PLANOS GERAIS DE ORGANIZAÇÃO DOS SERES VIVOS Teoria da Célula A Teoria da Célula, ou Celular, foi proposta no século XIX, pouco antes da formulação da Teoria da Evolução (1859), por Darwin, e da proposição das Leis da Hereditariedade por Mendel (1865). A teoria da Célula foi formulada em 1838 por Theodor Schwann e Mathias Schleiden. As principais conclusões de um livro escrito por Schwann, no ano seguinte, no qual Schleiden não é citado, são: A célula é a unidade de estrutura, fisiologia e organização de todas as coisas vivas. A célula tem dupla existência, como entidade distinta e como elemento fundamental de construção dos organismos. As células se formam de material acelular, de maneira similar à formação dos cristais (geração espontânea) Por esta época os experimentos de Needham e Spallanzani, que levavam à hipótese de um força vital, que gerava seres vivos da matéria não viva, não haviam sido contestados e a teoria celular obviamente tinha de incorporar a geração espontânea. Se a célula era a unidade de estrutura e fisiologia dos sere vivos e se estes podiam se originar da matéria não viva, de fato quem se originava da matéria não viva eram as células Em 1858 Rudolf Virchow corrigiu a proposta de Teoria Celular declarando “Omnis cellula e cellula”: todas as células se originam de células pré-existentes. Em 1860 Pasteur, em experimentos simples de esterilização, demonstrou que a geração espontânea de seres vivos não ocorria, deitando por terra a hipótese de uma força vital. De justiça, a Teoria Celular, é atribuída aos três, Shwann, Schleiden e Virchow. Compõem-na, na formulação moderna, os seguintes princípios: Todas as coisas vivas são formadas por células. A célula é a unidade funcional & estrutural das coisas vivas. Todas as células provêm de células pré-existentes, por divisão destas (a geração espontânea não ocorre). As células contém a informação hereditária, que é passada de célula a célula na divisão celular. Todas as células têm basicamente a mesma composição química. Todo o fluxo de energia da vida (metabolismo e bioquímica) ocorre dentro das células. Embora a geração espontânea de células não ocorra nas condições atuais do planeta, ela ocorreu em passado remoto, a cerca de 4 bilhões de anos e se estendeu por algo em torno de 2 bilhões de anos, para gerar os padrões celulares contemporâneos – procariótico e eucariótico – que formam todos os seres vivos. Padrões celulares contemporâneos. Entre os seres vivos contemporâneos a diversidade fenotípica das células é enorme. As células têm formas, tamanhos e funções muito variados. Contudo, há entre elas semelhanças suficientes para classificá-las em dois grandes padrões: o procariótico e o eucariótico. O padrão procariótico é de células pequenas, bastante menores, que as do padrão eucariótico, como se vê na figura 1. As células procarióticas não têm organelas, 1 delimitadas por membranas. O material genético está em um cromossoma único, circular, livre no citoplasma. Reações químicas vetorais, que ocorrem em membranas, se dão na membrana celular. As células eucarióticas são maiores, mesmo as menores entre elas são bem maiores que as células procarióticas. Caracteristicamente têm organelas, delimitadas por membranas, com funções específicas. O material genético, reunido em múltiplos cromossomas, está no núcleo, segregado do citoplasma pela membrana nuclear. No protoplasma há mitocôndrias, cuja função precípua é a conversão de energia química, por oxidação de compostos reduzidos, resultando, finalmente, na síntese de ATP. As mitocôndrias ainda armazenam o Ca2+. Há ainda retículo endoplasmático, no qual se dá a síntese de proteínas e armazenamentos, aparelho de Golgi, lisossomos, vesículas de estocagem, e outras organelas. Figura 1: Células procariótica, à esquerda, e eucariótica, à direita. Há, na eucariótica variados tipos de organelas, entre elas o núcleo, que é a maior. Para se comparar tamanhos, as escalas devem ser consideradas. As figuras são, ambas, micrografias eletrônicas. Todos os organismos