Evangelho segundo S. Lucas 14,1-6. Tendo entrado, a um sábado, em casa de um dos principais fariseus para comer uma refeição, todos o observavam. Achava-se ali, diante dele, um hidrópico. Jesus, dirigindo a palavra aos doutores da Lei e fariseus, disse-lhes: «É permitido ou não curar ao sábado?» Mas eles ficaram calados. Tomando-o, então, pela mão, curou-o e mandou-o embora. Depois, disselhes: «Qual de vós, se o seu filho ou o seu boi cair a um poço, não o irá logo retirar em dia de sábado?» E a isto não puderam replicar. Beato Guerric d'Igny (cerca de 1080-1157), abade cisterciense Leccionário Jesus à mesa com os fariseus O eterno e invisível Criador do mundo, tendo decidido salvar o género humano que se arrastava de geração em geração submetido às duras leis da morte, "nestes tempos que são os últimos" (He 1,2) dignou-se fazer-se homem..., para resgatar na sua clemência aqueles que, na sua justiça, havia condenado. A fim de mostrar a profundidade do seu amor por nós, não só se fez homem, mas homem pobre e humilde, para que, tornando-se próximo de nós na sua pobreza, nos permitisse tomar parte nas suas riquezas (2Co 8,9). Fez-se por nós tão pobre que nem tinha lugar onde repousar a cabeça: "As raposas têm a sua toca e as aves do céu o seu ninho mas o filho do Homem não tem onde repousar a cabeça" (Mt 8,20). É por isso que ele aceitava ir tomar as refeições com quem o convidava, não pelo gosto imoderado pela comida mas para ali ensinar a salvação e suscitar a fé. Ali enchia de luz os convivas com os seus milagres. Ali, os servos, que estavam ocupados no interior da casa e não tinham a liberdade de ir para junto dele, ouviam a palavra da salvação. Na verdade, não desprezava ninguém, nenhum era indigno do seu amor porque "ele tem piedade de nós; não odeia nenhuma das suas obras e ocupa-se cuidadosamente de cada uma delas" (Sb 11,24). Para realizar a sua obra de salvação, o Senhor entrou assim na casa de um notável fariseu, num dia de sábado.. Os escribas e os fariseus observavam-no para o poderem repreender: para, se ele curasse o hidrópico, o poderem acusar de violar a Lei e, se o não curasse, o acusarem de impiedade ou de fraqueza... À luz puríssima da palavra da verdade, viram dissipar-se todas as trevas da sua mentira. João Paulo II Carta Apostólica "Dies Domini", 61 (trad. DC 2186, p. 674 © copyright Libreria Editrice Vaticana) "O sábado foi feito para o homem" (Mc 2,27) O shabbat, o sétimo dia abençoado e consagrado por Deus, ao mesmo tempo que encerra toda a obra da criação, está em ligação imediata com a obra do sexto dia, quando Deus fez o homem « à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1,26). Esta relação mais directa entre o « dia de Deus » e o « dia do homem » não passou despercebida aos Padres, na sua meditação sobre o relato bíblico da criação. A este propósito, S. Ambrósio diz: « Dêmos, pois, graças ao Senhor nosso Deus, que fez uma obra onde Ele pudesse encontrar descanso. Fez o céu, mas não leio que aí tenha repousado; fez as estrelas, a lua, o sol, e nem aqui leio que tenha descansado neles. Mas, ao contrário, leio que Ele fez o homem e que então Se repousou, tendo nele alguém a quem podia perdoar os pecados ». Assim, o « dia de Deus » estará sempre directamente relacionado com o « dia do homem ». Quando o mandamento de Deus diz: « Recorda-te do dia de sábado, para o santificares » (Ex 20,8), a pausa prescrita para honrar o dia a Ele dedicado não constitui de modo algum uma imposição gravosa para o homem, mas antes uma ajuda, para que se consciencialize da sua dependência vital e libertadora do Criador e, simultaneamente, da vocação para colaborar na sua obra e acolher a sua graça. Deste modo, honrando o « repouso» de Deus, o homem encontra-se plenamente a si próprio, e assim o dia do Senhor fica profundamente marcado pela bênção divina (cf. Gn 2,3) e, graças a ela, dir-se-ia dotado, como acontece com os animais e com os homens (cf. Gn 1,22.28), de uma espécie de « fecundidade ». Esta exprimese, não só no constante acompanhamento do ritmo do tempo, mas sobretudo no reanimar e, de certo modo, « multiplicar » o próprio tempo, aumentando no homem, com a lembrança do Deus vivo, a alegria de viver e o desejo de promover e dar a vida. Evangelho segundo S. Lucas 14,1.7-14. Tendo entrado, a um sábado, em casa de um dos principais fariseus para comer uma refeição, todos o observavam. Observando como os convidados escolhiam os primeiros lugares, disselhes esta parábola: «Quando fores convidado para um banquete, não ocupes o primeiro lugar; não suceda que tenha sido convidado alguém mais digno do que tu, venha o que vos convidou, a ti e ao outro, e te diga: 'Cede o teu lugar a este.' Ficarias envergonhado e passarias a ocupar o último lugar. Mas, quando fores convidado, senta-te no último lugar; e assim, quando vier o que te convidou, há-de dizer-te: 'Amigo, vem mais para cima.' Então, isto será uma honra para ti, aos olhos de todos os que estiverem contigo à mesa. Porque todo aquele que se exalta será humilhado, e o que se humilha será exaltado.» Disse, depois, a quem o tinha convidado: «Quando deres um almoço ou um jantar, não convides os teus amigos, nem os teus irmãos, nem os teus parentes, nem os teus vizinhos ricos; não vão eles também convidarte, por sua vez, e assim retribuir-te. Quando deres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos. E serás feliz por eles não terem com que te retribuir; ser-te-á retribuído na ressurreição dos justos.» Diádoco de Foticeia (c. 400-?), bispo Sobre a perfeição espiritual, 12-15 «Dar a Deus o lugar principal» Aquele que a si próprio se preza não pode amar a Deus; mas aquele que a si não se preza, devido às riquezas superiores da caridade divina, esse ama a Deus. É por isso que tal homem nunca procura a própria glória, mas a de Deus; porque o que a si mesmo se preza procura a glória própria. Aquele que preza a Deus ama a glória do seu Criador. É, de facto, próprio das almas profundas e amigas de Deus procurar constantemente a glória de Deus em todos os mandamentos cumpridos, e ter regozijo na própria humilhação. Porque a Deus convém a glória em razão da Sua grandeza, e ao homem, a humilhação; deste modo se torna o homem