II Simpósio de Sanidade Avícola 14 e 15 de setembro de 2000 — Santa Maria, RS DIAGNÓSTICO MOLECULAR DE PATOLOGIAS INFECCIOSAS AVIÁRIAS Nilo Ikuta Simbios Biotecnologia Pesquisador da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA e–mail: [email protected] Introdução Diagnóstico Molecular é uma área da biologia molecular que utiliza técnicas baseadas nos princípios de hibridização e replicação de ácidos nucleicos, permitindo a detecção e caracterização de microrganismos patogênicos associados com doenças infecciosas. Atualmente, considera-se irreversível a tendência desta área obter um lugar de destaque nos laboratórios de análises microbiológicas, sejam eles de análises clínicas e patológicas humanas, de sanidade animal ou de controle de qualidade industrial de alimentos. Técnicas como a REAÇÃO EM CADEIA DA POLIMERASE (PCR – Polymerase Chain Reaction), têm permitido grande evolução nas análises de rotina de laboratórios clínicos e industriais. Organismos não adaptados ao cultivo tornaram-se passíveis de serem analisados. Novos patógenos estão sendo descobertos e os mecanismos de associação com doenças elucidados. Em poucos anos, o diagnóstico molecular evoluiu de uma mera curiosidade tecnológica para um campo vasto e complexo, com o potencial para revolucionar a ciência e a prática da medicina e áreas correlatas. A PCR consiste na síntese enzimática in vitro de cópias de DNA a partir de uma seqüência alvo. A especificidade do teste é obtida a partir da utilização de seqüências complementares à específica do patógeno. Num ensaio de PCR, caso haja complementariedade entre os “iniciadores” (primers) e o DNA da amostra analisada, haverá a ligação de ambos, seguida pela reação de síntese de DNA in vitro. A repetição desta reação por 30 a 40 vezes (ciclos) dá origem a bilhões de cópias do alvo num processo de amplificação (a quantidade dobra a cada ciclo), conferindo extraordinária sensibilidade. Numa rotina de detecção molecular, a única variável é a presença/ ausência do DNA do patógeno (ou RNA, no caso de alguns vírus). Assim, só haverá síntese in vitro do ácido nucleico quando o patógeno estiver presente na amostra. No campo do diagnóstico molecular de doenças infecciosas aviárias, há trabalhos de investigação científica contemplando praticamente todos os patógenos de relevância econômica. Dentre outros, valem destacar: a detecção vírus da bronquite infecciosa (18–19, 29, 39), mycoplasmas (30–33), salmonelas (5, 22, 36), vírus da doença de gumboro (7, 9–11, 12–15, 21), vírus da anemia infecciosa (34), pneumovírus, vírus da leucose linfóide (28) e mielóide (6, 8), vírus da doença de marek (27, 38), vírus da reticuloendoteliose (28, 35), reovírus (37), vírus da laringotraqueíte (1, 4), vírus da doença de Newcastle (17) etc. 30 II Simpósio de Sanidade Avícola 14 e 15 de setembro de 2000 — Santa Maria, RS Via de regra, a detecção molecular obtém resultados semelhantes aos de isolamento, sendo ainda, adicionalmente interessante, nos casos de patógenos de difícil cultivo ou em casos em que se busca diferenciação de sorotipos, cepas, etc. Basicamente, os equipamentos e reagentes utilizados na detecção molecular de diferentes patógenos são os mesmos; o que muda, obviamente, são os iniciadores, que são patógeno-específicos, tornando a técnica altamente versátil. Uma sofisticação das técnicas de diagnóstico molecular é a tipagem molecular (análogas a testes convencionais como a vírus-neutralização e sorotipagem) que, além de indicar a presença do patógeno no campo, permite caracterização específica do agente causal, diferenciando-o (caso de distinção entre cepas vacinais, entre cepas vacinais e de campo, etc). Isto possibilita avaliação refinada, onde os testes sorológicos são menos específicos, e também a avaliação de programas de vacinação. Por não necessitarem de cultivo ou isolamento, são técnicas que permitem a obtenção de resultados em curto espaço de tempo. A tipagem do vírus da bronquite infecciosa (ibv) e do vírus da doença de gumboro (ibdv) são bons exemplos da aplicação destas técnicas. Existem possíveis variações nas técnicas de tipagem molecular, como a