influência do materialismo histórico e dialético na geografia

Propaganda
INFLUÊNCIA DO MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO NA
GEOGRAFIA: DEBATES ACADÊMICOS E SUAS PERSPECTIVAS PARA A
EDUCAÇÃO BÁSICA
Isabela Soares Rodrigues1/ UERJ/FFP
[email protected]
Jefferson Justino Soares2/ UERJ/FFP
[email protected]
INTRODUÇÃO
Este trabalho objetiva analisar a influência do marxismo no ensino de geografia
na educação básica, procurando destacar as contribuições do método do materialismo
histórico e dialético proposto por K. Marx e F. Engels (2007). Destacamos, na análise,
o conceito de produção (social) do espaço (H. Lefebvre, M. Santos), com o qual os
marxistas vêm compreendendo a geografia e analisando a produção capitalista do
espaço.
A análise das tendências metodológicas no ensino de geografia se deu a partir da
leitura de resumos e dos trabalhos completos apresentados nos congressos nacionais de
geografia, em especial os ENG, ENEGE e ENPEG3. Contudo, no presente trabalho
apresentamos a análise dos trabalhos do I Encontro Nacional de Ensino de Geografia –
1º FALA PROFESSOR, ocorrido no ano de 1987, onde se intensificou o debate sobre a
produção teórico-metodológica sobre a pesquisa e o ensino de geografia. Trazemos
também a análise dos trabalhos apresentados no 5º FALA PROFESSOR, de 2003,
marcado por uma participação mais ampla e por temáticas diversas.
A leitura de trabalhos esteve fundamentada na produção teórica de Marx e
Engels, onde se buscou apreender a origem e o significado do materialismo histórico e
1
Graduando de licenciatura em Geografia, na UERJ/FFP, bolsista PIBIC/UERJ.
Graduando de licenciatura em Geografia, na UERJ/FFP, bolsista PIBIC/FAPERJ.
3
Encontro Nacional de Geógrafos; Encontro Nacional de Ensino de Geografia (Fala Professor); Encontro
Nacional de Prática de Ensino de Geografia; respectivamente.
2
dialético. Entre os geógrafos, analisamos os textos de Richard Peet (1985), David
Harvey (1983), Edward Soja (1993), Milton Santos (2007). Assim como os de H.
Lefebvre (2008).
Apresentamos o conteúdo dos trabalhos do I e V ENEGE, seus aspectos
metodológicos encontrados para, em seguida, sistematizar os elementos da influência do
materialismo histórico na pesquisa em ensino de geografia e o modo como esta
disciplina tem se apropriado desse.
Ressalva-se que os trabalhos analisados do FALA PROFESSOR, de 1987, foram
os encomendados pelos organizadores, com temática pré-estabelecida, visando
incentivar um debate maior durante o encontro. Nesse sentido, sobressalta-se que as
conclusões de tais discussões constam nos anais. Assim sendo, os trabalhos
apresentados enfatizam a questão teórico-metodológica da ciência geográfica e sua
aproximação com a disciplina geografia ensinada na escola, destacando a importância
de considerar a realidade de vida dos alunos das escolas brasileiras.
Quanto ao FALA PROFESSOR, ocorrido em 2003, foram analisados todos os
resumos dos trabalhos apresentados durante o encontro, algo em média de 400 resumos.
Constatamos que, em geral, a questão da aproximação da realidade de vida do aluno se
ratifica, contudo um elemento que se colocou como novo girou em torno do ensino de
cartografia e da sua conseqüente aproximação da noção de construção do conhecimento,
segundo Piaget. Notamos igualmente uma gama muito diversa de temáticas abordadas.
Este trabalho faz parte do projeto de pesquisa “Tendências metodológicas no
ensino de geografia” e do projeto “A recente produção teórico-metodológica sobre o
ensino de geografia: inventariando os seus avanços e impasses”, orientado pelo
professor Marcos Antonio Campos Couto.
1º FALA PROFESSOR: a metodologia da geografia em destaque.
Apresentamos uma breve descrição dos trabalhos discutidos no I Encontro
Nacional Ensino de Geografia (I ENEGE) – 1º FALA PROFESSOR, ocorrido no ano de
1987, em Brasília/DF, como forma de explicitar a dimensão por nós identificada nos
trabalhos apresentados. Como já ressalvamos, os textos que encontramos nos Anais do I
ENEGE não correspondem a apresentação de trabalhos de seus participantes, mas de
textos encomendados que serviram de base para a discussão dos diferentes Grupos de
Trabalho.
