XIV CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA 27 a 31 de Julho de 2009 – UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ GRUPO DE TRABALHO 06: ENSINO DE SOCIOLOGIA O sentido da cultura nas propostas curriculares para o ensino médio Josefa Alexandrina Silva São Paulo –2009 O sentido da cultura nas propostas curriculares para o ensino médio Partindo de indagações como: por que é importante que a questão da cultura seja objeto de reflexão do estudante do ensino médio? O que o estudante de ensino médio precisa saber sobre cultura? Quais conteúdos se tornam relevantes? A partir dessas questões pretende-se contextualizar as propostas curriculares para o ensino de Sociologia desenvolvidas no Estado de São Paulo em 1987, 1990, e os PCN”S de 1996, o PCN+ e analisar o sentido que os estudos sobre cultura adquiriram nos últimos anos. Introdução Esta apresentação é uma reflexão preliminar em torno da pesquisa sobre os sentidos que a questão da cultura adquiriu nas propostas curriculares para o ensino de Sociologia no nível médio. Foram tomadas como referencia, as propostas desenvolvidas pelo Estado de São Paulo entre 1987 e 1990, e a proposta do MEC publicada em 1999 e complementada em 2002. As propostas curriculares foram produzidas em um período marcado pela promulgação da Lei 7044/82, que possibilitou a inclusão da Sociologia na matriz curricular do ensino médio e concluído com estudo do PCN+, publicado em 2002, com o objetivo de contribuir para a implementação das reformas educacionais definidas na LDBEN de 1996.1 A realização deste estudo se deve a necessidade de sistematização e aprofundamento da reflexão sobre os contornos que o ensino das Ciências Sociais no nível médio vivenciou ao longo dos últimos anos com o objetivo de contribuir para o debate sobre temas e conteúdos básicos para o ensino da disciplina no nível médio. 1 Neste texto não foram analisados as OCN’s publicadas pelo MEC em 2006 pois este documento não tem como referência temas específicos e conteúdos e sim posturas metodológicas marcadas pelo estranhamento e desnaturalização. Embora as propostas tenham surgido em contextos políticos diferentes, busca-se colocar em evidência o foco que cada documento coloca como central na contribuição da Antropologia para a formação da juventude. Ao refletir sobre as experiências passadas, busca-se aprofundar debate sobre conteúdos e abordagens adequadas para o ensino. Espera-se produzir subsídios para que os professores envolvidos com o ensino de Sociologia no nível médio reflitam os fundamentos do ensino da cultura, e seus enfoques e abordagens. Parte-se da percepção da amplitude do conceito de cultura e da diversidade de caminhos que os estudos sobre o tema podem percorrer, para colocar em evidência a necessidade de refletir sobre o sentido do seu estudo do ensino médio. A análise de diferentes propostas curriculares voltadas para o ensino médio e o foco da discussão da cultura, deve-se a relevância da sua compreensão na formação da juventude, na formação de um olhar crítico sobre a sociedade, na formulação de atitudes de relativismo cultural. O pressuposto básico desta pesquisa é que a compreensão do conceito antropológico de cultura é primordial para que o estudante de nível médio forme o senso crítico e compreenda de maneira mais abrangente a realidade social na qual está inserido. 1. Proposta curricular do Estado de São Paulo para o ensino de Sociologia – 1987 Em 1982, a Lei 7.044/82, possibilitou a inclusão da disciplina Sociologia na matriz curricular do ensino médio. Ainda que a disciplina fosse oferecida em caráter optativo na parte diversificada do currículo, um grande número de escolas da rede pública do Estado de São Paulo inclui a Sociologia na matriz. A partir deste período, inicia-se a discussão sobre quais os conteúdos das Ciências Sociais seriam importantes para formação da juventude em uma sociedade que caminhava para a democratização. A elaboração da proposta levou em consideração discussões e análises realizadas pelos professores da rede estadual nos encontros de área realizados nos anos de 1984 e 19852. A proposta que surgiu desses encontros resultou em um programa marcado pela flexibilidade e da compreensão das particularidades de cada escola. Naquele contexto, a proposta curricular para o ensino de Sociologia se propunha a ser “instrumental teórico mínimo de análise dessa sociedade, não de modo descritivo ou fotográfico, mas sim de modo mais sólido e fundamentado; que lhes permitisse compreender não só a gravidade dos problemas e injustiças presentes na sociedade brasileira atual, mas também as diversas teorias sociológicas que propõem alternativas de superação”. (CENP, 1987 p. 03) A abordagem adotada pela proposta é crítica e tinha como objetivo “formação de cidadãos realmente críticos, participantes e capazes de ‘caminhar por conta própria’”. (op. cit.) Os conteúdos propostos para a discussão da cultura foram assim sistematizados: IDEOLOGIA, CULTURA E SOCIEDADE 1. Como a ideologia se manifesta no cotidiano do aluno. 