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VI CONGRESSO NACIONAL DE GEOMORFOLOGIA – Coimbra, 2013
Atas/Proceedings – ISBN 978-989-96462-4-7
ESTRATÉGIAS PARA O ESTUDO DAS INTERAÇÕES ENTRE NATUREZA E
SOCIEDADE NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE GEOGRAFIA
STRATEGIES FOR THE STUDY OF INTERACTIONS BETWEEN NATURE AND
SOCIETY IN GEOGRAPHY TEACHERS EDUCATION
Afonso, Anice- UERJ, Rio de Janeiro, Brasil, [email protected]
RESUMO
Tem havido no Brasil questionamentos quanto à necessidade de aprofundamento de conteúdos relativos
à Geografia Física nos currículos de licenciatura em Geografia, o que se deve em parte à consolidação
da Geografia Crítica a partir dos anos 1980. Por outro lado, crescem no país as demandas sociais e
políticas relacionadas à educação ambiental (Lei 9795/1999), e à disseminação de noções de prevenção
contra desastres naturais (Lei 12.608/2012). A abordagem geossistêmica – muito adotada entre as
Geociências - articula as dinâmicas e complexas interações entre fenômenos naturais, sociais, culturais,
econômicos e políticos, e essa integração de temas é um dos objetivos da Geografia. Compreender e
lidar com a dinâmica da natureza e suas relações dialéticas com os fenômenos sociais, culturais e
políticos deve ser uma das metas prioritárias do ensino de Geografia em todos os níveis.
ABSTRACT
There have been inquiries in Brazil about the need for deepening of contents related to Physical
Geography in Geography undergraduate curricula, as a result of the consolidation of Critical Geography
since the 1980’s. On the other hand, there has been a growth of social and political demands related to
environmental education (Law 9795/1999), and the spread of notions of prevention against natural
disasters (Law 12.608/2012) in Brazil. The geossistemic approach - widely used among Geosciences articulates the dynamic and complex interactions between natural, social, cultural, economic and
political phenomena, and the integration of these subjects is one of the goals of Geography. To
understand and to deal with nature dynamics and their dialectical relationships with social and political
phenomena must be a priority of the Geography in all levels of education.
1. USO DE CONCEITOS GEOGRÁFICOS E A ABORDAGEM GEOSSISTÊMICA
A Geografia estuda a dimensão espacial dos fenômenos naturais e sociais sob diferentes enfoques e com
métodos analíticos específicos. Mais do que apenas descrever o espaço geográfico, os especialistas em
Geografia procuram entender como ele funciona para interagir com essa dinâmica. Os professores de
Geografia e geógrafos devem contribuir para a disseminar informações que levem à melhor
compreensão de processos ambientais e do modo como as sociedades interagem com a dinâmica
ambiental. A perspectiva geossistêmica converge com tais objetivos.
Elaborada e desenvolvida desde os anos 1960s, a abordagem sistêmica se caracteriza pelo aspecto
conectivo do conjunto espacial organizado e estruturado a partir das relações entre elementos naturais
(clima, geologia, relevo, águas, solos, biomas) e sociais (política, cultura, economia, trabalho, consumo).
A conexão (dinâmica, não-linear, dialética e complexa) entre elementos da natureza e da sociedade,
expresso pelo conceito de geossistema, é objeto de numerosos trabalhos teóricos desde então (Bertrand,
1971; Chistofoletti, 1999; Monteiro, 2001; Ross, 2006; Guerra e Marçal, 2006).
