INFLUÊNCIA DO MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO NA GEOGRAFIA: DEBATES ACADÊMICOS E SUAS PERSPECTIVAS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA Isabela Soares Rodrigues1/ UERJ/FFP [email protected] Jefferson Justino Soares2/ UERJ/FFP [email protected] INTRODUÇÃO Este trabalho objetiva analisar a influência do marxismo no ensino de geografia na educação básica, procurando destacar as contribuições do método do materialismo histórico e dialético proposto por K. Marx e F. Engels (2007). Destacamos, na análise, o conceito de produção (social) do espaço (H. Lefebvre, M. Santos), com o qual os marxistas vêm compreendendo a geografia e analisando a produção capitalista do espaço. A análise das tendências metodológicas no ensino de geografia se deu a partir da leitura de resumos e dos trabalhos completos apresentados nos congressos nacionais de geografia, em especial os ENG, ENEGE e ENPEG3. Contudo, no presente trabalho apresentamos a análise dos trabalhos do I Encontro Nacional de Ensino de Geografia – 1º FALA PROFESSOR, ocorrido no ano de 1987, onde se intensificou o debate sobre a produção teórico-metodológica sobre a pesquisa e o ensino de geografia. Trazemos também a análise dos trabalhos apresentados no 5º FALA PROFESSOR, de 2003, marcado por uma participação mais ampla e por temáticas diversas. A leitura de trabalhos esteve fundamentada na produção teórica de Marx e Engels, onde se buscou apreender a origem e o significado do materialismo histórico e 1 Graduando de licenciatura em Geografia, na UERJ/FFP, bolsista PIBIC/UERJ. Graduando de licenciatura em Geografia, na UERJ/FFP, bolsista PIBIC/FAPERJ. 3 Encontro Nacional de Geógrafos; Encontro Nacional de Ensino de Geografia (Fala Professor); Encontro Nacional de Prática de Ensino de Geografia; respectivamente. 2 dialético. Entre os geógrafos, analisamos os textos de Richard Peet (1985), David Harvey (1983), Edward Soja (1993), Milton Santos (2007). Assim como os de H. Lefebvre (2008). Apresentamos o conteúdo dos trabalhos do I e V ENEGE, seus aspectos metodológicos encontrados para, em seguida, sistematizar os elementos da influência do materialismo histórico na pesquisa em ensino de geografia e o modo como esta disciplina tem se apropriado desse. Ressalva-se que os trabalhos analisados do FALA PROFESSOR, de 1987, foram os encomendados pelos organizadores, com temática pré-estabelecida, visando incentivar um debate maior durante o encontro. Nesse sentido, sobressalta-se que as conclusões de tais discussões constam nos anais. Assim sendo, os trabalhos apresentados enfatizam a questão teórico-metodológica da ciência geográfica e sua aproximação com a disciplina geografia ensinada na escola, destacando a importância de considerar a realidade de vida dos alunos das escolas brasileiras. Quanto ao FALA PROFESSOR, ocorrido em 2003, foram analisados todos os resumos dos trabalhos apresentados durante o encontro, algo em média de 400 resumos. Constatamos que, em geral, a questão da aproximação da realidade de vida do aluno se ratifica, contudo um elemento que se colocou como novo girou em torno do ensino de cartografia e da sua conseqüente aproximação da noção de construção do conhecimento, segundo Piaget. Notamos igualmente uma gama muito diversa de temáticas abordadas. Este trabalho faz parte do projeto de pesquisa “Tendências metodológicas no ensino de geografia” e do projeto “A recente produção teórico-metodológica sobre o ensino de geografia: inventariando os seus avanços e impasses”, orientado pelo professor Marcos Antonio Campos Couto. 1º FALA PROFESSOR: a metodologia da geografia em destaque. Apresentamos uma breve descrição dos trabalhos discutidos no I Encontro Nacional Ensino de Geografia (I ENEGE) – 1º FALA PROFESSOR, ocorrido no ano de 1987, em Brasília/DF, como forma de explicitar a dimensão por nós identificada nos trabalhos apresentados. Como já ressalvamos, os textos que encontramos nos Anais do I ENEGE não correspondem a apresentação de trabalhos de seus participantes, mas de textos encomendados que serviram de base para a discussão dos diferentes Grupos de Trabalho. O primeiro trabalho analisado intitulado: “O lugar da teoria geográfica no ensino de 1º e 2º graus”, de Marília L. Peluso de Oliveira, da UnB, foi classificado, como tendência metodológica. O objetivo do trabalho foi o de buscar modificações de conteúdo e das dinâmicas de