Objeto, Eleição e Justificativa O Fervo é Protesto

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PROJETO DE CURTA DOCUMENTAL - LINHA 3 /EDITAL SPCINE
O FERVO É PROTESTO
DIREÇÃO E ROTEIRO - ADRIANA COUTO
“Remonta o amor
Remonta, remonta"
(Liniker)
O curta documental "O FERVO É PROTESTO" se infiltra no
bastidor empoderado e lacrador do Projeto Salada das
Frutas. Um show-celebração de novos artistas da cena
independente e que impõem - pelo talento e destaque na
música brasileira - uma discussão de gênero e identidade.
Em cena, a rapper Tássia Reis, a cantora e compositora
Liniker, além de Raquel Virgínia e Assucena Assucena,
vocalistas da banda As Bahias e a Cozinha Mineira.
Quando uma mulher negra, um homem gay que se identifica com
o gênero feminino e duas mulheres transgênero cantam em um
mesmo palco, muitas questões silenciadas na sociedade
ganham voz. O filme O FERVO É PROTESTO está interessado nas
falas e pensamentos destes artistas mas não fará
entrevistas diretas. A equipe vai registrar conversas que
brotam do camarim ou durante a passagem de som.
Tássia, Liniker, Assucena e Raquel se conhecem há pouco
mais de um ano, mas a interação entre elas é tão potente
quanto a música e discurso de cada uma. Quando estão
juntas, as conversas íntimas e bem-humoradas revelam a
formação de uma espécie de irmandade. Entre o riso e a
indignação rolam papos sobre moda, preconceito, amores,
dinheiro, feminismo, além de altas doses de empatia.
Dentro do documentário O FERVO É PROTESTO estas falas vão
permitir ao espectador entrar em contato com questões que
ainda são um ruído para a sociedade, mesmo dentro de grupos
considerados liberais. Como definir Liniker que apesar da
voz grave, bigode e das pernas cabeludas usa vestidos,
batom e prefere ser cantora e não cantor? Como lidar com as
novas situações impostas por uma mulher transgênero
circulando fora do gueto, da noite? Será que estamos
preparados para beijar e paquerar homens e mulheres trans
sem exigir que eles antes de tudo assumam essa condição
para não nos sentirmos enganados? Como lidar com seus
próprios desejos? E respeitar a novas configurações de
família? Enxergamos a mulher negra para além de um corpo
sexualizado. Compreendemos a solidão da mulher negra?
Os depoimentos do documentário O FERVO E PROTESTO talvez
não tragam respostas mas que sim apontem nossos
estranhamentos e descortinem um processo de
autoconhecimento que as próprias cantoras estão passando e
que muitas vezes o público que as acompanha também. E uma
ferramenta poderosa de transformação é o amor próprio que
se traduz no ato de se olhar no espelho e dizer ‘sou
linda’, ‘sou lindo’, apesar de todos dizerem “não”.
GERAÇAO LACRE
E nesse nesse contexto de empoderamento é que surge a
geração do lacre, uma gíria que surgiu na cena gay. Quando
alguém lacra é sinal que conseguiu um destaque
incontestável. E a lacração não pede licença, é uma reação
à invisibilidade estética imposta a negros, gays, mulheres.
Ignorar o que o mercado define como padrão para criar suas
próprias definições e estilos é um sinal de resistência. Os
cabelos crespos trançados e coloridos, os looks
extravagantes com roupas de brechó, as maquiagens do
babado, tudo isso pode não proteger ninguém de ataques de
preconceito mas fortalece a autoestima e é um exercício de
autonomia e afirmação de si mesmo. Por isso, para a
linguagem do documentário O FERVO E PROTESTO, é essencial
estar dentro do camarim e acompanhar este processo de
‘montação’, a preparação para o show, a troca de olhares,
os novos códigos envolvidos nestas imagens.
