Reflexões transversais sobre a Geografia Escolar

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Revista Espaço Acadêmico, nº 88, setembro de 2008
http://www.espacoacademico.com.br/088/88cavalcante.pdf
Reflexões transversais sobre a Geografia Escolar
Tiago Vieira Cavalcante*
Considerações Iniciais
A transversalidade como prática pedagógica tem permeado o ideário educacional como
alternativa de fazer com que discussões mais abrangentes, entre elas, discussões sobre meio
ambiente, saúde, ética e outras, busquem estar inseridas no discurso presente em sala de aula
e, principalmente, na prática fora de sala de aula e, quando possível, fora do ambiente escolar,
embora delineado e trabalhado pela escola. É um princípio teórico que tem como objetivo
transpor as barreiras da educação tradicional, convencional, que busca ensinar sobre a
realidade, visto que sua premissa é clarificar a realidade social.
Por não ser uma disciplina independente, pretende-se inserida nas diferentes disciplinas
escolares e, por isso mesmo, os mais diferentes temas tidos como transversais podem ser
discutidos de acordo com a necessidade social e a possibilidade e planejamento escolar e, por
conseguinte docente. Pontuschka et al (2007) afirma que,
[...] educar na transversalidade implica mudar a perspectiva do currículo escolar, indo além da
complementação das áreas disciplinares e chegando mesmo a remover as bases da instituição
escolar remanescente do século XIX. (...) Os temas transversais são também interpretados
como ponte entre o conhecimento do senso comum e o conhecimento acadêmico,
estabelecendo articulação entre ambos (p. 127).
Dentro do contexto do ensino de geografia, é fácil pensar em temas de interesse sócio-cultural
que podem ser trabalhados de forma transversal. Meio ambiente, cultura, atmosfera,
hidrosfera, segurança pública, política, são temas certamente relevantes quando o assunto é
formação cidadã, e todos eles podem ser trabalhados junto à outras disciplinas escolares.
Como exemplo, podemos tomar o tema meio ambiente, que pode ser apreendido por
praticamente todas as disciplinas; atmosfera, podendo ser abordada tanto pela geografia como
pela física, biologia, matemática e outras, ou mesmo cultura, que pode ser abordada por
disciplinas como português e história, além da geografia.
Porém, sabemos que a prática da transversalidade, ainda não sendo utópica, trata-se de uma
prática ademais difícil de ser trabalhada. Muitos são as considerações que podemos tecer
sobre o porquê desta prática não se efetivar, mesmo tendo-se com clareza os ganhos
educacionais que podem ser tidos.
Por uma Geografia Trans(uni)versal
Podemos nos pegar comumente pensando o seguinte: - Estudamos uma determinada ciência e
diante da consciência que buscamos ter do mundo a partir desta ciência, tendemos a nos
encerrar em suas determinações epistemológicas. Por que isto acontece?
É neste momento – já que estamos falando de ciência com consciência, fazendo uso de
expressão de Morin (s/d), que temos de nos sensibilizar diante dos fatos e determinações
científicas vinculadas às outras ciências. Como geograficamente não estabelecer contato
*
Bacharel em Turismo pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Especialista em Ecoturismo pela
Universidade Estadual do Ceará - UECE. Graduando em Geografia pela Universidade Federal do Ceará – UFC.
Contato: [email protected]
direto, ou mesmo indireto, por exemplo, com a antropologia e seu discurso sobre cultura,
quando geógrafos como Claval (1999) afirma m que, todo fato geográfico é um fato cultural?
Como não estabelecer trocas com a sociologia, quando sabemos que a sociedade é quem
constrói o espaço geográfico a partir de suas necessidades sociais, culturais, políticas e
econômicas? Como discutir, por exemplo, sobre o constructo do território sem se dar conta
que a formação territorial exige elementos como espaço e poder (SOUZA, 2005) e, que o
poder em suma é um fato de cunho político - como deixaram claro Ratzel e La Blache,
também tratado por ciências como a ciência política?
Percebendo a possibilidade de contato com as outras ciências como o estopim para a
discussão de temas transversais no ambiente escolar, podemos tecer com maior liberdade a
comunicação interdisciplinar em benefício de uma fo rmação educacional mais eficiente.
O encurralamento epistemológico que tende o professor a tomar, por intermédio da
construção curricular da disciplina, é algo a ser combatido. Porém, tal encerramento é por
vezes produto de ideologias baratas, hiperespecializações e/ou egos inflados.
Dentro do contexto, o que se houve constantemente nos encontros, seminários, simpósios, é o
preconceito ideológico, o não embasamento epistemológico e, principalmente, a miopia
científica ante uma complexidade de fatos socioambientais que extrapolam o conhecimento
geográfico mediado por uma só ideologia e/ou metodologia.
A transversalidade, nesse sentido, aparece como possibilidade de contato – mesmo quer por
vezes indireto, com outras disciplinas e, por conseguinte com outras ideologias e métodos que
podem somar à ciência geográfica na tentativa de uma geografia que compreenda a
todalidade-mundo à que Straforini (2001) se refere proporcionando uma geografia que ensina
o ser humano o sentido de geograficidade tomado por Dardel (BESSE, 2006).