próximo de Deus. Se assim agirmos, regozijando-nos com a glória do Senhor, a exemplo do santo João Baptista, pôr-nos-emos então a dizer continuamente: «É preciso que ele cresça e que eu diminua» (Jo 3,30). Conheço alguém que ama tanto a Deus, ainda que muito se lamente por não O amar como quereria, que a alma lhe arde ininterruptamente no desejo de em si próprio e nos seus gestos ver Deus glorificado, e de se ver a si mesmo como não tendo existência própria. Esse homem não sabe o que é, ainda que o elogiemos, em palavras; porque no seu grande desejo de humilhação não pensa na dignidade própria. Executa os serviços divinos como fazem os padres, mas na sua extrema disposição de amor para com Deus aniquila a recordação da sua própria dignidade no mais profundo da sua caridade para com Deus, enterrando em pensamentos humildes a glória que daí tiraria. Assume-se sempre como um mero servo inútil; o seu desejo de humilhação de alguma maneira lhe exclui a dignidade própria. Eis o que devemos fazer, nós também, de forma a nos afastarmos de toda a honra, de toda a glória, fazendo jus à riqueza transbordante do amor d’Aquele que tanto nos amou. S. Bernardo (1091-1153), monge cisterciense e doutor da Igreja Sermão 37 sobre o Cântico dos Cânticos O segredo do último lugar Se soubéssemos claramente em que lugar Deus põe cada um de nós, deveríamos aceitar tal decisão, sem nunca nos pormos nem acima nem abaixo desse lugar. Mas, no nosso presente estado, os decretos de Deus estão envoltos em trevas e a sua vontade nos está oculta. Por isso, é mais seguro, de acordo com o conselho da própria Verdade, escolher o último lugar, de onde nos tirarão depois com honra, para nos darem um melhor. Se passarmos debaixo de uma porta muito baixa, podemos baixar-nos tanto quanto quisermos sem nada temer mas, se nos levantarmos um dedo que seja acima da altura da porta, bateremos com a cabeça. É por isso que não se deve recear qualquer humilhação, mas antes temer e reprimir o menor movimento de auto-suficiência. Não vos compareis nem aos que são maiores que vós, nem aos vossos inferiores, nem a quaisquer outros, nem sequer a um só. Que sabeis deles? Imaginemos um homem que parece o mais vil e desprezível de todos, cuja vida infame nos horroriza. Pensais que o podeis desprezar, não só por comparação convosco mesmos, que aparentemente viveis na sobriedade, na justiça e na piedade, mas até por comparação a outros malfeitores, dizendo que ele é o pior de todos. Mas sabeis se ele não será um dia melhor que vós e se o não é já aos olhos do Senhor? Por isso é que Deus não quis que ocupássemos um lugar intermédio, nem o penúltimo, nem sequer um dos últimos, mas disse: "Toma o último lugar" a fim de se ficar verdadeiramente só na última fila. Desse modo não pensarás, já não digo a preferir-te, mas simplesmente a comparar-te a quem quer que seja. S. Bruno de Segni (cerca 1045-1123), bispo Comentário ao evangelho de Lucas “Quem se humilha será exaltado” “Tu me preparas abundante mesa em frente de meus inimigos” (Sl 22,5)...Que mais podemos nós desejar? Porque havemos de escolher os primeiros lugares? Seja qual for o lugar que ocuparmos, teremos tudo em abundância e nada nos faltará. Mas tu que procuras ter o primeiro lugar, quem quer que sejas, vai-te sentar no último lugar. Não permitas que o teu saber te encha de orgulho; não te deixes exaltar pela celebridade. Mas quanto mais importante fores, mais necessário é humilhares-te em todas as coisas e “encontrarás graça junto de Deus” (Lc 1,30), de tal modo que no momento favorável ele te dirá: “Meu amigo, vem para um lugar superior” e “isso será para ti uma honra aos olhos de todos os que estão contigo à mesa”. Certamente, tanto quanto dependia dele, Moisés ocupava o último lugar. Assim que o Senhor o quis enviar aos filhos de Israel e o convidou a ter acesso a um estado mais elevado, ele respondeu-lhe: “Ah, Senhor! Eu não sou homem que facilmente use de palavra” (Ex 4,10) “dai essa missão a outro” (Ex 4,13). É como se ele tivesse dito: “Não sou digno de tão alto cargo”. Saul também se considerava como um homem de condição humilde, quando o Senhor fez dele um rei. E igualmente Jeremias, receando subir ao primeiro lugar, dizia: “Ó Senhor meu Deus, vede: não sei falar, não passo de uma criança”. É pois por humildade, e não por orgulho, pelas virtudes, não pelo dinheiro, que nós devemos procurar ocupar o primeiro lugar. Beato Carlos de Foucauld (1858-1916), eremita e misionário no Sahara Retiro, Terra Santa, Quaresma 1898 Seguir a Cristo, servo no último lugar [Diz Cristo:] Vede o meu cuidado para com os homens e observai como deve ser o vosso. Vede a minha humildade perante o bem dos homens e aprendei a baixar-vos para fazerdes o bem..., a tornar-vos pequenos para conquistar os outros, a não recear descer, perder os vossos direitos quando se trata de fazer o bem, a não acreditar que, descendo, se perde a capacidade de fazer o bem. Pelo contrário, quando desceis, imitais-me; ao descer, empregais, por amor dos homens, o meio que eu mesmo empreguei; ao descer, caminhais pelo meu caminho e, por conseguinte, na verdade; e ocupais o melhor lugar para terdes a vida e para a dardes aos outros... Eu ponho-me ao nível das criaturas pela minha encarnação, ao nível dos pecadores... pelo meu baptismo: descida, humildade... Descei sempre, humilhai-vos sempre. Que os que são os primeiros se mantenham sempre no último lugar, por humildade e por disposição de espírito, num sentimento de descida e de serviço. Amor dos homens, humildade, último lugar: sempre no último lugar enquanto a vontade divina não vos chamar a ocupar algum outro porque, então, é preciso obedecer. A obediência antes de tudo, a conformidade à vontade de Deus. Quando estiverdes no primeiro lugar, mantende-vos no último em espírito, pela humildade; ocupai-o em espírito de serviço, dizendo a vós mesmos que só estais aí para servir os outros e conduzi-los à salvação Pregador do Papa: revolução social da humildade ROMA, sexta-feira, 31 de agosto de 2007 (ZENIT.org). *** Eclesiástico 3, 19-21.30-31; Hebreus 12, 18-19.22-24a; Lucas 14, 1.7-14 Em todos os seus atos, seja modesto! O início do Evangelho deste domingo nos ajuda a corrigir um