SILVA,Morgana Paiva da

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A INSERÇÃO DE A GENTE NA LINGUAGEM JORNALÍSTICA DE ZERO HORA
Morgana Paiva da SILVA
Resumo
Este trabalho tem por objetivo apresentar os resultados parciais referentes à análise da
inserção da forma pronominal a gente em linguagem escrita jornalística, tomando por base
textos do jornal Zero Hora. Procurou-se verificar a intensidade de uso da variante a gente nos
diferentes gêneros textuais jornalísticos e identificar os fatores linguísticos e os
extralinguísticos que condicionam esse uso. Para sua realização buscou-se fundamentos na
teoria Sociolinguística Variacionista instaurado por William Labov e nos resultados de
pesquisas sobre variação entre nós e a gente. Para a investigação, foram coletados 565 dados,
provenientes da análise de 829 textos de autoria – textos do tipo argumentativo, mas de
gêneros variados. Os dados coletados foram codificados e submetidos a tratamento estatístico
utilizando-se o programa Goldvarb 2003. Tendo em vista que a pesquisa está em fase inicial,
chegou-se, preliminarmente, à conclusão de que os fatores gênero textual, realização explícita
ou implícita da forma pronominal e paralelismo formal são relevantes para o uso de a gente
nos textos jornalísticos.
Palavras-Chave: Sociolinguística. Variação nós x a gente. Pronominalização.
1. Introdução
O presente trabalho tem como objetivo analisar, a partir da perspectiva variacionista, a
forma de realização do pronome de 1° pessoa do plural em textos jornalísticos, buscando
identificar fatores linguísticos e extralinguísticos que possam influenciar o uso da forma
tradicional nós ou a forma inovadora a gente.
A utilização de a gente como pronome de 1° pessoa do plural, assim como o uso das
formas linguísticas você e vocês, respectivamente, pronomes de 2° pessoa do singular e do
plural, evidenciam um processo de reestruturação do quadro de pronomes do português
brasileiro. Entendendo que ele está se modificando por influência da impessoalidade da forma
pronominal de 3° pessoa, Monteiro (1994) propõe o seguinte quadro de pronomes pessoais,
condizente com a realidade linguística atual, onde se observa a inserção de você/vocês e de a
gente em substituição aos pronomes formais tu/vós e nós:
Quadro1. Pronomes Pessoais – Monteiro (1994)
Pessoa
Singular
Plural
1° pessoa
Eu
A Gente
2° pessoa
Você
Vocês
3° pessoa
Ele
Eles
Porém as Gramáticas Normativas – por exemplo, Lima (2002), Cegalla (2005);
Almeida (2005), Bechara (2006) e Cunha & Cintra (2007) – vêm resistindo a essa realidade
de mudança, categorizando o seguinte quadro de pronomes pessoais, os quais servem como
elementos de referenciação dos sujeitos que compõem uma atividade discursiva, definidos
como a pessoa que fala, a pessoa com quem se fala e a pessoa de quem se fala:
Quadro 2. Pronomes Pessoais – Gramática Normativa (LIMA, 2002; CEGALLA, 2005; ALMEIDA, 2005;
BECHARA, 2006 e CUNHA & CINTRA, 2007)
Pessoas
Singular
Plural
1° pessoa
Eu
Nós
2° pessoa
Tu
Vós
3° pessoa
Ele/Ela
Eles/Elas
A representatividade do uso da forma pronominal a gente como evidência da
realização de um processo de reestruturação do quadro de pronomes do Português Brasileiro;
o não reconhecimento de a gente como pronome de 1º pessoa do plural pelas Gramáticas
Normativas; a verificação de que o uso de a gente já se encontra consolidada na linguagem
oral, como mostram, por exemplo, Omena (1986), Lopes (1993), Borba (1993), Machado
(1995), Omena (1996), Seara (2000), Aires, Souza e Zilles (2002), Borges (2004) e Zilles
(2007); e a escassez de investigações do fenômeno de variação entre nós e a gente em
linguagem escrita desencadearam o interesse pelo estudo da inserção de a gente em uma
linguagem escrita que atende a um padrão culto.
