Monografia - Thaís Bechir

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Universidade Federal de Minas Gerais
Faculdade de Letras
OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Thaís Fernanda Carvalho Bechir
Orientação: Profa. Dra. Luana Amaral
Belo Horizonte
2016
Thaís Fernanda Carvalho Bechir
OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Monografia apresentada ao Colegiado de Graduação em
Letras da Universidade Federal de Minas Gerais como
requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em
Letras (habilitação em português com ênfase em estudos
linguísticos).
Belo Horizonte
Faculdade de Letras da UFMG
2016
Aos meus amados pais
AGRADECIMENTOS
A Deus, fonte inesgotável de amor, por ter me concedido o dom das letras.
À minha querida mãe, que me apontou o caminho e que me ensinou o que é bondade:
obrigada por sempre acreditar em mim. Ao meu pai, que sonhou um futuro de sucesso para
mim, sem medir esforços para que eu o alcançasse: obrigada por ser exemplo de força.
Aos meus irmãos e melhores amigos, pelas gargalhadas ao longo da vida.
Aos meus avós, por serem o alicerce de minha história.
Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do
que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria certo.
Aos amigos que reconheci durante os anos, por preencherem meus dias com alegria.
À minha orientadora, Profa. Luana Amaral, por conduzir esta pesquisa com paciência
e ternura. Sem sua ajuda e estímulo, este trabalho não teria se concretizado: obrigada por
confiar em minhas capacidades.
À Profa. Márcia Cançado, que despertou em mim o gosto pela linguística e que me
introduziu no caminho da Semântica: obrigada pelos ricos ensinamentos e por guiar minha
trajetória acadêmica com sabedoria.
À Letícia Meirelles, professora e colega de pesquisa, pelos valiosos conselhos e pela
disposição em me ajudar sempre que precisei.
À UFMG, especialmente à Faculdade de Letras, que me apresentou a professores
brilhantes e que me possibilitou adentrar a estrada do conhecimento.
“Eu queria expressar tudo. Pensava, por exemplo, que, se
precisava de um pôr-do-sol, devia encontrar a palavra
exata para o pôr-do-sol – ou melhor, a mais surpreendente
metáfora. Agora cheguei à conclusão (e essa conclusão
talvez soe triste) de que não acredito mais na expressão:
acredito somente na alusão. Afinal de contas, o que são as
palavras? As palavras são símbolos para memórias
partilhadas. Se uso uma palavra, então vocês devem ter
alguma experiência do que essa palavra representa. Senão
a palavra não significa nada para vocês. Acho que
podemos apenas aludir, podemos apenas tentar fazer o
leitor imaginar. O leitor, se for rápido o suficiente, pode
ficar satisfeito com nossa mera alusão a algo”.
Jorge Luís Borges
“As fronteiras da minha linguagem são as fronteiras do meu universo”
Ludwig Wittgenstein
RESUMO
Esta monografia tem como objeto de estudo os verbos recíprocos intransitivos do português
brasileiro (PB). Seguindo a linha de pesquisa de Interface Sintaxe-Semântica Lexical,
partimos do princípio de que as propriedades semânticas determinam o comportamento
sintático dos verbos. Os verbos recíprocos são tratados na literatura linguística como uma
classe verbal única por possuírem uma propriedade semântica – a reciprocidade – que
licencia um comportamento sintático: a alternância simples-descontínua. Nesta composição
sintática, os eventos denotados pelos verbos podem alternar entre uma forma simples, em que
os participantes da reciprocidade são denotados por apenas um argumento (João e Maria
conversaram), e uma forma descontínua, em que os participantes da reciprocidade são
denotados por dois argumentos, sendo um deles preposicionado (João conversou com Maria).
Contudo, Cançado et al. (2013) apresentam fortes argumentos de que os verbos recíprocos
transitivos não formam uma classe verbal canônica no PB. Sendo assim, levantamos a
hipótese de que os verbos recíprocos intransitivos, assim como os verbos recíprocos
transitivos já analisados por Cançado et al. (2013), não formam uma classe verbal canônica
no PB. A fim de verificar nossa hipótese, analisamos, por meio de testes semânticos e
sintáticos, os 53 verbos recíprocos intransitivos coletados por Godoy (2008). Além disso,
objetivamos propor possíveis representações semânticas para a(s) classe(s) dos verbos
recíprocos intransitivos encontrada(s), valendo-nos da linguagem de decomposição de
predicados primitivos. A partir de uma discussão sobre classe verbal e sobre o comportamento
dos verbos recíprocos, nossa hipótese inicial foi corroborada: concluímos que os verbos
recíprocos transitivos e intransitivos não podem ser considerados uma classe verbal, e que a
reciprocidade não é uma propriedade relevante gramaticalmente. Ademais, fomos capazes de
propor duas estruturas de decomposição de predicados para os verbos recíprocos intransitivos
analisados, demonstrando que eles pertencem a duas classes distintas do PB, juntamente com
outros tipos de verbos. Contribuímos para o campo de Interface Sintaxe-Semântica lexical, já
que nos propusemos a investigar as propriedades semânticas dos verbos que possuem impacto
na sintaxe. A partir disso, por fim, colaboramos para a descrição do sistema linguístico do PB
a partir do agrupamento dos verbos recíprocos intransitivos em classes.
Palavras-chave: verbos recíprocos; interface sintaxe-semântica; semântica lexical;
decomposição de predicados.
ABSTRACT
The object of study of this work is the intransitive reciprocal verbs in Brazilian Portuguese
(BP). Following the research field of Syntax-Lexical Semantics Interface, we assume that
semantic properties determine the syntactic behavior of verbs. Reciprocal verbs are treated in
the linguistic literature as a single verb class for having a semantic property – reciprocity –
that licenses a syntactic behavior: the simple-discontinuous alternation. In this syntactical
composition, the events denoted by verbs can switch between a simple form, in which the
participants of the reciprocity are denoted by only one argument (John and Mary talked), and
a discontinuous form, in which the participants of the reciprocity are denoted by two
arguments, and one of them is prepositioned (John talked to Mary). However, Cançado et al.
(2013) have presented strong arguments showing that transitive reciprocal verbs do not form a
canonical verb class in BP. Thus, we have hypothesized that intransitive reciprocal verbs, as
transitive reciprocal verbs already analyzed by Cançado et al. (2013), do not form a canonical
verb class in BP. In order to verify our hypothesis, we have analyzed, through semantic and
syntactic tests, 53 intransitive reciprocal verbs, which had been collected by Godoy (2008).
Moreover, we have intended to propose possible semantic representations for the classes of
intransitive reciprocal verbs we have found, by means of predicate decomposition
metalanguage. Through a discussion of verb classes and the behavior of reciprocal verbs, our
initial hypothesis was confirmed: we concluded that the transitive and intransitive reciprocal
verbs cannot be considered a verb class. We also concluded that reciprocity is not a
grammatically relevant property. Furthermore, we were able to propose two predicate
decomposition structures for the intransitive reciprocal verbs analyzed, demonstrating that
they belong to two distinct classes of BP, along with other verbs. We contributed to the
Syntax-Lexical Semantics Interface field, as we set out to investigate the semantic properties
of verbs that have an impact on syntax. From this, finally, we contributed to the description of
BP’s linguistic system, by grouping the intransitive reciprocal verbs into classes.
Keywords: reciprocal verbs; syntax-semantics interface; lexical semantics; predicate
decomposition.
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1: APRESENTAÇÃO DO TRABALHO ................................................................ 9
1.1 Introdução ......................................................................................................................... 9
1.2 Objeto de estudo ............................................................................................................. 12
1.3 Hipótese, objetivos e justificativa ................................................................................... 19
1.4 Metodologia .................................................................................................................... 23
CAPÍTULO 2: REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................. 27
2.1 A Interface Sintaxe - Semântica Lexical ......................................................................... 27
2.2 A linguagem de decomposição de predicados primitivos ............................................... 30
2.3 Classes verbais ................................................................................................................ 34
CAPÍTULO 3: A ANÁLISE DOS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS DO PB ....... 42
3.1 A partícula se ................................................................................................................... 42
3.2 O aspecto lexical ............................................................................................................. 45
3.3 O objeto cognato ............................................................................................................. 49
3.4 A decomposição em predicados primitivos .................................................................... 52
3.5 Os verbos recíprocos transitivos e intransitivos: uma classe verbal? ............................. 61
CAPÍTULO 4: CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 66
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 68
ANEXO – OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS .................................................. 73
APÊNDICE – ANÁLISE DOS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS ........................ 73
9
CAPÍTULO 1: APRESENTAÇÃO DO TRABALHO
Neste capítulo, introduzimos o nosso objeto de estudo, apresentamos nossos objetivos
e hipóteses e descrevemos a metodologia utilizada em nossa pesquisa.