preconceito sumamente difundido. «Num sábado, Jesus entrou para comer na casa de um dos principais fariseus. Eles o observavam atentamente». Ao ler o Evangelho desde um certo ponto de vista, acabou-se fazendo dos fariseus o modelo de todos os vícios: hipocrisia, falsidade; os inimigos por antonomásia de Jesus. Com estes significados negativos, o termo «fariseu» passou a fazer parte do dicionário de nossa língua e de outras muitas. Semelhante idéia dos fariseus não é correta. Entre eles havia certamente muitos elementos que respondiam a esta imagem e Cristo os enfrenta. Mas nem todos eram assim. Nicodemos, que vai ver Jesus de noite e que depois o defende ante o Sinédrio, era um fariseu (cf. João 3, 1; 7, 50ss). Também Saulo era fariseu antes da conversão, e era certamente uma pessoa sincera e zelosa, ainda que não estivesse bem iluminado. Outro fariseu era Gamaliel, que defendeu os apóstolos ante o Sinédrio (cf. Atos 5, 34 e seguintes). As relações de Jesus com os fariseus não foram só de conflito. Compartilhavam muitas vezes as mesmas convicções, como a fé na ressurreição dos mortos, no amor de Deus e no compromisso como primeiro e mais importante mandamento da lei. Alguns, como neste caso, inclusive o convidam para uma refeição em sua casa. Hoje se considera que mais que os fariseus, quem queria a condenação de Jesus eram os saduceus, a quem pertencia a casta sacerdotal de Jerusalém. Por todos estes motivos, seria sumamente desejável deixar de utilizar o termo «fariseu» em sentido depreciativo. Ajudaria ao diálogo com os judeus, que recordam com grande honra o papel desempenhado pela corrente dos fariseus em sua história, especialmente após a destruição de Jerusalém. Durante a refeição, naquele sábado, Jesus ofereceu dois ensinamentos importantes: um dirigido aos «convidados» e outro para o «anfitrião». Ao dono da casa, Jesus disse (talvez diante dele ou só em presença de seus discípulos): «Quando deres um almoço ou um jantar, não convides seus amigos, nem seus irmãos, nem seus parentes, nem os vizinhos ricos...». É o que o próprio Jesus fez, quando convidou ao grande banquete do Reino os pobres, os alitos, os humildes, os famintos, os perseguidos (as categorias de pessoas mencionadas nas Bemaventuranças). Mas nesta ocasião quero deter-me a meditar no que Jesus diz aos «convidados». «Se te convidam a um banquete de bodas, não te coloques no primeiro lugar...». Jesus não quer dar conselhos de boa educação. Nem sequer pretende alentar o sutil cálculo de quem se põe em uma fila, com a escondida esperança de que o dono lhe peça que se aproxime. A parábola nisso pode dar pé ao equívoco, se não se levar em consideração o banquete e o dono dos quais Jesus está falando. O banquete é o universal do Reino e o dono é Deus. Na vida, quer dizer Jesus, escolhe o último lugar, procura contentar os demais mais que a ti mesmo; sê modesto na hora de avaliar seus méritos, deixa que sejam os demais quem os reconheçam e não tu («ninguém é bom juiz em causa própria»), e já desde esta vida Deus te exaltará. Ele te exaltará com sua graça, te fará subir na hierarquia de seus amigos e dos verdadeiros discípulos de seu Filho, que é o que realmente importa. Ele te exaltará também na estima dos demais. É um fato surpreendente, mas verdadeiro. Não só Deus «se inclina ante o humilde e rejeita o soberbo» (cf. Salmo 107, 6); também o homem faz o mesmo, independentemente do fato de ser crente ou não. A modéstia, quando é sincera, não artificial, conquista, faz que a pessoa seja amada, que sua companhia seja desejada, que sua opinião seja desejada. A verdadeira glória foge de quem a persegue quem foge dela. Vivemos em uma sociedade que tem suma necessidade de voltar a escutar esta mensagem evangélica sobre a humildade. Correr para ocupar os primeiros lugares, talvez pisoteando, sem escrúpulos, a cabeça dos demais, são características desprezadas por todos e, infelizmente, seguidas por todos. O Evangelho tem um impacto social, inclusive quando fala de humildade e modéstia. [Tradução realizada por Zenit] S. Padre Pio de Pietrelcina (1887-1968), capuchinho GB 69; Buona giornata 8/8. «Quem se exalta será humilhado, quem se humilha será exaltado» A humildade é a verdade, e a verdade é que eu sou nada. Por conseguinte, tudo o que há de bom em mim vem de Deus. Ora, sucede com frequência esbanjarmos o que Deus pôs de bom em nós. Quando vejo as pessoas pedirem-me qualquer coisa, acontece-me não pensar no que poderia dar-lhes, mas no que não sou capaz de dar-lhes, e, por conseguinte, muitas almas continuam com sede porque eu não soube transmitir-lhes o dom de Deus. O pensamento de que, todos os dias, o Senhor vem até nós e nos dá tudo, bastaria para nos tornar humildes. Mas acontece o contrário, porque o demónio consegue suscitar em nós impulsos de orgulho. Isso não nos honra em absoluto. É preciso, portanto, lutar contra o nosso orgulho. Quando já não pudermos mais, detenhamo-nos por um momento, façamos um ato de humildade; então, Deus, que ama os corações humildes, virá ao nosso encontro. S. Bruno de Segni (cerca de 1045-1123), bispo Comentário sobre o Evangelho de Lucas "Eis que o meu banquete está pronto... Tudo está preparado; vindo para a boda" (Mt 22,4) O Senhor tinha sido convidado para um banquete de núpcias. Ao observar os convivas..., contou-lhes esta parábola que, mesmo tomada no seu sentido literal, é bem útil e necessária a todos os que gostam de gozar da consideração dos outros e têm medo de ser humilhados... Mas, como esta história é uma parábola, encerra uma significação que ultrapassa o sentido literal. Vejamos então que núpcias são estas e quem são os convidados para as bodas. Elas cumprem-se todos os dias no seio da Igreja. Cada dia, o Senhor celebra núpcias, porque cada dia Ele se une às almas fiéis no momento do seu baptismo e no momento em que passam deste mundo para o Reino celeste. E nós, que recebemos a fé em Jesus Cristo e o selo do baptismo, somos todos convidados para as bodas. Está lá uma mesa preparada para nós, da qual a Escritura diz: "Preparas uma mesa para mim diante dos meus inimigos" (Sl 22,5). Encontramos lá o pão da oferenda, o vitelo gordo, o Cordeiro que tira os pecados do mundo. São-nos