A INSERÇÃO DE A GENTE NA LINGUAGEM JORNALÍSTICA DE ZERO HORA Morgana Paiva da SILVA Resumo Este trabalho tem por objetivo apresentar os resultados parciais referentes à análise da inserção da forma pronominal a gente em linguagem escrita jornalística, tomando por base textos do jornal Zero Hora. Procurou-se verificar a intensidade de uso da variante a gente nos diferentes gêneros textuais jornalísticos e identificar os fatores linguísticos e os extralinguísticos que condicionam esse uso. Para sua realização buscou-se fundamentos na teoria Sociolinguística Variacionista instaurado por William Labov e nos resultados de pesquisas sobre variação entre nós e a gente. Para a investigação, foram coletados 565 dados, provenientes da análise de 829 textos de autoria – textos do tipo argumentativo, mas de gêneros variados. Os dados coletados foram codificados e submetidos a tratamento estatístico utilizando-se o programa Goldvarb 2003. Tendo em vista que a pesquisa está em fase inicial, chegou-se, preliminarmente, à conclusão de que os fatores gênero textual, realização explícita ou implícita da forma pronominal e paralelismo formal são relevantes para o uso de a gente nos textos jornalísticos. Palavras-Chave: Sociolinguística. Variação nós x a gente. Pronominalização. 1. Introdução O presente trabalho tem como objetivo analisar, a partir da perspectiva variacionista, a forma de realização do pronome de 1° pessoa do plural em textos jornalísticos, buscando identificar fatores linguísticos e extralinguísticos que possam influenciar o uso da forma tradicional nós ou a forma inovadora a gente. A utilização de a gente como pronome de 1° pessoa do plural, assim como o uso das formas linguísticas você e vocês, respectivamente, pronomes de 2° pessoa do singular e do plural, evidenciam um processo de reestruturação do quadro de pronomes do português brasileiro. Entendendo que ele está se modificando por influência da impessoalidade da forma pronominal de 3° pessoa, Monteiro (1994) propõe o seguinte quadro de pronomes pessoais, condizente com a realidade linguística atual, onde se observa a inserção de você/vocês e de a gente em substituição aos pronomes formais tu/vós e nós: Quadro1. Pronomes Pessoais – Monteiro (1994) Pessoa Singular Plural 1° pessoa Eu A Gente 2° pessoa Você Vocês 3° pessoa Ele Eles Porém as Gramáticas Normativas – por exemplo, Lima (2002), Cegalla (2005); Almeida (2005), Bechara (2006) e Cunha & Cintra (2007) – vêm resistindo a essa realidade de mudança, categorizando o seguinte quadro de pronomes pessoais, os quais servem como elementos de referenciação dos sujeitos que compõem uma atividade discursiva, definidos como a pessoa que fala, a pessoa com quem se fala e a pessoa de quem se fala: Quadro 2. Pronomes Pessoais – Gramática Normativa (LIMA, 2002; CEGALLA, 2005; ALMEIDA, 2005; BECHARA, 2006 e CUNHA & CINTRA, 2007) Pessoas Singular Plural 1° pessoa Eu Nós 2° pessoa Tu Vós 3° pessoa Ele/Ela Eles/Elas A representatividade do uso da forma pronominal a gente como evidência da realização de um processo de reestruturação do quadro de pronomes do Português Brasileiro; o não reconhecimento de a gente como pronome de 1º pessoa do plural pelas Gramáticas Normativas; a verificação de que o uso de a gente já se encontra consolidada na linguagem oral, como mostram, por exemplo, Omena (1986), Lopes (1993), Borba (1993), Machado (1995), Omena (1996), Seara (2000), Aires, Souza e Zilles (2002), Borges (2004) e Zilles (2007); e a escassez de investigações do fenômeno de variação entre nós e a gente em linguagem escrita desencadearam o interesse pelo estudo da inserção de a gente em uma linguagem escrita que atende a um padrão culto. A base teórica deste trabalho é a Sociolinguística, mas para seu desenvolvimento levou-se, também, em consideração os conhecimentos produzidos por outros trabalhos que tiveram como objeto de estudo a forma pronominal a gente. Passa-se, então, a uma breve descrição dessa teoria e dos resultados de trabalhos que investigaram a variação pronominal. A Sociolinguística é uma área de estudo linguístico que se preocupa com a investigação e a descrição da variação linguística considerando-a como algo sistemático e motivado por fatores sociais. Essa área de estudo, instituída em 1964 em um Congresso ocorrido na Universidade de