A base teórica deste trabalho é a Sociolinguística, mas para seu desenvolvimento
levou-se, também, em consideração os conhecimentos produzidos por outros trabalhos que
tiveram como objeto de estudo a forma pronominal a gente. Passa-se, então, a uma breve
descrição dessa teoria e dos resultados de trabalhos que investigaram a variação pronominal.
A Sociolinguística é uma área de estudo linguístico que se preocupa com a
investigação e a descrição da variação linguística considerando-a como algo sistemático e
motivado por fatores sociais. Essa área de estudo, instituída em 1964 em um Congresso
ocorrido na Universidade de Califórnia (UCLA), tem como expoente o teórico William
Labov, considerado o fundador dos estudos sociolinguísticos. Os trabalhos desse teórico
configuraram-se em evidências científicas de que as mudanças na língua não dependem
unicamente de fatores de ordem linguística, mas dependem, também, de fatores de ordem
social. A partir dos estudos labovianos comprovou-se, de modo efetivo, que a língua é uma
estrutura móvel, ou seja, uma estrutura que permite modificações empreendidas por aspectos
de ordem linguística e de ordem extralinguística.
O primeiro estudo sobre a variação entre nós e a gente foi realizado por Omena
(1986) que investigou os fatores linguísticos que propiciavam essa alternância na cidade do
Rio de Janeiro, a partir da análise de 48 entrevistas do Projeto Censo Linguístico e 16 do
Projeto Estruturas. A autora observou que a gente em início de discurso favorece o uso da
mesma forma pronominal ao longo dele, assim como discursos iniciados por nós propiciam o
uso da mesma forma linguística no decorrer do discurso. Além disso, verificou que formas
verbais com menor saliência fônica favorecem o uso de a gente, enquanto que as formas com
maior saliência motivam o uso de nós e, ainda, percebeu que verbos no presente e nos tempos
não marcados condicionam o uso de a gente, no entanto, verbos no passado e no futuro
propiciam o uso de nós.
Lopes (1993), utilizando dados coletados na década de 1970, pertencentes ao Projeto
de Estudo da Norma Linguística Urbana Culta no Brasil – NURC, analisou a alternância entre
nós e a gente em Porto Alegre, Rio de Janeiro e Salvador. A pesquisadora recolheu um total
de 972 dados, a partir de 18 entrevistas do tipo Diálogo entre Informante e Documentador
(DID), dando atenção às variáveis em posição de sujeito.
A pesquisadora observou que o uso de a gente era favorecido quando seu antecedente
formal se constituía na mesma forma pronominal e quando o verbo encontrava-se na 3°
pessoa do singular com sujeito explícito ou não. Além disso, percebeu que o uso de nós era
maior quando acompanhado de verbos no pretérito perfeito do subjuntivo, no pretérito
imperfeito do subjuntivo, no futuro do subjuntivo, no futuro pretérito do indicativo e no
pretérito imperfeito do indicativo, porém houve menor uso de nós com verbos no presente do
indicativo, no infinitivo e no gerúndio.
A partir de amostras de fala de quatro informantes do Banco de Dados VARSUL,
Borba (1993) analisou a alternância nós x a gente em posição de sujeito procurando verificar
os fatores linguísticos e extralinguísticos que influenciavam o uso de nós e a gente na cidade
de Curitiba. A pesquisa revelou como relevantes os fatores linguísticos presença e ausência
do pronome na oração, formas verbais e paralelismo no período.