aí oferecidos o pão vivo descido do céu e o cálice de Nova Aliança. São-nos apresentados os evangelhos e as epístolas dos Apóstolos, os livros de Moisés e dos profetas, que são iguarias recheadas de todas as delícias. Que poderíamos desejar mais? Porque escolheríamos os primeiros lugares? Seja qual for o lugar que ocupemos, temos tudo em abundância e nada nos faltará. Pregador do Papa: «Como valorizar a humildade?» Padre Cantalamessa comenta o Evangelho deste domingo ROMA, sexta-feira, 27 de agosto de 2004 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do padre Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia, da passagem evangélica da liturgia do próximo domingo, 29 de agosto (Lc 14, 1.7-14), sobre a repercussão da verdadeira humildade. *** Lucas (14, 1.7-14) E sucedeu um sábado que Jesus foi à casa de um dos chefes dos fariseus (...) Observando como os convidados elegiam os primeiros postos, disse-lhes uma parábola: “Quando fores convidado por alguém a uma boda, não te ponhas no primeiro posto, não seja que tenha sido convidado por ele outro mais distinguido que tu, e vindo o que vos convidou a ti e a ele, diga: ‘Deixa o lugar para ele’”. (...) Disse também ao que lhe havia convidado: “Quando deres um banquete, chama os pobres, os feridos, os coxos, os cegos; e serás ditoso, porque não te podem corresponder, e serás recompensado na ressurreição dos justos”. O começo do Evangelho de hoje nos ajuda a corrigir uma discriminação muito difundida entre os cristãos. Acabou-se por fazer dos fariseus o protótipo de todos os vícios: hipocrisia, falsidade, os inimigos de Jesus. Com estes significados negativos, o termo fariseu e o adjetivo farisaico entraram no vocabulário de nossa língua e de muitas outras. Tal idéia dos fariseus não é correta. Entre eles havia certamente muitos elementos que responderam a esta imagem, e é com eles com quem Cristo se choca duramente. Mas não todos eram assim. Nicodemos, que foi ter com Jesus de noite e que mais tarde o defendeu no Sinédrio, era um fariseu (Cf. João 3,1: 7, 50ss). Fariseu era também Paulo antes da conversão, e era certamente pessoa sincera e diligente, ainda que mal iluminada. Fariseu era Gamaliel, que defendeu os apóstolos ante o Sinédrio (Cf. Atos 5, 34ss). As relações de Jesus com eles não foram, portanto, só conflitivas. Alguns, como neste caso, também o convidam a comer em sua casa. Estes convites por parte de fariseus são tanto mais dignos de destacar enquanto que eles sabem muito bem que não será o fato de convida-lo a sua própria casa o que impede a Jesus de dizer o que pensa. Também em nosso caso Jesus aproveita a ocasião para corrigir alguns desvios e levar adiante sua obra de evangelização. Durante a refeição, aquele sábado, Jesus ofereceu dois ensinamentos importantes: um dirigido aos convidados, outro ao anfitrião. Ao senhor da casa, Jesus diz: «Quando deres uma ceia, não chames teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes, nem teus vizinhos ricos...». Assim fez ele mesmo, Jesus, quando convidou ao grande banquete do Reino pobres, afligidos, mansos, famintos, perseguidos (as categorias de pessoas enumeradas nas Bem-aventuranças). Mas é sobre o que Jesus diz aos convidados onde queria deter-me esta vez. «Quando fores convidado por alguém a uma boda, não te ponhas no primeiro lugar...». Jesus não pretende dar conselhos de boa educação. Tampouco trata de alentar o sutil cálculo de quem se põe no último lugar, com a secreta esperança de que o anfitrião lhe faça um gesto de subir mais para cima. A parábola aqui pode levar a um engano, se não se pensa de que banquete e de que senhor está falando Jesus. O banquete é o mais universal do Reino e o senhor é Deus. Na vida, quer dizer Jesus, elege o último lugar, tenta fazer felizes os demais mais que a ti mesmo; sê modesto ao valorizar seus méritos, deixa que sejam os demais os que os reconheçam, não tu («ninguém é bom juiz em sua própria casa»), e já desde esta vida Deus te exaltará. Exaltar-te-á em sua graça, far-te-á subir na lista de seus amigos e dos verdadeiros discípulos de seu Filho, que é o único que verdadeiramente conta. Exaltar-te-á também na estima dos demais. É um fato surpreendente, mas certo. Não é só Deus que «se inclina para o humilde, mas ao soberbo conhece desde longe» (Sal 137, 6); o homem faz o mesmo, independentemente do fato de que seja mais ou menos crente. A modéstia, quando é sincera e não afetada, conquista, faz a pessoa amada, sua companhia desejada, sua opinião apreciada. A verdadeira glória foge de quem a persegue e persegue a quem a foge. Vivemos em uma sociedade que tem necessidade extrema de voltar a escutar esta mensagem evangélica sobre a humildade. Correr a ocupar os primeiros postos, talvez passando, sem escrúpulos, sobre as cabeças dos demais, a competitividade exasperada, são características por todos suplicadas e por todos, lamentavelmente, seguidas. O Evangelho tem um impato sobre o social, até quando fala de humildade e modéstia. [Original italiano publicado por «Famiglia Cristiana». Tradução realizada por Zenit] ZP04082702 Evangelho segundo S. Lucas 14,12-14. Disse, depois, a quem o tinha convidado: «Quando deres um almoço ou um jantar, não convides os teus amigos, nem os teus irmãos, nem os teus parentes, nem os teus vizinhos ricos; não vão eles também convidar-te, por sua vez, e assim retribuir-te. Quando deres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos. E serás feliz por eles não terem com que te retribuir; ser-te-á retribuído na ressurreição dos justos.» São Gregório de Nazianzo (330-390), bispo, doutor da Igreja Sobre o amor aos pobres, 27-28 Imitar a generosidade de Deus Não há nada em que o homem seja tão parecido com Deus como na capacidade de fazer o bem; e, mesmo tendo nós essa capacidade numa medida completamente diferente da de Deus, façamos pelo menos tudo o que podemos. Deus criou o homem e reergueu-o depois da queda. Não desprezes, pois, aquele que caiu na miséria. Comovido pelo enorme sofrimento do homem, deu-lhe a Lei e os profetas, depois de lhe ter dado a lei não escrita da natureza. Teve o cuidado de nos conduzir, de nos aconselhar, de nos corrigir. Finalmente, deu-Se a Si mesmo em resgate pela