Califórnia (UCLA), tem como expoente o teórico William Labov, considerado o fundador dos estudos sociolinguísticos. Os trabalhos desse teórico configuraram-se em evidências científicas de que as mudanças na língua não dependem unicamente de fatores de ordem linguística, mas dependem, também, de fatores de ordem social. A partir dos estudos labovianos comprovou-se, de modo efetivo, que a língua é uma estrutura móvel, ou seja, uma estrutura que permite modificações empreendidas por aspectos de ordem linguística e de ordem extralinguística. O primeiro estudo sobre a variação entre nós e a gente foi realizado por Omena (1986) que investigou os fatores linguísticos que propiciavam essa alternância na cidade do Rio de Janeiro, a partir da análise de 48 entrevistas do Projeto Censo Linguístico e 16 do Projeto Estruturas. A autora observou que a gente em início de discurso favorece o uso da mesma forma pronominal ao longo dele, assim como discursos iniciados por nós propiciam o uso da mesma forma linguística no decorrer do discurso. Além disso, verificou que formas verbais com menor saliência fônica favorecem o uso de a gente, enquanto que as formas com maior saliência motivam o uso de nós e, ainda, percebeu que verbos no presente e nos tempos não marcados condicionam o uso de a gente, no entanto, verbos no passado e no futuro propiciam o uso de nós. Lopes (1993), utilizando dados coletados na década de 1970, pertencentes ao Projeto de Estudo da Norma Linguística Urbana Culta no Brasil – NURC, analisou a alternância entre nós e a gente em Porto Alegre, Rio de Janeiro e Salvador. A pesquisadora recolheu um total de 972 dados, a partir de 18 entrevistas do tipo Diálogo entre Informante e Documentador (DID), dando atenção às variáveis em posição de sujeito. A pesquisadora observou que o uso de a gente era favorecido quando seu antecedente formal se constituía na mesma forma pronominal e quando o verbo encontrava-se na 3° pessoa do singular com sujeito explícito ou não. Além disso, percebeu que o uso de nós era maior quando acompanhado de verbos no pretérito perfeito do subjuntivo, no pretérito imperfeito do subjuntivo, no futuro do subjuntivo, no futuro pretérito do indicativo e no pretérito imperfeito do indicativo, porém houve menor uso de nós com verbos no presente do indicativo, no infinitivo e no gerúndio. A partir de amostras de fala de quatro informantes do Banco de Dados VARSUL, Borba (1993) analisou a alternância nós x a gente em posição de sujeito procurando verificar os fatores linguísticos e extralinguísticos que influenciavam o uso de nós e a gente na cidade de Curitiba. A pesquisa revelou como relevantes os fatores linguísticos presença e ausência do pronome na oração, formas verbais e paralelismo no período. Quanto à variável presença e ausência da forma pronominal, Borba verificou que o pronome nós era realizado, principalmente, de maneira implícita, enquanto que a forma pronominal a gente era produzida, principalmente, de modo explícito. Em se tratando da variável forma verbal, observou que nós aparecia, de maneira mais recorrente quando acompanhado de verbo no pretérito perfeito do indicativo, de locução verbal com verbo auxiliar no presente e de verbo no pretérito do indicativo e em concordância não-prevista, enquanto que o uso de a gente era mais frequente com verbo no pretérito imperfeito do indicativo, com locução verbal com verbo auxiliar no pretérito imperfeito do indicativo e em concordância prevista. Em relação ao paralelismo no período, concluiu que nós e a gente prevalecem em sequências não paralelas. Machado (1995) investigou a alternância nós x a gente, a partir da análise de 2972 amostras de falas de 72 pescadores das comunidades pesqueiras do Norte-Fluminense, que retiradas Banco de Dados do Projeto APERJ. Os resultados da pesquisa apontaram que sequências discursivas com a gente eram favorecidas quando precedidas de “a gente” + verbo com desinência zero, que a gente se comportava como forma de referenciação indeterminada e que era mais recorrente quando acompanhada de verbo com nível de saliência fônica mínima (ex. vai/vamos), de formas verbais no tempo infinitivo pessoal e de verbos no presente do indicativo. Foi investigada por Seara (2000) a variação entre nós e a gente na fala de informantes de Florianópolis - SC, a