O consumo ostensivo de bens culturais em Veneza e

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A cultura do Renascimento:
O consumo ostensivo de bens culturais em Veneza e Florença*
Andrew Gabriel Araujo Correa**
Resumo:
O artigo aqui apresentado tem como objetivo abarcar o período histórico
compreendido entre os séculos XV e XVI, denominado como período de
renascimento artístico, em apologia à produção artística medieval. Os focos da
análise são os mecanismos de difusão e produção cultural praticados nas
cidades-estado Veneza e Florença na Península Itálica no período citado.
Palavras-chave: Cultura, Renascimento, Veneza, Florença, Mecenas.
Abstract:
This article here presented aims to understand the historical period between XV
and XVI centuries, known as the period of artistic renaissance in apology to
medieval artistic production. The analysis focus are the mechanisms of diffusion
and production of culture practiced in city-states Venice and Florence in Italian
peninsula in mentioned period.
Key-Words: Culture, Renaissance, Venice, Florence, Maecenas.
“Viver o presente sem conhecer o passado,
é viver no escuro”***
* Trabalho de conclusão da disciplina de História das Relações Internacionais I, do curso de
Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo, elaborado durante o segundo
semestre de 2013 sob orientação do Prof. Dr. Rodrigo Medina Zagni.
**Graduando do segundo termo do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal
de São Paulo (UNIFESP); Pianista formado pela Escola Municipal de Música de São Paulo
(EMM-SP) e formado no curso de Interpretação Artística Histórica na Escola de Música do
Estado de São Paulo (EMESP).
***Uma história de Amor e Fúria. Luiz Bolognesi. Europa Filmes, 2013.
A RENASSENÇA: UMA NOVA CONCEPÇÃO NO MUNDO
O Renascimento é um tema de difícil análise; exemplo disso é perceber
como ainda milhões de pessoas se deslocam para visitar suas mais exímias
produções, como a digníssima Mona Lisa¹ de Leonardo da Vinci², ou os
maravilhosos afrescos de Michelangelo³ no teto da Capela Sistina4. Obras
incontáveis e pensamentos inovadores marcaram esta época, principalmente
na Península itálica, de onde daremos destaque a Veneza e Florença como os
dois maiores centros deste processo.
A palavra Renascimento provém do latim Re-Nasci(Nascer de novo)5, e
para algo nascer de novo, é preciso entender que este algo esteve morto, ou
pelo menos adormecido. É daí que vem o conceito primordial de Renascimento
Cultural: uma nova percepção de algo que esteve dormente, uma nova
perspectiva não só cultural, pode-se, porém, afirmar que esta ultima é fruto de
um processo de mudanças de cunho político, econômico e social, intrínsecas a
um espírito realista e humanista que surgia. Deste cenário vê-se a formação do
moderno espírito europeu de política e um pouco mais tarde todo o espírito
ocidental.
Digna de ser mencionada como um dos principais fatores para toda
esta mudança é a nova camada social em surgimento, muito conhecida e
discutida no meio acadêmico desde então, a burguesia. Esta nova classe social
obviamente precisaria combater a cultura medieval, desconstruir imaginários de
nobreza, grandes dinastias hereditárias, honra ao sangue para eleição à cargos
públicos, cargos eclesiásticos poderosos em mãos dos nobres, entre outras
¹ Leonardo di Ser Pierro da Vinci (15 de abril de 1452 – 02 de maio de 1519) foi um dos
expoentes mais expressivos do Alto-Renascimento.
² Mona Lisa, c. 1503-05. Painel, 0,77 x 0,53 m. Museu do Louvre, Paris-França.
³ Michelangelo di Ludovico Buonarroti Simoni (06 de março de 1475 – 18 de fevereiro de 1564)
também é um grande nome proveniente do Pleno e Alto-Renascimento, conhecido ainda em
vida como “Divino” em apologia a suas grandiosas obras. Também foi um dos primeiros artistas
ocidentais a terem biografia publicada quando ainda eram vivos.
4 A capela Sistina encontra-se no Vaticano, no Palácio Apostólico que é residência oficial do
Papa.Michelangelo pintou, pelo menos, toda a superfície da abóbada da capela.