pluricelulares (ou multicelulares), animais ou plantas, são formados por células do tipo eucariótico. Não se sabe de um só que seja formado por células do padrão procariótico. A tabela I contém informações sobre os vários reinos em que se agrupam os seres vivos do planeta. De particular interesse ao que aqui se trata são os reinos Plantae e Animalia. Nestes, células eucarióticas se diferenciam para formar tecidos, estes formam órgãos, que formam sistemas de órgãos. Cada célula autossômica tem a informação genética completa da espécie. A expressão diferenciada de genes gera o fenótipo celular, no processo de diferenciação que leva à formação do organismo. 2 Tabela I: Reinos Biológicos Tipo celular Procariótico Eucariótico grandes e complexas. Evoluíram como simbiontes de procariotos Eucariótico Organizado em tecidos, órgãos e sistemas Autotrófico Quimiosintético Reino Archea Três linhagens, todas anaeróbicas Nenhum reino evoluiu com a característica Heterotrófico Fotosintético Reino Eubacteria Bactérias aeróbicas, fotosintéticas. Antigamente chamdas algas azul-verdes Reino Protista Algas unicelulares verdes, douradas, vermelhas e marrons Móveis Reino Eubacteria Espiroquetas aeróbicas Sésseis Reino Eubactéria. Bactérias aeróbicas com esporos Reino Protista Protozoários, amebas, ciliados, flagelados Reino Protista Esporozoários, o plasmódio Reino Plantae Angiospermas, ginospermas, fungos, líquens Reino Animalia Espongiários, celetenterados, vermes chatos e cilíndricos, moluscos , anelídos, artrópodes, equinodermatas, cordados Reino Fungi ascomicetos, basidiomicetos, ficomicetos e fungos imperfeitos como Reino Fungi Levedura Organização estrutural dos seres multicelulares Se em meados do séculos XIX se estabelecia a teoria celular, estatuindo que a célula é a unidade estrutural e funcional dos seres vivos e que o fluxo de energia e das reações metabólicas ocorre nas células, a imediata conseqüência da concepção é que os organismos pluricelulares são o resultado dos processos das suas muitas células, não raramente bilhões, operando integradamente. Como os processos característicos de uma célula são o que se pode chamar a vida, esta persiste enquanto os processos ocorrerem. Obviamente estes mesmos processos – reações químicas – demandam suprimento contínuo de energia, que nos seres heterotróficos, advêm da oxidação de compostos reduzidos, demandam os elementos para a síntese das proteínas, que são os aminoácidos, etc, etc. Os mesmos processos produzem gás carbônico, uréia e outros produtos. Portanto, as células que são a sede destes processos, devem dispor de um volume adjacente de onde retirem os compostos para os seus processos e onde despejem os que o metabolismo produziu. Em 1848 Claude Bernard propôs o conceito de meio interno ou interior. Todos os organismos multicelulares conteriam em si, além do volume das suas células, um volume interno, cujas características químicas e físicas seriam mantidas relativamente constantes pelas grandes funções fisiológicas. A concepção sintética e contemporânea de um organismo multicelular é a da figura 2. 3 Figura 2: Representação do organismo. Os volumes somados das células forma o compartimento intracelular. Entre as células está o espaço intersticial. O sistema circulatório, um extenso conjunto de vasos, contém o plasma. Que constitui o compartimento plsmático. O volume das células sangüíneas é contado como volume intracelular. As bombas cardíacas movem o sangue, continuamente, entre os capilares dos tecidos e as interfaces do organismo com o meio exterior: alvéolos pulmonares, nefros, e epitélio do trato gastrintestinal. O organismo é formado por células, que se diferenciam em vários fenótipos. Estes formam tecidos, os tecidos formam órgão que constituem os sistemas de órgãos. Cada célula, individualizada pela sua membrana plasmática, está imersa em um pequeno volume de solução, com o qual a célula troca continuamente espécies químicas. Em um tecido estes volumes formam um labirinto, entre as células. O conjunto destes espaços