partir da análise de 12 entrevistas provenientes do Banco de Dados VARSUL. A pesquisa revelou que o uso da forma linguística a gente ocorria, preferencialmente, quando acompanhada de verbo no pretérito imperfeito do indicativo e que a gente servia como elemento de referenciação genérica. Aires, Souza e Zilles (2002) analisaram o uso de nós e a gente, na posição de sujeito, em quatro regiões sul-rio-grandenses – Flores da Cunha, Panambi, Porto Alegre e São Borja. Para isso, foram coletados 4982 dados, provenientes do Banco de Dados VARSUL. A investigação possibilitou a conclusão de que a gente era utilizada, principalmente, para referenciar um falante determinado, ficando em segundo lugar a sua atuação para referência genérica. Além disso, mostrou que a variante a gente era uma forma linguística acompanhada, quase sempre, por verbo em 3° pessoa do singular e, ainda, que a ocorrência de a gente como sujeito em uma oração era favorecida pelo uso da mesma forma linguística na oração anterior. Borges (2004) analisou a alternância entre nós e a gente em Pelotas e Jaguarão, através de dados que compreendem a fala de personagens de 11 peças de teatro de autores gaúchos, dentro de um período de cem anos (1896 até 1995), e a fala de sessenta indivíduos das cidades gaúchas de Jaguarão e Pelotas, provenientes de entrevistas contidas no Banco de Dados Sociolinguístico da Fronteira e Campanha Sul-Rio-Grandense - BDS Pampa e no Banco de Dados por Classe Social - VARX. Foram analisadas trinta e seis entrevistas de informantes de Pelotas, disponibilizadas no Banco de Dados VARX e vinte e quatro entrevistas do Banco de Dados BDS Pampa. O autor percebeu que a ordem discursiva a gente na oração anterior influenciava o uso de a gente tanto em Jaguarão quanto em Pelotas. Observou que verbos monossílabos tônicos e oxítonos favoreciam o uso de a gente e que os verbos paroxítonos restringiam o uso da forma pronominal nas duas cidades. Em relação à Determinação do Referente, o pesquisador concluiu que o uso de a gente era influenciado por contextos com características opostas, ou seja, o uso de a gente era favorecido em contextos com grau alto e baixo de pessoalização nas duas cidades onde foi realizada a investigação. 2. Metodologia Para a realização da pesquisa foi constituída uma amostra de 565 dados, a partir da análise de 829 textos, do ano de 2011, de Zero Hora – um jornal de circulação diária, em todo estado do Rio Grande do Sul. Os textos caracterizam-se como Argumentativos, mas de gêneros variados: Crônica Assuntos Variados, Crônica Economia, Crônica Política, Crônica Esporte, Artigo de Jornal e Editorial. Os dados foram codificados, em vista das variáveis linguísticas e sociais controladas. A seguir procedeu-se à análise estatística dos dados referentes à alternância nós x a gente, utilizando-se o programa Goldvarb 2003 (programa proveniente de um conjunto de outros programas computacionais de análise multivariada), versão para Windows. Programas desse tipo permitem investigar situações em que a variável linguística em estudo é influenciada por vários elementos de natureza linguística ou social. A variável dependente deste trabalho consiste na forma de realização do pronome pessoal de primeira pessoa do plural no português brasileiro: nós e a gente. Já as variáveis independentes consistem nas seguintes: Linguísticas: paralelismo formal, determinação do referente, saliência fônica, tempo verbal e forma de apresentação da forma pronominal; e Extralinguística: gênero textual. Paralelismo Formal Esse fator define uma característica das realizações discursivas, que consiste na retomada, sucessiva, de determinadas formas linguísticas, com relação morfossintática estreita, ao longo de um discurso, a partir dessa variável é possível inferir que, dentro de uma sequência discursiva, o uso inicial de uma determinada forma pronominal (a gente/nós) ou uma marca zero condiciona o uso da mesma forma pronominal ou outra marca zero ao longo desse discurso. Segundo Scherre (1992 apud Machado 1995), esse fenômeno seria causado por processamento mecânico (funcionamento da memória imediata, a partir da repetição mecânica de formas semelhantes) e por funções cognitivas (ex. lei do menor esforço). A fim de verificar o papel do paralelismo formal nesta pesquisa, foram levadas em