1.1 Introdução
Este trabalho insere-se na linha de pesquisa de Interface Sintaxe-Semântica Lexical
e, seguindo a proposta de autores como Fillmore (1970), Levin e Rappaport Hovav (1992,
1995), Cançado (2005, 2010), entre outros, partiremos do princípio de que as propriedades
semânticas determinam o comportamento sintático dos verbos. Além disso, de acordo com
esta linha de pesquisa, a partir de propriedades semântico-sintáticas compartilhadas, os
verbos podem ser agrupados em classes (LEVIN, 1993; CANÇADO et al., 2013). Classes
verbais são, portanto, conjuntos de verbos que compartilham propriedades semânticas e
propriedades sintáticas.
Os verbos recíprocos são tratados como uma classe de verbos na literatura por
possuírem, em seu sentido, a informação semântica de reciprocidade entre dois participantes
(CHAFE, 1971; FILLMORE, 1972; ILARI, 1987; RAJAGOPALAN, 1987; CROFT, 1991;
DOWTY, 1991; GLEITMAN et al., 1996), que licencia uma construção sintática: a
“alternância simples-descontínua” (GODOY, 2008). Segundo Godoy (2008), a reciprocidade
é uma propriedade semântica comum aos verbos que são passíveis de alternar sua estrutura
sintática entre duas formas: a forma simples e a forma descontínua. Esta propriedade se
relaciona ao sentido idiossincrático do verbo, o qual tem impacto em sua sintaxe. Por ser
capaz de licenciar uma construção sintática, a reciprocidade é considerada uma propriedade
gramaticalmente relevante. Nesse sentido, “a reciprocidade é uma relação semântica que o
verbo estabelece entre os participantes do evento que descreve, quaisquer que sejam os papéis
ou funções dos participantes nesse evento e qualquer que seja o tipo de evento (acional,
processual, estativo etc.)” (GODOY, 2008, p. 49).
Godoy (2008) diferencia os verbos que contêm lexicalmente o sentido da
reciprocidade de construções cuja interpretação é recíproca. Sendo assim, ela cita os autores
que discutem temas relevantes para um estudo de verbos recíprocos em semântica
(DIMITRIADIS, 2004, 2005; DIXON, 1992; HEIM et al., 1991; REINHART; SILONI, 2005;
SILONI, 2001, 2007; WILLIAMS, 1991) e também em tipologia (MASLOVA; NEDJALKOV,
10
2005; MASLOVA, 2007), que tratam de mecanismos de reciprocidade em sentenças com
verbos não recíprocos lexicalmente. Observemos alguns exemplos de mecanismos de
reciprocidade:
(1)
João beijou Maria e Maria beijou João.
(2)
João e Maria beijaram um ao outro.
(3)
João e Maria se beijaram.
Em (1), temos uma expressão icônica da reciprocidade (MASLOVA; NEDJALKOV, 2005
apud GODOY, 2008), em que a repetição do verbo expressa a duplicidade do evento no
mundo. Em (2) e (3), temos expressões não icônicas de reciprocidade, que são dadas
gramaticalmente por meio de uma construção do tipo ‘SN V um...o outro’ ou a partir da
partícula se1. Nas sentenças de (1) a (3), a noção de reciprocidade se dá de forma
composicional, e não lexical, uma vez que ela ocorre a partir da composição e da organização
dos itens da sentença. Neste trabalho, não analisaremos os mecanismos de reciprocidade, mas
focalizaremos os verbos que possuem, marcada no léxico, a propriedade de reciprocidade,
seguindo Dixon (1992), Siloni (2001, 2007) e Godoy (2008). Nesse sentido, intencionamos
contribuir para os estudos na Interface Sintaxe-Semântica Lexical, por meio de uma análise e
de uma discussão a respeito do comportamento sintático e semântico dos verbos lexicalmente
recíprocos.
No português, consideraremos como exemplos de verbos recíprocos marcados
lexicalmente, seguindo o estudo de Godoy (2008), aqueles que possuem, além do traço de
reciprocidade – propriedade semântica relacionada ao sentido idiossincrático do verbo –, uma
possibilidade de dupla ocorrência sintática. Essa capacidade de alternância é chamada pela
autora de alternância simples-descontínua e é ela que reúne esses verbos em uma única
classe. Verbos como dialogar, brigar e negociar são caracterizados por possuírem uma
reciprocidade lexical. Nesse sentido, eles alternam entre as formas simples, em que os
participantes da reciprocidade são necessariamente denotados por um argumento plural, e
descontínua, em os participantes são denotados por dois argumentos, sendo um deles
introduzido na sintaxe por preposição (GODOY, 2008). Exemplificamos essa alternância
abaixo:
11
(4)
a. O Carlos e o seu chefe dialogaram. – forma simples
b. O Carlos dialogou com o seu chefe. – forma descontínua
(5)
a. O João e o Carlos brigaram. – forma simples
b. O João brigou com o Carlos. – forma descontínua
(6)
a. O dentista e o cliente negociaram a consulta. – forma simples
b. O dentista negociou a consulta com o cliente. – forma descontínua
As sentenças de (4) a (6) expressam reciprocidade, porém, não fazem uso de mecanismos
composicionais para isso: não há repetição do verbo ou acréscimo de partículas ou sintagmas
que denotem reciprocidade. Sendo assim, os verbos dialogar, brigar e negociar são verbos
que possuem, em sua entrada lexical, o sentido de reciprocidade, não sendo essa propriedade
semântica veiculada a partir de uma construção sentencial, mas de maneira não
composicional.
Segundo Godoy (2008), para que um verbo seja classificado como recíproco, seu
argumento-sujeito na forma simples deve sempre apontar um conjunto de participantes no
mundo, em uma denotação plural, mesmo que o SN seja morfossintaticamente singular na
sentença. A autora apresenta o seguinte exemplo (GODOY, 2008, p. 35):
(7)
O casal flertou.
(8)
*João flertou.
(9)
Eles flertaram.
Em (7), o casal denota mais de um participante no mundo, apesar de ser
morfossintaticamente singular. A sentença em (8) é agramatical, uma vez que João é um
argumento singular. Em (9), a denotação é plural a partir de um argumento que, mesmo
morfossintaticamente, é plural. De maneira semelhante, quando o verbo denota reciprocidade
não a seu sujeito, mas ao seu objeto, o argumento-objeto na forma simples é que deve ter uma
denotação plural, como notamos no exemplo abaixo (GODOY, 2008, p. 83, grifo meu):
(10) O pedreiro nivelou os pisos.
1 Devemos atentar para o fato de que o clítico se é uma marca ambígua, podendo expressar tanto reciprocidade
12
Com relação à forma descontínua, não há exigência quanto à denotação dos
argumentos. Sendo assim, os participantes denotados podem ser singulares ou plurais nos dois
argumentos (GODOY, 2008, p. 35 e p. 83):
(11) a. O rapaz flertou com a garota.
b. Os rapazes flertaram com as garotas.
(12) a. O pedreiro nivelou o piso da sala com o piso da cozinha.
b. Os pedreiros nivelaram os pisos da sala com os pisos da cozinha.
As sentenças acima são gramaticais: em (a), cada um dos dois argumentos denota apenas um
participante; em (b), ambos denotam uma pluralidade de participantes.
Em suma, para que um verbo seja classificado como recíproco, segundo Godoy
(2008), ele deve:
- possuir a propriedade lógico-semântica de reciprocidade entre dois participantes;
- exigir um argumento-sujeito com denotação plural na forma simples, quando
denotar reciprocidade ao seu argumento-sujeito ou exigir um argumento-objeto plural na
forma simples, quando denotar reciprocidade ao seu argumento-objeto;
- ser passível de ocorrer na alternância simples-descontínua.