aprendizagem, possibilitando uma geografia do movimento e, em movimento. A autora usa como metodologia uma abordagem histórica do pensamento geográfico, até a geografia radical ou crítica, onde faz uma aproximação com a realidade dos alunos. O trabalho “A geografia na integração social”, de Valéria Trevisan B. de Aguiar, da UFRJ, classificado como metodologia de ensino, apresenta como objetivos: encontrar novas metodologias de ensino; enfatizar noções de tempo e espaço e o trabalho social num espaço ao longo do tempo. A metodologia usada começa com uma crítica aos livros didáticos em geral, afirmando que “em tais manuais o espaço não é produto da sociedade ao longo do tempo”. A partir daí a autora propõe alguns caminhos que devem ser realizados para que a criança tenha essa percepção, e finaliza afirmando a importância de uma constante atualização dos professores quanto aos métodos de ensino. As conclusões apresentadas no presente trabalho apontam para um aprofundamento do conceito de tempo e espaço a partir da realidade do aluno; iniciar a criança em uma reflexão para entender as relações que ela vivencia, chegando a espaços que ela não vai vivenciar; uma criteriosa análise dos manuais didáticos; e uma revisão da estrutura do curso de magistério visando à integração social nas séries do 1º grau. No trabalho intitulado “Livro Didático” de Diamantino A. C. Pereira, classificado como material didático, o autor apresenta como objetivos: buscar uma nova estruturação dos conteúdos no livro didático onde a questão da natureza não apareça na forma de um capítulo autônomo e sim articulado com os demais assuntos; e que a posição ideológica do autor apareça explicita de modo a instaurar o debate. Sua metodologia parte de três pontos: a estruturação dos conteúdos, o enfrentamento da abordagem da natureza (geografia física), e o problema da veiculação ideológica. O trabalho “O ensino da geografia na escola noturna” de Márcia Maria Spyer Resende, da UFMG, foi classificado como ensino noturno, tem como objetivos: expor as dificuldades encontradas no ensino noturno como forma de atrair a atenção de professores e cientistas, na busca de experiências e alternativas para superar os desafios encontrados por esse segmento da escola. A metodologia aplicada parte da descrição das atividades na escola noturna, listando os problemas: físicos, a falta de estrutura e planejamento; humano, falta de funcionários e servidores; e pedagógico, material didático inadequado e etc; que acabam por afastar alunos e professores. A partir daí aponta saídas para esses desafios e finaliza afirmando que há a necessidade de se ensinar geografia partindo do conhecimento do aluno. O trabalho “O Ensino da cartografia no 1º e 2º Graus” de Antonio Teixeira Neto, da UFG, classificado pela temática de cartografia no ensino, apresenta em seus objetivos: (re)afirmar a visão informativa da representação gráfica em cima dessa visão ilustrativa difundida e compreendida por muitos; buscar uma correta utilização das variáveis visuais e fazer com isso uma representação gráfica de linguagem acessível a todos. Sua metodologia parte da afirmação de que “poucas são as pessoas que questionam um mapa ou um gráfico”, mostrando que há uma forte tendência em ver o mapa como ilustração e não informação. A partir desse ponto, há um questionamento sobre a importância da percepção e da representação gráfica, através de exemplos de diferentes variáveis visuais, e uma reflexão sobre o papel dos mapas nos livros didáticos e nos veículos de informação, para quem é essa informação já que não são todos que a vêem como tal. Em suas conclusões o autor vê a necessidade de uma melhor avaliação das representações cartográficas nos livros didáticos, quanto à insuficiência da maior parte dos mapas, pela pouca ou nenhuma relação que esses têm com o texto, além da necessidade de uma melhor educação gráfica partindo da fabricação de mapas até a compreensão de mapas, de modo a suprir a dificuldade encontrada pelos educandos de compreender a linguagem gráfica. O trabalho “A questão do método no ensino de geografia de 1º e 2º graus”, de Vânia Rúbia Farias Vlach, da UFU, classificado na temática de metodologia de ensino, apresenta os seguintes objetivos: incorporar a questão teórico-metodológica na prática do professor, de forma a melhor articular o 1º, 2º e 3º graus do ensino de geografia, em busca de uma renovação prático