Quanto à variável presença e ausência da forma pronominal, Borba verificou que o
pronome nós era realizado, principalmente, de maneira implícita, enquanto que a forma
pronominal a gente era produzida, principalmente, de modo explícito. Em se tratando da
variável forma verbal, observou que nós aparecia, de maneira mais recorrente quando
acompanhado de verbo no pretérito perfeito do indicativo, de locução verbal com verbo
auxiliar no presente e de verbo no pretérito do indicativo e em concordância não-prevista,
enquanto que o uso de a gente era mais frequente com verbo no pretérito imperfeito do
indicativo, com locução verbal com verbo auxiliar no pretérito imperfeito do indicativo e em
concordância prevista. Em relação ao paralelismo no período, concluiu que nós e a gente
prevalecem em sequências não paralelas.
Machado (1995) investigou a alternância nós x a gente, a partir da análise de 2972
amostras de falas de 72 pescadores das comunidades pesqueiras do Norte-Fluminense, que
retiradas Banco de Dados do Projeto APERJ. Os resultados da pesquisa apontaram que
sequências discursivas com a gente eram favorecidas quando precedidas de “a gente” + verbo
com desinência zero, que a gente se comportava como forma de referenciação indeterminada
e que era mais recorrente quando acompanhada de verbo com nível de saliência fônica
mínima (ex. vai/vamos), de formas verbais no tempo infinitivo pessoal e de verbos no
presente do indicativo.
Foi investigada por Seara (2000) a variação entre nós e a gente na fala de informantes
de Florianópolis - SC, a partir da análise de 12 entrevistas provenientes do Banco de Dados
VARSUL. A pesquisa revelou que o uso da forma linguística a gente ocorria,
preferencialmente, quando acompanhada de verbo no pretérito imperfeito do indicativo e que
a gente servia como elemento de referenciação genérica.
Aires, Souza e Zilles (2002) analisaram o uso de nós e a gente, na posição de sujeito,
em quatro regiões sul-rio-grandenses – Flores da Cunha, Panambi, Porto Alegre e São Borja.
Para isso, foram coletados 4982 dados, provenientes do Banco de Dados VARSUL. A
investigação possibilitou a conclusão de que a gente era utilizada, principalmente, para
referenciar um falante determinado, ficando em segundo lugar a sua atuação para referência
genérica. Além disso, mostrou que a variante a gente era uma forma linguística acompanhada,
quase sempre, por verbo em 3° pessoa do singular e, ainda, que a ocorrência de a gente como
sujeito em uma oração era favorecida pelo uso da mesma forma linguística na oração anterior.
Borges (2004) analisou a alternância entre nós e a gente em Pelotas e Jaguarão,
através de dados que compreendem a fala de personagens de 11 peças de teatro de autores
gaúchos, dentro de um período de cem anos (1896 até 1995), e a fala de sessenta indivíduos
das cidades gaúchas de Jaguarão e Pelotas, provenientes de entrevistas contidas no Banco de
Dados Sociolinguístico da Fronteira e Campanha Sul-Rio-Grandense - BDS Pampa e no
Banco de Dados por Classe Social - VARX. Foram analisadas trinta e seis entrevistas de
informantes de Pelotas, disponibilizadas no Banco de Dados VARX e vinte e quatro
entrevistas do Banco de Dados BDS Pampa.
O autor percebeu que a ordem discursiva a gente na oração anterior influenciava o
uso de a gente tanto em Jaguarão quanto em Pelotas. Observou que verbos monossílabos
tônicos e oxítonos favoreciam o uso de a gente e que os verbos paroxítonos restringiam o uso
da forma pronominal nas duas cidades. Em relação à Determinação do Referente, o
pesquisador concluiu que o uso de a gente era influenciado por contextos com características
opostas, ou seja, o uso de a gente era favorecido em contextos com grau alto e baixo de
pessoalização nas duas cidades onde foi realizada a investigação.
2. Metodologia
Para a realização da pesquisa foi constituída uma amostra de 565 dados, a partir da
análise de 829 textos, do ano de 2011, de Zero Hora – um jornal de circulação diária, em todo
estado do Rio Grande do Sul. Os textos caracterizam-se como Argumentativos, mas de
gêneros variados: Crônica Assuntos Variados, Crônica Economia, Crônica Política, Crônica
Esporte, Artigo de Jornal e Editorial.