1.2 Objeto de estudo
Como vimos, os verbos recíprocos são tratados, na literatura, como parte de uma só
classe por possuírem, em seu sentido, a informação semântica de reciprocidade entre dois
participantes (CHAFE, 1971; FILLMORE, 1972; ILARI, 1987; RAJAGOPALAN, 1987;
CROFT, 1991; DOWTY, 1991; GLEITMAN et al., 1996). Segundo Godoy (2008), a
reciprocidade é uma propriedade semântica que pertence a um componente de natureza
lógica do significado dos verbos recíprocos. Para explicitar o funcionamento desse
componente lógico, Godoy (2008) cita o estudo de Heim et al. (1991) a respeito da anáfora
each other, que se estende, para o PB (português brasileiro), ao uso da partícula se. Vejamos o
exemplo abaixo:
quando reflexividade (MASLOVA, 2007 apud GODOY, 2008), além de outros sentidos.
13
(13) The kids like each other.
‘As crianças se gostam’.
Podemos observar que a construção em (13) é recíproca, mas formada a partir de um verbo
não recíproco. O verbo like ‘gostar’ não pressupõe uma reciprocidade entre seus
participantes, uma vez que se pode imaginar o seguinte evento no mundo:
(14) John likes Mary, but Mary does not like John.
‘O João gosta de Maria, mas a Maria não gosta de João’.
Podemos dizer que o verbo gostar não possui, marcado em sua entrada lexical, a propriedade
semântica de reciprocidade, visto que sua reciprocidade pode ser negada ou cancelada, como
foi feito na sentença em (14). Heim et al. (1991) apud Godoy (2008) propõem que each other
e se são operadores lógicos chamados de reciprocators “reciprocadores”, os quais realizam
uma relação lógica entre os participantes do evento. De maneira paralela, Williams (1991)
apud Godoy (2008, p. 50) apresenta evidências de que existe um operador intrínseco aos
verbos recíprocos, quando cita o verbo collide2 e demonstra sua agramaticalidade com o
operador lógico each other:
(15)
*They collided
Eles colidiram
each other.
se
Verbos do tipo collide designam uma relação de reciprocidade lexical, diferentemente da
construção recíproca demonstrada em (13). Sendo assim, a sentença em (15) é agramatical, já
que apresenta um verbo que possui uma reciprocidade intrínseca, seguida de um operador de
função “reciprocadora”, resultando em redundância. Sendo assim, é seguindo a ideia de
Williams (1991) a respeito da existência de um operador intrínseco aos verbos lexicalmente
recíprocos que Godoy considera que a reciprocidade é uma propriedade semântica
pertencente a um componente lógico do sentido desses verbos.
2
Para o português, seria necessário um estudo mais profundo a respeito do verbo colidir, uma vez que ele é
encontrado de forma gramatical com a partícula se, como em: Dois trens de passageiros se colidiram em uma
zona rural na região de Puglia, na Itália (Fonte: http://oglobo.globo.com/).
14
Seguindo Dixon (1992), Siloni (2001, 2007) e Godoy (2008), focalizaremos, neste
trabalho, os verbos que possuem, marcada no léxico, a propriedade de reciprocidade, a
exemplo do verbo collide apresentado por Williams (1991). Não trabalharemos, portanto,
com os mecanismos de construção sintática da ideia de reciprocidade. Ademais,
assumiremos, nesta monografia, juntamente com Cançado et al. (2013), que a reciprocidade
está contida no sentido idiossincrático dos verbos recíprocos.
De acordo com Godoy (2008), a reciprocidade é uma propriedade semântica
partilhada pelos verbos que alternam entre as formas simples e descontínua e, por isso, ela é
considerada uma propriedade relevante gramaticalmente. Sendo assim, segundo a autora,
apesar de os verbos recíprocos apresentarem diferentes transitividades e não compartilharem
uma mesma estruturação temática, o que os identifica em uma única classe é o fato de
compartilharem a característica sintática de ocorrência em uma forma simples (um argumento
plural) e em uma forma descontínua (dois argumentos, um em sua posição original e outro
preposicionado, em posição de adjunção). Observemos as sentenças abaixo, construídas com
os verbos recíprocos negociar, misturar e combinar:
(16) a. O Jorge e o vendedor negociaram o carro. – forma simples
b. O Jorge negociou o carro com o vendedor. – forma descontínua
(17) a. O cozinheiro misturou os ovos e a farinha. – forma simples
b. O cozinheiro misturou os ovos com a farinha. – forma descontínua
(18) a. Preto e vermelho combinam. – forma simples
b. Preto combina com vermelho. – forma descontínua
Em (16a), temos um verbo recíproco transitivo que denota reciprocidade ao seu argumento
externo (Jorge e o vendedor). Em (17a), temos um verbo recíproco transitivo que denota
reciprocidade ao seu argumento interno (os ovos e a farinha). Em (18a), temos um verbo
recíproco intransitivo que denota reciprocidade ao seu argumento externo (preto e vermelho).
Podemos observar, portanto, que há verbos recíprocos tanto transitivos quanto intransitivos.
Esse fato evidencia que a razão pela qual esses verbos formam uma classe não está
relacionada à sua transitividade (GODOY, 2008).
Além disso, segundo Godoy (2008), os verbos recíprocos podem atribuir diferentes
papéis temáticos aos seus argumentos. Em (16a), o verbo negociar atribui aos participantes da
15
reciprocidade (Jorge e o vendedor) o papel temático de agente3. Em (17a), o verbo misturar
atribui aos participantes da reciprocidade (os ovos e a farinha) o papel temático de paciente 4.
Em (18a), o verbo combinar atribui aos participantes da reciprocidade (vermelho e preto) o
papel temático de objeto estativo5. A partir disso, podemos afirmar, juntamente com Godoy
(2008), que também não é sua configuração temática que agrupa os verbos recíprocos em
uma mesma classe. A propriedade semântica que determina o comportamento sintático da
classe dos verbos recíprocos é a reciprocidade, “uma relação que o verbo estabelece entre os
participantes do evento que descreve, quaisquer que sejam os papéis ou funções dos
participantes nesse evento e qualquer que seja o tipo de evento (acional, processual, estativo
etc.)” (GODOY, 2008, p. 49).
Segundo Godoy (2008), para identificar um verbo recíproco, não basta apenas dizer
que ele ocorre nas formas simples e descontínua, uma vez que há outros verbos que podem
ocorrer nesse tipo de construção. Vejamos os exemplos abaixo:
(19) a. A mãe e o bebê dormiram.
b. A mãe dormiu com o bebê.
(20) a. Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram.
b. Mike Tyson lutou com Evander Holyfield.
Em (19) e (20), temos exemplos de verbos que, de maneira similar, parecem ocorrer na
alternância simples-descontínua: em (a), os participantes do evento são denotados por um
argumento plural, caracterizando a forma simples; em (b), os participantes são denotados por
dois argumentos, sendo um deles preposicionado, o que caracteriza a forma descontínua. No
entanto, seguindo a análise de Godoy (2008) apenas o verbo lutar, em (20), é recíproco. Para
chegar a essa conclusão, Godoy (2008) propõe um teste para identificar os verbos
lexicalmente recíprocos: um verbo é recíproco se a sua forma simples acarreta sentenças
descontínuas.
A fim de se compreender a escolha da autora pelo acarretamento como instrumento
de análise, faz-se necessário compreender, primeiramente, a definição de acarretamento.
3
Agente é o desencadeador de alguma ação, que age com controle (CANÇADO; AMARAL, 2016).
Paciente é a entidade que sofre o efeito de alguma ação, havendo mudança de estado (CANÇADO; AMARAL,
2016).
5
Objeto estativo é uma entidade ou situação à qual se faz referência, sem que essa desencadeie a ação ou seja
afetada por ela (CANÇADO; AMARAL, 2016).
