mama Mastectomia redutora de risco Divulgação O CÂNCER DE MAMA É A NEOPLASIA MAIS PREVA- BRASIL. SEGUNDO DADOS DO INSTITUTO NACIONAL DE Câncer (INCA), estima-se que em 2011 serão registrados quase 50 mil novos casos da doença. Há inúmeras variáveis que contribuem para o risco de câncer de mama, como idade, questões hereditárias, história pregressa de câncer de mama, lesões precursoras, fatores endócrinos endógenos e exógenos e fatores ambientais. A disponibilidade de meios para identificar mulheres de maior risco para desenvolver câncer de mama, tais como teste genético para rastrear as mutações dos oncogenes BRCA1 e BRCA2 e índices epidemiológicos estatísticos como o modelo de Gail, intensifica a necessidade de definir os riscos e os benefícios de medidas protetoras para essas mulheres. Os recursos disponíveis atualmente para protegê-las são: screening mamográfico intenso, mudança de estilo de vida (dieta, atividade física), quimioprevenção (SERMS, IAS) e mastectomia redutora de risco. LENTE ENTRE MULHERES NO Mastectomia redutora de risco Maurício Magalhães Costa * Mestre e doutor em ginecologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); especialização em oncologia ginecológica pelo Instituto Karolinska (Suécia); responsável pelo setor de oncologia ginecológica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ; membro do Conselho Diretor da American Society of Breast Diseases Contato: [email protected] 20 outubro/novembro 2011 Onco& A mastectomia redutora de risco ou profilática é a remoção cirúrgica de parte do tecido mamário, com a finalidade de diminuir o risco de desenvolvimento de câncer de mama. Vale ressaltar que nenhuma técnica de mastectomia pode garantir a remoção total da glândula mamária, devido à impossibilidade de se estabelecer os seus reais limites, já que ela apresenta muita intimidade com a pele e prolonga-se para a axila. Porém, estima-se que a cirurgia proporcione uma redução de 90% do risco – portanto, quanto mais radical a cirurgia, maior a proteção. O benefício da cirurgia profilática varia segundo o risco de desenvolvimento da doença: em mulheres com um risco de 40% durante a vida, a cirurgia profilática adiciona três anos de vida; naquelas em que o risco é de 85%, esse número sobe para mais de cinco anos. A mastectomia profilática pode ser aplicada em duas situações: mastectomia contralateral sincrônica ao tratamento do tumor primário e procedimento bilateral em mulheres de alto risco. Ela é indicada para mulheres com maior risco de desenvolver câncer de mama, que pode aumentar na presença de alguns fatores (Quadros 1,2 3 e 4): 1. História familiar: mulheres com parentes de primeiro grau que tiveram câncer de mama antes dos 50 anos, bilateral ou múltiplos parentes com câncer de mama ou ovário. 2. História pessoal de câncer: mulher que teve um câncer de mama tem maior risco de desenvolver na mama contralateral. 3. Presença de mutação genética em genes BRCA1 ou BRCA2. 4. Múltiplas biópsias mamárias com diagnóstico de lesões precursoras com atipias e principalmente o carcinoma lobular in situ. 5. Alterações difusas em mamas densas, principalmente microcalcificações, dificultam o seguimento, mas isoladamente não caracterizam indicação cirúrgica. 6. História de irradiação em tórax antes dos 30 anos, principalmente para tratamento de linfoma de Hodgkin. É fundamental a seleção individualizada da paciente, com propedêutica por imagem incluindo mamografia, ultrassonografia mamária e ressonância magnética. Deve ser feita uma avaliação por equipe multidisciplinar – mastologista, oncologista, cirurgião plástico, psicólogo e geneticista – para definir se há indicação para a cirurgia, saber se a paciente está preparada para um eventual resultado estético insatisfatório, definir a melhor técnica cirúrgica e a melhor opção de reconstrução. A opção pela cirurgia deve ser feita conjuntamente, e sem pressa, entre paciente, família e equipe médica. A avaliação psicológica é fundamental e a cancerofobia é um fator que deve ser avaliado cuidadosamente para não haver precipitação ou abuso de indicação. Recomenda-se a assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido. Quadro 3: Fatores de risco da história familiar para ser portador de mutação BRCA1 e 2 Mutação BRCA1 e 2 conhecida Câncer de mama e ovário Quadro 1: Fatores de risco para câncer de mama Dois ou mais casos de câncer de mama com < 50 anos na família Fator de risco Risco relativo Câncer de mama no homem Idade (>50 anos) 6,5 História familiar 1o grau 2o grau 1,4 - 13,6 1,5 - 1,8 Um ou mais casos de câncer na família em descendentes de Ashkenazi