Os dados foram codificados, em vista das variáveis linguísticas e sociais controladas.
A seguir procedeu-se à análise estatística dos dados referentes à alternância nós x a gente,
utilizando-se o programa Goldvarb 2003 (programa proveniente de um conjunto de outros
programas computacionais de análise multivariada), versão para Windows. Programas desse
tipo permitem investigar situações em que a variável linguística em estudo é influenciada por
vários elementos de natureza linguística ou social.
A variável dependente deste trabalho consiste na forma de realização do pronome
pessoal de primeira pessoa do plural no português brasileiro: nós e a gente. Já as variáveis
independentes consistem nas seguintes: Linguísticas: paralelismo formal, determinação do
referente, saliência fônica, tempo verbal e forma de apresentação da forma pronominal; e
Extralinguística: gênero textual.
Paralelismo Formal
Esse fator define uma característica das realizações discursivas, que consiste na
retomada, sucessiva, de determinadas formas linguísticas, com relação morfossintática
estreita, ao longo de um discurso, a partir dessa variável é possível inferir que, dentro de uma
sequência discursiva, o uso inicial de uma determinada forma pronominal (a gente/nós) ou
uma marca zero condiciona o uso da mesma forma pronominal ou outra marca zero ao longo
desse discurso. Segundo Scherre (1992 apud Machado 1995), esse fenômeno seria causado
por processamento mecânico (funcionamento da memória imediata, a partir da repetição
mecânica de formas semelhantes) e por funções cognitivas (ex. lei do menor esforço). A fim
de verificar o papel do paralelismo formal nesta pesquisa, foram levadas em consideração as
seguintes sequências discursivas: primeira referência, sequência discursiva paralela e
sequência discursiva não paralela.
Determinação do Referente
Esta variável dá conta do comportamento semântico das formas pronominais nós e a
gente. Enquanto nós comporta-se, principalmente, como elemento de referenciação
determinada, a gente tem servido, principalmente, como elemento de referenciação
indeterminada, conservando as características semânticas do nome que deu origem a essa
forma pronominal, mostrando que continua em processo de gramaticalização.
Considerando a importância do fator determinação do referente, ele foi contemplado
neste estudo. No entanto, a forma como foi adotado difere de outros trabalhos anteriores, em
vista da dificuldade de se especificar o grau de determinação ou indeterminação referenciado
por nós e a gente nos textos escritos jornalísticos. Em decorrência disso, optou-se por
considerar dois níveis de determinação: determinada e genérica.
Saliência Fônica
Esta variável diz respeito à influência da marca fônica de verbos para a realização de
nós ou de a gente, entendendo-se que quanto maior a saliência fônica do verbo maior a
probabilidade de uso de nós, porém quanto menor a saliência fônica de um verbo maior
possibilidade de uso de a gente. Tendo sido considerada relevante em trabalhos sobre
variação linguística, foi dada atenção a essa variável delimitando-a nos seguintes níveis: sem
diferença fônica para nós e a gente (ex. Andando), infinitivo com acréscimo da desinência –
mos (ex. andar/andamos), acréscimo o vocábulo –mos e conservação da sílaba tônica (ex.
andava/andávamos), acréscimo do vocábulo –mos e deslocamento do acento tônico (ex.
anda/andamos), monossílabos tônicos ou oxítonos no singular que passam a paroxítonos (ex.
está/estamos), acréscimo da desinência –mos e redução dos ditongos finais em vogais (ex.
vai/vamos), diferenças fonológicas acentuadas para nós e a gente (ex. é/ somos).
Tempo Verbal
Esta variável, como afirma Machado (1995), relaciona-se fortemente com a variável
Saliência Fônica, já que as duas variáveis têm relevância na realização do uso de nós ou de a
gente. Entende-se, por meio da variável tempo verbal, que as formas mais salientes, que
consistem no pretérito e no futuro do indicativo, propiciam o uso de nós e que as formas
menos salientes, que se constituem no infinitivo pessoal e no presente do indicativo,
favorecem o uso de a gente.
