54,8%) foi a complicação mais observada e que apresentou relação direta com o óbito do paciente. A hemorragia esteve presente em 11 pacientes (35,4%). A infecção do sítio cirúrgico, observada nos dois grupos, não apresentou relação com o óbito do paciente, apesar de mais frequente nos que morreram (nove pacientes – 29%) (Tabela 3). O antibiótico, com a finalidade profilática, foi utilizado em 94 pacientes (72,3%). A cefazolina foi o antibiótico mais frequentemente empregado. DISCUSSÃO A população cirúrgica vem crescendo gradativamente e, com ela, a maior necessidade de se estabelecerem critérios de avaliação para identificar a gravidade do procedimento cirúrgico proposto. Mais de 40% dos cuidados intensivos são para pacientes no pós-opera- Características predominantes segundo aspectos demográficos, porte cirúrgico, tipo de operação, ASA, IMC e doença associada, em pacientes que evoluíram para alta ou óbito. GS (n=99-76,1%) Porte cirúrgico Médio Grande Tipos de operação Abdominal Neurológica Torácica Ortopédica Urológica Vascular Sexo Masculino Idade (> 40 anos) ASA > II IMC < 18,7 Doença associada (HAS) GNS (n=31- 23,9%) p 29 70 (29,1) (70,7) 12 (38,7) 19 (61,2) < 0,05* 35 24 20 15 4 1 (35,3) (24,1) (20,2) (15,1) (4,1) (1,2) 16 4 4 4 3 - (51,6) (12,9) (12,9) (12,9) (9,7) NS NS NS NS NS NS 59 (59,5) 14 (45,1) NS 63 65 38 47 (63,6) (65,6) (38,3) (47,4) 25 16 22 4 NS NS < 0,01* < 0,01* (80,6) (51,6) (70,7) (12,9) GS – grupo sobrevivente; GNS – grupo não sobrevivente; IMC – índice de massa corpórea; *teste Qui-quadrado Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 092-097 Pontes Avaliação perioperatória de pacientes em unidade de terapia intensiva Tabela 2 – 95 Características dos 130 pacientes da UTI segundo admissão, alta, APACHE II, tempo de ventilação mecânica, uso de anticoagulante, tipo de nutrição e óbito. Porte da operação Médio (n/%) Admissão (pré-op.) ASA > II (99 pacientes) APACHE II (40%-81 pacientes) Tempo de internação (1-9 dias) Ventilação mecânica Não utilizaram Até cinco dias Tromboprofilaxia (enoxaparina) Nutrição Enteral (25 pacientes) Parenteral (16 pacientes) Óbito Grande (n/%) p 41 29 24 29 (31,5) (22,3) (18,5) (22,3) 89 70 57 70 (68,5) (53,8) (43,8) (53,8) < 0,05* NS NS NS 25 7 29 (19,2) (5,4) (22,3) 69 (53,1) 29 (22,3) 70 (53,8) NS NS < 0,05* 9 4 12 (6,9) (3,1) (9,2) 16 (12,3) 12 (9,2) 19 (14,6) NS NS NS *Teste Qui-quadrado. NS – Não significante tório e depende do estado físico e do tipo de operação, principalmente nas de grande porte10. Grande parte dos pacientes admitidos na UTI foi submetida à operação de grande porte. Houve percentual maior do sexo masculino e a idade foi superior a 40 anos de idade. Essas duas variáveis não foram influentes no prognóstico dos pacientes em relação à alta ou óbito. Satyawan et al.14 determinaram o bom prognóstico em longo prazo de pacientes com mais de 80 anos de idade após terem sido submetidos a procedimento cirúrgico sem que houvesse influência do sexo na avaliação final. Todavia, sabese que a morbidade ocorre com mais frequência naqueles com mais idade, influenciando na mortalidade15-17. Cerca de 30% da amostra desenvolveu algum tipo de complicação e consequente mortalidade, mas a idade e o sexo não foram fatores determinantes. A sepse apresentou relação com a mortalidade. A complicação infecciosa continua sendo causa frequente de mortalidade cirúrgica18,19. A taxa de infecção foi elevada, em relação a outros estudos20, apesar do acentuado uso do antibiótico profilático, isso comprova que o Tabela 3 – antibiótico deve estar associado a um conjunto de medidas que minimizem a ocorrência de infecção. A cefazolina foi usada em nossa população seguindo as orientações para a administração desse medicamento19. Em geral, os pacientes recebem alta da UTI após 24 ou 48 horas da admissão. Alguns estudos relatam que a alta na hora apropriada reduz o uso excessivo e desnecessário dos recursos da UTI obedecendo aos critérios de avaliação estabelecidos pela equipe, reduzindo custos e principalmente promovendo o bem-estar dos pacientes21,22. Em observância aos critérios de avaliação, a maioria dos pacientes teve classificação ASA II no pré-operatório e quando admitidos na UTI, foram pontuados com escore de mortalidade estabelecido em 40% pelo APACHE II23, a associação entre estes dados influenciou na mortalidade geral do estudo. Castro Júnior et al. concluíram que pacientes com escore APACHE II maior que oito e submetidos às operações de grande porte, poderão apresentar elevado índice de morbimortalidade12, assemelhando-se a estes dados. Distribuição de pacientes segundo ocorrência de complicações nos pacientes sobreviventes e não sobreviventes. São Luis, 2010. Complicações Sem complicações Infecção do sítio cirúrgico Hemorragia Pneumonia Sepse Outras Sobreviventes N=99 (n/%) 76 6 7 4 2 4 (76,7) (6,0) (7,0) (4,0) (2,0) (4,0) *Teste Qui-quadrado Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 092-097 Não sobreviventes N=31 (n/%) 9 11 7 17 6 (29,0) (35,4) (22,5) (54,8) (19,3) P < 0,001* < 0,05 < 0,05 < 0,05 < 0,05 Pontes Avaliação perioperatória de pacientes em unidade de terapia intensiva 96 Esse aspecto se estende ao uso da ventilação mecânica onde a mortalidade foi maior que 90%. O processo de retirada da prótese ventilatória no paciente em pós-operatório é mais difícil e ocupa quase 40% do tempo total de ventilação mecânica, além do que aumenta o risco de pneumonia, tempo de internação, custos hospitalares e mortalidade em torno de 20 a 70%24. Dos 39% dos pacientes que permaneceram na UTI, 10% ficaram por um período maior na ventilação mecânica. Apesar disso, grande parte da amostra não utilizou ventilação mecânica. Houve resposta direta no tempo de internação dos doentes e a prevalência da pneumonia foi apenas 4% naqueles que tiveram alta. Um estudo realizado por Soares et al.25, comprovou que o menor tempo de prótese ventilatória e a deambulação precoce contribuem para a menor permanência na UTI. Contudo, vários fatores são complicadores para a maior permanência na UTI, dentre eles está a trombose venosa profunda26. Os pacientes politraumatizados ou os submetidos à intervenção cirúrgica de longa duração apresentam risco aumentado de desenvolver tromboembolismo26-28. No estudo, muito embora não tivesse sido relatado nenhum caso de tromboembolismo, os pacientes fizeram uso de enoxeparina e, em sua maioria, o seu emprego esteve associado com o tipo de procedimento cirúrgico. A heparina de baixo peso molecular está indicada nas operações potencialmente causadoras de trombose. Essa indicação depende da avaliação da história clínica e de exames adequados. As indicações estão bem definidas na literatura27. Dentre tantos aspectos a serem vistos em relação ao paciente cirúrgico a avaliação nutricional é também fundamental e tem como objetivos estimar o risco de mortalidade e morbidade da desnutrição, identificando e individualizando as suas causas e consequências, com in- dicação e intervenção mais precisa e a eficácia da terapêutica nutricional17. Como a maioria dos pacientes recebeu alta hospitalar sem complicações, o suporte nutricional (nutrição enteral e parenteral) foi pouco utilizado e, além disso, nos que evoluíram a óbito não foi significante a correlação entre as duas dietas, provavelmente devido ao tamanho da amostra. No que diz respeito à doença associada, a hipertensão arterial foi mais prevalente e, levando-se em consideração que esta doença é muitas vezes de difícil controle, a internação na UTI no pós-operatório é medida de segurança19,28. Mesmo tendo tido significante número de hipertensos observados, não foi associado à morbimortalidade e apenas quatro pacientes nessa condição foram a óbito. A taxa de mortalidade global foi elevada em relação a outras encontradas na literatura16,27,28. Os resultados deste estudo demonstraram que a indicação da maioria dos pacientes para a UTI foi motivada por características comuns como alta complexidade cirúrgica, maior prevalência de hipertensos, idade e ASA que estiveram significantemente associadas à mortalidade predita pelo APACHE II. A infecção foi o fator de risco mais prevalente na UTI, aumentando o tempo de internação e mortalidade. Apesar de não estar contemplado no trabalho, não foi encontrada nenhuma descrição ou conduta referente à dor no pós-operatório. Desta forma, existe a necessidade de se incluir nas condutas da UTI, protocolos para o manejo da dor no paciente cirúrgico. Considera-se que apesar das limitações metodológicas do estudo, o fato de ter sido realizado em apenas uma UTI e ter tido uma amostragem pequena, os resultados estão de acordo com a maioria dos dados de UTI’s descritos na literatura e evidenciam que a correta estratificação do paciente cirúrgico determina sua alta precoce e menor exposição a riscos aleatórios. A B S T R A C T Objective: To evaluate the preoperative condition and the surgical procedure of surgical patients in a general intensive care unit Objective Methods: We studied the medical records of patients undergoing of a university hospital, relating them to morbidity and mortality. Methods medium and large surgical procedures, admitted to the general intensive care unit. We analyzed: demographic data, clinical records personal history and laboratory tests, both preoperatively and on admission to the intensive care unit, imaging, operative reports, anesthetic reports and antibiotic prophylaxis. After admission, the variables studied were: length of stay, type of Results: We nutritional support, use of thromboprophylaxis, mechanical ventilation, description of complications and mortality. Results analyzed 130 medical records. Mortality was 23.8% (31 patients), Apache II greater than 40 was observed in 57 patients undergoing major surgery (64%), ASA classification e” II was observed in 16 patients who died (51.6 %), the length of stay in the intensive care unit ranged from one to nine days and was observed in 70 patients undergoing major surgery (78.5%), the use of mechanical ventilation for up to five days was observed in 36 patients (27.7%), hypertension was observed in 47 patients (47.4%), Conclusion: the correct stratification of surgical patient determines their early the most frequent complication was sepsis. Conclusion discharge and reduced exposure to random risk. words: Morbidity. Mortality. Patients. Perioperative period. Intensive care units. Key words Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 092-097 Pontes Avaliação perioperatória de pacientes em unidade de terapia intensiva REFERÊNCIAS 1. Pinho C, Grandini PC, Gualandro DM, Calderaro D, Monachini M, Caramelli B. Multicenter study of perioperative evaluation for noncardiac surgeries in Brazil (EMAPO). Clinics. 2007;62(1):17-22 2. Saad IAB, Zambom L. Variáveis clínicas de risco pré-operatório. Rev Assoc Med Bras. 2001;47(2):117-24. 3. Lobo SM, Rezende E, Knibel MF, Silva NB da, Páramo JAM, Nácul F, et al. Epidemiologia e desfecho de pacientes cirúrgicos não cardíacos em unidades de terapia intensiva no Brasil. Rev Bras Ter Int. 2008;20(4):376-84. 4. Abelha FJ, Castro MA, Landeiro NM, Neves AM, Santos CC. Mortalidade e o tempo de internação em uma unidade de terapia intensiva cirúrgica. Rev bras anestesiolol. 2006;56 (1):34-45. 5. Hartl WH, Wolf H, Schneider CP, Küchenhoff H, Jauch KW. Acute and long-term survival in chronically critically ill surgical patients: a restrospective observational study. Crit Care. 2007;11(3):R55. 6. Boyd O, Jakson N. How is risk defined in high-risk surgical patient management? Crit Care. 2005;9(4):390-6. 7. Solberg BC, Dirksen CD, Nieman FH, van Merode G, Poeze M, Ramsay G. Changes in hospital costs after introducing an intermediate care unit: a comparative observational study. Crit Care. 2008;12(3):R68. 8. de Cássia Mello Guimarães R, Rabelo ER, Moraes MA, Azzolin K. Severity of postoperative cardiac surgery patients: an evolution analysis according to TISS-28. Rev Lat Am Enfermagem. 2010;18(1):61-6. 9. Meynaar IA, van der Spoel JI, Rommes JH, van Spreuwel-Verheijen M, Bosman RJ, Spronk PE. Off hour admission to an intensivist-led ICU is not associated with increased mortality. Crit Care. 2009;13(3):R84. 10. Goldhill DR. Preventing surgical deaths: critical care and intensive care outreach services in the postoperative period. Br J Anaesth. 2005;95(1):88-94. 11. Nogueira LS, Santos MR, Mataloun SE, Moock M. Nursing Activities Score: comparação com o índice APACHE II e a mortalidade em pacientes admitidos em unidade de terapia intensiva. Rev bras ter Intensiva. 2007;19(3):327-30. 12. Castro Júnior MAM, Castro MAM, Castro AP, Silva AL. O sistema Apache II e o prognóstico de pacientes submetidos às operações de grande e pequeno porte. Rev Col Bras Cir. 2006;33(5):272-8. 13. Ghaferi AA, Birkmeyer JD, Dimick JB. Variation in hospital mortality associated with inpatient surgery. N Engl J Med. 2009;361(14):1368-75. 14. Bhat SA, Shinde VS, Chaudhari LS. Audit of intensive care unit admissions from the operative room. Indian J Anaesth. 2006;50(3):193-200. 15. Boumendil A, Maury E, Reinhard I, Luquel L, Offenstadt G, Guidet B. Prognosis of patients aged 80 years and over admitted in medical intensive care unit. Intensive Care Med. 2004;30(4):647-54. 16. Machado AN, Sitta Mdo C, Jacob Filho W, Garcez-Leme LE. Prognostic factors for mortality among patients above the 6th decade undergoing non-cardiac surgery: cares—clinical assessment and research in elderly surgical patients. Clinics. 2008;63(2):151-6. 17. Davies SJ, Wilson RT. Preoperative optimization of the righ-risk surgical patient. Br J Anaesth. 2004;93(1):121-8. 97 18. Afessa B, Gajic O, Morales IJ, Keegan MT, Peters SG, Hubmayr RD. Association between ICU admission during morning rounds and mortality. Chest. 2009;136(6):1489-95. 19. Nakano CS, Safatle NF, Moock M. Análise crítica dos pacientes cirúrgicos internados na unidade de terapia intensiva. Rev bras ter int. 2007;19(3): 348-53. 20. Lichtenfels E, Lucas ML, Webster R, D’Azevedo PA. Profilaxia antimicrobiana em cirurgia vascular periférica: cefalosporina ainda é padrão-ouro? J vasc bras. 2007;6(4):378-87. 21. Wilson AP, Gibbons C, Reeves BC, Hodgson B, Liu M, Plummer D, et al. Surgical wound infection as a performance indicator: agreement of common definitions of wound infection in 4773 patients. BMJ. 2004;329(7468):720. 22. Hofhuis JG, Spronk PE, van Stel HF, Schrijvers AJ, Bakker J. Quality of life before intensive care unit admission is a predictor of survival. Crit Care. 2007;11(4):R78. 23. Aylin P, Bottle A, Majeed A. Use of administrative data or clinical databases as predictors of risk of death in hospital: comparison of models. BMJ. 2007;334(7602):1044. 24. Goldwasser R, Farias A, Freitas EE, Saddy F, Amado V. Okamoto V. Desmame e interrupção da ventilação mecânica. J bras pneumol. 2007;33(supl. 2):128-36. 25. Soares TR, Avena KM, Olivieri FM, Feijó LF, Mendes KMB, Mendes Filho SA, et al. Retirada do leito após a descontinuação da ventilação mecânica: há repercussão na mortalidade e no tempo de permanecia na unidade de terapia intensiva? Rev bras ter intensiva. 2010;22(1):27-32. 26. Abelha F, Maia P, Landeiro N, Neves A, Barros H. Determinants of outcome in patients admitted to a surgical intensive care unit. Arq Med. 2007;21(5-6):135-43. 27. Diogo-Filho A, Maia CP, Diogo DM, Fedrigo LSP, Diogo PM, Vasconcelos PM. Estudo de vigilância epidemiológica da profilaxia do tromboembolismo venoso em especialidades cirúrgicas de um hospital universitário de nível terciário. Arq Gastroenterol. 2009;46(1):9-14. 28. Jhanji S, Thomas B, Ely A, Watson D, Hinds CJ, Pearse RM. Mortality and utilisation of critical care resources amongst highrisk surgical patients in a large NHS trust. Anaesthesia. 2008;63(7):695-700. Recebido em 25/05/2012 Aceito para publicação em 03/08/2012 Conflito de interesse: nenhum Fonte de financiamento: nenhuma. Como citar este artigo: Pontes STS, Salazar RM, Torres OJM. Avaliação perioperatória de pacientes em unidade de terapia intensiva. Rev Col Bras Cir. [periódico na Internet] 2013;40(2). Disponível em URL: http://www.scielo.br/rcbc Endereço para correspondência: Orlando Jorge Martins Torres E-mail: [email protected] Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 092-097 Sousa Fatores preditores de fístula salivar pós-laringectomia total Artigo Original 98 Fatores preditores de fístula salivar pós-laringectomia total Predictors of salivary fistula after total laryngectomy ALEXANDRE DE ANDRADE SOUSA1; JOSÉ MARIA PORCARO-SALLES, TCBC-MG2; JOÃO MARCOS ARANTES SOARES3; GUSTAVO MEYER DE MORAES4; JOMAR REZENDE CARVALHO4; GUILHERME SOUZA SILVA4; PAULO ROBERTO SAVASSI-ROCHA, TCBC-MG5 R E S U M O Objetivo: Avaliar a incidência de fístula faringocutânea após laringectomia total e tentar identificar os fatores preditores.. Métodos: No período de maio de 2005 a abril de 2010, 93 pacientes foram submetidos à laringectomia total. Foram avaliadas as complicações per e pós-operatórias e comparadas com as seguintes variáveis: sexo, estado nutricional, traqueostomia prévia, localização do tumor primário, tipo de operação realizada, estadiamento de acordo com o TNM, tratamento prévio com quimioterapia e/ou radioterapia, utilização de retalhos para reconstrução e margem cirúrgica. Todos os pacientes apresentavam a neoplasia em estádio avançado segundo o TNM. Resultados: 14 (15,1%) pacientes evoluíram com fístula salivar no pós-operatório. O tempo médio de aparecimento da fístula salivar foi 3,5 dias, com desvio padrão de 13,7 dias. Comparando a fístula salivar com as variáveis TNM, tipo de operação e esvaziamento cervical, traqueostomia prévia, utilização de retalho miocutâneo, rádio e quimioterapia préoperatória e margem cirúrgica, não foi observado diferença estatisticamente significativa (p>0,05). Conclusão: A incidência de fístula salivar foi 15,1% e não foi encontrado fator preditor para sua formação. Descritores: Fístula do sistema digestório. Fístula das glândulas salivares. Complicações pós-operatórias. Laringectomia. Neoplasias laríngeas. INTRODUÇÃO A cirurgia de cabeça e pescoço aborda rotineiramente pacientes oncológicos, idosos, tabagistas, portadores de doenças vasculares, diabéticos e portadores de outras doenças que predispõem as diversas complicações pós-operatórias que estão diretamente associadas com aumento da morbidade, tempo de hospitalização do paciente e custos do tratamento1-5. As complicações podem ser de ordem geral ou específica. Dentre as primeiras, temos os hematomas, infecção de ferida cirúrgica e complicações sistêmicas, como tromboembolismo pulmonar e infarto agudo do miocárdio. Já as complicações específicas se relacionam ao tipo de procedimento cirúrgico realizado. Quando analisamos as complicações relacionadas às laringectomias, a fístula faringocutânea é a mais comum após laringectomia total, com incidência de 3% a 65%. Dentre os fatores de risco identificados como preditores de fístula, são citados: a desnutrição, margem cirúrgica comprometida, radioterapia prévia, esvaziamento cervical, traqueostomia prévia, estádio avançado do tumor e má técnica cirúrgica1-6. O objetivo desse estudo foi avaliar o perfil dos pacientes com câncer de laringe, verificar a incidência de complicações após laringectomia total e tentar identificar os fatores preditores para as complicações pósoperatórias. MÉTODOS Foi realizado estudo retrospectivo, com avaliação dos prontuários dos pacientes submetidos à laringectomia total no período de maio de 2005 a abril de 2010 pela equipe de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG. Os pacientes foram operados no Hospital da Baleia, no Hospital das Clínicas da UFMG em Belo Horizonte e no Hospital São João de Deus em Divinópolis. O estudo foi aprovado pelo CEP da UFMG - parecer número ETIC 0584.1.203.000-09. Todos os pacientes tiveram diagnóstico de carcinoma espinocelular, tendo como sítio primário a laringe, o seio piriforme ou valécula. Foram revistas as rotinas de cuidados pré, per e pós-operatórias para verificar se havia diferença no tratamento dos pacientes. Foram avaliadas as complicações per e pós-operatórias e comparadas com as seguintes variáveis: sexo, estado nutricional, traqueostomia prévia, localização do tumor primário, tipo Trabalho realizado no Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG- MG-BR. 1. Professsor Adjunto da Faculdade de Medicina da UFMG- MG-BR; 2. Professor da Faculdade de Medicina da UFMG; 3. Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da UFSJ; 4. Membro do Grupo de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Instituto Alfa de Gastroenterologia; 5. Professor. Titular da Faculdade de Medicina da UFMG. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 098-103 Sousa Fatores preditores de fístula salivar pós-laringectomia total 99 de operação realizada (sítio primário e esvaziamento cervical), estadiamento de acordo com o TNM7, tratamento prévio com quimioterapia e/ou radioterapia, utilização de retalhos para reconstrução e margem cirúrgica. A análise estatística foi realizada utilizando nível de significância de 5% para todos os testes. RESULTADOS Foram operados, de maio de 2005 à abril de 2010, 93 pacientes. No Hospital da Baleia (33), no Hospital das Clínicas da UFMG (32) e no Hospital São João de Deus (28). O tratamento cirúrgico foi padrão, no que diz respeito à técnica operatória e cuidados pré, per e pósoperatórios. No pré-operatório imediato, per-operatório e nas primeiras 24 horas de pós-operatório os pacientes receberam clindamicina na dose de 600mg de 6/6 horas. Após a laringectomia, o fechamento da faringe foi realizado primariamente, com fio Vycril® 000, com sutura contínua em forma de “T”. Nos pacientes em que o remanescente faríngeo foi considerado insuficiente para o fechamento primário e nos casos nos quais a quimioirradiação foi utilizada como tratamento primário, utilizou-se na reconstrução faríngea o retalho miocutâneo de músculo peitoral maior. Nesses casos as bordas do remanescente faríngeo foram suturadas à pele do retalho com Vycril® 000. Todos os pacientes receberam dieta enteral a partir do primeiro dia de pós-operatório (DPO) por meio de cateter nasoentérico. Nos pacientes sem fístula salivar a dieta oral foi iniciada a partir do sétimo DPO, e sua consistência alterada progressivamente nos dias subsequentes, iniciando com dieta líquida, depois pastosa e finalmente, sólida. Nos casos de infecção de ferida operatória ou fístula salivar, antibioticoterapia com ceftriaxona e clindamicina foi iniciada a partir do diagnóstico e mantidos por dez a 14 dias. Durante esse período os pacientes foram mantidos com dieta enteral exclusiva. A média de idade dos pacientes foi 58,9 (32 a 86) anos, e 87 (93,5%) eram do sexo masculino e seis (6,5%) do feminino. Tabela 2 - Em relação ao estado nutricional, 35 (64,7%) pacientes estavam nutridos no pré-operatório imediato. Os desnutridos, classificados como leve, moderado e grave, respectivamente, cinco (9,3%), nove (16,7%) e cinco (9,3%). Em 39 pacientes não havia informações nos prontuários. Sete (20,0%) pacientes nutridos e sete (36,8%) desnutridos evoluíram com fístula salivar no pós-operatório, sem diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos (p=0,15). A traqueostomia prévia ao tratamento cirúrgico definitivo foi realizada em 43 (46,2%) pacientes. O estadiamento dos pacientes segundo o TNM encontra-se na tabela 1. Para esse estadiamento, foram considerados os dados do exame anatomopatológico. Em relação à localização do tumor, 25,7% situavam-se na supraglote, 22,5% transglóticos, 22,5% na hipofaringe, 20,3% na glote, 6,5% na valécula e 2,5% eram localizados na subglote. Dos 93 pacientes, a ressecção foi a primeira opção terapêutica em 78 (83,9%) e 15 (16,1%) foram submetidos, previamente à operação, à radioterapia e/ou quimioterapia; sendo que destes, dois foram submetidos à laringectomia total associada ao esvaziamento cervical (jugular bilateral em um paciente e jugular + radical em outro). Os outros 13 (14,0%) pacientes foram submetidos apenas à laringectomia total de resgate (Tabela 2). Após a exérese do tumor, verificou-se que em dez pacientes havia infiltração nas margens cirúrgicas, elas foram ressecadas (Tabela 3). Vinte e dois (23,6%) pacientes necessitaram de reconstrução da faringe com retalho miocutâneo do Tabela 1 - Estádio Estádio T Estádio N % N T3 T4 N0 N1 N2 N3 23 70 42 20 27 4 24,7 75,3 45,2 21,5 29,0 4,3 Tratamento cirúrgico realizado incluindo os procedimentos realizados no pescoço (n = 93 pacientes). Procedimento cirúrgico Tumor primário Pescoço Estadiamento dos pacientes de acordo com o TNM (n = 93 pacientes). N Laringectomia total Faringolaringectomia total Glossectomia de base + laringectomia total Sem esvaziamento cervical Esvaziamento cervical radical bilateral Esvaziamento cervical radical + jugular Esvaziamento cervical jugular bilateral Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 098-103 48 37 8 13 15 46 19 % 51,6 39,8 8,6 14,0 16,1 49,5 20,4 Sousa Fatores preditores de fístula salivar pós-laringectomia total 100 peitoral maior. Nos outros 71 casos, o fechamento foi primário. O tempo cirúrgico médio das operações foi 308,9 minutos, com o mínimo de 120 e máximo de 550 minutos. Os pacientes permaneceram com cateter nasoentérico de sete a 150 dias para alimentação enteral, com média de 26,08 dias. A dieta por via oral foi iniciada, em média, no 17,7o + 14,7 dia de pós-operatório, variando de sete a 90 dias. Dentre as complicações cirúrgicas, 14 (15,1%) dos pacientes apresentaram fístula salivar no pós-operatório, sendo que, o tempo médio de aparecimento foi de 3,5 dias com desvio padrão de 13,7 dias. Treze (14,0%) dos pacientes tiveram infecção de ferida operatória, três (3,2%) evoluíram com hematoma cervical com necessidade de intervenção cirúrgica e dois (2,2%) casos com pneumonia. Considerando apenas a fístula salivar e comparando-a com as variáveis estudadas, não foi observada diferença estatisticamente significativa (p=0,19) entre a presença de metástase cervical e o estádio do tumor e a presença de fístula salivar (Tabelas 4 e 5). A tabela 6 mostra a comparação entre as variáveis estudadas e a incidência de fístula salivar. Tabela 3 - Estado das margens cirúrgicas em 93 pacientes. Margem cirúrgica Margens livres Carcinoma invasor Carcinoma in situ Exíguas Sem informação Tabela 4 - N % 76 7 2 1 7 81,7 7,5 2,1 1,2 7,5 DISCUSSÃO As complicações cirúrgicas estão diretamente associadas com aumento do tempo de hospitalização, custos do tratamento e retardo no início de radioterapia e, consequentemente, piores resultados no controle oncológico1,3. Vários fatores podem contribuir para aumentar a incidência das complicações, incluindo radioterapia associada ou não à quimioterapia pré-operatória, desnutrição, tempo operatório e estádio do tumor 2-6,8,9. Nesse estudo, assim como na maioria encontrada na literatura, a complicação pós laringectomia total mais frequente foi a fístula faringocutânea. A sua incidência foi 15,1%, o que condiz com a encontrada na literatura 1-4,8,10. A média de tempo de aparecimento da fístula salivar foi 3,5 dias, o que também foi observado em outros estudos6,11. A Infecção da ferida operatória está diretamente relacionada à presença da fístula salivar. Os sinais clínicos do aparecimento da fístula salivar incluem edema e hiperemia da pele cervical, aumento da drenagem de secreção nos drenos ou na ferida operatória e, algumas vezes, febre4,12. A identificação desses sinais permite o diagnóstico e tratamento precoce da fístula salivar, reduzindo o risco de infecções mais graves13. Em relação ao tratamento da fístula salivar, há um consenso de que, inicialmente, deve ser conservador (antibioticoterapia e curativo), pois as fístulas se fecham espontaneamente na maioria dos casos4,14,15. O tratamento cirúrgico é reservado para os casos de falha do tratamento clínico14. Nessa casuística, nenhum paciente precisou de fechamento cirúrgico da fístula salivar. Os pacientes com tumores na região da cabeça e pescoço são, na maioria das vezes, desnutridos. Dois fatores estão associados e contribuem para a desnutrição: Incidência de fístula salivar conforme o estádio das metástases em 82 pacientes. Estadio N Fístula salivar Grupo com fístula n (%) N0 N positivo Valor de p Grupo sem fístula n (%) 10 (25,6%) 4 (9,3%) 29 (74,4%) 39 (90,7%) 0,09 * Em 11 pacientes não havia informações nos prontuários Tabela 5 - Incidência de fístula salivar conforme o estadio do tumor em 79 pacientes. Estadio T Fístula salivar Grupo com fístula n (%) T3 T4 5 (23,8%) 9 (15,5%) * Em 14 pacientes não havia informações nos prontuários. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 098-103 Valor de p Grupo sem fístula n (%) 16 (76,2%) 49 (84,5%) 0,40 Sousa Fatores preditores de fístula salivar pós-laringectomia total Tabela 6 - 101 Incidência da fístula salivar de acordo com suas possíveis causas. Variável Fístula salivar Sim n (%) Laringectomia total Faringolaringectomia total Glossectomia total + laringectomia total Sem esvaziamento cervical Esvaziamento cervical radical bilateral Esvaziamento cervical radical + jugular Esvaziamento cervical jugular bilateral QtRxt pré-operatória Sim (85 pacientes) Não Retalho miocutâneo Sim (84 pacientes) Não TQT prévia Sim (84 pacientes) Não Margem cirúrgica Livre (85 pacientes) Comprometida 6 8 0 4 1 6 3 13 11 4 10 6 8 12 2 Valor de p Não n (%) (12,5%) (21,6%) (0,0%) (30,8%) (6,7%) (13,0%) (15,8%) (20,0%) (15,7%) (20,0%) (15,6%) (14,6%) (18,6%) (16,0%) (20,0%) 42 (87,5%) 29 (78,4%) 8 (100,0%) 9 (69,2%) 14 (93,3%) 40 (87,0%) 16 (84,2%) 12 (80,0%) 59 (84,3%) 16 (80,0%) 54 (84,4%) 35 (85,4%) 35 (81,4%) 63 (84,0%) 8 (80,0%) 0,26 0,25 0,46 0,43 0,63 0,51 * O n é menor que 93 em algumas variáveis estudadas devido à ausência de informação nos prontuários. Legenda: QtRxt – quimiorradioterapia um deles é a própria neoplasia, que leva ao metabolismo ineficiente de carboidratos, catabolismo acelerado de proteínas e depleção progressiva de lipídios. O outro é mecânico, pela presença do tumor, que acarreta, em alguns casos, disfagia, odinofagia e redução da ingestão de alimentos8. O diagnóstico de desnutrição é na verdade uma combinação de variáveis clínicas e laboratoriais. Do ponto de vista clínico, a perda de peso superior a 10% do peso habitual no período pré-operatório classifica o paciente como desnutrido grave. Essa perda de peso é considerada como fator preditor maior para complicações pós-operatórias4. Nesse estudo, embora aproximadamente 60% dos pacientes estivessem desnutridos, esse fator não aumentou a incidência de fístula salivar (p=0,45). Laboratorialmente, na rotina, podemos lançar mão da dosagem de proteínas plasmáticas (albumina e transferrina), e contagem linfocitária. Boscolo-Rizzo et al.3, em análise multivariada, mostraram que hipoalbuminemia pré-operatória, está associada a maior incidência de complicações cirúrgicas, incluindo a fístula salivar. Nesse estudo, não encontramos os valores de albumina nos prontuários estudados. A linfocitopenia, que também poderia ser avaliada, não foi encontrada nos hemogramas pré-operatórios. O estádio do tumor é um dos fatores preditores de fístula salivar mais comentado na literatura1,5-7,10,11,16. Apesar disso, no nosso estudo, não houve aumento de incidência de fístula salivar nos pacientes com tumores mais avançados. De acordo com Virtaniemi et al.11, os tumores de supraglote requerem ressecções mais extensas, incluindo a parede faríngea, o que pode determinar maior tensão na linha de sutura faríngea e, consequentemente, maior risco de fístula salivar. Esse achado não foi observado no estudo atual. Também não foi encontrada diferença estatisticamente significativa entre os sítios dos tumores operados, talvez pela utilização de retalho miocutâneo, usado de forma rotineira nesses e nos casos de tratamento prévio com quimiorradiação e naqueles que teriam tensão na linha de sutura. Pacientes submetidos ao esvaziamento cervical apresentam incidência maior de fístula salivar do que aqueles tratados apenas com laringectomia total8,13, entretanto, esse achado não foi observado no presente estudo (p=0,25), assim como, por outros autores3-5,11,14,16. A traqueostomia prévia não foi fator preditor para fístula salivar o que está de acordo com os dados encontrados na literatura consultada5,12,15,17. Em geral, os pacientes traqueostomizados no pré-operatório apresentavam tumores em estádio mais avançado e, portanto, o fator preditor de fístula salivar seria o estádio da neoplasia e não a traqueostomia prévia. O comprometimento das margens cirúrgicas pela neoplasia ocorreu em 10,7% dos casos, sendo que esse dado não influenciou no aparecimento da fístula salivar (p=0,72), o que está de acordo com Dedivitis et al.6, embora Markou et al.18 tenham observado aumento significativo de incidência de fístula salivar. A radioterapia e a quimioterapia no pré-operatório não predispuseram ao aparecimento de fístula salivar, achado também descrito por outros autores1-5,10,11. Entretanto, foi observado6,12,14,17,19 uma maior incidência de fístula salivar em pacientes assim tratados, além de seu aparecimento mais precoce. Esses autores mostraram que a incidência de fístula salivar estava diretamente relacionada à dose de radiação aplicada ao paciente, sendo que as doses Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 098-103 Sousa Fatores preditores de fístula salivar pós-laringectomia total 102 acima de 5000 cGy têm maior risco. Alguns estudos mostram que a incidência de fístula salivar não foi alterada pelo tratamento radioterápico prévio, entretanto, as que ocorreram eram mais graves e de longa duração 5,19. A utilização de retalho miocutâneo para reconstrução da faringe não se mostrou fator preditor para o aparecimento de fístula salivar (p=0,66). Talvez a utilização do retalho tenha proporcionado menor taxa de fístula salivar, considerando que os pacientes que deles necessitaram, a princípio, tinham tumores em estádio mais avançado ou eram operações de resgate após radioterapia e/ou quimioterapia. Sarra et al.15 sugerem a utilização de retalhos nas reoperações ou nos casos de estenose faríngea, observada ainda no per operatório. Smith et al.8 utilizam o retalho miocutâneo sistematicamente em todos os casos de laringectomia total e mostram redução drástica da incidência de fístula salivar. Sousa et al.1 e Tsou et al.14 tam- bém sugerem a utilização de retalho para fechamento da parede faríngea em todos os casos de resgate cirúrgico após radioterapia e quimioterapia. Isso é a rotina do nosso Serviço. A colocação de um tecido não irradiado num leito em que já houve irradiação talvez propicie cicatrização mais adequada e redução das taxas de fístula. A ampla variação da incidência de fístula salivar encontrada na literatura pode ser explicada pela grande variação na seleção de pacientes e técnica cirúrgica empregada. Nesse estudo, com o objetivo de avaliar o perfil dos pacientes e a incidência de complicações, foram incluídos todos os pacientes submetidos a laringectomia total, mesmo de resgate ou com necessidade de utilização de retalho miocutâneo para reconstrução, seja da faringe ou da base de língua. Concluímos que não houve fator preditor de fístula salivar e que a incidência de fístula salivar foi 15,1%, similar à encontrada na literatura mundial. A B S T R A C T Objective: To evaluate the incidence of pharyngocutaneous fistula after total laryngectomy and try to identify its predictors. Objective Methods: From May 2005 to April 2010, 93 patients underwent total laryngectomy. We evaluated complications during and after Methods surgery and compared them with the following variables: gender, nutritional status, previous tracheotomy, tumor location, type of surgery, TNM staging, prior treatment with chemotherapy and/or radiotherapy, use of flaps for reconstruction and surgical margin. Results: 14 (15.1%) patients developed postoperative All patients presented with advanced neoplastic disease according to TNM. Results salivary fistula. The mean time to onset of salivary fistula was 3.5 days, with a standard deviation of 13.7 days. Comparing salivary fistula with TNM variables, type of operation and neck dissection, prior tracheotomy, use of flap, preoperative radio and chemotherapy Conclusion: The incidence of salivary fistula was and surgical margin, there was no statistically significant difference (p> 0,05). Conclusion 15.1% and no predictive factor for its formation was found. words: Fistula of the digestive system. Fistula salivary glands. Postoperative complications. Laryngectomy. Laryngeal Key words neoplasms. REFERÊNCIAS 1. Sousa AA, Castro SM, Porcaro-Salles JM, Soares JM, de Moraes GM, Carvalho JR, et al. The usefulness of a pectoralis major myocutaneous flap in preventing salivary fistulae after salvage total laryngectomy. Braz J Otorhinolaryngol. 2012;78(4):103-7. 2. Aswani J, Thandar M, Otiti J, Fagan J. Early oral feeding following total laryngectomy. J Laryngol Otol. 2009;123(3):333-8. 3. Boscolo-Rizzo P, De Cillis G, Marchiori C, Carpenè S, Da Mosto MC. Multivariate analysis of risk factors for pharyngocutaneous fistula after total laryngectomy. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2008;265(8):929-36. 4. Mäkitie AA, Niemensivu R, Hero M, Keski-Säntti H, Bäck L, Kajanti M, et al. Pharyngocutaneous fistula following total laryngectomy: a single institution’s 10-year experience. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2006;263(12):1127-30. 5. Paydarfar JA, Birkmeyer NJ. Complications in head and neck surgery: a meta-analysis of postlaryngectomy pharyngocutaneous fístula. Arch Otolaryngol Heah Neck Surg. 2006;132(1):67-72. 6. Dedivitis RA, Ribeiro KC, Castro MA, Nascimento PC. Pharyngocutaneous fistula following total larygectomy. Acta Otorhinolaryngologica Ital. 2007;27(1):2-5. 7. Edge SB, Byrd DR, Compton CC, Fritz AG, Greene FL, Trotti A, editors. AJCC Cancer Staging Manual. 7th ed. New York: Springer; 2009. 8. Smith TJ, Burrage KJ, Ganguly P, Kirby S, Drover C. Prevention of postlaryngectomy pharyngocutaneos fistula: the Memorial University experience. J Otolaryngol. 2003;32(4):222-5. 9. Trinidad Ruiz G, Luengo Pérez LM, Marcos García M, Pardo Romero G, González Palomino A, Pino Rivero V, et al. Value of nutritional support in patients with pharingocutaneous fistula. Acta Otorrinolaringol Esp. 2005;56(1):25-30. 10. Cocek A. The history and current status of surgery in the treatment of laryngeal cancer. Acta Medica. 2008;51(3):157-63. 11. Virtaniemi JA, Kumpulainen EJ, Hirvikoski PP, Johansson RT, Kosma VM. The incidence and etiology of postlaryngectomy pharyngocutaneous fistulae. Head Neck. 2001;23(1):29-33. 12. Galli J, De Corso E, Volante M, Almadori G, Paludetti G. Postlaryngectomy pharyngocutaneous fistula: incidence, predisposing factors, and therapy. Otolaryngol Head Neck Surg. 2005;133(5):689-94. 13. Assis LAP, Negri SLC, Oliveira EL, Filho LF, Pires ESB. Fístula faringocutânea após laringectomia total: experiência do Hospital Mário Penna. Rev Bras Cir Cabeça e Pescoço. 2004;33(2):77-81. 14. Tsou YA, Hua CH, Lin MH, Tseng HC, Tsai MH, Shaha A. Comparison of pharyngocutaneous fistula between patients followed by primary laryngopharyngectomy and salvage laryngopharyngectomy for advanced hypopharyngeal cancer. Head Neck. 2010;32(11):1494500. 15. Sarra LD, Rodríguez JC, García Valea M, Bitar J, Da Silva A. Fistula following total laryngectomy. Retrospective study and bibliographical review. Acta Otorrinolaringol Esp. 2009;60(3):186-9. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 098-103 Sousa Fatores preditores de fístula salivar pós-laringectomia total 103 16. Soylu L, Kiroglu M, Aydogan B, Cetik F, Kiroglu F, Akçali C, et al. Pharyngocutaneous fistula following laryngectomy. Head Neck. 1998;20(1):22-5. 17. Papazoglou G, Doundoulakis G, Terzakis G, Dokianakis G. Pharyngocutaneous fistula after total laryngectomy: incidence, cause, and treatment. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1994;103(10):8015. 18. Markou KD, Vlachtsis KC, Nikolaou AC, Petridis DG, Kouloulas AI, Daniilidis IC. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2004;261(2):61-7. 19. Wakisaka N, Murono S, Kondo S, Furukawa M, Yoshizaki T. Postoperative pharyngocutaneous fistula after laryngectomy. Auris Nasus Larynx. 