4
16
Acarretamento é uma relação lógica entre duas sentenças em que, se a primeira delas é
verdadeira, a segunda deve ser necessariamente verdadeira, ou seja, “a verdade da segunda
advém necessariamente da verdade da primeira” (CANÇADO, 2009, p. 44). Por causa disso,
não é possível, ao mesmo tempo, afirmar a primeira sentença e negar a segunda, de modo a
obter uma terceira sentença não contraditória. Observemos um exemplo claro de
acarretamento:
(21) a. O João comeu uma maçã.
b. O João comeu uma fruta.
c. ╞ O João comeu uma maçã, mas o João não comeu uma fruta6.
Em (21c), afirmamos a primeira sentença (21a), negamos a segunda (21b) e obtivemos uma
terceira sentença contraditória. Isso quer dizer que (21a) acarreta (21b), ou seja, o sentido da
sentença (21b) está contido no sentido de (21a).
Aplicando o teste do acarretamento às sentenças em (19), temos que se é verdade que
a mãe e o bebê dormiram, não é necessariamente verdade que a mãe dormiu com o bebê, ou
seja, o verbo dormir não é recíproco, já que sua sentença na forma simples (19a), não acarreta
sua sentença na forma descontínua (19b). No entanto, aplicando o teste do acarretamento às
sentenças em (20), temos que se é verdade que Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram,
também não é necessariamente verdade que Mike Tyson lutou com Evander Holyfield.
Sendo assim, a partir do teste do acarretamento proposto por Godoy (2008) para
diferenciar verbos recíprocos de verbos não recíprocos, o verbo lutar, assim como dormir,
não seria considerado um verbo recíproco, uma vez que sua sentença na forma simples (20a)
não acarreta sua sentença na forma descontínua (20b). Esse resultado difere da análise de
Godoy (2008), em que apenas o verbo lutar, em (20), foi considerado recíproco. Observe que
vamos, agora, afirmar a primeira sentença, negar a segunda e observar se a sentença obtida é
contraditória:
(22) A mãe e o bebê dormiram, mas a mãe não dormiu com o bebê.
(23) Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram, mas Mike Tyson não lutou com
Evander Holyfield.
6
O símbolo ╞ indica contradição (Cann, 1993).
17
Podemos notar que tanto a sentença em (22) quanto a sentença em (23) não são
contraditórias. Abaixo, ilustramos a ausência de acarretamento:
(24) A mãe e o bebê dormiram. ~ ├ A mãe dormiu com o bebê7.
(25) Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram.
~ ├
Mike Tyson lutou com Evander
Holyfield.
Se os verbos dormir e lutar, em sua forma simples, não acarretam suas sentenças
descontínuas, então, nenhum dos dois, segundo esse teste, poderia ser classificado como
recíproco. Isso demonstra que o teste do acarretamento proposto por Godoy (2008) não se
mostra eficiente na diferenciação de um verbo que pertence à classe dos verbos recíprocos,
lutar, e um verbo que não pertence a essa classe, dormir. Abaixo, demonstramos mais
exemplos do teste do acarretamento em verbos classificados como recíprocos:
(26) a. Gabriel e Jorge interagiram na festa. – forma simples
b. Gabriel interagiu com Jorge na festa. – forma descontínua
c. Gabriel e Jorge interagiram na festa, mas Gabriel não interagiu com Jorge na
festa. – negação da sentença na forma descontínua
d. Gabriel e Jorge interagiram na festa. ~ ├ Gabriel interagiu com Jorge na festa.
– acarretamento
(27) a. O João e a Maria namoram. – forma simples
b. João namora com a Maria. – forma descontínua
c. O João e a Maria namoram, mas o João não namora com a Maria. – negação
da sentença na forma descontínua
d. O João e a Maria namoram. ~ ├ João namora com a Maria. – acarretamento
(28) a. Gabriel e João jogam futebol. – forma simples
b. Gabriel joga futebol com o João. – forma descontínua
c. Gabriel e João jogam futebol, mas Gabriel não joga futebol com o João. –
negação da sentença na forma descontínua
7
O símbolo ~ ├ indica a ausência de acarretamento (Cann, 1993).
18
d. Gabriel e João jogam futebol.
~ ├
Gabriel joga futebol com o João. –
acarretamento
(29) a. Batman e Robin duelaram – forma simples
b. Batman duelou com Robin. – forma descontínua
c. Batman e Robin duelaram, mas Batman não duelou com Robin. – negação
da sentença na forma descontínua
d. Batman e Robin duelaram. ~ ├ Batman duelou com Robin. – acarretamento
Por meio dos exemplos apresentados acima, podemos notar que as sentenças na
forma simples dos verbos ilustrados, não acarretam suas sentenças descontínuas, uma vez que
as sentenças em (c) não são contraditórias. Nesse sentido, por meio do teste do acarretamento,
os verbos de (26) a (29), analisados por Godoy (2008) como pertencentes à classe dos verbos
recíprocos, não poderiam ser assim agrupados. Isso é uma evidência de que não é tarefa fácil
diferenciar a reciprocidade sintática, exemplificada em (19), da reciprocidade lexical,
exemplificada em (20), já que, como foi demonstrado, o comportamento de ambas em
relação ao acarretamento é o mesmo. A conclusão a que chegamos é que o acarretamento,
instrumento formal de análise adotado por Godoy (2008), não se mostra adequado na
diferenciação dos dois tipos de reciprocidade.
Como vimos, os verbos lexicalmente recíprocos têm uma exigência sintática: seu
argumento na forma simples deve indicar um conjunto de participantes, em uma denotação
plural, mesmo que o SN seja morfossintaticamente singular na sentença (GODOY, 2008). No
entanto, observemos as sentenças abaixo, em que essa regra não parece funcionar de maneira
categórica:
(30) João interagiu na festa.
(31) Mike Tyson lutou ontem à tarde.
(32) Gabriel namora há 3 anos.
(33) Galvão Bueno comentou a partida de futebol.
(34) Juliana discutiu os resultados de sua dissertação.
(35) Jorge joga futebol todas as quartas.
(36) O pedreiro nivelou o piso.
(37) O eletricista conectou o fio.
19
De (30) a (35), temos exemplos de verbos que denotam reciprocidade ao seu AE (argumento
externo). Em (36) e em (37), temos exemplos de verbos que denotam reciprocidade ao seu AI
(argumento interno). Podemos notar, nas sentenças de (30) a (35), que nem todos os verbos
classificados por Godoy (2008) como lexicalmente recíprocos exigem, necessariamente, que
seu AE tenha uma denotação plural. Da mesma forma, em (36) e em (37), temos exemplos de
verbos lexicalmente recíprocos que não exigem que seu AI tenha uma denotação plural. Essa
evidência reforça a ideia de que não é simples entender o porquê de esses verbos estarem
agrupados em uma mesma classe e, além disso, demonstra a dificuldade de se determinar
quando um verbo deve ou não ser considerado lexicalmente recíproco.
Neste trabalho, faremos um recorte e tomaremos como objeto de estudo apenas os
verbos recíprocos intransitivos. Sendo assim, nossa análise não se estenderá aos verbos
transitivos, como negociar e misturar, ilustrados em (16) e (17), mas aos verbos intransitivos
como combinar, em (18). Vejamos mais exemplos de verbos recíprocos intransitivos, nosso
objeto de análise:
(38) a. O João e sua irmã brigaram.
b. O João brigou com sua irmã.
(39) a. O noivo e a noiva brindaram.
b. O noivo brindou com a noiva.
(40) a. Cristina e Marta dialogaram.
b. Cristina dialogou com Marta.
(41) a. Preto e vermelho combinam.
b. Preto combina com vermelho.
(42) a. Os horários de trabalho de Cristina e Marta coincidem.
b. O horário de trabalho de Cristina coincide com o de Marta.
(43) a. Os versos dessa música rimam.
b. Esse verso dessa música rima com aquele outro.
Em (a), exemplificamos as sentenças na forma simples; em (b), exemplificamos as sentenças
na forma descontínua.
1.3 Hipótese, objetivos e justificativa
20
Godoy (2008), em uma reflexão a respeito da noção de classe verbal, chega à
conclusão de que a propriedade sintática que reúne os verbos recíprocos em uma única classe
verbal gramatical é a alternância entre as formas simples e descontínua, não a sua
transitividade. Além disso, para a autora, a propriedade semântica associada a esse
comportamento sintático é a reciprocidade, uma propriedade lógica, não temática. Neste
trabalho, reforçamos, ainda, que a reciprocidade pertence ao sentido idiossincrático dos
verbos recíprocos.
