A cultura do Renascimento: O consumo ostensivo de bens culturais em Veneza e Florença* Andrew Gabriel Araujo Correa** Resumo: O artigo aqui apresentado tem como objetivo abarcar o período histórico compreendido entre os séculos XV e XVI, denominado como período de renascimento artístico, em apologia à produção artística medieval. Os focos da análise são os mecanismos de difusão e produção cultural praticados nas cidades-estado Veneza e Florença na Península Itálica no período citado. Palavras-chave: Cultura, Renascimento, Veneza, Florença, Mecenas. Abstract: This article here presented aims to understand the historical period between XV and XVI centuries, known as the period of artistic renaissance in apology to medieval artistic production. The analysis focus are the mechanisms of diffusion and production of culture practiced in city-states Venice and Florence in Italian peninsula in mentioned period. Key-Words: Culture, Renaissance, Venice, Florence, Maecenas. “Viver o presente sem conhecer o passado, é viver no escuro”*** * Trabalho de conclusão da disciplina de História das Relações Internacionais I, do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo, elaborado durante o segundo semestre de 2013 sob orientação do Prof. Dr. Rodrigo Medina Zagni. **Graduando do segundo termo do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); Pianista formado pela Escola Municipal de Música de São Paulo (EMM-SP) e formado no curso de Interpretação Artística Histórica na Escola de Música do Estado de São Paulo (EMESP). ***Uma história de Amor e Fúria. Luiz Bolognesi. Europa Filmes, 2013. A RENASSENÇA: UMA NOVA CONCEPÇÃO NO MUNDO O Renascimento é um tema de difícil análise; exemplo disso é perceber como ainda milhões de pessoas se deslocam para visitar suas mais exímias produções, como a digníssima Mona Lisa¹ de Leonardo da Vinci², ou os maravilhosos afrescos de Michelangelo³ no teto da Capela Sistina4. Obras incontáveis e pensamentos inovadores marcaram esta época, principalmente na Península itálica, de onde daremos destaque a Veneza e Florença como os dois maiores centros deste processo. A palavra Renascimento provém do latim Re-Nasci(Nascer de novo)5, e para algo nascer de novo, é preciso entender que este algo esteve morto, ou pelo menos adormecido. É daí que vem o conceito primordial de Renascimento Cultural: uma nova percepção de algo que esteve dormente, uma nova perspectiva não só cultural, pode-se, porém, afirmar que esta ultima é fruto de um processo de mudanças de cunho político, econômico e social, intrínsecas a um espírito realista e humanista que surgia. Deste cenário vê-se a formação do moderno espírito europeu de política e um pouco mais tarde todo o espírito ocidental. Digna de ser mencionada como um dos principais fatores para toda esta mudança é a nova camada social em surgimento, muito conhecida e discutida no meio acadêmico desde então, a burguesia. Esta nova classe social obviamente precisaria combater a cultura medieval, desconstruir imaginários de nobreza, grandes dinastias hereditárias, honra ao sangue para eleição à cargos públicos, cargos eclesiásticos poderosos em mãos dos nobres, entre outras ¹ Leonardo di Ser Pierro da Vinci (15 de abril de 1452 – 02 de maio de 1519) foi um dos expoentes mais expressivos do Alto-Renascimento. ² Mona Lisa, c. 1503-05. Painel, 0,77 x 0,53 m. Museu do Louvre, Paris-França. ³ Michelangelo di Ludovico Buonarroti Simoni (06 de março de 1475 – 18 de fevereiro de 1564) também é um grande nome proveniente do Pleno e Alto-Renascimento, conhecido ainda em vida como “Divino” em apologia a suas grandiosas obras. Também foi um dos primeiros artistas ocidentais a terem biografia publicada quando ainda eram vivos. 4 A capela Sistina encontra-se no Vaticano, no Palácio Apostólico que é residência oficial do Papa.Michelangelo pintou, pelo menos, toda a superfície da abóbada da capela. 5 SARAIVA, F. R. dos Santos. Novíssimo dicionário latino-português. 