aplicação de (a) sondas ou de (b) primers genótipos/sorotipos específicos; uma terceira forma, que alia praticidade e sensibilidade consiste da (c) caracterização do produto da PCR que advém do processo de detecção, aproveitando-o na tipagem molecular. Esta última, é valida no caso do IBDV, por exemplo, onde se amplifica uma região do antígeno VP2, comum a qualquer isolado do vírus. Apesar dos primers utilizados para esta PCR serem comuns a todos os ibdvs, o produto da síntese apresenta variações internas nas seqüências sintetizadas. Estas variações são evidenciadas pela digestão com enzimas de restrição, que reconhecem seqüências específicas de ácidos nucleicos e promovem clivagens. Neste caso, cada sorotipo apresenta padrão próprio de restrição. Modalidades de Diagnóstico Molecular em patologias aviárias disponíveis no país. O uso corrente de técnicas moleculares já é realidade no país. Várias empresas já aplicam parâmetros de diagnóstico molecular em diferentes circunstâncias de manejo. A Simbios Biotecnologia tem oferecido pioneiramente modalidades de diagnóstico molecular, dentre as quais, citam-se: 1. Patógenos relacionados com o trato respiratório MG, MS, IBV, reovírus, pneumovírus, ILT 2. Patógenos que afetam o sistema imunológico ibdv, cav, reovírus 3. Patógenos neoplásicos mdv, alv–j e outros alv’s, reticuloendoteliose 4. Outros patógenos salmonelas, adenovírus etc. 31 II Simpósio de Sanidade Avícola 14 e 15 de setembro de 2000 — Santa Maria, RS Projetos de pesquisa do grupo Trabalhos de pesquisa executados por nosso grupo (sumariados a seguir) com Mycoplasma gallisepticum, Salmonella, ibdv, ALV–J são exemplos de como o diagnóstico molecular pode contribuir para a elucidação de casos. Com a aplicação de metodologias moleculares, descreveremos, a seguir, abordagens que consideram: • a tipagem de cepas vacinais de Mycoplasma gallisepticum, possibilitando a avaliação de programas vacinais; • metodologia para identificação de sorotipos de Salmonella; • a caracterização de cepas de ibdv distintas das clássicas e de variantes encontradas em outros países e; • estudo de ocorrência de ALV–J e de cepas de vírus da doença de gumboro de alta virulência, indicando tratarem-se de patógenos introduzidos em nosso país. Tipagem de Mycoplasma gallisepticum O Mycoplasma gallisepticum(MG) causa prejuízos à avicultura pela diminuição da produção e da qualidade de ovos, má eclodibilidade, queda na eficiência alimentar, altas taxas de mortalidade e condenação de carcaças. A vacinação com cepas vivas é ferramenta utilizada para controle desta enfermidade. Estão atualmente disponíveis no mercado 3 vacinas vivas, baseadas nas cepas F, TS–11 e 6/85. A diferenciação molecular destas cepas com as de campo pode ser utilizada como um dos parâmetros para monitorização da eficiência de vacinação. O desenvolvimento da técnica se baseou na caracterização de 2 genes de MG (Lipoproteína e Adesina). DNA de cepas vacinais e de isolados de campo foram amplificados pela Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) e posteriormente submetidos a análise de perfil de restrição (RFLP). A análise destes genes permitiu a identificação de polimorfismos específicos para cada uma das cepas vacinais e também de padrões de cepas de campo. Amostras obtidas diretamente de traquéias de aves infectadas (“swabs”) com MG, submetidas à análise pela metodologia proposta, demonstraram-se também passíveis de diferenciação molecular. A técnica desenvolvida mostrou-se rápida, não necessitando de cultivo celular, permitindo não só detectar a presença do MG em aves infectadas, como também diferenciar cepas em grupos compatíveis com TS11, F, 6/85 e cepas de campo. Detecção e Identificação molecular de sorotipos de Salmonella. Já foram descritos mais de 2.000 sorotipos de Salmonella. Alguns destes, distinguem-se pela adaptação a hospedeiros específicos nos quais causam patologias 32 II Simpósio de Sanidade Avícola 14 e 15 de setembro de 2000 — Santa Maria, RS definidas (Gallinarum e Pullorum em aves e perus, Dublin em bovinos, Cholerasuis em suínos, Typhi em humanos). Um segundo grupo, se caracteriza pela