pedagógica que trabalhe os conteúdos de maneira crítica. Usando uma metodologia que identifica no método um elemento questionador da ciência em relação à sociedade, sob essa perspectiva a autora avalia como a geografia crítica tem se aproximado da escola de uma forma parcial e pouco compreendida do ponto de vista teórico e como essa parcialidade influência na prática. Dessa reflexão aponta como possível aproximação entre os níveis de ensino uma política pedagógica onde alunos e professores sejam juntos produtores do conhecimento. O trabalho denominado “Formas alternativas de educação em geografia”, de Maria Lúcia Estrada, da UFMG, classificado na temática práticas pedagógicas, visa a reflexão de práticas pedagógicas e a reelaboração teórica dessas práticas como um caminho para a produção do conhecimento; entender a escola como uma extensão da sociedade onde a neutralidade do ato pedagógico é impossível, sendo essencial a transparência de sua dimensão política; instrumentalizar os alunos com condições culturais e intelectuais, para a compreensão dos determinantes políticos, sociais, econômicos, humanos e físicos que produzem o espaço geográfico. A autora propõe uma reflexão das práticas pedagógicas apontando-as como caminho para a reelaboração teórica dessas práticas, dentro de uma escola que sofre a ação e produz ação na sociedade, a partir dessa reflexão ela propõe alguns pontos sobre geografia e educação, que convergem para um caminho de instrumentalização e transformação da prática social. Concluindo que, é a partir da instrumentalização cultural e intelectual que há uma compreensão da forma e conteúdo expressas no espaço geográfico, tornando-se possível uma ação transformadora, isto significa que, agora, a prática social se converte em práxis. Vale ressaltar, a partir do que foi exposto, que o encontro analisado estava inserido em um momento histórico, de constante discussão metodológica da geografia, que começava a definir um caráter crítico a ciência geográfica. O reflexo disso é visto, de forma bem clara, nos trabalhos apresentados no Encontro, na medida em que grande parte busca aproximar essa nova realidade da ciência geográfica com a disciplina geografia ensinada na escola, distinguindo-se apenas quanto a metodologia utilizada. Destaque-se os seguintes temas metodológicos: 1. Geografia radical, do movimento, que se aproxime da realidade dos alunos; 2. O espaço como produto do trabalho social, produzido pela sociedade ao longo de sua história, considerando a realidade dos alunos, seus espaços de vivência e outros espaços; 3. Veiculação ideológica dos conteúdos de ensino, da lógica de estruturação dos conteúdos; 4. Abordagem da natureza (geografia física) articulada aos demais conteúdos da geografia; 5. Renovação prático-pedagógica que trabalhe os conteúdos de maneira crítica, considerando alunos e professores como produtores de conhecimento na escola; 6. Contra a neutralidade do ato pedagógico e a favor de uma práxis social transformadora, há que instrumentalizar cultural e intelectualmente os alunos para que compreendam a forma e o conteúdo do espaço geográfico; os determinantes políticos, sociais, econômicos, humanos e físicos que produzem o espaço geográfico; 7. O mapa como instrumento de informação (e não apenas como ilustração) e o aluno mapeador. Destacamos, em geral, o apelo para uma prática pedagógica que parta dos conhecimentos prévios dos alunos, a fim de se construir conjuntamente - educando e educador - o conhecimento. Podemos perceber igualmente a influência do marxismo, apesar do próprio Marx não ter sido em momento algum citado, o que nos remete ao já conhecido problema da ausência de leitura direta da sua obra. Contudo, aponta-se para a construção de uma geografia crítica, social, e que sirva a uma práxis transformadora, com destaque para a idéia de espaço como produto do trabalho social. 