vida do mundo. […] Quando navegas de vento em popa, estende a mão aos que naufragam. Quando tens saúde e vives na abundância, socorre os infelizes. Não esperes aprender à tua custa o mal que é o egoísmo e como é bom abrir o coração àqueles que têm necessidade. Presta atenção porque a mão de Deus corrige os presunçosos que se esquecem dos pobres. Aprende com os males dos outros e prodigaliza ao indigente o auxílio que estiver ao teu alcance, por pequeno que seja. Para ele, a quem tudo falta, será alguma coisa. Como o será para Deus, se tiveres feito tudo o que podes. Que a tua disponibilidade para dar aumente a insignificância do dom. E, se nada tens, oferece-lhe as tuas lágrimas. A piedade que brota do coração é um grande reconforto para o infeliz, e a compaixão sincera adoça a amargura do sofrimento. S. Gregório Nazianzeno (330-390), bispo, doutor da Igreja Do amor aos pobres, 8, 14 "Quando deres um banquete, convida os pobres" Velemos pela saúde do nosso próximo com tanto cuidado como pela nossa, seja ele saudável ou desgastado pela doença. Porque "somos todos um no Senhor" (Ro 12,5), ricos ou pobres, escravos ou homens livres, sãos ou doentes. Para todos, há uma só cabeça, princípio de tudo Cristo (Col 1,18); o que os membros do corpo são uns para os outros, é cada um de nós para cada um dos seus irmãos. Por isso, é preciso não negligenciar nem abandonar os que antes de nós cairam num estado de fraqueza que a todos nos espreita. Antes de nos regozijarmos por estar de boa saúde, mais vale compadecer-nos com as infelicidades dos nossos irmãos pobres... Eles são à imagem de Deus tal como nós somos e, apesar da sua aparente decadência, guardaram melhor do que nós a fidelidade a essa imagem. Neles o homem interior revestiu o próprio Cristo e eles receberam o mesmo "penhor do Espírito" (2Co 5,5); têm as mesmas leis, os mesmos mandamentos, as mesmas alianças, as mesmas assembleias, os mesmos mistérios, a mesma esperança. Cristo morreu também por eles, aquele "que tira o pecado do mundo" (Jo 1,29). Tomam parte da herança da vida celeste, eles que foram privados de muitos bens neste mundo. São companheiros dos sofrimentos de Cristo e sê-lo-ão na sua glória. São Gregório de Nazianzo (330-390), bispo, doutor da Igreja O amor dos pobres “Ao agir assim, Tu ensinaste ao teu povo que o justo deve ser amigo dos homens” (Sb 12,19) O primeiro dos mandamentos, o maior, o fundamento da Lei e dos profetas (Mt 22, 40) é o amor que, segundo me parece, dá a sua maior prova no amor para com os pobres, na ternura e na compaixão pelo próximo. Nada honra tanto a Deus como a misericórdia, porque nada Lhe é tão semelhante. “A misericórdia e a verdade caminham à sua frente” (Sl 88, 15), e Ele prefere a misericórdia ao julgamento (Os 6, 6). Nada como a benevolência para com os homens atrai tanto a benevolência do Amigo dos homens (Sb 1, 6); a sua recompensa é justa: Ele pesa e mede a misericórdia. É preciso abrir o nosso coração a todos os pobres e a todos os desgraçados, quaisquer que sejam os seus sofrimentos. É este o sentido do mandamento que nos pede “alegrar-nos com os que se alegram e chorar com os que choram” (Rm 12, 15). Ao sermos homens, também nós, não será conveniente que sejamos benevolentes para com os nossos semelhantes? Santo Agostinho (354-430), bispo de Hippone (África do Norte) e doutor da Igreja Discurso sobre o salmo 121 «Isso ser-te-á restituído na ressurreição dos justos» O amor é muito poderoso: ele é a nossa força. Se não o temos, tudo o resto não nos servirá de nada. «Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, diz o apóstolo Paulo, se não tiver amor, sou como bronze que ressoa, ou como címbalo que tine» (1Co 13,1). Escutai em seguida esta palavra magnífica: «Ainda que distribua todos os meus bens em esmolas e entregue o meu corpo a fim de ser queimado, se não tiver amor, de nada me aproveita» (v. 3). Se não tens senão o amor, mesmo que não possas distribuir nada pelos pobres, ama. Darás apenas «um copo de água fresca» (Mt 10,42), e isso valer-te-á a mesma recompensa que Zaqueu, que tinha distribuído metade da sua fortuna (Lc 19,8). Como será isso? Um dá pouco, o outro muito e os seus gestos têm o mesmo valor? O salmista diz: «Iremos à casa do Senhor». Vejamos nós se lá vamos. Não são os nossos pés, mas os nossos corações que nos levam lá. Vejamos se vamos lá; que cada um de vós se interrogue: Que fazes tu pelo pobre fiel, pelo indigente teu irmão ou pelo mendigo que te estende a mão? Vê se o teu coração não é muito estreito... «Procurai o que faz a paz de Jerusalém» (Sl. 121). O que é que faz a paz de Jerusalém? «A abundância para os que te amam» (Vulg.). O salmista dirige a palavra a Jerusalém: «Os que te amam estarão na abundância» – a abundância depois da pobreza. Aqui em baixo, a miséria, lá em cima, a abundância; aqui a fraqueza, lá, a força; os que são pobres aqui, serão ricos lá em cima. Donde vem a sua riqueza? Do que deram aqui, dos bens que por algum tempo receberam de Deus; lá, eles recebem o que Deus lhes dá, por toda a eternidade. Meus irmãos, aqui os ricos são pobres; é bom que o rico descubra a sua pobreza. Ele julga-se repleto? É inchamento, não plenitude. Que ele reconheça o seu vazio a fim de poder ser cumulado. Que é que ele possui? Ouro. Que lhe falta ainda? A vida eterna. Que ele olhe bem para o que tem e para o que lhe falta. Irmãos, que ele dê o que possui, a fim de receber o que não tem. Evangelho segundo S. Lucas 14,15-24. – cf.par. Mt 22,2-10 Ouvindo isto, um dos convidados disse-lhe: «Feliz o que comer no banquete do Reino de Deus!» Ele respondeu-lhe: «Certo homem ia dar um grande banquete e fez muitos convites. À hora do banquete, mandou o seu servo dizer aos convidados: 'Vinde, já está tudo pronto.' Mas todos, unanimemente, começaram a esquivar-se. O primeiro disse: 'Comprei um terreno e preciso de ir vê-lo; peço-te que me dispenses.' Outro disse: 'Comprei cinco juntas de bois e tenho de ir experimentá-las; peço-te que me dispenses.' E outro disse: 'Casei-me e, por isso, não posso ir.' O servo regressou e comunicou isto ao seu senhor. Então, o dono da casa, irritado, disse ao servo: 'Sai imediatamente às praças e às ruas da cidade e traz para aqui os