adaptação a diferentes espécies animais, podendo causar infecções de grau variável na sua gama de hospedeiros (principais exemplos são Enteritidis e Typhimurium). Finalmente, um terceiro grupo, não associado a patologias graves, pode ocorrer em animais domésticos, alimentos para consumo humano e componentes utilizados na alimentação animal (farinha, ração, etc.). A prevenção e controle dos sorotipos de Salmonella que representam risco para a segurança, produtividade e rentabilidade da agroindústria avícola, bem como ameaça para a saúde pública através da contaminação de alimentos, depende de um efetivo instrumento de detecção e caracterização destes microorganismos. As metodologias tradicionais para detecção de Salmonella são demoradas e laboriosas. Na expectativa de proporcionar uma alternativa tecnológica a esta problemática, o nosso grupo vem trabalhando no desenvolvimento de métodos de detecção e caracterização de Salmonella (22–26). Já desenvolvemos métodos de detecção altamente sensíveis a nível de gênero, através da amplificação de alvos conservados como o gene da invasina (INV–A). Para identificação de sorotipos de relevância, foi desenvolvida uma metodologia que consiste em amplicações de genes distintos: 1) Invasina, 2) multiplex flagelina (fliC g e i) e 3) multiplex fimbrias (sef A, pef A). Em função dos produtos de amplificação, consegue-se identificar especificamente sorotipos como Enteritidis e Typhimurium. Com análise de restrição destes alvos (RFLP), pode-se distinguir os sorotipos como Gallinarum e Pullorum. A especificidade deste sistema foi analisado com 213 isolados pertencentes aos 47 sorotipos mais freqüentes no país (identificados pelo Instituto Adolfo Lutz), demonstrando excelente correlação com os métodos clássicos de identificação de Salmonella. Tipagem de IBDV O vírus da doença de Gumboro (infectious bursal disease virus – ibdv) é o agente causal de uma doença imunossupressora altamente contagiosa que afeta principalmente aves jovens. O controle desta doença é realizado através de programas de vacinação, sendo que um dos fatores preponderantes para sua eficiência está relacionado com as diferenças antigênicas (principalmente do antígeno VP2) entre os ibdvs de campo e as cepas vacinais. A caracterização dos subtipos pode ser realizada por ensaios de soroneutralização (Jackwood & Saif, 1987) ou, mais recentemente, através de métodos moleculares (Jackwood & Jackwood, 1994; Lin et al., 1993, Ikuta et. al 1997). Estas metodologias avaliam o gene VP2 viral, responsável pela produção de anticorpos neutralizantes. Através da técnica de tipagem molecular, nosso grupo caracterizou cepas vacinais, cepas de referência e amostras de campo provenientes de diferentes regiões do país (7). A metodologia de genotipagem possibilitou agrupar vacinas comerciais com cepas de referência: Ultravac, Bursine 2 com Lukert Gumbor-Vet, Gumboro Nobilis, Gumboral CT com D78 e a Variante E, com a vacina bivalente Gumborvet. Muitas cepas de campo apresentaram padrão distinto das vacinais e das cepas clássicas e variantes descritas em outros países. Um grupo de cepas, posteriormente 33 II Simpósio de Sanidade Avícola 14 e 15 de setembro de 2000 — Santa Maria, RS classificado como GRUPO MOLECULAR 15 (G15), mostrou-se bastante disseminado em todas as regiões do país. Outras cepas (GRUPO MOLECULAR 16 – G16), mostraram-se restritas à região Sul (10, 11). Posteriormente, caracterizando a seqüência da região variável do gene do antígeno VP2, foi confirmado que nossas cepas de campo são distintas antigenicamente de cepas vacinais e de cepas clássicas e variantes descritas nos EUA (9). Em estudo mais recente, foram caracterizadas cepas altamente virulentas em estados da Região Sudeste, Sul, Centro Oeste e Nordeste. Estas cepas causam alta mortalidade com sintomas clínicos severos. Caracterizando seu genoma, verificamos que são cepas distintas das até então encontradas no país, seja dentre as vacinais ou dentre as variantes brasileiras. O padrão mostrou-se compatível com as cepas de alta virulência encontradas em várias regiões da Europa e Ásia, que segundo nossa classificação, correspondem