5º FALA PROFESSOR: participação mais ampla e temáticas diversas. O 5º FALA PROFESSOR, ocorrido no ano de 2003, em Presidente Prudente/SP, teve como tema “A geografia no cotidiano construindo a cidadania: práticas formais e informais” e, como já dissemos anteriormente, foi marcado por uma gama muito diversa de temáticas, pelo ensino de cartografia e sua conseqüente aproximação da noção de construção do conhecimento, segundo Piaget. E, talvez em função do tema proposto, por muitos trabalhos que sugerem recursos didáticos, questão que podemos remeter, do mesmo modo, a percepção que, em geral, possuímos de que a geografia é uma disciplina maçante, daí a necessidade de inovarmos com tais recursos. A temática geografia e cidadania aparece, principalmente como secundária, além de outros aspectos que serão destacados a seguir. Ressalvamos que os textos encontrados nos Anais do V ENEGE correspondem a resumos dos trabalhos apresentados, são 322 resumos, dentre os quais 219, se referem ao ensino de geografia na educação básica e foram esses resumos que analisamos de modo mais minucioso, visto que são de grande relevância para o objetivo da pesquisa, isto é, o de analisar a influência do marxismo no ensino de geografia na educação básica, procurando destacar as contribuições do método do materialismo histórico e dialético e o conceito de produção social do espaço. E, é sobre esta análise que nos deteremos no presente momento. Grande parte dos trabalhos apresentados são resultados de pesquisas realizadas na região Sudeste - com significativa participação dos estados de São Paulo (UNESP e USP), Minas Gerais (UFU) e Rio de Janeiro (UERJ, UFF e UFRJ)- e Sul -Santa Catarina (UFSC) e Paraná (UEL). Na região centro-oeste, limitam-se basicamente a UFG e a UFMS, no Nordeste destacamos a UFPE, UFPB e UFS. Na região Norte aparece a UFPA, UFAM e apenas um trabalho da UFAC. Temáticas como educação inclusiva, educação sexual e turismo não aparecem nos resumos analisados, nem mesmo como temática secundária. Em número pouco expressivo notamos as temáticas: água, avaliações/provas, cidade -este tema foi desenvolvido basicamente sob a orientação de Lana Cavalcanti e Maurício de Abreulaboratório, conceitos-chaves, espaço geográfico, migração, perfil do estudante, perfil do professor, conceito de paisagem, objeto de ensino da geografia, ato de ler e escrever, inteligências múltiplas, ocupação humana e seus impactos, gênero, globalização -que aparece de modo intimamente relacionado a mídia, ressaltando a necessidade dos professores prepararem os seus alunos para se colocarem de modo crítico frente a esse meio de comunicação em massa – e, por fim pluralidade cultural, este último, se faz presente em trabalhos que narram experiências vivenciadas no ensino de geografia, em aldeias indígenas ou em regiões próximas. Trabalhos sobre geografia física tratam mais da forma como os conteúdos são trabalhados no livro didático, aparece igualmente, a partir da temática educação ambiental, trabalho de campo ou da cartografia, sendo assim surge mais como tema secundário. Quanto ao livro didático, há muitas pesquisas que se dedicam ao tema, estas giram em torno da análise crítica de conteúdos, em geral, apontam erros, uma abordagem superficial, que inclusive se distância da realidade dos alunos. Levando em conta este último aspecto, há uma gama de trabalhos voltados para a produção de recursos pedagógicos/materiais didáticos sobre as localidades em que os alunos vivem, são na maioria Atlas locais, que mesclam aspectos físicos e humanos, é inclusive dessa forma que mais se faz presente o conceito de espaço vivido. Assim sendo, cartografia tem se colocado como um importante instrumento na prática pedagógica do professor de geografia no nível fundamental e médio. Com relação aos níveis, sobressalta-se que pesquisas sobre alfabetização cartográfica fundamentadas no construtivismo piagetiano têm se voltado para os ciclos iniciais do ensino fundamental, como forma de auxiliar na aprendizagem de conteúdos e conceitos geográficos nestes ciclos, mas também como tentativa de superar a deficiência quanto aos conceitos cartográficos que alguns alunos apresentam no ensino médio. Uma crítica constante em grande parte desses trabalhos é a de que professores de geografia são formados sem apreenderem efetivamente os conceitos cartográficos, questão que justificaria, em parte, a defasagem que os alunos apresentam quando chegam ao ensino médio e que apontaria, igualmente para a necessidade de formação continuada dos docentes. Ainda em relação aos recursos didáticos, é importante colocar que muitos trabalhos apontam para o uso de jogos na sala de aula como forma de estimular o lúdico no aluno, a cooperação, o trabalho em grupo, a integração, dar um maior dinamismo as aulas etc. Nessa temática a música também tem presença marcante, juntamente com a informática. O trabalho de campo aparece como fundamental no processo de