consideração as seguintes sequências discursivas: primeira referência, sequência discursiva paralela e sequência discursiva não paralela. Determinação do Referente Esta variável dá conta do comportamento semântico das formas pronominais nós e a gente. Enquanto nós comporta-se, principalmente, como elemento de referenciação determinada, a gente tem servido, principalmente, como elemento de referenciação indeterminada, conservando as características semânticas do nome que deu origem a essa forma pronominal, mostrando que continua em processo de gramaticalização. Considerando a importância do fator determinação do referente, ele foi contemplado neste estudo. No entanto, a forma como foi adotado difere de outros trabalhos anteriores, em vista da dificuldade de se especificar o grau de determinação ou indeterminação referenciado por nós e a gente nos textos escritos jornalísticos. Em decorrência disso, optou-se por considerar dois níveis de determinação: determinada e genérica. Saliência Fônica Esta variável diz respeito à influência da marca fônica de verbos para a realização de nós ou de a gente, entendendo-se que quanto maior a saliência fônica do verbo maior a probabilidade de uso de nós, porém quanto menor a saliência fônica de um verbo maior possibilidade de uso de a gente. Tendo sido considerada relevante em trabalhos sobre variação linguística, foi dada atenção a essa variável delimitando-a nos seguintes níveis: sem diferença fônica para nós e a gente (ex. Andando), infinitivo com acréscimo da desinência – mos (ex. andar/andamos), acréscimo o vocábulo –mos e conservação da sílaba tônica (ex. andava/andávamos), acréscimo do vocábulo –mos e deslocamento do acento tônico (ex. anda/andamos), monossílabos tônicos ou oxítonos no singular que passam a paroxítonos (ex. está/estamos), acréscimo da desinência –mos e redução dos ditongos finais em vogais (ex. vai/vamos), diferenças fonológicas acentuadas para nós e a gente (ex. é/ somos). Tempo Verbal Esta variável, como afirma Machado (1995), relaciona-se fortemente com a variável Saliência Fônica, já que as duas variáveis têm relevância na realização do uso de nós ou de a gente. Entende-se, por meio da variável tempo verbal, que as formas mais salientes, que consistem no pretérito e no futuro do indicativo, propiciam o uso de nós e que as formas menos salientes, que se constituem no infinitivo pessoal e no presente do indicativo, favorecem o uso de a gente. Gênero Textual Está pesquisa deu atenção ao aspecto gênero textual, por entendê-lo como unidade funcional que pode estar contribuindo de maneira expressiva para a realização da alternância nós x a gente. Para abordagem dessa temática tomou-se como base a teoria de Domínio Discursivo, Gênero e Tipo textual de Marcuschi. Marcuschi (2008) associa o caráter funcional de um texto ao conceito de gênero, no entanto relaciona o aspecto físico de um texto com o conceito de tipo. Ou seja, a estrutura física: estrutura narrativa, descritiva, dissertativa de um texto, configura-se em seu tipo, enquanto que a sua estrutura funcional: história, bula de remédio, artigo de jornal, configurase em seu gênero. Considerando textos do domínio discursivo jornalístico, foram analisados textos do tipo argumentativo dos seguintes gêneros textuais: Crônica Assuntos Variados, Crônica Economia, Crônica Política, Crônica Esporte, Artigo de Jornal e Editorial. Do ponto de vista jornalístico, as crônicas são definidas como textos de extensão curta através dos quais se comenta assuntos do cotidiano (abordados em outras colunas do jornal ou não) e que têm o propósito de produzir uma reflexão a partir das considerações particulares do cronista. No entanto, do ponto de vista discursivo observa-se que o gênero crônica não objetiva apenas propiciar uma reflexão, mas, também, pode ter, por exemplo, a finalidade de divertir, alertar, denunciar, proporcionar fruição estética. Os artigos são definidos na esfera jornalística como enunciados a partir dos quais são produzidos julgamentos de acontecimentos sociais por parte de jornalistas ou de pessoas de grande destaque social (ex. empresários, cientistas, professores, políticos etc.). Já a partir do ponto de vista discursivo, observa-se que os artigos são enunciações realizadas por alguém que é digno de credibilidade, em virtude da