Em um trabalho mais recente, no entanto, Cançado et al. (2013) mostram que os
verbos recíprocos não pertencem a uma mesma classe, diferenciando verbos do tipo
conversar, que são intransitivos e não acarretam um resultado final, de verbos como misturar,
que são bieventivos8 e acarretam ficar estado como resultado final, participando da
“alternância causativo-incoativa”9 (CANÇADO et al., 2013). Lembrando que, na análise de
Godoy (2008), ambos os verbos foram considerados como pertencentes à mesma classe dos
verbos recíprocos do PB. Observemos o comportamento dos verbos conversar e misturar
abaixo:
(44) a. Aquela garota conversou muito com a colega na aula ontem. – forma
causativa
b. *Aquela garota ficou conversada. – acarretamento ficar estado
c. *A colega (se) conversou10. – forma incoativa
(45) a. O cozinheiro misturou o ovo com a farinha. – forma causativa
b. O ovo e a farinha ficaram misturados. – acarretamento ficar estado
c. O ovo e a farinha (se) misturaram. – forma incoativa
A partir dos exemplos em (44) e em (45), podemos notar a diferença de comportamento entre
os verbos conversar e misturar. Na alternância causativo-incoativa, temos um processo de
intransitivização em que o sujeito é apagado e o objeto passa para sua posição. Apenas o
verbo misturar, em (45), aceita essa alternância. O comportamento sintático-semântico
8
Verbos bieventivos são aqueles que denotam um evento complexo, composto por dois subeventos,
normalmente, um subevento de ação e um subevento de resultado.
9
Processo de intransitivização que permite que um verbo alterne entre uma estrutura transitiva (causativa), e uma
estrutura intransitiva (incoativa). A sentença O cozinheiro misturou o ovo com a farinha pode alternar para a
forma O ovo e a farinha (se) misturaram, pois o verbo misturar é passível de ocorrer na alternância causativoincoativa. Já a sentença Aquela garota conversou muito com a colega na aula ontem não pode alternar para a
forma *A colega conversou, visto que o verbo conversar barra a alternância causativo-incoativa.
21
distinto entre os verbos conversar e misturar é uma evidência de que eles não devem ser
tomados como pertencentes a uma mesma classe (CANÇADO et al., 2013).
Além disso, Cançado et al. (2013) assumem que a alternância simples-descontínua
não é uma propriedade sintática específica dos verbos recíprocos. As autoras citam o verbo
transitivo roubar (CANÇADO et al., 2013, p. 65), e podemos citar, também, o verbo
intransitivo jantar. Esses verbos não são verbos recíprocos, mas apresentam uma alternância
similar à simples-descontínua, como já mostramos para dormir:
(46) a. João e Maria roubaram a loja.
b. João roubou a loja com Maria.
(47) a. Cristina e Jorge jantaram.
b. Cristina jantou com Jorge.
Apesar de os verbos roubar e jantar acima não exigirem um argumento-sujeito plural e não
possuírem a propriedade semântica de reciprocidade, em (a), eles aparecem em sentenças na
forma simples e, em (b), em uma forma descontínua. A partir disso, Cançado et al. (2013)
ilustram que a alternância simples-descontínua não é uma composição sintática comum
apenas aos verbos recíprocos, podendo ocorrer com diferentes tipos de verbos no PB.
Sendo assim, de acordo com a análise das autoras, os verbos recíprocos transitivos
pertencem à ampla classe dos verbos de mudança de estado no PB, mais especificamente, à
classe dos verbos de mudança de estado opcionalmente volitivos 11, junto a outros verbos do
PB (CANÇADO et al., 2013). Dentro da classe de mudança de estado do PB, foram
agrupados os verbos recíprocos transitivos do tipo misturar, tais como conectar, desgrudar e
entrelaçar, bem como outros verbos, não recíprocos, tais como quebrar, abrir e congelar.
Todos esses verbos foram agrupados em uma mesma classe verbal por possuírem um
comportamento semântico-sintático semelhante: como vimos, os verbos desta classe são
bieventivos, acarretam ficar estado como resultado final, e participam da alternância
causativo-incoativa.
Neste trabalho, nossa hipótese inicial é a de que os verbos recíprocos intransitivos,
assim como os verbos recíprocos transitivos analisados por Cançado et al. (2013), não
formam uma única classe verbal no PB. Esta postulação baseia-se nas evidências apontadas
10
Essa sentença é agramatical no sentido de que a colega é o paciente da ação do verbo.
22
pelas autoras, que mostram que tais verbos possuem um funcionamento semântico-sintático
distinto. Na seção 1.2, também foram apresentadas novas evidências de que o agrupamento
desses verbos não é simples de ser justificado: o teste do acarretamento proposto por Godoy
(2008) não foi suficiente para separar os verbos lexicalmente recíprocos daqueles cuja
reciprocidade é sintática. Ademais, a argumentação de que os verbos lexicalmente recíprocos
requerem, de maneira obrigatória, um argumento com denotação plural na posição de AE ou
de AI em sua forma simples, não se mostrou válida para todos os verbos classificados como
recíprocos por Godoy (2008).
Este trabalho se insere em um amplo programa de pesquisa sobre a descrição e
análise do léxico verbal do PB, que vem sendo desenvolvido pelo Nupes 12. Tendo em vista a
hipótese levantada, nosso objetivo geral é contribuir para a descrição do sistema linguístico
do PB por meio da análise do comportamento semântico-sintático dos verbos recíprocos, que
foram considerados por muitos autores como pertencentes a uma classe verbal única.
Para que a nossa hipótese seja verificada, temos como objetivos específicos:
1.
Analisar os verbos recíprocos intransitivos do PB, a partir do levantamento
feito por Godoy (2008).
2.
Verificar se os verbos recíprocos intransitivos podem ser agrupados em uma
única classe verbal canônica, do tipo medium-grained13, que compartilhe as mesmas
propriedades semânticas e sintáticas, por meio de testes sintáticos e semânticos.
3.
Propor possíveis representações semânticas para a(s) classe(s) dos verbos
recíprocos intransitivos por meio da linguagem de decomposição de predicados primitivos14.
4.
Discutir o conceito de reciprocidade, por meio da investigação do
comportamento dos verbos classificados por Godoy (2008) como recíprocos.
Visto que a propriedade da reciprocidade está presente em verbos que apresentam
um funcionamento semântico-lexical distinto, parece-nos relevante descrever e definir o
funcionamento dos verbos recíprocos intransitivos, da maneira como fazem Cançado et al.
11
Os verbos opcionalmente volitivos são aqueles cujo argumento-sujeito pode agir ou não com intenção.
Núcleo de Pesquisa em Semântica Lexical da FALE/UFMG: www.letras.ufmg.br/nucleos/nupes.
13
Medium-grained é um dos níveis de análise para a classificação verbal proposto por Cançado e Gonçalves
(2016). Segundo as autoras, para que um grupo de verbos seja classificado a partir deste nível, é necessário que
eles possuam toda a estrutura semântica idêntica, e não apenas parte dela. Esta noção será explicada com detalhes
no capítulo 2.
14
A decomposição de predicados primitivos será explicitada no capítulo 2.
12
23
(2013) com relação aos verbos recíprocos transitivos que pertencem à classe dos verbos de
mudança de estado. Nesse sentido, a realização dessa pesquisa se justifica uma vez que nos
propomos a analisar por qual(is) classe(s) os verbos recíprocos intransitivos do PB se
distribuem. Além disso, o que motiva esta pesquisa é verificar o estatuto da reciprocidade
enquanto propriedade semântico-lexical, ou seja, verificar se ela é uma propriedade
gramaticalmente relevante no PB.
1.4 Metodologia
Os dados apresentados neste trabalho foram coletados por meio de uma pesquisa
realizada por Godoy (2008), a partir do Dicionário Gramatical de Verbos do Português
Contemporâneo do Brasil, de Borba (1990)15. A autora listou, dos 5000 verbos de Borba,
cerca de 200 verbos recíprocos, dentre os quais foram escolhidos 126 para sua análise, tendo
os outros sido excluídos por falta de intuição. Como nos propusemos a trabalhar apenas com
os verbos recíprocos intransitivos, foram selecionados, da pesquisa de Godoy (2008), um total
de 53 verbos. Destes 5316 verbos, foram utilizados, nesta pesquisa, apenas 3117.
