RUA Jarbas Martins Quer que nome tenhas afixado em placas transitórias (sob o signo dos acontecimentos e dos éditos) continuas com a lição cotidiana das esquinas - onde espreito um deus. Passo e deixo meu ser escasso entre casas automóveis garis conversas atro pe la das. Varrida por algum vento vadio extraviado das várzeas, açoitada pelas tempestades ocasionais, revisitada pelas estações em rodízio, prenuncias o teu Verão Maior (que um dia há de explodir com os flamboyants e demais plantas ditas ornamentais dos teus canteiros). Persistes com a linguagem discursiva dos meio-fios o tom enfático das numerações das casas o tratamento untuoso e empostado do asfalto a tar-ta-mu-dez semafórica, mas (principalmente) com a sintaxe humana que te marca no segredo das caixas coletoras do teu lixo: (papéis manuscritos rasgados tocos de cigarros folhas secas barbantes casquinhas de sorvete a moeda ah! a moeda número um! o anel de fantasia que era ouro e se acabou a carteira vazia o brinquedo quebrado e a dor sempre a dor difusa dissimulada neste teu inventário mcrocósmico). E te plantas neste teu amadurecer silencioso e longo como os-domingos-que-se-esquecem-parados-rente-às-calçadas indiferente às segundas-feiras apressadamente inúteis às sextas-feiras que se suicidam à tarde ao esplendor esportivo dos sábados. Como uma amante te entregas às carícias dos que passam e te marcam de enigmas inscrições indeléveis e riscam os teus muros rabiscam garatujas e corações iniciais anônimas e errantes flexas subversivas canções de amor e esperança e levantam um código que exibes sem pudor: o triângulo escaleno e obsceno o palavrão e a pichação a contestação impotente e surda. E te perdes, ó rua, em teus próprios caminhos perplexos passados pelos loucos patéticos preciosos ridículos pelos que praticam a religião dos prazos e das pressas pelos que te comovem nos comícios que pregam a vinda de Cristo (em teus cruzamentos, rua!) que planejam a paz e a liberdade (que é uma calça azul e desbotada segundo aquele cartaz horrível que te atravanca) e te perdes nestes teus caminhos heteróclitos e desviacionistas. Mas enquanto te passo (com a ternura dos amantes vagabundos que fazem amor sob teus postes) deixo meu passo que se perde no ar e se incorpora à tua memória coletiva meu passo firme e decidido como um punhal atravessado em ferida de amor. (CONTRACANTO,1979)