adjacentes à célula constitui nos organismos o comportimento ou volume intersticial. O volume intersticial correspondente a cada célula, no organismo, é exíguo e a sua composição seria rapidamente alterada pelas trocas com as células. No longo processo evolutivo dos seres vivos, desenvolveu-se um sofisticado sistema circulatório, desenhado para prover um fluxo contínuo de sangue pelos capilares que formam rede extensa, em contacto com o espaço intersticial. Processos difusionais exclusivamente promovem a troca de compostos químicos entre o sangue que circula nos capilares e o compartimento intersticial das células. Impulsionado pelas bombas cardíacas, o sangue circula continuamente dos capilares dos tecidos aos capilares dos sistemas fisiológicos que estabelecem um contato com o meio externo do organismo. Os pulmões constituem uma dessas interfaces para a troca de gases. Os rins formam a interface para a excreção controlada de produtos químicos não voláteis, entre eles água, eletrólitos, ácidos, produtos do metabolismo do nitrogênio, etc. O trato gastrointestinal é a interface sofisticada para a captação de nutrientes que, coletados seletivamente no meio externo, são, alguns, transformados pelo processo digestivo que ocorre na luz dos órgãos, ainda meio externo. O espaço ocupado pelo plasma, no compartimento vascular, e o espaço intersticial constituem o compartimento extracelular. 4 Os compartimento do organismo: barreiras. Em síntese, há dois grandes compartimentos: o intracelular e o extracelular. A arquitetura deles é complexa e não são contínuos. Todavia, considerá-los não se constitui em mero exercício abstrato ou pedagógico. O compartimento extracelular se subdivide em compartimento intersticial, adjacente às células, e o compartimento vascular ou plasmático. Talvez se deva preferir a designação plasmático. No interior do sistema vascular estão, de fato, o plasma e as células sangüíneas, eritrócitos, leucócitos e plaquetas. O volume destas está computado como volume celular. Separando o compartimento celular do intersticial está a membrana celular plasmática. Esta constitui estrutura funcionalmente complexa, com permeabilidade difusional, carregadores, receptores, canais, propriedades elétricas, e constitui principal tema deste curso. Entre os compartimentos plasmático e o intersticial, separando-os, está o endotélio vascular. O endotélio é formado por um contínuo de células, com poros, pelos quais moléculas inorgânicas e orgânicas de baixo peso molecular podem se movimentar difusionalmente. Os poros restringem o fluxo de proteínas. Há, no organismo, compartimentos especiais, delimitados por epitélios que secretam os fluídos que preenchem estes compartimentos. São estes os humores do globo ocular, o compartimento sinovial, das cartilagens, o espaço pleural e o pericárdico. Entre o organismo e o meio externo, nas estruturas especiais para trocas, como nos pulmões, rins e trato gastrintestinal, há um epitélio monoestraficado. Na superfície do corpo, a pele separa o organismo do meio externo. Estruturalmente complexa, a pele limita a perda de água e é um órgão de termoregulação. O compartimento plasmático é o de acesso menos traumático, por punção de uma veia periférica. tanto para a introdução no organismo de compostos com finalidade terapêutica como para a análise de composição do meio interno, com propósitos de diagnose. A figura 3 ilustra as barreiras entre os compartimentos. Figura 3: Barreiras entre os compartimentos intersticial e intracelular, que é a membrana celular plasmática (acima) e entre o compartimento intersticial e o plasmático, que é o endotélio vascular (à esquerda). 