Dos 22 verbos que foram eliminados de nossa análise, 7 são verbos sobre os quais
não tínhamos intuição, como, por exemplo, conchavar, confabular e mancomunar. Os 15
verbos restantes foram eliminados uma vez que consideramos que eles não são basicamente
intransitivos, mas transitivos. Cançado e Amaral (2010) discutem diferentes propostas de
alguns autores a respeito do clítico se, como Kaine (1975), Grimshaw (1982), Reinhart e
Siloni (2005), Kemmer (1993), Maldonado (1999), Chierchia (2004) e Koontz-Garboden
(2009). A partir de uma análise dessas propostas, as autoras propõem que os verbos
basicamente transitivos que podem sofrer intransitivização são marcados morfologicamente
com o clítico se.
Nesse sentido, as autoras assumem que existem verbos que são basicamente
transitivos e verbos que são basicamente intransitivos, ou seja, os verbos teriam, segundo sua
proposta, uma forma básica e uma derivada. Segundo Haspelmath (1993) apud Cançado e
Amaral (2016), a forma derivada de uma sentença é sempre marcada, seja sintática,
fonológica ou morfologicamente. Cançado e Amaral (2016) argumentam que, nas línguas
15
Desenvolvido por uma equipe de professores da Unesp, este dicionário apresenta uma lista de verbos do PB,
tendo sido elaborado a partir de uma coleta exaustiva de dados de língua escrita.
16
Esses verbos encontram-se listados no anexo desta monografia.
24
românicas, se o clítico se aparece marcando a forma intransitiva de uma sentença, isso
significa que ela é a forma derivada, e sua contraparte transitiva é a forma básica. Vejamos
um exemplo:
(48) a. A janela (se) fechou18. – forma derivada
b. O vento fechou a janela. – forma básica
Visto que verbo fechar acima aceita a partícula se em sua forma intransitiva (48a), dizemos
que fechar é um verbo de forma básica transitiva (48b), o qual pode sofrer uma
intransitivização.
Além disso, vimos, na seção 1.2, que o se é um operador lógico com função
reciprocadora (HEIM et al., 1991 apud GODOY, 2008). Seguindo Williams (1991) apud
Godoy (2008), mostramos o verbo collide e sua agramaticalidade com o reciprocador each
other (*They collided each other). A partir disso, podemos concluir que sentenças com verbos
lexicalmente recíprocos são agramaticais quando acrescidas do se. Isso pode ser explicado
pelo fato de que verbos lexicalmente recíprocos já possuem, marcada em sua entrada lexical,
a propriedade de reciprocidade. Portanto, quando se juntam a outro operador com função
reciprocadora, como o se, formam uma sentença redundante.
Sendo assim, neste trabalho, consideramos como verbos basicamente intransitivos,
nosso objeto de estudo, apenas aqueles que não aceitam, em sua forma intransitiva, o clítico
se. Assumimos, portanto, que o clítico se marca que a forma intransitiva do verbo é derivada,
não sendo sua forma básica. Ademais, assumimos que o se deve ser agramatical e redundante
em uma sentença com um verbo lexicalmente recíproco. Verbos como harmonizar,
confraternizar, entrosar e contrastar, por aceitarem o clítico se, foram eliminados de nossa
análise. Eles são, então, basicamente transitivos. Além disso, por aceitarem a partícula se,
colocamos em dúvida o fato de esses verbos serem lexicalmente recíprocos19. Abaixo,
apresentamos alguns exemplos reais dessas ocorrências, encontradas a partir de uma pesquisa
no Google:
17
A análise destes verbos encontra-se no apêndice desta monografia.
Em alguns dialetos, a partícula se pode ser apagada.
19
Um estudo mais a fundo sobre o fato de os verbos eliminados de nossa análise não serem lexicalmente
recíprocos fica em aberto para trabalhos futuros. Apenas apresentamos evidências de que esses verbos não podem
18
25
(49) “Quando o Direito é obedecido, as relações sociais se harmonizam” (trecho
retirado do discurso de Michel Temer)20. [grifo nosso]
(50) “Servidores do Inpa se confraternizam durante o encerramento da 1ª Semana
de Qualidade Vida no Trabalho” (manchete de notícia)21. [grifo nosso]
(51) “Novatos do Linense se entrosam com nova equipe” (legenda de vídeo retirada
do site globo.com)22. [grifo nosso]
(52) “Se você aplicar uma segunda cor para acentuar o trabalho assegure-se de que
as cores se contrastam” (retirado do livro Design Para Quem Não é Designer, de
Robin Williams). [grifo nosso]
Conversar, lutar, coincidir e rimar, por sua vez, são alguns exemplos dos verbos
recíprocos basicamente intransitivos que foram tomados como objeto de análise deste
trabalho. Esses verbos não aceitam a partícula se em sua forma intransitiva. Podemos notar
que as sentenças formadas por esses verbos, em que é acrescentada a partícula se, ficam
agramaticais:
(53) *As crianças se conversaram.
(54) * Mike Tyson e Evander Holyfield se lutaram.
(55) * O casal se convive bem.
(56) * Esse verso se rima.
Observamos o comportamento dos 31 verbos recíprocos intransitivos com o intuito
de verificar se eles compartilhavam as mesmas propriedades sintáticas e semânticas e, para
isso, analisamos seu aspecto lexical, sua estrutura argumental e suas possíveis construções
sintáticas. Além disso, fizemos uso de alguns testes sintático-semânticos que consideramos
relevantes para observar se esses verbos possuem um comportamento similar, os quais
envolveram observar se eles aceitam um objeto cognato, tentar formular paráfrases desses
verbos, e tentar encontrar sua parte idiossincrática. Os verbos analisados passaram por
julgamentos de aceitabilidade feitos, primeiramente, a partir de nossa intuição de falantes do
ser considerados em nossa análise. Na defesa desta monografia, a Professora Letícia Meirelles notou que o “se”
parece marcar a reciprocidade, mas apenas quando esta é acompanhada de uma mudança na transitividade verbal.
20
Disponível no site: https://goo.gl/PEl2h3.
21
Disponível no site: https://goo.gl/efozcr.
22
Disponível no site: https://goo.gl/XgVJ1T.
26
PB. Além disso, para confirmar nossa intuição, realizamos buscas no site Google na tentativa
de encontrar ocorrências reais de nossos dados.
Parece importante justificar a nossa escolha por um estudo metodológico pautado em
nossa intuição de falantes, e não em dados de fala reais da língua. A introspecção, tratamento
da linguagem conhecido desde Chomsky (1957), é o fator que nos possibilita o trabalho com
dados negativos, ou seja, com sentenças agramaticais. Isso seria impossível a partir de um
corpus com dados de fala reais. Além disso, como alegam Cançado et al. (2013), seria
inviável a busca, por meio de corpora, de todos os tipos de sentenças que pretendíamos
analisar.
Utilizamos como abordagem teórica a decomposição de predicados, que será
apresentada no capítulo 2. Essa metalinguagem foi utilizada de maneira a representar o
sentido lexical dos verbos analisados. Apresentamos, ao final deste trabalho, um anexo com
os 53 verbos recíprocos intransitivos coletados por Godoy (2008) e evidenciamos quais foram
os verbos eliminados de nossa análise. Além disso, apresentamos um apêndice contendo os 31
verbos escolhidos para a elaboração desta pesquisa, juntamente com suas informações
semântico-sintáticas relevantes.
27
CAPÍTULO 2: REFERENCIAL TEÓRICO
Neste capítulo descrevemos o arcabouço teórico que subjaz nossa pesquisa. Para
tanto, mostraremos quais os pressupostos básicos das abordagens na Interface SintaxeSemântica Lexical; explicitaremos o conceito de classe verbal e descreveremos o
funcionamento da linguagem de decomposição de predicados primitivos, que é a
metalinguagem utilizada nesta pesquisa.