ensino aprendizagem -o tema secundário mais notado- visto que proporciona a relação teoria e prática, além de dar maior dinamicidade às aulas e significado aos conteúdos de geografia, favorecendo ainda a interdisciplinaridade. A temática currículo consta nos resumos, percebe-se claramente, por parte dos docentes de geografia, a preocupação com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNS), a relação ensino de geografia e PCNs tem resultado sobretudo em um grande número de pesquisas direcionadas a educação ambiental/meio ambiente. Em sua maioria os pesquisadores ressaltam a necessidade da geografia dar conta desse eixo tão relevante na contemporaneidade. Apenas um trabalho se destoou dos demais, na medida em que evidenciou a necessidade de se pensar as causas dos problemas ambientais no modo de produção capitalista, no consumo exarcebado a ele inerente e na relação homem-natureza que este tem imposto. Ao contrário, os demais a que me referi, se detiveram sobre a produção de lixo ou resíduos, no conceito de reciclagem e no lema: “faça a sua parte”. Ainda em relação aos PCNs, observamos a crítica voltada a sua imposição, ao modo como foi construído e ao contexto neoliberal em que foi criado. A temática geografia e cidadania fundamenta alguns trabalhos, em que realizam a relação com os PCNs, contudo grande parte destaca o papel do professor na construção da cidadania. No que se refere à interdisciplinaridade, esta se faz presente, em um número um pouco mais expressivo quando a relação é entre geografia e literatura, na medida em que os trabalhos apreendem os textos literários, como um importante instrumento na compreensão de conceitos geográficos, essencialmente o de espaço geográfico, dessa forma a temática principal -interdisciplinaridade geografia e literatura- é seguida de temáticas secundárias, como recurso pedagógico/material didático e o conceito de espaço geográfico. Nesse sentido, destaca-se a presença significativa de sugestões didáticas fundamentadas no uso das histórias em quadrinhos. A geografia agrária aparece exclusivamente de forma crítica, onde é enfatizada a importância dessa temática para a formação de cidadãos críticos e conscientes, que através da apreensão de conteúdos possam realizar uma leitura de mundo distinta da que a mídia tenta impor. Quanto à geografia crítica, esta aparece sobre a forma exatamente de crítica a uma prática tradicional, ressaltando a necessidade de superá-la, alguns trabalhos realizam um breve histórico dessa disciplina, um em especial, ressalta a importância de demonstrar a trajetória do pensamento geográfico aos alunos. Podemos apontar, a partir da análise, poucos trabalhos de cunho marxista, embora muitos adquiram caráter crítico. As categorias marxistas não se colocam de forma clara, não notamos a presença de conceitos como dialética, infra-estrutura e superestrutura, entretanto o conceito de produção social do espaço, aquele que como já dissemos, os marxistas vêm compreendendo a geografia e analisando a produção capitalista do espaço, aparece ainda que em um número reduzido, porém significativo. Remetemos tal questão a influência da produção teórica do geógrafo Milton Santos, que ao contrário de Karl Marx, como foi observado nos trabalhos do I ENEGE, é citado nos textos, assim como os também geógrafos Ruy Moreira, Yves Lacoste, Lana de Souza Cavalcanti e Sônia Castellar e demais autores de livro didáticos de geografia. Sobressalta-se que uma das principais fontes dos pesquisadores foi Jean Piaget, apareceram igualmente David Ausabel, Howard Gardner e Lev Vygostsky, são essencialmente estes autores que tem fundamentado uma prática pedagógica da geografia. O MÉTODO DO MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO & A GEOGRAFIA Neste momento, a compreensão da gênese do materialismo histórico e dialético e o seu processo de formação se colocam de forma essencial para que possamos perceber o verdadeiro significado de tal método proposto por K. Marx e F. Engels as ciências, em especial a geografia. E, é com esse intuito que desenvolvemos este tópico. A Ideologia Alemã, obra de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (18201895), escrita nos anos de 1845 e 1846, contudo publicada apenas em 1933, se configurou no esboço do materialismo histórico e dialético, da teoria e metodologia da ciência social ligada aos seus nomes. Pode-se dizer que o materialismo histórico