posição social de destaque que ocupa, dirigidas a leitores de todas as classes sociais, embora Rodrigues (2005:171) tenha verificado que o artigo é um gênero elitizado, ou seja, escrito por pessoas da elite social e, principalmente, direcionado para um leitor que, também, faz parte da elite social. Os editoriais são, formalmente, considerados enunciados por meio dos quais o jornal expõe o seu ponto de vista sobre um determinado acontecimento. Já do ponto de vista discursivo, conforme as palavras de Melo (2003:105), os editoriais são instrumentos dos jornais para o “trabalho de coação ao Estado em defesa dos interesses dos seguimentos empresariais e financeiros que representam”, portanto constituem-se em enunciações dirigidas a autoridades governamentais. 3. Análise dos Resultados Foram analisados 829 textos dos quais foram coletados 565 dados, sendo 26 dados de a gente, que representa 4,6% da amostra, e 539 dados de nós, que representa 95,4% da amostra. Os resultados aqui apresentados foram retirados de rodadas em que foram feitas amalgamações, em virtude de knockouts. Os fatores que se mostraram significativos para o uso de a gente foram gênero textual, forma do pronome (explícito ou implícito) e paralelismo formal. Variável gênero textual A variável gênero textual foi selecionada em primeiro lugar pelo programa Goldvarb 2003, sendo considerada como o fator mais relevante para escolha da forma pronominal a gente nos textos analisados. Na Tabela 1, são apresentados os resultados referentes à atuação dessa variável: TABELA 1- Atuação da variável gênero textual para o uso de a gente Fator Aplic./Total % P.R. Amalgamação – Artigo, economia, política e editorial 2/378 0,5% 0.23 Esportivo 1/44 2,3% 0.52 Crônica Assuntos Variados 23/143 16,1% 0.95 26/565 4,6% -----Significância: 0.001 Total Input: 0.004 A Tabela 1 revela que o uso da forma pronominal a gente é mais recorrente nas crônicas que tratam de assuntos variados, o que é demonstrado pela frequência de uso de 16,1% e pelo peso relativo de 0,95. Compreende-se que o uso relevante da forma pronominal a gente nessas crônicas ocorre, em função de ser proposta uma “conversa” ao leitor, ou seja, a relação entre o leitor e o cronista é estreitada, e esse tipo de relação confere liberdade de escrita ao cronista, que se sente confiante para usar a forma pronominal inovadora a gente. Como exposto na Tabela 1, os artigos, editoriais, crônicas de economia e crônicas políticas, desfavorecem o uso de a gente, como se percebe através da frequência de uso de 0,5% e do peso relativo de 0,23. Acredita-se que a preferência pelo uso de nós em detrimento da forma pronominal a gente deva-se ao tipo de interlocutor desses gêneros textuais, visto que são dirigidos a autoridades governamentais, economistas e empresários. Em virtude desse público, o enunciador faz uso do padrão de linguagem culto da língua, o que restringe o uso da forma pronominal a gente. Por fim, verifica-se, na Tabela 1, o peso relativo de 0,52 para o uso de a gente nas crônicas esportivas, que revela um comportamento neutro dessas crônicas em relação à escolha das formas pronominais nós e a gente. Ocorrências explícitas e implícitas Neste estudo a variável ocorrências explícitas e implícitas se mostrou como o segundo fator mais importante para o uso da forma pronominal a gente no corpus analisado. Na Tabela 2 são explicitados os resultados a que se chegou: TABELA 2- Frequência de uso de a gente de modo explícito e implícito Fator Aplic./Total % P.R. Implícito 15/525 2,9% 0.45 Explícito 11/40 27,5% 0.92 Total Input: 0.004 26/565 4,6% -----Significância: 0.001 Esta análise revelou que a gente é mais utilizada de modo explícito, observando-se o peso relativo para essa realização de 0,92 e de, apenas, 0,45 para usos implícitos. Os resultados encontrados vão ao encontro, por exemplo, dos resultados encontrados por Borba (1993), que observou que a gente, também, era utilizada, principalmente, de maneira explícita, tendo em vista o peso relativo de 0,55. A gente comporta-se semanticamente como pronome de 1º pessoa do plural, porém tende a realizar concordância com verbos em 3º pessoa do singular (uma forma verbal não marcada). Portanto, acredita-se que o uso de explícito da forma pronominal seja motivado pela falta de propriedades que indiquem sua