5 Os compartimentos do organismo: volume e composição. As soluções que preenchem os compartimentos têm a água como solvente e são relativamente diluídas, com osmolaridade de cerca de 290 mOsmóis/l. O compartimento intracelular, com concentração mais alta de proteínas, algumas delas formando o citoesqueleto, tem estrutura que limita os processos difusionais. Rigorosamente, não se pode referir à solução do compartimento intracelular como homogênea, não só, mas também, pela sub-compartimentalização dele pelas organelas. Como são soluções diluídas as que preenchem os compartimentos, a concentração da água neles é elevada e o volume deles é pouco maior que o volume da água neles contido. Considerando-se um indivíduo de tamanho médio, com peso de 70kg, o volume total de água deste organismo é de 42 L. Destes, 24 L estão no compartimento intracelular. No compartimento intersticial estão 13 L, dos 2 L estão nos ossos, 3 L no tecido conjuntivo denso, e 8 L nos demais tecidos. A água dos ossos e do tecido conjuntivo denso é trocada mais lentamente com a água plasmática, dada a estrutura densa destes tecidos. Para certas considerações, a subdivisão do volume intersticial é conveniente. Em um organismo de porte do que está sob consideração, o volume total de sangue, contido no sistema vascular, é de 5 L. Para um hematócrito de 40% (volume de células/volume de snague), o volume de plasma é de 3 L. A soma dos volumes dos compartimentos transcelulares é de 1 L. Tabela 2: Composição dos compartimentos Soluto Plasma + Na mM 142 K+ mM 4,4 2+ Ca mM 1,2 (ionizado) 2,5 (total) 2+ Mg mM 0,6 (ionizado 0,9 (total) ClmM 102 HCO3 mM 22 H2PO4-/HPO42- mM 0,7 (ionizado 1,4 (total) Proteínas 7 g/dl 1 mmol/l 14 mEq/l Glicose mM 5,5 pH 7,4 Osmolalidade 290 mOsmol/kg Interstício 145 4,7 1,2 Célula 15 120 10-4 (ionizado) 0,55 116 25 0,8 1 (ionizado) 18 (total) 29 15 0,7 (ionizado) 1 g/dl 30 g/dl 5,5 7,4 290 Baixa ~7,2 290 Na tabela 2 tem-se a composiç ão dos compartimentos. A tabela contém os valores normais para os solutos quantitativamente mais importantes. Obviamente as soluções são muito mais complexas, tanto em solutos orgânicos como em eletrólitosl. O Na + é o eletrólito predominante no compartimento extracelular, enquanto o K+ o é no intracelular. O Na+ e o K+ são metais alcalinos, em períodos contíguos na tabela periódica. No compartimento extracelular Ca2+ e Mg2+ são o segundo e o terceiro eletrólitos catiônicos, em ordem 6 quantitativa. Estes são dois metais alcalinos terrosos, também em períodos contíguos na tabela periódica. Dados os raios cristalinos e a dupla carga positiva destes íons, eles ligam-se eletrostaticamente a carbonilas das proteínas. Portanto, a concentração do íon livre (ionizado) é uma fração da concentração total, e representa um condição de equilíbrio com o íon ligado às cadeias peptídicas. A concentração intracelular livre do Ca 2+ é cerca de 10000 vezes menor que a extracelular. Pequenos influxos de Ca 2+ para o citosol promovem significativo aumento na concentração do íon que, por sua afinidade elevada com as proteínas, liga-se a elas, alterando-lhes a estrutura terciária. O Ca2+ , como se verá, é um sinalizador intracelular de modificações fisiológicas. Nas organelas intracelulares, como retículo endoplasmático e mitocôndria, a concentração do Ca 2+ é muito mais elevada que no citosol. O ânion predominante em quantidade no compartimento extracelular é o Cl -, um halogênio, seguido pelo bicarbonato, que provêm da dissociação do ácido carbônico, que se forma pela hidratação do CO2. O sistema CO2/HCO-3 é o principal tampão do plasma. A concentração intracelular de Cl- é mais baixa que a extracelular. Tanto as soluções extracelulares como as intracelulares são eletricamente neutras de um ponto de vista macroscópico. Isto é, a soma das cargas positivas é igual à soma das negativas. Um pequeno desbalanceamento gera a diferença de potencial elétrico entre os compartimentos intracelular e extracelular, a diferença de potencial elétrico de membrana, da ordem de poucas dezenas de mV, que é característico de todas as células. O compartimento plasmático contém 7g/dl de proteínas. A albumina é a mais abundante. Como o endotélio dos capilares é quase impermeável a grandes peptídios, a concentração intersticial deles é baixa. Proteínas que escapem do vaso, atravessando o endotélio são recolhidas pelos vasos linfáticos. A concentração de proteínas