e dialético se originou a partir da crítica a Feuerbach, que constituí o primeiro capítulo da obra citada, da conseqüente superação da dialética especulativa e da filosofia da história de Hegel e de uma base cultural já definida. Feuerbach teve essencial importância para a construção do materialismo histórico e dialético, visto que representa um grande passo para a superação do pensamento filosófico de Hegel, do seu idealismo até então base de toda a filosofia alemã, adentrando o campo do materialismo. Dessa forma, Ludwig Feuerbach impactou tanto Marx como Engels com suas obras “A Essência do Cristianismo” e “Fundamentos para a Filosofia do Futuro”, publicadas em 1841 e 1843, respectivamente. Na primeira obra citada, Feuerbach apresenta a idéia de alienação como o processo pelo qual a idéia absoluta se fazia ser-outro na natureza, se realizando de forma dialética nas obras de espírito (religião, filosofia, moral, direito e Estado), invertendo o significado dado anteriormente por Hegel. Como Feuerbach limita-se a religião, ele compreende Deus como criação do próprio homem, que se objetiva neste, projetando suas melhores qualificações, empobrecendo sua essência, à medida que enriquece Deus com suas virtudes. Algumas conclusões podem ser obtidas a partir de tais idéias, como a de que a essência de Deus é a essência alienada do homem e a objetivação alienada não é enriquecimento, mas empobrecimento. Podemos afirmar ainda que a crítica à teologia se funda na antropologia, no estudo do homem. A respeito disso, Marx nos expõe que: “Feuerbach converte a essência religiosa em essência humana. Mas a essência do homem não é uma abstração inerente ao indivíduo isolado. Na sua realidade, ela é um conjunto de relações sociais” (MARX, VI Tese). Marx nos diz ainda que: “Feuerbach não vê que o ‘espírito religioso’ é ele próprio um produto social e que o indivíduo abstrato que ele analisa pertence na realidade a uma forma social determinada” (MARX, VII Tese). Na obra posterior, Feuerbach desenvolve o materialismo sob a forma de humanismo naturista, nesta propõe a substituição da religião cristã pela religião da humanidade. Tal materialismo apreende, sobretudo o mundo sensível apenas como objeto ou intuição e não como atividade humana concreta, prática, se constituindo em um materialismo contemplativo, teoria que se contenta em perceber o mundo na sua imutabilidade, sem conceber que se trata de transformá-lo. Ressalta-se que Feuerbach concebe o homem como um conceito abstrato, o homem é para ele biológico, puro ser da natureza, ignorando a sociedade e a história que o engendram. Desse modo, as relações humanas são idealizadas, nada tendo haver com as relações sociais históricas. Pode-se dizer a partir do que foi exposto e de forma sucinta que Feuerbach compreende a sensibilidade (distando da atividade prática e sensível) como base de toda a ciência, permanecendo no terreno da filosofia. Marx e Engels se apropriam de tais idéias de forma crítica, passando a conceber o homem como possuidor de um caráter social, que mantém relação ativa com a natureza, através do processo histórico de mediação com a mesma, via trabalho. Daí a afirmação de que o homem é um ser ativo e ao modificar a natureza fora de si modifica ao mesmo tempo sua própria natureza, estando nestas afirmações explícito o movimento histórico e dialético proposto por Marx e Engels. Ressalva-se que a natureza é compreendida sob a práxis humana, como criação do homem pelo trabalho humano e devir da natureza para o homem. De acordo com Milton Santos (2008): “... há sempre uma primeira natureza prestes a se transformar em segunda; uma depende da outra, porque a natureza segunda não se realiza sem as condições da natureza primeira e a natureza primeira é sempre incompleta e não perfaz sem que a natureza segunda se realize. Este é o princípio da dialética do espaço” (SANTOS, 2008: 214). Destaca-se que, como nos expõe Quaini (1979), o método do materialismo histórico supera a dissociação entre natureza e história, considerando simultaneamente a relação do homem com a natureza e a relação do homem com o homem. Marx e Engels nos afirmam ainda que, a essência do homem é um conjunto de relações sociais e não abstração inerente ao indivíduo isolado, ou seja, ao indivíduo natural, o qual unicamente enquanto gênero, universalidade interna, se liga de maneira também natural aos demais sujeitos humanos. Assim