PRODUÇÃO MUSICAL Referências Sonoras, Musicais Sonoras, Musicais e Artísticas Na coluna deste mês vamos abordar um tema importante para a produção musical: como utilizar referências sonoras, musicais e artísticas Ticiano Paludo é produtor musical, publicitário, músico, compositor e soundesigner. Leciona Áudio Publicitário e Atendimento na FAMECOS Faculdade dos Meios de Comunicação Social (PUC/RS) e Arranjo e Produção Musical Nível III no IGAP - Instituto Gaúcho de Áudio Profissional. http://www.pontowav.com.br/hotsite/ 40 www.backstage.com.br Q uando começo a produção de um álbum, este ponto inicial do processo é sempre delicado e vital. Se ele for planejado, estudado e interpretado de forma inadequada, pode-se perder tempo precioso, esforços humanos e dinheiro (e ninguém quer isso, principalmente o artista que você está produzindo). A primeira coisa importante que deve ficar clara é a de que uma referência não é uma cópia. Ela servirá apenas como fio condutor do trabalho de produção musical e direcionamento artístico. Esta condução pode se dar em planos diversos, subjetivos e objetivos: estética, sonoridade, linguagem, proposta artística, texto (letras), imagem (capa, encarte, fotos, escolha de lettering) até a forma física (será lançado como digital release, álbum em pen drive, promo, single ou álbum full físico?). A primeira utilização da referência é feita através do elo “artista produzido x produtor”. Normalmente quando inicio uma produção, pergunto para o “produzido” com quais outros artistas ele se identifica. A seg u i r, deve - se questionar coisas do tipo: “E se você pudesse escolher, gostaria de ser qual ou quais artistas e por quê?” Ou ainda: “O que buscamos com a realização desse álbum?” Esse diálogo inicial permite detectar uma série de dados de suma importância, conforme veremos no decorrer deste artigo. Através desses dados fornecidos pelo artista, podemos observar como ele percebe a arte dos outros e que pontos são importantes para ele. Muitas vezes a referência extrapola o plano musical e atinge uma camada mais profunda, como por exemplo, “postura artística”. Tomemos a banda Nirvana como exemplo. O Nirvana sempre se posicionou como uma banda contestadora e blasé. Assim sendo, se um artista se mostra identificado com o Nirvana, não significa necessariamente que ele esteja buscando aquela sonoridade em particular, mas sim desejando adotar um posicionamento semelhante, ou seja, ser tão contestador como a referência musical apontada. Neste caso, temos uma referência que parece ser - em uma análise inicial - uma referência musical quando na verdade é um foco de posicionamento artístico que está em jogo. Outra coisa que pode acontecer é o artista apontar uma referência que ele julga adequada e que, devido à nossa experiência em produção musical, notamos que se mostra ineficiente. Num caso desses, devemos ter cautela, indicando os porquês dessa escolha equivocada e, principalmente, apontar novos caminhos, soluções e saídas para o trabalho. Por isso é tão importante que o produtor musical seja aberto a sonoridades variadas (como vou indicar o uso de um cello se não conheço o instrumento e sua sonoridade, por exemplo?). Do mesmo modo que o artista pode se equi- PRODUÇÃO MUSICAL vocar, nós, produtores, podemos igualmente escolher caminhos inadequados. Portanto, as mentes devem estar abertas nos dois pólos dessa relação, isto é, produtor e produzido precisam ter liberdade para falar tudo o que pensam, aceitando críticas e sugestões construtivas. Não custa lembrar que uma solução (referência) que se mostrou eficiente com determinado artista será igualmente bem sucedida com outro. Cada trabalho possui a sua singularidade assim como o – ou os – artista(s) envolvido(s). Muitas vezes o artista pode se mostrar resistente a aceitar uma referência proposta pelo produtor por confundi-la com cópia simples. Se mostramos um solo do Jimi Hendrix para um guitarrista, não significa que ele deverá solar exatamente igual àquele músico. O que pode estar por trás Muitas vezes a referência extrapola o plano musical e atinge uma camada mais profunda, como por exemplo, “postura artística”. Temos a banda