2. Estudo sociológico da ideologia e da cultura. a-) O que é ideologia e sua relação com a moral, a sexualidade, a arte, a religião, as concepções de mundo, a filosofia, a ciência, os valores, etc. b-) Cultura institucionalizada e contestação cultural. c-) Cultura popular e cultura de massa 3. Movimentos sociais (como o feminista, o negro, o indígena e o contracultural) A discussão da cultura tinha como referência os processos políticos, econômicos e sociais e buscava-se refletir de que maneira estes processos se 2 A Cabe registrar que a Associação dos Sociólogos do Estado de São Paulo teve participação ativa nos debates que culminaram na elaboração da Proposta Curricular. manifestavam na “consciência dos homens, no seu modo de pensar, de sentir, nos seus gostos, concepções, valores etc.” Portanto, o referencial da cultura não estava ancorado na abordagem antropológica do conceito. Procurava-se compreender a cultura como criação dos processos sociais e relacioná-la com os sistemas ideológicos da sociedade de classes. 2. Proposta Curricular do Estado de São Paulo para o ensino de Sociologia - 1990 A proposta curricular publicada pela Secretaria de Estado da Educação em 1990, foi uma versão reformulada da proposta de 1987, e teve como objetivo dar continuidade aos princípios estabelecidos na versão anterior. A proposta foi fruto do debate envolvendo professores da rede pública estadual e professores das universidades. A proposta privilegiou como objeto de estudo, a realidade brasileira e propunha como estratégia inicial partir das experiências do cotidiano para a formulação do conceito de cultura. O título da unidade sobre cultura é “A sociedade brasileira contemporânea: a cultura e a hierarquização das diferenças”. Os temas desenvolvidos foram: A noção de cultura na visão cotidiana. A contribuição da ciência na compreensão da cultura. A compreensão da ciência na perspectiva da cultura. Uma reinterpretação das diferenças culturais na sociedade brasileira: a) Cultura popular e indústria cultural no Brasil b) A cultura popular como prática de resistência O ponto de partida para discussão da questão da cultura era o cotidiano dos alunos e o leque de opções era expressivo: questão religiosa, moda, a questão da mulher, sexualidade, padrões estéticos, padrões morais, filmes, programas de TV etc. Pretendia-se que a discussão avançasse para as diferentes correntes da Antropologia, como o funcionalismo e o evolucionismo além de conceitos como etnocentrismo e relativismo cultural poderiam ser introduzidos a partir de leituras e discussões em sala de aula. As questões da cultura na sociedade de massas, indústria cultural e relações de consumismo ganharam evidência. A questão da cultura é concebida como caminho para desvendar os mecanismos de dominação da sociedade capitalista. A questão da cultura brasileira, o nacional e o popular e as relações de dominação e resistência, da cultura popular e erudita são vistos como caminhos para compreender os nexos da sociedade brasileira. O objetivo da proposta não é desenvolver aprofundamento teórico e conceitual, seu objetivo é: “ permitir aos alunos o questionamento e a reflexão acerca das manifestações culturais presentes em sua realidade próxima e na sociedade brasileira” (CENP: 1990 p. 20). É importante enfatizar que apesar do tema “A cultura e a hierarquização das diferenças”, não se menciona na proposta a questão étnica e o tenso processo de formação cultural do povo brasileiro. Não há menção aos estudos dos intérpretes brasileiros como Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala e Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil. 3. Parâmetros Curriculares Nacionais (1999) e PCN+ (2002) Esta proposta desenvolvida pelo MEC após a promulgação da LDBEN, tem como premissa básica a organização do currículo baseado no domínio de competências básicas. Parte do fundamento de que a importância da Sociologia no ensino médio é “instrumentalizar o aluno para que possa decodificar a complexidade da realidade social” (PCN: 1999 p. 318). O conceito de cultura aparece nos PCN’s como “recurso teórico capaz de viabilizar uma atitude comparativa, através da chamada observação participante, que nos permite compreender as relações entre um conjunto de normas e outro conjunto diferente” (op. cit. p. 320). Neste sentido, o conceito de Clifford Geertz de que “o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, sendo a cultura essas teias”, é apresentando como referência para a instrumentalização do aluno para a compreensão da complexidade da realidade social. O conhecimento antropológico tinha como objetivo proporcionar ao aluno a possibilidade de partir de uma postura etnocêntrica para posturas pautadas no relativismo cultural. Compreendendo a relativização como a percepção do outro como portador de valores culturais que não devem ser hierarquizados, mas compreendidos dentro do contexto de cada cultura. Neste sentido, o saber antropológico é concebido como instrumento capaz de atuar na modificação das relações humanas no cotidiano. A partir das questões expostas conclui-se que a questão da cultura adquiriu nesta proposta relevância e é concebida como conhecimento fundamental para a constituição de novas formas de sociabilidade marcadas pelo respeito à diferença. O PCN+ tem como objetivo discutir formas de conduzir o aprendizado escolar e indica temas considerados relevantes para a formação do estudante de nível médio.3 A contribuição da Antropologia para a formação do