O primeiro trabalho analisado intitulado: “O lugar da teoria geográfica no ensino
de 1º e 2º graus”, de Marília L. Peluso de Oliveira, da UnB, foi classificado, como
tendência metodológica.
O objetivo do trabalho foi o de buscar modificações de
conteúdo e das dinâmicas de aprendizagem, possibilitando uma geografia do
movimento e, em movimento. A autora usa como metodologia uma abordagem histórica
do pensamento geográfico, até a geografia radical ou crítica, onde faz uma aproximação
com a realidade dos alunos.
O trabalho “A geografia na integração social”, de Valéria Trevisan B. de Aguiar,
da UFRJ, classificado como metodologia de ensino, apresenta como objetivos:
encontrar novas metodologias de ensino; enfatizar noções de tempo e espaço e o
trabalho social num espaço ao longo do tempo. A metodologia usada começa com uma
crítica aos livros didáticos em geral, afirmando que “em tais manuais o espaço não é
produto da sociedade ao longo do tempo”. A partir daí a autora propõe alguns caminhos
que devem ser realizados para que a criança tenha essa percepção, e finaliza afirmando
a importância de uma constante atualização dos professores quanto aos métodos de
ensino. As conclusões apresentadas no presente trabalho apontam para um
aprofundamento do conceito de tempo e espaço a partir da realidade do aluno; iniciar a
criança em uma reflexão para entender as relações que ela vivencia, chegando a espaços
que ela não vai vivenciar; uma criteriosa análise dos manuais didáticos; e uma revisão
da estrutura do curso de magistério visando à integração social nas séries do 1º grau.
No trabalho intitulado “Livro Didático” de Diamantino A. C. Pereira,
classificado como material didático, o autor apresenta como objetivos: buscar uma nova
estruturação dos conteúdos no livro didático onde a questão da natureza não apareça na
forma de um capítulo autônomo e sim articulado com os demais assuntos; e que a
posição ideológica do autor apareça explicita de modo a instaurar o debate. Sua
metodologia parte de três pontos: a estruturação dos conteúdos, o enfrentamento da
abordagem da natureza (geografia física), e o problema da veiculação ideológica.
O trabalho “O ensino da geografia na escola noturna” de Márcia Maria Spyer
Resende, da UFMG, foi classificado como ensino noturno, tem como objetivos: expor
as dificuldades encontradas no ensino noturno como forma de atrair a atenção de
professores e cientistas, na busca de experiências e alternativas para superar os desafios
encontrados por esse segmento da escola. A metodologia aplicada parte da descrição
das atividades na escola noturna, listando os problemas: físicos, a falta de estrutura e
planejamento; humano, falta de funcionários e servidores; e pedagógico, material
didático inadequado e etc; que acabam por afastar alunos e professores. A partir daí
aponta saídas para esses desafios e finaliza afirmando que há a necessidade de se
ensinar geografia partindo do conhecimento do aluno.
O trabalho “O Ensino da cartografia no 1º e 2º Graus” de Antonio Teixeira Neto,
da UFG, classificado pela temática de cartografia no ensino, apresenta em seus
objetivos: (re)afirmar a visão informativa da representação gráfica em cima dessa visão
ilustrativa difundida e compreendida por muitos; buscar uma correta utilização das
variáveis visuais e fazer com isso uma representação gráfica de linguagem acessível a
todos. Sua metodologia parte da afirmação de que “poucas são as pessoas que
questionam um mapa ou um gráfico”, mostrando que há uma forte tendência em ver o
mapa como ilustração e não informação. A partir desse ponto, há um questionamento
sobre a importância da percepção e da representação gráfica, através de exemplos de
diferentes variáveis visuais, e uma reflexão sobre o papel dos mapas nos livros didáticos
e nos veículos de informação, para quem é essa informação já que não são todos que a
vêem como tal. Em suas conclusões o autor vê a necessidade de uma melhor avaliação
das representações cartográficas nos livros didáticos, quanto à insuficiência da maior
parte dos mapas, pela pouca ou nenhuma relação que esses têm com o texto, além da
necessidade de uma melhor educação gráfica partindo da fabricação de mapas até a
compreensão de mapas, de modo a suprir a dificuldade encontrada pelos educandos de
compreender a linguagem gráfica.