Nirvana como exemplo dessa sugestão é um timbre, uma pegada, um efeito (como o uso de ghost notes, por exemplo). Já escutei mais de uma vez comentários de artistas do tipo “...mas eu não toco assim, eu toco assado, meu feeling e técnica não são compatíveis com isso, não vou ficar copiando esse cara”. Isso mostra que houve falta de entendimento por parte do artista sobre o caráter funcional e positivo que a referência pode e deve ter. Até porque já comentei aqui nesta coluna que jamais devemos matar a essência artística e sim lapidá-la. Quando isso ocorre, nosso “lado psicólogo” deve emergir e precisamos ser inteligentes e articulados para que ele entenda que a referência nada mais é do que um exemplo prático de caminho a ser adotado e que este caminho não implica deméritos ou perda de identidade musical e artística. Sempre gosto de trabalhar com bons técnicos de estúdio (profissionais indispensáveis para uma boa produção) e aprendi a ouvi-los com atenção. Comecei a produzir o álbum de uma banda gaúcha genial chamada Derivados. Para este trabalho, queria uma sonoridade vintage, principalmente no que se refere à bateria e violões orgânicos. Essa sonoridade já estava presente na minha imaginação musical. Precisava fazer com que o técnico me auxiliasse a www.backstage.com.br 41 PRODUÇÃO MUSICAL chegar nesse resultado. Expressar em palavras sentimentos musicais pode ser uma tarefa complexa. A maneira mais fácil que encontrei para que tanto o artista quanto o técnico - entendessem o que se passava na minha cabeça no momento dessa concepção criativa foi mostrar exemplos de sonoridades similares. No caso do violão nylon, eu queria que ele soasse na linha dos primeiros álbuns do Jorge Ben. Dialogando com o técnico, optamos por utilizar uma mistura de microfonação condenser para as ambiências (som da sala) – sugestão do técnico – com um microfone bem duro para captar o timbre do violão em si (neste caso, eu sugeri utilizarmos um SM57 simples, isto é, não Beta). Já no caso da bateria, a referência utilizada foi o álbum Sgt. Pe p p e r s dos Beatles. O resultado ficou fantástico e todos (técnico, banda e produtor) saímos felizes da vida após a sessão de estúdio. Aproveito para parabenizar e agradecer a ajuda do competente técnico e produtor musical André Brasil do estúdio Mossom que me auxiliou nesse passeio musical. Reflexão: “Quando o somatório do trabalho em grupo flui bem, os resultados positivos se multiplicam”. No caso do áudio publicitário, a referência é peça praticamente indissociável de resultados satisfatórios. Isto porque o contratante – ao contrário do que ocorre em uma produção musical artística – normalmente não é músico e acaba fornecendo pistas muito vagas como “Quero uma música para cima...; clima de suspense...; algo bacana, crie aí!”. Ou seja, sem referência fica praticamente impossível determinar um ponto de partida adequado. Uma “música para cima” - como citado anteriormente - pode remeter a uma 42 www.backstage.com.br gama absurdamente infinita de possibilidades (desde um pagode até um metal dos mais viscerais). Portanto, para evitar problemas, “referências venham a nós”! Concluindo nossa linha de raciocínio, observamos que é comum utilizar mais de uma referência para um mesmo trabalho (inclusive várias referências dentro de uma faixa avulsa). O grande desafio é fugir da banalização desta técnica (copiar) e sim utilizar esta ferramenta de produção como elemento bruto inicial, e a partir dele, evoluir para um trabalho autoral, criativo e agradável. Queria uma sonoridade vintage, principalmente no que se refere à bateria e violões orgânicos. Essa sonoridade já estava presente na minha imaginação musical Como última dica, gostaria de ressaltar que quanto mais variadas e distantes forem as referências utilizadas, mais rico tende a ficar o resultado da produção (lembrem-se do exemplo que citei neste artigo, ou seja, bateria dos Beatles e violão do Jorge Ben). Mas é prudente ter cuidado com a dosagem dessas misturas. Misturar por misturar (sem propósito artístico ou estético) provocará um efeito contrário. Abraços, boas produções e até dezembro! e-mail para esta coluna: [email protected]