Câncer de ovário em descendente de Ashkenazi Idade menarca (<12 anos) 1,2 - 1,5 Idade menopausa (>55 anos) 1,5 - 2,0 Idade no primeiro parto (<20 >30) 1,3 - 2,2 Quadro 4: Critérios para ser incluída em categoria de maior risco Hiperplasia atípica 4,0 - 4,4 Dois ou mais parentes de primeiro grau com câncer de mama. TRH 1,0 - 1,5 “A opção pela cirurgia deve ser feita conjuntamente, e sem pressa, entre paciente, família e equipe médica. A avaliação psicológica é fundamental e a cancerofobia é um fator que deve ser avaliado cuidadosamente." Um parente de primeiro grau e dois ou mais de segundo ou terceiro grau com câncer de mama. Um parente de primeiro grau com câncer de mama antes dos 45 anos e outro parente com câncer de mama. Quadro 2: Mutações genéticas Estima-se que 5% dos casos de câncer estejam associados a alterações conhecidas. A presença dos genes BRCA1 e BRCA2 aumenta entre 56% e 85% o risco de desenvolver câncer de mama, ovário, cólon e próstata. As mutações genéticas estão associadas a tumores em mulheres mais jovens. O risco de mutações genéticas na população geral é de 1/800. Em judeus Ashkenazi, é de 2,3%. Um parente de primeiro grau com câncer de mama e um ou mais com câncer de ovário. Dois parentes de segundo ou terceiro grau com câncer de mama e um ou mais com câncer de ovário. Um parente de segundo ou terceiro grau com câncer de mama e dois ou mais com câncer de ovário. Três ou mais parentes de segundo e terceiro grau com câncer de mama. Um parente de primeiro grau com câncer de mama bilateral. Onco& outubro/novembro 2011 21 Técnicas de cirurgia As técnicas de cirurgia consistem em retirada do parênquima glandular bilateralmente. As cirurgias se classificam em: 1. Mastectomia simples ou total (retira toda a glândula e o CAP); 2. Adenomastectomia preservadora de pele e CAP (retirada da glândula com preservação do CAP). Essa técnica é a que deixa maior proporção de tecido mamário residual; 3. Adenomastectomia com preservação da pele (técnica que retira o máximo de tecido, preserva a pele). Discute-se a inclusão da identificação e exame do linfonodo sentinela, mas a tendência é de só indicá-la se houver diagnóstico de câncer de mama, seja infiltrante ou intraductal (Tabela 1). Tabela 1: Técnicas de incisão Tipo de incisão Periareolar Sulco inframamário T invertido Volume mamário ideal Pequeno Pequeno, médio Médio e grande Grau de dificuldade Grande Grande polo superior Menor Maior risco Perfurar retalho Perfurar cauda axilar Necrose do T A B D E Exemplo de mastectomia redutora de risco com: A) incisão em "T" invertido, infra-aureolar; B) retirada de toda a glândula mamária; C) peça cirúrgica; D) marcação da posição do CAP; E) resultado final após cicatrização 22 outubro/novembro 2011 Onco& C Técnicas de reconstrução A reconstrução pode ser com implantes de silicone, expansores temporários ou definitivos, retalhos dermomusculares de abdômen ou de grande dorsal. Em alguns casos podem ser utilizados os dois recursos. O complexo areolopapilar pode ser reconstruído com pele mamária, tecido da região vulvar ou tatuagem (Tabela 2). Pré e pós-operatório No pré-operatório, é importante descrever a cirurgia e mostrar imagens tanto de bons resultados quanto de outros menos satisfatórios. Além disso, vale informar a paciente sobre os riscos de complicações e enfa- tizar as possíveis sequelas como alteração da temperatura, sensibilidade e forma. Para mulheres tabagistas, reforçar a importância de parar de fumar para prevenir complicações (Tabela 3). Embora o índice de mastectomia tenha caído nos últimos anos, cada vez mais mulheres com câncer de mama unilateral estão optando por ter as duas mamas removidas. Pesquisadores têm questionado se a mastectomia profilática contralateral tem sido utilizada mais que o necessário. Em recente estudo conduzido no Memorial Sloan-Kettering Hospital, observou-se um aumento na indicação de mastectomia profilática contralateral de 6,7% para 24,2% em oito anos. Em estudo genético Tabela 2: Métodos de reconstrução Tipo Vantagens Desvantagens Prótese submuscular Técnica simples. Procedimento único Ausência de projeção e ptose; contratura capsular Expansor temporário Melhor projeção. Ptose. Sulco bem definido Enchimento; segundo tempo cirúrgico Expansor permanente Procedimento único Menor projeção. Enchimento Músculo grande dorsal Boa definição do prolongamento axilar e infraclavicular Necessita inserção de prótese, cicatriz no dorso Músculo reto abdominal Ótima forma. Não necessita de prótese Procedimento de longa duração. Complicações abdominais Retalhos livres com microanastomoses Forma