sendo, o materialismo histórico e dialético se funda na premissa de que parte da ciência positiva da história, os indivíduos humanos reais, sua ação e condição de vida, isto é, toda história humana é a existência de indivíduos humanos viventes que, por sua vez, se distinguem pelo que produzem, pelos seus meios de vida, que modificam historicamente e socialmente à natureza. O que os indivíduos são depende das condições materiais da sua produção, que somados com o intercâmbio (relações de produção) geram os modos de produção (relações de produção e forças produtivas) que se relacionam dialeticamente (forma e conteúdo), ora se negando, ora se afirmando e desta forma produzindo algo novo (tese+antítese=síntese), que é a negação total do velho ou parcial, de modo a conter resquícios do mesmo, tal movimento/processo é movido pelas contradições inerentes ao modo de produção. O materialismo histórico e dialético assume essencialmente um caráter transformador se distanciando da postura contemplativa dos filósofos alemães. Marx e Engels compreendem a idéia conectada com o substrato material da história, em contraposição ao conceito de idéia de Feuerbach, que a apreendia, limitando-se a religião, como objetivações de essência. Nesse sentido: “São os Homens que, desenvolvendo sua produção material e suas relações materiais, transformam, com a realidade que lhes é própria, seu pensamento e também os produtos do seu pensamento. Não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência” (MARX e ENGELS, 2007:19 e 20). E, como nos coloca Quaini: “O materialismo histórico constitui-se, portanto, como anti-filosofia, como resolução dos problemas especulativos em fatos empíricos, como resolução da filosofia da história e da filosofia da natureza na história natural e humana. Ele instaura uma nova relação entre natureza e homem, que, justamente porque evita cair no monismo espiritualista de Hegel e no monismo naturalista do materialismo fisicalista ou do positivismo e determinismo, que se seguiram, colocase num plano decididamente humanista e integralmente historicista e, enquanto tal, não perde de vista nem a historicidade da natureza nem a naturalidade da história” (QUAINI, 1979: 43). Quanto a incorporação do método de tal método pela geografia, podemos dizer que Harvey o aponta, não sem críticas, como um caminho para a superação da geografia burguesa, em especial a determinista, se baseando sobretudo na relação dialética entre homem e natureza, isto é, na idéia de que ao modificar o mundo externo o homem se modifica, do mesmo modo em que se fundamenta na idéia de que “embora os seres humanos façam sua própria história, não o fazem em circunstâncias sociais e geográficas de sua própria escolha” (HARVEY, 1983:63). As idéias de Marx são reconhecidamente de grande relevância para a compreensão da produção social do espaço no modo de produção capitalista, como a forma pela qual as diferentes classes sociais criam paisagens à sua própria imagem, apesar de Marx não escrever “diretamente” sobre tal objeto da geografia. Questão que, de certo modo, é superada se consideramos a natureza, “natureza segunda” - produto social - como totalidade, “segunda” apenas, porque, de acordo com o próprio Marx, a “primeira”, a intocada, já não existe mais, e esta natureza “segunda” é exatamente o espaço geográfico, como reforçou Milton Santos no final da década de 70. E, sobre a natureza, compreendida como produto social, como objeto ativo de transformação material do homem pelo seu trabalho, Marx nos proporciona avanços fantásticos, via de regra incorporados de forma crescente, ainda que lentamente, somente nas últimas três décadas pela geografia. Nesse contexto, destaca-se a crítica a geografia até então estabelecida, pelos geógrafos mais radicais, na década de 60, impulsionados pela discussão interna a geografia, por sua vez, incentivada pelos eventos materiais, como o seu caráter fragmentador e, em decorrência o seu isolamento, condicionado e condicionante pela/da ideologia da classe dominante de modo a colaborar para a manutenção do status quo da sociedade. Ideologia essa emaranhada nos conceitos, objetivos, métodos e conclusões da geografia tradicional. Em contrapartida propõem uma geografia que se apóie no método do materialismo histórico e dialético, pensado por Marx e Engels. A partir da primeira metade dos anos 70 a geografia radical, com a crescente incorporação