intracelulares é elevada, e a variedade delas é imensa. No pH plasmático, a carga elétrica das proteínas é predominantemente negativa. Como as proteínas se restrigem ao compartimento vascular, a carga elétrica delas, por equilíbrio de Donnan, determina pequenas diferenças nas concentrações de cátions ânions eletrolíticos entre os compartimentos plasmático e intersticial. O pH extracelular é ligeiramente alcalino. O intracelular quase neutro. As concentrações dos solutos e volume do compartimento extracelular são finamente reguladas pelas grandes funções fisiológicas, associadas à homeostase. Por exemplo, as concentrações plasmáticas de Na+ ,K+, Ca2+ e Mg2+ dependem do balanço entre a absorção intestinal e excreção renal. As concentrações de Ca 2+ e Mg2+ livres plasma dependem também da deposição e remoção destes metais dos ossos. A glicemia depende de balanço entre o consumo pelas células do organismo e a liberação hepática do monossacarídeo. A água no organismo A vida, tal qual ocorre no planeta, dependeu e depende da existência prévia da água. Este solvente dos seres vivos tem propriedades físico-químicas muito peculiares que serão oportunamente discutidas. Pode-se adiantar que entre elas estão a sua natureza de dipolo, que permite à molécula interação eletrostática, sem ter carga, e a sua capacidade por formar pontes de H. 7 A água está em equilíbrio osmótico entre os compartimentos intracelular e intersticial. Equilíbrio osmótico pressupõe que a pressão osmótica e, portanto, a osmolaridade das soluções, nos dois compartimentos, são as mesmas, e que a membrana celular plasmática é permeável à água. A osmolaridade das soluções é de 290 mOsmóis/l, e a pressão osmótica delas, pela equação de van’t Hoff é de 6,5 atm. A membrana plasmática é permeável à água por causa da permeabilidade da bicamada e das aquaporinas, canais para água formados por proteínas geneticamente codificados. A conseqüência do equilíbrio osmótico entre os compartimentos intersticial e intracelular é que modificações primárias na osmolalidade daquele, refletem-se no volume deste. O endotélio dos capilares, entre os compartimentos plasmático e intersticial, é francamente permeável aos solutos de baixo peso molecular. Excluídas as proteínas, a osmolaridade dos dois compartimentos é praticamente a mesma. Porém, a pressão hidrostática nos capilares, dada pelo trabalho cardíaco, para impulsionar o sangue, é maior no interior dos capilares, algo da ordem de 25 mmHg acima da atmosférica. A intersticial é atmosférica. Portanto, há uma diferença de pressão hidrostática de 25 mmHg, que força o movimento de água do vaso para o interstício. Este fluxo de água, dado que as soluções são diluídas e que o volume molar parcial do solvente predomina, corresponderia a fluxo de volume. Todavia, a presença exclusiva de proteínas no compartimento plasmático produz uma pressão osmótica da ordem de 25 mmHg, que, igual à pressão hidrostática, anula o fluxo de volume. A pressão osmótica dada por macromoléculas é denominada pressão oncótico ou coloidosmótica. As duas forças operando nos capilares foram denominas forças de Starling. O desbalanceamento delas, por exemplo por um aumento de pressão hidrostática ou redução da concentração de proteínas, leva à transferência de volume para o interstício, característico do edema. O equilíbrio osmótico entre os compartimentos tem conseqüências para o organismo na higidez e na doença. Considere, por exemplo, que o NaCl, dissociando-se em Na+ e Cl-, é o soluto predominante no compartimento extracelular. Contribui com cerca de 240 dos 290 mOsmóis/l neste compartimento. Suponha-se que por um certo intervalo de tempo a absorçao intestinal do NaCl ingerido exceda a excreção renal do sal. Como a distribuição dele é principalmente extracelular, a osmolaridade deste compartimento tenderá aumentar. Como há equilíbrio osmótico, imediatamente água do compartimento intracelular move-se para o extracelular, e as células murcham. Sobrevem a sede, ingere-se água, o volume celular é recuperado. Mas o