Sonoras, Musicais e Artísticas

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PRODUÇÃO MUSICAL
Referências
Sonoras, Musicais
Sonoras, Musicais
e Artísticas
Na coluna
deste mês
vamos
abordar um
tema
importante
para a
produção
musical:
como utilizar
referências
sonoras,
musicais e
artísticas
Ticiano Paludo é produtor musical, publicitário,
músico, compositor e soundesigner. Leciona
Áudio Publicitário e Atendimento na FAMECOS Faculdade dos Meios de Comunicação Social
(PUC/RS) e Arranjo e Produção Musical Nível III no
IGAP - Instituto Gaúcho de Áudio Profissional.
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Q
uando começo a produção de
um álbum, este ponto inicial
do processo é sempre delicado
e vital. Se ele for planejado,
estudado e interpretado de forma
inadequada, pode-se perder tempo
precioso, esforços humanos e dinheiro (e ninguém quer isso, principalmente o artista que você está produzindo). A primeira coisa importante
que deve ficar clara é a de que uma
referência não é uma cópia. Ela servirá apenas como fio condutor do trabalho de produção musical e direcionamento artístico. Esta condução
pode se dar em planos diversos, subjetivos e objetivos: estética, sonoridade, linguagem, proposta artística,
texto (letras), imagem (capa, encarte, fotos, escolha de lettering) até a
forma física (será lançado como digital release, álbum em pen drive, promo, single ou álbum full físico?).
A primeira utilização da referência é feita através do elo “artista produzido x produtor”. Normalmente
quando inicio uma produção, pergunto para o “produzido” com quais
outros artistas ele se identifica. A seg u i r, deve - se questionar coisas do
tipo: “E se você pudesse escolher,
gostaria de ser qual ou quais artistas e
por quê?” Ou ainda: “O que buscamos com a realização desse álbum?”
Esse diálogo inicial permite detectar
uma série de dados de suma importância, conforme veremos no decorrer deste artigo.
Através desses dados fornecidos
pelo artista, podemos observar como
ele percebe a arte dos outros e que
pontos são importantes para ele. Muitas vezes a referência extrapola o plano musical e atinge uma camada
mais profunda, como por exemplo,
“postura artística”. Tomemos a banda
Nirvana como exemplo. O Nirvana
sempre se posicionou como uma banda contestadora e blasé. Assim sendo, se um artista se mostra identificado com o Nirvana, não significa necessariamente que ele esteja buscando aquela sonoridade em particular,
mas sim desejando adotar um posicionamento semelhante, ou seja, ser
tão contestador como a referência
musical apontada. Neste caso, temos
uma referência que parece ser - em
uma análise inicial - uma referência
musical quando na verdade é um
foco de posicionamento artístico que
está em jogo.
Outra coisa que pode acontecer é
o artista apontar uma referência que
ele julga adequada e que, devido à
nossa experiência em produção musical, notamos que se mostra ineficiente. Num caso desses, devemos ter
cautela, indicando os porquês dessa
escolha equivocada e, principalmente, apontar novos caminhos, soluções
e saídas para o trabalho. Por isso é tão
importante que o produtor musical
seja aberto a sonoridades variadas
(como vou indicar o uso de um cello
se não conheço o instrumento e sua
sonoridade, por exemplo?). Do mesmo modo que o artista pode se equi-
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vocar, nós, produtores, podemos igualmente escolher caminhos inadequados. Portanto, as mentes devem estar
abertas nos dois pólos dessa relação, isto é, produtor e produzido precisam ter liberdade para falar tudo o que pensam, aceitando críticas e sugestões construtivas. Não custa lembrar que uma solução (referência) que se mostrou
eficiente com determinado artista será igualmente bem
sucedida com outro. Cada trabalho possui a sua singularidade assim como o – ou os – artista(s) envolvido(s).