Gênero Textual
Está pesquisa deu atenção ao aspecto gênero textual, por entendê-lo como unidade
funcional que pode estar contribuindo de maneira expressiva para a realização da alternância
nós x a gente. Para abordagem dessa temática tomou-se como base a teoria de Domínio
Discursivo, Gênero e Tipo textual de Marcuschi.
Marcuschi (2008) associa o caráter funcional de um texto ao conceito de gênero, no
entanto relaciona o aspecto físico de um texto com o conceito de tipo. Ou seja, a estrutura
física: estrutura narrativa, descritiva, dissertativa de um texto, configura-se em seu tipo,
enquanto que a sua estrutura funcional: história, bula de remédio, artigo de jornal, configurase em seu gênero.
Considerando textos do domínio discursivo jornalístico, foram analisados textos do
tipo argumentativo dos seguintes gêneros textuais: Crônica Assuntos Variados, Crônica
Economia, Crônica Política, Crônica Esporte, Artigo de Jornal e Editorial.
Do ponto de vista jornalístico, as crônicas são definidas como textos de extensão
curta através dos quais se comenta assuntos do cotidiano (abordados em outras colunas do
jornal ou não) e que têm o propósito de produzir uma reflexão a partir das considerações
particulares do cronista. No entanto, do ponto de vista discursivo observa-se que o gênero
crônica não objetiva apenas propiciar uma reflexão, mas, também, pode ter, por exemplo, a
finalidade de divertir, alertar, denunciar, proporcionar fruição estética.
Os artigos são definidos na esfera jornalística como enunciados a partir dos quais são
produzidos julgamentos de acontecimentos sociais por parte de jornalistas ou de pessoas de
grande destaque social (ex. empresários, cientistas, professores, políticos etc.). Já a partir do
ponto de vista discursivo, observa-se que os artigos são enunciações realizadas por alguém
que é digno de credibilidade, em virtude da posição social de destaque que ocupa, dirigidas a
leitores de todas as classes sociais, embora Rodrigues (2005:171) tenha verificado que o
artigo é um gênero elitizado, ou seja, escrito por pessoas da elite social e, principalmente,
direcionado para um leitor que, também, faz parte da elite social.
Os editoriais são, formalmente, considerados enunciados por meio dos quais o jornal
expõe o seu ponto de vista sobre um determinado acontecimento. Já do ponto de vista
discursivo, conforme as palavras de Melo (2003:105), os editoriais são instrumentos dos
jornais para o “trabalho de coação ao Estado em defesa dos interesses dos seguimentos
empresariais e financeiros que representam”, portanto constituem-se em enunciações dirigidas
a autoridades governamentais.
3. Análise dos Resultados
Foram analisados 829 textos dos quais foram coletados 565 dados, sendo 26 dados de
a gente, que representa 4,6% da amostra, e 539 dados de nós, que representa 95,4% da
amostra. Os resultados aqui apresentados foram retirados de rodadas em que foram feitas
amalgamações, em virtude de knockouts. Os fatores que se mostraram significativos para o
uso de a gente foram gênero textual, forma do pronome (explícito ou implícito) e paralelismo
formal.
Variável gênero textual
A variável gênero textual foi selecionada em primeiro lugar pelo programa Goldvarb
2003, sendo considerada como o fator mais relevante para escolha da forma pronominal a
gente nos textos analisados. Na Tabela 1, são apresentados os resultados referentes à atuação
dessa variável:
TABELA 1- Atuação da variável gênero textual para o uso de a gente
Fator
Aplic./Total
%
P.R.