10a ed. Rio de Janeiro: Livraria Garnier, 1993. coisas. Tudo isso porque na concepção medieval eles eram uma simples, comum e inferior porção da população. É partir deste principio que se embasará toda uma geração de produção artístico-cultural. Para prosseguir a análise e aprofundá-la é preciso definir exatamente dois pontos: Os conceitos de cultura e de hegemonia. Isto ampliará nossa visão sobre o tema e auxiliará no entendimento dos fenômenos a serem expostos em seguida. Dos Conceitos de Cultura e Hegemonia Definir cultura é realmente uma tarefa muito difícil e pode se demonstrar falha se tentar-se levá-la a aplicação em diferentes realidades, ou mesmo em diferentes corpos sociais. Para trabalharmos com algo mais palpável, será necessário recorrermos ao sentido etimológico de cultura, conforme segue: [...] 7. Aplicação do espírito a uma coisa; estudo. 8. Desenvolvimento que, por cuidados assíduos, se dá às faculdades naturais. 9. Desenvolvimento intelectual. 10. Adiantamento, civilização. (...) 13. Sociológico: Sistema de ideias, conhecimentos, técnicas e artefatos, de padrões de comportamento e atitudes que caracteriza uma determinada sociedade. 14. Antropológico: Estado ou estágio do desenvolvimento cultural de um povo ou período, caracterizado pelo conjunto das obras, instalações e objetos criados pelo homem desse povo ou período; conteúdo social. 15. Arqueológico: Conjunto de remanescentes recorrentes, como artefatos, tipos de casas, métodos de sepultamento e outros testemunhos de um modo de vida que diferenciam um grupo de sítios arqueológicos. [...]6 Percebe-se que dos conceitos que nos são proveitosos e pertinentes observa-se que a cultura não é algo comum e invariável, pelo contrário, é 6 Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 3.ª ed., Curitiba: Positivo, 2004. Pag. 381 7 Pierre Clastres (07 de maio de 1934 – 29 de Julho de 1977) foi um célebre antropólogo francês que é conhecido pelas pesquisas sobre liberdade antropológica e sobre os índios Guyaki. Vide: CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. 3a. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2012. 8Marshall David Sahlins (27 de Dezembro de 1930), nosso contemporâneo e antropólogo estadunidense, foca sua pesquisa na cultura e como ela se dá no meio social. singular no mais restrito sentido da palavra quanto ao que se produz e ao que se conhece. É interessante sobre este tema específico a análise de dois exímios antropólogos: Pierre Clastres7 e Marshall Sahlins8 do qual extraímos um enxerto interessante: [...] As culturas são formas de vida relativas e históricas, cada qual com uma validade particular, sem uma necessidade universal (...) as coisas físicas têm causas, mas as coisas humanas têm razões – razões simbólicas construídas, mesmo quando são fisicamente causadas[...]9 A partir deste conceito adquirido sobre o termo “cultura”, é apropriado ainda antes de mergulharmos no Renascimento italiano, citar e compreender o amplo termo “hegemonia” e, para isso será utilizada a ótica de Giovanni Arrighi10 transcrita no livro “O longo Século XX. Dinheiro, Poder e as origens de nosso tempo”. Para Arrighi hegemonizar, ou o ato de exercer hegemonia, não é simplesmente um fenômeno social de liderança, no qual determinados polos da esfera social se submetem espontaneamente ou, circunstancialmente ao governo de outro determinado pólo, como discorreu Montesquieu: [...]Tal como a virtude é necessária numa república e a honra necessária numa monarquia, o Medo é necessário num governo despótico; nesse governo, a virtude é totalmente desnecessária, e a honra, perigosa.[...]11 Fica estabelecido, então, que para Arrighi o conceito refere-se a associação do poder à dominação, no qual a liderança intelectual, moral e, também cultural é a ampliação e culminância destes esforços. Segue, agora, a exposição dos fatos históricos a serem analisados. 9Sahlins, Marshall. Cultura na Prática. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004. Pag. 30 Arrighi (07 de Julho de 1937 – 20 de Junho de 2009) foi um economista neoclássico e sociólogo de notoriedade. Ficou conhecido pelas suas pesquisas sobre a crise mundial e sua análise sobre a decadência dos Estados Unidos. Vide: Arrighi, Giovanni. O longo Século XX: Dinheiro, Poder e as Origens de nosso Tempo. 