pobres, os estropiados, os cegos e os coxos.' O servo voltou e disse-lhe: Senhor, está feito o que determinaste, e ainda há lugar.' E o senhor disse ao servo: 'Sai pelos caminhos e azinhagas e obriga-os a entrar, para que a minha casa fique cheia.' Pois digo-vos que nenhum daqueles que foram convidados provará do meu banquete.» Didaké (entre 60 e 120), catequese judeo-cristã § 9,10,14 Reunidos dos quatro ventos para o banquete de Deus A propósito de Eucaristia, rendei graças assim: Primeiro pelo cálice: Nós te damos graças, ó nosso Pai, pela santa vinha de David, teu servo, que nos revelaste por Jesus, teu Filho. Glória a ti, pelos séculos! Depois, pelo pão partido: Nós te damos graças, ó Pai, pela vida e pelo conhecimento que nos revelaste por Jesus, teu Filho. Glória a ti pelos séculos! Tal como este pão que partimos, trigo outrora disseminado sobre as colinas, foi colhido para ser um só, assim a tua Igreja seja reunida das extremidades da terra para o teu Reino! Porque a ti pertencem a glória e o poder pelos séculos! Depois de estardes saciados, rendei graças assim: Nós te damos graças, ó Pai santo, pelo teu santo nome que fizeste habitar nos nossos corações, pelo conhecimento, pela fé e pela imortalidade que nos revelaste por Jesus, teu Filho. Glória a ti pelos séculos! Foste tu, Senhor todo-poderoso, que criaste o universo, para glória do teu nome; tu deste em abundância alimento e bebida aos filhos dos homens; mas, a nós, deste a graça de um alimento espiritual e de uma bebida para a vida eterna por Jesus, teu Filho. Acima de tudo, damos-te graças porque és poderoso. Glória a ti pelos séculos! Lembra-te, Senhor, da tua Igreja, para a livrares do mal, para a tornares perfeita no teu amor. Reune-as dos quatro ventos, essa Igreja santificada, no teu Reino que lhe preparaste. Porque a ti pertencem o poder e a glória pelos séculos! "Que venha o Senhor" (Ap 22,20) e que este mundo passe! Hossana à casa de David! Aquele que é santo, que se aproxime. Aquele que o não é, que faça penitência. « Marana tha ! » (1Co 16,22). Amen. Santo Ambrósio (c. 340-397), bispo de Milão e doutor da Igreja Tratado sobre o Evangelho de S. Lucas, 7 “Obriga-os a entrar, para que a Minha casa se encha” Os convidados desculpam-se, mas o Reino só está fechado a quem dele se excluir pela sua própria palavra. Na sua clemência, o Senhor a todos convida; é a nossa cobardia, é o nosso descaminho, que dele nos afastam. Aquele que prefere comprar uma propriedade é estranho ao Reino; no tempo de Noé, compradores e vendedores foram engolidos pelo dilúvio (Lc 17, 28). […] O mesmo acontece àquele que se desculpa porque se casou, pois está escrito: “Se alguém vem ter comigo e não aborrece a seu pai, mãe, esposa […], não pode ser Meu discípulo” (Lc 14, 26). Assim, após receber o desdém orgulhoso dos ricos, Cristo voltou-Se para os pagãos; chama bons e maus, para fazer crescer os bons, para melhorar as disposições dos maus. […] Convida os pobres, os doentes, os cegos, o que mostra que nenhuma enfermidade física afasta ninguém do Reino, e que a enfermidade dos pecados é sarada pela misericórdia do Senhor. […] Manda, pois, procurá-los aos caminhos, porque “a Sabedoria clama nas ruas” ( Prov 1, 20). Manda procurá-los às praças, dizendo aos pecadores que abandonem as vias espaçosas e tomem o caminho estreito que conduz à vida (Mt 7, 13). Manda buscá-los às estradas e aos valados, porque os mais capazes de chegar ao Reino dos Céus são aqueles que, sem se deixarem deter pelos bens presentes, se apressam a ir atrás dos futuros, tendo tomado a via da boa vontade […], opondo a muralha da fé às tentações do pecado. Divina Liturgia de São Basílio (século IV) Oração eucarística, I Parte «Vai pelos caminhos e azinhagas e obriga toda a gente a entrar para que a minha casa fique cheia» Santo, santo, Tu és verdadeiramente santo, Senhor nosso Deus, e não há limite para a grandeza da Tua santidade: Tu dispuseste todas as coisas com correcção e justeza. Modelaste o homem com o barro da terra, honraste-o com a imagem do próprio Deus, colocaste-o num paraíso de delícias, prometendo-lhe – se observasse os mandamentos – a imortalidade e o gozo dos bens eternos. Mas ele transgrediu os Teus mandamentos, Deus verdadeiro, e, seduzido pela malícia da serpente, vítima do seu próprio pecado, submeteu-se à morte. Pelo Teu justo juízo, foi expulso do Paraíso para este mundo, reenviado para a terra de onde havia sido tirado. Mas Tu dispuseste para ele, no Teu Cristo, a salvação pelo novo nascimento, pois não rejeitaste para sempre a criatura que havias criado na Tua bondade; velaste por ela de muitas maneiras, na grandeza da Tua misericórdia. Enviaste profetas, fizeste milagres pelos santos que, em cada geração, Te foram agradáveis; deste-nos a Lei para nos socorrer; estabeleceste os anjos, para nos guardarem. E, ao chegar a plenitude dos tempos, falaste-nos no Teu único Filho, por Quem criaste o universo; Ele que é o esplendor da Tua glória e a imagem da Tua natureza; Ele que tudo realiza pelo poder da Sua palavra; Ele, que não preservou ciosamente a Sua igualdade com Deus mas, desde toda a eternidade, veio à terra, viveu com os homens, tomou carne na Virgem Maria, aceitou a condição de escravo, assumiu o nosso corpo miserável, para nos tornar conformes ao Seu corpo de glória (Heb 1, 2-3; Fil 2, 6-7; 3, 21). E, como foi pelo homem que o pecado entrou no mundo – e, pelo pecado, a morte –, agradou ao Filho único, a Ele que Se encontrava eternamente no Teu seio, ó Pai, mas que nasceu de mulher, condenar o pecado na Sua carne, a fim de que aqueles que haviam morrido em Adão tivessem a plenitude da vida em Cristo (Rom 5, 12; 8, 3). Enquanto viveu neste mundo, Ele deu-nos preceitos de salvação, desviou-nos do erro dos ídolos, levando-nos a conhecer-Te, a Ti, Deus verdadeiro. Desse modo, conquistou-nos para Si como povo escolhido, sacerdócio real, nação santa (1 Ped 2, 9). Evangelho segundo S. Lucas 14,25-33. – cf.par. M6 10,37-38 Seguiam com ele grandes multidões; e Jesus, voltando-se para elas, disse-lhes: «Se alguém vem ter comigo e não me tem mais amor que ao seu pai, à sua mãe, à sua esposa, aos seus filhos, aos seus irmãos, às suas irmãs e até à própria vida, não