Amalgamação –
Artigo, economia, política e editorial
2/378
0,5%
0.23
Esportivo
1/44
2,3%
0.52
Crônica Assuntos Variados
23/143
16,1%
0.95
26/565
4,6%
-----Significância: 0.001
Total
Input: 0.004
A Tabela 1 revela que o uso da forma pronominal a gente é mais recorrente nas
crônicas que tratam de assuntos variados, o que é demonstrado pela frequência de uso de
16,1% e pelo peso relativo de 0,95. Compreende-se que o uso relevante da forma pronominal
a gente nessas crônicas ocorre, em função de ser proposta uma “conversa” ao leitor, ou seja, a
relação entre o leitor e o cronista é estreitada, e esse tipo de relação confere liberdade de
escrita ao cronista, que se sente confiante para usar a forma pronominal inovadora a gente.
Como exposto na Tabela 1, os artigos, editoriais, crônicas de economia e crônicas
políticas, desfavorecem o uso de a gente, como se percebe através da frequência de uso de
0,5% e do peso relativo de 0,23. Acredita-se que a preferência pelo uso de nós em detrimento
da forma pronominal a gente deva-se ao tipo de interlocutor desses gêneros textuais, visto que
são dirigidos a autoridades governamentais, economistas e empresários. Em virtude desse
público, o enunciador faz uso do padrão de linguagem culto da língua, o que restringe o uso
da forma pronominal a gente.
Por fim, verifica-se, na Tabela 1, o peso relativo de 0,52 para o uso de a gente nas
crônicas esportivas, que revela um comportamento neutro dessas crônicas em relação à
escolha das formas pronominais nós e a gente.
Ocorrências explícitas e implícitas
Neste estudo a variável ocorrências explícitas e implícitas se mostrou como o segundo
fator mais importante para o uso da forma pronominal a gente no corpus analisado. Na Tabela
2 são explicitados os resultados a que se chegou:
TABELA 2- Frequência de uso de a gente de modo explícito e implícito
Fator
Aplic./Total
%
P.R.
Implícito
15/525
2,9%
0.45
Explícito
11/40
27,5%
0.92
Total
Input: 0.004
26/565
4,6%
-----Significância: 0.001
Esta análise revelou que a gente é mais utilizada de modo explícito, observando-se o
peso relativo para essa realização de 0,92 e de, apenas, 0,45 para usos implícitos. Os
resultados encontrados vão ao encontro, por exemplo, dos resultados encontrados por Borba
(1993), que observou que a gente, também, era utilizada, principalmente, de maneira
explícita, tendo em vista o peso relativo de 0,55.
A gente comporta-se semanticamente como pronome de 1º pessoa do plural, porém
tende a realizar concordância com verbos em 3º pessoa do singular (uma forma verbal não
marcada). Portanto, acredita-se que o uso de explícito da forma pronominal seja motivado
pela falta de propriedades que indiquem sua presença no verbo com o qual tende a concordar.
Variável paralelismo formal
A variável paralelismo da forma pronominal foi o último fator considerado importante
para o uso da forma pronominal a gente. A relevância dessa variável para a ocorrência de a
gente nos textos jornalísticos de Zero Hora pode ser evidenciada a partir dos resultados
apresentados na Tabela 3:
TABELA 3- A influência da variável paralelismo formal para o uso de a gente
Fator
Aplic./Total
%
P.R.
Sequências não Paralelas
11/52
21,2%
0.88
Sequências Paralelas
2/334
0,6%
0.30
Primeira Referência
13/179
7,3%
0.71
26/565
4,6%
-----Significância: 0.001
Total
Input: 0.004
Observou-se pouca ocorrência de a gente em sequências paralelas, tendo em vista que
foram verificadas apenas 2 ocorrências em 334 construções desse tipo, que correspondem ao
peso relativo de 0,30. Já a ocorrência de a gente foi mais expressiva em sequências não
paralelas e como primeira referência, respectivamente, representada pelos pesos relativos de
0,88 e de 0,71. O favorecimento do uso de a gente em sequências não paralelas contraria os
resultados encontrados em Omena (1986), em Lopes (1993), em Machado (1995) e em Aires,
Souza e Zilles (2002), nos quais se observou que o uso da forma pronominal a gente era mais
evidente em sequências discursivas paralelas e que o uso de a gente na oração seguinte era
favorecido pela presença da mesma forma pronominal na oração anterior.