O nome do documentário também tem a ver com essa celebração
festiva e combativa de liberdade, é uma expressão muito
usada pelo rapper Rico Dalasam, outro nome desta nova cena
musical e que inclui da mesma forma a paraense Jaloo. A tag
#ofervoeprotesto está na maior parte das fotos do Instagram
e Facebook dele. Rico é um jovem negro e gay que cresceu
na periferia de Taboão da Serra e que resolveu assumir sua
homossexualidade nas canções e procurou criar referências
cheias de informação de moda e encarar preconceitos dentro
do ambiente machista do rap. E quando se rompem tantas
barreiras para se apresentar lindo e inteiro no fervo, dá
para dizer que este fervo é sim um protesto.
AS FRUTAS DA SALADA
Apanhei, saí correndo com o desespero nas mãos e ninguém me
ajudou
Nas esquinas de São Paulo
O sexo ilude o amor e a dor interior
Se faz com força pra resistir,
Vou ser a bicha da pele mais fina
Com minhas meninas vou me embelezar
Bota o salto e vou pro mundo"
(Salada das Frutas)
A canção Pele Macia é uma criação coletiva dos artistas da
Salada das Frutas. Um híbrido de samba, rap, bolero,
valsinha inspirada numa história de violência sofrida pela
Raquel Virgínia. Mesmo a música sendo uma conexão muito
forte entre eles, os artistas possuem trabalhos e
trajetória bem diferentes.
LINIKER, como apenas 21 anos, acaba de lançar com sua banda
Os Caramelows o primeiro álbum que se chama REMONTA. Um
disco totalmente financiado pelos fãs e que chega cheio de
elogios da crítica. A música preta brasileira é uma das
principais referências da cantora e compositora de
Araraquara. Ela não imaginava que apenas três
vídeos postados da internet em outubro do ano passado
fossem fazer tanto barulho.
AS BAHIAS E A COZINHA MINEIRA lançaram o álbum MULHER o ano
passado. Ele nasceu a partir de um processo de muito estudo
dos discos clássicos da música brasileira, do Clube da
Esquina a Gal Costa. E com duas vocalistas. A energia
feminina primordial é a maior inspiração destas jovens com
menos de 30 anos e que se conheceram no curso de História
da USP. O próximo disco já tem nome: Bicha!
TÁSSIA REIS acaba de lançar seu terceiro EP, OUTRAS
ESFERAS. A cantora e compositora está na estrada há quase
cinco anos e leva para o rap suas rimas com reflexões sobre
ser uma mulher negra hoje em dia. A voz aveludada nos leva
para ambientes de amor mas também é veículo de afrontamento
máximo.
ELEICAO, JUSTIFICATIVA E ABORDAGEM
O FERVO É PROTESTO será um documentário de 15 minutos de
duração focado nos bastidores do último show do projeto
Salada das Frutas este ano. A ideia é captar conversas e
situações que vão se desenrolar durante passagem de som e
na preparação dos artistas dentro do camarim. Escolher não
fazer entrevistas de forma tradicional nos abre a
possibilidade de aproveitar o entrosamento entre os
integrantes do projeto, seus convidados e bandas e trazer à
tona questões importantes sobre identidade de gênero e
outras vivências sem ficar preso em um roteiro didático
sobre a luta contra o preconceito. Queremos mostrar a força
do discurso e das escolhas estéticas dos artistas dentro de
um clima pré-ritual de um camarim, aproveitar a energia que
antecede o show.
Os ritos da maquiagem são importantes no documentário O
FERVO E PROTESTO. Batons, cílios postiços, blush, sombra,
pincéis, lápis vão aparecer em big closes. Os detalhes dos
figurinos também nos ajudam e ressaltam a construção de uma
identidade de gênero dos nossos convidados. Vamos estar
bem, bem perto também nessa transformação.
A relação dos artistas com a diretora do documentário vai
nos ajudar a manter o clima mais natural do camarim.
Adriana Couto também é a apresentadora do Metrópolis da TV
Cultura e foi nesse programa a primeira participação tanto
das Bahias e a Cozinha Mineira como também a primeira
aparição de Liniker e os Caramelows na televisão
brasileira. A partir deste primeiro contato se tornaram
amigos.