O trabalho “A questão do método no ensino de geografia de 1º e 2º graus”, de
Vânia Rúbia Farias Vlach, da UFU, classificado na temática de metodologia de ensino,
apresenta os seguintes objetivos: incorporar a questão teórico-metodológica na prática
do professor, de forma a melhor articular o 1º, 2º e 3º graus do ensino de geografia, em
busca de uma renovação prático pedagógica que trabalhe os conteúdos de maneira
crítica. Usando uma metodologia que identifica no método um elemento questionador
da ciência em relação à sociedade, sob essa perspectiva a autora avalia como a geografia
crítica tem se aproximado da escola de uma forma parcial e pouco compreendida do
ponto de vista teórico e como essa parcialidade influência na prática. Dessa reflexão
aponta como possível aproximação entre os níveis de ensino uma política pedagógica
onde alunos e professores sejam juntos produtores do conhecimento.
O trabalho denominado “Formas alternativas de educação em geografia”, de
Maria Lúcia Estrada, da UFMG, classificado na temática práticas pedagógicas, visa a
reflexão de práticas pedagógicas e a reelaboração teórica dessas práticas como um
caminho para a produção do conhecimento; entender a escola como uma extensão da
sociedade onde a neutralidade do ato pedagógico é impossível, sendo essencial a
transparência de sua dimensão política; instrumentalizar os alunos com condições
culturais e intelectuais, para a compreensão dos determinantes políticos, sociais,
econômicos, humanos e físicos que produzem o espaço geográfico. A autora propõe
uma reflexão das práticas pedagógicas apontando-as como caminho para a reelaboração
teórica dessas práticas, dentro de uma escola que sofre a ação e produz ação na
sociedade, a partir dessa reflexão ela propõe alguns pontos sobre geografia e educação,
que convergem para um caminho de instrumentalização e transformação da prática
social. Concluindo que, é a partir da instrumentalização cultural e intelectual que há
uma compreensão da forma e conteúdo expressas no espaço geográfico, tornando-se
possível uma ação transformadora, isto significa que, agora, a prática social se converte
em práxis.
Vale ressaltar, a partir do que foi exposto, que o encontro analisado estava
inserido em um momento histórico, de constante discussão metodológica da geografia,
que começava a definir um caráter crítico a ciência geográfica. O reflexo disso é visto,
de forma bem clara, nos trabalhos apresentados no Encontro, na medida em que grande
parte busca aproximar essa nova realidade da ciência geográfica com a disciplina
geografia ensinada na escola, distinguindo-se apenas quanto a metodologia utilizada.
Destaque-se os seguintes temas metodológicos:
1. Geografia radical, do movimento, que se aproxime da realidade dos alunos;
2. O espaço como produto do trabalho social, produzido pela sociedade ao longo
de sua história, considerando a realidade dos alunos, seus espaços de vivência e
outros espaços;
3. Veiculação ideológica dos conteúdos de ensino, da lógica de estruturação dos
conteúdos;
4. Abordagem da natureza (geografia física) articulada aos demais conteúdos da
geografia;
5. Renovação prático-pedagógica que trabalhe os conteúdos de maneira crítica,
considerando alunos e professores como produtores de conhecimento na escola;
6. Contra a neutralidade do ato pedagógico e a favor de uma práxis social
transformadora, há que instrumentalizar cultural e intelectualmente os alunos
para que compreendam a forma e o conteúdo do espaço geográfico; os
determinantes políticos, sociais, econômicos, humanos e físicos que produzem o
espaço geográfico;
7. O mapa como instrumento de informação (e não apenas como ilustração) e o
aluno mapeador.
Destacamos, em geral, o apelo para uma prática pedagógica que parta dos
conhecimentos prévios dos alunos, a fim de se construir conjuntamente - educando e
educador - o conhecimento. Podemos perceber igualmente a influência do marxismo,
apesar do próprio Marx não ter sido em momento algum citado, o que nos remete ao já
conhecido problema da ausência de leitura direta da sua obra. Contudo, aponta-se para
a construção de uma geografia crítica, social, e que sirva a uma práxis transformadora,
com destaque para a idéia de espaço como produto do trabalho social.
5º FALA PROFESSOR: participação mais ampla e temáticas diversas.