A Transversalidade na escola: O município de Monsenhor Tabosa
Dois são os exemplos referentes à Monsenhor Tabosa que servirão para embasar nossa
discussão.
O primeiro exemplo é o de uma reportagem, do dia 7 de novembro de 2007, que trata, no que
cerne á educação no Ceará, da indicação que nenhuma cidade do Estado possui nota acima de
cinco no indicador MEC, que avalia a qualidade do ensino. Reportagem esta que, inclusive,
cita o município de Monsenhor Tabosa como a localidade onde se tem pior Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), com nota 1,7. O segundo é a reportagem, do
dia 27 de maio de 2008, que diz respeito aos projetos do/no assentamento Santana, em
Monsenhor Tabosa, em que o analfabetismo baixou de 90% em 1986 para 1% em 2008.
Projetos como a Rádio Escola e o Centro Rural de Inclusão Digital, com a ajuda dos jovens
que são responsáveis pela continuidade das ações, fazem com que a educação tenha o
compromisso de manter a cultura e identidade camponesa, sendo esta transmitida de uma
forma própria, peculiar.
Percebendo a contradição educacional existente no município de Monsenhor Tabosa, fica
fácil perceber a pontualidade da transversalidade que pode se dá em um único lugar ou
mesmo alguns singelos lugares do município. É no assentamento, que tem um projeto com
“cara” própria, que a perspectiva educacional se desenvolve com mais vigor, mesmo se
tratando de alfabetização, contato inicial do aluno com a escola. A transversalidade ganha ares
no momento em que alunos da escola do assentamento se desdobram em atividades
extracurriculares que os apresentam outros conceitos que diretamente não são referidos na
escola ou mesmo, por vezes, pela sociedade, como; o de trabalho em grupo, ética e cultura.
Vale ressaltar que a segunda notícia foi retirada de matéria que se dirigia em especial à
estimulação que a literatura de Cordel dava para crianças de Santa Quitéria – CE, projeto este
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o qual podemos perceber uma abordagem transversal, por se tratar de uma literatura que tem
origem no povo e é feita para o mesmo. Podendo ser tratada por disciplinas como história,
geografia, língua portuguesa dentre outras.
Desses exemplos podemos fazer uma primeira consideração não precipitada: Dentro de um
contexto local, exemplos são vários que indicam que a transversalidade, mesmo sendo um
projeto capaz de contribuir na educação escolar, trata-se de um paradigma que tem muito
ainda a ser fomentado pelas instituições, sejam estas públicas ou privadas, assim como os
sujeitos de tais instituições, fazendo deste projeto um ato educacional conjunto e
interdisciplinar no que tange à participação de todas as disciplinas.
Nesse sentido, a geografia escolar é só mais um elemento dentro do conjunto de disciplinas
escolares. Sendo professores de geografia certamente temos o dever de ampliar o leque de
interrelações entre nossa disciplina e a outras que compõem o currículo, com o objetivo maior
de contribuir com a formação dos alunos independente do nível de ensino.
Considerações finais
Fica claro que o esforço tem de ser conjunto. A Geografia diante das necessidades certamente
tem sua importância, todavia ante a perspectiva de formação que o indivíduo tem de ter para
viver uma geograficidade capaz de fazê-lo perceber em suma o mundo, a Geografia é base,
porém não a totalidade do conhecimento humano-educacional. Nesse sentido, a
transversalidade – trata-se de uma perspectiva teórica que só conjuntamente tem condições de
ser efetivada, apesar de sumariamente ser necessária a preocupação com a possibilidade de se
trabalhar uma geografia transversal. Premissa individual, mas com objetivo de posterior
trabalho em grupo.
Referências
BESSE, Jean-Marc. Ver a terra: seis ensaios sobre a paisagem e a geografia. São Paulo: Perspectiva, 2006.
CLAVAL, Paul. O território na transição da pós-modernidade. In: GEOgraphia. Ano I, número 2, 1999, p. 0726.
FAHEINA, Rita Célia. Literatura de cordel estimula estudantes na sala de aula. O POVO, Fortaleza, 27 mai.
2008. Ceará, on-line.
LACOSTE, Yves. Geografia: isso serve em primeiro lugar para fa zer a guerra. Campinas, SP: Papirus, 1988.
MORIN, Edgar. Ciência com Consciência. Mem. Martins: Publicações Europa-América, s. d., 268p.
MOURA, Ricardo. MEC reprova a educação no Ceará. O POVO, Fortaleza, 7 nov. 2007. Folha Fortaleza, p. 6.
PONTUSCHKA. Níbia Nacib et al. Para ensinar e aprender geografia. 1ª ed. São Paulo: Cortez, 2007.
SOUZA, Marcelo José L. de. O Território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. In: Castro, I. et
al (orgs). Geografia: conceitos e temas. 7a ed. Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 2005, p. 77-116.
STRAFORINI, Rafael. Ensinar geografia nas séries iniciais: o desafio da totalidade-mundo. Campinas, 2001.
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