Procurando-se compreender a motivação do maior de uso de a gente em sequências
não paralelas e como primeira referência, considera-se que a ocorrência dessa forma
pronominal nessas sequências discursivas poderia estar sendo condicionada por características
do discurso jornalístico. O jornalista procura informar sem se envolver com o fato noticiado,
por isso a maioria dos textos jornalísticos seria escritos em 3º pessoa¹, o que estaria
restringindo o uso dos pronomes eu e nós (percebeu-se poucas ocorrências explícitas deste
pronome) e, consequentemente, da forma pronominal a gente.
4. Conclusão
Os resultados apresentados pela pesquisa até o momento indicam que o padrão
linguístico do jornal Zero Hora favorece o uso da forma pronominal canônica nós em
detrimento da forma pronominal inovadora a gente, visto que dos 565 dados coletados,
apenas, 26 dados foram de a gente, valor que corresponde a 4,6% de toda amostra coletada.
Esses resultados vão ao encontro da afirmação de Tarallo (2005: 59), que se refere a texto do
domínio discursivo jornalístico como o “mais intolerante à infiltração de formas não padrão,
típicas da língua falada”. Contudo, acredita-se que o fato dessa forma pronominal ser aceita,
ainda que de forma “tímida” nos textos do jornal Zero Hora, configura-se em um grande
passo para a consideração, efetiva, dessa forma linguística como pronome do português
brasileiro.
LA INSERCIÓN DE A GENTE EN LA LENGUAJE PERIODÍSTICA DE ZERO
HORA
Resumen
Este trabajo tiene como objetivo presentar los resultados parciales relativos al análisis
de la inserción de la forma pronominal a gente en los periódicos de lengua escrita, basada en
textos del periódico Zero Hora. Tratamos de comprobar la intensidad del uso de la variante a
gente en diferentes géneros textuales periodísticos e identificar los factores linguísticos y
extralinguísticos que influyen en este uso. Para su realización se buscó a los fundamentos de
la teoría sociolinguística variacionista traídos por William Labov y los resultados de la
investigación sobre la variación entre nós y a gente. Para la investigación, se recogieron 565
datos del análisis de 829 textos publicados - los textos de tipo argumentativos, pero de
diferentes géneros. Los datos fueron codificados y analizados estadísticamente utilizando el
programa Goldvarb 2003. Teniendo en cuenta que la pesquisa está en la fase inicial, llego,
con anterioridad, a la conclusión que los factores de género textual, realización expresas o
implícitas de la forma pronominal y paralelismos formales son relevantes para el uso de a
gente en los textos periodísticos.
Palabras clave: Sociolinguística. Variación
nós x a gente. Pronominalización.
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SEARA, I. C. A variação do sujeito „nós‟ e „a gente‟ na fala florianopolitana. Organon, v.14,
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TARALLO, F. A pesquisa sociolinguística. São Paulo: Ática, 2005.
ZERO HORA. Manual de ética, redação e estilo. Porto Alegre: L & PM, 1994.
ZILLES, Ana M. S. O que a fala e a escrita nos dizem sobre a avaliação social do uso de a
gente? Porto Alegre: Letras de hoje – UNISINOS/UFRGS, v. 42, p. 27-44, 2007.
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NOTA
¹ No Manual de Ética, Redação e Estilo do jornal Zero Hora (1994:70) afirma-se que o uso da primeira
pessoa pelo autor pode ser um recurso eficiente para atrair a atenção dos leitores, porém recomenda-se
que esse recurso seja utilizado de forma moderada e somente depois do aval do diretor de redação ou
do editor chefe.
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