2.1 A Interface Sintaxe - Semântica Lexical
A Semântica Representacional surge na literatura linguística com a preocupação de
relacionar a língua com os construtos e representações mentais dos falantes. Cançado e
Amaral (2016) apresentam o tipo de abordagem que se faz nessa área. Segundo as autoras, é
levado em conta, na Semântica Representacional, o significado cognitivo, mas não as
relações da língua com o mundo. A Semântica Lexical se insere em uma abordagem
representacional, contando com duas principais correntes de estudo, sendo que uma delas
possui um viés estruturalista, e a outra lida com a interface entre a semântica e a sintaxe.
A Semântica Estruturalista, que tem sua origem junto aos estudos de Saussure (2006
[1916]), lida com as noções de campo semântico, análise componencial e relações entre
palavras, tais como hiponímias e polissemias. Seu foco é, portanto, o estudo do sentido das
palavras e suas correlações (CANÇADO; AMARAL, 2016).
A Interface Sintaxe-Semântica Lexical, por sua vez, irrompe na década de 60, com
os estudos de Fillmore (1968, 1970, 1971). Esse campo centra-se na postulação de que há
uma relação ordenada entre papéis semânticos e sintáticos e procura investigar quais
propriedades semânticas são gramaticalmente relevantes, ou seja, se propõe a averiguar quais
propriedades semânticas determinam o comportamento sintático dos verbos. Segundo
Cançado e Amaral (2016), a alternância verbal ou alternância de diátese faz referência a
diferentes formas de a língua organizar sua estrutura sintática. A partir dela, demonstram-se
evidências de que existem propriedades sintáticas cuja ocorrência possui restrições
semânticas. Com a intenção de compreender de que maneira se dão as alternâncias verbais, os
semanticistas lexicais fazem uso de noções como as de papel temático, de aspecto lexical e de
decomposição de predicados.
28
A alternância causativo-incoativa, por exemplo, configura-se como um processo
semântico-lexical no qual o verbo alterna sua estrutura argumental entre as formas transitiva e
intransitiva (CANÇADO et al., 2013). Em termos de papel temático, por exemplo, sua
ocorrência apenas é possível se, na estrutura argumental de um verbo transitivo, tivermos um
AE com o papel temático de causa1 e um AI com o papel temático paciente. Isso se configura
como uma evidência de que a semântica do verbo é capaz de determinar sua configuração
sintática. Podemos observar que um verbo como quebrar, cuja estrutura argumental é {Causa,
Paciente}, pode alternar entre as formas causativa e incoativa/intransitiva, como
demonstramos em (1). Em contrapartida, o verbo pagar, cuja estrutura argumental é {Agente,
Beneficiário2}, não ocorre na forma incoativa, o que é ilustrado em (2):
(1)
a. O João queimou o papel. – forma causativa
b. O papel (se) queimou. – forma incoativa
(2)
a. O dono da loja pagou o funcionário. – forma causativa
b. *O funcionário (se) pagou. – forma incoativa
Autores como Fillmore (1970), Dowty (1989, 1991, 2001), Pinker (1989), Dixon
(1992), Levin e Rappaport Hovav (1992, 1995, 2005), Van Valin (1993, 2005), Wunderlich
(1997, 2012), Cançado (2005), entre outros, assumem que, para se fazer uma classificação
adequada dos verbos, é necessário agrupá-los a partir de propriedades semântico-sintáticas
que eles têm em comum. Ou seja, classificar verbos implica agrupá-los a partir do
reconhecimento de suas propriedades semânticas capazes de licenciar determinadas
construções sintáticas (LEVIN, 1993; CANÇADO et al., 2013).
Os verbos de mudança de estado são um exemplo de uma classe verbal segundo o
ponto de vista da Interface Sintaxe-Semântica Lexical, uma vez que, de acordo com a análise
de Cançado et al. (2013), eles compartilham a propriedade semântica de representar um
evento em que uma entidade muda de estado, acarretando necessariamente o sentido ficar
estado, em que esse estado é expresso por um adjetivo relacionado ao verbo. Além disso,
sintaticamente, todos os verbos dessa classe são passíveis de sofrer a alternância causativo1
Causa é o desencadeador de alguma ação, sem controle sobre ela (CANÇADO; AMARAL, 2016).
Beneficiário é o “ser animado que é beneficiado ou prejudicado no evento descrito” (CANÇADO; AMARAL,
2016, p. 32).
2
29
incoativa. O verbo queimar, ilustrado em (1), faz parte desta classe. Observemos, abaixo,
mais exemplos de verbos da ampla classe de mudança de estado:
(3)
a. O garçom quebrou o prato de porcelana. – forma causativa
b. O prato de porcelana quebrou. – forma incoativa
c. O prato de porcelana ficou quebrado. – acarretamento ficar estado
(4)
a. O neto preocupou a avó. – forma causativa
b. A avó (se) preocupou. – forma incoativa
c. A avó ficou preocupada. – acarretamento ficar estado
Em (3a), temos o verbo quebrar em sua forma causativa, alternando para sua forma
incoativa/intransitiva em (3b). Do mesmo modo, temos o verbo preocupar em sua forma
causativa em (4a) e sua alternância para a forma incoativa sendo representada em (4b).
Ambos os verbos são pertencentes à classe dos verbos de mudança de estado e, por isso,
compartilham, além da possibilidade de alternar entre as formas causativa e incoativa, a
propriedade de acarretar ficar estado, como se demonstra em (3c) e (4c).
Como uma linha de pesquisa dentro da Semântica Representacional, a Interface
Sintaxe-Semântica Lexical se preocupa com as representações mentais relacionadas à língua.
De forma especial, nesta linha de pesquisa, há a preocupação de se estabelecer tipos de
representações semântico-lexicais que refletem as propriedades semânticas gramaticalmente
relevantes. Uma das formas de representar tais propriedades é a partir de uma lista de papéis
temáticos. Outra forma é a representação por meio da metalinguagem chamada de
“decomposição de predicados”. Essa metalinguagem é representativa do conteúdo semântico
recorrente entre grupos de verbos, que é capaz de licenciar determinadas construções
sintáticas. Por meio da decomposição de predicados, os elementos semânticos dos verbos são
decompostos em termos de predicados primitivos3, seus argumentos e seus modificadores,
podendo ainda ser derivados o tipo aspectual dos verbos e os papéis temáticos de seus
argumentos.
Seguindo a metalinguagem da decomposição de predicados, podemos prever, por
exemplo, que verbos que apresentaram em sua estrutura semântica o modificador “volição”4,
3
Elementos semânticos predicadores não decomponíveis.
A presença do modificador “volição” (em inglês, volition) indica a que o argumento-sujeito de determinado
verbo age com intenção, ou seja, que ele é um agente.
4
30
como o verbo quebrar, poderão ser passivizados em sua estrutura sintática. Observemos a
estrutura (CANÇADO et al., 2013, p. 97) e o comportamento do verbo quebrar abaixo:
(5)
a. quebrar: [[X ACT (VOLITION)] CAUSE [BECOME [Y <QUEBRADO>]]]5
b. O João quebrou o prato de porcelana.
c. O prato de porcelana foi quebrado pelo João.
Podemos prever a partir da estrutura em (5a) que poderão, ainda, ocorrer na alternância
causativo-incoativa, em que, como vimos, o sujeito é apagado e o complemento passa para a
posição de sujeito. Isso é mais um exemplo de com a semântica pode licenciar construções
sintáticas. Observemos novamente o comportamento do verbo quebrar.
(6)
O prato de porcelana (se) quebrou.
Em (5a), temos o verbo quebrar decomposto em sentidos menores (primitivos semânticos)
por meio da decomposição de predicados. Em (5b), temos a sentença em sua forma básica,
causativa. Em (5c), demonstramos a sentença na passiva e, em (6), na forma incoativa. A
linguagem de decomposição de predicados será explicitada na seção seguinte.
Segundo a vertente da Interface Sintaxe-Semântica Lexical, o léxico deixa de ser
visto como um repositório idiossincrático e desorganizado de palavras, para ser assumido
como um componente linguístico sistematicamente ordenado. Sendo esta a linha de pesquisa
que adotaremos neste trabalho, a partir daqui, quando nos referirmos à Semântica Lexical,
estaremos nos referindo ao seu campo de interface com a sintaxe. Além disso, neste trabalho,
adotaremos a decomposição de predicados como metalinguagem e metodologia de análise da
semântica dos verbos recíprocos intransitivos.