2008;35(2):203-8. Recebido em 05/06/2012 Aceito para publicação em 07/08/2012 Conflito de interesse: nenhum Fonte de financiamento: nenhuma Como citar este artigo: Sousa AA, Porcaro-Salles JM, Soares JMA, Moraes GM, Carvalho JR, Silva GS, Savassi-Rocha PR. Fatores preditores de fístula salivar póslaringectomia total. Rev Col Bras Cir. [periódico na Internet] 2013;40(2). Disponível em URL: http://www.scielo.br/rcbc Endereço para correspondência: Alexandre de Andrade Sousa E-mail: [email protected] Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 098-103 Henry Divertículo faringoesofagiano: avaliação dosArtigo resultados do tratamento Original 104 Divertículo faringoesofagiano: avaliação dos resultados do tratamento Pharyngoesophageal diverticulum: evaluation of treatment results MARIA APARECIDA COELHO DE ARRUDA HENRY, ECBC-SP 1; MAURO MASSON LERCO2; JOSÉ VICENTE TAGLIARINI3; EMANUEL CELICE CASTILHO4; FABIOLA TROCOLI NOVAES5; VANIA CRISTINA LAMONICA6 R E S U M O Objetivo: Avaliar a evolução pós-operatória de pacientes com divertículo faringoesofagiano submetidos aos tratamentos cirúrgico e endoscópico. Métodos: Foram analisados de maneira retrospectiva 36 pacientes com divertículo faringo-esofagiano atendidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP. Os pacientes foram distribuídos em dois grupos, na dependência do tratamento: grupo 1 (n=24) – diverticulectomia associada á miotomia do cricofaríngeo, através de Resultados: A mortalidade cervicotomia esquerda; grupo 2 (n=12) – diverticulostomia endoscópica usando grampeador linear. Resultados operatória foi nula em ambos os grupos. Complicações precoces: grupo 1 – dois pacientes desenvolveram fistula cervical e outros dois, rouquidão; grupo 2 – sem complicações. Complicações tardias: grupo 1 – sem complicações: grupo 2: recidiva da disfagia em quatro pacientes (p=0,01). O seguimento médio foi 33 meses para o grupo 1 e 28 meses para o grupo 2. Conclusão: Os dois procedimentos foram eficazes na remissão da disfagia. O tratamento cirúrgico apresentou superioridade em relação ao endoscópico, com resolução da disfagia com um único procedimento. O tratamento endoscópico deve ser reservado para os mais idosos e portadores de comorbidades. Descritores: Transtornos de deglutição. Divertículo de Zenker. Terapêutica. Procedimentos cirúrgicos operatórios. Endoscopia. INTRODUÇÃO D escrito em 1764 por Abrahan Ludlow1, o divertículo faringoesofagiano (DFE) é o mais comum dos divertículos esofagianos. Esta afecção recebe também a denominação de divertículo de Zenker2, patologista alemão que, em associação com Von Ziensen, publicou os primeiros 27 casos, sendo 5 de sua casuística pessoal. O DFE é pouco frequente, representando três a 5% das doenças esofagianas, sendo mais freqüente no sexo masculino3-5. Esta doença raramente ocorre em indivíduos com menos de 40 anos, sendo a década dos 65 aos 75 anos a mais acometida6. A fisiopatologia do DFE ainda não está completamente elucidada. O mecanismo mais aceito é o que considera esta doença resultante do aumento da pressão na luz da faringe, ocasionando herniação da mucosa através de um ponto de fraqueza na musculatura esofagiana (triângulo de Killian). Este é um espaço entre os músculos constritor inferior da faringe e crico-faringeo7. Várias técnicas têm sido propostas para o tratamento do DFE. Dentre as técnicas empregadas, a divertículopexia proposta por Lerut et al. em 19908 foi substituída pela diverticulectomia associada à miotomia do músculo circofaríngeo, tendo a cervicotomia esquerda como via de acesso, com excelentes resultados, representados por ausência de mortalidade, baixa morbidade e remissão satisfatória dos sintomas9-15. O tratamento endoscópico proposto inicialmente por Mosher em 191716 foi revivido por Dolhman e Mattsson em 196017, consistia na secção completa do septo entre o esôfago e o divertículo promovendo comunicação entre as duas estruturas18-20. Os autores referem que este procedimento tem vantagens em relação ao tratamento cirúrgico, tais como ausência de incisão na pele, menor tempo operatório e de hospitalização. Collard et al., em 199321, propuseram um refinamento da técnica endoscópica: o septo deveria ser seccionado com aparelho de sutura mecânica, reduzindo Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP. 1. Professora Titular do Departamento de Cirurgia e Ortopedia, Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP-SP-BR; 2. Professor Assistente do Departamento de Cirurgia e Ortopedia, Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP; 3. Professor Assistente do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP; 4. Médico do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP; 5. Ex – Residente do Departamento de Cirurgia e Ortopedia Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP; 6. Aluna do Programa de Pós-Graduação em Bases Gerais da Cirurgia, Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 104-109 Henry Divertículo faringoesofagiano: avaliação dos resultados do tratamento a possibilidade de complicações graves como hemorragia e fístula. O presente trabalho objetivou avaliar a evolução pós-operatória de pacientes com divertículo faringoesofágico submetidos aos tratamentos cirúrgico e endoscópico utilizando o grampeador linear. MÉTODOS O projeto do presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP (ofício nº3767-2011). Participaram desta pesquisa 36 indivíduos portadores de divertículo faringoesofágico, sendo 20 homens e 16 mulheres, com idades variando entre 37 e 97 anos (média: 65,02 ± 12,90 anos). A queixa referida pelos pacientes era disfagia, associada a outros sintomas em alguns deles (Tabela 1). A confirmação diagnóstica foi realizada por esofagograma. Os 36 pacientes foram distribuídos em dois grupos, na dependência da conduta adotada: Grupo 1 (n = 24): diverticulectomia associada à miotomia do músculo cricofaríngeo; Grupo 2 (n = 12): diverticulostomia realizada com grampeador linear. Os pacientes do grupo 1 foram submetidos à diverticulectomia sob anestesia geral. A abordagem adotada foi a cervicotomia longitudinal esquerda, na borda interna do músculo esternocleidomastoideo, com boa exposição do campo operatório. Após a dissecção das estruturas cervicais realizou-se a secção do músculo omo-hioideo na maioria dos casos. A introdução prévia de sonda nasogástrica facilitou a palpação do esôfago e isolamento completo do divertículo e do seu óstio (Figura 1). A secção do saco diverticular foi seguida de sutura contínua da parede esofágica em dois planos, um mucoso e outro muscular, com fio de ácido poliglicólico 3-0. A antibioticoterapia profilática foi realizada durante a indução anestésica (cefalosporina EV, 2g, em dose única). A miotomia do músculo cricofaríngeo foi realizada em todos os casos. A drenagem laminar do leito periesofágico foi realizada durante 24 horas. Nos dois primeiros dias de pós-operatório, a alimentação foi oferecida pela sonda nasogástrica que foi retirada no terceiro dia. A partir de então e na ausência de sinais de fístula, a alimentação oral foi restabelecida. A alta hospitalar ocorreu em torno do quinto dia de pós-operatório. O tratamento endoscópico foi realizado nos pacientes do grupo 2, sob anestesia geral. O laringoscópio de Weerda (Karl Storz, Tuttinger, Germany) permitiu a identificação da hipofaringe e do divertículo. A seguir foi aspirado o conteúdo do divertículo e introduzido o grampeador (Ethicon, Inc., Somerville NJ, USA) de 45mm. Os ramos do grampeador foram posicionados na luz esofágica e no divertículo, respectivamente. Ao se efetuar o disparo do grampeador, o septo entre o esôfago e o divertículo é 105 Tabela 1 - Sintomas apresentados pelos pacientes com DFE. Sintoma Disfagia Disfagia + regurgitação Disfagia + emagrecimento Disfagia + rouquidão Disfagia + globus Disfagia + abaulamento cervical Disfagia + pneumonias de repetição Disfagia + dor de garganta Total Figura 1 - Grupo 1 Grupo 2 13 02 02 0 02 03 01 01 24 06 03 02 01 0 0 0 0 12 Cervicotomia esquerda evidenciando divertículo faringoesofageano. seccionado e grampeado, transformando o esôfago e o divertículo em luz única. A antibioticoterapia profilática foi realizada de maneira semelhante a adotada nos pacientes do grupo 1 (cefalosporina, 2g, EV, dose única). A dieta líquida foi introduzida no segundo dia do pós-operatório, com alta hospitalar após 48 horas do procedimento. Para a comparação dos procedimentos, foram avaliados os sintomas, a duração das queixas, o tamanho dos divertículos e as complicações: precoces e tardias. Para a análise estatística foram utilizados os testes do qui-quadrado para as variáveis qualitativas e o de Student para as variáveis quantitativas. O nível de significância de 5% foi adotado para a análise estatística (p<0,05). RESULTADOS Dos 24 pacientes do grupo 1, 14 eram homens e 10 mulheres. No grupo 2, cinco pacientes pertenciam ao sexo masculino e sete ao feminino. Não foi observada di- Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 104-109 Henry Divertículo faringoesofagiano: avaliação dos resultados do tratamento 106 ferença na distribuição quanto aos sexos nos dois grupos (p=0,3, tabela 2). Os pacientes do grupo 2 eram mais idosos que os do grupo 1 (72,96 ± 11,30 versus 61,2 ± 12,14 – p=0,011 – Tabela 2). A duração das queixas (Tabela 2) dos pacientes do grupo 1 (33,8 ± 37,9 meses) não diferiu das observadas no grupo 2 (23,7 ± 16,5 meses – p=0,38). Nos pacientes do grupo 2, os divertículos eram maiores (5,3 ± 1,5cm) do que os do grupo 1 (4,1 ± 1,5cm; p=0,031). A mortalidade operatória foi nula em ambos os grupos. Também não ocorreram complicações intraoperatórias. No pós-operatório imediato, dois pacientes do grupo 1 apresentaram fístula de pequeno débito, com resolução espontânea, dois pacientes referiram rouquidão, que aos poucos foi regredindo, até a resolução total. A remissão total ou melhora da disfagia foi observada em todos os pacientes do grupo 1. Nos pacientes do grupo 2, não foram observadas complicações no pós-operatório imediato, todavia, no seguimento tardio, quatro pacientes (33,3%) queixaram-se de recidiva da disfagia, havendo necessidade de novo procedimento endoscópico, com melhora do sintoma. DISCUSSÃO Neste trabalho retrospectivo foram estudados de maneira comparativa os aspectos clínicos e terapêuticos de portadores de DFE submetidos a dois tipos de tratamento, cirúrgico e endoscópico. Sendo o DFE afecção própria da senilidade, a realização de pesquisa randomizada esbarra em problema ético. Isto porque a alocação de um idoso portador de comorbidades em braço cirúrgico constitui infração ética. Talvez seja este o motivo pelo qual Silveira et al. 22 referiram falta de trabalho randomizado sobre este assunto. A fisiopatologia do DFE constitui motivo de controvérsia, e vários mecanismos têm sido descritos, todos Tabela 2 - eles relacionados à anormalidades apresentadas pelo músculo cricofaríngeo, tais como espasmo, hipertrofia, fibrose23. Estudos manométricos têm demonstrado que a contração pós-abertura do esfíncter superior do esôfago acontece prematuramente, coincidindo com o pico máximo de contração da faringe14. Como resultado desse aumento pressórico ocorre herniação da mucosa e submucosa da faringe em área de fraqueza da parede, com formação do divertículo. Tais divertículos são denominados pseudodivertículos, pois eles não contêm todas as camadas da parede esofágica. Corroborando esta teoria é o achado de redução do tônus pressórico do esfíncter superior do esôfago no pós-operatório de portadores de DFE14,19,21,24. Além do fator dismotilidade, outro aspecto tem sido avaliado na fisiopatologia do DFE. Estudos histológicos do músculo cricofaríngeo de portadores de DFE demonstram redução acentuada de fibras musculares e de colágeno quando comparada aos controles4. Muitos autores referem maior incidência do DFE em indivíduos do sexo masculino3,10,12-15,18,25. Em nossa amostra a incidência foi semelhante nos dois sexos. A média de idade dos pacientes desta série submetidos ao tratamento endoscópico (grupo 2) foi mais elevada do que a observada nos do grupo 1 (tratamento cirúrgico) e semelhante à referida por alguns autores26-28. A discrepância de idade entre os dois grupos prende-se ao fato de que foi reservado o tratamento endoscópico para pacientes portadores de comorbidades e sem condições de suportar o tratamento cirúrgico, conforme já preconizado19,29. Na análise da tabela 1, observamos que vários pacientes de ambos os grupos apresentam sintomas de regurgitação, globus, rouquidão, dor de garganta e pneumonias de repetição durante a deglutição. Esta é a característica da disfagia orofaríngea ou de transferência, onde a dificuldade reside na passagem do bolo alimentar da boca para a faringe e sua penetração pelo esfíncter superior do esôfago30. Outra controvérsia com relação ao DFE diz respeito ao tratamento. Até a Década de 60, o único tratamento preconizado era o cirúrgico, pois o tratamento endoscópico idealizado por Mosher16 foi por ele abando- DFE: Aspectos demográficos, clínicos e complicações. Grupo 1 Homens Mulheres Idade média Duração das queixas Tamanho do divertículo Fístula cervical Recidiva Rouquidão 14 10 61,2 ± 12,14 33,8 ± 37,9 4,1 ± 1,5 2 (8,3%) 0 (0%) 2 (8,3%) *p<0,05 Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 104-109 Grupo 2 5 7 72,06 ± 11,30 23,7 ± 16,5 5,3 ± 1,5 0 (0%) 4 (33,3%) 0 (0%) Valor de p 0,34 0,011* 0,38 0,031* 0,01* Henry Divertículo faringoesofagiano: avaliação dos resultados do tratamento nado, pois os pacientes faleciam, em decorrência de mediastinite20. O tratamento cirúrgico, realizado por cervicotomia esquerda, consiste em diverticulectomia ou diverticulopexia, sendo o último indicado para os divertículos menores. Os dois procedimentos são, em geral, associados à miotomia do músculo cricofaríngeo. Os pacientes do grupo 1 foram submetidos à diverticulectomia associada à miotomia do músculo cricofaríngeo, com mortalidade nula. A extensão do saco diverticular foi, em média, de 4,1 ± 1,5cm e o exame anatomopatológico dos divertículos demonstrou processo inflamatório crônico. Na avaliação pós-operatória precoce observamos que dois pacientes desenvolveram fístula. Considerando a experiência acumulada com o emprego da esofagectomia transhiatal31, o manejo das fístulas cervicais não ofereceu dificuldade, muito menos risco para o paciente. A incidência desta complicação, de 8,3%, não difere da publicada3,911,14,19,23 . Outra complicação observada no pós-operatório precoce foi a rouquidão referida por dois pacientes. Este sintoma teve duração efêmera, desaparecendo totalmente após duas semanas. O seguimento tardio dos pacientes do grupo 1 variou entre três e 180 meses (média: 33 meses). Os pacientes mostravam-se satisfeitos com o resultado da operação, com remissão da disfagia, voltando a deglutir qualquer tipo de alimento sem dificuldades. O tratamento endoscópico foi revivido por Dohlman e Mattson17, os quais preconizavam a realização do procedimento sob anestesia geral, usando endoscópio rígido e secção do septo entre o esôfago e o divertículo realizado com eletrocautério. Com esta técnica, abolia-se a incisão cervical, além de abreviar o tempo do procedimento, a internação hospitalar, a introdução da dieta e o número de complicações6. Após empregar o método em mais de 100 pacientes, os autores não observaram complicações graves e relataram recidiva em apenas 5% dos casos. Outras técnicas têm sido propostas para efetuar a secção do septo entre o esôfago e o divertículo, sendo o laser de CO2, o papiloscópio e o aparelho de sutura mecânica os mais utilizados. Destas, o laser de CO2 foi a que ocasionou maior número de complicações, sendo a hemorragia a mais grave, exigindo necessidade de conversão para o tratamento cirúrgico20. Na presente série não foi observada hemorragia. O tratamento endoscópico pode ser realizado com aparelho rígido ou flexível. O rígido exige que o paciente assuma a posição de hiperextensão do pescoço, nem sempre factível no idoso, em decorrência da artrose cervical. Assim, o endoscópio flexível tem sido o mais recomendado para o procedimento19,23. No presente trabalho, foi utili- 107 zado o endoscópio rígido, porém nenhuma complicação foi observada. A técnica descrita por Collard et al. 21 foi realizada nos pacientes do grupo 2, com ausência de mortalidade e de complicações pós-operatórias imediatas. Wirth et al.32 referem mortalidade de 5% com este procedimento. O seguimento tardio médio de 28 meses revelou que quatro pacientes (33,3%) referiam recidiva da disfagia. Os pacientes foram submetidos a novo procedimento com melhora acentuada do sintoma. Assim o número médio de procedimento foi 1,3, semelhante ao observado por Saeti et al. 33. A falta de resolutividade com um único procedimento nos causou estranheza, uma vez que com o tratamento cirúrgico um único tempo foi suficiente. Todavia a análise da literatura nos mostra que o tratamento endoscópico nas suas diversas modalidades, inclusive com o uso de grampeador, necessita de uma ou várias complementações25,28,29,33. Saeti et al.33 referem que em 37% de seus pacientes houve necessidade de uma segunda carga do grampeador, fato que torna o procedimento mais oneroso que o cirúrgico. O índice de recidiva de 33% observado na presente casuística é superior ao relatado por Lang et al. 25. Deve ser salientado que o grampeador utilizado por estes autores foi modificado, possuindo 35mm de extensão e contendo grampos de sutura até a sua ponta, o que proporciona a secção completa do septo, minimizando o risco de recidiva. Outro aspecto que deve ser considerado é que o procedimento endoscópico é mais recente, estando os autores da presente pesquisa em curva de aprendizado, encontrando ainda dificuldades em adequar o tipo de grampeador com o tratamento do divertículo. Outro fator que pode ter contribuído para os resultados precários do tratamento endoscópico foi o tamanho dos divertículos. Neste grupo, a extensão média dos divertículos era de 5,3 ± 1,5cm, maior do que no grupo 1 (p<0,05). Assim, a extensão do septo superava a do grampeador, deixando um resquício de divertículo que com o tempo poderia se dilatar, sendo esta a causa da recidiva. Assim, a análise dos resultados da presente casuística nos leva a concluir que os dois procedimentos são eficazes no tratamento da DFE, porém a superioridade da abordagem cirúrgica pode ser aventada pelo menor número de complicações e pela sua eficiência em único procedimento, ficando o tratamento endoscópico reservado para os pacientes idosos, sem condições de suportar o tratamento cirúrgico. Vale ressaltar, todavia, que os pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico apresentavam idade inferior ao do grupo endoscópico e os seus divertículos eram menores. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 104-109 Henry Divertículo faringoesofagiano: avaliação dos resultados do tratamento 108 A B S T R A C T Objective: To evaluate the postoperative outcome of patients with pharyngoesophageal diverticulum submitted to surgical and Objective Methods: We retrospectively analyzed 36 patients with pharyngo-esophageal diverticulum treated at the endoscopic treatments. Methods Hospital of the Medical School of Botucatu – UNESP. Patients were divided into two groups, depending on the treatment: group 1 (n = 24): diverticulectomy associated myotomy through a left cervicotomy; group 2 (n = 12): endoscopic diverticulostomy with linear Results: Operative mortality was zero in both groups. Early complications: group 1– two patients developed cervical fistula stapler. Results and two, hoarseness; group 2 – none. Late complications: group 1 – none; group 2: recurrence of dysphagia in four patients (p = .01). Conclusion: Both procedures were effective in remission Mean follow-up was 33 months for group 1 and 28 months for group 2. Conclusion of dysphagia. Surgical treatment showed superiority to endoscopy, with resolution of dysphagia with a single procedure. Endoscopic treatment should be reserved for the elderly and those with comorbidities. words: Disorders of swallowing. Zenker’s diverticulum. Therapy. Operative surgical procedures. Endoscopy. Key words REFERÊNCIAS 1. Ludlow A. A case obstructed deglution from a preternatural dilatation of and bag formed in the pharynx. Med Observ Inq. 1769;3:85-101. 2. Zenker FA, Von Ziemssen H. Krankheiten des Oesophagus. In: Von Ziemssen H, editor. Hankbuch der Speciellen Pathologie und Therapie. Leipzi: FCW Vogel; 1877. p.1-87. 3. Sugahara M, Ceballos H, Gama AH, Goffi FS. Divertículo faringoesofagiano. Análise do quadro clínico, da conduta cirúrgica e dos resultados de tratamento. Rev Paul Med. 1973;82(3):117-22. 4. Zaninotto G, Constantini M, Boccú C, Anselmin M, Parenti A, Guidolin D, et al. Functional and morphological study of the cricopharyngeal muscle in patients with Zenker’s diverticulum. Br J Surg. 1996;83(9):1263-7. 5. Flamenbaum M, Becaud P, Genes J, Cassan P. Endoscopic treatment of Zenker’s diverticulum using CO2 laser. Gastroenterol Clin Biol. 1997;21(12):950-4. 6. Veenker E, Cohen JI. Current trends in management of Zenker diverticulum. Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2003;11(3):160-5. 7. Ferreira LE, Simmons DT, Baron TH. Zenker’s diverticula: pathophysiology, clinical presentation, and flexible endoscopic management. Dis Esophagus. 2008;21(1):1-8. 8. Lerut T, Van Raemdonck D, Guelincskx P, Van Clooster P, Gruwez JA, Dom R, et al. Pharyngo-oesophageal diverticulum (Zenker’s). Clinical, therapeutic and morphological aspects. Acta Gastroenterol Belg. 1990;53(3):330-7. 9. Malafaia O, Brenner S, Marchesini JB, Souza FJ, Ribas Filho JM, Oda CT, et al. Divertículo esofagiano. Rev Col Bras Cir. 1983;10(6):179-82. 10. Okano N, Vargas EC, Moriya T, Carneiro JJ, Elias Junior AM. Divertículo do esôfago: análise de 24 pacientes portadores do divertículo de Zenker. Acta cir bras. 2000;15(supl. 2):60-2. 11. Andreis EL, Guerra EE, Lemos RR. Divertículo de Zenker. Rev Col Bras Cir. 2001;28(4):296-8. 12. Ruiz-Tovar J, Pérez de Oteyza J, Collado MV, Rojo R, García Villanueva A. 20 years experience in the management of Zenker’s diverticulum in a third-level hospital. Rev Esp Enferm Dig. 2006;98(6):429-35. Erratum in: Rev Esp Enferm Dig. 2006;98(8):634. 13. Feeley MA, Righi PD, Weisberger EC, Hamaker RC, Spahn TJ, Radpour S, et al. Zenker’s diverticulum: analysis of surgical complications from diverticulectomy and cricopharyngeal myotomy. Laringoscope. 1999;109(6):858-61. 14. Andreollo NA, Soares Júnior C, Coelho Neto JS, Lopes LR, Brandalise NA, Leonardi LS. Tratamento cirúrgico do divertículo de Zenker. Rev Col Bras Cir. 1998;25(1):9-14. 15. Chiquillo Barber MT, Ruiz del Castillo J, Bernal Sprekelsen JC, Mendoza Aroca A, Esclapez Valero JP, Martinez Agulló A, Borti Martí J, et al. Surgical treatment od Zenker’s diverticulum. Apropos of 14 cases. Rev Esp Enferm Dig. 1990;77(4):251-3. 16. Mosher HP. Webs and pouches of the esophagus, their diagnosis and treatment. Surg Gynecol Obstet. 1917;25:175-87. 17. Dohlman G, Mattsson O. The endoscopic operation for hypopharyngeal diverticula: a roentgencinematographic study. AMA Arch Otolaryngol. 1960;71:744-52. 18. Peracchia A, Bonavina L, Narne S, Segalin A, Antoniazzi L, Marotta G. Minimally invasive surgery for Zenker diverticulum: analysis of results of 95 consecutive patients. Arch Surg. 1998;133(7):695700. 19. Ishioka S, Sakai P, Maluf Filho F, Melo JM. Endoscopic incision of Zenker’s diverticula. Endoscopy. 1995;27(6):433-7. 20. Mattinger C, Hörmann K. Endoscopic diverticulotomy of Zenker’s diverticulum: management and complications. Dysphagia. 2002;17(1):34-9. 21. Collard JM, Otte JB, Kestens PJ. Endoscopic stapling technique of esophagodiverticulostomy for Zenker’s diverticulum. Ann Thorac Surg. 1993;56(3):573-6. 22. Silveira ML, Vilhordo DW, Kruel CDP. Divertículo de Zenker: tratamento endoscópico versus cirúrgico. Rev Col Bras Cir. 2011;38(5):343-8. 23. Hashiba K, de Paula AL, da Silva JG, Cappellanes CA, Moribe D, Castillo CF, et al. Endoscopic treatment of Zenker’s diverticulum. Gastrointest Endosc. 1999;49(1):93-7. 24. Felix V, Cecconello I, Pollara W, Ziberstein B, Pinotti HW. The role of the upper esophageal sphincter in Zenker diverticulum. Dig Dis Sci. 1986;31(supl 1):4575. 25. Lang RA, Spelsberg FW, Winter H, Jauch KW, Hüttl TP. Transoral diverticulostomy with a modified Endo-Gia stapler: results after 4 years of experience. Surg Endosc. 2007;21(4):532-6. Erratum in: Surg Endosc. 2008;22(5):1408. 26. Smith SR, Genden EM, Urken ML. Endoscopic stapling technique for the treatment of Zenker diverticulum vs standard open-neck technique: a direct comparison and charge analysis. Arch Otolarygol Head Neck Surg. 2002;128(2):141-4. 27. Case DJ, Baron TH. Flexible endoscopic management of Zenker diverticulum: the Mayo Clinic experience. Mayo Clin Proc. 2010;85(8):719-22. 28. Wasserzug O, Zikk D, Raziel A, Cavel O, Fleece D, Szold A. Endoscopically stapled diverticulostomy for Zenker’s diverticulum: results of a multidisciplinary team approach. Surg Endosc. 2010;24(3):637-41. 29. Raut VV, Primrose WJ. Long-term results of endoscopic stapling diverticulectomy for pharyngeal pouches. Otolaryngol Head Neck Surg. 2002;127(3):225-9. 30. Domingues G, Lemme EMO. Diagnóstico diferencial dos distúrbios motores esofagianos pelas características da disfagia. Arq gastroenterol. 2001;38(1):14-8. 31. Pinotti HW. Esofagectomia subtotal por túnel transmediastinal sem toracotomia. AMB Rev Assoc Med Bras. 1977;23(11):395-8. 32. Wirth D, Kern B, Guenin MO, Montali I, Piterli R, Ackermann C, et al. Outcome and quality of life after open surgery versus endoscopic Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 104-109 Henry Divertículo faringoesofagiano: avaliação dos resultados do tratamento 109 stapler-assisted esophagodiverticulostomy for Zenker’s diverticulum. Dis Esophagus. 2006;19(4):294-8. 33. Saetti R, Silvestrini M, Peracchia A, Narne S. Endoscopic staplerassisted Zenker’s diverticulostomy: which is the best operative facility? Head Neck. 2006;28(12):1084-9. Como citar este artigo: Henry MACA, Lerco MM, Tagliarini JV, Castilho EC, Novaes FT, Lamonica VC. Divertículo faringoesofageano: avaliação dos resultados do tratamento. Rev Col Bras Cir. [periódico na Internet] 2013;40(2). Disponível em URL: http://www.scielo.br/rcbc Recebido em 08/06/2012 Aceito para publicação em 09/08/2012 Conflito de interesse: nenhum Fonte de financiamento: nenhuma. Endereço para correspondência: Maria Aparecida Coelho de Arruda Henry E-mail: [email protected] Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 104-109 Bertelli Mutação BRAF em pacientes idosos submetidos Artigoà tireoidectomia Original 110 Mutação BRAF em pacientes idosos submetidos à tireoidectomia BRAF mutation in the elderly submitted to thyroidectomy ANTONIO AUGUSTO T. BERTELLI,ACBC-SP1; ANTONIO JOSÉ GONÇALVES, ACBC-SP2; MARCELO B. MENEZES3; MURILO R. MELO4; STEFANO TINCANI5; LUIZ CLÁUDIO BOSCO MASSAROLLO, TCBC-SP6 R E S U M O Objetivo: Avaliar a frequência da mutação V600E do gene BRAF em pacientes com mais de 65 anos de idade submetidos à tireoidectomia, correlacionando sua presença ou ausência com as diferentes lesões histológicas, com as variantes e com fatores prognósticos do carcinoma papilífero. Métodos: Foram avaliados 85 pacientes com mais de 65 anos de idade submetidos à tireoidectomia, analisando a mutação BRAF V600E através de reação de PCR-RT realizada após a extração do DNA dos blocos de parafina. Resultados: Detectou-se ausência ou presença da mutação BRAF V600E em 47 pacientes (55,3%). Entre os 17 carcinomas papilíferos estudados, sete apresentavam a mutação (41,2%). Demonstrou-se associação estatística entre a presença desta mutação e a variante clássica do carcinoma papilífero, além de tendência de associação com o extravasamento tireoideano. Conclusão: A mutação BRAF nos pacientes idosos também é exclusiva do carcinoma papilífero e tem frequência expressiva. Além disso, está relacionada à variante clássica e, possivelmente, ao extravasamento tireoideano. Descritores: Glândula tireoide. Neoplasias da glândula tireoide. Tireoidectomia. Proteínas proto-oncogênicas B-raf. Mutação. INTRODUÇÃO D esde a sua descoberta, as mutações BRAF têm sido relatadas em vários tipos de tumores, com frequências variáveis, sendo as mais prevalentes em melanomas e em nevus1. Um importante estudo demonstrou mutações BRAF no câncer da glândula tireóide, com prevalência apenas inferior à do melanoma2. As mutações BRAF (o gene da RAF quinase do tipo B) representam as alterações genéticas mais comuns do câncer de tireóide e esta foi a descoberta mais notável neste campo de pesquisa, nos últimos anos3. O descobrimento destas alterações criou inclusive a oportunidade do desenvolvimento de novas estratégias de tratamento para o câncer da tireóide4,5. Elas estão presentes entre 23 e 83% dos carcinomas papilíferos e são altamente específicas para este tipo histológico2,6-8. Kimura et al., em um estudo pioneiro publicado em 2003, demonstraram que a mutação BRAF ocorre em 32,8% dos carcinomas papilíferos, não ocorre em lesões benignas ou foliculares e, quando presente, não se sobrepõe com outras mutações de RAS ou de rearranjo do RET/PTC. Estes fatos apontam a via da MAP quinase como a principal responsável pela gênese do carcinoma papilífero2. Este tumor possui algumas variantes histológicas que também foram estudadas quanto à presença da mutação BRAF. A variante clássica e a variante de células altas (relacionada com maior agressividade) parecem apresentar maior incidência da mutação BRAF. Já a variante folicular apresenta tal mutação mais raramente. Os microcarcinomas (tumores menores que 1,0cm) podem também apresentá-la, o que confirma a hipótese de que ela ocorre no início da gênese tumoral do carcinoma papilífero9. Quanto ao prognóstico, esta mutação pode aparecer precocemente em carcinomas papilíferos pequenos, mas acredita-se que aqueles com mutações BRAF possuem fatores de pior prognóstico como variantes mais agressivas (ex: células altas), extravasamento da tireóide, estádio clínico mais avançado, metástases à distância e ainda podem estar relacionadas com o carcinoma anaplásico. Estes dados indicam que tumores com este genótipo possuem prognóstico pior6,7,9-11. Foi demonstrada correlação entre a idade avançada e a presença da mutação BRAF em carcinomas papilíferos9,12 e baixa frequência em crianças10,13. Atualmente, nenhuma outra associação inequívoca foi estabelecida Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Geral da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. 1. Médico Assistente da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo-SP-BR; 2. Professor Adjunto, Chefe da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo-SP-BR; 3.Professor Assistente da Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo-SP-BR; 4.Professor Adjunto do Laboratório de Medicina Molecular do Departamento de Ciências Fisiológicas da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo-SP-BR; 5. Acadêmico do Curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo-SP-BR; 6. Médico responsável pelos Serviços de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Carlos Chagas e Instituto de Oncologia de Guarulhos-SP-BR. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 110-116 Bertelli Mutação BRAF em pacientes idosos submetidos à tireoidectomia entre o genótipo e alterações clinicopatológicas do carcinoma papilífero8. Alguns estudos demonstraram correlação entre a mutação BRAF e o estadiamento avançado, metástases linfonodais, metástases à distância e recorrência do tumor5,6,9,11,14. Xing et al. demonstraram que a mutação BRAF é um fator preditivo independente de recorrência tumoral, mesmo em pacientes com estádio I e II14. Ademais, as mutações BRAF também têm sido relacionadas com a baixa captação de iodo-131 no pós-operatório e falha do tratamento na doença recidivada15. Entretanto, Trovisco et al.12, entre outros8,16,17, não demonstraram associação da mutação BRAF com pior prognóstico. Fugazzola et al.8, estudando 260 carcinomas papilíferos, demonstraram associação com significância estatística entre a mutação BRAF e idade avançada ao diagnóstico, sem correlação com pior prognóstico ou pior evolução, em seguimento de 72 meses de acompanhamento. Ito et al., em 2009, estudaram 631 pacientes com carcinoma papilífero e seguimento médio de 83 meses, e também falharam em demonstrar pior prognóstico associado com a mutação BRAF17. Assim, essa mutação representa importante descoberta para a pesquisa do câncer da tireoide e é a mais frequente no carcinoma papilífero. Como não existem estudos com análise multivariada, casuística expressiva e tempo de seguimento suficientes, não está claro se a mutação do BRAF está relacionada ao pior prognóstico, ou apenas ocorre em indivíduos idosos nos quais outros fatores são responsáveis por ele13,18,19. Também não existe na literatura mundial estudo da mutação BRAF específico em idosos. O objetivo deste estudo foi avaliar a frequência da mutação V600E do gene BRAF em pacientes com mais de 65 anos de idade submetidos à tireoidectomia, correlacionando sua presença ou ausência com as diferentes lesões histológicas, com as variantes e com fatores prognósticos do carcinoma papilífero. 111 de DNA, sendo então excluídos. Assim, os prontuários de 85 pacientes foram revistos levantando informações do quadro clínico, procedimento cirúrgico realizado, tipo de lesão histopatológica e fatores prognósticos. Os dados foram transcritos para protocolo criado para este fim. Entre os 85 pacientes, havia 78 do sexo feminino. A idade variou entre 65 e 89 anos de idade, com mediana de 70 anos. A tireoidectomia total foi realizada em 74% dos pacientes. A reação de PCR-RT realizada após a extração do DNA dos blocos de parafina conseguiu detectar a ausência ou presença da mutação BRAF V600E em 47 pacientes (55,3%). A mutação BRAF foi considerada não analisável em 38 pacientes (44,7%). Nos 47 casos em que a mutação foi analisável, as doenças encontradas estão descritas na figura 1. Nos 22 casos de carcinoma papilífero, 17 foram analisáveis, ou seja, 77% da amostra. Foram realizados cortes histológicos a partir dos blocos de parafina das peças das tireoidectomias para confirmar o diagnóstico e ver se o bloco possuía a lesão a ser estudada. Foram tomados cuidados para evitar contaminação de DNA utilizando-se luvas, navalhas descartáveis e manipulação dos cortes de tecido com pinça apropriada para este fim. Foi realizada a extração de DNA, após a desparafinização utilizando xylol e etanol. O sucesso da extração foi confirmado através de espectrofotometria. Sucedeu-se, então, a realização da PCR-ARMS (Amplification Refractory Mutation System) em tempo-real para identificação da mutação do gene BRAF no DNA extraído, utilizando controle positivo (amostra sequenciada, demonstrando a presença da mutação no gene) e negativo (sangue humano de indivíduo saudável), bem como, de reação sem a presença de DNA para garantir a ausência de amplificação inespecífica em cada placa de reação. MÉTODOS Foi realizado um estudo retrospectivo entre 1994 e 2009 selecionando todos os pacientes com mais de 65 anos de idade submetidos a qualquer tipo de operação sobre a glândula tireóide pela Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa desta instituição sob o número 116/07. Foram identificados 104 pacientes com mais de 65 anos de idade e que haviam sido submetidos a algum tipo de operação sobre a glândula tireoide. Destes, quatro foram excluídos por apresentarem tumores primários de outras regiões, como paratireoide, orofaringe e laringe, com invasão de glândula tireoide. Dos 100 restantes, 15 apresentaram dados incompletos em prontuário ou inexistência de tecido suficiente em blocos de parafina para a extração Figura 1 - Distribuição dos casos segundo o tipo histológico e resultado da PCR-RT. *a coluna resultado representa os casos em que a reação foi analisável. ** n/a: não analisável - Cec: carcinoma epidermóide; ca folicular: carcinoma folicular; ca indif: carcinoma indiferenciado ou anaplásico; ca medular: carcinoma medular; ca papilífero: carcinoma papilífero. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 110-116 Bertelli Mutação BRAF em pacientes idosos submetidos à tireoidectomia 112 A utilização de equipamento de PCR em temporeal (Applied Biosystems, ABI 7500) permite a detecção junto com a amplificação, em tubo fechado, eliminando-se a etapa pós-PCR. Com isso diminuem-se os riscos de contaminação decorrentes da manipulação de produtos amplificados. Adicionalmente, devido a que a detecção baseia-se na capacidade de um agente intercalador (SYBR Green) emitir fluorescência na presença de dupla-fita amplificada, consegue-se maior sensibilidade analítica quando se trata de produtos de PCR de tamanho inferior a 150bp. No preparo das reações de PCR-RT, utilizou-se “solução-mãe” para cada condição estudada (normal ou mutado) (Figura 2). As temperaturas utilizadas para a PCR foram: 95oC por 10 minutos (ativação da Taq-polimerase), seguida de 40 ciclos a 66oC por um minuto (anelamento dos primers) e 72oC por um minuto. Para garantir a especificidade da reação e a detecção de um único produto específico na PCR em tempo-real (PCR-RT), adicionouse um ciclo de dissociação (desnaturação lenta) para determinação da temperatura de dissociação de cada produto da PCR (Figura 3). Os primers utilizados foram20: Figura 2 - Componentes da “solução-mãe” utilizada na reação de PCR. Figura 3 - Curva de amplificação do DNA durante PCR-RT de amostra de carcinoma papilífero. BRAFwt_s: AGGTGATTTTGGTCTAGCTACAGT; BRAFmt_s: AGGTGATTTTGGTCTAGCTACAGA; e BRAF_ASc: TAGTAACTCAGCAGCATCTCAGGGC Toda reação foi avaliada inicialmente quanto à curva de amplificação (Figura 3) e, nos casos onde ela ocorreu, foi ainda verificada a curva de dissociação para garantir que a temperatura de dissociação (Tm) fosse semelhante entre os casos, com pico único de amplificação. Nos casos cujo resultado da PCR-RT não foi analisável, optou-se por repetir todo o método para a mesma amostra, buscando resultados positivos. Nos casos de carcinoma papilífero e anaplásico, repetiu-se a extração de DNA e a PCR-RT até três vezes. Por fim, a presença ou ausência da mutação BRAF nos casos com resultado analisável foi correlacionada com as diferentes variantes histológicas presentes (variante clássica, variante folicular e variante de células altas), assim como, com os diferentes fatores prognósticos do carcinoma papilífero (idade, presença de metástase linfonodal, presença de metástases distantes, presença de tumor multifocal, presença de extravasamento de cápsula tireoideana com invasão de estruturas adjacentes, presença de invasão vascular sanguínea ou linfática e ocorrência de recidiva local ou regional). A análise estatística incluiu medidas de tendência central e dispersão para as variáveis quantitativas e frequências absolutas e relativas para as variáveis categóricas. Para verificar a associação entre estas variáveis, foi utilizado o teste exato de Fisher. Para a avaliação da diferença entre as médias das variáveis quantitativas (idade e tamanho do tumor), segundo o status da mutação, foi usado o teste de Mann-Whitney. Os resultados foram considerados significativos quando p <0,05 (testes bicaudais). RESULTADOS Nos 47 casos com resultado analisável, dentre as diversas lesões histológicas benignas e malignas estudadas, não se encontrou um caso sequer da mutação BRAF em lesões diferentes do carcinoma papilífero (Figura 4). A frequência da mutação BRAF encontrada, considerando-se apenas os carcinomas papilíferos, foi 41,2% (sete casos BRAFm entre 17 com resultado analisável). Entre estes 17 pacientes, a mediana da idade foi 71 anos (média: 72,5; desvio-padrão: 6,18) e havia apenas um paciente do sexo masculino. Quanto às variantes histológicas do carcinoma papilífero, 12 (70,6%) eram da variante clássica, quatro da folicular (23,5%) e um caso de células altas (5,9%). Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 110-116 Bertelli Mutação BRAF em pacientes idosos submetidos à tireoidectomia Figura 4 - Distribuição dos casos com resultado analisável, segundo o tipo histológico e resultado da PCR-RT quanto à presença ou ausência da mutação BRAF. *BRAF-: ausência da mutação BRAF; BRAFm: presença da mutação BRAF. Cec: carcinoma epidermóide; ca folicular: carcinoma folicular; ca indif: carcinoma indiferenciado ou anaplásico; ca medular: carcinoma medular; ca papilífero: carcinoma papilífero. A mediana calculada sobre o tamanho do tumor foi 3,0cm, com média de 3,1cm e desvio-padrão de 2,32. Quanto aos demais fatores prognósticos, encontrou-se multicentricidade em oito casos, metástases linfonodais em seis, metástases distantes em um, extravasamento de cápsula em sete, invasão vascular em dez e recidiva local ou regional em dois casos. A correlação entre a mutação BRAF e o sexo não foi significante, pelo teste exato de Fisher (p=0,412), assim como, a correlação entre a mutação BRAF e a presença de invasão vascular (p=1,0), recidiva (p=0,154), multicentricidade (p=1,0), e extravasamento da cápsula tireoideana (p=0,058). Neste último fator prognóstico, observou-se significância estatística próxima ao limite de 5%, com diferença na porcentagem de extravasamento, segundo o status da mutação BRAF (71,4% nos casos BRAFm e 28,6% nos casos BRAF-) (Tabela1). Tabela 1 - 113 Analisando o grupo de carcinomas papilíferos, observou-se associação com significância entre a variante clássica e o status da mutação BRAF (p=0,044) em comparação com as demais variantes histológicas agrupadas (Tabela1). As variantes tamanho do tumor e idade foram analisadas pelo teste de Mann-Whitney não sendo encontrada associação com significância estatística, com níveis de significância estatística de 0,8066 e 0,1052, respectivamente. Entretanto, a média e a mediana da idade do grupo de pacientes com a mutação BRAF foi 75,3 e 74 anos, respectivamente. Já no grupo de pacientes com carcinoma papilífero e ausência da mutação estudada, a média foi 70,6 e a mediana de 70 anos. Em suma, estudando apenas indivíduos idosos, encontrou-se a presença da mutação BRAF V600E apenas em casos de carcinomas papilíferos. Entre 17 pacientes com esta lesão, sete apresentaram a mutação (41,2%). Entre 47 pacientes em que se obteve resultado analisável -17 carcinomas papilíferos, quatro outros tipos de tumores malignos e 26 lesões histológicas benignas-, nenhum outro tipo de lesão histológica apresentou a mutação. Analisando os fatores prognósticos do carcinoma papilífero, encontrou-se tendência estatística de associação entre o extravasamento e a presença da mutação BRAF, além de demonstrar associação com significância estatística entre a variante clássica do carcinoma papilífero e a presença da mutação BRAF. DISCUSSÃO A mutação pontual do BRAF tem sido bastante estudada mundialmente, com papel fundamental na gênese tumoral do câncer colorretal, melanoma e carcinoma papilífero de tireóide4. Embora muitos autores tenham demonstrado técnicas de extração de DNA a partir de tecido parafinizado, na instituição dos autores outras tentativas já haviam sido feitas com este fim, sem sucesso. Tal dificul- Distribuição dos fatores prognósticos avaliados de acordo com a presença ou ausência da mutação BRAF. Fatores prognósticos BRAFm % BRAF- 14,3 85,7 57,1 28,6 42,9 71,4 100,0 0 10 6 0 5 2 5 n=7 Gênero Invasão vascular Recidiva Multicentricidade Extravasamento Variante clássica masc fem 1 6 4 2 3 5 7 % P n=10 Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 110-116 0,0 100,0 60,0 0,0 50,0 20,0 50,0 0,412 1,0 0,154 1,0 0,058 0,044 Bertelli Mutação BRAF em pacientes idosos submetidos à tireoidectomia 114 dade era atribuída a formolização da peça e provável dano ao DNA. Finalmente, utilizando um protocolo simples de desparafinização e extração de DNA, conseguiu-se estabelecer rotina para o desenvolvimento deste estudo. Desta forma, abriu-se grande campo de pesquisa, minimizando a dependência de tecido fresco e bancos de tumores. Houve dificuldades na extração de DNA de algumas amostras, sem qualquer correlação com a idade delas ou de seu lote. Alguns casos apresentaram PCR não analisável, sendo impossível dizer se a mutação em questão estava ou não presente, reduzindo a casuística e causando maior gasto de material, uma vez que todo o processo metodológico foi repetido. Inicialmente este estudo foi desenvolvido para verificar a presença da mutação do BRAF em indivíduos idosos submetidos à tireoidectomia por lesões benignas e malignas. Estes resultados iniciais demonstraram a ausência desta mutação em lesões benignas e em lesões malignas diferentes do carcinoma papilífero, mesmo em indivíduos idosos, o que é corroborado pela literatura2,6-8. Xu et al., em 2003, também descreveram a presença da mutação BRAF em carcinomas papilíferos e sua ausência em bócios e lesões foliculares21. Optou-se em pesquisar somente os casos de interesse, ou seja, carcinomas papilíferos e carcinomas anaplásicos que poderiam ter sua origem em carcinomas papilíferos. Isso explica o maior número de casos em que se teve resultado dentre os carcinomas papilíferos, quando comparados ao grupo de bócios. A mutação BRAF está ausente em lesões benignas -bócio coloide e tireoidite de Hashimoto-, assim como em lesões malignas diferentes do carcinoma papilífero carcinoma folicular-, em idosos. Aqueles carcinomas anaplásicos oriundos de carcinomas papilíferos podem conter a mutação22, embora neste estudo, analisou-se apenas um caso de carcinoma anaplásico que não a apresentava. Oler e Cerutti estudaram 120 casos de carcinoma papilífero, dos quais 48% apresentaram a mutação BRAF23. Fugazzola et al., na introdução de seu estudo, cita que a prevalência mundial da mutação BRAF em carcinomas papilíferos gira em torno dos 40% (858 de 2174 casos estudados)8. Os mesmos autores, em estudo multicêntrico italiano, estudaram 260 carcinomas papilíferos e encontraram a mutação BRAF em 38% deles8. Araújo et al., em 2009, demonstraram incidência de 28,1% em carcinomas papilíferos24. Este estudo demonstra frequência um pouco acima do relatado (41,2%), o que é facilmente justificável, tendo em vista a população estudada. A mutação BRAF também está associada à carcinomas papilíferos localmente invasivos, assim como, aos carcinomas papilíferos que apresentam extravasamento de cápsula19,25, ou mesmo à lesões não encapsuladas. Nesta casuística, encontrou-se tendência de associação com significância entre o extravasamento e a mutação BRAF (p=0,058), o que pode conferir à mutação BRAF significado prognóstico. Lupi et al.11 estudaram 500 pacientes com carcinomas papilíferos de tireoide (230 microcarcinomas, 82 variantes clássicas, 114 variantes foliculares, 40 variantes de células altas e 34 de demais variantes). A frequência da mutação BRAF foi 43,8%, sendo mais alta na variante de células altas (80%) e na variante clássica (68,3%), e mais baixa na variante folicular (18,8%). Entre o grupo de microcarcinomas, a frequência foi 39,4%. Neste estudo, também demonstrou-se alta frequência da mutação BRAF nos carcinomas papilíferos da variante clássica (58,3%), com associação estatística entre elas. Ainda nesta série, não houve relação com significância estatística entre a idade, o sexo e a presença da mutação na análise univariada, mas houve associação estatística da mutação com invasão extratireoideana, multicentricidade, metástases linfáticas, estádio III versus estádio I e II, e ausência de cápsula tumoral. Já na análise multivariada, apenas a presença de cápsula tumoral estava associada à ausência da mutação BRAF, que, neste aspecto, sugere melhor prognóstico. Apesar da pequena casuística deste estudo, conseguiu-se demonstrar tendência de associação entre o extravasamento tireoideano e a presença da mutação BRAF, o que pode traduzir pior prognóstico. Embora a mutação BRAF seja a anormalidade genética mais comum no carcinoma papilífero de tireoide, o seu significado prognóstico em longo prazo ainda não está bem estabelecido. Estudos contraditórios têm sido publicados, provavelmente pela heterogeneidade do carcinoma papilífero ao redor do mundo e diferentes fenótipos que se sobrepõem devido à alterações genéticas diferentes18,26. A associação entre a variante clássica do carcinoma papilífero e a mutação BRAF já havia sido demonstrada9,12,27,28. Neste estudo, encontrou-se associação com significância entre a presença da mutação BRAF e a variante clássica do carcinoma papilífero. Mas, devido ao pequeno número de casos analisados, não se encontrou associação estatística entre os demais fatores prognósticos e o status da mutação BRAF. A associação entre a variante clássica do carcinoma papilífero e a mutação BRAF, com um fenótipo mais agressivo devido à menor expressão de genes metabolizadores de iodo, sugere a detecção da mutação BRAF como fator prognóstico, e auxiliar na escolha terapêutica em pacientes com carcinoma papilífero23. Acredita-se que os carcinomas papilíferos com a mutação BRAF podem apresentar menor captação de iodo no pós-operatório, o que traduz fenótipo mais agressivo e maior chance de recorrência15,29,30, apontando que, nesses casos, ao menos o seguimento clínico deve ser rigoroso. Elisei et al., publicaram a primeira série de casos com seguimento consistente para sugerir que a mutação BRAF está associada a pior prognóstico e parece ser fator independente da idade25. Em 102 pacientes com carcinoma papilífero e seguimento médio de 15 anos, a frequência da mutação foi 37,3%, mas se apresentou maior nos pacientes com mais de 60 anos de idade, o que corrobora os Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 110-116 Bertelli Mutação BRAF em pacientes idosos submetidos à tireoidectomia dados encontrados neste estudo. Demonstraram ainda, associação da mutação com estádios mais avançados, invasão vascular, e prognóstico pior25. Apesar de ter-se estudado apenas indivíduos com mais de 65 anos de idade, sabe-se que, quanto maior a idade, pior o prognóstico do carcinoma papilífero, o que motivou estudar a associação da idade com a mutação BRAF que os pacientes BRAFm possuíam com idade mais avançada. Assim, pode se dizer que, mesmo em indivíduos idosos, a mutação BRAF foi encontrada apenas em carcinomas papilíferos, com frequência de 41,2%31. Demonstrou-se ainda a associação entre a variante clássica do carcinoma papilífero e a presença da mutação BRAF, mesmo em uma pequena casuística de pacientes idosos. Encontrou-se ainda, tendência estatística de associação entre o extravasamento tireoideano e a presença da mutação BRAF, além de maior mediana de idade neste grupo, sem significância estatística. Entretanto, estes resultados não permitem concluir que a presença da mutação BRAF está associada com 115 pior prognóstico, tendo em vista a pequena casuística estudada, e, mesmo porque, não interessou neste estudo o tempo de seguimento e a sobrevida destes pacientes. Talvez, estes sejam objetivos para a continuidade deste estudo com aumento da casuística, envolvimento de outras instituições e seguimento clínico prolongado, tentando-se definir o valor prognóstico da mutação BRAF no carcinoma papilífero de tireoide. Em conclusão, a mutação BRAF nos pacientes idosos também é exclusiva do carcinoma papilífero e tem frequência expressiva. Além disso, está relacionada à variante clássica e, possivelmente, ao extravasamento tireoideano. Agradecimentos À CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pelo apoio financeiro prestado em parte deste estudo e à Prof. Dra. Edna T. Kimura, pela gentileza de auxiliar na metodologia cedendo o controle positivo da mutação. A B S T R A C T Objective: To evaluate the frequency of the BRAF V600E mutation in patients over 65 years of age undergoing thyroidectomy, Objective correlating its presence or absence with the different histologic lesions, their variants and with prognostic factors of papillary Methods: We evaluated 85 patients over 65 years of age who underwent thyroidectomy, analyzing the BRAF V600E carcinoma. Methods Results: The study detected the presence or mutation by RT-PCR performed after DNA extraction from the paraffin blocks. Results absence of BRAF V600E mutation in 47 patients (55.3%). Among the 17 papillary carcinomas studied, seven had the mutation (41.2%). There was a statistical association between the presence of this mutation and the classic variant of papillary carcinoma, and Conclusion: BRAF mutation in the elderly is also exclusive of papillary carcinoma a trend of association with thyroid extravasation. Conclusion and is often significant. Furthermore, it is related to the classic variant and possibly to thyroid extravasation. words: Thyroid gland. Thyroidectomy. Neoplasms of the thyroid gland. Proteins Proto-oncogene B-raf. Mutation. Elderly. Key words REFERÊNCIAS 1. Chiloeches A, Marais R. Is BRAF the Achilles’ Heel of thyroid cancer? Clin Cancer Res. 2006;12(6):1661-4. 2. Kimura ET, Nikiforova MN, Zhu Z, Knauf JA, Nikiforov TE, Fagin JA. High prevalence of BRAF mutations in thyroid cancer: genetic evidence for constitutive activation of the RET/PTC-RAS-BRAF signaling pathway in papillary thyroid carcinoma. Cancer Res. 2003;63(7):1454-7. 3. Kumagai A, Namba H, Takakura S, Inamasu E, Saenko VA, Ohtsuru A, et al. No evidence of ARAF, CRAF and MET mutations in BRAFT1799A negative human papillary thyroid carcinoma. Endocr J. 2006;53(5):615-20. 4. Fagin JA. How thyroid tumors start and why it matters: kinase mutants as targets for solid cancer pharmacotherapy. J Endocrinol. 2004;183(2):249-56. 5. Xing M. BRAF mutation in thyroid cancer. Endocr Relat Cancer. 2005;12(2):245-62. 6. Fagin JA. Challenging dogma in thyroid cancer molecular genetics— role of RET/PTC and BRAF in tumor initiation. J Clin Endocrinol Metab. 2004;89(9):4264-6. 7. Knauf JA, Ma X, Smith EP, Zhang L, MitsutakeN, Liao XH, et al. Targeted expression of BRAFV600E in thyroid cells of transgenic mice results in papillary thyroid cancers that undergo dedifferentiation. Cancer Res. 2005;65(10):4238-45. 8. Fugazzola L, Puxeddu E, Avenia N, Romei C, Cirello V, Cavaliere A, et al. Correlation between B-RAFV600E mutation and clinicopathologic parameters in papillary thyroid carcinoma: data from a multicentric Italian study and review of the literature. Endocr Relat Cancer. 2006;13(2):455-64. 9. Nikiforova MN, Kimura ET, Gandhi M, Biddinger PW, Knauf JA, Basolo F, et al. BRAF mutations in thyroid tumors are restricted to papillary carcinomas and anaplastic or poorly differentiated carcinomas arising from papillary carcinomas. J Clin Endocrinol Metab. 2003;88(11):5399-404. 10. Kumagai A, Namba H, Saenko VA, Ashizawa K, Ohtsuru A, Ito M, et al. Low frequency of BRAFT1796A mutations in childhood thyroid carcinomas. J Clin Endocrinol Metab. 2004;89(9):4280-4. 11. Lupi C, Giannini R, Ugolini C, Proietti A, Berti P, Minuto M, et al. Association of BRAF V600E mutation with poor clinicopathological outcomes in 500 consecutive cases of papillary thyroid carcinoma. J Clin Endocrinol Metab. 2007;92(11):4085-90. 12. Trovisco V, Soares P, Preto A, de Castro IV, Lima J, Castro P, et al. Type and prevalence of BRAF mutations are closely associated with papillary thyroid carcinoma histotype and patients’ age but not with tumour aggressiveness. Virchows Arch. 2005;446(6):58995. 13. Lima J, Trovisco V, Soares P, Máximo V, Magalhães J, Salvatore G, et al. BRAF mutations are not a major event in post-Chernobyl childhood thyroid carcinomas. J Clin Endocrinol Metab. 2004;89(9):4267-71. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 110-116 Bertelli Mutação BRAF em pacientes idosos submetidos à tireoidectomia 116 14. Xing M, Westra WH, Tufano RP, Cohen Y, Rosenbaum E, Rhoden KJ, et al. BRAF mutation predicts a poorer clinical prognosis for papillary thyroid cancer. J Clin Endocrinol Metab. 2005;90(12):63739. 15. Riesco-Eizaguirre G, Gutiérrez-Martinez P, García-Cabezas MA, Nistal M, Santisteban P. The oncogene BRAF V600E is associated with a high risk of recurrence and less differentiated papillary thyroid carcinoma due to the impairment of Na+/I- targeting to the membrane. Endocr Relat Cancer. 2006;13(1):257-69. 16. Fugazzola L, Mannavola D, Cirello V, Vannucchi G, Muzza M, Vicentini L, et al. BRAF mutations in an Italian cohort of thyroid cancers. Clin Endocrinol. 2004;61(2):239-43. 17. Ito Y, Yoshida H, Maruo R, Morita S, Takano T, Hirokawa M, et al. BRAF mutation in papillary thyroid carcinoma in a Japanese population: its lack of correlation with high-risk clinicopathological features and disease-free survival of patients. Endocr J. 2009;56(1):89-97. 18. Jarzab B, Handkiewicz-Junak D. Differentiated thyroid cancer in children and adults: same or distinct disease ? Hormones. 2007;6(3):200-9. 19. Jo YS, Li S, Song JH, Kwon KH, Lee JC, Rha SY, et al. Influence of the BRAF V600E mutation on expression of vascular endothelial growth factor in papillary thyroid cancer. J Clin Endocrinol Metab. 2006;91(9):3667-70. 20. Zaravinos A, Bizakis J, Spandidos DA. RKIP and BRAF aberrations in human nasal polyps and the adjacent turbinate mucosae. Cancer Lett. 2008;264(2):288-98. 21. Xu X, Quiros RM, Gattuso P, Ain KB, Prinz RA. High prevalence of BRAF gene mutation in papillary thyroid carcinomas and thyroid tumor cell lines. Cancer Res. 2003;63(15):4561-7. 22. Begum S, Rosenbaum E, Henrique R, Cohen Y, Sidransky D, Westra WH. BRAF mutations in anaplastic thyroid carcinoma: implications for tumor origin, diagnosis and treatment. Mod Pathol. 2004;17(11):1359-63. 23. Oler G, Cerutti JM. High prevalence of BRAF mutation in a Brazilian cohort of patients with sporadic papillary thyroid carcinomas: correlation with more aggressive phenotype and decreased expression of iodide-metabolizing genes. Cancer. 2009;115(5):97280. 24. Araújo PPC. Análise da expressão do gene BRAF e suas possíveis implicações diagnósticas e prognósticas para portadores de carcinoma papilífero da tiróide [dissertação]. São Paulo: Universidade Estadual de Campinal, Faculdade de Ciências Médicas; 2009. 25. Elisei R, Ugolini C, Viola D, Lupi C, Biagini A, Giannini R, et al. BRAF(V600E) mutation and outcome of patients with papillary thyroid carcinoma: a 15-year median follow-up study. J Clin Endocrinol Metab. 2008;93(10):3943-9. 26. Puxeddu E, Moretti S. Clinical prognosis in BRAF-mutated PTC. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2007;51(5):736-47. 27. Kebebew E, Weng J, Bauer J, Ranvier G, Clark OH, Duh QY, et al. The prevalence and prognostic value of BRAF mutation in thyroid cancer. Ann Surg. 2007;246(3):466-70; discussion 470-1. 28. Trovisco V, Vieira de Castro I, Soares P, Máximo V, Silva P, Magalhães J, et al. BRAF mutations are associated with some histological types of papillary thyroid carcinoma. J Pathol. 2004;202(2):24751. 29. Oler G, Nakabashi CD, Biscolla RP, Cerutti JM. Seven-year followup of a juvenile female with papillary thyroid carcinoma with poor outcome, BRAF mutation and loss of expression of iodinemetabolizing genes. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2008;52(8):1313-6. 30. Ricarte-Filho JC, Ryder M, Chitale DA, Rivera M, Heguy A, Ladanyi M, et al. Mutational profile of advanced primary and metastatic radioactive iodine-refractory thyroid cancers reveals distinct pathogenetic roles for BRAF, PIK3CA, and AKT1. Cancer Res. 2009;69(11):4885-93. 31. Bertelli AAT, Melo MR, Suehara AB, Massarollo LCB, Derito CP, Gonçalves AJ, Menezes MB. Mutação BRAF em pacientes idosos com carcinoma papilífero. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço. 2011; 40(4): 191-96. Recebido em 29/05/2012 Aceito para publicação em 03/08/2012 Conflito de interesse: nenhum Fonte de financiamento: CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Como citar este artigo: Bertelli AAT, Gonçalves AJ, Menezes MB, Melo MR, Tincani S, Massarollo LCB. Mutação BRAF em pacientes idosos submetidos à tireoidectomia. Rev Col Bras Cir. [periódico na Internet] 2013; 40(2). Disponível em URL: http://www.scielo.br/rcbc Endereço para correspondência: Antonio Augusto T. Bertelli Email: [email protected] Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 110-116 Amorim Avaliação espirométrica de doentes com sequela de tuberculose submetidos à lobectomia 117 Artigo Original Avaliação espirométrica de doentes com sequela de tuberculose submetidos à lobectomia Spirometry evaluation in patient with tuberculosis sequelae treated by lobectomy ELIAS AMORIM1; ROBERTO SAAD JUNIOR, TCBC-SP2; ROBERTO STIRBULOV3 R E S U M O Objetivo: Avaliar a espirometria no pré e pós-operatório de doentes com sequela de tuberculose, submetidos à lobectomia. Métodos: Foram selecionados 20 doentes, com idade entre 15 e 56 anos, de ambos os sexos, com história pregressa de tratamento de tuberculose, apresentando infecção de repetição ou hemoptises. Foram submetidos à lobectomia pulmonar. O tempo de tratamento da tuberculose foi seis meses e o aparecimento dos sintomas entre um e 32 anos. Foram avaliadas a capacidade vital (CV), a capacidade vital forçada (CVF), o volume expiratório forçado (VEF1), o VEF1/CVF, o fluxo expiratório forçado (FEF) e o pico de fluxo expiratório (PFE) após o primeiro, terceiro e sexto meses em relação ao pré-operatório. O nível de significância (á) aplicado em todos os testes foi 5%, ou seja, considerou-se significativo quando p<0,05. Resultados: As Médias encontradas foram as seguintes: Capacidade Vital (CV) Pré-operatória-2,83 ; 1º PO 2,12; 3º PO 2,31; 6º PO 2,43. Capacidade Vital Forçada (CVF) Pré-operatória- 2,97; 1º PO 2,21; 3º PO 2,35; 6º PO 2,53. Volume Expiratório no 1º Segundo (VEF1) Pré-operatório 2,23; 1º PO 1,75; 3º PO 1,81; 6º PO 1,97. Houve diminuição acentuada das funções respiratórias no primeiro mês de pós-operatório, porém houve Conclusão: Não melhora dos parâmetros a partir do terceiro mês, com progressivo aumento até o sexto mês de pós-operatório.Conclusão: houve recuperação dos parâmetros espirométricos, comparados aos do pré operatório, após seis meses de pós-operatório nos pacientes com sequela de tuberculose submetidos à lobectomia. Descritores: Pneumonectomia. Tuberculose. Espirometria. Cuidados pré-operatórios. Cuidados pós-operatórios. INTRODUÇÃO A tuberculose causada pelo Mycobacterium tuberculosis ou bacilo de Koch é ainda frequente em países como o Brasil1. Chega ao Século XXI como problema de Saúde Pública não solucionado e se mantém com importante morbimortalidade2. É a doença infecciosa mais comum da espécie humana3, matando cerca de três milhões de pessoas por ano no mundo4. Talvez seja a mais antiga doença conhecida pela humanidade, com registros de lesões encontradas em vértebras de múmias egípcias datadas de cerca de quatro mil anos1,5-10. A moderna quimioterapia promoveu notável redução da tuberculose. O tratamento específico, iniciado em 1944 com a descoberta da estreptomicina, seguiu-se com a isoniazida em 195211,12. As sequelas mais frequentes são: pulmão destruído, bronquiectasias, bola fúngica, estenose de traqueia e outras menos comuns13-15. A prova de função pulmonar, ventilatória ou espirometria é muito importante para indicações do trata- mento operatório. É utilizada para avaliar as condições anestésicas e a morbimortalidade dos procedimentos. Existem poucas referências na literatura em relação às alterações da função pulmonar após ressecção do parênquima na tuberculose. A Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), dentre as suas linhas de pesquisas, está desenvolvendo estudos sobre a avaliação da função pulmonar tanto no período pré-operatório quanto no pós-operatório. Muitos desses trabalhos já foram concluídos16-19. O objetivo deste estudo foi avaliar os resultados da espirometria em doentes submetidos à lobectomia por toracotomia como tratamento de sequela de tuberculose. MÉTODOS Este trabalho foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário, Unidade Presidente Dutra da Universidade Federal do Maranhão. Trabalho realizado no Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão, Unidade Presidente Dutra. 1. Médico do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão; 2. Professor Titular da Disciplina de Cirurgia Torácica do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciência Medicas da Santa Casa de São Paulo; 3. Professor Adjunto da Disciplina de Pneumologia do Departamento de Clinica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 117-120 Amorim Avaliação espirométrica de doentes com sequela de tuberculose submetidos à lobectomia 118 Foram selecionados 20 doentes, dez homens e dez mulheres, com história pregressa de tratamento de tuberculose que apresentavam sequelas sintomáticas, ou seja, infecção de repetição ou hemoptises que procuraram o Ambulatório de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário Presidente Dutra da Universidade Federal do Maranhão, no período de setembro de 2007 a fevereiro de 2010 A idade dos doentes variou entre 15 e 56 anos, o tempo de tratamento da tuberculose foi seis meses e o aparecimento dos sintomas entre um e 32 anos após o tratamento. Após entrevista médica, com o relato de hemoptises recidivantes e história pregressa de tuberculose tratada, foram solicitadas radiografias simples e tomográficas computadorizada de tórax. Com o diagnóstico radiológico de sequela, foram solicitados os seguintes exames pré-operatórios: cintilografia de perfusão e ventilação pulmonar, pesquisa de bacilo álcool- acido resistente (BAAR) no escarro, hematimetria, avaliação cardiológica e prova de função pulmonar. A curva volume-tempo obtida pela espirometria forçada foi realizada cumprindo os critérios preconizados pela American Thoracic Society20, tendo sido escolhida a melhor de três curvas aceitáveis. A partir dela, foram obtidos os valores de capacidade vital forçada (CVF), volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1), relação VEF1/CVF, fluxo expiratório forçado entre 25% e 75% da CVF (FEF 25-75%), pico de fluxo expiratório forçado (PFE). Os valores de referência de normalidade utilizados para todas as curvas, foram os propostos por Pereira et al.21. A avaliação do efeito da lobectomia nas variáveis (CV, CVF, VEF1, VEF1/CVF,FEF e PFE) após o primeiro, terceiro e sexto meses em relação ao pré-operatório foi feita através do teste t pareado. O nível de significância (á) aplicado em todos os testes foi 5%, ou seja, considerou-se significativo quando p<0,05. pré e terceiro mês, pré e sexto mês) houve diferença significativa (p<0,05) entre as médias dos dois momentos. A figura 2 apresenta as médias dos valores da CVF dos quatro momentos: pré e três pós-operatórios. Houve diferença estatisticamente significativa quando comparados os quatro momentos (p<0,05). Não houve diferença estatisticamente significativa (p>0,05) entre o pré e sexto mês de pós-operatório, mas em relação às outras comparações (pré e primeiro mês e pré e terceiro mês) houve diferença significativa (p<0,050) com progressiva recuperação dos valores (Figura 3). Na figura 4 encontramos as médias dos valores de PFE dos quatro momentos: pré e três pós-operatórios. Houve diferença estatisticamente significativa (p<0,05) entre todas as comparações com o PFE inicial, indicando que até o sexto mês não houve recuperação total da variável PFE. DISCUSSÃO A espirometria consiste na realização de medidas de fluxos e volumes pulmonares que são obtidos du- Figura 1 - Médias da CV nos três momentos estudados (p <0,05). Figura 2 - Médias de CVF nos quatro momentos estudados (p <0,05). RESULTADOS Os exames de imagens (radiografia simples e tomografia do tórax) confirmaram o diagnóstico de bola fúngica e bronquiectasias dos segmentos a serem operados. A cintilografia de ventilação e perfusão pulmonar apresentaram déficit de perfusão nos segmentos doentes, as pesquisas de BAAR foram todas negativas, haja vista, que eram critérios de exclusão, a avaliação cardiológica, o hemograma e as provas de função pulmonar foram todas compatíveis com a realização do ato operatório. Encontra-se na figura 1 as médias dos valores da CV com os desvios-padrão e valores calculados de p para comparação entre os momentos pré e pós-operatórios. Observa-se que nas três comparações (pré e primeiro mês, Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 117-120 Amorim Avaliação espirométrica de doentes com sequela de tuberculose submetidos à lobectomia Figura 3 - Medidas de VEF1 nos quatro momentos estudados. Figura 4 - Médias de PFE no pré o pós-operatório em todos os momentos. rante os movimentos de inspiração e expiração forçadas; interpretadas pelo aparelho, transformam-se em números e gráficos. Ela é imprescindível em doentes a serem submetidos à ressecções cirúrgicas, principalmente nas operações pulmonares porque podem ajudar a prever o risco de complicações no pós-operatório. Neste trabalho, escolheu-se a espirometria por ser o método mais usado na prática cirúrgica por ser disponível no hospital, e pela dificuldade de obter-se outros métodos. A doença é ainda de elevada incidência no estado do Maranhão, com grande número de sequelas sintomáticas. A CVF é considerada a medida mais importante da espirometria porque representa o limite máximo do fluxo de ar expirado após inspiração máxima, realizado no intervalo mais curto possível de tempo. Qualquer processo que altere a dinâmica pulmonar também altera o fluxo máximo, sendo a medida mais sensível às variações. Nos 119 distúrbios ventilatórios restritivos a CVF encontra-se com valores inferiores aos valores de referência. O VEF1 corresponde ao volume expiratório obtido no primeiro segundo da CVF; resulta na medida espirométrica mais representativa das alterações clínicas e nos distúrbios ventilatórios restritivos; ela pode ser normal ou reduzida. No estudo de Perin19, comparando a avaliação espirométrica de indivíduos submetidos à dermolipectomia abdominal nos períodos pré-operatório imediato e pós-operatório de 19 a 36 meses, não mostrou diferença significativa com a correção dos músculos retos do abdome. Este trabalho apresentou diminuição acentuada das funções respiratórias no primeiro mês de pós-operatório, atribuída à grande dificuldade do doente executar as manobras em decorrência do trauma da musculatura da parede torácica e da dor associada ao esforço respiratório. Helene Júnior18 avaliando a função respiratória em indivíduos submetidos à abdominoplastia no pré e quarto dia de pós-operatório, observou diminuição da função respiratória no quarto dia de pós-operatório com normalização até o 30º dia. Segundo Tercan et al.22 a CV apresenta melhora pós-operatória significativa até o 30º dia nas abdominoplastias, todavia, sem atingir os valores pré-operatórios. Neste estudo, a melhora da função respiratória foi observada a partir do terceiro mês de pós-operatório em decorrência da ausência da dor e com melhora da complacência pulmonar, com progressiva recuperação dos parâmetros no sexto mês. O presente estudo procurou avaliar se, no período de 180 dias de pós-operatório de lobectomias, ocorreria recuperação total dos parâmetros espirométricos. Os resultados obtidos não mostraram recuperação significativa dos parâmetros, atingindo a média do pré-operatório. Este fato ocorreu unicamente nas medidas de VEF1/ CVF e FEF. O presente estudo é o primeiro a investigar o perfil dos doentes com sequela de tuberculose avaliando a espirometria no pré e pós-operatórios de lobectomias. Novas pesquisas devem ser realizadas em período mais longo, de um ano ou mais, para verificar se o motivo dessa alteração é em decorrência do segmento pulmonar operado. Assim, concluímos que após seis meses de pósoperatório de doentes com sequela de tuberculose submetidos à lobectomia não ocorreu recuperação dos parâmetros espirométricos quando comparados ao pré-operatório. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 117-120 Amorim Avaliação espirométrica de doentes com sequela de tuberculose submetidos à lobectomia 120 A B S T R A C T Methods: Objective: To evaluate pre and post-operative spirometry in patients with tuberculosis sequelae undergoing lobectomy. Methods Objective We selected 20 patients, aged between 15 and 56 years, of both genders, with a history of tuberculosis treatment, with repeated infections or hemoptysis and indication of pulmonary lobectomy. The tuberculosis treatment time was six months, and onset of symptoms, between one and 32. We evaluated and compared vital capacity (VC), forced vital capacity (FVC), forced expiratory volume (FEV1), the FEV1/FVC, forced expiratory flow (FEF) and peak expiratory flow (PEF) preoperatively and after the first, third and sixth postoperative months (POM). The significance level (á) used in all tests was 5%, ie, it was considered significant when p Results: The averages found were: Vital Capacity (VC) – Preoperative: 2.83; 1st POM: 2.12; 3rd POM: 2.31; 6th POM: 2.43. <0.05. Results Forced Vital Capacity (FVC) – Preoperative: 2.97; 1st POM: 2.21; 3rd POM: 2.35; 6th POM: 2.53. Expiratory Volume in 1 second (FEV1) – Preoperative: 2.23; 1st POM: 1.75; 3rd POM: 1.81; 6th POM 1.97. There was marked decrease in lung function in the first month after surgery, but there was an improvement of the parameters from the third month, with gradual increase up to the sixth Conclusion: There was no recovery of preoperative spirometric parameters at six months postoperatively in patients with month. Conclusion sequelae of tuberculosis submitted to lobectomy. words: pneumonectomy. Tuberculosis. Spirometry. Preoperative care. Postoperative care. Key words REFERÊNCIAS 1. Campos CA, Marchiori E, Rodrigues R. Tuberculose pulmonar: achados na tomografia computadorizada de alta resolução do tórax em pacientes com doença em atividade comprovada bacteriologicamente. J Pneumologia. 2002;28(1):23-9. 2. Muniz JN, Ruffino-Netto A, Villa TCS, Yamamura M, Arcencio R, Cardozo-Gonzales RI. Aspectos epidemiológicos da co-infecção tuberculose e vírus da imunodeficiência humana em Ribeirão Preto (SP), de 1998 a 2003. J bras pneumol. 2006;32(6):529-34. 3. Bombarda S, Figueiredo CM, Funari MBG, Soares Junior J, Seiscento M, Terra Filho M. Imagem em tuberculose pulmonar. J Pneumologia. 2001;27(6):329-40. 4. Ribeiro SA. Tratamento compulsório da tuberculose: avanço ou retrocesso? J Pneumologia. 2003;29(1):50-2. (Cartas) 5. Silveira MPT, Adorno RFR, Fontana T. Perfil dos pacientes com tuberculose e avaliação do Programa Nacional de Controle da Tuberculose em Bagé (RS). J bras pneumol. 2007;33(2):199-205. 6. Ruffino-Netto A. Tuberculose: a calamidade negligenciada. Rev Soc Bras Med Trop. 2002;35(1):51-8. 7. Cavalcanti ZR, Albuquerque MFPM, Campello ARL, Ximenes R, Montarroyos U, Verçosa MKA. Característica da tuberculose em idosos no Recife (PE): contribuição para o programa de controle. J bras pneumol. 2006;32(6):535-43. 8. Brasil. Ministério da Saúde. Tuberculose no Brasil: avanços e perspectivas. Programa Nacional de Controle da Tuberculose. [online]. In: Seminário de Manejo Clínico da Tuberculose, São Paulo, 02 e 03 de setembro de 2010. [cited 2010 out 23] Available from: http://www.sam.pmrp.com.br/ssaude/programas/tuberculose/ tuberculose_no_brasil.pdf 9. Castelo Filho A, Kritski AL, Barreto AW, Lemos ACM, RuffinoNetto A, Guimarães CA, et al. II Consenso Brasileiro de Tuberculose. Diretrizes Brasileiras para Tuberculose 2004. J bras pneumol. 2004;30(supl. 1):S2-56. 10. Fernandes TM. Sol e trevas: histórias sociais da tuberculose brasileira. Hist cienc saude-Manguinhos. 2004;11(3):767-71. 11. Murray JF. A century of tuberculosis. Am J Respir Crit Care Med. 2004;169(11):1181-6. 12. Gazetta CE, Vendramini SHF, Ruffino-Netto A, Oliveira MRC, Villa TCS. Estudo descritivo sobre a implantação da estratégia de tratamento de curta duração diretamente observado no controle da tuberculose em São José do Rio Preto e seus impactos (19982003). J bras pneumol. 2007;33(2):192-8. 13. Gomes Neto A, Medeiros ML, Gifoni JMM. Bronquiectasia localizada e multissegmentar: perfil clínico-epidemiológico e resultado do tratamento cirúrgico de 67 casos. J Pneumologia. 2001;27(1):1-6. 14. Guerra MS, Miranda JA, Leal F, Vouga L. Tratamento cirúrgico das bronquiectasias. Rev Port Pneumol. 2007;13(5):691-701. 15. Balkanli K, Genç O, Dakak M, Gürkök S, Gözübüyük A, Caylak H, et al. Surgical management of bronchiectasis: analysis and shortterm results in 238 patients. Eur J Cardiothorac Surg. 2003;24(5):699-702. 16. Saad Júnior R, Garrido T, Stirbulov R, Rafal F. Avaliação da função respiratória de doentes submetidos à operação abdominal alta. Rev Col Bras Cir. 1994;21(6):329-32. 17. Pinto AMR. Estudo comparativo da função pulmonar em pacientes pós-revascularizados do miocárdio, com CEC e sem CEC, com uso de derivação intraluminal [tese]. São Paulo: Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, Faculdade de Ciências Médicas; 1999. 18. Helene Júnior A. Avaliação da função respiratória em indivíduos submetidos à abdominoplastia. [tese]. São Paulo: Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, Faculdade de Ciências Médicas; 2005. 19. Perin LF. Avaliação espirométrica de indivíduos submetidos à dermolipectomia abdominal. [dissertação]. São Paulo: Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, Faculdade de Ciências Médicas; 2007. 20. Standardization of Spirometry, 1994 Update. American Thoracic Society. Am J Respir Crit Care Med. 1995;152(3):1107-36. 21. Pereira CAC. Testes de função pulmonar. Projeto Diretrizes. Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina. [on line]. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Elaboração final: 16 de abril de 2001. 12p. [citado em: 2010 out 20]. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/ 090.pdf 22. Tercan M, Bekerecioglu M, Dikensoy O, Kocoglu H, Atik B, Isik D, et al. Effects of abdominoplasty on respiratory functions: a prospective study. Ann Plast Surg. 2002;49(6):617-20. Recebido em 20/06/2012 Aceito para publicação em 07/08/2012 Conflito de interesse: nenhum Fonte de financiamento: nenhuma Como citar este artigo: Amorim E, Saad Júnior R, Stirbulov R. Avaliação espirométrica de doentes com sequela de tuberculose submetidos à lobectomia. Rev Col Bras Cir. [periódico na Internet] 2013;40(2). Disponível em URL: http:/ /www.scielo.br/rcbc Endereço para correspondência: Elias Amorim E-mail: [email protected] Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 117-120 Brito Valor prognóstico da citologia positiva no lavado peritonial de pacientes com câncer gástrico ressecável 121 Artigo Original Valor prognóstico da citologia positiva no lavado peritoneal de pacientes com câncer gástrico ressecável Prognostic role of positive peritoneal cytology in patients with resectable gastric cancer ALEXANDRE MENEZES BRITO1; BRUNO JOSÉ DE QUEIROZ SARMENTO2; ELIANE DUARTE MOTA3; AILTON CABRAL FRAGA JÚNIOR3; PAULO MOACIR CAMPOLI1; LEONARDO MEDEIROS MILHOMEM1; ORLANDO MILHOMEM DA MOTA, TCBC-GO1 R E S U M O Objetivo: Avaliar o valor prognóstico do lavado peritoneal positivo em pacientes com câncer gástrico sem sinais de disseminação peritoneal ou hematogênica. Métodos: Foram avaliados os pacientes com adenocarcinoma gástrico tratados com operação de intenção curativa. O lavado peritoneal foi classificado como positivo ou negativo para células neoplásicas. Foram obtidos dados demográficos, performance status, histológicos e tipo de operação realizada. Os resultados foram estatisticamente comparados e considerados significantes para valores de p<0,05. Resultados: Foram incluídos 72 portadores de adenocarcinoma gástrico. Durante seguimento médio de 26 meses (um a 39 meses) foram observadas 20 recidivas locais ou à distância e 21 mortes. Apenas a presença de metástases linfonodais e a necessidade de ressecção de órgãos adjacentes foram associados à redução significativa da sobrevida livre de recidiva. Houve redução significativa da sobrevida global entre os pacientes com invasão angiolinfática, metástase linfonodal, com necessidade de ressecção de múltiplos órgãos, necessidade de gastrectomia total e maior invasão da parede gástrica. A presença de células tumorais na cavidade peritoneal foi associada a pior sobrevida global, porém sem significância estatística. Conclusão: Não foi demonstrada associação significativa entre o lavado peritoneal positivo e a sobrevida livre de recidiva ou de sobrevida global entre pacientes com câncer gástrico ressecável. Descritores: Gastrectomia. Neoplasias gástricas. Neoplasias peritoneais. Lavagem peritoneal. Taxa de sobrevida. INTRODUÇÃO T em sido bastante estudado o valor prognóstico da presença de células tumorais livres na cavidade peritoneal em pacientes portadores de câncer gástrico1-4. Na segunda edição da Classificação Japonesa do Carcinoma Gástrico, publicada pela Associação Japonesa de Câncer Gástrico, em 1998, a presença de células tumorais no lavado peritonial já era classificada como estadio IV5. A sétima edição da Classificação de Tumores Malignos – TNM, de 2009, também passou a classificar esta condição como metástase à distância6. A presença de células malignas no lavado peritoneal tem sido utilizada para determinar mudanças na abordagem terapêutica. Alguns estudos sugerem que estes pacientes não se beneficiam com operações extensas7, ou que as gastrectomias radicais só beneficiam os pacientes sem metástases linfonodais8. Além disso, diversos autores propõem que os pacientes com lavado peritoneal positivo deveriam receber tratamento complementar, seja adjuvante8,9 ou neoadjuvante10,11. Existe apenas um estudo sobre este tema publicado no Brasil2, de forma que é pouco conhecido o perfil de disseminação de células livres no peritônio nos nossos pacientes com carcinoma gástrico. Neste estudo, citologia positiva foi encontrada em 6,8% dos pacientes incluídos e, em todos eles, a invasão parietal atingia a serosa. Além disso, a presença de células malignas no lavado peritoneal esteve associada com menor sobrevida média. O adequado conhecimento do padrão da disseminação peritoneal é uma importante etapa para que novas estratégias terapêuticas, adequadas à nossa realidade, sejam delineadas. O objetivo deste estudo foi avaliar o valor prognóstico do lavado positivo em portadores de câncer gástrico sem sinais de disseminação peritoneal ou hematogênica. MÉTODOS Foram avaliados pacientes portadores de adenocarcinoma gástrico submetidos ao tratamento cirúr- Estudo realizado no Departamento de Oncologia Gastrointestinal, Hospital Araújo Jorge, Goiânia, GO, Brasil. 1. Cirurgião Oncológico do Setor de Aparelho Digestivo, Hospital Araújo Jorge, Goiânia, GO; 2. Cirurgião Oncológico do Serviço de Cirurgia Geral, Hospital Regional de Taguatinga, Brasília, DF; 3. Patologista do Setor de Anatomia Patológica, Hospital Araújo Jorge, Goiânia, GO. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 121-126 Brito Valor prognóstico da citologia positiva no lavado peritonial de pacientes com câncer gástrico ressecável 122 gico com intenção curativa no período de maio de 2007 a agosto de 2008. Foram incluídos: os que não receberam quimioterapia neoadjuvante; com tumores ressecáveis; sem sinais de disseminação peritoneal e sem metástases à distância. O estudo foi submetido ao Comitê de Ética Em Pesquisa do Hospital Araújo Jorge sendo aprovado sob o número 13/2007. Nos pacientes que preenchiam os critérios de inclusão, o fundo de saco pélvico foi lavado com 200ml de solução salina. A análise citológica foi realizada com 20ml do líquido do lavado peritoneal fixado em 5ml de álcool a 92%. Após centrifugação a 2000rpm durante cinco minutos, o sedimento foi corado pelos métodos de HematoxilinaEosina e Papanicolaou. A avaliação imunocitoquímica do sedimento foi realizada pelo método da estreptoavidinabiotina-imunoperoxidase e a imunodetecção feita com anticorpos específicos (Berp 4, p53,CK 20 e CK 7). A avaliação das células neoplásicas foi realizada por um patologista experiente e o resultado era conhecido uma semana após o procedimento cirúrgico. Foram obtidos os dados demográficos, performance status (PS)12, tipo histológico e operação realizada. A avaliação histológica da peça ressecada foi feita de acordo com as regras da segunda edição da Classificação Japonesa do Carcinoma Gástrico5 e o estadiamento foi feito de acordo com a sexta edição da Classificação dos Tumores Malignos – TNM13. Os pacientes com estadiamento patológico (UICC-TNM) II, III ou IV foram encaminhados para quimioterapia adjuvante. O seguimento ambulatorial foi realizado a cada três meses no primeiro ano e a cada seis, a partir do segundo ano. A pesquisa de recidiva foi feita através de história clínica, exame físico e exames complementares de acordo com a indicação clínica (radiografia do tórax, endoscopia digetiva alta, ultrassonografia e tomografia computadorizada do abdome e/ou tórax). Variáveis contínuas foram expressas como média±DP e as categóricas como números absolutos e porcentagens. As proporções foram comparadas utilizando o teste qui-quadrado ou o teste exato de Fisher. As variáveis contínuas foram analisadas com o teste t de Student. As sobrevidas foram estimadas pelo método de Kaplan-Meier14 e comparadas pelo log-rank test.B RESULTADOS Foram incluídos 72 pacientes com diagnóstico histológico de adenocarcinoma gástrico com idades variando de 27 a 87 anos (mediana de 61,5 anos); 46 deles eram homens (64%). A quase totalidade (97%) tinha PS d” 2. 