Muitas vezes o artista pode se mostrar resistente a aceitar uma referência proposta pelo produtor por confundi-la
com cópia simples. Se mostramos um solo do Jimi Hendrix
para um guitarrista, não significa que ele deverá solar exatamente igual àquele músico. O que pode estar por trás
Muitas vezes a referência extrapola o
plano musical e atinge uma camada
mais profunda, como por exemplo,
“postura artística”. Temos a banda
Nirvana como exemplo
dessa sugestão é um timbre, uma pegada, um efeito (como
o uso de ghost notes, por exemplo). Já escutei mais de uma
vez comentários de artistas do tipo “...mas eu não toco assim, eu toco assado, meu feeling e técnica não são compatíveis com isso, não vou ficar copiando esse cara”. Isso
mostra que houve falta de entendimento por parte do artista sobre o caráter funcional e positivo que a referência
pode e deve ter. Até porque já comentei aqui nesta coluna
que jamais devemos matar a essência artística e sim
lapidá-la. Quando isso ocorre, nosso “lado psicólogo” deve
emergir e precisamos ser inteligentes e articulados para
que ele entenda que a referência nada mais é do que um
exemplo prático de caminho a ser adotado e que este caminho não implica deméritos ou perda de identidade musical e artística.
Sempre gosto de trabalhar com bons técnicos de estúdio (profissionais indispensáveis para uma boa produção) e
aprendi a ouvi-los com atenção. Comecei a produzir o álbum de uma banda gaúcha genial chamada Derivados.
Para este trabalho, queria uma sonoridade vintage, principalmente no que se refere à bateria e violões orgânicos.
Essa sonoridade já estava presente na minha imaginação
musical. Precisava fazer com que o técnico me auxiliasse a
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chegar nesse resultado. Expressar em
palavras sentimentos musicais pode
ser uma tarefa complexa. A maneira
mais fácil que encontrei para que tanto o artista quanto o técnico - entendessem o que se passava na minha
cabeça no momento dessa concepção
criativa foi mostrar exemplos de sonoridades similares. No caso do violão
nylon, eu queria que ele soasse na linha dos primeiros álbuns do Jorge
Ben. Dialogando com o técnico, optamos por utilizar uma mistura de microfonação condenser para as ambiências (som da sala) – sugestão do
técnico – com um microfone bem
duro para captar o timbre do violão em
si (neste caso, eu sugeri utilizarmos
um SM57 simples, isto é, não Beta). Já
no caso da bateria, a referência utilizada foi o álbum Sgt. Pe p p e r s dos
Beatles. O resultado ficou fantástico e
todos (técnico, banda e produtor) saímos felizes da vida após a sessão de estúdio.
Aproveito para parabenizar e agradecer a ajuda do competente técnico
e produtor musical André Brasil do
estúdio Mossom que me auxiliou nesse passeio musical. Reflexão: “Quando o somatório do trabalho em grupo
flui bem, os resultados positivos se
multiplicam”.
No caso do áudio publicitário, a referência é peça praticamente indissociável
de resultados satisfatórios. Isto porque o
contratante – ao contrário do que ocorre em uma produção musical artística
– normalmente não é músico e acaba
fornecendo pistas muito vagas como
“Quero uma música para cima...; clima de suspense...; algo bacana, crie
aí!”. Ou seja, sem referência fica praticamente impossível determinar um
ponto de partida adequado. Uma
“música para cima” - como citado anteriormente - pode remeter a uma
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gama absurdamente infinita de possibilidades (desde um pagode até um
metal dos mais viscerais). Portanto,
para evitar problemas, “referências
venham a nós”!
Concluindo nossa linha de raciocínio, observamos que é comum utilizar
mais de uma referência para um mesmo trabalho (inclusive várias referências dentro de uma faixa avulsa). O
grande desafio é fugir da banalização
desta técnica (copiar) e sim utilizar
esta ferramenta de produção como
elemento bruto inicial, e a partir dele,
evoluir para um trabalho autoral, criativo e agradável.
Queria uma
sonoridade vintage,
principalmente no que
se refere à bateria e
violões orgânicos. Essa
sonoridade já estava
presente na minha
imaginação musical
Como última dica, gostaria de ressaltar que quanto mais variadas e distantes forem as referências utilizadas,
mais rico tende a ficar o resultado da
produção (lembrem-se do exemplo
que citei neste artigo, ou seja, bateria
dos Beatles e violão do Jorge Ben).
Mas é prudente ter cuidado com a dosagem dessas misturas. Misturar por
misturar (sem propósito artístico ou estético) provocará um efeito contrário.
Abraços, boas produções e até dezembro!
e-mail para esta coluna:
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