estudante do ensino médio é vista como marcante, pois trata-se de um saber que tem a “possibilidade de ampliar a visão de mundo, desenvolver uma visão crítica da sociedade contemporânea e respeitar as diversidades culturais, sociais e pessoais vão permitir ao aluno a decodificação da complexa realidade social, levando-o a assumir atitudes mais críticas e atuantes na comunidade” (PCN+ p. 90) Propõe-se como metodologia de ensino partir das questões cotidianas do aluno e de sua comunidade para que este analise os produtos da indústria cultural, as diferenças entre cultura popular e erudita, a incidência dos meios de comunicação de massa na contemporaneidade. Além da aproximação de textos 3 O PCN+ enfatiza a questão do desenvolvimento de competências e habilidades, áreas de conhecimento e interdisciplinaridade, questões que merecem ainda hoje reflexão aprofundada sobre o seu significado. Devido as limitações de tempo, este debate não será aqui tratado. científicos com pesquisas de campo, a propõe-se a criação de oportunidades de ação que visem o protagonismo do estudante como cidadão. A questão da cultura é concebida como conceito estruturador da reflexão de temas como: diversidade cultural, identidade cultural, indústria cultural, mídia e propaganda, alienação e conscientização, como se observa na tabela abaixo: Cultura e Sociedade Tema Subtema 1. Cultura e sociedade . Cultura e ideologia . Valores culturais brasileiros 2. Cultura erudita e popular e indústria . As relações entre cultura erudita e cultural popular. . A indústria cultural no Brasil. 3. Cultura e contracultura . Relações entre educação e cultura . Os movimentos da contracultura 4. Consumo, alienação e cidadania . Relações entre consumo e alienação . Conscientização e cidadania Pelo elenco de temas expostos na proposta verifica-se que os estudos da cultura têm como objetivo a compreensão da realidade contemporânea e das questões que envolvem de maneira direta a juventude. Considerações Finais Ao longo deste texto procurou-se identificar como a questão da cultura é abordada em diferentes propostas curriculares. Considerando que as propostas são frutos de contextos sociais e políticos específicos, expressam como a compreensão do sentido antropológico da cultura vai adquirindo relevância no contexto escolar e se colocando como uma saber importante para a compreensão da sociedade contemporânea. A amplitude do conceito de cultura e a compreensão dos seus mecanismos de funcionamento se transformam em tema central na formação da juventude. O extenso leque de questões que podem ser abordadas, coloca para o professor de ensino médio o desafio de possibilitar ao aluno que compreenda o sentido antropológico da cultura e o quanto seu comportamento é reflexo na cultura na qual está inserido. Conclui-se que as propostas não colocam em evidência a questão do ser humano como objeto central do conhecimento, a compreensão da unidade biológica do ser humano e a compreensão da cultura como expressão da diversidade em meio a unidade. Estas questões tornam-se primordiais em um contexto onde o intenso contato entre diferentes culturas tem provocado tensões em virtude das visões etnocêntricas da cultura humana. O conhecimento antropológico transposto para saber escolar, pode contribuir para que o estudante desenvolva a percepção da nossa condição universal, onde todos os povos são plena e igualmente humanos e nenhum é mais importante que o outro. Além disso, a compreensão antropológica do conceito de cultura pode possibilitar ao aluno a necessidade de deixar de lado uma postura etnocêntrica para o relativismo cultural, elemento fundamental para o convívio intercultural na atualidade. Portanto, a análise das propostas curriculares indica que ao longo do período estudado, a questão da cultura adquire significância como saber escolar que deve se tornar acessível para o preparo da juventude no enfrentamento dos desafios de contextos sociais marcados pelo crescimento da intolerância e xenofobia que tem caracterizado a cultura contemporânea. REFERÊNCIAS: ALMEIDA, Geraldo P. Transposição Didática: Por onde começar? São Paulo: Cortez, 2007 BOAS, Franz. Antropologia Cultural. – 4ª. Ed. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 2007 BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, 1999. BRASIL. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Ciências Humanas e suas Tecnologias. Brasília: MEC, SEMTEC, 2002. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Orientações curriculares para o ensino médio: Ciências Humanas e suas Tecnologias. MEC, SEB, 2006. GUERRIERO, Silas. (org) Antropos e Psique. São Paulo: Olha D’água, 2004. LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo,Brasiliense, 2007 LARAIA, Roque de Barros. Cultura: Um Conceito Antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986. SÃO PAULO (Estado) Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Proposta Curricular de Sociologia – 2º. Grau. 1ª. Ed. São Paulo: SEE/CENP, 1987. SÃO PAULO (Estado) Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Proposta Curricular de Sociologia – 2º. Grau. 3ª. Ed. São Paulo: SEE/CENP, 1990. This document was created with Win2PDF available at http://www.win2pdf.com. 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