organismo terá ganho algum NaCl e água, com expansão do compartimento extracelular e, eventualmente, hipertensão. Sinopse das funções da membrana celular plasmática. Embora em alguns tecidos células possam estabelecer conexões entre si por meio de canais juncionais (“gap junction”) pelos quais se propagam sinais elétricos de célula para célula, ou mesmo sinais químicos legados por pequenas moléculas, que passam de célula para célula, a membrana celular plasmática é uma fase predominantemente hidrofóbica, contínua, a separar o compartimento celular do intersticial. Para entrar ou sair das células as espécies químicas têm de atravessar esta fase. Como os compartimentos separados pela membrana são de composição diferente, o transporte nela é seletivo. 8 Como a matriz da membrana é lipídica, substâncias com algum grau de lipossolubilidade atravessam-na por difusão. É o caso dos gases, N2, O2 e CO2. Para as espécies químicas hidrossolúveis a matriz da membrana celular é uma barreira. Se estiverem implicadas na fisiologia da célula, haverá nas membranas sistemas de transportes, formados por proteínas geneticamente codificadas. Estas proteínas podem formar canais, relativamente hidrofílicos e seletivos. Por eles o fluxo é passivo. Servem, na sua maioria, à transferência de íons inôrganicos. Os canais podem ser modulados de vários formas, por voltagem ou por ligantes químicos, e geram sinais elétricos na superfície das células, associados à condificação ou à transferência de informação ao longo da superfície de uma célula. Outras proteínas formam carregadores, nos quais o processo de transporte depende de alterações conformacionais da molécula. Estes carregadores podem levar uma única espécie química, como é o caso dos transportadores de glicose, GLUT. Podem, transferir em um ciclo duas ou mais espécies químicas, caso em que, sem violar a termodinâmica, uma das espécies pode ser transportada contra uma diferença de energia livre. Outros carregadores, as bombas, usando de energia metabólica. levam especíes químicas contra gradientes de energia livre. Outras espécies químicas, proteínas principalmente, produzidas e armazenadas pelas células em vesículas podem ser exportadas quando estas vesículas fundem-se à membrana superficial e liberam extracelularmente o conteúdo. O processo é de exocitose. Um conjunto de células é um organismo quando o funcionamento delas é coordenado. A coordenação depende de sinais químicos, moléculas que são produzidas por células especializadas e lançadas no meio interno. Alguns destes sinais químicos podem cruzar as membranas celulares e agir no compartimento intracelular. Outros ligam-se a receptores na membrana celular plasmática e suscitam cascatas enzimáticas com produção de mensageiros intracelulares que modificam a fisiologia das células. A análise destes processos na membrana celular é o propósito deste curso. SISTEMAS DE REGULAÇÃO – HOMEOSTASE “De fato, regulação em um organismo é o problema central em fisiologia”. W. B. Cannon, 1929. Regulação, um dos substantivos que mais freqüentemente aparece em textos de fisiologia, é um conjunto de processos pelos quais variáveis químicas e físicas dos sistemas biológicos são mantidas não constantes, mas dentro de limites, limites estes que podem ser redefinidos, em resposta a atitudes comportamentais do organismo, ou oscilar de forma periódicas, adapatando o organismo aos ciclos da sua existência. Os exemplos são muitos, entre eles a regulação da pressão arterial, a regulação da freqüência cardíaca, regulação da temperatura, regulação do volume extracelular, regulação do volume celular, regulação da secreção gastrintestinal, etc. Defeitos em qualquer parte do sistema de regulação provocam a deriva da variável para valores fora dos limites considerados populacionalmente normais. Estas variações ocorrem em estados mórbidos, como na hipertensão, hipertermia, hipernatremia, acidose, etc. Os processos de regulação, nos quais determinada variável é mantida dentro de limites de valor, envolvem um esquema