5a. ed. São Paulo: Contraponto, 2005. 10 Giovanni 11 Montesquieu, Charles de Secondat. Do espírito das Leis. 3a. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Pag. 221 CONTEXTO SOCIOPOLÍTICO Da passagem do medieval aos despotismos do inicio do renascimento na Península Marcos na história, e neste caso a passagem de uma época à outra, em sua esmagadora maioria não se dão com naturalidade, mas sim por um processo de contraposição e resurgimento. Como se vê exposto na obra de Karl Marx nomeia-se isto como materialismo histórico-dialético12. A partir desta concepção é um pouco mais contundente o fato de que a passagem da Idade Média que muitas vezes foi considerada, inconsistentemente é claro, como Idade das Trevas em apologia a suposta baixíssima quantidade e qualidade produção cultural-intelectual, para uma Idade Moderna onde vemos como característica a nova lógica realista e humanista como sendo um processo complexo, demorado e político em primazia. Existem razões tácitas para que a Itália seja o berço deste renascimento de cultura na Europa. O fim do sistema feudal, tanto no quesito socioeconômico quanto ao político, deu-se de formas diferentes ao longo do continente. Enquanto na França, Espanha e Inglaterra o fim dos feudos trariam quase que naturalmente monarquias unificadas, na Itália tanto pelos atritos entre o papado e os Hohenstoufen sobre a governança no Sacro Império Romano-germânico, quanto às lutas nas comunidades citadinas contra os senhores feudais tornariam a Itália como pioneira num fenômeno que logo tomaria a Europa Moderna: as cidades-estado e repúblicas independentes13. Nas preliminares da renascença, muitas cidades já tinham grau considerável de autonomia, e tinham como característica regras comunitárias 12Marx, 13Neste K (1980) O capital. São Paulo, Abril Cultural, v.1, p. 81-257. período, foi na Itália que surgiu o costume de chamar o governante, seus dependentes e funcionários como lo Stato, o que viria a adquirir posteriormente o significado de um conjunto em determinado território, o Estado. que garantiriam participação popular no governo e na administração da emergente República. O problema principal a ser salientado nesta parte é que com o progresso econômico nestas cidades atrapalharia este sentimento de solidariedade entre as classes. Nestes moldes aparecem as instituições e famílias mais ricas que promoveriam manipulação política e corrupção de diversas formas, além das atrocidades que viriam a ocorrer nos despotismos instaurados nestas cidades no século XIV. É consequente desta nova organização mercantil interna que os comerciários mais ricos participem do governo para obter controle tanto dos preços, promoção de hegemonias de comércio e rebaixamento de salários, o que traria novos conflitos internos, e também externos levando em consideração que o assunto é o comércio, rotas mercantis, mercadorias e mercados. Esses conflitos demandavam força militar das cidades, o que as levaria a nomear um chefe militar, o podestà, que controlaria tropas mercenárias para os combates. Por sua vez, os podestàs contratariam os serviços destas tropas com os chamados condottieris, que eram empresários militares que alugavam suas tropas ao melhor preço possível. A derivada inevitável desta equação certamente são os podestàs assumindo mais e mais poderio político nas cidades que os haviam nomeado, e posteriormente perder este poder aos condottieri que usariam a força e a usurpação para chegar ao poder. Voltando a meados do século XIV os governos então, com todo este processo de passagem, teriam muitas peculiaridades. Por causa do número crescente de usurpações e traições na corte, e também pela necessidade de autoafirmação em diversos aspectos, aproximava o tirano de intelectuais e artistas que o poderiam servir com o que ele ansiava neste momento: fama e obras monumentais. Era afirmado na época que ele, o príncipe, precisava do talento, e não do nascimento nobre para suas determinações. Segue um enxerto interessante de Burckhardt: [...] Aqui se segue, elaborada em detalhes, a ficção puramente moderna da onipotência do Estado. O príncipe deve tomar tudo a se cuidado, manter e restaurar igrejas e prédios públicos, prover a polícia municipal, drenar os pântanos, cuidar dos estoques de vinho e cereais; distribuir os impostos de tal modo que o povo possa reconhecer sua necessidade; deve sustentar os doentes e os incapazes, e dar sua proteção e companhia aos sábios famosos, dos quais dependerá sua fama nas eras futuras.