Nenhuma música do show vai ser mostrada a partir do ponto
de vista do público. Como nossa linguagem é construída a
partir do movimento das coxias, dos bastidores, nossas
câmeras mostrarão trechos músicas de show e a reação do
público sempre a partir da perspectiva do palco. Nós só
sairemos deste ambiente para fazer a entrada do público que
virá assistir ao projeto Salada das Frutas. Os depoimentos
dos fãs serão usados na abertura do documentário.
Eles apresentarão as grandes estrelas da noite. Ainda
assim, esses depoimentos serão mais livres e produzidos com
as pessoas em movimento, entrando no local da apresentação.
O roteiro final não vai seguir uma ordem cronológica dos
acontecimentos captados. Podemos até abordar no início o
público chegando ao local do show, mas o final do
documentário não será necessariamente a apoteose ou a
música que mais contagia seu público. A montagem vai
privilegiar o show, a passagem de som, o que estiver ali ao
vivo e com muitas cores.
DIREÇAO DE CAMERA
Estão previstas pelo menos quatro câmeras para a captação
desse clima de camarim e passagem de som. Além de duas
câmeras GoPro fixas nos espelhos. Poucas vezes os quatro
operadores estarão em um mesmo ambiente. Mas não vamos
correr o risco de perder algo interessante na passagem de
som ou no camarim quando algo acontecer simultaneamente.
Para acompanhar a movimentação dos personagens principais
temos que ter essa segurança. A opção por mais câmeras e
equipamentos só foi possível dentro do roteiro de baixo
orçamento em virtude de parcerias constituídas dentro
de apenas uma diária de captação de áudio e vídeo e de
aproximadamente oito horas corridas.
A direção vai privilegiar o contato e o diálogo entre os
personagens. O enquadramento mais fechado quer entrar na
conversa não só a partir de quem está falando, mas da
reação de quem está ouvindo. Traduzir a empatia com a
história contada vai ser uma busca. Assim, em um plano de
diálogo eventualmente coberto por duas câmeras, o close vai
estar no ouvinte. E em situações com uma câmera, a reação
do ouvinte vai determinar nossa escolha. O documentário
chileno La Once, de Maite Alberti, vencedor do Festival de
Barcelona usa bastante esse recurso. Todo ele é baseado nos
encontros mensais de velhas amigas para tomar chá.
A equipe de gravação vai funcionar como uma convidada
quieta e discreta. Por isso, os enquadramentos darão conta
desse olhar de ‘voyer’. A partir de um canto, de uma
fresta, sem se preocupar com interferências no primeiro
plano, vamos construir a narrativa. Ainda que a gente
conquiste momentos de invisibilidade das câmeras, muitos
momentos serão marcados pelo receio de falar algo e até uma
vontade dos artistas de olhar para lente e mandar alguma
mensagem, recado. As escapadas de olhares ou assuntos
também fazem parte do documentário.
DIREÇÃO DE ARTE
Apesar da palavra camarim estar associada a glamour, na
maior parte das vezes são locais sem graça, sem vida. Por
isso, o documentário o FERVO é PROTESTO vai fazer uma
interferência cenográfica neste espaço. A ação segue a
linha que o diretor de arte vai usar para a abertura e
créditos e para internet.
A nossa referência é o movimento que está na música, na
literatura e nas artes visuais que imagina o futuro a
partir a identidade negra: o Afrofuturismo. A escritora
norte-americana Yatasha Womack, autora de uma obra que
mapeia essas manifestações artísticas, afirma que
o Afrofuturismo oferece uma maneira "altamente
interseccional" de olhar para possíveis futuros ou
realidades alternativas através de uma lente cultural
negra. É não-linear, fluido e feminista. Apesar de oferecer
aos negros uma maneira se se enxergar em um futuro melhor,
Afrofuturismo combina o futuro, o passado e o presente.
As cores, os símbolos, os grafismos modernos também remetem
a uma tecnologia africana ancestral. Será uma forma de
colocar em evidência toda a força do discurso dos artistas
que estão nesta estrada.
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