O 5º FALA PROFESSOR, ocorrido no ano de 2003, em Presidente Prudente/SP,
teve como tema “A geografia no cotidiano construindo a cidadania: práticas formais e
informais” e, como já dissemos anteriormente, foi marcado por uma gama muito diversa
de temáticas, pelo ensino de cartografia e sua conseqüente aproximação da noção de
construção do conhecimento, segundo Piaget. E, talvez em função do tema proposto,
por muitos trabalhos que sugerem recursos didáticos, questão que podemos remeter, do
mesmo modo, a percepção que, em geral, possuímos de que a geografia é uma
disciplina maçante, daí a necessidade de inovarmos com tais recursos. A temática
geografia e cidadania aparece, principalmente como secundária, além de outros aspectos
que serão destacados a seguir.
Ressalvamos que os textos encontrados nos Anais do V ENEGE correspondem a
resumos dos trabalhos apresentados, são 322 resumos, dentre os quais 219, se referem
ao ensino de geografia na educação básica e foram esses resumos que analisamos de
modo mais minucioso, visto que são de grande relevância para o objetivo da pesquisa,
isto é, o de analisar a influência do marxismo no ensino de geografia na educação
básica, procurando destacar as contribuições do método do materialismo histórico e
dialético e o conceito de produção social do espaço. E, é sobre esta análise que nos
deteremos no presente momento.
Grande parte dos trabalhos apresentados são resultados de pesquisas realizadas
na região Sudeste - com significativa participação dos estados de São Paulo (UNESP e
USP), Minas Gerais (UFU) e Rio de Janeiro (UERJ, UFF e UFRJ)- e Sul -Santa
Catarina (UFSC) e Paraná (UEL). Na região centro-oeste, limitam-se basicamente a
UFG e a UFMS, no Nordeste destacamos a UFPE, UFPB e UFS. Na região Norte
aparece a UFPA, UFAM e apenas um trabalho da UFAC.
Temáticas como educação inclusiva, educação sexual e turismo não aparecem
nos resumos analisados, nem mesmo como temática secundária. Em número pouco
expressivo notamos as temáticas: água, avaliações/provas, cidade -este tema foi
desenvolvido basicamente sob a orientação de Lana Cavalcanti e Maurício de Abreulaboratório, conceitos-chaves, espaço geográfico, migração, perfil do estudante, perfil
do professor, conceito de paisagem, objeto de ensino da geografia, ato de ler e escrever,
inteligências múltiplas, ocupação humana e seus impactos, gênero, globalização -que
aparece de modo intimamente relacionado a mídia, ressaltando a necessidade dos
professores prepararem os seus alunos para se colocarem de modo crítico frente a esse
meio de comunicação em massa – e, por fim pluralidade cultural, este último, se faz
presente em trabalhos que narram experiências vivenciadas no ensino de geografia, em
aldeias indígenas ou em regiões próximas.
Trabalhos sobre geografia física tratam mais da forma como os conteúdos são
trabalhados no livro didático, aparece igualmente, a partir da temática educação
ambiental, trabalho de campo ou da cartografia, sendo assim surge mais como tema
secundário.
Quanto ao livro didático, há muitas pesquisas que se dedicam ao tema, estas
giram em torno da análise crítica de conteúdos, em geral, apontam erros, uma
abordagem superficial, que inclusive se distância da realidade dos alunos. Levando em
conta este último aspecto, há uma gama de trabalhos voltados para a produção de
recursos pedagógicos/materiais didáticos sobre as localidades em que os alunos vivem,
são na maioria Atlas locais, que mesclam aspectos físicos e humanos, é inclusive dessa
forma que mais se faz presente o conceito de espaço vivido. Assim sendo, cartografia
tem se colocado como um importante instrumento na prática pedagógica do professor de
geografia no nível fundamental e médio. Com relação aos níveis, sobressalta-se que
pesquisas sobre alfabetização cartográfica fundamentadas no construtivismo piagetiano
têm se voltado para os ciclos iniciais do ensino fundamental, como forma de auxiliar na
aprendizagem de conteúdos e conceitos geográficos nestes ciclos, mas também como
tentativa de superar a deficiência quanto aos conceitos cartográficos que alguns alunos
apresentam no ensino médio. Uma crítica constante em grande parte desses trabalhos é a
de que professores de geografia são formados sem apreenderem efetivamente os
conceitos cartográficos, questão que justificaria, em parte, a defasagem que os alunos
apresentam quando chegam ao ensino médio e que apontaria, igualmente para a
necessidade de formação continuada dos docentes.