0Todos eram portadores de tumores ressecáveis e não apresentavam sinais de metástases à distância na avaliação pré e transoperatória. A gastrectomia parcial foi executada em 42 pacientes, sendo que em dois também foi necessária a realização de colectomia segmentar. Os demais 30 pacientes foram submetidos à gastrectomia total, e em 15 deles também foi ressecado pelo menos um órgão adjacente. Neste último grupo, o órgão mais frequentemente ressecado foi o baço (12), seguido pelo esôfago distal (4), fígado (3), cólon (2) e pâncreas (2). Em 62 pacientes foi realizada linfadenectomia D2. A linfadenectomia D1 foi realizada nos demais pacientes. O número médio de linfonodos retirados foi de 35,2 (DP=18,9). Margens cirúrgicas comprometidas ao exame microscópico foram observadas em cinco pacientes (6,9%). A quimioterapia adjuvante foi realizada em 40 (55,5%). A citologia do lavado peritoneal resultou positiva em oito pacientes (11,1%). As características clínicas e histopatológicas estão apresentadas na tabela 1 e estão igualmente distribuídas entre os dois grupos analisados. A morbidade operatória foi 12,5% e a mortalidade de 5,5%. No seguimento pós-operatório de 26 meses (variação de 1 a 39), foram observadas 20 recidivas locais ou à distância e ocorreram 21 óbitos. A análise da sobrevida livre de recidiva para as diversas variáveis estão listadas na tabela 2. Somente foi observada associação estatisticamente significativa para as variáveis metástase nodal e ressecção de órgãos adjacentes. Não foi observada associação entre a presença de células tumorais no lavado peritoneal e a sobrevida livre de recidiva (Figura 1). A tabela 3 mostra a associação entre a sobrevida global em três anos e as diversas variáveis listadas. Foi observada redução significativa da sobrevida global entre os pacientes que necessitaram de gastrectomia total, naqueles em que foi preciso realizar ressecção de órgãos adjacentes, e entre aqueles que tinham maior invasão na parede gástrica, metástases linfonodais ou invasão angiolinfática na peça ressecada. As curvas de Kaplan-Meier mostram associação significativa da sobrevida global com a invasão na parede gástrica (Figura 2) e a presença de metástase nodal (Figura 3). A presença de células malignas no lavado peritoneal esteve associada à redução não significativa da sobrevida global (Tabela 3 e Figura 4). DISCUSSÃO A adoção de novos métodos de imagem no préoperatório tem melhorado muito o estadiamento locorregional do câncer gástrico15-17, no entanto, a avaliação pré-operatória da disseminação peritoneal ainda permanece ruim. Uma metanálise recente revelou sensibilidades muito baixas, inferiores a 34%, para detecção de metástases peritoneais por métodos radiológicos (ultrassom convencional, ultrassom endoscópico, tomografia computadorizada e tomografia por emissão de pósitrons)18. O melhor método diagnóstico de disseminação peritoneal ainda é minucioso inventário da cavidade durante a laparotomia ou laparoscopia. Mesmo que não existam sinais macroscópicos de acometimento do peritônio, a presença de células malignas no lavado peritoneal tem sido reportada por vários autores, com índices que variam de Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 121-126 Brito Valor prognóstico da citologia positiva no lavado peritonial de pacientes com câncer gástrico ressecável Tabela 1 - 123 Características clínicas e patológicas dos pacientes. Variável Característica Sexo Idade PS Gastrectomia Ressecção de órgãos adjacentes Linfadenectomia Invasão na parede gástrica Metástase nodal Classificação de Lauren Invasão angiolinfática M F Média DP 0-1 2-3 Parcial Total Não Sim D1 D2 T1-2 T3-4 TX N0 N+ Intestinal Difuso Não relatado Ausente Presente Total (n=72) Citologianegativa (n=64) 46 26 60,4 13,3 64 8 42 30 55 17 10 62 31 40 1 25 47 41 29 2 19 53 p Citologiapositiva (n=8) 43 21 60,8 13,3 59 5 36 28 48 16 7 57 26 37 1 22 42 36 26 2 16 48 3 5 57,5 13,5 5 3 6 2 7 1 3 5 5 3 0 3 5 5 3 0 3 5 0,21 0,52 0,08 0,54 0,78 0,15 0,44 0,99 0,99 0,71 DP, desvio-padrão; PS, performance status; D1, dissecção nodal da estação 1; D2, dissecção nodal das estações 1 e 2; T1-2, invasão até a subserosa; T3-4, invasão da serosa ou de órgãos adjacentes; Tx, invasão não avaliada; N0, ausência de metástase nodal; N+, presença de metástase nodal. Tabela 2 - Associação entre a sobrevida livre de recidiva e as características cirúrgicas e patológicas. Variável Gastrectomia Ressecção de órgãos adjacentes Linfadenectomia Invasão na parede gástrica Metástase nodal Classificação de Lauren Invasão angiolinfática Citologia do lavado peritoneal Característica Parcial Total Não Sim D1 D2 T1-2 T3-4 N0 N+ Intestinal Difuso Ausente Presente Negativa Positiva SLR 3a (%) 52,9 56,1 58,6 43,6 71,4 52,8 78,5 29,9 88,1 29,9 62,0 47,4 54,6 47,7 53,3 72,9 HR 1 1,98 1 3,91 1 1,14 1 2,21 1 4,06 1 0,77 1 2,90 1 1,48 IC 95% p 0,78 - 5,01 0,15 1,27 -12,07 0,02* 0,28 - 4,63 0,85 0,92 - 5,35 0,08 1,67 - 9,90 0,002* 0,31 - 1,88 0,56 0,94 - 8,93 0,06 0,27 - 8,09 0,65 SLR 3a, taxa de sobrevida livre de recidiva em três anos; HR, hazard ratio; D1, dissecção nodal da estação 1; D2, dissecção nodal das estações 1 e 2; T1-2, invasão até a subserosa; T3-4, invasão da serosa ou de órgãos adjacentes; N0, ausência de metástase nodal; N+, presença de metástase nodal.*Diferença estatisticamente significativa. 6,8 a 23%2-4,10,11. O presente estudo revelou que 11,1% dos pacientes com diagnóstico pré e transoperatório de doença localizada já eram portadores de células malignas livres no peritônio, apontando no sentido de terem doença de comportamento mais agressivo. A invasão além da camada muscular, a metástase linfonodal e a invasão Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 121-126 Brito Valor prognóstico da citologia positiva no lavado peritonial de pacientes com câncer gástrico ressecável 124 Tabela 3 - Associação entre a sobrevida global e as características cirúrgicas e patológicas. Variável Característica Gastrectomia Ressecção de órgãos adjacentes Linfadenectomia Invasão na parede gástrica Metástase nodal Classificação de Lauren Invasão angiolinfática Citologia do lavado peritoneal Parcial Total Não Sim D1 D2 T1-2 T3-4 N0 N+ Intestinal Difuso Ausente Presente Negativa Positiva SG 3a (%) 79,2 45,7 77,9 35,7 68,6 67,1 79,7 58,2 91,5 53,6 67,2 70,6 75,9 38,9 68,7 48,6 HR 1 3,04 1 4,58 1 0,87 1 2,60 1 3,50 1 1,06 1 5,37 1 1,88 IC 95% p 1,23 - 7,51 0,01* 1,61 -13,03 0,004* 0,24 - 3,20 0,83 1,07 - 6,33 0,03* 1,43 - 8,56 0,006* 0,42 - 2,68 0,89 1,84 -15,72 0,002* 0,41 - 8,48 0,41 SG 3a, taxa de sobrevida global em três anos; HR, hazard ratio; D1, dissecção nodal da estação 1; D2, dissecção nodal das estações 1 e 2; T1-2, invasão até a subserosa; T3-4, invasão da serosa ou de órgãos adjacentes; N0, ausência de metástase nodal; N+, presença de metástase nodal.*Diferença estatisticamente significativa. Figura 1 - Curvas de Kaplan-Meier da sobrevida livre de recidiva e peritoneal de acordo com a presença de células tumorais no lavado peritonial. Figura 3 - Curvas de Kaplan-Meier da sobrevida global de acordo com apresença de metástase nodal. Figura 2 - Curvas de Kaplan-Meier da sobrevida global de acordo com a invasão tumoral na parede gástrica. Figura 4 - Curvas de Kaplan-Meier da sobrevida global de acordo com a presença de células tumorais livre. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 121-126 Brito Valor prognóstico da citologia positiva no lavado peritonial de pacientes com câncer gástrico ressecável angiolinfática, têm sido relacionados à presença de células no lavado peritoneal3,4,19, o que não foi observado na presente série. Nesta série, somente a presença de metástases para linfonodos e a necessidade de ressecção de órgãos adjacentes foram relacionados à redução da sobrevida livre de recidiva. A falha em demonstrar associação desta sobrevida com invasão na parede gástrica e presença de células no lavado peritoneal, certamente se deve à amostra de pequeno tamanho, uma vez que são fatores prognósticos bem conhecidos e universalmente aceitos20. A redução da sobrevida global tem sido associada à profundidade de infiltração na parede gástrica, à presença de doença linfonodal e diversos estudos também mostraram sua associação com lavado peritoneal positivo24,19,21 . No presente estudo, significativa redução da sobrevida global em três anos foi observada nos pacientes com 125 maior invasão tumoral na parede gástrica, com metástases linfonodais, com a presença de invasão angiolinfática e também com a necessidade de gastrectomia total. É notável o fato de que a sobrevida global em três anos foi menor entre os pacientes que tiveram lavado peritoneal positivo, porém sem significância estatística. O baixo número deste evento na presente amostra é a causa da falha em demonstrar o valor deste importante fator prognóstico na sobrevida global. Em conclusão, este estudo não demonstrou associação significativa entre o lavado peritoneal positivo e sobrevida global ou sobrevida livre de recidiva em pacientes com câncer gástrico ressecável. No entanto, estes resultados confirmam a invasão angiolinfática, metástase linfonodal, profundidade de invasão na parede gástrica, necessidade de gastrectomia total e ressecção de órgãos adjacentes como importantes fatores prognósticos. A B S T R A C T Objective: To evaluate the prognostic value of positive peritoneal lavage in patients with gastric cancer without signs of Objective Methods: We evaluated patients with gastric adenocarcinoma treated with curative peritoneal or hematogenous spread. Methods intent operation. The peritoneal lavage was classified as positive or negative for neoplastic cells. We obtained demographics, performance status, histology and type of surgery. The results were statistically compared and were considered significant for Results: We included 72 patients with gastric adenocarcinoma. During a mean follow up of 26 months (one values of p <0.05. Results to 39 months) we observed 20 local or distant recurrences and 21 deaths. Only the presence of lymph node metastases and the need for resection of adjacent organs were associated with a significant reduction in relapse-free survival. There was a significant reduction in overall survival in patients with angio-lymphatic invasion, lymph node metastasis, requiring resection of multiple organs, need for total gastrectomy and greater invasion of the gastric wall. The presence of tumor cells in the peritoneal cavity Conclusion: There was no statistically significant was associated with worse overall survival, but without statistical significance. Conclusion associations between positive peritoneal citology and recurrence-free survival or overall survival among patients with resectable gastric cancer. words: Gastrectomy. Gastric neoplasms. Peritoneal malignancies. Peritoneal lavage. Survival rate. Key words REFERÊNCIAS 1. Boku T, Nakane Y, Minoura T, Takada H, Yamamura M, Hioki K, et al. Prognostic significance of serosal invasion and free intraperitoneal cancer cells in gastric cancer. Br J Surg. 1990;77(4):436-9. 2. Ribeiro U Jr, Safatle-Ribeiro AV, Zilberstein B, Mucerino D, Yagi OK, Bresciani CC, et al. Does the intraoperative peritoneal lavage cytology add prognostic information in patients with potentially curative gastric resection? J Gastrointest Surg. 2006;10(2):170-6, discussion 176-7. 3. Rosenberg R, Nekarda H, Bauer P, Schenck U, Hoefler H, Siewert JR. Free peritoneal tumour cells are an independent prognostic factor in curatively resected stage IB gastric carcinoma. Br J Surg. 2006;93(3):325-31. 4. Euanorasetr C, Lertsithichai P. Prognostic significance of peritoneal washing cytology in Thai patients with gastric adenocarcinoma undergoing curative D2 gastrectomy. Gastric Cancer. 2007;10(1):18-23. 5. Japanese Gastric Cancer Association. Japanese Classification of Gastric Carcinoma - 2nd English Edition -. Gastric Cancer. 1998;1(1):10-24. 6. International Union Against Cancer (UICC). TNM Classification of Malignant Tumours. 7th ed. Chichester, UK: Wiley; 2009. 7. Nakagohri T, Yoneyama Y, Kinoshita T, Konishi M, Inoue K, Takahashi S. Prognostic significance of peritoneal washing cytology in patients with potentially resectable gastric cancer. Hepatogastroenterology. 2008;55(86-87):1913-5. 8. Saito H, Kihara K, Kuroda H, Matsunaga T, Tatebe S, Ikeguchi M. Surgical outcomes for gastric cancer patients with intraperitoneal free cancer cell, but no macroscopic peritoneal metastasis. J Surg Oncol. 2011;104(5):534-7. 9. Ako E, Ohira M, Yamashita Y, Kubo N, Muguruma K, Yashiro M, et al. Efficacy of S-1 for gastric cancer patients with positive peritoneal lavage cytology. Hepatogastroenterology. 2008;55(8687):1939-42. 10. Badgwell B, Cormier JN, Krishnan S, Yao J, Staerkel GA, Lupo PJ, et al. Does neoadjuvant treatment for gastric cancer patients with positive peritoneal cytology at staging laparoscopy improve survival? Ann Surg Oncol. 2008;15(10):2684-91. 11. Mezhir JJ, Shah MA, Jacks LM, Brennan MF, Coit DG, Strong VE. Positive peritoneal cytology in patients with gastric cancer: natural history and outcome of 291 patients. Ann Surg Oncol. 2010;17(12):3173-80. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 121-126 126 Brito Valor prognóstico da citologia positiva no lavado peritonial de pacientes com câncer gástrico ressecável 12. Oken MM, Creech RH, Tormey DC, Horton J, Davis TE, McFadden ET, et al. Toxicity and response criteria of the Eastern Cooperative Oncology Group. Am J Clin Oncol. 1982;5(6):649-55. 13. International Union Against Cancer (UICC). TNM Classification of Malignant Tumours. 6th ed. New York, USA: Wiley; 2002. 14. Kaplan E, Meier P. Nonparametric estimation from incomplete observations. J Am Stat Assoc. 1958;53(282):457-81. 15. Hwang SW, Lee DH, Lee SH, Park YS, Hwang JH, Kim JW, et al. Preoperative staging of gastric cancer by endoscopic ultrasonography and multidetector-row computed tomography. J Gastroenterol Hepatol. 2010;25(3):512-8. 16. Kwee RM, Kwee TC. Imaging in local staging of gastric cancer: a systematic review. J Clin Oncol. 2007;25(15):2107-16. 17. Kwee RM, Kwee TC. Imaging in assessing lymph node status in gastric cancer. Gastric Cancer. 2009;12(1):6-22. 18. Wang Z, Chen JQ. Imaging in assessing hepatic and peritoneal metastases of gastric cancer: a systematic review. BMC Gastroenterol. 2011;11:19. 19. de Manzoni G, Verlato G, Di Leo A, Tomezzoli A, Pedrazzani C, Pasini F, et al. Peritoneal cytology does not increase the prognostic information provided by TNM in gastric cancer. World J Surg. 2006;30(4):579-84. 20. Chuwa EW, Khin LW, Chan WH, Ong HS, Wong WK. Prognostic significance of peritoneal lavage cytology in gastric cancer in Singapore. Gastric Cancer. 2005;8(4):228-37. 21. Yamamoto M, Matsuyama A, Kameyama T, Okamoto M, Okazaki J, Utsunomiya T, et al. Prognostic re-evaluation of peritoneal lavage cytology in Japanese patients with gastric carcinoma. Hepatogastroenterology. 2009;56(89):261-5. Recebido em 10/06/2012 Aceito para publicação em 10/08/2012 Conflito de interesse: nenhum Fonte de financiamento: nenhuma Como citar este artigo: Brito AM, Sarmento BJQ, Mota ED, Fraga Júnior AC, Campoli PM, Milhomem LM, Mota OM. Valor prognóstico da citologia positiva no lavado peritoneal de pacientes com câncer gástrico ressecável. Rev Col Bras Cir. [periódico na Internet] 2013;40(2). Disponível em URL: http://www.scielo.br/rcbc Endereço para correspondência: Alexandre Menezes Brito E-mail: [email protected] Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 121-126 Oliveira Filho A biópsia de linfonodo sentinela não deve ser recomendada para pacientes portadores de melanoma espesso (>4mm) 127 Artigo Original A biópsia de linfonodo sentinela não deve ser recomendada para pacientes portadores de melanoma espesso Sentinel node biopsy should not be recommended for patients with thick melanoma RENATO SANTOS DE OLIVEIRA FILHO, TCBC-SP 1; ALLISSON MONTEIRO DA SILVA 2; DANIEL ARCUSCHIN DE OLIVEIRA 3; GUSTAVO GIANOTTO OLIVEIRA 3; FABIO XERFAN NAHAS, TCBC-SP 4 R E S U M O Objetivo: verificar se há alguma relação entre o estado histopatológico do linfonodo sentinela, a recorrência e a mortalidade decorrente do melanoma espesso em pacientes submetidos à BLS ao longo de um seguimento significante. Métodos Métodos: Oitenta e seis pacientes portadores de melanoma espesso submetidos à BLS foram selecionados de um banco de dados prospectivo. A linfocintilografia, o mapeamento linfático e a detecção gama intraoperatória foram realizados em todos pacientes. O linfonodo sentinela (LS) foi analisado por HE e por imunoistoquímica. Linfadenectomia total foi indicada para os pacientes com LS positivo. O estado histopatológico do LS foi relacionado à taxa de recorrência e de mortalidade por melanoma. Resultados Resultados: Cento e sessenta e seis LS foram retirados dos 86 pacientes. As idades variaram de 18 a 73 anos. Havia 47 mulheres e 39 homens. Micrometástases foram encontradas em 44 pacientes. Quarenta e dois pacientes foram submetidos à linfadenectomia total. Sete pacientes tiveram outro linfonodo positivo. Entre os 44 pacientes com LS positivo houve 20 recorrências e 15 mortes. Houve 18 recidivas e 12 mortes no grupo de LS negativo. A espessura de Breslow não apresentou correlação com o estado histopatológico do LS. O estado histopatológico do LS não interferiu nas taxas de recorrência e de mortalidade (teste de Fisher, p=1.00). A mediana de seguimento foi 69 meses. Conclusão Conclusão: Considerando a falta de evidência de benefício, a BLS não deve ser indicada para pacientes com melanoma espesso fora de estudos clínicos. Descritores: Melanoma. Micrometástase de neoplasia. Recidiva. Mortalidade. Biópsia de linfonodo sentinela. INTRODUÇÃO A incidência mundial de melanoma cutâneo tem aumentado e a sua alta letalidade é notória. A biópsia de linfonodo sentinela (BLS) é um procedimento necessário para estabelecer o microestágio dos estágios clínicos I e II do melanoma cutâneo, segundo as diretrizes do AJCC20091. A presença ou ausência de metástases no linfonodo é o prognóstico mais importante para sobrevivência e recorrência em pacientes com melanoma cutâneo. O procedimento de BLS em melanomas espessos tem sido questionado devido à percepção de mau prognóstico nesse subgrupo de pacientes, que tem um risco elevado de apresentar doença sistêmica. Atualmente, todos os pacientes com linfonodo sentinela positivo devem ser submetidos à linfadenectomia total. O benefício para os pacientes portadores de melanoma que apresentaram linfonodo sentinela positivo após uma retirada do linfonodo pode estar limitado aos pacientes cujas lesões apresentam grau intermediário na espessura de Breslow (1 a 4mm)2. Estudos randomizados de triagem não demonstraram benefícios para pacientes com melanoma espesso (> 4mm) submetidos à BLS. Este estudo teve por objetivo verificar se há alguma relação entre o estado histopatológico do linfonodo sentinela, a recorrência e a mortalidade decorrente do melanoma espesso em pacientes submetidos à BLS ao longo de um seguimento significante. MÉTODOS Dados de pacientes portadores de melanoma espesso (Breslow > 4mm) submetidos à BLS entre agosto de 1994 e julho de 2010 foram revisados. A linfocintilografia pré-operatória foi realizada em todos os pacientescom emprego de Tc99 acrescido de Dextran 500 ou Fitato de sódio. Com o objetivo de realizar a BLS, o mapeamento linfático com azul patente V e a detecção gama intraoperatória com o Neoprobe 1500 foram realizados para encontrar o linfonodo sentinela. A BLS foi realizada de duas a 24 horas após a linfocintilografia. Os linfonodos foram analisados em busca de micrometástases pelo exame histológico convencional (Hematoxilina e eosina) e exame de coloração Trabalho realizado no Centro de Prevenção de Câncer “ “Clínica Prof.Dr.Renato Santos - São Paulo” – SP-BR. 1. Cirurgião Oncológico, Doutor em Medicina pela FMUSP; 2. Cirurgiã de Cabeça e Pescoço, Mestre em Medicina pela UNIFESP; 3. Acadêmico de Medicina – Faculdade de Medicina Anhenbi-Morumbi, São Paulo – SP; 4. Cirurgião Plástico, Prof.Livre-Docente pela UNIFESP. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 127-129 Oliveira Filho A biópsia de linfonodo sentinela não deve ser recomendada para pacientes portadores de melanoma espesso (>4mm) 128 imunoistoquímica para os marcadores HMB45, proteína S100 e Melan-A. A linfadenectomia foi indicada para os pacientes com linfonodo sentinela positivo (com micrometástase). Os pacientes com linfonodos sentinela negativos não foram submetidos à linfadenectomia. O seguimento foi feito para todos os pacientes a cada três meses nos três primeiros anos, a cada seis meses no quarto e no quinto ano após a BLS e anualmente a partir do sexto ano. A mesma equipe cirúrgica operou e acompanhou todos os pacientes. A espessura de Breslow na lesão primária foi utilizada para verificar se havia alguma relação entre as micrometástases e o linfonodo sentinela. As taxas de recorrência e mortalidade de melanoma foram analisadas de modo a verificar o impacto de um linfonodo sentinela positivo. As análises estatísticas foram feitas por meio do risco relativo, razão de chances e teste de Fisher, considerando a significância para p<0.05. RESULTADOS Foram revisados os prontuários de 86 pacientes com melanoma espesso e contabilizados 166 linfonodos sentinela retirados. Eram 47 mulheres e 39 homens com idades variando de 18 a 73 anos, mediana de 58 anos. O Índice de espessura de Breslow variou de 4,1 a 9,9mm (mediana = 5,4mm). Micrometástases foram encontradas em linfonodos sentinela de 44 pacientes (51%). Foram submetidos à linfadenectomia total, 42 pacientes. Um paciente recusou a ressecção e o outro, à radioterapia adjuvante. Sete pacientes que fizeram a linfadenectomia tinham micrometástases em outros linfonodos. Os 42 pacientes tinham linfonodo sentinela negativo e não realizaram linfadenectomia complementar. Entre os 44 pacientes com linfonodo sentinela positivo houve 20 recorrências e 15 mortes. Naqueles com linfonodo sentinela negativo houve 18 recorrências e 12 mortes. A chance de um paciente com melanoma espesso e linfonodo sentinela positivo ter recorrência é apenas 1,17 maior do que um paciente com melanoma espesso e linfonodo sentinela negativo (OR = 1,17). A chance de um paciente com melanoma espesso e linfonodo sentinela positivo morrer é apenas 1,39 maior que aquele com melanoma espesso e linfonodo sentinela negativo (OR = 1,39). O estado histopatológico do linfonodo sentinela não influenciou nas taxas de recorrência e mortalidade desses pacientes (Fisher, p = 1,00). O acompanhamento médio foi 69 meses (oito a 158 meses). DISCUSSÃO Antes do procedimento de BLS, os pacientes portadores de melanoma com espessura de Breslow maior do que 4mm foram mais observados. Era esperado encontrar nesses pacientes um risco maior para metástases à distância e mortes por doença sistêmica3. Portanto, a linfadenectomia eletiva não se aplica a eles. Com o avanço da BLS, diferentes resultados de taxas de sobrevida e recorrência foram publicados, porém a utilidade da BLS em pacientes portadores de melanoma espesso ainda está indefinida. Cherpelis et al. estudaram 201 pacientes com melanoma mais espesso que 3,0mm, e 180 estavam vivos, em um seguimento médio de 51 meses. Destes, 166 estavam vivos sem doença. Seus resultados indicaram que o status do linfonodo sentinela é preditivo de sobrevida livre de doença para os pacientes portadores de melanoma espesso4. Estudando 131 pacientes com melanoma T4, Gershenwald et al. observaram que os pacientes com linfonodo sentinela negativo e ausência de ulcerações tinham uma taxa de sobrevida global de três anos de 86%, enquanto os pacientes portadores de melanoma T4 com linfonodo sentinela positivo e presença de ulcerações tinham uma taxa de sobrevida global de três anos de 57% (P<0.03)5. Revisando 126 pacientes portadores de melanoma espesso, Ferrone et al. desenvolveram um modelo prognóstico baseado na idade 60 anos, profundidade do melanoma >5,5mm, ulcerações e estado histopatológico do linfonodo sentinela. Eles observaram que o risco relativo de recorrência variou de um em pacientes sem a presença de fatores adversos, para 29,4 em pacientes com os quatros fatores de risco presentes. Concluíram que o estado histopatológico do linfonodo sentinela foi o mais forte preditor independente dos resultados6. Carlson et al. relataram taxas de sobrevida de cinco anos de 47 a 62%, mostrando que taxas de sobrevida em longo prazo para pacientes portadores de melanoma espesso não eram raras. Concluíram que o estado histopatológico do linfonodo sentinela é um fator prognóstico independente de sobrevida importante em pacientes com melanoma espesso7. Diversos autores recomendam a BLS para pacientes portadores de melanoma T4 com linfonodos clinicamente negativos (N0), independente de qual for a espessura de Breslow5-9. Nesses estudos, o estado histopatológico do linfonodo sentinela foi, de forma independente, o fator mais forte para a sobrevida dos pacientes com melanoma espesso. Caraco et al. reviram 359 pacientes com espessura de Breslow superior a 4mm. As curvas de sobrevida não mostraram diferenças significativas entre os pacientes com linfonodo sentinela positivo e negativo10. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 127-129 Oliveira Filho A biópsia de linfonodo sentinela não deve ser recomendada para pacientes portadores de melanoma espesso (>4mm) De acordo com nossos resultados, micrometástases foram encontradas em 42 dos 86 pacientes portadores de melanoma espesso (Breslow > 4mm). As taxas de recorrência e mortalidade nos pacientes com linfonodo sentinela positivo e negativo, não evidenciaram diferença estatística significante. Muitos autores consideram o estado histopatológico do linfonodo sentinela um fator preditor de sobrevida livre de doença em pacientes com melanoma espesso, mas sem evidência de benefícios à sobrevida glo- 129 bal. Nossos resultados mostraram que as taxas de recorrência e de mortalidade não foram influenciadas pelo comprometimento histopatológico do linfonodo sentinela, quando o seguimento é longo (mediana de 69 meses). O “Multicenter Selective Lymphadenectomy Trial” mostrou dados semelhantes11,12. Considerando a ausência de evidência de benefício, conclui-se que a biópsia de linfonodo sentinela deve ser evitada em pacientes portadores de melanoma espesso fora de estudo clínico. A B S T R A C T Objective: To ascertain whether there is any relationship between the state of the sentinel lymph node histopathology, Objective Methods: Eighty-six patients recurrence and mortality from thick melanoma in patients undergoing SLNB over a long follow-up. Methods with thick melanoma undergoing SLNB were selected from a prospective database. Lymphoscintigraphy, lymphatic mapping and intraoperative gamma probe detection were performed in all patients. The sentinel lymph node (SLN) was analyzed by HE and immunohistochemistry. Complete lymphadenectomy was indicated for patients with positive sentinel node. The histopathological Results: One hundred and sixty-six SLNs were SLN status was related to the rate of recurrence and mortality from melanoma. Results taken from the 86 patients. Ages ranged from 18 to 73 years. There were 47 women and 39 men. Micrometastases were found in 44 patients. Forty-two patients underwent complete lymphadenectomy. Seven other patients had positive lymph node. Among the 44 patients with positive sentinel node, there were 20 recurrences and 15 deaths. There were 18 recurrences and 12 deaths in the group with negative SLN. The Breslow thickness was not correlated with the histopathological SLN status. The histopathological SLN status did not affect the rates of recurrence and mortality (Fisher test, p = 1.00). The median follow-up was 69 months. Conclusion: Considering the lack of evidence of benefit, SLNB should not be indicated for patients with thick melanoma outside Conclusion of clinical studies. words: Melanoma. Micrometastasis of cancer. Recurrence. Mortality. Sentinel lymph node biopsy. Key words REFERÊNCIAS 1. Balch CM, Gershenwald JE, Soong SJ, Thompson JF, Atkins MB, Byrd DR, et al. Final version of 2009 AJCC melanoma staging and classification. J Clin Oncol. 2009;27(36):6199-206. 2. Nowecki ZI, Rutkowski P, Michej W. The survival benefit to patients with positive sentinel node melanoma after completion lymph node dissection may be limited to the subgroup with a primary lesion Breslow thickness greater than 1.0 and less than or equal to 4mm (pT2–pT3). Ann Surg Oncol. 2008;15:2223-34. 3. Balch CM, Soong SJ, Milton GW, Shaw HM, McGovern VJ, Murad TM, et al. A comparison of prognostic factors and surgical results in 1,786 patients with localized (stage I) melanoma treated in Alabama, USA, and New South Wales, Australia. Ann Surg. 1982;196(6):677-84. 4. Cherpelis BS, Haddad F, Messina J, Cantor AB, Fitzmorris K, Reintgen DS, et al. Sentinel lymph node micrometastases and other histologic factors that predict outcome in patients with thicker melanomas. J Am Acad Dermatol. 2001;44(5):762-6. 5. Gershenwald JE, Mansfield PF, Lee JE, Ross MI. Role for lymphatic mapping and sentinel lymph node biopsy in patients with thick (> or = 4mm) primary melanoma. Ann Surg Oncol. 2000;7(2):160-5. 6. Ferrone CR, Panageas KS, Busam K, Brady MS, Coit DG. Multivariate prognostic model for patients with thick cutaneous melanoma: importance .of sentinel lymph node status. Ann Surg Oncol. 2002;9(7):637-45. 7. Carlson GW, Murray DR, Hestley A, Staley CA, Lyles RH, Cohen C. Sentinel lymph node mapping for thick (>or=4-mm) melanoma: should we be doing it? Ann Surg Oncol. 2003;10(4):408-15. 8. Gajdos C, Griffith KA, Wong SL, Johnson TM, Chang AE, Cimmino VM, et al. Is there a benefit to sentinel lymph node biopsy in patients with T4 melanoma? Cancer. 2009;115(24):5752-60. 9. Gutzmer R, Satzger I, Thoms KM, Völker B, Mitteldorf C, Kapp A, et al. Sentinel lymph node status is the most important prognostic factor for thick (> or = 4mm) melanomas. J Dtsch Dermatol Ges. 2008;6(3):198-203. 10. Caracò C, Celentano F, Lastoria S, Botti G, Ascierto PA, Mozzillo N. Sentinel lymph node biopsy does not change melanoma-specific survival among patients with Breslow thickness greater than four millimeters. Ann Surg Oncol. 2004;11:198S-202S. 11. Morton DL, Cochran AJ, Thompson JF, Elashoff R, Essner R, Glass EC, et al. Sentinel node biopsy for early-stage melanoma: accuracy and morbidity in MSLT-I, an international multicenter trial. Ann Surg. 2005;242(3):302-11; discussion 311-3. 12. Ross MI, Gershenwald JE. How should we view the results of the Multicenter Selective Lymphadenectomy Trial-1 (MSLT-1)? Ann Surg Oncol. 2008;15(3):670-3. Recebido em 08/06/2012 Aceito para publicação em 11/08/2012 Conflito de interesse: nenhum Fonte de financiamento: nenhuma Como citar este artigo: Oliveira Filho RS, Silva AM, Oliveira DA, Oliveira GG, Nahas FX. A biópsia de linfonodo sentinela não deve ser recomendada para pacientes portadores de melanoma espesso (>4mm). Rev Col Bras Cir. [periódico na Internet] 2013;40(2). Disponível em URL: http:// www.scielo.br/rcbc Endereço para correspondência: Renato Santos de Oliveira Filho E-mail: [email protected] Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 127-129 Silva Júnior Modelo experimental estável de aneurisma sacular em artéria carótida de suínos utilizando veia jugular interna Artigo Original 130 Modelo experimental estável de aneurisma sacular em artéria carótida de suínos utilizando veia jugular interna Stable experimental model of carotid artery saccular aneurysm in swine using the internal jugular vein SEVERINO LOURENÇO DA SILVA JÚNIOR1; GUILHERME BENJAMIN BRANDÃO PITTA2; ADAMASTOR HUMBERTO PEREIRA3; ALDEMAR DE ARAÚJO CASTRO4; MARIA HELENA TAVARES DE MATOS5; FÁBIO DUQUE SILVEIRA7; LEONARDO TORRES MAGALHÃES7; JOSÉ ADOLFO HURT ALMEIDA DE MORAES7; EMMYLENA KARINA CORDEIRO MACHADO8; CARLOS WAGNER DE SOUZA WANDERLEY8; CAMILA MEIRELLES DE SOUZA SILVA8; LUCIANA DA PAZ DOS SANTOS8; JOÃO NICOLLE TUPINÁ NOGUEIRA6 R E S U M O Objetivo: Desenvolver um modelo experimental estável de aneurisma sacular em carótida de suínos utilizando veia jugular interna. Métodos: Em 12 suínos sadios, com peso variando entre 25 e 50kg, cinco machos e sete fêmeas, foi confeccionado aneurisma na artéria carótida comum direita. Após arteriotomia elíptica, foi realizada anastomose terminolateral com coto distal de veia jugular interna. O volume do aneurisma era calculado de maneira que o valor não excedesse em 27 vezes o valor da área da arteriotomia. Após seis dias, era realizada angiografia e análise microscópica do aneurisma para avaliar perviedade e trombose parcial ou total. Resultados: Houve ganho de peso significante dos suínos no intervalo de tempo entre a confecção do aneurisma e a angiografia (p = 0,04). Foi observada perviedade aneurismática em dez suínos (83%). Ocorreram infecções de feridas operatórias em dois animais (16,6%), ambas com início de aparecimento em três dias após a confecção do aneurisma. Análise histológica dos aneurismas mostrou trombos ocluindo parcialmente a luz em nove suínos (75%). Nesses animais, observou-se que, em média, 9% da luz aneurismática estava preenchida por trombos. Conclusão: Pôde ser desenvolvido um modelo experimental estável de aneurisma sacular em carótida de suínos utilizando veia jugular interna. Descritores: Aneurisma. Veias jugulares. Artérias carótidas. Experimentação animal. Suínos. INTRODUÇÃO O s dois fatores mais importantes para o surgimento de aneurisma nos vasos cerebrais são a vulnerabilidade da parede arterial e o aumento do estresse hemodinâmico sobre ela. Estudos histopatológicos, utilizando hematoxilina e eosina, mostram que a falta da lâmina elástica interna com as camadas íntima, média e adventícia normais, associada à presença de polimorfonucleares, células plasmáticas e linfócitos, estão presentes nestes aneurismas. Apesar dos avanços no conhecimento dessa doença, o processo fisiopatológico envolvido na sua formação, atualmente, permanece desconhecido e controverso1,2. O aneurisma do tipo sacular é o mais frequente, estando presente em aproximadamente 80 a 90% dos casos2,3. Estima-se que 0,5% a 6% da população seja portadora de um aneurisma cerebral e, destes, cerca de 15 a 31% apresentam múltiplas lesões4,5. Em famílias com dois ou mais indivíduos afetados, a prevalência chega a 10%3. A ruptura de aneurisma sacular é a maior causa de hemorragia subaracnoidea atraumática, sendo responsável por aproximadamente 85% dos casos6,7. Ela, por sua vez, possui taxa de mortalidade entre 32 e 67% e leva à sequelas físicas por longo prazo entre 10 e 20% dos sobreviventes4. A hemorragia cerebral é fatal em 10 a 15% dos pacientes antes que recebam qualquer atenção médica no ambiente hospitalar, e, aqueles que sobrevivem, frequentemente ficam com algum comprometimento neurológico ou cognitivo8. Se não tratados, esses aneurismas apresentam média de 3,5% de ressangramento a cada ano na Trabalho realizado no Centro de Cirurgia Experimental e Biotério da Universidade de Ciências da Saúde de Alagoas (UNCISAL), Maceió – AL-BR, e no Laboratório de Cirurgia Experimental da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), Petrolina – PE-BR. Parte da Dissertação de conclusão do curso de Pós-Graduação em Ciências Cirúrgicas, nível Mestrado, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 1. Professor Auxiliar de Clínica Cirúrgica da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF),Petrolina - PE-BR; 2. Professor Adjunto de Clínica Cirúrgica da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (UNCISAL), Maceió - AL-BR; 3. Professor Adjunto de Clínica Cirúrgica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre - RS-BR; 4. Professor Assistente de Metodologia Científica da UNCISAL, Maceió - AL-BR; 5. Professora Adjunta de Histologia, Curso de Medicina Veterinária da UNIVASF, Petrolina - PE-BR; 6. Médico Residente de Patologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador - BA-BR; 7. Acadêmicos de Medicina da UNIVASF, Petrolina - PE-BR; 8. Acadêmicos de Medicina Veterinária da UNIVASF, Petrolina - PE-BR. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 130-136 Silva Júnior Modelo experimental estável de aneurisma sacular em artéria carótida de suínos utilizando veia jugular interna primeira década, com mortalidade por ressangramento tardio de 67%9,10. O aneurisma cerebral roto acomete mais frequentemente pacientes entre 55 e 60 anos de idade, sendo raro na infância; quando ocorre nessa faixa etária, geralmente está presente em maiores de dez anos11. Os sintomas mais comuns do aneurisma cerebral são os decorrentes da hemorragia cerebral subaracnoideia causada por sua ruptura. O quadro apresenta-se de maneira súbita, com forte cefaleia, náuseas, vômitos, rigidez de nuca e diminuição do nível de consciência8. Há grande dificuldade em estudar essa enfermidade no que se refere à etiologia, fisiopatologia e tratamento, devido, em parte, à sua extrema raridade em animais, que potencialmente serviriam como modelos experimentais naturais12. Assim, maiores conhecimentos sobre seu comportamento e tratamento dependem da disponibilidade de modelos experimentais de pesquisa que se assemelhem à sua morfologia e fisiologia13,14. Atualmente, os resultados em longo prazo da embolização por via endovascular com molas apresentam graus variados de recanalização pós-tratamento. Dessa forma, o desenvolvimento de novas molas com maior potencial trombótico depende, também, da existência de modelos experimentais15. O objetivo deste estudo foi produzir um modelo experimental estável de aneurisma sacular em artéria carótida comum de suínos utilizando veia jugular interna, com características que possibilitem seu uso no desenvolvimento de dispositivos endovasculares e no treinamento de novos cirurgiões. MÉTODOS Esta pesquisa foi um estudo descritivo para o desenvolvimento de um modelo experimental em animais aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (UNCISAL), Maceió (AL), sob o protocolo no 62-A, e pelo Comitê de Ética em Estudos Humanos e Animais da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), sob protocolo no 03031103. A pesquisa foi feita com 12 suínos da raça Landrace, com idade entre oito e dez semanas, e foi dividida em duas fases. A primeira, consistiu na confecção de um aneurisma na artéria carótida comum direita e foi realizada, inicialmente, no Centro de Cirurgia Experimental e Biotério da UNCISAL, sendo concluída no Laboratório de Cirurgia Experimental da UNIVASF. A segunda fase ocorreu após seis dias no Centro de Cirurgia Experimental e Biotério da UNCISAL para os animais operados inicialmente nessa instituição e, no Hospital Veterinário da UNIVASF, para os animais restantes. Essa segunda fase consistiu na realização de angiografia do aneurisma e sua ressecção para estudo histológico. 131 Em ambas as fases, os animais foram submetidos à anestesia geral antes dos procedimentos cirúrgicos. Aplicou-se medicação pré-anestésica com administração de atropina 0,04mg/kg por via subcutânea e, após dez minutos, ketamina 15mg/kg e midazolam 0,2mg/kg por via intramuscular. Em seguida, a veia marginal da orelha era puncionada com um abocath nº 20 para infusão de solução salina( 0,9%) a 20ml/kg/hora para ser iniciada a indução anestésica. A indução foi feita com thiopental sódico na dose de 12,5mg/kg até a perda do reflexo laringotraqueal. Após a indução, o suíno era entubado com sonda endotraqueal e ventilado com volume corrente de 15ml/kg, com frequência de 12 a 15 incursões respiratórias por minuto. A anestesia inalatória era mantida com isoflurano e ventilação a 100% de O2. Durante o procedimento anestésico, eram avaliados os seguintes parâmetros por monitorização não invasiva: frequência cardíaca, frequência respiratória e pressão arterial sistólica e diastólica. Na primeira fase, o animal foi posicionado em decúbito dorsal e submetido à injeção de 1g de cefalotina por via endovenosa. Em seguida, procedia-se à incisão mediana em face anterior do pescoço, estendendo-se 5cm abaixo da mandíbula até o início do esterno. Após dissecção dos planos musculares, abordava-se a artéria carótida comum e veia jugular interna à direita. Administrou-se heparina não-fracionada 100U/kg por via endovenosa. Procedeu-se à incisão elíptica longitudinal em artéria carótida comum com diâmetro longitudinal igual a 7mm e diâmetro transversal igual a 2mm. A área da abertura arterial foi calculada com base na fórmula de uma elipse: A = p . 3,5 . 1 (A = área; p = 3,14159265; 3,5 = metade do valor do diâmetro longitudinal; 1 = metade do valor do diâmetro transversal), onde o valor foi anotado em mm2 (Figura 1). Em relação à veia jugular interna, fez-se secção transversal com ligadura do coto proximal utilizando fio algodão 3-0. A seguir, foi feita anastomose terminolateral entre coto distal e artéria carótida comum, confeccionando, assim, uma fístula arteriovenosa utilizando fio Figura 1 - Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 130-136 Cálculo da área da arteriotomia e do volume da bolsa venosa. A = área; p = 3,14159265; 3,5 = metade do valor do diâmetro longitudinal; 1 = metade do valor do diâmetro transversal. V = volume; p = 3,14159265; r = raio; H = altura. 