da teoria marxista, torna-se sinônimo de geografia marxista. Tal geografia (marxista) é definida por Peet como aquela parte da ciência total que se ocupa com o relacionamento entre os processos sociais, de um lado, e o ambiente natural e as relações espaciais de outro. Ressalva-se que a ciência marxista se fundamenta na relevância da produção material na formação social. Destaca-se ainda que de grande importância para a geografia marxista é a noção de que processo social e forma espacial se relacionam dialeticamente, de modo a refletirem a contradição entre capital e trabalho inerente ao atual modo de produção. CONSIDERAÇÕES FINAIS Embora, como já foi destacado não há citações diretas da obra de K. Marx e F. Engels, pode-se perceber a influência desses pensadores nos trabalhos apresentados, talvez pelo fato do pontapé inicial para a renovação da geografia ter sido dado em 1978, onde as idéias de Karl Marx se propagaram através de autores como Ruy Moreira e sobretudo Milton Santos, questão que explica a presença de conceitos como práxis social, transformação da natureza, trabalho, produção social do espaço, conhecimento como resultante do substrato material da história, dentre outros nos trabalhos analisados. Ressalva-se a importância do conceito de produção do espaço, proposto por Henri Lefebvre e adotado e trabalhado por Milton Santos, para movimento de renovação da geografia, visto que este nos permite apreender o espaço, objeto da geografia, como uma instância social (material), que é subordinado e subordinante a/da sociedade, isto é, o espaço é produzido e transformado pela sociedade (forma e conteúdo), ao mesmo tempo em que a condiciona e a modifica. Tal conceito nos permite igualmente trabalhar com o conteúdo geográfico de modo a valorizarmos as relações sociais, já que são estas que determinam o espaço (objeto ativo), que, por sua vez, exprime as contradições do modo de produção que as regem, criando paisagens, que possibilitam a análise do processo histórico do modo de produção capitalista. Notamos no 1º FALA PROFESSOR uma geografia mais renovada/crítica e percebemos igualmente uma forte influência do geógrafo Milton Santos, contudo, ao analisarmos os trabalhos do 5º FALA PROFESSOR, percebemos que o movimento de renovação da geografia tem se dado de forma lenta, principalmente se nos prendermos a base teórica, embora tenha-se notado, por parte dos professores um forte desejo de superação de uma prática tradicional, questão que pode ser exemplificada pela grande quantidade de trabalhos que propõem uma gama de recursos didáticos. No presente texto destacamos a concepção de história de K. Marx e F. Engels e sua influência no pensamento geográfico e no conceito de espaço como produto do trabalho social. Entretanto, vimos o forte apelo, nos trabalhos do I ENEGE e V ENEGE, a construção de uma pedagogia mais crítica que considere a realidade dos alunos. Assim, contraditoriamente, avaliamos que, as contribuições teóricas destinadas ao ensino de geografia na educação básica ainda não se traduziram em práticas pedagógicas efetivamente críticas, em que os conceitos sejam trabalhados de forma mais articulada. Remetemos tal questão ao fato da educação básica não estar acompanhando no mesmo ritmo os avanços que ocorrem quase que exclusivamente na academia, deixando uma lacuna entre teoria e prática. Reconhece-se que há um movimento que visa a renovação da geografia que se ensina na educação básica, contudo este tem se dado de forma lenta, em função exatamente dessa lacuna. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Zahar Editor, 1993. Rio de Janeiro: Jorge HARVEY, David. Verbete Geografia. In: BOTTOMORE, Tom. Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993. Dicionário do LACOSTE, Yves. A Geografia - isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra. São Paulo: Ed. Papirus, 1976. LEFEBVRE, Henri. Espaço e política. Belo Horizonte: UFMG, 2008. MARX, K. & ENGELS, F. A Ideologia Alemã. 3º Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. PEET, Richard. O desenvolvimento da Geografia Radical nos Estados Unidos. In: CHRISTOFOLETTI, A. (Org.). “Perspectivas da Geografia”. São Paulo: DIFEL, 1982. QUAINI, M. Geografia e Marxismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. SANTOS, Milton. Por Uma Geografia Nova. São Paulo: Edusp, 2007. SOJA, Edward W. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.