5 SARAIVA, F. R. dos Santos. Novíssimo dicionário latino-português. 10a ed. Rio de Janeiro:
Livraria Garnier, 1993.
coisas. Tudo isso porque na concepção medieval eles eram uma simples,
comum e inferior porção da população. É partir deste principio que se
embasará toda uma geração de produção artístico-cultural.
Para prosseguir a análise e aprofundá-la é preciso definir exatamente
dois pontos: Os conceitos de cultura e de hegemonia. Isto ampliará nossa visão
sobre o tema e auxiliará no entendimento dos fenômenos a serem expostos em
seguida.
Dos Conceitos de Cultura e Hegemonia
Definir cultura é realmente uma tarefa muito difícil e pode se
demonstrar falha se tentar-se levá-la a aplicação em diferentes realidades, ou
mesmo em diferentes corpos sociais. Para trabalharmos com algo mais
palpável, será necessário recorrermos ao sentido etimológico de cultura,
conforme segue:
[...] 7. Aplicação do espírito a uma coisa; estudo. 8. Desenvolvimento
que, por cuidados assíduos, se dá às faculdades naturais.
9. Desenvolvimento intelectual. 10. Adiantamento, civilização. (...)
13. Sociológico: Sistema de ideias, conhecimentos, técnicas e
artefatos, de padrões de comportamento e atitudes que caracteriza
uma determinada sociedade. 14. Antropológico: Estado ou estágio do
desenvolvimento cultural de um povo ou período, caracterizado pelo
conjunto das obras, instalações e objetos criados pelo homem desse
povo ou período; conteúdo social. 15. Arqueológico: Conjunto de
remanescentes recorrentes, como artefatos, tipos de casas, métodos
de sepultamento e outros testemunhos de um modo de vida que
diferenciam um grupo de sítios arqueológicos. [...]6
Percebe-se que dos conceitos que nos são proveitosos e pertinentes
observa-se que a cultura não é algo comum e invariável, pelo contrário, é
6 Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 3.ª ed.,
Curitiba: Positivo, 2004. Pag. 381
7 Pierre Clastres (07 de maio de 1934 – 29 de Julho de 1977) foi um célebre antropólogo
francês que é conhecido pelas pesquisas sobre liberdade antropológica e sobre os índios
Guyaki. Vide: CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. 3a. ed. São Paulo: Cosac
Naify, 2012.
8Marshall David Sahlins (27 de Dezembro de 1930), nosso contemporâneo e antropólogo
estadunidense, foca sua pesquisa na cultura e como ela se dá no meio social.
singular no mais restrito sentido da palavra quanto ao que se produz e ao que
se conhece. É interessante sobre este tema específico a análise de dois
exímios antropólogos: Pierre Clastres7 e Marshall Sahlins8 do qual extraímos
um enxerto interessante:
[...] As culturas são formas de vida relativas e históricas, cada qual
com uma validade particular, sem uma necessidade universal (...) as
coisas físicas têm causas, mas as coisas humanas têm razões –
razões simbólicas construídas, mesmo quando são fisicamente
causadas[...]9
A partir deste conceito adquirido sobre o termo “cultura”, é apropriado
ainda antes de mergulharmos no Renascimento italiano, citar e compreender o
amplo termo “hegemonia” e, para isso será utilizada a
ótica
de
Giovanni
Arrighi10 transcrita no livro “O longo Século XX. Dinheiro, Poder e as origens de
nosso tempo”. Para Arrighi hegemonizar, ou o ato de exercer hegemonia, não é
simplesmente um fenômeno social de liderança, no qual determinados polos da
esfera social se submetem espontaneamente ou, circunstancialmente ao
governo de outro determinado pólo, como discorreu Montesquieu:
[...]Tal como a virtude é necessária numa república e a honra
necessária numa monarquia, o Medo é necessário num governo
despótico; nesse governo, a virtude é totalmente desnecessária, e a
honra, perigosa.[...]11
Fica estabelecido, então, que para Arrighi o conceito refere-se a
associação do poder à dominação, no qual a liderança intelectual, moral e,
também cultural é a ampliação e culminância destes esforços.
Segue, agora, a exposição dos fatos históricos a serem analisados.