132 Silva Júnior Modelo experimental estável de aneurisma sacular em artéria carótida de suínos utilizando veia jugular interna polipropileno 6-0. A seguir, procedeu-se à ligadura da fístula a uma distância tal da anastomose que o valor do volume do aneurisma formado fosse 27 vezes maior que o valor da área da arteriotomia elíptica. O volume do aneurisma foi calculado em mm3, baseado no volume de um cilindro de acordo com a fórmula V = p . r2 . H (V = volume; p = 3,14159265; r = raio; H = altura) (Figura 1). Após este momento, observou-se o preenchimento do aneurisma por sangue, e a cervicotomia foi fechada por planos. A anestesia inalatória foi suspensa, e o suíno foi acordado da anestesia. A variável primária definida foi a frequência de perviedade aneurismática. As variáveis secundárias analisadas foram diâmetro da artéria carótida comum, diâmetro da veia jugular interna, tempo de clampeamento da artéria carótida comum, comprimento da bolsa venosa, volume do saco aneurismático, frequência de hemorragia, de hematoma, de ruptura, de pseudoaneurisma, de infecção, tempo de aparecimento da infecção, frequência de deiscência de sutura da pele, de distúrbio neurológico, de trombose à análise histológica e percentagem da luz aneurismática preenchida por trombos. Para avaliar a frequência de perviedade aneurismática, os suínos foram submetidos à angiografia de controle seis dias após confecção do aneurisma carotídeo. Foi realizada incisão mediana em face anterior do pescoço estendendo-se 5cm abaixo da mandíbula até o início do esterno. Após dissecção dos planos musculares, abordava-se a artéria carótida comum proximalmente, colocava-se um cateter vesical no 6 no lúmen arterial, injetava-se 20ml de contraste iodado, e era feita a angiografia utilizando aparelho simples de radiografia. Após, retiravase a peça em bloco contendo artéria carótida comum e aneurisma para avaliar a frequência de trombose à análise histológica e a percentagem da luz aneurismática preenchida por trombos. A seguir, o suíno era submetido à eutanásia com dose tóxica de thiopental sódicoR a 2,5% em 4mg/kg e pela infusão de um relaxante muscular de longa duração (pancurônio). Os aneurismas eram encaminhados para imersão em parafina e laminação com micrótomo; os cortes eram feitos transversalmente obtendo-se três lâminas de cada aneurisma, uma da porção proximal, outra da porção média e, por último, da porção distal. O corante para execução das lâminas era a hematoxilina-eosina. A análise de cada peça era feita em microscopia óptica pelo mesmo patologista que verificava a existência de trombo e as características histológicas do mesmo. A seguir, era calculada a percentagem da luz aneurismática ocupada pelo trombo. Cada uma das três lâminas de cada aneurisma era fotografada no microscópio (Figura 2). Através da fotografia, utilizando-se o programa ImageJ 1.44, media-se a área da luz aneurismática e a ocupada por trombo na luz aneurismática. Fazendo regra de três, calculava-se a percentagem da área da luz aneurismática preenchida por trombos em cada lâmina. A seguir, somava-se essa percentagem da luz aneurismática ocupada por trombos de Figura 2 - Característica da lâmina histológica do aneurisma. cada uma das três lâminas e obtinha-se um valor que estimou a percentagem da luz aneurismática total preenchida por trombos. Considerou-se que a luz do aneurisma em cada uma das três lâminas representava 33,33% da luz total do aneurisma. Foi utilizado um intervalo de confiança de 95%. Para as variáveis numéricas, foi utilizado o teste t de Student. Para o estudo de correlação entre as variáveis categóricas, foi utilizado o teste de Fisher. O valor de p considerado estatisticamente significativo foi p < 0,05. RESULTADOS Os 12 animais submetidos à confecção do aneurisma sobreviveram ao experimento. Foram utilizados sete fêmeas (58,3%) e cinco machos (41,6%). O peso médio dos animais durante a confecção do aneurisma foi 38,8 ± 5,4kg, e durante a angiografia, 40 ± 6,3kg. Houve um significante ganho de peso no intervalo de tempo entre a confecção do aneurisma e a angiografia (p = 0,04). Não foram observadas complicações maiores, como hemorragia, hematoma, pseudoaneurisma ou distúrbio neurológico. Foram observadas infecções de feridas operatórias em dois animais (16,6%), ambas com início de aparecimento três dias após a operação. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 130-136 Silva Júnior Modelo experimental estável de aneurisma sacular em artéria carótida de suínos utilizando veia jugular interna O tempo médio de confecção do aneurisma foi 130,7 ± sete minutos, e o médio de clampeamento foi 33,8 ± 1,3 minutos (Tabela 1). Foram avaliados o diâmetro da artéria carótida comum e da veia jugular interna, bem como, o comprimento e volume da bolsa venosa (Tabela 1). Em relação à variável primária, foi observado que dez (83%) aneurismas encontravam-se pérvios à angiografia (Figura 3). Trombose aneurismática à angiografia foi evidenciada em dois animais (16,6%), sendo que um deles demonstrava trombos preenchendo parcialmente a luz, e o outro, trombose total. Esses dois animais eram fêmeas. Após análise histológica dos aneurismas, foram detectados trombos ocluindo parcialmente a luz em nove animais (75%). Observou-se que, em média, 9% da luz aneurismática total estava preenchida por trombos; 55,5% dos casos de trombose, nessa análise, ocorreu nas fêmeas, e 44,4%, nos machos. Nos dois animais com trombose à angiografia (100%), a análise histológica evidenciou trombose. Dos nove animais que a possuíam, dois (22,2%) apresentavam trombose na angiografia; eles não apresentaram os maiores percentuais de luz aneurismática com trombose na análise histológica (Tabela 2). Nos nove animais com trombose aneurismática, após análise histológica, os trombos exibiam características de formação recente com aglomerado de hemácias Tabela 1 - 133 sendo permeado por infiltrado mononuclear, configurando trombos recentes. Não foram vistos áreas de organização ou depósito de fibrina (Figura 4). DISCUSSÃO Os modelos experimentais animais têm sido utilizados há décadas, tanto no estudo da história natural dos aneurismas arteriais quanto na avaliação do resultado do tratamento dos mesmos16. Esses modelos tentam reproduzir as características histológicas, geométricas, hemodinâmicas e fisiopatológicas dos aneurismas cerebrais de humanos17. Eles devem ser adequados para estudos hemodinâmicos, estudos patológicos e para avaliar a eficácia de procedimentos terapêuticos18,19. Cinco tipos de animais têm sido usados para construção cirúrgica desses modelos de aneurisma: coelho, rato, ovelha, cachorro e suínos10,12,20-23. Os animais pequenos apresentam desvantagens, como a necessidade, muitas vezes, de microscópio para seu manuseio. Além disso, o local de acesso arterial geralmente é sacrificado ao final de cada angiografia, e a luz estreita dos vasos dificulta o curso dos dispositivos endovasculares que são representados pelo uso simultâneo de múltiplos microcateteres24,25. Média das variáveis secundárias numéricas. Variáveis Média Intervalo de confiança de 95% Limite inferior Tempo de confecção do aneurisma (min) Tempo de clampeamento (min) Diâmetro da artéria carótida comum (mm) Diâmetro da veia jugular interna (mm) Comprimento da bolsa venosa (mm) Volume da bolsa venosa (mm3) Tabela 2 - Distribuição das tromboses. Suíno Trombose à angiografia 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 130,75 33,83 5,33 6,00 12,10 337,5 115,33 30,77 4,83 5,61 10,88 306,04 Limite superior 146,16 36,89 5,82 6,38 13,31 368,95 Luz aneurismática com trombose na análise histológica (%) Total 13,7 19,66 6,23 15,16 3,33 7,93 20,52 20,89 0,67 Parcial Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 130-136 134 Silva Júnior Modelo experimental estável de aneurisma sacular em artéria carótida de suínos utilizando veia jugular interna Figura 3 - Angiografia mostrando aneurisma pérvio. Figura 4 - Aspecto histológico do trombo recente. Nos caninos, o sistema fibrinolítico do sangue é muito ativo quando comparado ao do ser humano. Experimentos têm mostrado que coágulos ocluindo artérias de cães recanalizam em cerca de 12 horas, o que pode ser a explicação para a alta incidência de perviedade desses aneurismas em modelos experimentais. No entanto, essa característica natural torna-se uma desvantagem para o estudo da eficácia de dispositivos endovasculares e torna difícil extrapolar os resultados dos estudos em modelo canino para o tratamento de aneurismas humanos. Isso é particularmente importante em procedimentos que necessitam da trombose sanguínea ao redor de microbalões e molas para oclusão de sacos aneurismáticos. Optou-se por suínos porque possuem sistema fibrinolítico e de coagulação similares aos do ser humano12. Além disso, são fáceis de lidar em laboratório, os vasos do pescoço são maiores, facilitando o manuseio cirúrgico e teste de dispositivos endovasculares, e são eticamente aceitáveis2,13,21. Estudos comparativos demonstraram que os sistemas fibrinolítico e de coagulação de primatas não humanos têm mais similaridade com os de humanos quando comparado com os de cães e suínos. No entanto, a utiliza- ção de primatas em experimentação tem se tornado difícil em função de entraves éticos16. Neste trabalho, não houve superioridade ou diferenças importantes relacionadas ao sexo, havendo concordância com a literatura, que também não relata tais diferenças13. Observou-se ganho significante de peso (p = 0,04) dos suínos no intervalo entre a confecção do aneurisma e a angiografia de controle, fato que pode ser um limitador técnico para pesquisas que necessitem de seguimento em longo prazo. Os animais geneticamente modificados, com crescimento retardado, permitiriam esse seguimento. O baixo custo e o fácil manejo são aspectos importantes na escolha do modelo experimental. No entanto, como se utilizou animais com peso médio de 38,8kg e com seguimento curto, não foram observadas dificuldades importantes nesse aspecto. Neste trabalho, não foi observada nenhuma complicação maior após a confecção do aneurisma, diferente de alguns autores, que mostram índices de até 14,2% de hemorragia13,25. O índice de infecção em ferida operatória (16,6%) foi semelhante aos encontrados em trabalhos que utilizaram cães (11,1%), e considerou-se bom resultado, tendo em vista que os suínos, pela observação do comportamento nas baias, parecem ter menos higiene que os cães26. O diâmetro médio da artéria carótida comum foi 5,3mm, sendo, portanto, compatível com os dispositivos diagnósticos e para embolização utilizados em seres humanos. Encontrou-se 83,4% de perviedade do aneurisma. Ela por tempo prolongado é característica importante na escolha do modelo experimental. Quanto mais tempo o aneurisma experimental se mantém pérvio, possivelmente maior será sua semelhança macro e microscópica com os aneurismas crônicos presentes em humanos. Além disso, há a possibilidade de estudar sua velocidade de crescimento e tempo para ruptura. Outro aspecto importante é a possibilidade de programar-se adequadamente nesse intervalo de tempo, para realizações de embolizações visando ao teste de novas molas e ao treinamento de novos cirurgiões. As técnicas descritas usadas para criação de aneurismas experimentais são variadas27. A maioria dos trabalhos com suínos, que utiliza técnica de anastomose semelhante à esta, usa a veia jugular externa para confecção do aneurisma13,28,29. Em alguns, houve trombose espontânea do aneurisma imediatamente após sua confecção, o que motivou a mudança imediata da técnica para continuação do trabalho28. Em outros, houve índices de até 50% de trombose após 14 dias de seguimento13. Em parte desses trabalhos, o aneurisma foi confeccionado e prontamente embolizado, não havendo estudo em curto ou médio prazo29. Byrne, em 2004, confeccionou fístula entre veia jugular externa e artéria carótida comum de suínos e, após 14 dias, ocluiu-a por via endovascular, for- Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 130-136 Silva Júnior Modelo experimental estável de aneurisma sacular em artéria carótida de suínos utilizando veia jugular interna mando uma bolsa venosa. Nesse experimento, ele observou perviedade do aneurisma em apenas um suíno estudado após 14 dias21. Alguns trabalhos utilizaram técnica de anastomose semelhante a deste estudo, com veia jugular externa em cães, associada à administração diária de ácido acetilsalicílico no pós-operatório, e não observaram trombose após 14 dias de seguimento26. Há relatos utilizando artéria carótida externa e veia jugular externa em associação a ácido acetilsalicílico no pós-operatório com apenas 8% de trombose após quatro semanas25. Parte dos trabalhos na literatura não mostra uma padronização em relação à técnica cirúrgica empregada, tamanho dos aneurismas e tempo de seguimento desses aneurismas, dificultando a análise23,30. Em nossa pesquisa, a análise histológica não demonstrou a trombose total e a quase total vistas em dois aneurismas avaliados pela angiografia. Nesses dois suínos, os trombos eram pequenos após a avaliação histológica. Como esses trombos tinham características histológicas de formação recente, caracterizando-se por aglomerado de hemácias permeado por infiltrado mononuclear, é possível que tenham sido desfeitos facilmente durante os cortes histológicos. Em relação ao aspecto recente dos trombos, houve concordância com a literatura, que mostra organi- 135 zação do trombo somente após cerca de dez a 14 dias após formados15. A avaliação histológica detectou trombos numa quantidade maior de aneurismas que as angiografias, demonstrando maior sensibilidade daquele método em relação ao último. O modelo experimental em suíno utilizado neste estudo demonstrou semelhança anatômica com os aneurismas da circulação cerebral humana. Houve baixo índice de trombose espontânea em até seis dias de seguimento, permitindo seu uso para teste de novos dispositivos terapêuticos endovasculares, bem como, para o treinamento de cirurgiões nesse intervalo de tempo. No entanto, são necessários trabalhos com seguimento por tempo mais prolongado, permitindo, assim, uma avaliação mais precisa da perviedade desses aneurismas. Apesar de a maioria dos trabalhos utilizarem veia jugular externa, nosso modelo mostrou índices de trombose e complicações semelhantes ou até menores que em algumas séries. Acreditamos que, como a via de acesso é a mesma para artéria carótida comum e veia jugular interna, o trauma cirúrgico seja menor, diminuindo o índice de complicações. Concluindo, pôde ser desenvolvido um modelo experimental estável de aneurisma sacular em carótida de suínos utilizando-se veia jugular interna. A B S T R A C T Objective: To develop an experimental model of stable saccular aneurysm in carotid of pigs using the internal jugular vein. Objective Methods: In 12 healthy pigs, weighing between 25 and 50kg, five males and seven females, we made a right common carotid Methods artery aneurysm. After elliptical arteriotomy, we carried out a terminolateral anastomosis with the distal stump of the internal jugular vein. Aneurysm volume was calculated so that the value did not exceed 27 times the area of the arteriotomy. After six days angiography and microscopic examination were performed to assess patency of the aneurysm and the presence of total or partial Results: There was a significant weight gain of pigs in the time interval between the manufacture of the aneurysm and thrombosis. Results angiography (p = 0.04). Aneurysmal patency was observed in ten pigs (83%). Operative wound infections occurred in two animals (16.6%), both with early onset, three days after the making of the aneurysm. Histological analysis showed aneurysm thrombus partially occluding the light in nine pigs (75%). In these animals, it was observed that on average 9% of the aneurysmal diameter was Conclusion: It was possible to develop a stable experimental model of saccular aneurysms in pig carotid artery filled with thrombi. Conclusion by use of the internal jugular vein. words: Aneurysm. Jugular veins. Carotid arteries. Animal experimentation. Pigs. Key words REFERÊNCIAS 1. Wang Z, Kolega J, Hoi Y, Gao L, Swartz DD, Levy EI, et al. Molecular alterations associated with aneurysmal remodeling are localized in the high hemodynamic stress region of a created carotid bifurcation. Neurosurgery. 2009;65(1):169-77; discussion 177-8. 2. Hoh BL, Velat GJ, Wilmer EN, Hosaka K, Fisher RC, Scott EW. A novel murine elastase saccular aneurysm model for studying bone marrow progenitor-derived cell-mediated processes in aneurysm formation. Neurosurgery. 2010;66(3):544-50; discussion 550. 3. Frösen J, Tulamo R, Paetau A, Laaksamo E, Korja M, Laakso A, et al. Saccular intracranial aneurysm: pathology and mechanisms. Acta Neuropathol. 2012;123(6):773-86. 4. Linfante I, Wakhloo AK. Brain aneurysms and arteriovenous malformations: advancements and emerging treatments in endovascular embolization. Stroke. 2007;38(4):1411-7. 5. Lynch JC, Andrade RA. Aneurismas intracranianos múltiplos. Arq Neuro-Psiquiat. 1992;50(1):16-23. 6. Diringer MN. Management of aneurysmal subarachnoid hemorrhage. Crit Care Med. 2009;37(2):432-40. 7. Torii R, Oshima M, Kobayashi T, Takagi K, Tezduyar TE. Fluidstructure interaction modeling of blood flow and cerebral aneurysm: significance of artery and aneurysm shapes. Comput Methods Appl Mech Eng. 2009;198(45-46):3613-21. 8. Bhat AR, Afzalwani M, Kirmani AR. Subarachnoid hemorrhage in Kashmir: causes, risk factors, and outcome. Asian J Neurosurg. 2011;6(2):57-71. 9. Winn HR, Richardson AE, Jane JA. The long-term prognosis in untreated cerebral aneurysms: I. The incidence of late hemorrhage in cerebral aneurysm: a 10-year evaluation of 364 patients. Ann Neurol. 1977;1(4):358-70. 10. Eldawoody H, Shimizu H, Kimura N, Saito A, Nakayama T, Takahashi A, et al. Simplified experimental cerebral aneurysm Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 130-136 136 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. Silva Júnior Modelo experimental estável de aneurisma sacular em artéria carótida de suínos utilizando veia jugular interna model in rats: comprehensive evaluation of induced aneurysms and arterial changes in the circle of Willis. Brain Res. 2009;1300:15968. Biller J, Toffol GJ, Kassell NF, Adams HP Jr, Beck DW, Boarini DJ. Spontaneous subarachnoid hemorrhage in young adults. Neurosurgery. 1987;21(5):664-7. Massoud TF, Guglielmi G, Ji C, Viñuela F, Duckwiler GR. Experimental saccular aneurysms. I. Review of surgically-constructed models and their laboratory applications. Neuroradiology. 1994;36(7):537-46. Erratum in: Neuroradiology. 1995;37(2):176. Guglielmi G, Ji C, Massoud TF, Kurata A, Lownie SP, Viñuela F, et al. Experimental saccular aneurysms. II. A new model in swine. Neuroradiology. 1994;36(7):547-50. Massoud TF, Ji C, Guglielmi G, Viñuela F, Robert J. Experimental models of bifurcation and terminal aneurysms: construction techniques in swine. AJNR Am J Neuroradiol. 1994;15(5):938-44. Ebara M, Yuki I, Murayama Y, Saguchi T, Nien YL, Vinters HV, et al. A rabbit model for efficacy evaluation of endovascular coil materials. Surg Neurol. 2009;72(6):620-7; discussion 627. Argenta R, Pereira AH. Modelos animais de aneurisma de aorta. J vasc bras. 2009;8(2):148-53. de Oliveira IA, Mendes Pereira Caldas JG, Araujo Oliveira H, de Abreu Costa Brito E. Development of a new experimental model of saccular aneurysm by intra-arterial incubation of papain in rabbits. Neuroradiology. 2011;53(11):875-81. Darsaut TE, Bing F, Salazkin I, Gevry G, Raymond J. Testing flow diverters in giant fusiform aneurysms: a new experimental model can show leaks responsible for failures. AJNR Am J Neuroradiol. 2011;32(11):2175-9. Fukui K, Negoro M, Keino H, Yoshida J. Experimental creation of fusiform carotid artery aneurysms using vein grafts in rats. Neurosurgery. 1998;43(6):1419-24; discussion 1424-6. Nishikawa M, Smith RD, Yonekawa Y. Experimental intracranial aneurysms. Surg Neurol. 1977;7(4):241-4. Byrne JV, Hubbard N. A novel two-stage technique for construction of experimental aneurysms. AJNR Am J Neuroradiol. 2004;25(2):319-21. Dai D, Ding YH, Kadirvel R, Lewis DA, Kallmes DF. Experience with microaneurysm formation at the basilar terminus in the rabbit elastase aneurysm model. AJNR Am J Neuroradiol. 2010;31(2):3003. 23. Stehbens WE. Histological changes in chronic experimental aneurysms surgically fashioned in sheep. Pathology. 1997;29(4):374-9. 24. van Alphen HA, Gao YZ, Kamphorst W. An acute experimental model of saccular aneurysms in the rat. Neurol Res. 1990;12(4):2569. 25. Boulos AS, Deshaies EM, Fessler RD, Aketa S, Standard S, Miskolczi L, et al. A triple bifurcation aneurysm model for evaluating complex endovascular therapies in dogs. J Neurosurg. 2005;103(4):739-44. 26. Yapor W, Jafar J, Crowell RM. One-stage construction of giant experimental aneurysms in dogs. Surg Neurol. 1991;36(6):426-30. 27. Mücke T, Hölzle F, Wolff KD, Harders A, Scholz M. Microsurgically induced pure arterial aneurysm model in rats. Cent Eur Neurosurg. 2011;72(1):38-41. 28. Siqueira MG, Rojas RAG, Sturion DJ. Aneurismas experimentais: proposição de nova técnica. Arq Neuro-psiquiatr. 1980;38(1):1823. 29. Arends J, Perkins KD, Zhang J, Polyakov I, Lee E. A new technique for the surgical creation of aneurysms in an in vivo tortuous vessel model to test neurovascular devices. J Invest Surg. 2008;21(1):3945. 30. German WJ, Black SP. Experimental production of carotid aneurysms. N Engl J Med. 1954;250(3):104-6. Recebido em 01/07/2012 Aceito para publicação em 05/08/2012 Conflito de interesse: nenhum Fonte de financiamento: nenhuma. Como citar este artigo: Silva Júnior SL, Pitta GBB, Pereira AH, Castro AA, Matos MHT, Silveira FD, Magalhães LT, Moraes JAHA, Machado EKC, Wanderley CWS, Silva CMS, Santos LP, Nogueira JNT. Modelo experimental estável de aneurisma sacular em artéria carótida de suínos utilizando veia jugular interna. Rev Col Bras Cir. [periódico na Internet] 2013;40(2). Disponível em URL: http://www.scielo.br/rcbc Endereço para correspondência: Severino Lourenço da Silva Júnior E-mail: [email protected] Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 130-136 Burlamaqui Repercussão hepática da carcinogênese colorretal induzida pelo azoximetano 137 Artigo Original Repercussão hepática da carcinogênese colorretal induzida pelo azoximetano Hepatic repercussions of azoxymethane-induced colorectal carcinogenesis IDÁLIA MARIA BRASIL BURLAMAQUI, UFC-CE*,1; CONCEIÇÃO APARECIDA DORNELAS2; PAULO ROBERTO CARVALHO ALMEIDA2; FRANCISCO VAGNALDO FECHINE JAMACARU3; DANIEL MAGALHÃES COUTINHO MOTA4; FRANCISCO JOSÉ CABRAL MESQUITA4; LARA ALBUQUERQUE DE BRITO5; LARA BURLAMAQUI VERAS6; LUSMAR VERAS RODRIGUES7 R E S U M O Objetivo Objetivo: Avaliar as repercussões hepáticas da carcinogênese colônica induzida por diferentes doses e tempos de exposição ao azoximetano em ratos Wistar. Métodos Métodos: Quarenta e quatro ratos foram distribuídos em quatro grupos. Os animais tinham oito semanas no início do experimento. No grupo 1, receberam 1.0mL de solução salina intraperitonealmente uma vez por semana por duas semanas. No grupo 2, receberam 15 mg/kg de azoximetano intraperitonealmente uma vez por semana por duas semanas. Esses animais foram mortos na 15ª semana do experimento. Os animais do grupo 3 receberam solução salina intraperitonealmente uma vez por semana por duas semanas. Os animais do grupo 4 receberam 20mg/kg de azoximetano intraperitonealmente uma vez por semana por duas semanas. Esses animais foram mortos na 26ª semana do experimento. Os fragmentos de tecido hepático foram corados pela hematoxilina e eosina e avaliadas microscopicamente. Resultados Resultados: Grupo 1 e grupo 2 diferiram significantemente em relação a esteatose, mas não houve diferença entre o grupo 3 e o grupo 4. No entanto, no grupo 4 foram observadas lesões pré-neoplásicas (focos de células alteradas, claras, vacuoladas, basofílicas, anfofílicas, tigróides, oncocíticas, pequenas ou acidófilas, espongioses e pelioses) e lesões neoplásicas (colangiomas e adenomas) contendo hepatócitos atípicos de permeio, não identificados no grupo 3. Conclusão: No modelo de carcinogênese colorretal, lesões hepáticas pré-neoplásicas e neoplásicas aparecem e evoluem na proporção do tempo e dose de exposição ao azoximetano. Descritores: Neoplasias do colo. Neoplasias colorretais. Marcadores biológicos de tumor. Azoximetano. Fígado gorduroso. INTRODUÇÃO O câncer colorretal (CCR) está entre os tipos mais frequentes de neoplasias malignas. É a terceira causa mais comum de câncer no mundo, em ambos os sexos, o quarto tipo mais frequente no sexo masculino e o terceiro entre mulheres1. Representa a quarta neoplasia mais diagnosticada nos Estados Unidos, com 178.000 casos novos ao ano e mortalidade em torno de 47 para cada 100.000 habitantes2. A causa é resultado de uma complexa interação de variáveis externas, como agentes ambientais, dietéticos e fatores internos de natureza somática ou hereditária3. Quando detectado em estágios mais precoces, ele apresenta maiores chances de cura e sobrevida4. Considerando a relevância da doença neoplásica, além da necessidade de entender a fisiopatologia do surgimento das lesões precoces, utilizam-se diversos modelos de carcinogênese colorretal5,6. O modelo de Bird promove a carcinogênese por 1,2 dimetilhidrazina (DMH) ou azoximetano (AOM) e avalia a formação de criptas aberrantes em mucosa cólica de roedores, sendo amplamente utilizado em pesquisas experimentais. As lesões induzidas por AOM, mutações K-ras, APC e p53, são de modo semelhante ao CCR em humanos e também podem ser encontradas em outros órgãos, como fígado, intestino delgado e peritônio7-9. São poucos os trabalhos sobre lesões hepáticas causadas pelo AOM10,11 durante a carcinogênese colorretal provocada no modelo de Bird12-16. Este Trabalho foi realizado no Laboratório de Cirurgia Experimental (LABCEX) do Programa de Pós-Graduação em Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, Brasil. 1. Aluna do Curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Ceará - Fortaleza -CE-BR; 2. Professor Adjunto do Departamento de Patologia e Medicina Legal da Universidade Federal do Ceará – Fortaleza -CE-BR; 3. Professor Visitante do Departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Ceará – Fortaleza -CE-BR; 4. Residente da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará – Fortaleza -CE-BR; 5. Aluno da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará – Fortaleza -CE-BR; 6. Aluno da Faculdade de Medicina de Juazeiro- Juazeiro do Norte- CE- BR; 7. Professor Associado do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal do Ceará – Fortaleza -CEBR. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 137-141 Burlamaqui Repercussão hepática da carcinogênese colorretal induzida pelo azoximetano 138 O objetivo desse estudo é avaliar a relação entre a dose e o tempo de exposição do azoximetano sobre as repercussões hepáticas durante a carcinogênese cólica em ratos. MÉTODOS A pesquisa foi realizada após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisas Animais da Universidade Federal do Ceará (CEPA/UFC) sob número de protocolo 09 do dia 03/02/2009 e de acordo com as Normas Internacionais para Pesquisa Biomédica em Animais. Foram utilizados 44 ratos (Rattus norvegicus albinus, Rodentia mammalia, Muridae) da linhagem Wistar, machos, provenientes do Biotério Central da Universidade Federal do Ceará, com oito semanas de vida e peso médio de 180g. Os animais foram mantidos em gaiolas individuais de polipropileno com tampa de arame galvanizado com zinco, forradas com maravalhas no laboratório de Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Permaneceram alojados em condições adequadas, umidade relativa do ar em torno de 50%, e temperatura média de 25ºC, ciclo claro e escuro de 12/12 horas e ventilação adequadas. Receberam água e ração ad libitum. Os animais foram identificados, pesados e distribuídos aleatoriamente em quatro grupos. Após o desmame, foram alimentados com dieta padrão da Biobase Biotec Ratos e Camundongos composta de 59% de carboidratos (CHO), 29% de proteínas (PTN) e 12% de lipídios (LIP) (Figura 1). Os grupos foram assim compostos: Grupo 1 – (G1) grupo controle com ratos não expostos ao AOM (n=9): os animais receberam injeção de 1.0 ml de solução salina 0,9% estéril, intraperitoneal, uma vez por semana por duas semanas e foram mortos na 15ª semana após injeção de solução salina; Grupo 2 – (G2) grupo estudo com ratos expostos ao AOM 15 mg/kg (n=9): os animais receberam injeção de AOM 15 mg/kg, intraperitoneal uma vez por semana por duas semanas e foram mortos na 15ª semana após injeção de AOM; Grupo 3 – (G3) grupo controle com ratos não expostos ao AOM (n=14): os animais receberam injeção de 1.0 ml de solução salina 0,9% estéril, intraperitoneal uma vez por semana por duas semanas e foram mortos na 26ª semana após injeção de solução salina; Grupo 4 – (G4) grupo estudo com ratos expostos ao AOM 20 mg/kg (n=12): os animais receberam injeção de AOM 20 mg/kg, intraperitoneal uma vez por semana por duas semanas e foram mortos na 26ª semana após injeção de AOM. Na 15ª semana (grupos 1 e 2) e na 26ª semana (grupos 3 e 4) após as primeiras injeções, os animais foram anestesiados com 80 mg/Kg ketamina e 8 mg/Kg xylazina intraperitoneal e posicionados em decúbito dorsal para início do ato operatório. Foram submetidos à laparotomia por incisão mediana xifopubiana com exposição da cavidade peritoneal para protocolectomia e hepatectomia total. Estes órgãos foram medidos, pesados e avaliados quanto à presença de lesões macroscópicas. Amostras de lóbulos de fígado foram clivadas e encaminhadas para estudo histopatológico de rotina. O colo foi aberto na borda antimesocólica, lavado com solução salina e estendido em papel tipo kraft, dobrado em seu eixo de forma concêntrica e imerso em solução de formalina a 10% para fixação e estudos posteriores. Em seguida, os animais foram mortos por choque hipovolêmico, após secção da aorta abdominal. Todos os órgãos foram clivados sendo retirados dois fragmentos de fígado (lobo lateral direito e esquerdo) bem como as lesões observadas na macroscopia. Os tecidos foram fixados em formol 10% tamponado, por 24 horas e a seguir levado para processamento histotécnico. Após emblocamento em parafina foram feitos cortes com 5µm de espessura e corados pela hematoxilina e eosina (H/E). As variáveis do estudo são nominais. Utilizou-se o teste de qui-quadrado para comparação de amostras nãopareadas em tabelas de contigência 2 x 2, comparando-se os grupos 1 e 2 e os grupos 3 e 4 quanto à presença de esteatose hepática. O nível de significância foi de 5%, sendo estatisticamente significante o valor de ñ < 0.05. RESULTADOS O exame histopatológico do fígado evidenciou esteatose leve em todos os grupos. Ela foi menos incidente no grupo 1, no qual os animais eram mais jovens e não receberam AOM. Os grupos 1 e 2 diferiram significantemente (x2 = 7.54, r = 0.011) com relação à esteatose hepática na eutanásia (15 semanas após a injeção de solução salina e AOM 15 mg/kg, respectivamente) (Tabelas 1 e 2). Os grupos 3 e 4 não diferiram (x2 = 2.08, r = 0.216) com relação à esteatose hepática na eutanásia (26 semanas após a injeção de solução salina e AOM 20 mg/kg, respectivamente) (Tabelas 1 e 3). As lesões prémalignas e neoplásicas, entretanto foram observadas apenas nos ratos do grupo 4 que receberam maior dose de AOM (20 mg/kg). Das lesões prémalignas, a de maior incidência foram as células anfofílicas vistas em seis animais do grupo 4 (Figuras 1 e 2). As lesões neoplásicas mais frequentes foram os colangiomas e adenomas. Foi observado um caso de carcinoma in situ e um de hepatocarcinoma. A espongiose e peliose também foram frequentes neste grupo. DISCUSSÃO O foco de cripta aberrante, lesão pré-neoplásica da mucosa cólica, foi inicialmente descrito por Bird7. Apre- Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 137-141 Burlamaqui Repercussão hepática da carcinogênese colorretal induzida pelo azoximetano Tabela 1 - 139 Lesões hepáticas por azoximetano. Lesões Grupos G1 Esteatose Lesões pré- malignas Leve Moderada Severa Clara Vacuolada Basofílica Intermediária Anfofílica Tigróide Oncocítica 4 G2 G3 G4 8 2 7 1 9 1 1 2 2 1 1 Espongiose Peliose Colangioma Adenoma Carcinoma in situ Hepatocarcinoma 6 1 2 7 5 6 3 1 1 senta como característica ser induzido por agente carcinogênico específico de modo dose-dependente e é visto na mucosa cólica precocemente, de duas a quatro semanas após a dose de iniciação. O tamanho e multiplicidade das criptas aumentam com o tempo e características como proliferação e displasia predizem o desfecho tumoral6-9. O AOM é um metabólito da DMH, cujo mecanismo de indução de lesões pré-neoplásicas é atribuído ao aumento da expressão do gene c-fos e à diminuição do gene c-myc, assim como à mutação do gene K-ras, alterações similares àquelas observadas na carcinogênese espontânea em humanos17,18. Este é geralmente preferido Tabela 2 - Figura 1 - Espongiose – HE 10x. Figura 2 - Colangioma cístico - HE 10x. em relação ao DMH por ser mais potente e requerer poucas reações para sua ativação. É ativado no fígado por N-oxidação, gerando compostos reativos essenciais para a Esteatose hepática nos grupos 1 e 2. Lesões hepáticas Grupos Sem esteatose (%) Com esteatose (%) Total (%) 5 (55,6) 0 (0) 5 (26,3) 4 (44,4) 10 (100) 14 (73,7) 9 (100) 10 (100) 19 (100) Com esteatose (%) Total (%) Grupo 1 Grupo 2 Total X2 = 7.54, r = 0.011 - corrigido pelo teste de Fisher. Tabela 3 - Esteatose hepática nos grupos 3 e 4. Lesões hepáticas Sem esteatose (%) Grupos Grupo 3 Grupo 4 Total 6 (42,9) 2 (16,7) 8 (30,8) X2 = 2.08, r = 0.216 - corrigido pelo teste de Fisher. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 137-141 8 10 18 (57,1) (83,3) (69,2) 14 (100) 12 (100) 26 (100) Burlamaqui Repercussão hepática da carcinogênese colorretal induzida pelo azoximetano 140 carcinogênese química (metilazoximetanol e íon metil diazóxido) sendo levados ao colo pela corrente sanguínea ou via biliar como glucoronídeo conjugado. Após ativação, o DNA é metilado principalmente nas posições N7- guanina e O6 - guanina19. No presente estudo, as lesões pré-neoplásicas aparecem no fígado e evoluem proporcionalmente à dose e ao tempo de exposição do carcinógeno. O AOM causa proliferação de hepatócitos. Estes são considerados ainda pré-neoplásicos, pois não parecem ter nenhum grau de crescimento autônomo, designado por focos e nódulos de hepatócitos alterados. Três linhagens hepatocíticas podem ser identificadas durante a evolução dos testes para tumores hepáticos em roedores: glicogenólica-basofílica, anfofílica-basofílica e xenomórficabasofílica20,21. As lesões pré-neoplásicas (focos de células alteradas, claras, vacuoladas, basofílicas, anfofílicas, tigróides, oncocíticas, pequenas e acidófilas, espongiose e peliose) e neoplásicas (colangioma e adenoma) podem ser distintas do tecido não-transformado ao seu redor por alterações na expressão de várias enzimas, incluindo a adenosina trifosfatase (ATPase), glicose-6-fosfatase, g-glutamiltranspeptidase (gGT) e glutationa S-transferase forma placentária (GST-P), estas são comumente utilizadas como marcadores da doença maligna22-24. Esteatose foi vista mais frequentemente no grupo 2 do que no grupo 1. No entanto, a diferença entre o grupo 3 e 4 não foi significante. Por outro lado, animais do grupo 4 apresentaram lesões pré-neolásicas e neoplásicas, possivelmente devido ao maior tempo de exposição ao AOM (11 semanas a mais). Estudos morfométricos mostraram que focos de células vacuoladas (células de gordura) podem se desenvolver de células de glicogênio e progressivamente evoluir para células mistas e neoplasia maligna hepática22. Comparando os grupos 1 (15 semanas) e 3 (26 semanas), a esteatose foi mais evidente no último, onde a única variável foi o tempo (11 semanas). O fígado de animais senis pode apresentar degeneração, com áreas de esteatose, células mais claras, vacuolizadas e abalonadas, núcleos mais volumosos e de forma irregular25. Neste estudo, o AOM causou lesões hepáticas pré-neoplásicas e neoplásicas proporcionalmente de acordo com a dose e o tempo de exposição, semelhante aos achados de Bird na carcinogênese colorretal. No entanto, tornam-se necessários mais estudos para fortalecer esses achados. Em conclusão, no modelo de carcinogênese colorretal envolvendo ratos, as lesões pré-neoplásicas e neoplásicas hepáticas aparecem e evoluem proporcionalmente ao tempo de exposição e à dose utilizada do AOM. A B S T R A C T Objective: To evaluate the hepatic effects of colonic carcinogenesis induced by azoxymethane at different doses and times of Objective Methods: Forty-four Wistar rats were divided into four groups. The animals were eight weeks at the beginning exposure in rats. Methods of the experiment. group 1 received 1.0ml of saline intraperitoneally once a week for two weeks. Group 2 received 15 mg/kg of azoxymethane intraperitoneally once a week for two weeks. These animals were killed at the 15th week of the experiment. The animals of group 3 received saline intraperitoneally once a week for two weeks. Group 4 animals received 20mg/kg of azoxymethane intraperitoneally once a week for two weeks. These animals were killed at the 26th week of the experiment. The fragments of liver Results: Groups 1 and 2 differed significantly in tissue were stained with hematoxylin and eosin and evaluated microscopically. Results relation to steatosis, no difference having been found between group 3 and group 4. However, in group 4 we observed preneoplastic lesions (foci of altered, clear, vacuolated, basophilic, amphophilic tigroid, oncocytic, small or acidophilus cells, spongiosis and peliosis) and neoplastic lesions (adenomas and colangiomas) containing atypical hepatocytes in between, not identified in group 3. Conclusion Conclusion: In the model of colorectal carcinogenesis, preneoplastic and neoplastic hepatic lesions appear and evolve in proportion to the time of exposure and dose of azoxymethane. words: Cervical neoplasms. Colorectal neoplasms. Biological markers of tumor. Azoxymethane. Fatty liver. Key words REFERÊNCIAS 1. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer (INCa). Estimativa 2010: incidência de câncer no Brasil [Internet]. Rio de Janeiro: INCa, 2009. [citado 20 ago 2012]. 98p. Disponível em: http://www.inca.gov.br/estimativa/2010/estimativa20091201.pdf 2. Horner MJ, Ries LAG, Krapcho M, Neymar N, Aminou R, Howlader N, et al. Cancer statistics review 1975-2009 (Vintage 2009 population) [Internet]. Bethesda (MD): National Cancer Institute; 2009 [Update 2012 Aug 20]. Disponível em: hppt://seer.cancer.gov/ scr/1975_2006/ 3. Santos Jr JCM. Câncer ano-reto-cólico: aspectos atuais II - câncer colorretal – fatores de riscos e prevenção. Rev Bras Coloproctol. 2007;27(4):459-73. 4. Castro LS, Corrêa JHS, editores. Tratamento Cirúrgico do câncer gastrointestinal. Rio de Janeiro: Leonaldson dos Santos Castro; 2005. 5. Fearon ER, Vogelstein B. A genetic model for colorectal tumorigenesis. Cell. 1990;61(5):759-67. 6. Bird RP. Role of aberrant crypt foci in understanding the pathogenesis of colon cancer. Cancer Lett. 1995;93(1):55-71. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 137-141 Burlamaqui Repercussão hepática da carcinogênese colorretal induzida pelo azoximetano 7. Bird RP. Observation and quantification of aberrant crypts in the murine colon treated with a colon carcinogen: preliminary findings. Cancer Lett. 1987;37(2):147-51. 8. Roncucci L, Pedroni M, Vaccina F, Benatti P, Marzona L, De Pol A. Aberrant crypt foci in colorectal carcinogenesis. Cell and crypt dynamics. Cell Prolif. 2000;33(1):1-18. 9. Bird RP, Good CK. The significance of aberrant crypt foci in understanding the pathogenesis of colon cancer. Toxicol Lett. 2000;112-113:395-402. 10. Matsuda Y, Toda M, Kato T, Kuribayashi K, Kakimi K. Fulminant liver failure triggered by therapeutic antibody treatment in a mouse model. Int J Oncol. 2006;29(5):1119-25. 11. Bémeur C, Desjardins P, Butterworth RF. Antioxidant and antiinflammatory effects of mild hypothermia in the attenuation of liver injury due to azoxymethane toxicity in the mouse. Metab Brain Dis. 2010;25(1):23-9. 12. Bannasch P, Enzmann H, Klimek F, Weber E, Zerban H. Significance of sequential cellular changes inside and outside foci of altered hepatocytes during hepatocarcinogenesis. Toxicol Pathol. 1989;17(4 Pt 1):617-28. 13. Bannasch P, Zerban H. Predictive value of hepatic preneoplastic lesions as indicators of carcinogenic response. IARC Sci Publ. 1992;(116):389-427. 14. Bannasch P. Hormonal and hormone-like effects eliciting hepatocarcinogenesis. Folia Histochem Cytobiol. 2001;39 Suppl 2:28-9. 15. Nozaki T, Fujihara H, Watanabe M, Tsutsumi M, Nakamoto K, Kusuoka O, et al. Parp-1 deficiency implicated in colon and liver tumorigenesis induced by azoxymethane. Cancer Sci. 2003;94(6):497-500. 16. Nishihara T, Baba M, Matsuda M, Inoue M, Nishizawa Y, Fukuhara A, et al. Adiponectin deficiency enhances colorectal carcinogenesis and liver tumor formation induced by azoxymethane in mice. World J Gastroenterol. 2008;14(42):6473-80. 17. Stopera SA, Davie JR, Bird RP. Colonic aberrant crypt foci are associated with increased expression of c-fos: the possible role of modified c-fos expression in preneoplastic lesions in colon cancer. Carcinogenesis. 1992;13(4):573-8. 18. Caderni G, Femia AP, Giannini A, Favuzza A, Luceri C, Salvadori M, et al. Identification of mucin-depleted foci in the unsectioned colon of azoxymethane-treated rats: correlation with carcinogenesis. Cancer Res. 2003;63(10):2388-92. 141 19. Fiala ES. Investigations into the metabolism and mode of action of the colon carcinogens 1,2-dimethylhydrazine and azoxymethane. Cancer. 1977;40(5 Suppl):2436-45. 20. Bannasch P, Nehrbass D, Kopp-Schneider A. Significance of hepatic preneoplasia for cancer chemoprevention. IARC Sci Publ. 2001;154:223-40. 21. Bannasch P, Haertel T, Su Q. Significance of hepatic preneoplasia in risk identification and early detection of neoplasia. Toxicol Pathol. 2003;31(1):134-9. 22. Bannasch P, Zerban H. Tumor of the liver. In: Turosov VS, Mohr U, editors. Pathology of tumor in laboratory animals. Lyons: IARC; 1990. p. 199-240. 23. Dragan YP, Campbell HA, Xu XH, Pitot HC. Quantitative stereological studies of a ‘selection’ protocol of hepatocarcinogenesis following initiation in neonatal male and female rats. Carcinogenesis. 1997;18(1):149-58. 24. Ito N, Imaida K, Asamoto M, Shirai T. Early detection of carcinogenic substances and modifiers in rats. Mutat Res. 2000;462(2-3):20917. 25. Gaglianone MC, Silva Netto CR, Sala MA, Lopes RA, Campos GM, Petenusci SO. Estudo morfológico do fígado de ratos durante o envelhecimento. Rev Esc Farm Odontol Alfenas. 