O Espaço Geográfico é o objeto de estudo e conceito fundamental da Geografia. Os (sub)conceitos
geográficos ajudam a analisá-lo sob enfoques distintos, tais como os que definem paisagem, lugar,
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região, natureza, território, fronteira, entre outros (Galvão e Afonso, 2009). Cada um desses conceitos
pode ser discutido a partir de certas categorias de análise, tais como forma, função, estrutura, processo,
significado, escala, diversidade, arranjo, dinâmica entre outros, úteis na análise e na diferenciação do
espaço geográfico (Moreira, 2001). Assim, podem-se comparar paisagens (conceito geográfico) a partir
das suas formas e processos (categorias analíticas) ou, seguindo o mesmo raciocínio, estudar elementos
da natureza em diferentes escalas de abrangência ou segundo seu arranjo espacial. O trabalho docente a
partir dos conceitos geográficos (paisagem, região, lugar, território etc) deve, portanto, procurar
estratégias que demonstrem as interações entre sociedade e natureza.
Santos (2001) considera que o espaço geográfico pode ser conceituado como “um conjunto
indissociável de sistemas de objetos e de sistemas de ações”. Assim, o substrato físico (meio natural,
antropizado em graus distintos) sobre o qual os grupos humanos se organizam é parte do sistema de
objetos (morros, rios, cidades, cultivos, estradas ...) e do sistema de ações (processos de encosta,
fluviais, econômicos, políticos, culturais etc) que definem o espaço geográfico.
A abordagem geossistêmica de análise do espaço tem a singularidade de traduzir a interdependência de
vários agentes sociais e naturais, considerando a influência de estruturas socioespaciais organizadas
historicamente e funcionalmente dinâmicas (no tempo e no espaço). A análise de conceitos geográficos
sob tal enfoque pode constituir o quadro referencial de partida (em todos os níveis escolares) para a
sensibilização de alunos em reconhecer tais interações.
A fim de exemplificação dessa proposta, podemos definir o conceito “paisagem” como aquilo que está
concretamente no espaço geográfico e que podemos distinguir com nossos sentidos (visão, audição,
olfato...). As paisagens possuem graus de antropização diferenciados, mas as interações entre sociedade
e natureza persistem, mesmo nas paisagens fortemente modificadas pelo trabalho humano. As formas
de superação das restrições naturais e de aproveitamento dos recursos da natureza variaram ao longo do
tempo e podem ser avaliadas de modo conjugado a aspectos socioeconômicos, políticos e culturais. A
dinâmica dos ambientes naturais e as múltiplas interferências da sociedade sobre eles criam unidades de
paisagens naturais diferenciadas pelo relevo, clima, vegetação, solos, geologia, mas também pelas
interferências antrópicas. O homem como ser social cria novas situações ao reordenar os espaços físicos
segundo suas necessidades, capacidades, competências e interesses (Armond e Afonso, 2010).
Diante da necessidade de compreensão de um mundo no qual a questão ambiental vem sendo cada vez
mais debatida, a comunidade geográfica valoriza as práticas docentes em Geografia que integrem os
temas relativos à Geografia Física aos da Geografia Humana (Mendonça 2004). A aplicação dos
conhecimentos relativos à dinâmica geomorfológica – enchentes e inundações, processos erosivos em
encostas com ênfase em movimentos de massa, processos costeiros, eólicos etc – na vida cotidiana tem
profunda relação com oportunidades e/ou restrições que podem influenciar a vida de alunos e
professores. Tal compreensão pode ser um estímulo à adoção de atitudes e hábitos ambientalmente
desejáveis e mais seguros, convergindo para o aprofundamento dos conhecimentos em educação
ambiental. A Lei Federal 9795/1999 vem pressionando os educadores a incorporar definitivamente tais
noções em todos os níveis de ensino no Brasil.