pode ser meu discípulo. Quem não tomar a sua cruz para me seguir não pode ser meu discípulo. Quem dentre vós, querendo construir uma torre, não se senta primeiro para calcular a despesa e ver se tem com que a concluir? Não suceda que, depois de assentar os alicerces, não a podendo acabar, todos os que virem comecem a troçar dele, dizendo: 'Este homem começou a construir e não pôde acabar.' Ou qual é o rei que parte para a guerra contra outro rei e não se senta primeiro para examinar se lhe é possível com dez mil homens opor-se àquele que vem contra ele com vinte mil? Se não pode, estando o outro ainda longe, manda-lhe embaixadores a pedir a paz. Assim, qualquer de vós, que não renunciar a tudo o que possui, não pode ser meu discípulo.» S. Basílio (c. 330-379), monge bispo de Cesareia na Capadócia, doutor da Igreja Grandes Regras Monásticas; questão 8 Nada preferir a Cristo Nosso Senhor Jesus Cristo disse a todos, por várias vezes e dando diversas provas: "Se alguém quiser vir após mim, que renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me" e também "Aquele de entre vós que não renunciar a tudo o que tem não pode ser meu discípulo". Parece, pois, exigir a renúncia mais completa... "Onde estiver o teu tesouro, diz noutra altura, aí estará o teu coração" (Mt 6,21). Portanto, se reservarmos para nós bens terrestres ou qualquer provisão fugaz, o nosso espírito permance ali atolado como que na lama. É então inevitável que a nossa alma fique incapaz de contemplar Deus e se torne insensível aos desejos dos esplendores do céu e dos bens que nos foram prometidos. Só poderemos obter esses bens se os pedirmos sem cessar, com um desejo ardente que, de resto, nos tornará leve o esforço para os atingir. Renunciar a nós mesmos é, pois, soltar os laços que nos prendem a esta vida terrestre e passageira, libertar-nos das contingências humanas, a fim de sermos mais capaz de caminhar na via que conduz a Deus. É libertar-nos dos entraves a fim de possuir e usar bens que são "muito mais preciosos do que o ouro e a prata" (Sl 18,11). E, para dizer tudo, renunciar a nós mesmos é transportar o coração humano para a vida no céu, de tal forma que possamos dizer: "A nossa pátria está nos céus" (Fl 3,20). E, sobretudo, é começar a tornar-nos semelhantes a Cristo, que se fez pobre por nós, ele que era rico (2 Co 8,9). Devemos assemelhar-nos a ele se quisermos viver conforme o Evangelho. Filoxeno de Mabboug (? - c. 523), bispo na Síria Homilias, nº 6 Ser seu discípulo Escuta a voz de Deus que te impele a sair de ti para seguires a Cristo e serás um discípulo perfeito: "Quem não renunciar a tudo o que tem não pode ser meu dicípulo". Que tens tu a dizer? Que podes responder a isto? Todas as tuas hesitações e as tuas questões caem diante desta única palavra; a palavra da verdade é a senda sublime por onde avançarás. Jesus disse ainda: "Quem não renunciar a todos os seus bens e não tomar a sua cruz para caminhar após mim, não pode ser meu discípulo". E, para nos ensinar a renunciar não apenas aos nossos bens, para o glorificarmos, e ao mundo, para o confessarmos diante dos homens, mas também à nossa vida, acrescentou: "Se alguém não renunciar a si mesmo, não pode ser meu discípulo"... Noutro lugar disse: "Quem perder a sua vida neste mundo, guarda-a para a vida eterna. Se alguém me servir, o Pai honrá-lo-á" (Jo 12,25 sg). E disse ainda aos seus: "Levantai-vos. Partamos daqui" (Jo 14,31). Por esta palavra mostrou que, tanto o seu lugar como o dos discípulos, não é aqui em baixo. João Cassiano (c. 360-435), fundador de convento em Marselha Conferências 3, 6-7 Renunciar a todos os bens Segundo a tradição dos Padres e a autoridade das Sagradas Escrituras, as renúncias são em número de três. […] A primeira diz respeito às coisas materiais; devemos desprezar as riquezas e todos os bens deste mundo. Pela segunda, repudiamos a nossa antiga maneira de viver, os vícios e as paixões da alma e da carne. Pela terceira, distanciamos o nosso espírito de todas as realidades presentes e visíveis, para contemplarmos apenas as realidades futuras e desejarmos apenas as realidades invisíveis. Estas renúncias devem ser observadas em conjunto, como o Senhor ordenou a Abraão quando lhe disse: “Deixa a tua terra, a tua família e a casa de teu pai” (Gn 12, 1). “Deixa a tua terra” – isto é, as riquezas da terra –, disse em primeiro lugar. Em segundo lugar disse: “Deixa a tua família”, isto é, os hábitos e os vícios passados que, agregando-se a nós desde o dia em que nascemos, estão estreitamente unidos a nós por uma espécie de parentesco. E, em terceiro lugar, “Deixa a casa de teu pai”, quer dizer, todas as ligações a este mundo que se apresentam aos nossos olhos. […] Contemplemos, como diz o Apóstolo Paulo, “não as coisas visíveis, mas as invisíveis, porque as visíveis são passageiras, ao passo que as invisíveis são eternas” (2 Cor 4, 18) […]; “nós, porém, somos cidadãos do céu” (Fil 3, 20). […] Sairemos, pois, da casa do nosso antigo pai, daquele que era nosso pai segundo o homem velho, desde o dia em que nascemos, desde que “éramos por natureza filhos da ira, como os demais” (Ef 2, 3), e transferiremos toda a nossa atenção, todo o nosso espírito, para as coisas celestes. […] Então, a nossa alma elevar-se-á até ao mundo invisível, pela meditação constante das coisas de Deus e pela contemplação espiritual. João Cassiano (cerca de 360-435), fundador de um mosteiro em Marselha Conferências "Oferecer a Deus o nosso verdadeiro tesouro" Muitos dos que, para seguirem Cristo, tinham desprezado fortunas consideráveis, enormes somas de ouro e de prata, propriedades magníficas, deixaram-se depois tocar por uma lima de unhas, por um alfinete, por uma agulha, por uma caneta... Depois de terem distribuido todas as suas riquezas por amor de Cristo, conservam a sua antiga paixão e entregam-se a futilidades, capazes de se enfurecerem só para as defender. Não tendo a caridade de que fala S. Paulo, a sua vida é marcada pela esterilidade. O bem-aventurado Apóstolo previa essa desgraça: "Mesmo que eu distribua todos os meus bens para alimento dos pobres e entregue o meu corpo às chamas, se eu não tiver caridade, isso não me serve de nada", dizia ele (1 Co 