1991;(13):91-100. Recebido em 15/06/2012 Aceito para publicação em 12/08/2012 Conflito de interesse: nenhum Fonte de financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); Cirurgia Programa de pós-graduação da Universidade Federal do Ceará e do Laboratório de Cirurgia Experimental (LABCEX), Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Medicina. Como citar este artigo: Burlamaqui IMB, Dornelas CA, Almeida PRC, Jamacaru FVF, Mota DMC, Mesquita FJC, Brito LA, Veras LB, Rodrigues LV. Repercussão hepática do azoximetano no modelo de carcinogênese colorretal. Rev Col Bras Cir. [periódico na Internet] 2013;40(2). Disponível em URL: http://www.scielo.br/rcbc Endereço para correspondência: Idália Maria Brasil Burlamaqui E-mail: [email protected] Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 137-141 Edelmuth Cirurgia para controle de danos:Revisão estado atual 142 Cirurgia para controle de danos: estado atual Damage control surgery: an update RODRIGO CAMARGO LEÃO EDELMUTH1; YURI DOS SANTOS BUSCARIOLLI2; MARCELO AUGUSTO FONTENELLE RIBEIRO JUNIOR, TCBC-SP3 R E S U M O A cirurgia de controle de danos é um conceito amplamente aceito atualmente entre os especialistas em trauma abdominal quando se trata de doentes gravemente traumatizados. Nestes pacientes a morte decorre, na maioria das vezes, da instalação da tríade letal (hipotermia, coagulopatia e acidose) e não da incapacidade de reparar as graves lesões presentes. Nesta revisão, os autores abordam a tríade letal, em suas três fases, e enfatizam as medidas adotadas para preveni-las. Além de discutirem a indicação e o emprego da cirurgia para o controle de danos em seus vários estágios. A restauração dos padrões fisiológicos do doente na UTI, para que o mesmo possa ser submetido à operação definitiva e ao fechamento da cavidade abdominal, outro desafio no paciente traumatizado grave, também é discutida. Descritores: Pacientes. Ferimentos e lesões. Terapêutica. Procedimentos cirúrgicos operatórios. Controle. INTRODUÇÃO O termo “controle de danos” tem origem na marinha norte-americana e se refere à capacidade dos navios militares de absorverem impacto e manterem sua integridade ao longo da missão. A utilização desse termo na medicina é voltada para a estratégia cirúrgica na qual reduz-se o tempo de cirurgia e sacrifica-se o reparo imediato de todas as lesões a fim de restaurar os parâmetros fisiológicos e não anatômicos no paciente instável. As técnicas utilizadas visam, prioritariamente, a controlar hemorragias, infecções e/ou vazamentos intestinais, biliares ou vesicais. Esse método consiste, portanto, em controlar de maneira não definitiva as lesões do doente e também é conhecido como laparotomia abreviada1-3. Inicialmente essa abordagem foi utilizada em pacientes moribundos e vítimas de trauma, em especial nos traumas abdominais. Entretanto, esse método já é utilizado atualmente no tratamento de lesões torácicas, ortopédicas e vasculares de extremidades. Além disso, vem ganhando espaço em cenários não traumáticos, no qual o doente se encontra com acentuada instabilidade clínica e parâmetros fisiológicos bastante alterados, a ponto de impedir que a operação seja realizada até o fim3-7. A ideia de controlar os danos de maneira temporária tem início no começo do Século 20, quando Pringle propôs a utilização de compressas na cavidade abdominal para tamponamento de hemorragias hepáticas. Em 1913, Halsted utilizou faixas de borracha juntamente com compressas, e essa técnica foi utilizada durante a Segunda Guerra Mundial. No Brasil, há relatos do uso de “mechas de gaze asséptica” para hemostasia de lesão hepática grave em 19065. Entretanto, foi somente no final do século que essa abordagem ganhou força. Em 1983, Stone et al.8 demonstraram que a taxa de mortalidade em pacientes exsanguinantes com coagulopatias caíra de 98% para 35% com o emprego da laparotomia abreviada. Isso foi observado com o seguinte modelo de abordagem: laparotomia inicial com colocação de compressas intra-abdominais para conter hemorragia, ligadura de vasos e ressecção intestinal rápida sem anastomose ou formação de estomas. A operação era prontamente interrompida, uma vez que o paciente apresentasse coagulopatia. O reparo cirúrgico definitivo era realizado em um segundo momento, com o paciente estável e com sua coagulopatia corrigida. Dez anos após, em 1993, Rotondo et al.9 introduziram o termo “controle de danos”. MÉTODOS Foi realizada uma revisão da literatura no do banco de dados da MEDLINE. Foram encontrados 179 artigos com os seguintes limites de busca no PUBMED: termo 1. Médico pesquisador do serviço de Cirurgia Geral do Hospital do Servidor Público Estadual – IAMSPE; 2. Médico pesquisador do grupo de Transplante e Cirurgia do Fígado do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – HC-FMUSP; 3. Professor Titular, chefe da Disciplina de Cirurgia Geral e do Núcleo de Clínica Cirúrgica e Coordenador do Curso de Medicina da Universidade de Santo Amaro – UNISA. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 142-151 Edelmuth Cirurgia para controle de danos: estado atual 143 damage control no título, artigos publicados nos últimos dez anos, em inglês ou português, e somente em humanos. Além disso, buscamos nas referências dos artigos selecionados, outros trabalhos relevantes para essa revisão, assim como sugestão de especialistas na área. Através de nossos critérios de inclusão selecionamos um total de 42 artigos, que foram utilizados como base para a realização desta revisão. Tríade letal Burch et al.10 descreveram esse ciclo vicioso no qual há um desarranjo metabólico importante que leva à exaustão fisiológica. A taxa de hemorragia secundária, a coagulopatia, cresce para 40% quando associada à hipotensão, para 50% quando há hipotermia e para 60% na presença de acidose. Podendo chegar à exorbitante taxa de 98% na presença de toda a tríade letal11. Hipotermia É comum nos pacientes vítimas de trauma, em conseqüência de acentuada perda sanguínea, exposição do doente, reanimação com fluidos não aquecidos ou perda da capacidade de termorregulação em pacientes intoxicados ou com danos neurológicos. Esses fatos acarretam a hipoperfusão tecidual resultante da vasoconstrição periférica, que tem início a partir de uma intensa descarga simpática. A redução na oferta de oxigênio e a conversão do metabolismo aeróbico em anaeróbico culminam em acidose metabólica. A hipotermia torna-se, clinicamente, importante quando a temperatura corpórea está abaixo de 36oC por mais de quatro horas, e uma temperatura abaixo de 35oC está relacionada com um pior prognóstico. Há relatos evidenciando mortalidade de 100% em pacientes com temperatura abaixo de 32oC1,2,12. A hipotermia pode causar arritmias ventriculares, diminuição da pós-carga, maior resistência vascular periférica e desvio da curva de dissociação de oxigênio para a esquerda. Há também correlações de hipotermia com supressão do sistema imune. Acidose metabólica A acidose é um preditor importante da gravidade de lesão abdominal e de prognóstico do paciente. Um pH baixo por tempo prolongado é sinal de prognóstico ruim e pH < 7,2 está relacionado com alta mortalidade1. A acidose metabólica agrava o quadro de coagulopatia pela inativação de fatores de coagulação pHdependentes2. Além disso, a acidose pode sobrecarregar o sistema respiratório na tentativa de realizar uma alcalose respiratória compensatória. Essa alteração também pode levar à diminuição da contratilidade miocárdica e reduzir a pós-carga. Múltiplas transfusões sanguíneas, clampeamento da aorta e função miocárdica reduzida também contribuem para a piora da acidose. Coagulopatia A maioria dos pacientes politraumatizados encontra-se em um estado de hipercoagulabilidade ou com parâmetros de coagulação pouco alterados. Entretanto, os 10% restantes, são doentes com hipocoagulabilidade e com pior prognóstico. Anormalidades de coagulação após o trauma são fatores independentes de alta mortalidade. Um tempo de protrombina (TP) anormal inicial aumenta o risco de morte em 35%, enquanto um tempo anormal de tromboplastina parcial ativada (TTPa) aumenta esse risco em 326%1,13. Moore et al.14 descreveram que coagulopatia grave (TP > duas vezes seu valor normal e TTPa > duas vezes seu valor normal) é um importante preditor de morte. A hipotermia é um importante fator no desenvolvimento do distúrbio de coagulação, porque: inibe a interação do fator de von Willebrand com as glicoproteínas plaquetárias, ocasionando disfunção plaquetária; inativa os fatores de coagulação temperatura-dependentes; induz alterações no sistema fibrinolítico e gera anormalidades endoteliais. Em temperaturas menores que 35oC, os fatores de coagulação entram em um estado de hipometabolismo agravando o quadro clínico1,2. A administração excessiva de fluidos, na tentativa de reposição volêmica no paciente instável, é uma importante causa de coagulopatia devido à hemodiluição que decorre tanto da infusão acentuada de cristaloides quanto das transfusões sanguíneas1,2,15. A hemodiluição e a hipotermia são os fatores evitáveis mais frequentes e, portanto, o médico deve estar sempre atento em manter o paciente aquecido com mantas térmicas, fluídos aquecidos e evitar a desnecessária infusão fluídos1. Estágios da cirurgia para controle de danos A cirurgia de controle de danos pode ser dividida em cinco estágios: seleção do paciente, operação abreviada, correção dos parâmetros fisiológicos na UTI, reoperação programada e fechamento da parede abdominal. Entretanto alguns autores, como Parreira5 e Rotondo16, não consideram a seleção de paciente e o fechamento da parede abdominal como estágios isolados e, portanto, dividem a cirurgia de controle de danos em três momentos. Seleção do paciente Não há consenso absoluto quanto aos critérios que devem ser utilizados para a realização da cirurgia de controle de danos. Entretanto, não há dúvida de que essa escolha deve ser tomada precocemente. Além disso, é imprescindível que haja disponibilidade de vagas em UTI, equipe técnica qualificada e centros cirúrgicos especializados, ou que pelo menos tenham supervisão cirúrgica contínua5. O cirurgião deve ficar atento aos sinais e sintomas do paciente e evitar alterações fisiológicas limítrofes, pois essas podem representar a perda do momento ideal para a realização da cirurgia de controle de Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 142-151 Edelmuth Cirurgia para controle de danos: estado atual 144 Sabe-se que a tomada de decisão no momento adequado e para os pacientes que têm indicação não só é fundamental, como também decisiva para o sucesso dessa abordagem. Um estudo retrospectivo com 532 pacientes demonstrou uma correlação direta entre a diminuição de laparotomias abreviadas em um período de dois anos, de 36,3% para 8,8% e uma queda significativa na mortalidade e redução da utilização de recursos e custos hospitalares. Esse resultado corrobora a ideia da necessidade de critérios rígidos para a indicação da operação20. Em suma, não há critérios bem estabelecidos para indicação da cirurgia de controle de danos e, portanto, o cirurgião deve avaliar o cenário completo, tendo em mente todos os dados fisiológicos do doente, a gravidades de suas lesões e o mecanismo de trauma. Pelas experiências ruins, muitos cirurgiões experientes aprenderam que é melhor recuar do que presenciar o paciente atingir seu limite fisiológico17. Muitas vezes essa decisão é tomada antes mesmo de o paciente entrar no centro cirúrgico. Os principais critérios podem ser vistos na tabela 21,15,16,19, 21-25. danos. A instabilidade hemodinâmica manifestada pela hipotensão, taquicardia, taquipneia e alteração do estado de consciência devem alertar o médico para a potencial necessidade de realizar a laparotomia abreviada. Doentes que apresentem coagulopatia e/ou hipotermia são prováveis candidatos a essa abordagem. Alguns autores também propõem que essa decisão seja baseada na magnitude das lesões e no mecanismo do trauma. Vitimas de lesões vasculares abdominais importantes, lesões múltiplas de órgãos e com hemorragias multifocais em diferentes cavidades também devem ser considerados para esse tipo de abordagem16-18. Em 2002, Parreira et al.19 descreveram um sistema de indicação baseado na probabilidade de hemorragia letal e se utilizam dessas informações para interromper a operação no doente grave, fornecendo assim dados objetivos para a indicação da laparotomia abreviada (Tabela 1). Kairinos et al.12 propuseram critérios matemáticos que visam a estimar a mortalidade do doente e, assim, auxiliar o raciocínio clínico do cirurgião. A equação proposta, X= [(0,012).idade] – [(0,707).pH] – [(0,032) temperatura] + 6,002, demonstrou uma mortalidade inevitável naqueles pacientes com X > 0,5 (sensibilidade de 25% e valor preditivo positivo de 100%). As três variáveis dessa fórmula são os principais fatores pré-operatórios preditivos de mortalidade, sendo a idade o principal deles. Esse mesmo grupo demonstrou uma mortalidade de 100% em pacientes submetidos a laparotomia abreviada com mais de 58 anos de idade. Além dessas variáveis, Asensio et al.18 demonstraram por meio de um estudo retrospectivo que alguns sinais clínicos também predizem mortalidade em pacientes com hemorragia importante: pupilas não reagentes, ausência de ventilação espontânea, pulso carotídeo não palpável, ausência de movimento de extremidades e ausência de ritmo sinusal. Tabela 1 - Controle da hemorragia Após uma laparotomia mediana xifopúbica a hemostasia deve ser realizada, e pode ser feita com a colocação de compressas nos quatro quadrantes, ligadura ou clampeamento de vasos e/ou utilização de balões para tamponamento. As compressas podem ser trocadas durante a operação e, eventualmente, podem ser deixadas na cavidade abdominal e retiradas somente na reoperação programada. Os reparos vasculares complexos não devem ser realizados nesse momento1-3. Probabilidade de hemorragia letal, em %, calculada com base na pressão arterial sistólica aferida no início da operação e o volume de concentrado de hemácias infundidas durante a operação (Parreira et al. 2002). CH / PA 9 0 0 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 Operação abreviada Esse procedimento tem por objetivo controlar rapidamente os focos de hemorragia e infecção e diminuir as contaminações no menor tempo possível. 67 58 48 38 29 22 16 11 8 5 4 2 1200 1500 1800 2100 2400 2700 3000 3300 3600 3900 4200 72 64 54 44 35 26 19 14 10 7 5 3 77 69 60 50 40 31 23 17 12 8 6 4 81 74 66 56 46 36 28 21 15 10 7 5 84 78 71 62 52 42 33 25 18 13 9 6 87 82 75 67 58 48 38 29 22 16 11 8 90 85 80 72 64 54 44 35 26 19 14 10 92 88 83 77 69 60 50 40 31 23 17 12 93 90 86 81 74 66 56 46 37 28 21 15 95 92 89 84 78 71 62 52 42 33 25 18 96 94 91 87 82 75 67 58 48 38 30 22 97 95 93 90 85 80 72 64 54 44 35 26 CH - volume de concentrado de hemácias transfundido, em mililitros. PA – Pressão arterial sistólica aferida no início da operação, em mmHg. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 142-151 Principais critérios para a seleção de pacientes. Autor Ano Garrison et al. 2 3 1996 Cushmann et al. 2 2 1997 Cosgriff et al. 2 1 1997 Rotondo et al. 1 6 1997 Krishna et al. 2 4 1998 Asensio et al. 1 8 2001 Parreira et al. 1 9 2002 Stalhschmidt et al. 2 5 2006 Germanos et al. 1 2008 Matsumoto et al. 1 5 2010 Tipo de estudo e número de pacientes Prospectivo (n=70) Retrospectivo (n=53) Prospectivo (n=58) Revisão Retrospectivo (n=40) Retrospectivo (n=548) Prospectivo (n=74) Revisão Revisão Retrospectivo (n=34) —- —- Pacientes com traumas grave de bacia e abdomen hemodinamicamente instáveis após ressuscitação com fluidos. < 34 oC < 34 oC —< 7,2 < 35,5 oC < -7,5 mmol/L —- Base dos critérios Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 142-151 Temperatura Base excess pH Pressão Utilização de Indicadores de Avaliação de compressas para morte em vítima de fatores preditivos ferimentos pene- de coagulopatia hemostasia e análise de diversas trantes de vasos ilíacos variáveis entre pacientes sobreviventes e não sobreviventes ——< 7,2 arterial Alterações Hipotensão prolongada (>70 min) sanguíneas > 15 bolsas de CH < 35 oC < -6 mEq/L < 7,3 < 34 oC —< 7,1 < 35 oC —< 7,3 —- PAS < 70 mmHg —- —- TTPa > 60s —- TP > 19s —- >35 —- —- ISS Outros —- Paciente com Perda sanguínea Vítimas de ferimentos > 2L durante a penetrantes de tronco trauma de múltiplas vísceras.ISS > cirurgia; Transfu- com PAS < 90mmHg, hemorragia e que 35 eGlasgow > 9 são concentrado de hemácias e” sobreviveram até o 1,5L durante tratamento defnitivo ressuscitação ; pctes com diagnóstico de exsanguinação ** < 33 oC < -12 mEq/L Acidose metabólica grave < 80 (60-90) mmHg* < 34 oC —< 7,2 —< - 10 mEq/L < 7,25 < 7,2 Edelmuth Cirurgia para controle de danos: estado atual Tabela 2 - PAS < 110 mmHg no PAS < 70 mmHg PAS < 90mmHg início da cirurgia Choque persistente Incapacidade de Instabilidade —Coagulopatia >10 bolsas de CH Perda sanguínea Perda sanguínea (> 4L de perda > 4 L (2,5-6)* estimada > 5L Transfusão de hemostasia devido hemodinâmica sanguínea) INR > 2,2 ou > 15 mL/min CH > 1200 ml ao desenvolvimento (Taquicardia, Coagulopatia (1,6-3,2)* Reposição volêmica de coagulopatia e arritmias, pulsos total > 12L inacessibilidade carotídeos fracos) >10 bolsas Transfusão > 4L CH aos vasos; Coagulopatia de CH Duas vezes maior —————> 19s —seu valor padrão Duas vezes maior —————> 19s —seu valor padrão > 25 —> 51 (41-61)* < 20 *** —> 35 ———Tempo de Combinação de Ventilação espontânea; —Choque Tempo de operação O cirurgião pode hipovolêmico > 90 min optar pela operação T = 33,5 oC Transfusão de CH > 4L; > 90 min – 35,5 oC e ausência de por mais que CCD com a BE < -5 – 12 mEq/L toracotomia de 70 min presença de emergência; ausência 1 ou 2 dos critérios de lesão vascular abdominal*** * p > 0,005 **perda sanguínea inicial > 40% e hemorragia ativa que, se não controlada cirurgicamente, será a causa de óbito do paciente ***fatores de risco independentes diretamente relacionados a sobrevivência do doentes TP: tempo de protrombina; TTPa: tempo de trombloplastina parcial ativada; CCD: cirurgia de controle de danos; ISS: “injury severity score”; PAS: pressão arterial sistólica; CH: concentrado de hemácias 145 Edelmuth Cirurgia para controle de danos: estado atual 146 to, vale ressaltar que os autores contraindicam o uso após três horas, devido a uma maior mortalidade secundária ao sangramento (4,4% vs. 3,1%; RR 1,44, IC 1,12-1,84; p=0.004)30. Autores, como Murthi et al., questionam esse ensaio clínico como sendo controverso. Apesar disso, dados provenientes da experiência do exército britânico corroboram para o uso do ácido tranexâmico11. Figura 1 - Colocação de compressas para tamponamento hepático. Os sangramentos hepáticos podem ser controlados por meio da digitoclasia, ligadura direta dos vasos e/ou tamponamento com compressas. Essas devem ser postas de maneira a criar vetores de força e não devem ser “empurradas” desordenadamente (Figura 1)17,26-28. Além disso, são ineficazes para hemorragias provenientes de grandes vasos. Nesses casos a sutura do parênquima deve ser realizada. Os balões hepáticos, confeccionados a partir de sondas nasogástricas, drenos de Penrose, balão de Sengstaken Blakemore ou até mesmo a sonda de Foley, podem ser insuflados dentro do parênquima hepático em casos de hemorragias mais vultuosas, que não cessam com a digitoclasia. Ressecções regradas e mais complexas devem ser evitadas, e os sangramentos esplênicos e/ou renais também podem ser tratados com sutura do parênquima. Se houver necessidade de um procedimento mais complexo, a ressecção do órgão está indicada29. Através de manobras de rotação visceral são avaliadas as estruturas retroperitoneais à procura de possíveis hematomas perirrenais, retro-hepáticos e pélvicos, pois estes não devem ser explorados, e sim tamponados e encaminhados para embolização angiográfica15. A hemorragia causada pelas lesões de grandes vasos possui muitas variáveis que devem ser observadas para que o tratamento adequado ao paciente grave possa ser feito: as lesões passíveis de correção com sutura simples devem ser prontamente tratadas; nas lesões complexas, um shunt ou uma ligadura estão indicados. Vale ressaltar que a ligadura da aorta, da artéria mesentérica superior e da ilíaca externa têm graves consequências e, portanto, estão contraindicadas. Com exceção da veia cava inferior cranial às artérias renais, todas as outras veias da cavidade abdominal podem ser ligadas27,28. Um estudo multicêntrico, randomizado e controlado, (CRASH-II), demonstrou resultados satisfatórios relacionados ao ácido tranexâmico, um agente antifibrinolítico. O uso precoce (d” uma hora pós trauma) reduziu a taxa de mortalidade por exsanguinação (5,3% vs. 7,7%; RR 0,68, 95% IC: 0,57–0,82; p<0,0001), assim como, o uso entre a primeira e a terceira hora pós trauma (4,8% vs. 6,1%; RR 0,79, IC 0,64-0,97; p=0.03). Entretan- Controle de contaminação A segunda meta é controlar os possíveis focos de contaminação. O cirurgião deve inspecionar toda a extensão das alças intestinais, do ângulo de Treitz ao reto. A correção das lesões deve ser feita com suturas simples, se possível. Quando as lesões forem mais extensas, a ressecção do segmento intestinal traumatizado pode ser feita, e os cotos, distal e proximal, ligados. Pinças não traumáticas para alças ou fitas cardíacas também podem ser utilizadas para ocluir as alças. Quando há múltiplas lesões em um seguimento menor que 50% de todo o comprimento do intestino uma única ressecção pode ser realizada. As anastomoses ou estomas não devem ser feitos nesse instante1,2,5. As lesões ureterais também podem ser tratadas com shunts temporários1. Antes do término da operação, deve-se irrigar as cavidades abdominal e pélvica com solução salina aquecida. Como existe indicação absoluta de uma segunda operação, o fechamento da parede abdominal deve ser feito de maneira temporária. Para isso diferentes técnicas estão disponíveis: síntese com pinças de Backhaus, “Bolsa de Bogotá”, campos plásticos estéreis adesivos ou curativos com aspiração por vácuo contínuo (Figura 2). Recuperação na UTI O objetivo dessa etapa é restaurar os parâmetros fisiológicos do paciente dentro da unidade de terapia intensiva. A reposição volêmica, a correção da acidose, da hipotermia e da coagulopatia são essenciais para a reani- Figura 2 - Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 142-151 Colocação do curativo à vácuo. Edelmuth Cirurgia para controle de danos: estado atual 147 mação do doente grave para que possa ser submetido a nova operação. Esse período pode levar de 24 a 48 horas. Entretanto, não existe consenso absoluto quanto aos parâmetros a serem atingidos. A tabela 3 mostra alguns valores que podem servir como metas a serem atingidas. Correção da acidose A acidose desses pacientes resulta, na maioria dos casos, da má perfusão tecidual sistêmica que interfere diretamente no metabolismo aeróbico. Por sua vez, a hipóxia é resultado de dois importantes fatores: a hipotermia e a acentuada perda sanguínea. Portanto, a acidose irá se autocorrigir a partir do momento que a oferta de oxigênio for suficiente para a demanda e a temperatura adequada for atingida2,5. O médico deve visar melhorar parâmetros como concentração de hemoglobina, saturação de O2, pressão parcial de O2 e débito cardíaco. Isso deve ser feito mediante uma reposição volêmica adequada juntamente com o controle da hipotermia. O uso de bicarbonato nesses casos passa, então, para o segundo plano. Estudos preliminares têm mostrado resultados interessantes com o uso tris(hidroximetil)aminometano, um aminoálcool capaz de captar íons de hidrogênio e corrigir, em teoria, a acidose5,31. O quadro clínico do paciente é muito importante para avaliar as metas a serem atingidas. Entretanto, essa avaliação fica prejudicada no doente grave pela resposta neuroendócrina após o trauma, pois leva à retenção hídrica, oligúria e taquicardia. Hipotermia O médico deve sempre tentar prevenir a hipotermia, pois sua prevenção é mais fácil que sua correção. Para isso algumas medidas podem ser tomadas, como rápida finalização da laparotomia, retirada de roupas úmidas, diminuição da exposição do paciente, aque- Tabela 3 - Metas a serem atingidas na UTI. Pressão sistólica Lactato sérico Base excess Hemoglobina Hematócrito Temperatura Tempo de protombina TTPa* Plaquetas Fibrinogênio Cálcio sérico Índice cardíaco Saturação O2 FIO2" Dosagem de inotrópicos 90mmHg < 2,5mmol/l > -4mmol/L > 10 g/dL > 30% > 35°C < 15s < 35s > 50.000/mm3 > 100mg/dL >0,9mmol/L > 3L/min/m2 > 95% < 50% Baixa *Tempo de tromboplastina parcialmente ativada. “ Frações inspiradas de oxigênio. cimento do ambiente e de todos os fluídos antes da administração. Uma vez instalada, a hipotermia deve ser prontamente corrigida, pois sua correção é um fator de extrema importância para o controle das demais alterações fisiológicas. Na tentativa de revertê-la, devem ser adotadas, além das medidas já descritas, o emprego de: colchões térmicos, sistemas de aquecimento pela circulação de ar aquecido, irrigação de sondas gástricas e vesicais com solução salina aquecida a 39-40oC e/ou irrigação das cavidades torácica ou abdominal através de drenos de tórax ou cateteres de diálise peritonial2,4,28. Jaunoo et al. recomendam que a temperatura do paciente deve ser maior que 37oC após quatro horas de entrada na UTI2. Caso não haja resposta a estas medidas e a temperatura mantenha-se abaixo de 35oC, deve-se pensar no uso de diversos drenos de tórax com solução aquecida. O aquecimento arteriovenoso contínuo pode ser utilizado em temperaturas menores que 33oC. Coagulopatia e reposição volêmica – “O conceito da Damage Control Ressuscitation e da Hipotensão Permissiva” A correção da coagulopatia é um ponto central para um melhor prognóstico desses pacientes graves. Por sua vez, o ponto mais importante para a correção da coagulopatia é o tratamento da hipotermia. O médico deve ter em mente que o uso de cristaloides nos pacientes em estado de hipocoagulabilidade é extremamente limitado, pois uso de solução salina a 0,9% e de Ringer Lactato aumenta a lesão por reperfusão, induz adesão leucocitária e acarreta a hemodiluição13. A reposição de fatores de coagulação e plaquetas é, portanto, fundamental nesses cenários. Para a correção da coagulopatia podem ser utilizados plasma fresco, concentrado de plaquetas, fator recombinante VIIa, crioprecipitados, ácido tranexâmico e/ou reposição de cálcio30,31. Diferentemente de estratégias convencionais de reposição volêmica, esses pacientes necessitam de volumosas transfusões, conhecidas como “protocolos de transfusão maciça” / “damage control ressuscitation”. Alguns autores sugerem a administração na proporção 1:1:1 (concentrado de hemácias, plasma fresco e plaquetas) e a regra dos 10 (dez unidades de cada em 24 horas)2,13. Os protocolos de transfusão volumosa ganharam muita força na última década, após as experiências militares no Iraque e Afeganistão em 2004/200511. Um estudo retrospectivo demonstrou queda de 47% na mortalidade em vítimas de conflitos militares que receberam concentrado de hemácias e plasma fresco na proporção 1:1 quando comparado com aqueles cuja reposição foi feita na proporção de 1:831. Há quem discorde desta conduta e recomende que o uso de plaquetas deva ser restringido à utilização de uma bolsa para cada quatro a seis concentrados de Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 142-151 Edelmuth Cirurgia para controle de danos: estado atual 148 hemácias, argumentando que a proporção 1:1:1 é muito similar à administração de sangue total32. É importante também salientar que o uso de derivados de sangue pode ter consequências desastrosas, devido as suas propriedades inflamatórias e imunomodulatórias. A lesão pulmonar aguda (TRALI- transfusion related acute lung injury) é a principal e mais temida consequência33,34. Além disso, todos os estudos recentes são retrospectivos e possuem vieses sobre a mortalidade. Cabe, portanto, ao cirurgião do trauma, uma avaliação criterioso sobre o tema, enquanto estudos prospectivos são realizados11. No entanto, não restam dúvidas quanto à importância da ressuscitação no controle de danos (damage control resuscitation), tendo como meta a euvolemia ou até mesmo um certo grau de hipotensão, desde que associada à boa oxigenação periférica. O conceito de hipotensão permissiva pode e deve ser utilizado, evitando-se o uso de fluidos desnecessários e suas consequências, como a hemodiluição e hipotermia. O cirurgião do trauma deve ter em mente que o uso de derivados de sangue, associado à noção da hipotensão permissiva é, provavelmente um divisor de águas na cirurgia do trauma. No entanto, mais estudos ainda são necessários para concluir qual a melhor relação quantitativa entre concentrados de hemácias, plasmas frescos congelados e bolsas de plaquetas. Certamente, o antigo conceito de ressuscitação volêmica agressiva com altos volumes de cristaloide, visando a parâmetros suprafisiológicos, deve ser evitado35. Devido ao alto custo do fator recombinante VIIa, sua utilização ainda é questionada e estudos que avaliem seu custo-benefício ainda são necessários. Os autores favoráveis à administração do fator recombinante VIIa recomendam o seu emprego em conjunto com as primeiras bolsas de sangue e ao longo do tratamento conforme necessário13,32. Outros procedimentos Durante esse período é indicado a antibioticoterapia profilática, a sedação para melhorar o padrão respiratório e o controle da pressão intra-abdominal, trazendo mais conforto para o paciente. A fim de evitar a síndrome compartimental abdominal, deve-se aferir a pressão da cavidade através da sonda vesical ou gástrica5. O diagnóstico é feito quando a pressão excede 20mmHg com evidências de disfunção orgânica3. A arteriografia também pode ser considerada para tratar focos hemorrágicos, que foram temporariamente tamponados na operação inicial com compressas, nos casos de lesões hepáticas graves e/ou trauma de bacia36. Outras medidas importantes de terapia intensiva mantêm uma relação direta com menores taxas de morbimortalidade e estão indicadas. A ventilação mecânica protetora com baixo volume corrente e um controle glicêmico não muito restrito (< 180mg/dL) são clássicos exemplos recentes disso37,38. Reoperação Programada Não há período mínimo ou máximo para o retorno do paciente ao centro cirúrgico. Alguns afirmam que isso ocorre 36-48h após a admissão do paciente no hospital. Muito mais do que o tempo, são as condições fisiológicas que vão determinar se o paciente está apto para ser submetido a uma nova operação. A correção definitiva das lesões deverá ser realizada nesse momento. Após a umidificação com solução salina aquecida, as compressas serão cuidadosamente retiradas para que não haja novos sangramentos. Os reparos vasculares necessários devem ser realizados, as coleções, retiradas, e, também, o desbridamento de tecidos necrosados deve ser feito. O trânsito intestinal deve, nesse instante, ser restaurado com as anastomoses necessárias. Houve, por algum tempo, um certo consenso sobre a realização de anastomoses tardias após lesões extensas de cólon. Isso evitava a criação de estomas em pacientes cuja anastomose primária não era possível e, ao mesmo tempo, não aumentava o número de complicações39. A anastomose tardia dentro da reoperação programada era considerada factível, caso não houvesse acidose grave, edema de parede intestinal e/ou infecção intra-abdominal40. Entretanto, um estudo retrospectivo trouxe novamente à tona essa discussão. Weinberg et al. observaram um aumento significativo da incidência de complicações pós-operatórias nos pacientes submetidos à ressecção e anastomose tardia em relação aos pacientes submetidos à ressecção e colostomia terminal tardia (12% vs. 3%, p< 0,05)41. Isso levanta, mais uma vez, a dúvida e nos leva a pensar que a realização de estomas pode ser a alternativa mais segura, apesar de ter suas próprias complicações. Fechamento da parede abdominal O fechamento definitivo do abdome pode muitas vezes ser um grande desafio para os cirurgiões, especialmente se o intervalo entre os dois procedimentos for maior que cinco dias. Durante esse período os músculos e suas fáscias contraem lateralmente deixando um grande defeito na linha mediana, o que impossibilita o fechamento convencional da parede abdominal. A sutura da aponeurose sob tensão não deve ser realizada, pois, além de ineficaz, pode predispor o paciente à síndrome compartimental abdominal3,5. Se há uma dificuldade na síntese, algumas técnicas podem ser empregadas, como a utilização de telas (absorvíveis ou não absorvíveis). Deve-se evitar ao máximo o contato desses materiais (marlex, prolene) com as alças intestinais, pois o risco de formação de fístulas enterocutâneas pode chegar a 25%3. Para evitar o aparecimento de grandes hérnias ventrais e o risco de fístulas, algumas novas técnicas vêm sendo utilizadas, como o curativo com aspiração contínua por vácuo e o dispositivo Wittmann Patch®, citados por Kushimoto et al.3. Apesar de facilitarem a aproximação Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 142-151 Edelmuth Cirurgia para controle de danos: estado atual 149 das bordas, esses são equipamentos caros e ainda pouco utilizados (Figuras 2 e 3)42. Outra opção é a secção da bainha anterior dos músculos reto abdominais com a rotação de um retalho medialmente, protegendo, assim, as alças intestinais3 (Figura 4). Novas perspectivas O conceito de cirurgia abreviada vem se estendendo fora do cenário de trauma abdominal. Uma revisão publicada em 2006, discute as possibilidades do emprego do controle de danos em traumas torácicos. Essa abordagem segue o mesmo princípio de corrigir de maneira temporária as lesões e também busca técnicas mais simples e rápidas para repará-las6. Um relato de série de casos demonstrou que a toracotomia abreviada em pacientes gravemente traumatizados pode reduzir a mortalidade43. Já se discute se a cirurgia para controle de danos pode melhorar a sobrevida de pacientes cirúrgicos gravemente enfermos com instabilidade hemodinâmica decorrente de sepse grave, de hemorragia volumosa, de isquemia mesentérica aguda ou de infecções necrotizantes. Esses possíveis fatores em conjunto com a necessidade de irrigações peritoneais repetidas, a fim de erradicar focos infecciosos, e a necessidade de reavaliar suturas e anastomoses podem ser eventuais indicações para a cirurgia de controle de danos em casos de emergência não decorrente de trauma4. Um estudo retrospectivo baseado nos scores APACHE II e POSSUM, com 16 pacientes, demonstrou uma queda na mortalidade de pacientes com hemorragia intraoperatória, isquemia mesentérica, sepse e pancreatite necrotizante que foram submetidos a laparotomia abreviada7. Figura 3 - Representação esquemática do curativo a vácuo com tela para fechamento da parede abdominal. (2. Curativo a vácuo com esponja de poliuretano colocada entre a fáscia e o tecido subcutâneo. 3. Tela sintética com formação de tecido de granulação) – Imagem original em Dietz UA et al. 201242. Figura 4 - Fechamento da parede abdominal com a rotação medial da bainha anterior dos músculos reto abdominal (Modificado de Kushimoto et al.3). Considerações Finais A aplicação da cirurgia de controle de danos já é rotina no manejo do abdome de pacientes gravemente traumatizados. Apesar de não existirem estudos multicêntricos prospectivos randomizados controlados, essa abordagem é aceita e reconhecida por cirurgiões especialistas na área. A experiência clínica, até o presente momento, já demonstrou que quando feita de maneira correta e, mais importante, quando bem indicada, reduz a mortalidade em pacientes com traumas1,5. Por ser uma área dentro da cirurgia relativamente nova e pouco explorada, é muito provável que novas técnicas e abordagens apareçam nos próximos anos e aumentem a sobrevida desses pacientes. Agradecimentos À Gabriel Berta, pela confecção das ilustrações inseridas nesse trabalho. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 142-151 Edelmuth Cirurgia para controle de danos: estado atual 150 A B S T R A C T The damage control surgery is a widely accepted concept today among abdominal trauma specialists when it comes to the severely traumatized. In these patients, the death is due, in most cases, to the installation of the lethal triad (hypothermia, coagulopathy and acidosis) and not the inability to repair the serious initial damage. In this review, the authors address the lethal triad in its three phases and emphasize the measures taken to prevent them, as well as discussing the indication and employment of damage control surgery in its various stages. Restoring the physiological status of the patient in the ICU, so that he/she can be submitted to final operation and closure of the abdominal cavity, another challenge in severe trauma patients, is also discussed. Key words: Patients. Wounds and injuries. Therapy. Operative surgical procedures. Control. REFERÊNCIAS 1. Germanos S, Gourgiotis S, Villias C, Bertucci M, Dimopoulos N, Salemis N. Damage control surgery in the abdomen: an approach for the management of severe injured patients. Int J Surg. 2008;6(3):246-52. 2. Jaunoo SS, Harji DP. Damage control surgery. Int J Surg. 2009;7(2):110-3. 3. Kushimoto S, Miyauchi M, Yokota H, Kawai M. Damage control surgery and open abdominal management: recent advances and our approach. J Nippon Med Sch. 2009;76(6):280-90. 4. Jansen JO, Loudon MA. Damage control surgery in a non-trauma setting. Br J Surg. 2007;94(7):789-90. 5. Parreira JG, Soldá S, Rasslan S. Controle de danos: uma opção tática no tratamento dos traumatizados com hemorragia grave. Arq gastroenterol. 2002;39(3):188-97. 6. Phelan HA, Patterson SG, Hassan MO, Gonzalez RP, Rodning CB. Thoracic damage-control operation: principles, techniques, and definitive repair. J Am Coll Surg. 2006;203(6):933-41. 7. Stawicki SP, Brooks A, Bilski T, Scaff D, Gupta R, Schwab CW, et al. The concept of damage control: extending the paradigm to emergency general surgery. Injury. 2008;39(1):93-101. 8. Stone HH, Strom PR, Mullins RJ. Management of the major coagulopathy with onset during laparotomy. Ann Surg. 1983;197(5):532-5. 9. Rotondo MF, Schwab CW, McGonigal MD, Phillips GR 3rd, Fruchterman TM, Kauder DR, et al. ‘Damage control’: an approach for improved survival in exsanguinating penetrating abdominal injury. J Trauma. 1993;35(3):375-82; discussion 382-3. 10. Burch JM, Ortiz VB, Richardson RJ, Martin RR, Mattox KL, Jordan GL Jr. Abbreviated laparotomy and planned reoperation for critically injured patients. Ann Surg. 1992;215(5):476-83; discussion 483-4. 11. Murthi SB, Stansbury LG, Dutton RP, Edelman BB, Scalea TM, Hess JR. Transfusion medicine in trauma patients: an update. Expert Rev Hematol. 2011;4(5):527-37. 12. Kairinos N, Hayes PM, Nicol AJ, Kahn D. Avoiding futile damage control laparotomy. Injury. 2010;41(1):64-8. 13. Holcomb JB. Damage control resuscitation. J Trauma. 2007;62(6Suppl):S36-7. 14. Moore EE, Burch JM, Franciose RJ, Offner PJ, Biffl WL. Staged physiologic restoration and damage control surgery. World J Surg. 1998;22(12):1184-90; discussion 1190-1. 15. Matsumoto H, Mashiko K, Sakamoto Y, Kutsukata N, Hara Y, Yokota H. A new look at criteria for damage control surgery. J Nippon Med Sch. 2010;77(1):13-20. 16. Rotondo MF, Zonies DH. The damage control sequence and underlying logic. Surg Clin North Am. 1997;77(4):761-77. 17. Lima RAC, Rocco PRM. Cirurgia para controle do dano. Rev Col Bras Cir. 2007;34(4):257-63. 18. Asensio JA, McDuffie L, Petrone P, Roldán G, Forno W, Gambaro E, et al. Reliable variables in the exsanguinated patient which indicate damage control and predict outcome. Am J Surg. 2001;182(6):743-51. 19. Parreira JG, Soldá SC, Rasslan S. Análise dos indicadores de hemorragia letal em vítimas de trauma penetrante de tronco admitidas em choque: um método objetivo para selecionar os candidatos ao controle de danos. Rev Col Bras Cir. 2002;29(5):256-66. 20. Higa G, Friese R, O’Keeffe T, Wynne J, Bowlby P, Ziemba M, et al. Damage control laparotomy: a vital tool once overused. J Trauma. 2010;69(1):53-9. 21. Cosgriff N, Moore EE, Sauaia A, Kenny-Moynihan M, Burch JM, Galloway B. Predicting life-threatening coagulopathy in the massively transfused trauma patient: hypothermia and acidoses revisited. J Trauma. 1997;42(5):857-61; discussion 861-2. 22. Cushman JG, Feliciano DV, Renz BM, Ingram WL, Ansley JD, Clark WS, et al. Iliac vessel injury: operative physiology related to outcome. J Trauma. 1997;42(6):1033-40. 23. Garrison JR, Richardson JD, Hilakos AS, Spain DA, Wilson MA, Miller FB, et al. Predicting the need to pack early for severe intraabdominal hemorrhage. J Trauma. 1996;40(6):923-7; discussion 927-9. 24. Krishna G, Sleigh JW, Rahman H. Physiological predictors of death in exsanguinating trauma patients undergoing conventional trauma surgery. Aust N Z J Surg. 1998;68(12):826-9. 25. Stalhschmidt CMM, Formighieri B, Lubachevski FL. Controle de danos no trauma abdominal e lesões associadas: experiência de cinco anos em um serviço de emergência. Rev Col Bras Cir. 2002;33(4):215-9. 26. Fávero SS, Corsi PR, Coimbra RS, Rasslan S. Treatment of transfixing hepatic lesions with a hidrostatic balloon. Sao Paulo Med J. 1994;112(4):629-34. 27. Feliciano D, Moore EE, Mattox KL. Trauma. 3 a ed. Stanford: Appleton Lange; 1996. Damage control and alternative wound closures in abdominal trauma; p.717-31. 28. Feliciano D, Moore EE, Mattox KL. Trauma. 4 a ed. New York: McGraw-Hill; 2000. Damage control and alternative wound closures in abdominal trauma; p.907-32. 29. Pachter HL, Spencer FC, Hofstetter SR, Liang HG, Coppa GF. Significant trends in the treatment of hepatic trauma. Experience with 411 injuries. Ann Surg. 1992;215(5):492-500; discussion 5002. 30. CRASH-2 collaborators, Roberts I, Shakur H, Afolabi A, Brohi K, Coats T, et al. The importance of early treatment with tranexamic acid in bleeding trauma patients: an exploratory analysis of the CRASH-2 randomised controlled trial. Lancet. 