Do mesmo modo, cresce a necessidade de compreender a dinâmica dos elementos da natureza, tendo em
vista os riscos provocadas por eventos naturais extremos (Tominaga et al., 2012). A Lei 12.608/2012,
criada no Brasil em função da necessidade de ampliar a divulgação de noções de prevenção contra
desastres naturais, resulta deste contexto. A observação e análise dos processos geomorfológicos
possibilitam a prevenção de riscos de desastres naturais, contribuindo para evitar perdas humanas e
materiais, estimulando ações sociais mais conscientes e fortalecendo posturas mais críticas em relação
ao processo de expansão urbana (Afonso et al., 2012; Afonso, 2012). A análise sistêmica de paisagens
pode ser utilizada na detecção de situações de vulnerabilidade e risco, permitindo a identificação de
situações onde a dinâmica da natureza pode não ser controlada, estar instável ou degradada. Ao nível
da prática docente em Geografia, percebe-se a necessidade de criar propostas de ensino que integrem os
temas específicos da dinâmica geomorfológica aos demais componentes curriculares, de tal forma que
os processos ambientais não fiquem isolados das repercussões que provocam na sociedade.
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2- A GEOGRAFIA FÍSICA NO ENSINO BÁSICO DE GEOGRAFIA NO BRASIL
Os objetivos, conteúdos e modos de ensinar Geografia mudam com o tempo, refletindo não apenas as
mudanças no espaço geográfico, mas, principalmente, as mudanças que ocorrem dentro do campo
científico. Na história recente do ensino da Geografia no Brasil, percebe-se que, a partir da década de
1980, foi ocorrendo uma ênfase crescente na análise de processos econômicos, sociais e políticos nos
livros didáticos voltados para o ensino básico1. Isso se deve à consolidação das perspectivas teóricas e
metodológicas relacionadas à disseminação da Geografia Crítica no Brasil, ocorrida em paralelo à
redemocratização do país. Era fundamental à época levantar discussões que estimulassem os alunos à
reflexão sobre como o mundo se organizava, quem eram seus agentes e instituições, que estratégias os
cidadãos deveriam ter para entender e intervir em um mundo em constante mudança.
A valorização da abordagem crítica em Geografia repercutiu na produção de livros didáticos e na prática
de trabalho dos professores de nível básico no Brasil (Armond e Afonso, 2009). No entanto, o modo de
abordar o espaço geográfico mudou apenas em parte: enquanto a sociedade, a geopolítica e a economia
eram dinâmicas e discutidas a partir da perspectiva dialética, os aspectos físico-naturais permaneciam
sendo descritos de modo estático, monótono, com forte apelo à memorização e fracas interações
coerentes com os aspectos ditos “socioeconômicos, políticos e culturais” da Geografia. O contraste no
tratamento pedagógico de temas relacionados ao “clima, relevo, rios e vegetação” era (e muitas vezes
permanece sendo) desmotivador, caracterizando-se pela descrição em vez da análise de suas dinâmicas e
interações. Mesmo incluindo a perspectiva histórica do aproveitamento de recursos naturais, a
Geografia escolar pouco absorveu das abordagens sistêmica e dialética.
Enquanto isso, agravou-se a crise ambiental em todo o mundo. Mesmo com a pressão pela introdução
de questões ambientais em currículos e livros didáticos, o tema permanecia como uma repetição de
chavões produzidos pela imprensa, sem uma compreensão aprofundada dos processos ambientais. Ao
longo dos anos 90 foi-se reconhecendo que o “radicalismo” da Geografia Crítica criou fragilidades ao
priorizar aspectos políticos e sociais em detrimento da compreensão da dinâmica ambiental.
Diante das críticas relacionadas à falta de reflexão epistemológica, muitos geógrafos físicos brasileiros
se empenharam em refletir sobre o modo e os fins de suas pesquisas científicas e como poderiam
difundir os resultados de seu trabalho em outros níveis acadêmicos (Vitte, 2007; Vitte e Guerra, 2004).
Reconheceu-se também a importância de criar mecanismos que facilitassem a transferência dessas
informações para o ensino básico. Esse reconhecimento vem fortalecendo o sub-campo “Ensino de
Geografia Física” nos cursos de pós-graduação brasileiros, bem como nos eventos de divulgação
acadêmica e científica. A pressão dos geógrafos críticos impulsionou os professores a desenvolver e
adotar práticas docentes que tornem o ensino dos componentes da Geografia Física mais interessante,
dinâmico e integrado aos aspectos “socioeconômicos, políticos e culturais” do espaço geográfico.