depende do retalho escolhido Alta taxa de insucesso. Longa duração. Equipe multidisciplinar A B Reconstrução mamária com colocação de prótese sob o músculo peitoral. A) preparação do músculo; B) inserção da prótese; C) resultado estético da cirurgia 24 outubro/novembro 2011 Onco& C Tabela 3: Complicações de cirurgia reconstrutora Precoces (< 6 semanas) Tardias (> 6 semanas) Hematoma 11,3% Necrose 6,2% Infecção 4,5% Contratura de cápsula 17,5% Estética 17,5% Dog ear 9,1% Fonte: Heemskerk- Gerritsen et al, Ann Surg Oncol 2007; 14(12) 3335-3344 de 407 mulheres, apenas 13% eram realmente de maior risco para um segundo câncer de mama. A conclusão da pesquisadora Monica Morrow e de sua equipe é de que a incorporação de ressonância magnética no diagnóstico tem uma forte associação com o crescimento das taxas de mastectomias profiláticas contralaterais. Estudo recente do Journal of National Cancer Institute em março de 2010 demonstrou uma melhora na sobrevida específica de câncer em cinco anos em mulheres que realizaram a mastectomia profilática contralateral e mulheres jovens com câncer de mama inicial e receptores hormonais negativos (83,7% vs. 88,5%). Em contraste, mulheres mais velhas com doenças mais avançadas e receptores hormonais positivos não demonstraram benefício com o procedimento. Na reunião da ASCO deste ano, Monica Morrow apresentou um estudo que demonstrou que o estado mental das pacientes teve grande influência na decisão cirúrgica. Mulheres com maior ansiedade em relação à recidiva local optaram três vezes mais por cirurgias radicais. Ela questiona se é ético tratar ansiedade com cirurgia e conclui que são necessários mais estudos prospectivos para responder se a mastectomia contralateral tem real benefício e para que subgrupo de pacientes. A seguir, outros pontos que devem ser considerados na possibilidade de uma mastectomia redutora de risco: • Necessidade de cirurgia reconstrutora; • Efeito da cirurgia na imagem do corpo e sexualidade; • Irreversibilidade da decisão; • Esclarecimento que nem todas as mulheres que foram operadas teriam câncer de mama; • Cirurgia redutora de risco é uma boa opção para prevenção do câncer de mama em mulheres de alto risco, mas a eficácia do método e a melhor técnica não estão estabelecidas; • Mulheres candidatas devem ouvir especialistas e se informar claramente sobre os benefícios e limites da técnica; • Estudos clínicos demonstraram redução de 90% na incidência e de 81% a 94% no risco de morte por câncer de mama; • Estudos de satisfação de longo prazo evidenciaram 4% de arrependimento; 44% revelaram que gostariam de ter feito a cirurgia dez anos antes; • Na Universidade Johns Hopkins apenas 10% das pacientes a quem a cirurgia foi oferecida aceitaram realizá-la. Referências bibliográficas: of the breast 3rd.ed Philadelphia. Lippincott Williams and Wilkins, 2004. 5. Altekruse SF, Kosary CL, Krapcho M et al. SEER Cancer statistics Review, 1975-2007, Bethesda, MD, National Cancer Institute, 2010. 6. Ma, H, Bernstein L, Pike MC, Ursin G. Reproductive factors and breast cancer risk according to joint estrogen and progesterone receptor status. A metaanalysis of epidemiological studies. Breast Cancer Research 2006; 8(4): R43 7. Lynch HT, Silva E, Snyder C, Lynch JF. Hereditary breast cancer. Diagnosing hereditary breast cancer syndromes. The Breast Journal: 14(1) 3-13. 8. Nava M, Fabrizio T, Petit JY em Veronesi, U et al Reconstrução pós-mastectomia em Mastologia Oncológica, pag 374-388, Ed. Medsi 2002. 9. Chen et Parmigiani, J Clin Oncol, 2007; 25: 1329- 33. 1. 1. Hartmann, LC; Schaid, DJ et al. Efficacy of bilateral prophylatic mastectomy in women with a family history of breast câncer. N Engl J Med 1999;340:77-84. 2. Meijers-Heijboer,H; Van Geel, B et al. Breast cancer after prophylatic bilateral mastectomy in women with a BRCA1 and BRCA2 mutation. N Engl J Med 2001; 345: 159-164. 3. Morrow, M Contralateral Prophylatic mastectomy Journal of Clinical Oncology in April 2011 (doi: 10.1200/JCO.2010.29.4041) doi: 10.1093/jnci/djq018). 4. Singletary , SE. Techniques in surgery. Therapeutic and prophylactic mastectomy. In: Harris JR, Lippman, ME, Morrow, M, Osborn, CK Editors. Diseases Considerações finais • Raras indicações: apenas casos BRCA1+ comprovados • Técnica: adenectomia. Nos casos de mutação genética, considerar ooforectomia bilateral • Idade ideal: cerca de 35 anos • Mastectomia contralateral apenas em casos de bom prognóstico • Avaliação pré-operatória com RNM • Não pesquisar linfonodo sentinela • Seguimento com USG e exame físico. RM poderá ser empregada Onco& outubro/novembro 2011 25