Ainda em relação aos recursos didáticos, é importante colocar que muitos
trabalhos apontam para o uso de jogos na sala de aula como forma de estimular o lúdico
no aluno, a cooperação, o trabalho em grupo, a integração, dar um maior dinamismo as
aulas etc. Nessa temática a música também tem presença marcante, juntamente com a
informática.
O trabalho de campo aparece como fundamental no processo de ensino
aprendizagem -o tema secundário mais notado- visto que proporciona a relação teoria e
prática, além de dar maior dinamicidade às aulas e significado aos conteúdos de
geografia, favorecendo ainda a interdisciplinaridade.
A temática currículo consta nos resumos, percebe-se claramente, por parte dos
docentes de geografia, a preocupação com os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNS), a relação ensino de geografia e PCNs tem resultado sobretudo em um grande
número de pesquisas direcionadas
a educação ambiental/meio ambiente. Em sua
maioria os pesquisadores ressaltam a necessidade da geografia dar conta desse eixo tão
relevante na contemporaneidade. Apenas um trabalho se destoou dos demais, na medida
em que evidenciou a necessidade de se pensar as causas dos problemas ambientais no
modo de produção capitalista, no consumo exarcebado a ele inerente e na relação
homem-natureza que este tem imposto. Ao contrário, os demais a que me referi, se
detiveram sobre a produção de lixo ou resíduos, no conceito de reciclagem e no lema:
“faça a sua parte”. Ainda em relação aos PCNs, observamos a crítica voltada a sua
imposição, ao modo como foi construído e ao contexto neoliberal em que foi criado.
A temática geografia e cidadania fundamenta alguns trabalhos, em que realizam
a relação com os PCNs, contudo grande parte destaca o papel do professor na
construção da cidadania.
No que se refere à interdisciplinaridade, esta se faz presente, em um número um
pouco mais expressivo quando a relação é entre geografia e literatura, na medida em
que os trabalhos apreendem os textos literários, como um importante instrumento na
compreensão de conceitos geográficos, essencialmente o de espaço geográfico, dessa
forma a temática principal -interdisciplinaridade geografia e literatura- é seguida de
temáticas secundárias, como recurso pedagógico/material didático e o conceito de
espaço geográfico. Nesse sentido, destaca-se a presença significativa de sugestões
didáticas fundamentadas no uso das histórias em quadrinhos.
A geografia agrária aparece exclusivamente de forma crítica, onde é enfatizada a
importância dessa temática para a formação de cidadãos críticos e conscientes, que
através da apreensão de conteúdos possam realizar uma leitura de mundo distinta da que
a mídia tenta impor.
Quanto à geografia crítica, esta aparece sobre a forma exatamente de crítica a
uma prática tradicional, ressaltando a necessidade de superá-la, alguns trabalhos
realizam um breve histórico dessa disciplina, um em especial, ressalta a importância de
demonstrar a trajetória do pensamento geográfico aos alunos.
Podemos apontar, a partir da análise, poucos trabalhos de cunho marxista,
embora muitos adquiram caráter crítico. As categorias marxistas não se colocam de
forma clara, não notamos a presença de conceitos como dialética, infra-estrutura e
superestrutura, entretanto o conceito de produção social do espaço, aquele que como já
dissemos, os marxistas vêm compreendendo a geografia e analisando a produção
capitalista do espaço, aparece ainda que em um número reduzido, porém significativo.
Remetemos tal questão a influência da produção teórica do geógrafo Milton Santos, que
ao contrário de Karl Marx, como foi observado nos trabalhos do I ENEGE, é citado nos
textos, assim como os também geógrafos Ruy Moreira, Yves Lacoste, Lana de Souza
Cavalcanti e Sônia Castellar e demais autores de livro didáticos de geografia.
Sobressalta-se que uma das principais fontes dos pesquisadores foi Jean Piaget,
apareceram igualmente David Ausabel, Howard Gardner e Lev Vygostsky, são
essencialmente estes autores que tem fundamentado uma prática pedagógica da
geografia.
O MÉTODO DO MATERIALISMO HISTÓRICO E DIALÉTICO & A GEOGRAFIA
Neste momento, a compreensão da gênese do materialismo histórico e dialético
e o seu processo de formação se colocam de forma essencial para que possamos
perceber o verdadeiro significado de tal método proposto por K. Marx e F. Engels as
ciências, em especial a geografia. E, é com esse intuito que desenvolvemos este tópico.