9Sahlins,
Marshall. Cultura na Prática. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004. Pag. 30
Arrighi (07 de Julho de 1937 – 20 de Junho de 2009) foi um economista neoclássico
e sociólogo de notoriedade. Ficou conhecido pelas suas pesquisas sobre a crise mundial e sua
análise sobre a decadência dos Estados Unidos. Vide: Arrighi, Giovanni. O longo Século XX:
Dinheiro, Poder e as Origens de nosso Tempo. 5a. ed. São Paulo: Contraponto, 2005.
10 Giovanni
11
Montesquieu, Charles de Secondat. Do espírito das Leis. 3a. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2005. Pag. 221
CONTEXTO SOCIOPOLÍTICO
Da passagem do medieval aos despotismos do inicio do renascimento na
Península
Marcos na história, e neste caso a passagem de uma época à outra,
em sua esmagadora maioria não se dão com naturalidade, mas sim por um
processo de contraposição e resurgimento. Como se vê exposto na obra de
Karl Marx nomeia-se isto como materialismo histórico-dialético12. A partir desta
concepção é um pouco mais contundente o fato de que a passagem da Idade
Média que muitas vezes foi considerada, inconsistentemente é claro, como
Idade das Trevas em apologia a suposta baixíssima quantidade e qualidade
produção cultural-intelectual, para uma Idade Moderna onde vemos como
característica a nova lógica realista e humanista como sendo um processo
complexo, demorado e político em primazia.
Existem razões tácitas para que a Itália seja o berço deste
renascimento de cultura na Europa. O fim do sistema feudal, tanto no quesito
socioeconômico quanto ao político, deu-se de formas diferentes ao longo do
continente. Enquanto na França, Espanha e Inglaterra o fim dos feudos trariam
quase que naturalmente monarquias unificadas, na Itália tanto pelos atritos
entre o papado e os Hohenstoufen sobre a governança no Sacro Império
Romano-germânico, quanto às lutas nas comunidades citadinas contra os
senhores feudais tornariam a Itália como pioneira num fenômeno que logo
tomaria a Europa Moderna: as cidades-estado e repúblicas independentes13.
Nas preliminares da renascença, muitas cidades já tinham grau
considerável de autonomia, e tinham como característica regras comunitárias
12Marx,
13Neste
K (1980) O capital. São Paulo, Abril Cultural, v.1, p. 81-257.
período, foi na Itália que surgiu o costume de chamar o governante, seus dependentes
e funcionários como lo Stato, o que viria a adquirir posteriormente o significado de um conjunto
em determinado território, o Estado.
que garantiriam participação popular no governo e na administração da
emergente República. O problema principal a ser salientado nesta parte é que
com o progresso econômico nestas cidades atrapalharia este sentimento de
solidariedade entre as classes. Nestes moldes aparecem as instituições e
famílias mais ricas que promoveriam manipulação política e corrupção de
diversas formas, além das atrocidades que viriam a ocorrer nos despotismos
instaurados nestas cidades no século XIV. É consequente desta nova
organização mercantil interna que os comerciários mais ricos participem do
governo para obter controle tanto dos preços, promoção de hegemonias de
comércio e rebaixamento de salários, o que traria novos conflitos internos, e
também externos levando em consideração que o assunto é o comércio, rotas
mercantis, mercadorias e mercados.
Esses conflitos demandavam força militar das cidades, o que as levaria
a nomear um chefe militar, o podestà, que controlaria tropas mercenárias para
os combates. Por sua vez, os podestàs contratariam os serviços destas tropas
com os chamados condottieris, que eram empresários militares que alugavam
suas tropas ao melhor preço possível. A derivada inevitável desta equação
certamente são os podestàs assumindo mais e mais poderio político nas
cidades que os haviam nomeado, e posteriormente perder este poder aos
condottieri que usariam a força e a usurpação para chegar ao poder.