[...]14 Mesmo com intelectuais por perto, toda a pompa e circunstância, toda poderio, ainda era muito difícil se manter no poder, ainda mais em um contexto em que constantes tentativas externas de subjulgar a outrem são cotidianas. Esta pressão não poderia resultar em algo diferente à grande fermentação interna, inchaço nas relações sociais e familiares, já que muitos governos se manteriam por dinastias. Destas famílias vinha todo tipo de traição e usurpações. Métodos para manter ou tirar quem fosse de interesse a partes do clã eram os piores possíveis: declaravam que certos membros eram bastardos e os baniam, confisco de bens e em casos extremos até derramamentos de sangue horrendos, e até do próprio príncipe, que por vezes era para salvar a família e mantê-la no poder já que haviam sido cometidas tantas atrocidades. Toda esta trama governamental causava grande inspiração aos escritores florentinos, que por vezes era o do maior sarcasmo possível e de enojamento com os acontecimentos. Para exemplificar usa-se o emérito novorico Doge Agnello de Pisa (1364), que saia do seu palácio a exibir-se na janela com um cetro de ouro, deitado sobre almofadas, sendo servido de joelhos por seus empregados, clara alusão aos reis e maiorais medievos. Quem estivesse a serviço do deposta à época, havia-se a certeza do repúdio popular, havia um espírito de pena e de inimizade implícita. Uma das explicações, para irmos além do fato do deposta ser tirano e sanguinário, seria o esforço de dominação por todos os meios ao povo. Assegurando a si monopólios mercantis, vendendo cargos públicos, e a até mesmo em Florença, onde havia um espírito ávido de desenvolvimento da individualidade humana, teria sido criado um sistema de passaportes para controle de quem saia e quem vinha. Outro exemplo interessante é o fato de a Universidade de Napoles ter sido a primeira no mundo a restringir a liberdade do estudo, ou seja, sem possibilidades de estudar outras tendências teóricas ou técnicas fora da Itália. 14 Burckhardt, Jacob. A cultura do Renascimento na Itália: Um ensaio. Brasília: UNB, 1991. Pag. 07. Veneza e Florença: As repúblicas em desenvolvimento constante Dentre as várias cidades na Itália, com certeza devem-se destacar duas: Veneza, a cidade das inovações científicas e da estabilidade aparente, e Florença, o coração do renascimento, a cidade das mudanças e do humanismo aflorado. Entre assuntos que merecem destaque quanto à Veneza com certeza está seu nível organizacional e sua credibilidade com o povo e com os empregados. Instituições públicas de todos os gêneros buscavam em Veneza seus modelos, seus métodos de controle eram eficazes e sua contabilidade exata. O povo também dava extrema credibilidade ao governo, exemplo é o respeito do veneziano quanto as decisões e sentenças da República. Na verdade Burckhardt afirma até que nenhum outro Estado jamais exerceu tanta influencia moral sobre seus súditos quanto Veneza. Aqui vemos um genuíno Estado resultante do mais frio calculo e reflexão. Resultante destes pensamentos Veneza pode se destacar no cenário Italiano, havia um censo de isolamento orgulhoso devido a sua inteligência política e sua capacidade de monopolizar várias áreas. Este espírito de orgulho de ser veneziano traz ainda mais um aspecto positivo ao Estado, já que todo veneziano se tornaria um espião nato e passaria informações constantes ao governo. Veneza sobre tudo era uma cidade comerciante, enquanto em outros locais o desejo era ter poder concentrado e poder ostentar