A Ideologia Alemã, obra de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (18201895), escrita nos anos de 1845 e 1846, contudo publicada apenas em 1933, se
configurou no esboço do materialismo histórico e dialético, da teoria e metodologia da
ciência social ligada aos seus nomes.
Pode-se dizer que o materialismo histórico e dialético se originou a partir da
crítica a Feuerbach, que constituí o primeiro capítulo da obra citada, da conseqüente
superação da dialética especulativa e da filosofia da história de Hegel e de uma base
cultural já definida.
Feuerbach teve essencial importância para a construção do materialismo
histórico e dialético, visto que representa um grande passo para a superação do
pensamento filosófico de Hegel, do seu idealismo até então base de toda a filosofia
alemã, adentrando o campo do materialismo. Dessa forma, Ludwig Feuerbach impactou
tanto Marx como Engels com suas obras “A Essência do Cristianismo” e “Fundamentos
para a Filosofia do Futuro”, publicadas em 1841 e 1843, respectivamente.
Na primeira obra citada, Feuerbach apresenta a idéia de alienação como o
processo pelo qual a idéia absoluta se fazia ser-outro na natureza, se realizando de
forma dialética nas obras de espírito (religião, filosofia, moral, direito e Estado),
invertendo o significado dado anteriormente por Hegel. Como Feuerbach limita-se a
religião, ele compreende Deus como criação do próprio homem, que se objetiva neste,
projetando suas melhores qualificações, empobrecendo sua essência, à medida que
enriquece Deus com suas virtudes. Algumas conclusões podem ser obtidas a partir de
tais idéias, como a de que a essência de Deus é a essência alienada do homem e a
objetivação alienada não é enriquecimento, mas empobrecimento. Podemos afirmar
ainda que a crítica à teologia se funda na antropologia, no estudo do homem. A respeito
disso, Marx nos expõe que:
“Feuerbach converte a essência religiosa em essência humana. Mas a
essência do homem não é uma abstração inerente ao indivíduo
isolado. Na sua realidade, ela é um conjunto de relações sociais”
(MARX, VI Tese).
Marx nos diz ainda que:
“Feuerbach não vê que o ‘espírito religioso’ é ele próprio um produto
social e que o indivíduo abstrato que ele analisa pertence na
realidade a uma forma social determinada” (MARX, VII Tese).
Na obra posterior, Feuerbach desenvolve o materialismo sob a forma de
humanismo naturista, nesta propõe a substituição da religião cristã pela religião da
humanidade. Tal materialismo apreende, sobretudo o mundo sensível apenas como
objeto ou intuição e não como atividade humana concreta, prática, se constituindo em
um materialismo contemplativo, teoria que se contenta em perceber o mundo na sua
imutabilidade, sem conceber que se trata de transformá-lo. Ressalta-se que Feuerbach
concebe o homem como um conceito abstrato, o homem é para ele biológico, puro ser
da natureza, ignorando a sociedade e a história que o engendram. Desse modo, as
relações humanas são idealizadas, nada tendo haver com as relações sociais históricas.
Pode-se dizer a partir do que foi exposto e de forma sucinta que Feuerbach compreende
a sensibilidade (distando da atividade prática e sensível) como base de toda a ciência,
permanecendo no terreno da filosofia.
Marx e Engels se apropriam de tais idéias de forma crítica, passando a conceber
o homem como possuidor de um caráter social, que mantém relação ativa com a
natureza, através do processo histórico de mediação com a mesma, via trabalho. Daí a
afirmação de que o homem é um ser ativo e ao modificar a natureza fora de si modifica
ao mesmo tempo sua própria natureza, estando nestas afirmações explícito o movimento
histórico e dialético proposto por Marx e Engels. Ressalva-se que a natureza é
compreendida sob a práxis humana, como criação do homem pelo trabalho humano e
devir da natureza para o homem. De acordo com Milton Santos (2008):
“... há sempre uma primeira natureza prestes a se transformar em
segunda; uma depende da outra, porque a natureza segunda não se
realiza sem as condições da natureza primeira e a natureza primeira
é sempre incompleta e não perfaz sem que a natureza segunda se
realize. Este é o princípio da dialética do espaço” (SANTOS, 2008:
214).
Destaca-se que, como nos expõe Quaini (1979), o método do materialismo
histórico supera a dissociação entre natureza e história, considerando simultaneamente a
relação do homem com a natureza e a relação do homem com o homem.