Voltando a meados do século XIV os governos então, com todo este
processo de passagem, teriam muitas peculiaridades. Por causa do número
crescente de usurpações e traições na corte, e também pela necessidade de
autoafirmação em diversos aspectos, aproximava o tirano de intelectuais e
artistas que o poderiam servir com o que ele ansiava neste momento: fama e
obras monumentais. Era afirmado na época que ele, o príncipe, precisava do
talento, e não do nascimento nobre para suas determinações. Segue um
enxerto interessante de Burckhardt:
[...] Aqui se segue, elaborada em detalhes, a ficção puramente
moderna da onipotência do Estado. O príncipe deve tomar tudo a se
cuidado, manter e restaurar igrejas e prédios públicos, prover a
polícia municipal, drenar os pântanos, cuidar dos estoques de vinho e
cereais; distribuir os impostos de tal modo que o povo possa
reconhecer sua necessidade; deve sustentar os doentes e os
incapazes, e dar sua proteção e companhia aos sábios famosos, dos
quais dependerá sua fama nas eras futuras.[...]14
Mesmo com intelectuais por perto, toda a pompa e circunstância, toda
poderio, ainda era muito difícil se manter no poder, ainda mais em um contexto
em que constantes tentativas externas de subjulgar a outrem são cotidianas.
Esta pressão não poderia resultar em algo diferente à grande fermentação
interna, inchaço nas relações sociais e familiares, já que muitos governos se
manteriam por dinastias. Destas famílias vinha todo tipo de traição e
usurpações. Métodos para manter ou tirar quem fosse de interesse a partes do
clã eram os piores possíveis: declaravam que certos membros eram bastardos
e os baniam, confisco de bens e em casos extremos até derramamentos de
sangue horrendos, e até do próprio príncipe, que por vezes era para salvar a
família e mantê-la no poder já que haviam sido cometidas tantas atrocidades.
Toda esta trama governamental causava grande inspiração aos
escritores florentinos, que por vezes era o do maior sarcasmo possível e de
enojamento com os acontecimentos. Para exemplificar usa-se o emérito novorico Doge Agnello de Pisa (1364), que saia do seu palácio a exibir-se na janela
com um cetro de ouro, deitado sobre almofadas, sendo servido de joelhos por
seus empregados, clara alusão aos reis e maiorais medievos.
Quem estivesse a serviço do deposta à época, havia-se a certeza do
repúdio popular, havia um espírito de pena e de inimizade implícita. Uma das
explicações, para irmos além do fato do deposta ser tirano e sanguinário, seria
o esforço de dominação por todos os meios ao povo. Assegurando a si
monopólios mercantis, vendendo cargos públicos, e a até mesmo em Florença,
onde havia um espírito ávido de desenvolvimento da individualidade humana,
teria sido criado um sistema de passaportes para controle de quem saia e
quem vinha. Outro exemplo interessante é o fato de a Universidade de Napoles
ter sido a primeira no mundo a restringir a liberdade do estudo, ou seja, sem
possibilidades de estudar outras tendências teóricas ou técnicas fora da Itália.
14
Burckhardt, Jacob. A cultura do Renascimento na Itália: Um ensaio. Brasília: UNB, 1991.
Pag. 07.
Veneza e Florença: As repúblicas em desenvolvimento constante
Dentre as várias cidades na Itália, com certeza devem-se destacar
duas: Veneza, a cidade das inovações científicas e da estabilidade aparente, e
Florença, o coração do renascimento, a cidade das mudanças e do humanismo
aflorado.
Entre assuntos que merecem destaque quanto à Veneza com certeza
está seu nível organizacional e sua credibilidade com o povo e com os
empregados. Instituições públicas de todos os gêneros buscavam em Veneza
seus modelos, seus métodos de controle eram eficazes e sua contabilidade
exata. O povo também dava extrema credibilidade ao governo, exemplo é o
respeito do veneziano quanto as decisões e sentenças da República. Na
verdade Burckhardt afirma até que nenhum outro Estado jamais exerceu tanta
influencia moral sobre seus súditos quanto Veneza. Aqui vemos um genuíno
Estado resultante do mais frio calculo e reflexão. Resultante destes
pensamentos Veneza pode se destacar no cenário Italiano, havia um censo de
isolamento orgulhoso devido a sua inteligência política e sua capacidade de
monopolizar várias áreas. Este espírito de orgulho de ser veneziano traz ainda
mais um aspecto positivo ao Estado, já que todo veneziano se tornaria um
espião nato e passaria informações constantes ao governo.