circular de retroalimentação, palavra que bem traduz 9 “feed-back”. Se o esquema mantém a variável entre limites, envolve retroalimentação negativa. Um mecanismo de regulação, operando em retroalimentação, envolve os elementos básicos, mostrados no esquema da figura. K F Sensor Y=f(x) x(t) 10 Y-K 9 8 7 6 w 5 Series2 4 3 2 1 0 0 20 40 60 80 100 120 Efetor Z=f(y-K) Figura 4: Esquema de um mecanismo de retroalimentação. O sensor gera um sinal, y, relacionado pelo valor da variável x(t). O centro de controle compara o valor de y ao valor programado K. Se forem iguais o sinal na saída no centro é nulo. Se houver discrepância o sinal de saída, proporcional ao erro, determina que o efetor atue no sentido de recuperar o valor da variável x(t). Um sensor faz medidas da variável em um série temporal contínua. O sinal deste sensor é enviado a um centro de controle, que o compara continuamente ao valor K, programado para a variável. Se o valor medido da variável diverge do valor programado o centro de controle aciona um efetor que atua sobre a variável e promove correções que a aproximam o valor programa. O valor programado, para muitas das variáveis, pode ser modificado para uma maior flexibilidade adaptativa dos organismos. Um sistema de retroalimentação promove correção dos desvios da variável. As amplitudes das oscilações dela dependerão de características dos sistema, que definem-lhe o ganho. Em um sistema de ganho elevado, a amplitude das oscilações é menor. 10 Analise-se para maior concretude, a regulação da pressão arterial. Sensores, que são os receptores de estiramento na parede das artérias enviam ao tronco cerebral salvas de potenciais de ação (oscilações breves, ms, do potencial de membrana) cuja freqüência está univocamente relacionado à pressão do sangue no interior da artéria. Núcleos de neurônios no tronco cerebral respondem às informações que lhe chegam, providenciando, se houver desvios, as correções modificando a fisiologia dos efetores, que, no caso, são o débito cardíaco (volume de sangue injetado por segundo na aorta) e a resistência periférica ao fluxo, determinada principalmente pelo calibre das pequenas artérias, a montante dos capilares. Questões Orientadoras do Estudo 1. 2. 3. 4. 5. 6. Faça uma análise comparativa extensa dos padrões celulares contemporâneos, o procariótico e o eucariótico. Reveja a compartimentalização dos organismos metazoários, investigando as barreiras que os separam, diferenças na composição e na “função”. Suponha que um indivíduo ingira 200g de NaCl (peso molecular 58,44). Considere, como uma aproximação, que a distribuição do sal é exclusivamente extracelular, que os volumes extracelular e intracelular sejam de, respectivamente, 12 e 25 l e que a osmolaridade dos compartimentos seja de 290 mOsmóis/l. Que alterações ocorrerão nos volumes relativos dos compartimentos e qual será a osmolaridade final deles. Considere um bloqueador de canais para Ca, usado para tratamento de hipertensão. O endotélio vascular é permeável à droga, mas a membrana celular não o é. Suponha que a concentração para um efetivo bloqueio dos canais, que produz vasodilatação significativa, é de 1 microg/l. Supondo que a absorção da droga é rápida e que a sua excreção é lenta, calcule a quantidade, em g, que se deve administrar. Suponha, agora, que a a droga se ligue à albumina plasmática: na concentração de 1 microg/l, cada g de albumina se liga a 0,6 microg do bloqueador. Recalcule a quantidade da droga a ser administrada. (volume de sangue = 5l, hematócrito 40%, volume intersticial 13l, concentração plasmática de albumina = 70 g/l. Considere uma queda na concentração plasmática de proteína, de 7 para 3 g/dl. A alteração poderia ocorrer por doença renal, em que ocorre proteinúria. Que alterações relativas ocorreriam nos volumes dos compartimentos extracelulares. Escolha uma das variáveis do meio interno submetidas a rígido controle homeostático. Tente, com sua cultura fisiológica atual, montar esquema de retroalimentação negativa que mantém o seu valor. 11