presença no verbo com o qual tende a concordar. Variável paralelismo formal A variável paralelismo da forma pronominal foi o último fator considerado importante para o uso da forma pronominal a gente. A relevância dessa variável para a ocorrência de a gente nos textos jornalísticos de Zero Hora pode ser evidenciada a partir dos resultados apresentados na Tabela 3: TABELA 3- A influência da variável paralelismo formal para o uso de a gente Fator Aplic./Total % P.R. Sequências não Paralelas 11/52 21,2% 0.88 Sequências Paralelas 2/334 0,6% 0.30 Primeira Referência 13/179 7,3% 0.71 26/565 4,6% -----Significância: 0.001 Total Input: 0.004 Observou-se pouca ocorrência de a gente em sequências paralelas, tendo em vista que foram verificadas apenas 2 ocorrências em 334 construções desse tipo, que correspondem ao peso relativo de 0,30. Já a ocorrência de a gente foi mais expressiva em sequências não paralelas e como primeira referência, respectivamente, representada pelos pesos relativos de 0,88 e de 0,71. O favorecimento do uso de a gente em sequências não paralelas contraria os resultados encontrados em Omena (1986), em Lopes (1993), em Machado (1995) e em Aires, Souza e Zilles (2002), nos quais se observou que o uso da forma pronominal a gente era mais evidente em sequências discursivas paralelas e que o uso de a gente na oração seguinte era favorecido pela presença da mesma forma pronominal na oração anterior. Procurando-se compreender a motivação do maior de uso de a gente em sequências não paralelas e como primeira referência, considera-se que a ocorrência dessa forma pronominal nessas sequências discursivas poderia estar sendo condicionada por características do discurso jornalístico. O jornalista procura informar sem se envolver com o fato noticiado, por isso a maioria dos textos jornalísticos seria escritos em 3º pessoa¹, o que estaria restringindo o uso dos pronomes eu e nós (percebeu-se poucas ocorrências explícitas deste pronome) e, consequentemente, da forma pronominal a gente. 4. Conclusão Os resultados apresentados pela pesquisa até o momento indicam que o padrão linguístico do jornal Zero Hora favorece o uso da forma pronominal canônica nós em detrimento da forma pronominal inovadora a gente, visto que dos 565 dados coletados, apenas, 26 dados foram de a gente, valor que corresponde a 4,6% de toda amostra coletada. Esses resultados vão ao encontro da afirmação de Tarallo (2005: 59), que se refere a texto do domínio discursivo jornalístico como o “mais intolerante à infiltração de formas não padrão, típicas da língua falada”. Contudo, acredita-se que o fato dessa forma pronominal ser aceita, ainda que de forma “tímida” nos textos do jornal Zero Hora, configura-se em um grande passo para a consideração, efetiva, dessa forma linguística como pronome do português brasileiro. LA INSERCIÓN DE A GENTE EN LA LENGUAJE PERIODÍSTICA DE ZERO HORA Resumen Este trabajo tiene como objetivo presentar los resultados parciales relativos al análisis de la inserción de la forma pronominal a gente en los periódicos de lengua escrita, basada en textos del periódico Zero Hora. Tratamos de comprobar la intensidad del uso de la variante a gente en diferentes géneros textuales periodísticos e identificar los factores linguísticos y extralinguísticos que influyen en este uso. Para su realización se buscó a los fundamentos de la teoría sociolinguística variacionista traídos por William Labov y los resultados de la investigación sobre la variación entre nós y a gente. Para la investigación, se recogieron 565 datos del análisis de 829 textos publicados - los textos de tipo argumentativos, pero de diferentes géneros. Los datos fueron codificados y analizados estadísticamente utilizando el programa Goldvarb 2003. Teniendo en cuenta que la pesquisa está en la fase inicial, llego, con anterioridad, a la conclusión que los factores de género textual, realización expresas o implícitas de la forma pronominal y paralelismos formales son relevantes para el uso de a gente en los textos periodísticos. Palabras clave: Sociolinguística. Variación nós x a gente. Pronominalización. Referências Bibliográficas AIRES, K. M. L.; SOUZA, G. L.; ZILLES, A. M. S. A distribuição de nós e a gente em quatro comunidades sul-rio-grandenses. 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