suas riquezas, em Veneza desejava-se o gozo da vida e do poder e a criação de mais e mais comércios e crescimento da lucratividade. Embora todo este sucesso econômico e inovações, Veneza não se destacaria no renascimento até o final do século XV. A produção literária era baixa, e não havia grande expressão nas artes plásticas. Veneza por muito tempo importou conhecimento e profissionais da universidade de Pádua onde haviam grandes salários vindos do exterior. A última observação a ser feita sobre Veneza são seus constantes desafios ao papado considerando que todos os cargos eclesiásticos importantes ali seriam nomeados pelo governo. E neste aspecto do espírito católico-romano, vemos que o governo efetuavam grandes investimentos em compras de relíquias e artefatos, principalmente vindos da Grécia que havia sido derrotada pelos turcos. Vemos ai então um claro envolvimento entre o Estado e a Eclésia que para Veneza claramente tinha como finalidade agradar aos súditos. Florença é considerada ainda nos tempos atuais como primeiro Estado Moderno, com o mais alto pensamento intelectual e produção cultural. Para analisar o lado sociopolítico, podemos citar o grande espírito crítico da população em geral, que é usualmente explicado pelas constantes disputas acirradas entre partidos políticos. Outro ponto a se deixar pontuado é a relevância do desenvolvimento da ciência econômica em Florença. Enquanto Veneza é considerada o berço da ciência estatística e de contabilidades, Florença se destaca deixando registrando dados precisos sobre diversos fatos, como a riqueza do corte, registros dos colossais empréstimos tomados da Inglaterra, registros dos gastos da corte, registro da população calculada a partir do consumo diário de pão e dados de frequência em escolas, registro do numero de leitos no hospital. Por fim ainda é imprescindível citar o nome de Nicolau Maquiável, grande teórico político do renascimento, em sua obra Storie fiorentine (até 1492) na qual ele nomeia sua cidade natal como um organismo vivo com desenvolvimento natural e humanista, individual. O RENASCER DA CULTURA Esta nova camada social, chamada burguesia, essencialmente mercante, e proveniente dos feudos como já foi exposto, precisaria combater estereótipos da cultura medieval, na qual estes novos mercadores eram uma porção inferior, pobre e desfavorecida em todas as relações sociais. Assim, as famílias, dinastias ilegítimas muitas vezes, começaram a investir parte de suas riquezas em construção de palácios monumentais, brasões de ouro, estátuas etc. Estas pessoas então financiavam as obras artísticas das mais variadas áreas; chamavam-se estes financiadores como Maecenas, ou mecenas no italiano popular. Essencialmente, o que eles deveriam transmitir com estas diversas obras era a nova visão progressista, humanista e racional; nem sempre eles apareciam nas obras, e isso tornava a hegemonia mais implícita e complexa. Este conflito cultural, do novo com o clássico, claramente representa a luta sociopolítica da burguesia com o clero e nobreza. Esta arte que resurgia como uma fênix das cinzas, era uma arte científica, pesquisadora, com engenhosas invenções e aperfeiçoamentos. Ao mesmo tempo eram conquistados os campos da física, da matemática, da estatística, da engenharia mecânica, pesquisas atômicas e muitas outras coisas deste período dourado. A análise se seguirá pela divisão tradicional do Renascimento, em uma fase por século, sendo do XIV ao XVI, respectivamente, Trecènto, Quattrocèntro e Cinquecènto. Trecènto Este período é conhecido como o pré-renascimento, ou protorenascimento, já que marca o início do período, onde temos grandes montantes de dinheiro direcionados as culturas, já que o era tão raro e a necessidade era tácita. Marcam este período ilustres nomes como Dante, Petrarca, Boccaccio, Cimabue, Duccio e Giotto. O centro desta produção era Florença, lá foi abandonado aos poucos a cultura bizantina, indo para o cromatismo, gótico, real, muitas vezes fugindo da religião em busca da expressão da realidade mais exata possível. Após a morte de