As informações produzidas por especialistas em Geomorfologia e vários sub-campos correlatos
(Geologia, Climatologia, Hidrologia, Pedologia etc) contribuem para atender a demanda social e
institucional por conhecimentos que promovam avanços científicos e tecnológicos relacionadas a
processos naturais e seus efeitos sobre as sociedades. Os professores de Geografia têm um grande
mérito ao articular conhecimentos específicos dos vários campos da Geografia, produzindo um
conhecimento transdisciplinar que estimula o desenvolvimento cognitivo de seus alunos. Tais
professores podem e devem desenvolver recursos pedagógicos que estimulem a integração dos
conhecimentos gerados nas diferentes áreas e especialidades da Geografia, criando estratégias docentes
que facilitem a transferência desses conhecimentos, adaptando-os segundo o nível cognitivo dos alunos,
especialmente nos primeiros anos do ensino básico. Para isso, é importante que o professor, além de
conhecer os avanços teóricos e metodológicos gerados pelos pesquisadores em Geografia Física e
ciências correlatas, seja capaz de adequar as informações ao nível cognitivo de seus alunos, o que
tenderá a qualificar sua prática pedagógica.
1
No Brasil, o ensino básico ocorre ao longo de doze anos, sendo os nove primeiros enquadrados como
ensino fundamental e os três seguintes, como ensino médio.
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Segundo os atuais Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) estabelecidos pelo Ministério da Educação
do Brasil para o ensino básico, os professores devem estimular o desenvolvimento de procedimentos,
atitudes e conhecimentos no ensino fundamental e de estimular habilidades e competências cognitivas
no ensino médio. Para o ensino de Geografia, os PCN estabelecem objetivos como conhecer a
organização do espaço geográfico e o funcionamento da natureza em suas múltiplas relações. Ações
como observar, descrever, comparar, analisar, avaliar, deduzir, generalizar, sintetizar e prever são
exemplos de habilidades que podem ser desenvolvidas a partir do estudo dos processos e da dinâmica
dos elementos da natureza e suas relações com a sociedade. Perceber as interações entre elementos
naturais e sociais promove o desenvolvimento de competências específicas que fortalecem e ampliam a
capacidade cognitiva dos alunos.
O professor de Geografia deve manter seu caráter crítico, socialmente engajado e comprometido, e isso
deve ser feito em consonância com a compreensão mais abrangente de que as sociedades estão em um
mundo composto de elementos naturais dinâmicos, com os quais devem interagir. A análise de
paisagens naturais e das relações entre natureza e sociedade pode ser um meio de exercer essa
abordagem complexa, integradora e dinâmica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo propõe que os conceitos geográficos fundamentais (como os de paisagem, lugar, territótio,
fronteira, região etc) sejam tratados a partir da abordagem geossistêmica incluindo sempre que possível
os temas relacionados aos elementos da natureza em suas relações com as sociedades. Ressaltamos que
a natureza é dinâmica, complexa e multiescalar. Lidar com isso exige grande acervo de informações e
de estratégias docentes e pedagógicas adequadas aos educandos.
O modo de inserir assuntos relacionados à Geografia Física no ensino básico vem mudando no Brasil
nos últimos anos. Atualmente, cresce a importância da abordagem voltada para a prevenção de riscos
naturais e para a conscientização ambiental. Cabe a cada professor identificar temas mais relevantes
dentro do contexto escolar em que estiver inserido. Diante da crescente necessidade de compreensão de
um mundo complexo, no qual a questão ambiental vem à tona, é preciso criar pontes cognitivas que
integrem conhecimentos produzidos pelas diferentes áreas do conhecimento, superando a dicotomia
existente entre as abordagens estritamente sociais ou naturais.
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