2011;377(9771):1096–101.e1-2. 31. Borgman MA, Spinella PC, Perkins JG, Grathwohl KW, Repine T, Beekley AC, et al. The ratio of blood products transfused affects mortality in patients receiving massive transfusions at a combat support hospital. J Trauma. 2007;63(4):805-13. 32. Jansen JO, Thomas R, Loudon MA, Brooks A. Damage control resuscitation for patients with major trauma. BMJ. 2009;338:b1778. 33. Fabron Júnior A, Lopes LB, Bordin JO. Lesão pulmonar aguda associada à transfusão. J bras pneumol. 2007;33(2):206-12. 34. Hannon T. Trauma blood management: avoiding the collateral damage of trauma resuscitation protocols. Hematology Am Soc Hematol Educ Program. 2010;2010:463-4. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 142-151 Edelmuth Cirurgia para controle de danos: estado atual 151 35. Waibel BH, Rotondo MF. Damage control surgery: it’s evolution over the last 20 years. Rev Col Bras Cir. 2012;39(4):314-21. 36. Asensio JA, Demetriades D, Chahwan S, Gomez H, Hanpeter D, Velmahos G, et al. Approach to the complex hepatic injuries. J Trauma. 2000;48(1):66-9. 37. NICE-SUGAR Study Investigators, Finfer S, Chittock DR, Su SY, Blair D, Foster D, et al. Intensive versus conventional glucose control in critically ill patients. N Engl J Med. 2009;360(13):1283-97. 38. Ventilation with lower tidal volumes as compared with traditional tidal volumes for acute lung injury and the acute respiratory distress syndrome. The Acute Respiratory Distress Syndrome Network. N Engl J Med. 2000;342(18):1301-8. 39. Miller PR, Chang MC, Hoth JJ, Holmes JH 4th, Meredith JW. Colonic resection in the setting of damage control laparotomy: is delayed anastomosis safe? Am Surg. 2007;73(6):606-9; discussion 609-10. 40. Ordoñez CA, Pino LF, Badiel M, Sánchez AI, Loaiza J, Ballestas L, et al. Safety of performing a delayed anastomosis during damage control laparotomy in patients with destructive colon injuries. J Trauma. 2011;71(6):1512-7; discussion 1517-8. 41. Weinberg JA, Griffin RL, Vandromme MJ, Melton SM, George RL, Reiff DA, et al. Management of colon wounds in the setting of damage control laparotomy: a cautionary tale. J Trauma. 2009;67(5):929-35. 42. Dietz UA, Wichelmann C, Wunder C, kauczok J, Spor L, Strauâ A, et al. Early repair of open abdomen with a tailored two-component mesh and conditioning vacuum packing: a safe alternative to the planned giant ventral hernia. Hernia. 2012;16(4):451-60. 43. Vargo DJ, Battistella FD. Abbreviated thoracotomy and temporary chest closure: an application of damage control after thoracic trauma. Arch Surg. 2001;136(1):21-4. Recebido em 08/03/2012 Aceito para publicação em 15/08/2012 Conflito de interesse: nenhum Fonte de financiamento: nenhuma Como citar este artigo: Edelmuth RCL, Buscariolli YS, Ribeiro Júnior MAF. Cirurgia para controle de danos: estado atual. Rev Col Bras Cir. [periódico na Internet] 2013;40(2). Disponível em URL: http://www.scielo.br/rcbc Endereço para correspondência: Rodrigo Camargo Leão Edelmuth E-mail: [email protected] Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 142-151 Purim Avaliação de treinamento cirúrgico na graduação de medicina Ensino 152 Avaliação de treinamento cirúrgico na graduação de medicina Evaluation of surgical training in medical school KÁTIA SHEYLLA MALTA PURIM1; LAILA DJENSA SOUZA DOS SANTOS2; GABRIEL TREML MURARA3; ELIANE MARA CESÁRIO PEREIRA MALUF4; JULIO WILSON FERNANDES5; JAMES SKINOVSKY, TCBC-PR6 R E S U M O Objetivo: Avaliar a efetividade de um treinamento de técnicas cirúrgicas em pata de porco durante a graduação em medicina. Métodos: Estudo transversal com 87 acadêmicos de medicina voluntários, provenientes de diferentes períodos da graduação, que participaram de uma oficina básica para realização de incisões, suturas, biópsias, retalhos, enxertos, sob supervisão direta. Foram utilizados questionários autoaplicáveis pré e pós-treinamento. Resultados: O ensino de suturas, biópsias e correção de orelha mostrou-se efetivo para o aprendizado de habilidades mínimas exigidas para as técnicas propostas (p<0,005), bem como, das excisões e retalhos exercitados, à exceção do enxerto (p>0,97). Conclusão: A abordagem metodológica e o monitoramento de reprodução das técnicas mostraram-se adequados. O treinamento oferecido complementou as habilidades cirúrgicas cutâneas dos graduandos de medicina. Descritores: Medicina. Ensino. Educação médica. Educação de graduação em medicina. Procedimentos cirúrgicos ambulatoriais. INTRODUÇÃO O processo de ensino na medicina, principalmente nas áreas cirúrgicas, ocorre pela observação do ato cirúrgico e pela participação direta do estudante, realizado, entre outros métodos, através de tentativa e erro1,2. O interesse demonstrado pelo aluno pode abrir oportunidades de aprendizado mais aprofundado, quando acompanha cirurgias e realiza atividades extracurriculares, aliado aos ensinamentos tradicionais ministrados pelos cursos de Medicina. A qualidade destas experiências no campo da cirurgia pode influenciar a aquisição de habilidades técnicas3,4. Desta forma, é fundamental a avaliação objetiva das técnicas operatórias visando detectar deficiências que possam ser corrigidas e preparar o acadêmico para a realização adequada dos procedimentos cirúrgicos básicos requeridos na vida profissional5,6. Muitas estratégias pedagógicas têm sido desenvolvidas para suprir as necessidades do ensino da técnica operatória durante a graduação13 . O modelo com patas de porco é um dos mais utilizado nos programas de residência médica em dermatologia nos EUA para ensino prático das operações sobre a pele e anexos2. Eticamente aceito e reprodutível, este modelo simula a pele humana com custo reduzido, e o estudante pode ser avaliado quanto as suas habilidades ao final do treinamento1. Diante do exposto, elaborou-se um estudo com o objetivo de avaliar o treinamento cirúrgico em patas de porco em um grupo heterogêneo de estudantes de Medicina. MÉTODOS O enfoque metodológico adotado foi transversal com abordagem quantitativa. O trabalho de campo se constituiu de uma oficina de cirurgia cutânea montada como projeto de extensão e desenvolvida em patas de porcos refrigeradas. O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da instituição (protocolo CEP –UP 165/ 2009). O público-alvo foi composto por estudantes maiores de 18 anos, regularmente matriculados no Curso de Medicina, voluntários para este estudo. Ocorreram duas oficinas cada uma delas formada com metade do grupo, com divisão por afinidade, para melhor locação dos participantes e condições didáticas. Como parte das estratégias de avaliação, utilizou-se de um instrumento de coleta de dados elaborado em forma de questionário autoaplicável, respondido antes e depois do treinamento, com roteiro estruturado composto por perguntas fechadas, para atender os principais pon- Trabalho realizado no Curso de Medicina da Universidade Positivo. 1. Professora das Disciplinas de Dermatologia e Cirurgia Ambulatorial do Curso de Medicina da Universidade Positivo- Curitiba – PR-BR; 2. Acadêmica 5º ano do Curso de Medicina da Universidade Positivo; 3. Acadêmico 6º ano do Curso de Medicina da Universidade Positivo; 4. Professora da Disciplina de Saúde da Família do Curso de Medicina da Universidade Positivo- Curitiba – PR-BR; 5. Professor das Disciplinas de Cirurgia Ambulatorial e Clínica Cirúrgica; 6. Professor das Disciplinas de Cirurgia Ambulatorial e Clínica Cirúrgica. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 152-156 Purim Avaliação de treinamento cirúrgico na graduação de medicina 153 tos de interesse do treinamento. Os métodos utilizados em cada oficina foram os mesmos: questionário, as mesmas técnicas, professores, monitores, disponibilidade de material e roteiro de exercícios. Os alunos foram previamente orientados quanto ao aspecto operacional da oficina e preenchimento dos questionários, recebendo kits cirúrgicos individualizados contendo tesoura, pinça anatômica, pinça dente de rato, porta agulhas, cabo e lâminas de bisturi, fios agulhados, luvas de procedimento e punch (instrumento cirúrgico tipo saca-bocado constituído por cabo e borda circular cortante). O roteiro dos exercícios práticos incluía biópsias, incisões, excisões, movimentos dos tecidos, retalhos, noções de enxertos, suturas e técnica de correção das chamadas “dog ears” nas extremidades das excisões com inadequada relação largura/comprimento. No centro cirúrgico experimental os estudantes foram distribuídos em dez mesas cirúrgicas, formando pequenos grupos para realização das atividades. Cada exercício foi precedido de explicação detalhada, bem como demonstração em multimídia. Todos os alunos foram diretamente supervisionados na execução de cada técnica e estimulados a esclarecer dúvidas com os monitores e professores. A proporção de professores foi de um para cada 12 alunos e de monitores foi de um para cada grupo de quatro ou cinco estudantes que constituíram uma equipe fixa por mesa cirúrgica. Todos os instrutores conheciam o conteúdo e a metodologia proposta, possuindo domínio sobre o programa de exercícios cirúrgicos aplicados. Ao final do treinamento ocorreu nova avaliação. Os dados obtidos foram codificados e as variáveis categóricas, apresentadas em percentuais foram analisadas pelo teste do qui quadrado. Considerou-se como nível de significância estatística p < 0,05. Tabela 1 - RESULTADOS Dos 87 estudantes de medicina que participaram do treinamento, 48 (55,2%) eram do sexo masculino e 39 (44,8%) eram do sexo feminino. Destes acadêmicos, 53 (60,5%) apresentavam idade entre 20 e 23 anos, 66 (75,8%) estavam entre o 6º e o 9º período do curso de medicina e 70 (80,5%) tinham interesse em área cirúrgica. As características dos participantes são mostradas na tabela 1. O treinamento das suturas propostas, exceto o ponto de Donati contínuo e sutura intradérmica, foi efetivo para o aprendizado das técnicas ensinadas (p<0,005), bem como a biópsia por punch (Figura 1), e a técnica de correção das chamadas dog ears. As excisões e retalhos também demonstraram uma significativa apropriação da técnica básica apesar das variações no gestual cirúrgico (Figura 2). O ensino de enxertos não foi estatisticamente significante para o aprendizado da técnica (p>0,97). Na tabela 2 são exibidos os resultados referentes ao aprendizado deste treinamento. DISCUSSÃO Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina do Ministério da Educação (MEC), o estudante deve saber realizar procedimentos clínicos e cirúrgicos necessários para o atendimento ambulatorial e de urgências e emergências. O curso de graduação precisa utilizar metodologias que privilegiem a coparticipação do aluno no processo educacional, inserindo-o precocemente em atividades práticas relevantes para a vida médica7,8. Segundo estes preceitos, o modelo experimental de cirurgia cutânea em patas de porco pode ser Características dos participantes do treinamento cirúrgico em pata de porco. Características da amostra Sexo Idade ao realizar o curso Período do curso de medicina Interesse em área cirúrgica Feminino Masculino Não respondeu 19 anos 20 aos 23 anos 24 aos 27 anos > 28 anos 3o ao 5o 6o ao 9o 10o ao 12o Não respondeu Sim Não Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 152-156 n % 39 48 4 5 53 20 5 18 66 3 4 70 13 44,8 55,2 4,6 5,7 60,5 22,9 5,6 20,6 75,8 3,4 4,6 80,5 14,9 Purim Avaliação de treinamento cirúrgico na graduação de medicina 154 Figura 1 - Grupo de alunos treinando biópsia por punch. utilizado pelas instituições de ensino, pois permite a avaliação do aluno de forma mais objetiva e o ajuda nas bases e aquisição de habilidades3. Neste trabalho, a metodologia teve uma ótima receptividade por parte dos alunos e docentes por fornecer uma boa noção dos procedimentos, e não contrariar as leis vigentes que proíbem a utilização de animais para experimentos ou apresente riscos para os participantes. O planejamento didático manteve o desafio com a apropriação e reconstrução do conhecimento de forma significativa e consistente, e o compromisso com sua avaliação. Tabela 2 - Figura 2 - Aluna canhota usando bisturi para realizar retalho em pata de porco durante o treinamento cirúrgico. Aprendizado das técnicas básicas ensinadas durante a oficina de cirurgia experimental. Técnica cirúrgica Habilidade prévia ao treinamento Sim Suturas Suturas geral Simples Donati contínuo Intradérmica Retalhos Geral Avanço V-Y Rotação Transposição À distância Excisão Geral Enxerto† Geral “DOG EARS” ‡ Geral Habilidade pós-treinamento Não P Não Sim n % n % n % n % 72 72 15 48 82,8 82,5 17,2 55,2 15 15 72 39 17,2 17,2 82,8 44,8 87 86 16 56 100 98,9 18,4 64,4 0 1 71 31 0 1,1 81,6 35,6 < 0,001 < 0,001 0,84 0,22 23 10 18 7 4 1 26,5 11,5 20,7 8,0 4,6 1,1 64 77 69 80 83 86 73,5 88,5 79,3 92,0 95,4 98,9 86 83 75 82 79 12 98,9 95,4 86,2 94,3 90,8 13,8 1 4 12 5 8 75 1,4 4,6 13,8 5,7 9,2 86,2 < < < < < 25 28,7 62 71,3 78 88,5 9 11,5 < 0,001 2 2,5 79 97,5 4 5,0 77 95,0 0,97 14 16,3 72 83,7 80 93,2 6 6,8 < 0,001 † Foram excluídos os indivíduos que não responderam o pós-teste (seis perdas). ‡ Foram excluídos os indivíduos que não responderam o pós-teste (uma perda). Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 152-156 0,001 0,001 0,001 0,001 0,001 0,004 Purim Avaliação de treinamento cirúrgico na graduação de medicina 155 A reprodução dos exercícios cirúrgicos durante o treinamento foi acompanhada passo a passo permitindo que a maioria das técnicas operatórias ministradas tivesse aproveitamento considerável por parte dos estudantes, sendo estatisticamente embasados. O fato de se trabalhar com alunos motivados em um ambiente adequado ao ensino proporcionou um espaço de efetiva troca de experiências e aprendizagem. A supervisão direta por professores e monitores facilitou a qualidade das vivências cirúrgicas possibilitando correção individualizada de técnicas erroneamente incorporadas e aquisição de novas habilidades. Procedimentos básicos como excisão em fuso, biópsia por punch, sutura simples e correção de orelhas foram corretamente assimilados, resultando em benefício imediato ao estudante, conforme observado na tabela 2. Alguns tipos suturas e de movimentação de tecidos careciam de conteúdos que ainda precisavam ser devidamente trabalhados durante a graduação. As técnicas que não foram completamente dominadas por este grupo podem ser justificadas pelos seguintes fatores: 1) a amostra era muito heterogênea 2) um quinto dos alunos situava-se entre o 3º e o 5º período, motivo pelo qual ainda não haviam cursado a disciplina de Técnica Operatória ou estivessem iniciando-a; 3) havia grande diferença entre os estudantes no manejo do material e na agilidade para execução e repetição dos exercícios; 4) a falta de uniformidade no tempo concedido aos acadêmicos e o grau de interação com os instrutores; 5) as técnicas mais complexas, como retalhos e enxertos, requeriam maior visão espacial e conhecimento anatômico prévio. As dificuldades encontradas apontaram para a necessidade de ajustes nos programas das oficinas visando seu aperfeiçoamento. A documentação fotográfica permitiu registrar peculiaridades no manuseio do instrumental cirúrgico, especialmente pelos estudantes canhotos (Figura 2), como também, daqueles provenientes dos períodos iniciais da graduação. E serviu de base para repensar opções que contribuam para uma melhor utilização deste treinamento, possibilitando rever desde aspectos da instrumentação básica até avanços no processo de ensino-aprendizagemavaliação em cirurgia8. A filmagem da execução dos exercícios poderia, por exemplo, auxiliar na análise do gestual cirúrgico, visando corrigir erros, estimular mudanças e aprimorar o desempenho principalmente para os que pretendem seguir a ciência e arte cirúrgica. O delineamento de pesquisa adotado permitia a intervenção do investigador na característica estudada, ou seja, no treinamento, porém não permitia a alocação aleatória dos participantes, o que constituiu uma limitação deste estudo. Isto pode ser modificado pelo redirecionamento da amostra. Esta oficina não é uma proposta pronta e acabada, mas aberta à medida que contribui de forma inovadora como um recurso pedagógico auxiliando professores e alunos a articular a teoria com a prática. Diante das rápidas transformações tecnológicas, requer complementação contínua dos conhecimentos, habilidades e atitudes com alternativas que reproduzam inteiramente os aspectos e as condições encontradas no ato cirúrgico realizado no ser humano. Embora restrito3, este treinamento experimental reverte em ganhos diretos para o aluno, a universidade e a população. Tem custo reduzido e respeito aos princípios éticos, é seguro e de fácil reprodução. Pode ser enriquecido e diversificado com a integração de outros modelos e ferramentas de ensino-aprendizagem em cirurgia, adaptados as necessidades especificas da graduação e até da pós-graduação. Não existem, atualmente, trabalhos na literatura que possibilitem uma comparação com o presente estudo. Porém, os resultados obtidos nos permitem inferir que oficinas de técnica operatória cutânea, como a realizada, tem um papel fundamental no treinamento prático, e merece mais atenção na formação do graduando de medicina e na avaliação das habilidades cirúrgicas. A B S T R A C T Methods: We Objective: To evaluate the effectiveness of training in surgical techniques in pig feet during medical school. Methods Objective conducted a cross-sectional study with 87 volunteer medical students from different graduation semesters, who attended a basic workshop for incisions, sutures, biopsies, flaps, grafts, under direct supervision. Pre and post-training self-administered questionnaires Results: The teaching of sutures, biopsies and ear correction was effective for learning of the minimal skills required for were used. Results Conclusion: The methodological the proposed techniques (p <0.005), as well as excisions and flaps, except grafting (p> 0 97). Conclusion approach and monitoring of techniques’ reproduction were adequate. The training offered complemented cutaneous surgical skills of undergraduate medicine students. words: Medicine. Education. Medical education. Undergraduate medical education. Outpatient surgical procedures. Key words REFERÊNCIAS 1. Puentes M, Fabián F. Docencia quirúrgica: ¿como enseñas es como te ves? Arch Med. 2008;8(2):149-54. 2. Reichel JL, Peirson RP, Berg D. Teaching and evaluation of surgical skills in dermatology results of a survey. Arch Dermatol. 2004;140(11):1365-9. 3. Purim KS. Oficina de cirurgia cutânea. Rev Col Bras Cir. 2010;37(4):303-5. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 152-156 Purim Avaliação de treinamento cirúrgico na graduação de medicina 156 4. Wang TS, Schwartz JL, Karimipour DJ, Orringer JS, Hamilton T, Jonhson TM. An education theory-based method to teach a procedural skill. Arch Dermatol. 2004;140(11):1357-61. 5. Porte MC, Xeroulis G, Reznick RK, Dubrowski A. Verbal feedback from an expert is more effective than self-accessed feedback about motion efficiency in learning new surgical skills. Am J Surg. 2007;193(1):105-10. 6. Moorthy K, Munz Y, Sarker SK, Darzi A. Objective assessment of technical skills in surgery. BMJ. 2003;327(7422):1032-7. 7. Brasil. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES no 4, de 2001. Brasília, 2001. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. 8. Peres CM, Andrade AS, Garcia SB. Atividades extracurriculares: multiplicidade e diferenciação necessárias ao currículo. Rev Bras educ med. 2007;31(3):203-11. Recebido em 06/07/2012 Aceito para publicação em 10/08/2012 Conflito de interesse: nenhum Fonte de financiamento: nenhuma. Como citar este artigo: Purim KSM, Santos LDS, Murara GT, Maluf EMCP, Fernandes JW, Skinovsky J. Avaliação de treinamento cirúrgico na graduação de medicina. Rev Col Bras Cir. [periódico na Internet] 2013;40(2). Disponível em URL: http://www.scielo.br/rcbc Endereço para correspondência: Kátia Sheylla Malta Purim E-mail: [email protected] Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 152-156 Portela Linfadenectomia no câncer gástrico com hook laparotômico 157 Nota Técnica Linfadenectomia no câncer gástrico com hook laparotômico Lymphadenectomy in gastric cancer with laparotomic hook ANDRÉ ROSSETTI PORTELA, ACBC-MG1; MÁRIO GISSONI DE CARVALHO2; JOSÉ DE ALENCAR GONÇALVES DE MACEDO3 R E S U M O O câncer gástrico é uma neoplasia frequente e de tratamento cirúrgico. Gastrectomia com linfadenectomia D2 é o procedimento padrão com intuito curativo. Os autores relatam o uso do hook laparotômico como alternativa técnica para linfadenectomia. Descritores: Neoplasias. Neoplasias gástricas. Terapêutica. Procedimentos cirúrgicos operatórios. Excisão de linfonodo. INTRODUÇÃO A pesar dos registros de redução da incidência do câncer gástrico (CG), este continua sendo o quarto tumor mais frequente e a segunda causa de morte no mundo. Nos últimos anos, cirurgiões japoneses realizaram grandes esforços para melhorar os resultados do tratamento cirúrgico do CG e introduziram a idéia da linfadenectomia sistematizada por estações, o que resultou em melhor estadiamento, melhora do prognóstico e sobrevida, embora estes resultados muitas vezes não sejam reproduzidos no ocidente1-3. A dificuldade técnica, a falta de adestramento e a indisponibilidade de instrumental adequado são as possíveis causas de insucesso da linfadenectomia do CG. O escopo do trabalho é descrever uma alternativa técnica, para a execução da linfadenectomia, executada com sucesso em 18 pacientes com câncer gástrico na Santa Casa de Belo Horizonte e Instituto Mário Penna/Hospital Luxemburgo – Belo Horizonte, MG, Brasil. Aspectos Técnicos O hook laparotômico (HL) é constituído de uma haste metálica com ponta em L, sem superfície cortante, recoberto por material isolante na haste. O calibre do HL deve ser adaptado à caneta de cautério usada na instituição. Uma alternativa é a confecção de uma caneta de cautério de uso permanente, autoclavável com um HL na extremidade. O comprimento do HL deve variar com o tamanho e compleição física do paciente, devendo o cirurgião possuir, segundo opinião dos autores, um hook com cinco, e outro com dez centímetros. (Figura 1) A dissecção da cadeia D2 pode ser feita após a ressecção do estômago, omento maior, lâmina intercólon epiplóica e pancreática. No entanto é de preferência dos autores a exérese em bloco, facilitado pela tração feita pelo auxiliar dos elementos acima descritos. O cautério monopolar deve estar no modo de coagulação, na intensidade de 20, para se evitar lesão das estruturas adjacentes. A ressecção linfonodal deve seguir o modelo do uso do hook na laparoscopia, “dissecar-coagular”, identificando rigorosamente as estruturas vasculares. Os autores recomendam que seja feita a ligadura mecânica dos linfáticos hepáticos, geralmente posicionados a esquerda da veia porta. (Figuras 2 e 3). Figura 1 – A partir do cabo de bisturi: as duas primeiras hastes são as pontas acopláveis ao cautério de cinco e dez centímetros. As duas últimas são canetas com o HL já acoplados. Trabalho realizado no Instituto Mário Penna/Hospital Luxemburgo – Belo Horizonte/MG. Santa Casa de Belo Horizonte – MG. 1. Cirurgião do Instituto Mário Penna/Hospital Luxemburgo. Assistente da IIa Clínica Cirúrgica da Santa Casa de Belo Horizonte/MG; 2. Cirurgião do Instituto Mário Penna/Hospital Luxemburgo – Belo Horizonte/MG; 3. Cirurgião Geral e do Aparelho Digestivo. Assistente da IIa Clínica Cirúrgica da Santa Casa de Belo Horizonte/MG. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 157-159 Portela Linfadenectomia no câncer gástrico com hook laparotômico 158 Figura 3 – Figura 2 – Dissecção com o hook laparotômico dos linfonodos da artéria hepática (seta preta). DISCUSSÃO O tratamento cirúrgico o único recurso isolado que pode levar à cura ou a uma maior sobrevida, por isso, cabe ao cirurgião realizar com esmero este procedimento. O prognóstico inicialmente está relacionado à penetração da serosa e ao envolvimento linfonodal, porém será de fundamental importância a ressecção completa do tumor macro e microscopicamente (R0). O CG apresenta envolvimento linfonodal relevante mesmo nos tumores precoces, sendo 3% a 5% nos restritos a mucosa e 16% a 25% nos limitados a submucosa. Diante de tal comportamento, nas últimas três décadas, a escola japonesa vem realizando sistematicamente a linfadenectomia D2 como procedimento padrão (linfonodos das artérias gástrica esquerda, hepática comum, esplênica, hepática própria, hilo esplênico e tronco celíaco mais linfonodos das estações 1 a 6) por acreditar que ocorre um aumento na sobrevida, além de melhor estadiamento e avaliação prognóstica1-3. Coto duodenal fechado (seta preta grossa), pedículo hepático dissecado (seta branca grossa) e tronco celíaco com artéria gástrica esquerda ligada (seta preta fina). A linfadenectomia D2 no CG não é isenta de complicações. No entanto, a ausência de pinças coaguladoras e selantes de vasos não pode impedir a realização da linfadenectomia adequada. A sugestão do uso pelos autores do HL se deve ao baixo custo do instrumento, que pode ser fabricado por profissionais que fazem a manutenção do instrumental cirúrgico, além de ser autoclavável e poder ser usado diversas vezes. O adestramento prévio pela grande maioria dos cirurgiões com o hook nas operações laparoscópicas facilita a realização da linfadenectomia. Parece haver diminuição do tempo operatório em relação aos pacientes operados com instrumental convencional. A ligadura mecânica dos linfáticos mais calibrosos, especialmente dos linfáticos à esquerda da veia porta é estimulada pelos autores no intuito de se evitar a ascite linfática, mesmo se tratando de evento raro4. Nossa experiência permite concluir que o hook laparoscópico pode ser empregado para realizar a linfadenectomia D2 com segurança. A B S T R A C T Gastric cancer is a common malignancy of surgical treatment. D2 lymphadenectomy is the standard procedure with curative intent. The authors report the use of laparotomic hook as an alternative technique for lymphadenectomy. words: Neoplasms. Gastric neoplasms. Therapy. Operative surgical procedures. Lymph node excision. Key words REFERÊNCIAS 1. Wang Z, Chen JQ, Cao YF. Systematic review of D2 lymphadenectomy versus D2 with para-aortic nodal dissection for advanced gastric cancer. World J Gastroenterol 2010 March 7; 16(9): 1138-1149. 2. Iilias EJ, Malheiros CA, Kassab P, Castro OAP. Linfadenectomia no adenocarcinoma gástrico. Rev Assoc Med Bras 2006; 52(4): 2704. 3. Dicken BJ, Bigam DL, Cass C, et.al. Gastric Adenocarcinoma. Review and Considerations for Future Directions. Ann Surg 2005;241: 27– 39. 4. Tanaka K, Ohmori Y, Mohri Y, et al. Successful treatment of refractory hepatic lymphorrhea after gastrectomy for early gastric cancer, using surgical ligation and subsequent OK-432 (Picibanil) sclerotherapy. Gastric Cancer 2004; 7: 117-121. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 157-159 Portela Linfadenectomia no câncer gástrico com hook laparotômico 159 Endereço para correspondência: André Rossetti Portela E-mail: [email protected] Recebido em 10/02/2012 Aceito para publicação em 15/03/2012 Conflito de interesse: nenhum Fonte de financiamento: nenhuma Como citar este artigo: Portela AR, Carvalho MG, Macedo JAG. Linfadenectomia no câncer gástrico com hook laparotômico. Rev Col Bras Cir. [periódico na Internet] 2013;40(2). Disponível em URL: http://www.scielo.br/rcbc Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 157-159 Resende Hepatectomia videolaparoscópica com dispositivo de radiofrequência Nota Técnica 160 Hepatectomia videolaparoscópica com dispositivo de radiofrequência Laparoscopic hepatectomy with radiofrequency device VIVIAN RESENDE, TCBC-MG1; CRISTIANO XAVIER LIMA2; MÁRIO MARCOS LUSCKAL3; MILTON CARLOS AGUIAR JUNIOR4; EMANUELE GAMMERI5; NAGY ADLEY HABIB6; JOSÉ RENAN DA CUNHA-MELO7 R E S U M O As ressecções hepáticas laparoscópicas vêm ganhando adeptos entre cirurgiões pois evidenciam recuperação rápida, menor permanência hospitalar e melhor resultado estético. A utilização do dispositivo laparoscópico de radiofreqüência foi pela primeira vez utilizada, com sucesso, no Brasil, para a ressecção de carcinoma hepatocelular no segmento VI, em dois pacientes cirróticos. Apesar do sangramento intraoperatório continuar sendo um grande desafio para o cirurgião durante ressecções hepáticas laparoscópicas, em ambos os casos, a exclusão vascular hepática foi dispensável e não houve necessidade de hemotransfusão. Os pacientes receberam alta hospitalar no quarto dia pós-operatório. Descritores: Cirrose hepática. Carcinoma hepatocelular. Hepatectomia. Cirurgia videoassistida. Dispositivo de identificação por radiofrequência. INTRODUÇÃO O DESCRIÇÃO TÉCNICA sangramento intraoperatório durante ressecções hepáticas continua a ser grande desafio para o cirurgião. Aparelhos, como dissector ultrassônico (CUSA), bisturi harmônico, pinça bipolar e radiofreqüência, são atualmente disponíveis para ajudar na secção do parênquima hepático. A manobra de Pringle é algumas vezes utilizada como medida para diminuir o sangramento. As ressecções hepáticas laparoscópicas vem ganhando adeptos entre cirurgiões pois evidenciam uma rápida recuperação pós operatória, menor permanência hospitalar, além de melhor resultado estético1,2. O controle intraoperatório do sangramento durante procedimento laparoscópico pode ser muito difícil e algumas vezes resulta em conversão para cirurgia aberta. Desde a descrição inicial de ressecção hepática laparoscópica utilizando radiofreqüência um novo dispositivo para uso laparoscópico tem sido desenvolvido e utilizado 1,3,4. O objetivo da presente nota é descrever a técnica para ressecção hepática laparoscópica utilizando-se, pela primeira vez no Brasil, o dispositivo de radiofreqüência, em pacientes cirróticos portadores de carcinoma hepatocelular. Foram dois pacientes admitidos no Grupo de Fígado do Instituto Alfa de Gastroenterologia da Universidade Federal de Minas Gerais. O Primeiro deles do sexo feminino, 69 anos, portadora de cirrose pós viral C e colecistolitíase. O segundo, masculino, 63 anos, com cirrose pós-viral B. Ambos eram Child Pugh A, sem sinais de hipertensão porta significativos e sem critérios para o transplante hepático. Apresentavam lesão no segmento VI do fígado que media 7cmx5cm e 5cmx4cm, respectivamente. Em ambos, a tomografia de abdome com contraste endovenoso e a ressonância nuclear magnética foram compatíveis com carcinoma hepatocelular (Figuras 1a e 1b). A dosagem sérica de alfafetoproteina estava normal. Um deles tinha comorbidade (bócio mergulhante que atingia a bifurcação da traquéia). Realizou-se ressecção laparoscópica utilizandose o dispositivo laparoscópico, que é formado por um arranjo de quatro agulhas dispostas de forma retangular e que utilizam a energia de radiofreqüência 1,3. Após anestesia geral o paciente foi colocado em decúbito lateral esquerdo. Realizou-se punção e pneumoperitônio que foi manti- Trabalho realizado no Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais-MG-BR. 1. Professora Adjunta do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); 2. Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); 3.: Médico Residente (R4) em Cirurgia do Aparelho Digestivo do Instituto Alfa de Gastroenterologia (IAG) do Hospital das Clínicas da UFMG; 4. Médico Residente (R4) em Cirurgia do Aparelho Digestivo do Instituto Alfa de Gastroenterologia (IAG) do Hospital das Clínicas da UFMG; 5. Médico Residente da Universidade de Messina (Sicília); 6. Chefe do Serviço de Cirurgia Hepatobiliopancreática do Hospital Hammersmith, Imperial College of London; 7. Professor. Titular do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 160-163 Resende Hepatectomia videolaparoscópica com dispositivo de radiofrequência Figura 1 - 161 Imagens de carcinoma hepatocelular no segmento VI do fígado (setas), em dois pacientes submetidos à ressecção laparoscópica. 1a: ressonância magnética do abdome (corte frontal); 1b: angiotomografia de abdome (corte transversal). do com CO2 numa pressão de 12mmHg. Foram colocados três portais de 10mm e dois de 5mm. Após secção do ligamento hepatorrenal, demarcou-se com o eletrocautério, uma linha na superfície superior e inferior do fígado delimitando-se a área do segmento VI a ser ressecada (Figura 2a). Aplicou-se o dispositivo, perpendicularmente, ao longo desta linha em ambas as superfícies marcadas (Figuras 2a e 2b). Realizou-se uma segunda linha de ablação no parênquima, correspondente ao lado da lesão, que levou à completa isquemia do segmento VI. Em seguida, o dispositivo foi, sucessivamente, aplicado paralelamente às linhas de ablação perpendicular (Figura 2c), à medida que o parênquima isquêmico foi seccionado com tesoura laparoscópica (Figura 2d). Ao término do procedimento, a área de secção do parênquima ficou completamente regular, sem extravazamento de bile ou sangue (Figura 2e). Colocou-se dreno tubular pelo orifício de um dos portais laterais (Figura 2f). Durante todo o procedimento, não houve necessidade de exclusão vascular hepática. Colecistectomia foi realizada em um dos pacientes. A peça cirúrgica foi colocada em bolsa plástica e retirada através do portal umbilical, que teve a sua incisão ampliada. A duração do procedimento cirúrgico foi em média 120 minutos. A perda sanguínea média foi de 50 ml nos dois pacientes. Nenhum deles necessitou de hemotransfusão. Ambos evoluíram sem complicações e receberam alta hospitalar no quarto dia pós-operatório. O exame anatomopatológico mostrou carcinoma hepatocelular bem diferenciado, com invasão vascular e margens cirúrgicas livres. DISCUSSÃO Recomenda-se uma cuidadosa seleção dos pacientes candidatos à ressecção laparoscópica do fígado. Apesar de resseções maiores já terem sido descritas por laparoscopia5, esta técnica é idealmente considerada para ressecção de tumores menores localizados perifericamente em segmentos inferiores ou laterais do fígado. Tumores grandes localizados profundamente ou próximos à bifurcação porta ou, ainda, nos segmentos posteriores não são usualmente selecionados para ressecção laparoscópica 1,2,4. O dispositivo laparoscópico “Habib Sealer 4X” ( LHS, Angiodynamics, Queensbury, NY), mede 45cm de comprimento com uma parte isolada que permite a aplicação de radiofreqüência numa extensão de 5cm. Um botão de controle no cabo permite ao cirurgião escolher a profundidade da ablação. O aparelho pode ser introduzido através de portal de 10mm 1,3. Algumas vantagens da ressecção laparoscópica incluem menor dor pós-operatória, mobilização precoce e menor permanência hospitalar 1-5. No presente relato os dois pacientes receberam alta hospitalar no quarto dia pósoperatório. Recomenda-se a realização de ultrassom laparoscópico intra-operatório para a demarcação da margem cirúrgica1,4, porém, este aparelho ainda é indisponível em nossa Instituição. Entretanto, a identificação macroscópica do tumor na superfície do segmento VI permitiu a delimitação da linha de secção com segurança. O exame anatomopatológico da peça cirúrgica confirmou a inexistência de neoplasia no tecido hepático adjacente à linha de coagulação (margem cirúrgica de 2cm). Uma van- Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 160-163 Resende Hepatectomia videolaparoscópica com dispositivo de radiofrequência 162 Figura 2 - 2a: demarcação da linha de Imagens de hepatectomia laparoscópica do segmento VI para tratamento de carcinoma hepatocelular. 2a 2b: segunda linha de ablação vista pela face visceral do ressecção e aplicação perpendicular do dispositivo (primeira linha de ablação); 2b 2d: secção do parênquima hepático 2c: ablação paralela à linha de secção, observar a coloração isquêmica do segmento VI. 2d fígado. 2c 2f: posição dos trocartes e dreno (seta). 2e: aspecto final da superfície de ressecção; 2f com tesoura laparoscópica; 2e tagem da ressecção hepática laparoscópica por meio de radiofreqüência é que, além da margem alcançada na peça cirúrgica, esta se estende à superfície de ressecção que sofre ablação 1,3,4. Dificuldades técnicas ou sangramento intra-operatório são motivos frequentes de conversão para cirurgia aberta 2-4. Com o dispositivo laparoscópico por radiofreqüência a perda sanguínea intra-operatória foi mínima o que tornou a cirurgia facilmente exequível e rápida. O procedimento, entretanto, deve ser realizado por equipe com experiência em cirurgia hepatobiliopancreática e videolaparoscópica, para dimimuir morbidade e mortalidade 6. A seleção apropriada dos pacientes e técnica cirúrgica refinada foram primordiais para o sucesso da ressecção hepática laparoscópica, utilizando-se o dispositivo de radiofrequência. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 160-163 Resende Hepatectomia videolaparoscópica com dispositivo de radiofrequência 163 A B S T R A C T Laparoscopic liver resections are gaining adherents among surgeons, as they show rapid recovery, shorter hospital stay and better cosmetic results. The use of a laparoscopic radiofrequency device was first carried out successfully in Brazil for resection of hepatocellular carcinoma of the segment VI in two cirrhotic patients. Although intraoperative bleeding remains a major challenge for the surgeon during laparoscopic liver resections, in both cases the hepatic vascular exclusion was expendable and there was no need for blood transfusion. Patients were discharged on the fourth postoperative day. words: Cirrhosis. Hepatocellular carcinoma. Hepatectomy. Video-assisted surgery. Radio frequency identification device. Key words REFERÊNCIAS 1. Jiao LR, Ayav A, Navarra G, Sommerville C, Pai M, Damrah O, et al. Laparoscopic liver resection assisted by the laparoscopic Habib sealer. Surgery. 2008;144(5):770-4. 2. Bryant R, Laurent A, Tayar C, Cherqui D. Laparoscopic liver resection-understanding its role in current practice: the Henri Mondor Hospital experience. Ann Surg. 2009;250(1):103-11. 3. Pai M, Navarra G Ayav A, Sommerville C, Khorsandi SK, Damrah O, et al. Laparoscopic Habib 4X: a bipolar radiofrequency device for bloodless laparoscopic liver resection. HPB. 2008;10(4):261-4. 4. Bachellier P, Ayav A, Pai M, Weber JC, Rosso E, Jaeck D, et al. Laparascopic liver resection assisted with radiofrequency. Am J Surg. 2007;193(4):427-30. 5. Machado MAC, Makdissi FF, Surjan RCT, Oliveira AC, Pilla VF, Teixeira AR. Trisegmentectomia hepática direita por videolaparoscopia. Rev Col Bras Cir. 2008;35(5):338-41. 