Marx e Engels nos afirmam ainda que, a essência do homem é um conjunto de
relações sociais e não abstração inerente ao indivíduo isolado, ou seja, ao indivíduo
natural, o qual unicamente enquanto gênero, universalidade interna, se liga de maneira
também natural aos demais sujeitos humanos.
Assim sendo, o materialismo histórico e dialético se funda na premissa de que
parte da ciência positiva da história, os indivíduos humanos reais, sua ação e condição
de vida, isto é, toda história humana é a existência de indivíduos humanos viventes que,
por sua vez, se distinguem pelo que produzem, pelos seus meios de vida, que modificam
historicamente e socialmente à natureza. O que os indivíduos são depende das
condições materiais da sua produção, que somados com o intercâmbio (relações de
produção) geram os modos de produção (relações de produção e forças produtivas) que
se relacionam dialeticamente (forma e conteúdo), ora se negando, ora se afirmando e
desta forma produzindo algo novo (tese+antítese=síntese), que é a negação total do
velho ou parcial, de modo a conter resquícios do mesmo, tal movimento/processo é
movido pelas contradições inerentes ao modo de produção. O materialismo histórico e
dialético assume essencialmente um caráter transformador se distanciando da postura
contemplativa dos filósofos alemães.
Marx e Engels compreendem a idéia conectada com o substrato material da
história, em contraposição ao conceito de idéia de Feuerbach, que a apreendia,
limitando-se a religião, como objetivações de essência. Nesse sentido:
“São os Homens que, desenvolvendo sua produção material e suas
relações materiais, transformam, com a realidade que lhes é própria,
seu pensamento e também os produtos do seu pensamento. Não é a
consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a
consciência” (MARX e ENGELS, 2007:19 e 20).
E, como nos coloca Quaini:
“O materialismo histórico constitui-se, portanto, como anti-filosofia,
como resolução dos problemas especulativos em fatos empíricos,
como resolução da filosofia da história e da filosofia da natureza na
história natural e humana. Ele instaura uma nova relação entre
natureza e homem, que, justamente porque evita cair no monismo
espiritualista de Hegel e no monismo naturalista do materialismo
fisicalista ou do positivismo e determinismo, que se seguiram, colocase num plano decididamente humanista e integralmente historicista e,
enquanto tal, não perde de vista nem a historicidade da natureza nem
a naturalidade da história” (QUAINI, 1979: 43).
Quanto a incorporação do método de tal método pela geografia, podemos dizer
que Harvey o aponta, não sem críticas, como um caminho para a superação da geografia
burguesa, em especial a determinista, se baseando sobretudo na relação dialética entre
homem e natureza, isto é, na idéia de que ao modificar o mundo externo o homem se
modifica, do mesmo modo em que se fundamenta na idéia de que “embora os seres
humanos façam sua própria história, não o fazem em circunstâncias sociais e
geográficas de sua própria escolha” (HARVEY, 1983:63). As idéias de Marx são
reconhecidamente de grande relevância para a compreensão da produção social do
espaço no modo de produção capitalista, como a forma pela qual as diferentes classes
sociais criam paisagens à sua própria imagem, apesar de Marx não escrever
“diretamente” sobre tal objeto da geografia. Questão que, de certo modo, é superada se
consideramos a natureza, “natureza segunda” - produto social - como totalidade,
“segunda” apenas, porque, de acordo com o próprio Marx, a “primeira”, a intocada, já
não existe mais, e esta natureza “segunda” é exatamente o espaço geográfico, como
reforçou Milton Santos no final da década de 70. E, sobre a natureza, compreendida
como produto social, como objeto ativo de transformação material do homem pelo seu
trabalho, Marx nos proporciona avanços fantásticos, via de regra incorporados de forma
crescente, ainda que lentamente, somente nas últimas três décadas pela geografia.
Nesse contexto, destaca-se a crítica a geografia até então estabelecida, pelos
geógrafos mais radicais, na década de 60, impulsionados pela discussão interna a
geografia, por sua vez, incentivada pelos eventos materiais, como o seu caráter
fragmentador e, em decorrência o seu isolamento, condicionado e condicionante pela/da
ideologia da classe dominante de modo a colaborar para a manutenção do status quo da
sociedade. Ideologia essa emaranhada nos conceitos, objetivos, métodos e conclusões
da geografia tradicional. Em contrapartida propõem uma geografia que se apóie no
método do materialismo histórico e dialético, pensado por Marx e Engels. A partir da
primeira metade dos anos 70 a geografia radical, com a crescente incorporação da teoria
marxista, torna-se sinônimo de geografia marxista.