Veneza sobre tudo era uma cidade comerciante, enquanto em outros
locais o desejo era ter poder concentrado e poder ostentar suas riquezas, em
Veneza desejava-se o gozo da vida e do poder e a criação de mais e mais
comércios e crescimento da lucratividade. Embora todo este sucesso
econômico e inovações, Veneza não se destacaria no renascimento até o final
do século XV. A produção literária era baixa, e não havia grande expressão nas
artes plásticas. Veneza por muito tempo importou conhecimento e profissionais
da universidade de Pádua onde haviam grandes salários vindos do exterior. A
última observação a ser feita sobre Veneza são seus constantes desafios ao
papado considerando que todos os cargos eclesiásticos importantes ali seriam
nomeados pelo governo. E neste aspecto do espírito católico-romano, vemos
que o governo efetuavam grandes investimentos em compras de relíquias e
artefatos, principalmente vindos da Grécia que havia sido derrotada pelos
turcos. Vemos ai então um claro envolvimento entre o Estado e a Eclésia que
para Veneza claramente tinha como finalidade agradar aos súditos.
Florença é considerada ainda nos tempos atuais como primeiro Estado
Moderno, com o mais alto pensamento intelectual e produção cultural. Para
analisar o lado sociopolítico, podemos citar o grande espírito crítico da
população em geral, que é usualmente explicado pelas constantes disputas
acirradas entre partidos políticos. Outro ponto a se deixar pontuado é a
relevância do desenvolvimento da ciência econômica em Florença. Enquanto
Veneza é considerada o berço da ciência estatística e de contabilidades,
Florença se destaca deixando registrando dados precisos sobre diversos fatos,
como a riqueza do corte, registros dos colossais empréstimos tomados da
Inglaterra, registros dos gastos da corte, registro da população calculada a
partir do consumo diário de pão e dados de frequência em escolas, registro do
numero de leitos no hospital.
Por fim ainda é imprescindível citar o nome de Nicolau Maquiável,
grande teórico político do renascimento, em sua obra Storie fiorentine (até
1492) na qual ele nomeia sua cidade natal como um organismo vivo com
desenvolvimento natural e humanista, individual.
O RENASCER DA CULTURA
Esta nova camada social, chamada burguesia, essencialmente
mercante, e proveniente dos feudos como já foi exposto, precisaria combater
estereótipos da cultura medieval, na qual estes novos mercadores eram uma
porção inferior, pobre e desfavorecida em todas as relações sociais. Assim, as
famílias, dinastias ilegítimas muitas vezes, começaram a investir parte de suas
riquezas em construção de palácios monumentais, brasões de ouro, estátuas
etc. Estas pessoas então financiavam as obras artísticas das mais variadas
áreas; chamavam-se estes financiadores como Maecenas, ou mecenas no
italiano popular. Essencialmente, o que eles deveriam transmitir com estas
diversas obras era a nova visão progressista, humanista e racional; nem
sempre eles apareciam nas obras, e isso tornava a hegemonia mais implícita e
complexa. Este conflito cultural, do novo com o clássico, claramente representa
a luta sociopolítica da burguesia com o clero e nobreza.
Esta arte que resurgia como uma fênix das cinzas, era uma arte
científica, pesquisadora, com engenhosas invenções e aperfeiçoamentos. Ao
mesmo tempo eram conquistados os campos da física, da matemática, da
estatística, da engenharia mecânica, pesquisas atômicas e muitas outras
coisas deste período dourado.
A análise se seguirá pela divisão tradicional do Renascimento, em uma
fase por século, sendo do XIV ao XVI, respectivamente, Trecènto,
Quattrocèntro e Cinquecènto.
Trecènto
Este período é conhecido como o pré-renascimento, ou protorenascimento, já que marca o início do período, onde temos grandes
montantes de dinheiro direcionados as culturas, já que o era tão raro e a
necessidade era tácita. Marcam este período ilustres nomes como Dante,
Petrarca, Boccaccio, Cimabue, Duccio e Giotto. O centro desta produção era
Florença, lá foi abandonado aos poucos a cultura bizantina, indo para o
cromatismo, gótico, real, muitas vezes fugindo da religião em busca da
expressão da realidade mais exata possível. Após a morte de Giotto, Florença
entre numa decadência de produção artística, que seria resgatada anos depois
pela pequena cidade de Siena, que traria uma nova visão importantíssima a
arte ocidental, a paisagem ao fundo da pintura. Ponto importante a destacar
neste período são os claros atritos entre as produções de pinturas e as
produções literárias, já que as pinturas eram realizadas por camadas mais
populares, e dirigidas à burguesia ascendente, e a literatura era classicamente
aristocrata.