ao Grupo Molecular 11 (G11). ALV–J O vírus da leucose aviária (avian leukosis virus – ALV) é um retrovírus associado a doenças neoplásicas. O virion é sua forma infectante (RNA) e o pró-vírus (DNA) é a forma integrada ao genoma do hospedeiro. Os ALVs são classificados em subgrupos, sendo A, B, C, D, E e J os relevantes na avicultura. O ALV J foi isolado a partir de matrizes de frangos de corte e está relacionado com leucose mielóide (mielocitomatose) (2). A patogenicidade do ALV J é variável em função do estado sanitário dos lotes, observando-se, além do comprometimento na produtividade, mortalidade de 1–2%, com perdas ocasionais superiores a 20%. Atualmente, o subgrupo J apresenta-se disseminado em vários países, inclusive no Brasil. A leucose mielóide acomete essencialmente aves imuno-tolerantes ao ALV–J ou aves com resposta imune comprometida. Desta forma, duas situações devem ser evitadas para diminuir a presença de aves neoplásicas nos lotes: (a) transmissão vertical ou horizontal precoce, que dá origem a aves com imuno-tolerância e (b) transmissão horizontal em idade adulta em aves imuno-comprometidas. Existe consenso de que aves com resposta imune ao ALV–J poderão portar o vírus, de forma transiente, sem resultar em neoplasias e mortalidade. Adicionalmente, existem evidências de que aves imuno-tolerantes, que por conseqüência mantém cargas virais constantemente altas, têm papel determinante na disseminação (vertical e horizontal) do patógeno. O diagnóstico clássico da infecção do ALV J envolve a caracterização patológica dos tumores com posterior identificação, através de isolamento viral e ensaios de vírus neutralização. Esta identificação é complexa e laboriosa devido (1) ao genoma do ALV J com regiões semelhantes a vários ALVs e ASVs (AVIAN SARCOMA VIRUS), (2) às variações genéticas e antigênicas existentes entre os vários isolados de ALV J e (3) à similaridade do ALV J com elementos endógenos (endogenous avian retroviruses – EAV), não causadores de neoplasias e presentes em todas as linhagens conhecidas (3). Baseados nestas dificuldades, nosso grupo desenvolveu recentemente metodologia rápida e eficiente para detecção direta e específica do ALV–J exógeno (6, 8), 34 II Simpósio de Sanidade Avícola 14 e 15 de setembro de 2000 — Santa Maria, RS através da técnica da reação em cadeia da polimerase (PCR). Dentre as principais aplicações da PCR na detecção do ALV J, destacam-se as investigações de: • tumores – na confirmação do ALV J como agente etiológico – particularmente interessante quando em uso consorciado com as técnicas de detecção de MDV e REV (por PCR, também disponíveis em nossa rotina); • albúmen – na evidenciação da transmissão vertical; • mecônio ou sangue total anticoagulado (ou soro/plasma) de pintos – como a anterior, na evidenciação da transmissão vertical. Possibilita identificar aves infectadas em seus primeiros dias de vida proporcionando (a) informações para implementação de programas de erradicação e/ou; (b) definição da prevalência do patógeno no lote (através de uma amostragem com bases estatísticas). A definição da prevalência do ALV J por transmissão vertical tem implicações prognósticas, por estabelecer potencial de expressão de ocorrência de neoplasias. • sangue total anticoagulado (ou soro/plasma) – para definição da incidência/prevalência do patógeno no lote; • swab cloacal – para definição da incidência/prevalência do patógeno no lote e caracterização de aves transmissoras do ALV J. Desde o início do ano de 1998, investigamos vários plantéis de avós, matrizes e frangos de corte. Em todas as linhagens de corte investigadas, observamos a ocorrência do vírus. Neste contexto, destaca-se uma interessante particularidade: grande heterogeneidade de resultados, inclusive numa mesma linhagem, com lotes ocasionalmente negativos, enquanto, outros, com prevalência em percentuais muito variados (de 2–3% a 10–30%, chegando a extremos de 60–70%). Estudos de seqüenciamento e filogenia, demonstraram que as cepas encontradas aqui são semelhantes aos descritos nos EUA e Inglaterra. 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