6. Resende V, Rezende-Neto JB, Fernandes JS, Cunha-Melo JR. Avaliação da morbidade e da mortalidade após ressecções hepáticas. Rev Col Bras Cir. 2011;38(5):323-6. Recebido em 15/03/2012 Aceito para publicação em 10/04/2012 Conflito de interesse: nenhum Fonte de financiamento: nenhuma. Como citar este artigo: Resende V, Lima CX, Lusckal MM, Aguiar Júnior MC, Gammeri E, Habib NA, Cunha-Melo JR. Hepatectomia videolaparoscópica com dispositivo de radiofrequência. Rev Col Bras Cir. [periódico na Internet] 2013;40(2). Disponível em URL: http://www.scielo.br/rcbc Endereço para correspondência: Vivian Resende E-mail: [email protected] Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 160-163 Campos Classificação de gravidade na pancreatite T B E - Caguda ITE 164 Classificação de gravidade na pancreatite aguda Classification of severity of acute pancreatitis TERCIO DE CAMPOS, TCBC-SP1; JOSÉ GUSTAVO PARREIRA, TCBC-SP2; JOSÉ CESAR ASSEF, TCBC-SP3; SANDRO RIZOLI4; BARTO NASCIMENTO5; GUSTAVO PEREIRA FRAGA, TCBC-SP6 R E S U M O De acordo com a Classificação de Atlanta a pancreatite aguda pode ser dividida, baseado em sua severidade, em uma forma leve ou grave. Uma série de aspectos têm sido discutidos nos últimos anos, tais como, quantas categorias de gravidade devem ser consideradas; se o doente com falência orgânica é igual ao doente com necrose infectada; qual o papel da falência orgânica transitória; e como avaliar a falência orgânica. A reunião de revista “Telemedicina Baseada em Evidência - Cirurgia do Trauma e Emergência” (TBE-CiTE) realizou uma avaliação crítica de artigos relacionados a este tema, considerando três artigos recentes que delinearam duas grandes revisões publicadas nos últimos meses. Estes artigos sugerem a classificação de gravidade em três ou quatro categorias, ao invés de pancreatite aguda leve ou grave, além de discutir qual o melhor escore para avaliar a falência orgânica. As seguintes recomendações foram propostas: (1) A pancreatite aguda deve ser classificada em quatro categorias: leve, moderada, grave e crítica, o que permite uma melhor determinação das características dos doentes; (2) Avaliação de falência orgânica com um escore de gravidade, preferencialmente algum que avalie diretamente cada falência orgânica, tais como o SOFA e o MODS (Marshall). O SOFA parece ter maior acurácia, mas o MODS tem melhor aplicabilidade devido à facilidade de uso. Descritores: Pancreatite. Pancreatite/classificação. Pancreatite necrosante aguda. Doença aguda. Índice de gravidade de doença. INTRODUÇÃO S egundo a Classificação de Atlanta que está completando 20 anos de sua publicação, a pancreatite aguda pode ser classificada em leve ou grave1. Entretanto, uma série de aspectos têm sido discutidos nos últimos anos, tais como: quantas categorias de gravidade devem ser consideradas; se toda pancreatite grave segundo Atlanta é igualmente severa; se o doente com falência orgânica é igual ao doente com necrose infectada; qual o papel da falência orgânica transitória; e como avaliar a falência orgânica. Recentemente, dois artigos de impacto foram publicados a respeito das categorias de gravidade, sendo um deles a proposta da revisão da classificação de Atlanta2,3. O Clube de Revista “Telemedicina Baseada em Evidência - Cirurgia do Trauma e Emergência” (TBE-CiTE) realizou uma revisão de artigos de relevância a respeito da gravidade na pancreatite aguda e a respeito da revisão da classificação de Atlanta. Três artigos foram selecionados com o objetivo de responder duas perguntas: quantas categorias de gravidade devem ser utilizadas e como avaliar a falência orgânica4-6. O primeiro artigo discute a necessidade de inclusão do termo pancreatite aguda moderadamente grave4. O segundo artigo discute a necessidadde de incluir quatro categorias de gravidade, incluindo o termo pancreatite aguda crítica5. O terceiro artigo discute maneiras de avaliar adequadamente a falência orgânica6. A partir dessas recentes publicações foi possível gerar recomendações a respeito do tema baseadas nessas evidências. ESTUDO 1 “Baixa mortalidade e alta morbidade na pancreatite aguda grave sem falência orgânica: um ponto Reunião de Revista TBE - CiTE em 5 de março de 2013, com a participação dos serviços: Serviço de Emergência da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil; Programa de Trauma do Departamento de Cirurgia do Hospital Sunnybrook Health Sciences Centre da Universidade de Toronto, Toronto, Canadá; Disciplina de Cirurgia do Trauma do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil; Disciplina de Cirurgia de Urgência e Trauma do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil. 1. FACS. Professor Adjunto da Santa Casa de São Paulo e Médico do LIM 62 da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil; 2. Médico Assistente do Serviço de Emergência da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil; 3. Professor Doutor Coordenador do Serviço de Emergência da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil; 4. Sandro Rizoli, FRCSC, FACS. Professor Titular de Cirurgia Geral e Terapia Intensiva dos Departamentos de Cirurgia e Terapia Intensiva da Universidade de Toronto, Toronto, Canadá; 5. Professor Mestre Assistente de Cirurgia Geral do Departamento de Cirurgia da Universidade de Toronto, Toronto, Canadá; 6. FACS. Professor Doutor Coordenador da Disciplina de Cirurgia do Trauma do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 164-168 Campos Classificação de gravidade na pancreatite aguda 165 para ser revisto na Classificação de Atlanta e incluir o termo “Pancreatite aguda moderadamente grave”4. Justificativa Quando se analisam os doentes com pancreatite aguda grave (PAG) sem falência orgânica (FO), nota-se que, apesar da morbidade ser considerável, a mortalidade é baixa. Contudo, nos doentes com PAG e FO a mortalidade é alta. Não há informações se o tipo de falência orgânica tem relação com maior ou menor mortalidade nos doentes com PAG, mas sabe-se que os doentes com FO transitória, ou seja, que revertem após 48 horas do início da doença, têm melhor prognóstico. Desta forma, a FO reversível tem sido denominada “transitória”, enquanto FO que não reverte em 48 horas, “persistente”. Desta forma, surge a dúvida sobre a classificação dos doentes com complicações locais, mas que não têm FO persistente. A hipótese dos autores foi que esses doentes deveriam ser classificados como um novo subtipo: pancreatite aguda moderadamente grave. Pergunta Qual a evolução clínica dos doentes com PAG, comparando a mesma entre os doentes sem FO (SFO), com FO única (FOU) e naqueles com FO múltipla (FOM), além de determinar qual o papel de cada FO na mortalidade? Achados principais Na comparação entre os grupos, observou-se diferença significativa (p<0,05) no que diz respeito ao tempo de internação (SFO=28+3 dias; FOU=36+5 dias; FOM=55+4 dias), necessidade de terapia intensiva (SFO=50%; FOU=65%; FOM=90%), média de internação em terapia intensiva (SFO=5 dias; FOU=9 dias; FOM=34 dias) e mortalidade hospitalar (SFO=2%; FOU=18%; FOM=46%). Analisando as diversas falências orgânicas individualmente, notou-se que a chance de óbito foi maior nos doentes que desenvolveram falência renal (Odds ratio, OR = 56), seguida de falência cardiovascular (OR=22), falência respiratória (OR=12) e falência gastrointestinal (OR=10). Na análise multivariada, o risco de óbito intra-hospitalar foi maior para os doentes com FOU e FOM. Não houve aumento da mortalidade para presença de necrose pancreáTabela 1 - tica, de coleções líquidas peripancreáticas ou de infecção sistêmica. A conclusão do estudo sugere a necessidade de revisão da classificação de Atlanta para a inclusão do termo “Pancreatite aguda moderadamente grave”, que inclui os doentes com PAG mas sem falências orgânicas (Tabela 1). Pontos fortes * Estudo retrospectivo que incluiu uma analise ajustada para os fatores provãveis de confusão. * O estudo resulta de dúvidas na prática diária e suas respostas são importantes para quem cuida destes doentes com frequência. * A hipótese e os objetivos são claros e o método permite as conclusões tomadas. * Foram incluídos 207 casos de PAG, uma casuística significativa. * Os grupos (SFO, FOU, FOM) são aparentemente comparáveis e, quando analisadas as variáveis de interesse (por exemplo, mortalidade intra-hospitalar), a diferença entre eles foi significativa. Limitações * Apesar da caracterização de PAG ser clara pelos critérios de Atlanta, não foram expostos os detalhes que motivaram os doentes serem classificados como portadores de PAG. Por exemplo, um doente idoso com icterícia (pela doença biliar e não por falência orgânica) e HAS tem APACHE II maior que 8, mesmo sem maiores problemas relacionados ao pâncreas. * Não houve comparação entre os grupos no que diz respeito a presença e porcentagem de necrose pancreática, bem como quanto a porcentagem de infecção da necrose. * Não houve comparação entre os grupos a respeito dos procedimentos operatórios realizados e sua evolução. * O estudo foi desenvolvido em 9 anos, tempo suficiente para mudanças do protocolo de tratamento e acompanhamento da pancreatite aguda e das falências orgânicas. * Não houve comparação dos escores de gravidade como SOFA, MARSHAL e APACHE II entre os gru- Categorias de gravidade segundo a Revisão da Classificação de Atlanta3. Gravidade da pancreatite aguda Falência orgânica e complicações locais ou sistêmicas Pancreatite aguda leve - Sem falência orgânica - Sem complicações locais ou sistêmicas Pancreatite aguda moderadamente grave - Falência orgânica transitória (resolve em 48 horas) Complicações locais ou sistêmicas sem persistência de falência orgânica Pancreatite aguda grave - Falência orgânica persistente (única ou múltipla) Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 164-168 Campos Classificação de gravidade na pancreatite aguda 166 pos. Estes escores estão diretamente ligados a mortalidade e poderiam dar ao leitor uma melhor avaliação da gravidade de cada grupo. ESTUDO 2 “Falência orgânica e infecção da necrose pancreática como determinantes de mortalidade nos doentes com pancreatite aguda”5. Justificativa Na Classificação de Atlanta as complicações locais e a falência orgânica extra-pancreática são determinantes de gravidade na pancreatite aguda. Recentemente, existe o conceito de que a falência orgânica é o fator chave para determinar gravidade, independente das complicações locais. Estudos que avaliam a necrose infectada e mortalidade não são unânimes em suas conclusões, devido à população heterogênea de doentes com e sem falência orgânica, além do pequeno número de doentes nos estudos. Pergunta Determinar através de uma metanálise de estudos clínicos publicados qual a influência da falência orgânica e da necrose pancreática infectada, isoladamente ou em conjunto, na mortalidade dos doentes com pancreatite aguda. Achados principais Foram selecionados 14 estudos publicados entre 1997 e 2009, sendo sete estudos da Europa, três da América do Norte, dois da Ásia e dois da América Latina. Onze estudos foram redigidos na língua inglesa, um em russo, um em turco e um em espanhol. Nesses 14 estudos foram considerados 1478 doentes com pancreatite aguda, sendo 876 com necrose confirmada. Do total de doentes, 600 (40%) apresentavam falência orgânica e 314 (21%) tiveram necrose infectada. A mortalidade foi de 13% (191 doentes), dos quais 30% (179 de 600) eram doentes com falência orgânica independente de necrose infectada ou não, e 32% (102 de 314 doentes) eram doentes com necrose infectada, independente da presença de falência orgânica ou não. Entretanto, a mortalidade foi de 43% (92 Tabela 2 - de 213) nos doentes com falência orgânica e necrose infectada confirmada, contra 22% (87 de 387) naqueles com falência orgânica sem necrose infectada. A presença de necrose infectada esteve associada com um aumento significativo do risco de morte nos doentes com falência orgânica (RR=1,94; p=0,0007). A necrose infectada quando comparada com a estéril esteve associada com um risco significantemente maior de morte (RR=1,84 p<0.0001). A mortalidade foi de 11% (10 de 93) nos doentes com necrose infectada, mas sem falência orgânica. Pontos fortes * Primeira metanálise sobre determinantes de mortalidade na pancreatite aguda. * Considera artigos de todo o mundo independente do idioma ou local. * Critérios rígidos de avaliação dos artigos. * Número significativo de doentes suficiente para uma conclusão. * Proposta de uma nova categoria de gravidade, a “pancreatite crítica”, fundamentada nos dados obtidos (Tabela 2). Limitações * Considera estudos retrospectivos e prospectivos. * Dificuldade de estudos sobre pancreatite aguda grave, devido ao número limitado de casos em cada instituição. * Definição de falência orgânica variável entre os artigos. * Conduta variável entre os serviços. ESTUDO 3 “A performance dos escores de disfunção orgânica para a predição precoce e manuseio de gravidade na pancreatite aguda”6. Justificativa A Classificação de Atlanta define duas categorias de gravidade: leve e grave. A pancreatite aguda grave é definida pela presença de falência orgânica e/ou complicações locais. Entretanto, duas limitações maiores estão Categorias de gravidade segundo determinantes de gravidade2. Determinantes de gravidade Necrose pancreática ou peri-pancreática Falência orgânica Classificação de gravidade na pancreatite aguda Leve Moderada Grave Crítica Não Estéril Infectada Infectada E E/OU OU E Não Transitória Persistente Persistente Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 164-168 Campos Classificação de gravidade na pancreatite aguda 167 presentes na classificação de Atlanta: essa classificação não considera o termo falência orgânica transitória, tratando estes doentes, que têm melhor prognóstico, como doentes graves; além de promover uma classificação pósepisódio, sem objetivo de promover informações relacionadas ao prognóstico no momento da admissão. Porém, é necessário diferenciar doentes com alto risco daqueles com baixo risco de mortalidade e de complicações. Este teste deve ser sensível e preditivo. Os testes preditivos são usados para a identificação de doentes para estudos. A identificação precoce de doentes com a forma grave da pancreatite aguda é difícil, apesar de um grande número de fatores prognósticos descritos. Os escores de falência orgânica utilizados em UTI ganham relevância frente à importância da falência orgânica na PA (LODS/Marshall), mas são pouco avaliados na pancreatite aguda. Os escores de disfunção orgânica têm vários atrativos: o escore é calculado com um relevante e compreensivo conjunto de dados biológicos; indicam doentes com necessidade de terapia intensiva; e indicam doentes com maior risco de eventos adversos. Pergunta Qual o melhor escore de disfunção orgânica para predizer gravidade na pancreatite aguda? Achados principais Foram analisados 181 doentes, sendo 29 (16%) classificados como graves. A principal etiologia foi a biliar (53%), seguido da alcoólica (23%), idiopática (15%), pósCPRE (6%), e outras (3%). Quatro doentes morreram no grupo de doentes graves. O tempo entre o início do surto até a admissão foi de 18,7 + 17 horas. Os doentes com APACHE II > 11 na admissão classificados como PA leve não necessitaram de UTI e nem de suporte de falência orgânica, e foram liberados em até 10 dias. A área sob a curva (AUC) para o APACHE II na admissão foi de 0,78. Utilizando-se um valor de APACHE II de 7, a sensibilidade foi de 74%, a especificidade de 67%, o que não é adequado para predizer necessidade de UTI. Considerando-se este valor, 26% dos casos graves foram perdidos. O valor preditivo positivo de 32% significa que 1 em 3 doentes selecionados para UTI seriam classificados subsequentemente como graves. Considerando-se a necessidade de um teste com alta especificidade (>90%), então o MODS, APACHE II e o SOFA foram semelhantes na avaliação de 24 horas. O balanço entre a sensibilidade e a especificidade foram melhor conseguidas pelo LODS. A AUC foi similar para os quatro testes. O LODS escore com um corte de 1 conseguiu 90% de sensibilidade e 69% de especificidade, correspondendo a um valor preditivo de 38%. O LODS, MODS e SOFA parecem ser melhor que o APACHE II e que a Proteína C Reativa no período de 48 horas. A AUC foi similar para os cinco testes. O SOFA escore com um corte de 1 obteve 80% de sensibi- lidade e 84% de especificidade, correspondendo a um valor preditivo de 50%. Na identificação de doentes graves, a sensibilidade de um teste tem um papel importante, e o valor preditivo positivo se torna uma medida de seleção de homogeneidade (proporção de casos selecionados que se tornam graves). Com o LODS escore igual ou maior que 1, 90% dos casos graves serão incluídos, mas apenas 38% de todos os recrutados serão considerados graves. O SOFA escore de 3 ou mais irá identificar metade dos casos graves, e a seleção irá abordar quase 3/4 dos casos graves. Isto pode ser considerado uma performance adequada. Esta abordagem pode ser considerada também para os casos leves, onde a especificidade se torna importante e o valor preditivo negativo tem uma acurácia de seleção. Com o APACHE II de 10, selecionando escores menores ou iguais a 9, obteve-se homogeneidade de 90% com eficiência de recrutamento de 92%. Do mesmo modo, na admissão, APACHE II é inadequado para predizer casos graves. Entretanto, ele detecta muito bem os casos leves. Com um escore de 9 (selecionando escores menores ou iguais a 8) obtém-se homogeneidade de 91% e eficiência de 79%. Em 24 horas, o APACHE II, LODS, MODS e SOFA foram todos moderadamente ou altamente correlatos. Um padrão similar ocorre em 48 horas (APACHE II, PCR, LODS, MODS e SOFA). Consequentemente, com estes testes, as combinações provavelmente não irão ajudar na identificação de doentes leves e graves. Os testes tiveram performance semelhantes, ou seja, pode-se escolher um deles. Devido à alta correlação entre eles, não parece haver vantagens na combinação deles. O SOFA escore de 3 avaliado em 24 horas tem acurácia de 70% para identificar casos graves (o que poderia ser identificado também com parâmetros clínicos). O APACHE II menor que 9 classifica 91% dos doentes como pancreatite aguda leve. Pontos fortes * Número significativo de doentes incluídos em um único centro. * A análise considerou os principais escores normalmente usados em UTI, desta vez na pancreatite aguda. * Conclusões práticas para selecionar e para excluir gravidade. Limitações * Diagnóstico de pancreatite utilizado não é o mais utilizado (dois entre três fatores: quadro clínico típico, elevação de amilase/lipase 3 vezes superior ao valor normal e TC com aumento do pâncreas). * O cálculo dos escores não foram repetidos após 48 horas (exceto o APACHE II) o que impedia o cálculo de falência orgânica transitória. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 164-168 Campos Classificação de gravidade na pancreatite aguda 168 * Os testes não foram avaliados em conjunto. * O encaminhamento dos doentes para a UTI pode ter sido influenciado pela disponibilidade de leitos. * O estudo desencoraja a combinação de escores, mas sugere que o APACHE II é bom para excluir PA grave e que o SOFA tem boa acurácia para selecionar doentes graves. Conclusões da TBE - CITE As conclusões apresentadas se baseiam nas discussões recentes sobre o tema, demonstrado por estes artigos que culminaram nas duas recentes revisões publicadas sobre o assunto. 1. A Classificação de Atlanta necessita ser atualizada, especialmente na definição mais adequada do grupo de doentes graves. 2. Mais categorias devem ser descritas para gravidade da pancreatite aguda, e não apenas leve ou grave. Um número maior de categorias poderia determinar melhor as características de cada doente. 3. A avaliação da falência orgânica tem um papel fundamental na estratificação dos doentes, e no manuseio inicial, incluindo as indicações de terapia intensiva. Vários escores de gravidade estão disponíveis e podem ser utilizados. Recomendações da TBE-CiTE sobre “Classificação de gravidade na pancreatite aguda”: 1. Classificação da pancreatite aguda em quatro categorias: leve, moderada, grave e crítica, o que permite uma melhor determinação das características dos doentes, como proposto no Quadro 2. 2. Avaliação da presença de falência orgânica em todos os doentes através da utilização de um escore de gravidade, preferencialmente algum que avalie diretamente cada falência orgânica, tais como o LODS, o SOFA e o MODS (Marshall). O SOFA parece ter maior acurácia, mas o MODS tem melhor aplicabilidade devido à facilidade de uso. O APACHE II tem um papel na exclusão de gravidade. A B S T R A C T Based on the Atlanta Classification, acute pancreatitis is classified according to its severity in either mild or severe acute pancreatitis. In recent years, several issues regarding acute pancreatitis have been discussed in the literature. These issues include how many categories of severity should be considered; whether or not a patient with organ failure holds similar holds severity of disease and prognosis of a patient with infected necrosis; the role of transient organ failure; and how to evaluate organ failure. The “Evidencebased Telemedicine - Trauma and Acute Care Surgery” (EBT-TACS) conducted a review of the recent literature on the topic, and critically appraised its most relevant pieces of evidence.. The articles discussed suggested classifying the severity of acute pancreatitis in three or four categories, rather than mild or severe only, and addressed which is the best score to assess organ failure. The following recommendations were proposed: (1) Acute pancreatitis should be classified into four categories: mild, moderate, severe and critical, which allows a better determination of the characteristics of patients, (2) Evaluation of organ failure with a severity score that preferably evaluate directly each organ failure, such as the SOFA and MODS (Marshall). The SOFA seems to have greater accuracy, but the MODS has better applicability due to its ease of use. Key words: Pancreatitis. Pancreatitis/classification. Pancreatitis, acutre necrotizing. Acute disease. Severity of illness index. REFERÊNCIAS 1. Bradley EL 3rd. A clinically based classification system for acute pancreatitis. Summary of the International Symposium on Acute Pancreatitis, Atlanta, Ga, September 11 through 13, 1992. Arch Surg. 1993;128(5):586-90. 2. Dellinger EP, Forsmark CE, Layer P, Lévy P, Maraví-Poma E, Petrov MS, e al. Determinant-based classification of acute pancreatitis severity: an international multidisciplinary consultation. Ann Surg. 2012;256(6):875-80. 3. Banks PA, Bollen TL, Dervenis C, Gooszen HG, Johnson CD, Sarr MG, et al. Classification of acute pancreatitis—2012: revision of the Atlanta classification and definitions by international consensus. Gut. 2013;62(1):102-11. 4. Vege SS, Gardner TB, Chari ST, Munukuti P, Pearson RK, Clain JE, et al. Low mortality and high morbidity in severe acute pancreatitis without organ failure: a case for revising the Atlanta classification to include “moderately severe acute pancreatitis”. Am J Gastroenterol. 2009;104(3):710-5. 5. Petrov MS, Shanbhag S, Chakraborty M, Phillips AR, Windsor JA. Organ failure and infection of pancreatic necrosis as determinants of mortality in patients with acute pancreatitis. Gastroenterology. 2010;139(3):813-20. 6. Mason JM, Babu BI, Bagul A, Siriwardena AK. The performance of organ dysfunction scores for the early prediction and management of severity in acute pancreatitis: an exploratory phase diagnostic study. Pancreas. 2010;39(7):1104-8. Recebido em 10/03/2013 Aceito para publicação em 15/03/2013 Conflito de interesse: nenhum Fonte de financiamento: nenhuma Declaração: As recomendações e conclusões deste artigo representam a opinião dos participantes da reunião de revista TBE-CiTE e não necessariamente a opinião das instituições a que eles pertencem. Como citar este artigo: De Campos T, Parreira JG, Assef JC, Rizoli S, Nascimento B, Fraga GP. Classificação de gravidade na pancreatite aguda. Rev Col Bras Cir. [periódico na Internet] 2013;40(2). Disponível em URL: http:// www.scielo.br/rcbc Endereço para correspondência: Tércio De Campos E-mail: [email protected] Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 164-168 Saad Júnior Tumor raro em mediastino: hamartoma 169 Relato de Caso Tumor raro em mediastino: hamartoma A rare mediastinum tumor: hamartoma ROBERTO SAAD JÚNIOR, TCBC-SP1; JOSÉ DONATO DE PRÓSPERO2; ROBERTO GONÇALVES, TCBC-SP3; JORGE HENRIQUE RIVABEN, ACBC-SP4; FABIANO ALVES SQUEFF, TCBC-GO4 INTRODUÇÃO H amartomas (do grego hamarto = “mistura”) são formações tumorais constituídas por tecidos desorganizados, mais comumente vasos, cartilagens, tecido linfoide, gorduroso e outros. Diferem-se dos teratomas (do grego terato = “monstro”) por não apresentarem arranjo organizado. O aspecto macroscópico varia de acordo com as estruturas que constituem o “tumor”. Quando presente na cavidade torácica, são mais encontrados no parênquima pulmonar1,2. Ao exame microscópico, verificou-se neoplasia com estruturas mesenquimais, com predominância de capilares sanguíneos dispostos de modo irregular, revestidos por células endoteliais tumefeitas, formando aglomerados entremeados por tecido conjuntivo com diversos acúmulos linfoides de tamanhos variados concluindo-se como diagnóstico de hamartoma vascular e linfoide (Figura 3). RELATO DO CASO Paciente sexo feminino, 51 anos, hipertensa e diabética, admitida no pronto socorro com queixa de mal estar súbito e de dor torácica atípica, sem repercussões respiratórias ou hemodinâmicas. Refere história prévia de trauma torácico fechado grave, sem sequelas há 30 anos. Observou-se na radiografia de tórax um tumor mediastinal para-aórtico, sendo aventada hipótese diagnóstica de aneurisma de aorta torácica, afastado pela aortografia, que apresentava apenas desvio ântero-medial da aorta em sua porção descendente. Prosseguiu-se a investigação com tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética de tórax que evidenciaram um tumor localizado no mediastino posterior bem delimitado, justaposto à aorta descendente e ao corpo vertebral, com áreas de hipercaptação de contraste sem sinais de invasão de estruturas locais (Figura1). Pelo fato de a paciente apresentar crises hipertensivas esporádicas, pensou-se em feocromocitoma no mediastino (Paraganglioma). As catecolaminas urinárias se mostraram normais, afastando-se então esta hipótese diagnóstica. A paciente foi submetida à toracotomia axilar esquerda, proporcionando bom acesso à cavidade torácica com propósito de se ressecar o tumor. No intraoperatório, identificou-se tumor de cor amarelada com áreas hemorrágicas de permeio, nutrido por vários pedículos pequenos, revestido por uma superfície fibrosa, lisa e brilhante, cujas dimensões eram 6,0x4,0x5,0 cm (Figura 2). Figura 1 - Ressonância Magnética do Tórax evidenciando tumoração localizada no mediastino posterior bem delimitada, justaposta a aorta descendente e ao corpo vertebral. Trabalho realizado na Disciplina de Cirurgia Torácica da Santa Casa de São Paulo. 1. Professor Titular da Disciplina de Cirurgia Torácica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo – FCMSCSP; 2. Professor – Livre Docente do Departamento de Patologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo – FCMSCSP; 3. Pós Graduando do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo – FCMSCSP; 4. Ex-residentes da Disciplina de Cirurgia Torácica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo – FCMSCSP. Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 169-171 Saad Júnior Tumor raro em mediastino: hamartoma 170 Figura 2 - Figura 3 - Achado Intra-operatório. A paciente recebeu alta no terceiro dia de pósoperatório, sem intercorrências. Fez acompanhamento ambulatorial durante dez meses apresentando boa evolução clínica. DISCUSSÃO Os tumores de mediastino são classicamente divididos de acordo com a divisão anatômica preconizada por Shields, em mediastino anterior, médio e posterior. Dentre os tumores de mediastino posterior, os mais frequentes são os de origem neural, porém há relatos de lipomas, hemangiopericitomas, linfagiomas e hemangiomas 3. Aproximadamente 6% dos tumores mediastinais são de origem mesenquimal, sendo mais comum no mediastino anterior. O hamartoma linfoide é encontrado no tórax (71%), ao longo da árvore traqueobrônquica, no hilo pulmonar e no mediastino. O hamartoma consiste de um tumor de forma variável, limites e coloração definidos, de acordo com os elementos estruturais predominantes, constituído por uma variedade de tecidos maduros: cartilaginoso, adiposo, vascular, conjuntivo, epitelial e elementos glandulares. No hamartoma condroide de mediastino, formam-se criptas, Aspecto microscópico do hamartoma vascular e linfoide. o crescimento é lento e o diâmetro, em geral, é em torno de quatro centímetros. O hamartoma linfoide é composto por folículos linfoides em meio a estruturas vasculares. Os folículos linfoides apresentam-se como estruturas em arranjo concêntrico, não existente em nosso caso. Já neste doente, tratava-se de formação tumoral composta predominantemente por capilares sanguíneos em meio a folículos linfoides disseminados. Por esses motivos, achamos apropriado a denominação de hamartoma vásculo-linfoide2,4. O hamartoma é frequentemente encontrado na terceira e quarta décadas, e não há predominância de sexo ou raça. Os sintomas variam com a localização, sendo a tosse e a dor torácica os mais frequentes (10%). Usualmente é encontrado incidentalmente na radiografia de tórax2,4. Ao exame radiográfico, o hamartoma apresenta-se como um tumor solitário, ovalar, levemente lobulado de limites bem definidos, com calcificações típicas – em “pipoca”, centrais, finas ou difusas (15% dos casos). Fatores radiológicos atípicos incluem a presença de broncograma aéreo, cavitação ou formação multinodular septada por espaços aéreos1. Quando no parênquima pulmonar, o tratamento consiste na exérese do tumor, sendo as lobectomias ou pneumonectomias tratamentos de exceção e se aplicam a Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 169-171 Saad Júnior Tumor raro em mediastino: hamartoma 171 alguns casos de tumores de localização endobrônquica. No mediastino posterior, a excisão é tanto diagnóstica quanto curativa5. O diagnóstico do caso exposto foi realizado através de exames de imagem, sendo a tomografia computadorizada (TC) o exame de escolha nos tumores de mediastino. A ressonância nuclear magnética apresenta custo elevado, sendo importante para avaliar extensão tumoral no forame intervertebral e a relação com vasos mediastinais3. Para tumores localizados no mediastino posterior, pode-se lançar mão da arteriografia e do esofagograma para afastar aneurisma e pseudoaneurisma de aorta torácica, doença diverticular e hérnia diafragmática (diagnósticos diferenciais)3. A ressecção dos tumores de mediastino posterior pode ser feita através da toracotomia convencional, toracotomia com preservação muscular e videotoracoscopia5. No caso apresentado, foi realizada toracotomia axilar esquerda com preservação muscular, obtendo-se amplo acesso à cavidade torácica, o que possibilitou dissecção segura do tumor da aorta torácica, com mínima quantidade de sangramento. A paciente obteve recuperação satisfatória no pós-operatório com ótimo resultado estético. A videotoracoscopia está indicada nos tumores menores que seis centímetros, não localizados no ápice e no recesso costodiafragmático posterior e na ausência de invasão de coluna vertebral. Análise de 143 pacientes operados por videotoracoscopia mostrou que a remoção endoscópica não aumentou o risco de recorrência local em um seguimento de 29 meses5. Há relatos de importantes sangramentos quando realizado dissecção de hamartoma por este acesso, devido ao componente vascular abundante. Pelo fato de ser um tumor vascularizado, recomendase a realização de toracotomia para a sua ressecção segura4. Diante do achado anátomo-patológico de hamartoma vásculo-linfoide no mediastino posterior, iniciou-se uma investigação a respeito desta anormalidade. Foram realizados levantamentos baseados em dados do Medline, Scielo, Lilacs e Pubmed. Com esta nomenclatura (hamartoma vásculo-linfoide no mediastino posterior), não encontramos nenhum artigo na literatura pesquisada. Por estes motivos, esta anormalidade poderia corresponder a uma descrição inédita na literatura mundial. Cogitamos que poderia ser uma variante anátomo-patológica da doença de Castleman, doença ainda não muito bem elucidada do ponto de vista anátomo-patológico, localizada no mediastino posterior e em demais regiões4. A estrutura histológica dos folículos linfáticos, entretanto, não apresentava os caracteres observados naquela entidade. A doença de Castleman, também conhecida como hamartoma linfoide, é formada por um conglomerado de folículos linfáticos circundados por capilares sanguíneos presentes na cavidade torácica, na região cervical e em demais locais. O hamartoma vásculo-linfoide, como é o nosso caso, é constituído predominantemente por aglomerados de capilares sanguíneos em meio aos quais existem folículos linfoides delimitados ou não1,2. Tumores de origem mesenquimal no mediastino posterior são raros, de difícil diagnóstico e de tratamento geralmente cirúrgico. O caso relatado tratou-se de um Hamartoma vásculo-linfoide que acreditamos ser uma apresentação anátomo-patológica inédita, no mediastino posterior. A B S T R A C T In the present paper we report a case of mediastinal tumor which we believe has never been reported. Since surgical treatment, the patient presented good evolution. We discuss the presentation, differential diagnosis and therapy. Finally, we stress the importance of the pathologic findings. Key words :Mediastinal neoplasm, Hamartoma, Castleman‘s disease, surgery. right choice? Surg Laparosc Endosc Percutan Tech. 2004;14(1):202. REFERÊNCIAS 1. Shinkai M, Kobayashi H, Kanoh S, Ozeki Y, Aida S, Motoyoshi K. Pulmonary hamartoma: unusual radiologic appearance. J Thorac Imaging. 2004;19(1):38-40. 2. Ozkan H, Tolunay S, Gözü O, Ozer ZG. Giant lymphoid hamartoma of mediastinum (Castleman’s disease). Thorac Cardiovasc Surg. 1990;38(5):321-3. 3. Ximenes M, Barbosa JR. Tumores do mediastino. In: Saad Jr R, Ximenes Netto M, editores. Cirurgia torácica. São Paulo: Atheneu; 1997. p. 155-72. 4. Erdogan A, Eser I, Ozbilim G. Posterior mediastinal localization of Castleman’s disease: report of a Case. Surg Today. 2004;34(9):772-3. 5. Venissac N, Leo F, Hofman P, Paquis P, Mouroux J. Mediastinal neurogenic tumors and video-assisted thoracoscopy: always the Recebido em 15/05/2007 Aceito para publicação em 10/06/2007 Conflito de interesse: nenhum Fonte de financiamento: nenhuma Como citar este artigo: Saad Júnior R, Próspero JD, Gonçalves R, Ribaven JH, Squeff FA. Tumor raro em mediastino: hamartoma. Rev Col Bras Cir. [periódico na Internet] 2013;40(2). Disponível em URL: http://www.scielo.br/rcbc Endereço para correspondência: Fabiano Alves Squeff E-mail: [email protected] Rev. Col. Bras. Cir. 2013; 40(2): 169-171 INSTRUÇÕES AOS AUTORES A Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, órgão oficial do CBC, é publicada bimestralmente em um único volume anual, e se propõe à divulgação de artigos de todas as especialidades cirúrgicas, que contribuam para o seu ensino, desenvolvimento e integração nacional. Os artigos publicados na Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões seguem os requisitos uniformes recomendados pelo Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (www.icmje.org), e são submetidos à avaliação por pares (peer review). A Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões apoia as políticas para registro de ensaios clínicos da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do International Committee of Medical Journal Editor (ICMJE), reconhecendo a importância dessas iniciativas para o registro e divulgação internacional de informação sobre estudos clínicos, em acesso aberto. Sendo assim, somente serão aceitos para publicação os artigos de pesquisas clínicas que tenham recebido um número de identificação em um dos registros de ensaios clínicos validados pelos critérios estabelecidos pela OMS e ICMJE. O número de identificação deverá ser registrado ao final do resumo. O Conselho de Revisores (encarregado do peer-review) recebe os textos de forma anônima e decidem por sua publicação. No caso de ocorrência de conflito de pareceres, o Diretor de Publicações avalia a necessidade de um novo parecer. Artigos recusados são devolvidos aos autores. Somente serão submetidos à avaliação os trabalhos que estiverem dentro das normas para publicação na Revista. Os artigos aprovados poderão sofrer alterações de ordem editorial, desde que não alterem o mérito do trabalho. INFORMAÇÕES GERAIS A Revista do CBC avalia artigos para publicação em português, inglês ou espanhol que sigam as Normas para Manuscritos Submetidos às Revistas Biomédicas, elaborados e publicadas pelo International Committe of Medical Journal Editors (ICMJE www.icmje.org) traduzidas como Conselho Internacional de Editores de Revistas Médicas (CIERM Rev Col Bras Cir. 2008;35(6):425-41) ou de artigo no site da Revista do CBC (www.revistadocbc.org.br) com as seguintes características: Editorial: É o artigo inicial de um periódico, geralmente a respeito de assunto atual solicitado a autor de reconhecida capacidade técnica e científica. Artigo Original: É o relato completo de investigação clínica ou experimental com resultados positivos ou negativos. Deve ser constituído de Resumo, Introdução, Método, Resultados, Discussão, Abstract e Referências, limitadas ao máximo de 30 procurando incluir sempre que possível artigos de autores nacionais e periódicos nacionais O título deve ser redigido em português, em inglês ou espanhol (quando o trabalho for enviado nesta língua). Deve conter o máximo de informações, o mínimo de palavras e não deve conter abreviatura. Deve ser acompanhado do(s) nome(s) completo(s) do(s) autor(es) seguido do(s) nome(s) da(s) instituição(ões) onde o trabalho foi realizado. Se for multicêntrico, informar em números arábicos a procedência de cada um dos autores em relação às instituições referidas. Os autores deverão enviar junto ao seu nome somente um título e aquele que melhor represente sua atividade acadêmica. O resumo deve ter no máximo 250 palavras e estruturado da seguinte maneira: objetivo, método, resultados, conclusões e descritores na forma referida pelo DeCS (http://decs.bvs.br). Podem ser citados até cinco descritores. O abstract também deve conter até 250 palavras e ser estruturado da seguinte maneira: objective, methods, results, conclusion e keywords (http://decs.bvs.br). Artigo de Revisão: O Conselho Editorial incentiva a publicação de matéria de grande interesse para as especialidades cirúrgicas contendo análise sintética e crítica relevante e não meramente uma descrição cronológica da literatura. Deve ter uma introdução com descrição dos motivos que levaram à redação do artigo, os critérios de busca, seguido de texto ordenado em títulos e subtítulos de acordo com complexidade do assunto, resumo e abstract não estruturados. Quando couber, ao final poderão existir conclusões, opiniões dos autores sumarizando o referido no texto da revisão. Deve conter no máximo 15 páginas e 45 referências. Nota Prévia: Constitui observação clínica original, ou descrição de inovações técnicas, apresentada de maneira concisa, de preferência não excedendo a 500 palavras, cinco referências, duas ilustrações e abstract não estruturado. Permite-se três autores. Relato de Caso: Descrição de casos clínicos de interesse geral seja pela raridade na literatura médica ou pela forma de apresentação não usual do mesmo. Não deve exceder a 600 palavras e não necessita resumo, apenas abstract não estruturado, cinco referências e duas ilustrações. Número de autores até cinco. Cartas ao Editor: Comentários científicos ou controvérsias com relação aos artigos publicados na Revista do CBC. Em geral tais cartas são enviadas ao autor principal do artigo em pauta para resposta e ambas as cartas são publicadas no mesmo número da Revista, não sendo permitido réplica. Comunicação Científica: Conteúdo que aborde a forma da apresentação da comunicação científica, investigando os problemas existentes e propondo soluções. Por suas características, essa Seção poderá ser multiprofissional e multidisciplinar, recebendo contribuições de médicos, cirurgiões e não-cirurgiões e de outros profissionais das mais variadas áreas. Nota Técnica: Informação sobre determinada operação ou procedimento de importância na prática cirúrgica. O original não deve ultrapassar seis páginas incluídas as fotos e referências se necessário. É artigo com formato livre, com resumo e abstract. Ensino: Conteúdo que aborde o ensino da cirurgia na graduação e na pósgraduação com formato livre. Resumo e abstract não estruturados. Bioética na cirurgia: discussão dos aspectos bioéticos na cirurgia. O conteúdo deverá abordar os dilemas bioéticos existentes no desempenho da atividade cirúrgica. Formato livre. Resumo e abstract não estruturados. FORMA E ESTILO Texto: A forma textual dos manuscritos apresentados para publicação devem ser inéditos e enviados na forma digital (Word Doc), espaço duplo e corpo de letra arial, tamanho 12. As imagens deverão ser encaminhadas separadas no formato JPG, GIF, TIF e referido no texto o local de inserção. Os artigos devem ser concisos e redigidos em português, inglês ou espanhol. As abreviaturas devem ser em menor número possível e limitadas aos termos mencionados repetitivamente, desde que não alterem o entendimento do texto, e devem ser definidas a partir da sua primeira utilização. Referências: Devem ser predominantemente de trabalhos publicados nos cinco últimos anos não esquecendo de incluir autores e revistas nacionais, restringindo-se aos referidos no texto, em ordem de citação, numeradas consecutivamente e apresentadas conforme as normas de Vancouver (Normas para Manuscritos Submetidos às Revistas Biomédicas - ICMJE www.icmje.org - CIERM Rev Col Bras Cir. 2008;35(6): 425-41 - www.revistadocbc.org.br). Não serão aceitas como referências anais de congressos, comunicações pessoais. Citações de livros e teses devem ser desestimuladas. Os autores do artigo são responsáveis pela veracidade das referências. Agradecimentos: Devem ser feitos às pessoas que contribuíram de forma importante para a sua realização. TABELAS E FIGURAS (Máximo permitido 6 no total) Devem ser numeradas com algarismos arábicos, encabeçadas por suas legendas com uma ou duas sentenças, explicações dos símbolos no rodapé. Cite as tabelas no texto em ordem numérica incluindo apenas dados necessários à compreensão de pontos importantes do texto. Os dados apresentados não devem ser repetidos em gráficos. A montagem das tabelas deve seguir as normas supracitadas de Vancouver. São consideradas figuras todos as fotografias, gráficos, quadros e desenhos. Todas as figuras devem ser referidas no texto, sendo numeradas consecutivamente por algarismos arábicos e devem ser acompanhadas de legendas descritivas. Os autores que desejarem publicar figuras coloridas em seus artigos poderão fazêlo a um custo de R$ 650,00 para uma figura por página. Figuras adicionais na mesma página sairão por R$ 150,00 cada. O pagamento será efetuado através de boleto bancário, enviado ao autor principal quando da aprovação do artigo para publicação. CONDIÇÕES OBRIGATÓRIAS (LEIA COM ATENÇÃO) Fica expresso que, com a remessa eletrônica, o(s) autor(es) concorda(m) com as seguintes premissas: 1) que no artigo não há conflito de interesse, cumprindo o que diz a Resolução do CFM nº.1595/2000 que impede a publicação de trabalhos e matérias com fins promocionais de produtos e/ou equipamentos médicos; 2) citar a fonte financiadora, se houver; 3) que o trabalho foi submetido a CEP que o aprovou colocando no texto o número com que foi aprovado; 4) que todos os autores concedem os direitos autorais e autorizam o artigo em alterações no texto enviado para que ele seja padronizado no formato linguístico da Revista do CBC, podendo remover redundâncias, retirar tabelas e/ou figuras que forem consideradas não necessárias ao bom entendimento do texto, desde que não altere seu sentido. Caso haja discordâncias dos autores quanto às estas premissas, deverão eles escrever carta deixando explícito o ponto em que discordam e a Revista do CBC terá então necessidade de analisar se o artigo pode ser encaminhado para publicação ou devolvido aos autores. Caso haja conflito de interesse ele deve ser citado com o texto: “O(s) autores (s) (nominá-los) receberam suporte financeiro da empresa privada (mencionar o nome) para a realização deste estudo”. Quando houver fonte financiadora de fomento a pesquisa ela deverá ser citada. A responsabilidade de conceitos ou asserções emitidos em trabalhos e anúncios publicados na Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões cabe inteiramente ao(s) autor (es) e aos anunciantes. Não serão aceitos trabalhos já publicados ou simultaneamente enviados para avaliação em outros periódicos. Endereço para contato: Rua Visconde de Silva, 52 - 3° andar Botafogo - 22271-090 Rio de Janeiro - RJ - Brasil Tel.: (21) 2138-0659 (Dna. Ruth) Site: http://www.revistadocbc.org.br/ Endereço para envio dos manuscritos: E-mail: [email protected]