Tal geografia (marxista) é definida por Peet como aquela parte da ciência total
que se ocupa com o relacionamento entre os processos sociais, de um lado, e o
ambiente natural e as relações espaciais de outro. Ressalva-se que a ciência marxista se
fundamenta na relevância da produção material na formação social. Destaca-se ainda
que de grande importância para a geografia marxista é a noção de que processo social e
forma espacial se relacionam dialeticamente, de modo a refletirem a contradição entre
capital e trabalho inerente ao atual modo de produção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora, como já foi destacado não há citações diretas da obra de K. Marx e F.
Engels, pode-se perceber a influência desses pensadores nos trabalhos apresentados,
talvez pelo fato do pontapé inicial para a renovação da geografia ter sido dado em 1978,
onde as idéias de Karl Marx se propagaram através de autores como Ruy Moreira e
sobretudo Milton Santos, questão que explica a presença de conceitos como práxis
social, transformação da natureza, trabalho, produção social do espaço, conhecimento
como resultante do substrato material da história, dentre outros nos trabalhos analisados.
Ressalva-se a importância do conceito de produção do espaço, proposto por
Henri Lefebvre e adotado e trabalhado por Milton Santos, para movimento de
renovação da geografia, visto que este nos permite apreender o espaço, objeto da
geografia, como uma instância social (material), que é subordinado e subordinante a/da
sociedade, isto é, o espaço é produzido e transformado pela sociedade (forma e
conteúdo), ao mesmo tempo em que a condiciona e a modifica. Tal conceito nos permite
igualmente trabalhar com o conteúdo geográfico de modo a valorizarmos as relações
sociais, já que são estas que determinam o espaço (objeto ativo), que, por sua vez,
exprime as contradições do modo de produção que as regem, criando paisagens, que
possibilitam a análise do processo histórico do modo de produção capitalista.
Notamos no 1º FALA PROFESSOR uma geografia mais renovada/crítica e
percebemos igualmente uma forte influência do geógrafo Milton Santos, contudo, ao
analisarmos os trabalhos do 5º FALA PROFESSOR, percebemos que o movimento de
renovação da geografia tem se dado de forma lenta, principalmente se nos prendermos a
base teórica, embora tenha-se notado, por parte dos professores um forte desejo de
superação de uma prática tradicional, questão que pode ser exemplificada pela grande
quantidade de trabalhos que propõem uma gama de recursos didáticos.
No presente texto destacamos a concepção de história de K. Marx e F. Engels e
sua influência no pensamento geográfico e no conceito de espaço como produto do
trabalho social.
Entretanto, vimos o forte apelo, nos trabalhos do I ENEGE e V
ENEGE, a construção de uma pedagogia mais crítica que considere a realidade dos
alunos.
Assim, contraditoriamente, avaliamos que, as contribuições teóricas destinadas
ao ensino de geografia na educação básica ainda não se traduziram em práticas
pedagógicas efetivamente críticas, em que os conceitos sejam trabalhados de forma
mais articulada. Remetemos tal questão ao fato da educação básica não estar
acompanhando no mesmo ritmo os avanços que ocorrem quase que exclusivamente na
academia, deixando uma lacuna entre teoria e prática. Reconhece-se que há um
movimento que visa a renovação da geografia que se ensina na educação básica,
contudo este tem se dado de forma lenta, em função exatamente dessa lacuna.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista.
Zahar Editor, 1993.
Rio de Janeiro: Jorge
HARVEY, David. Verbete Geografia. In: BOTTOMORE, Tom.
Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993.
Dicionário do
LACOSTE, Yves. A Geografia - isso serve em primeiro lugar para fazer a guerra. São
Paulo: Ed. Papirus, 1976.
LEFEBVRE, Henri. Espaço e política. Belo Horizonte: UFMG, 2008.
MARX, K. & ENGELS, F. A Ideologia Alemã. 3º Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
PEET, Richard. O desenvolvimento da Geografia Radical nos Estados Unidos. In:
CHRISTOFOLETTI, A. (Org.). “Perspectivas da Geografia”. São Paulo: DIFEL, 1982.
QUAINI, M. Geografia e Marxismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
SANTOS, Milton.
Por Uma Geografia Nova. São Paulo: Edusp, 2007.
SOJA, Edward W. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
Download