Giotto, Florença entre numa decadência de produção artística, que seria resgatada anos depois pela pequena cidade de Siena, que traria uma nova visão importantíssima a arte ocidental, a paisagem ao fundo da pintura. Ponto importante a destacar neste período são os claros atritos entre as produções de pinturas e as produções literárias, já que as pinturas eram realizadas por camadas mais populares, e dirigidas à burguesia ascendente, e a literatura era classicamente aristocrata. Quattrocènto Este período sem dúvidas é o de grandes realizações, em todos os aspectos da palavra. O começo do século XV marca o retorno de Florença a liderança na produção cultural, marca a ascensão dos Mèdici, grande dinastia que viria a ser uma das maiores financiadores da arte no tempo, a quem merece especial observação Lorenzo Medici,, O magnífico. No governo de Lorenzo foi criada a Academia Platônica de Florença, e inaugurou a Catedral de Santa Maria Del Fiori, a mais significativa construção renascentista até então. Cinquecènto Este período é sem dúvida o auge no quesito da mais alta elaboração das obras no renascimento. Apesar da instabilidade política que se havia na península itálica e também no império turco devido aos intentos espanoportugueses de conquistas nas Américas e também em sua chegada nas índias e a quebra do monopólio. Mesmo dentre este caos político e depressão econômica, o papado ainda tinha forças, muitas vezes maiores do que a de outras cidades, e gozava de um ambiente luxuoso e ostensivo. Foi neste contexto que fora construída a nova Basílica de São Pedro e a decoração do Palácio do Vaticano. O nome da arte arquitetônica aqui é Bramante, pupilo de Brunelleschi. Na pintura os marcos seriam Leonardo da Vinci, Michelangelo e Rafael, que seriam capazes de fazer com que seus antecessores fossem chamados de pré-renascentistas devido a suas obras magníficas. CONSIDERAÇÕES FINAIS O intento da redação deste artigo é sem dúvida clarificar as relações sociais e levantes históricos que resultaram na primeira arte nos moldes que se é conhecido hoje. Fica tácito que a arte neste período se desenvolveu muito devido aos conflitos sociais, principalmente devido à ascensão da burguesia na Itália. O esforço para se tender ao antropocentrismo, ao realismo e humanismo nesta época, não era tão somente uma vertente artística, mas a clara repulsa aos princípios que dominavam a Itália, o cristianismo, e mais especificamente o catolicismo romano regido pelos papas. Talvez muitos artistas ficassem desapontados ao descobrirem os reais intentos da época que aqui foram expostos. Também necessita-se deixar explicito que os artistas não foram avaliados individualmente, o que traz uma generalidade que é necessária para levantar teorias para estabelecer pesquisa e métodos de análise. É claro que ao analisarmos Rafael em sua harmoniosa obra, suave segura de si, não iremos de todo modo dizer que ele produzia com intentos econômicos, mas também não podemos negar o contexto que o circundava. Michelangelo talvez seja um exemplo um pouco melhor desta pontuação. Ele, muito afeiçoado às artes manuais, especialmente a escultura, buscava incessantemente retratar a tensão que se instalava entre a corpo e o espírito, a carne e alma, entre o quieto e inquieto. Este espírito inquieto de Michelangelo testificado em suas obras, mostra sua própria inquietação, seus próprios conflitos interiores. Como falar que Michelangelo foi um simples servo do papado nas pinturas magníficas da Capela Sistina? Aqui ficam registrados como a cultura, no mais amplo sentido do termo, é influenciada pelas relações sociais e muitas vezes diretamente pela econômica, mas também, como o maravilhoso espírito artístico está cravado na história, e que a estagnação não está nele. A arte explica-se por si só, não há quem possa pará-la. “Se os artistas não puderem produzir, as pedras o farão”! REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GOMBRICH, Ernst Hans. A História da Arte. 16a. ed. São Paulo: editora LTC, 1999. 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