13,3). Prova evidente de que não se alcança de repente a perfeição apenas pela renúncia a todas as riquezas e pelo desprezo das honrarias, se não se lhes juntar esta caridade que o Apóstolo descreve nos seus diversos aspectos. Ora ela só existe na pureza de coração. Porque rejeitar a inveja, a ostentação, a cólera e a frivolidade, não procurar o interesse próprio, não se comprazer com a injustiça, não procurar o mal e tudo o resto (1 Co 13,4-5): o que é isso senão oferecer continuamente a Deus um coração perfeito e puríssimo, e guardá-lo indemne de qualquer paixão? A pureza de coração será, pois, o fim último das nossas acções e dos nossos desejos. Santa Teresa do Menino Jesus (1873-1897), carmelita, Doutora da Igreja Carta 197, de 17/09/1896 «Quem de entre vós não renunciar a todos os seus bens não pode ser Meu discípulo» Minha querida irmã, como podeis perguntar-me se vos será possível amar o Bom Deus como eu o amo? [...] Os meus desejos de martírio nada são, não são eles que me transmitem a confiança ilimitada que sinto no coração. A bem dizer, as riquezas espirituais tornam-nos injustos, quando nelas repousamos de forma complacente, convencidos de que são coisas grandiosas. [...] Sinto profundamente que [...] aquilo que agrada ao Bom Deus na minha pequena alma é o facto de eu amar a minha pequenez e a minha pobreza, é a esperança cega que tenho na Sua misericórdia. Eis o meu único tesouro. [...] Ó minha querida irmã [...], compreendei que, para amar Jesus, [...] quanto mais fracas formos, mais desprovidas de desejos e de virtudes, mais estamos disponíveis para as operações desse Amor que consome e que transforma. Basta apenas o desejo de ser vítima, mas temos de consentir em permanecer pobres e sem forças, e é isso que é difícil, pois «onde encontraremos o verdadeiro pobre de espírito? Teremos de procurar bem longe», diz o salmista. E não diz que temos de o procurar entre as almas grandes, mas «bem longe», ou seja, na baixeza e no nada. Permaneçamos, pois, bem longe de tudo quanto brilha, amemos a nossa pequenez, amemos nada sentir, e seremos pobres de espírito; e Jesus virá à nossa procura; por muito longe que estejamos, Ele nos transformará em chamas de amor. Ah, como gostaria de ser capaz de vos fazer compreender aquilo que sinto! A confiança, e só a confiança, vos conduzirá ao Amor. Não é certo que o temor conduz à Justiça? (À justiça severa, tal como é apresentada aos pecadores, mas que não é a justiça com que Jesus olhará para aqueles que O amam.) E, se vemos o caminho, corramos juntos. Sim, eu sinto que Jesus quer conceder-nos as mesmas graças, que Ele quer dar-nos gratuitamente o Seu céu. Pregador do Papa: Quem busca Jesus sem a cruz encontrará a cruz sem Jesus ROMA, sexta-feira, 7 de setembro de 2007 (ZENIT.org). *** Sb, 9, 13-18b; Fm 9b-10.12-17; Lc 14, 25-33 Se alguém me segue... A passagem do Evangelho deste domingo é uma dessas que dão a tentação de se amenizar por parecer demasiado dura para os ouvidos: «Se alguém vem até mim e não odeia seu pai, sua mãe...». Antes de tudo há algo a esclarecer: certamente o Evangelho é em certas ocasiões provocante, mas nunca contraditório. Pouco depois, no mesmo Evangelho de Lucas, Jesus recorda com a força o dever de honrar ao pai e a mãe (Cf. Lucas 18, 20), e a propósito do marido e da mulher, diz que tem de ser uma só carne e que o homem não tem direito de separar o que Deus uniu. Então, como pode dizer-nos agora que há que odiar o pai e a mãe, a mulher, os filhos e os irmãos? Deve-se ter em conta um fato. Em hebraico não há comparativo de superioridade ou de inferioridade (amar a alguém mais ou menos que a outra pessoa); simplifica e reduz todo o «amar» ou «odiar». A frase «se alguém vem até mim e não odeia seu pai e sua mãe» deve ser entendida, portanto, neste sentido: «se alguém vem até mim sem preferir-me a seu pai e a sua mãe». Para dar-se conta disto basta ler a mesma passagem do Evangelho de Mateus onde diz: «Quem ama seu pai ou sua mãe mais que a mim, não é digno de mim» (Mateus 10, 37). Seria totalmente equivocado pensar que este amor por Cristo está em competição com os diferentes amores humanos: pelos pais, o cônjuge, os filhos, os irmãos. Cristo não é um «rival no amor» de ninguém e não tem ciúmes de ninguém. Na obra «O sapato de cetim», de Paul Claudel, a protagonista, cristã fervorosa mas ao mesmo tempo loucamente enamorada de Rodrigo, exclama interiormente, como se lhe custasse crer em si mesma: «Portanto, está permitido este amor pelas criaturas? Verdadeiramente Deus não tem ciúmes? E seu anjo da guarda lhe responde: «Como poderia ser ciumento do que fez ele mesmo?» (ato III, cena 8). O amor por Cristo não exclui os demais amores, mas que os guarda. E mais, nele todo amor genuíno encontra seu fundamento, seu apoio e a graça necessária para se vivido até o final. Este é o sentido da «graça de estado» que confere o sacramento do matrimônio aos cônjuges cristãos. Assegura que, em seu amor, serão apoiados e guiados pelo amor que Cristo teve por sua esposa, a Igreja. Jesus não faz ilusões a ninguém, mas tampouco desilude; pede tudo porque quer dar tudo; e mais, já o deu todo. Alguém poderia perguntar-se: mas como pode este homem, que viveu há vinte séculos em um lugar perdido do planeta pedir-nos este amor absoluto? A resposta, sem necessidade de remontar-nos muito longe, se encontra em sua vida terrena que conhecemos pela história: ele foi o primeiro a dar tudo pelo homem: «Cristo nos amou e se entregou por nós» (Cf. Efésios 5, 2). Nesta mesma passagem do Evangelho, Jesus nos recorda também qual é o teste e a prova do verdadeiro amor por ele: «carregar a própria cruz». Carregar a própria cruz não significa buscar sofrimentos. Cristo tampouco se pôs a buscar sua cruz; em obediência à vontade do Pai, carregou-a sobre si quando os homens se lhe puseram em suas costas, transformando-a com seu amor obediente de instrumento de suplício em sinal de redenção e de glória. Jesus não veio para aumentar as cruzes humanas, mas para dar-lhes um sentido. Com razão, se disse que, «quem busca Jesus sem a cruz, encontrará a cruz sem Jesus», ou seja, de todos os modos encontrará a cruz, mas sem a força para carregá-la. [Traduzido por Zenit]