Quattrocènto
Este período sem dúvidas é o de grandes realizações, em todos os
aspectos da palavra. O começo do século XV marca o retorno de Florença a
liderança na produção cultural, marca a ascensão dos Mèdici, grande dinastia
que viria a ser uma das maiores financiadores da arte no tempo, a quem
merece especial observação Lorenzo Medici,, O magnífico. No governo de
Lorenzo foi criada a Academia Platônica de Florença, e inaugurou a Catedral
de Santa Maria Del Fiori, a mais significativa construção renascentista até
então.
Cinquecènto
Este período é sem dúvida o auge no quesito da mais alta elaboração
das obras no renascimento. Apesar da instabilidade política que se havia na
península itálica e também no império turco devido aos intentos espanoportugueses de conquistas nas Américas e também em sua chegada nas
índias e a quebra do monopólio. Mesmo dentre este caos político e depressão
econômica, o papado ainda tinha forças, muitas vezes maiores do que a de
outras cidades, e gozava de um ambiente luxuoso e ostensivo. Foi neste
contexto que fora construída a nova Basílica de São Pedro e a decoração do
Palácio do Vaticano. O nome da arte arquitetônica aqui é Bramante, pupilo de
Brunelleschi.
Na pintura os marcos seriam Leonardo da Vinci, Michelangelo e Rafael,
que seriam capazes de fazer com que seus antecessores fossem chamados de
pré-renascentistas devido a suas obras magníficas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O intento da redação deste artigo é sem dúvida clarificar as relações
sociais e levantes históricos que resultaram na primeira arte nos moldes que se
é conhecido hoje. Fica tácito que a arte neste período se desenvolveu muito
devido aos conflitos sociais, principalmente devido à ascensão da burguesia na
Itália. O esforço para se tender ao antropocentrismo, ao realismo e humanismo
nesta época, não era tão somente uma vertente artística, mas a clara repulsa
aos princípios que dominavam a Itália, o cristianismo, e mais especificamente o
catolicismo romano regido pelos papas.
Talvez muitos artistas ficassem desapontados ao descobrirem os reais
intentos da época que aqui foram expostos. Também necessita-se deixar
explicito que os artistas não foram avaliados individualmente, o que traz uma
generalidade que é necessária para levantar teorias para estabelecer pesquisa
e métodos de análise. É claro que ao analisarmos Rafael em sua harmoniosa
obra, suave segura de si, não iremos de todo modo dizer que ele produzia com
intentos econômicos, mas também não podemos negar o contexto que o
circundava. Michelangelo talvez seja um exemplo um pouco melhor desta
pontuação. Ele, muito afeiçoado às artes manuais, especialmente a escultura,
buscava incessantemente retratar a tensão que se instalava entre a corpo e o
espírito, a carne e alma, entre o quieto e inquieto. Este espírito inquieto de
Michelangelo testificado em suas obras, mostra sua própria inquietação, seus
próprios conflitos interiores. Como falar que Michelangelo foi um simples servo
do papado nas pinturas magníficas da Capela Sistina?
Aqui ficam registrados como a cultura, no mais amplo sentido do termo,
é influenciada pelas relações sociais e muitas vezes diretamente pela
econômica, mas também, como o maravilhoso espírito artístico está cravado na
história, e que a estagnação não está nele. A arte explica-se por si só, não há
quem possa pará-la. “Se os artistas não puderem produzir, as pedras o farão”!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GOMBRICH, Ernst Hans. A História da Arte. 16a. ed. São Paulo: editora LTC,
1999.
ARRIGHI, Giovanni. O longo Século XX: Dinheiro, Poder e as Origens de
nosso Tempo. 5a. ed. São Paulo: Contraponto, 2005.
JAMES, Horst Woldemar. História Geral da Arte: Renascimento e Barroco. São
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BURCKHARDT, Jacob. A cultura do Renascimento na Itália: Um Ensaio.
Brasília: UNB, 2009.
SEVCENKO, Nicolau. O Renascimento. Campinas: UNICAMP, 1984.
MAQUIAVEL, Nicolau. História Florentina. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa, 3.ª ed., Curitiba: Positivo, 2004.
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