2.2 A linguagem de decomposição de predicados primitivos
Rappaport Hovav e Levin (1998) assumem dois níveis de representação da
informação presente nos itens lexicais: a Lexical Conceptual Structure “estrutura lexical
conceptual” (LCS) e a estrutura argumental. Para as autoras, a LCS estaria relacionada com o
31
nível semântico, sendo apenas o nível sintático correspondente à estrutura argumental. Pinker
(1989), de forma similar, reconhece que a estrutura argumental é a informação apenas
sintática dos verbos, ao passo que informação semântica se refere ao significado verbal, sendo
chamada de “estrutura semântica”.
Entretanto, neste trabalho, assumiremos, seguindo a proposta de Cançado e Amaral
(2016), que a estrutura argumental contém, de maneira mais ampla, as informações tanto
sintáticas quanto semânticas de um item lexical. Consideraremos, portanto, que a estrutura
argumental de um item lexical, em regra, indica o número e o tipo de argumentos de que esse
item necessita para ter seu sentido completo (LEVIN, 2013).
As informações sintáticas e semânticas de um verbo, ou seja, sua estrutura
argumental6, podem ser representadas a partir de diferentes metalinguagens. Nesse sentido,
alguns autores, começando por Fillmore (1968), propõem que a representação das estruturas
argumentais dos verbos pode se dar a partir de uma lista de papéis temáticos, como
exemplificamos abaixo:
(7)
a. amassar: {Agente, Paciente}
Em contrapartida, autores como Jackendoff (1983, 1990), Pinker (1989), Levin e
Rappaport Hovav (2005 e demais trabalhos), Cançado et al. (2013), entre outros, adotam uma
representação da estrutura argumental de um item verbal por meio da decomposição de seu
significado em predicados primitivos. Como vimos brevemente na seção 2.1, a
metalinguagem chamada de “decomposição de predicados” representa o conteúdo semântico
relevante gramaticalmente, que é recorrente entre grupos de verbos. Vale ressaltar que a
decomposição de predicados não é uma teoria linguística, mas uma metalinguagem e uma
metodologia de análise (ENGELBERG, 2011 apud CANÇADO; AMARAL, 2016). Por meio
da decomposição de predicados, os elementos semânticos dos verbos são decompostos em
predicados primitivos, reforçando a ideia de que o sentido dos verbos é composicional. Os
elementos da sintaxe dessa metalinguagem são os predicados, seus argumentos e seus
modificadores e sua sintaxe é simples: um predicado pede um ou dois argumentos para
saturar seu sentido e pode ser modificado.
5
Os parênteses entre o modificador VOLITION indicam a opcionalidade da volição. Sendo assim, temos que o
verbo quebrar aceita um agente ou uma causa na posição de sujeito.
32
Na seção 2.1, discutimos que os verbos de mudança de estado podem ser
considerados uma classe por compartilharem a propriedade semântica de representar um
evento em que uma entidade muda de estado, acarretando necessariamente o sentido ficar
estado e por serem causativos, contendo dois subeventos em seu sentido. Além disso, em sua
estrutura sintática, os verbos dessa classe podem alternar entre as formas transitiva e
intransitiva, na alternância causativo-incoativa. Cançado et al. (2013, p. 93) classificam o
verbo amassar como sendo pertencente à classe de verbos de mudança de estado. Sua
estrutura é dada abaixo:
(8)
a. v: [[X ACT (VOLITION)] CAUSE [BECOME [Y <STATE>]]]7
b. amassar: [[X ACT (VOLITION)] CAUSE [BECOME [Y <AMASSADO>]]]
Na representação em (8a), temos a estrutura da classe dos verbos de mudança de estado. Em
(8b), há a representação do verbo amassar, um dos verbos pertencentes à classe ilustrada em
(8a). Podemos notar, nesta estrutura, que o sentido do verbo amassar foi decomposto em
elementos menores de sentido: os predicados primitivos8 (ACT, CAUSE e BECOME), as
variáveis (X e Y) e a raiz “AMASSADO”, que pertence à categoria ontológica dos estados,
representada por STATE na estrutura da classe, em (8a).
As variáveis X e Y são argumentos que saturam o sentido dos predicados. A raiz,
“AMASSADO”, por sua vez, é a parte idiossincrática do sentido do verbo, ou seja, é ela quem
diferencia o significado dos verbos pertencentes à mesma classe, tais como abrir, acalmar e
clarear: para abrir, teríamos a raiz “ABERTO”; para acalmar, teríamos a raiz “CALMO” e,
para clarear, teríamos a raiz “CLARO”. VOLITION é um modificador que atribui volição, ou
seja, capacidade de agir com intenção, ao predicado ACT.
A variável X satura o predicado monoargumental ACT, formando o constituinte
semântico [X ACT], enquanto a variável Y satura o predicado monoargumental STATE,
formando o constituinte [Y<STATE>]. Em uma estrutura complexa, os argumentos [[X ACT
(VOLITION)]
6
e [BECOME [Y <AMASSADO>]] saturam o sentido do metapredicado
A estrutura argumental equivale, grosso modo, ao conceito de valência verbal conceito introduzido por Tesnière,
em 1959 (CANÇADO, AMARAL, 2016).
7
As estruturas de decomposição de predicados são apresentadas em inglês, língua em que foram propostas, para
reforçar seu caráter universal, ou seja, não importa a língua em que aparecem, os predicados possuem o mesmo
sentido (PINKER, 1989; CANÇADO; AMARAL, 2016).
8
Os predicados primitivos são sempre escritos em caixa alta.
33
biargumental CAUSE. Podemos observar que são os colchetes que delimitam a saturação de
um constituinte semântico, ou seja, o predicado saturado por seus argumentos.
O constituinte [X ACT] está associado ao desencadeamento da ação, enquanto o
elemento [BECOME Y] denota o resultado da ação. O metapredicado CAUSE, por sua vez,
expressa a relação de causação9 entre a ação e seu resultado final (CANÇADO et al., 2013). A
raiz AMASSADO, por fim, denota o estado final do evento de amassar. Abaixo,
demonstramos a relação causal do verbo amassar, bem como sua natureza composicional, a
partir de dois subeventos (CANÇADO; AMARAL, 2016, p. 165):
(9)
[SUBEVENTO 1 a ação [SUBEVENTO 2 o resultado de algo ficar amassado]]
A estrutura dada em (8b), pelo verbo amassar, pode ser representada pela seguinte
sentença:
(10) A estudante amassou o papel.
Em (10), os argumentos do verbo amassar, a estudante e o papel, estão associados às
variáveis X e Y, respectivamente. O constituinte [X ACT] representa o desencadear da ação,
ou seja, o fato de a estudante realizar uma ação. A parte da estrutura [BECOME [Y
<AMASSADO>]] é o resultado da ação de X: se a estudante amassou o papel, então o papel
torna-se amassado. O metapredicado CAUSE representa a relação de causação entre a ação e
seu resultado final, ou seja, o fato de a estudante amassar o papel causa nele uma mudança de
estado: ele, que não estava amassado, agora passa a ficar amassado. É por isso que este verbo
está na classe dos verbos de mudança de estado.
A partir da estrutura de decomposição de predicados, é possível derivar o tipo
aspectual do verbo decomposto e os papéis temáticos dos seus argumentos. Nesse sentido,
com relação aos verbos da classe de mudança de estado, para o verbo amassar, podemos
fazer as seguintes generalizações:
9
Relação causal necessária entre dois subeventos que compõem a semântica de um mesmo verbo (CANÇADO;
AMARAL, 2016).
34
- Quanto ao seu aspecto lexical: é um accomplishment10;
- Quanto à sua grade temática: amassar: {Causa (Agente), Paciente};
- Quanto à complexidade de seu evento: causativo.
Podemos perceber, juntamente com Cançado e Amaral (2016), que a decomposição de
predicados representa de maneira mais complexa a semântica dos verbos. A partir dela,
podemos observar a complexidade do evento denotado pelo verbo (se ele é ou não causativo),
o papel temático de seus participantes e, além disso, seu aspecto lexical. Sendo assim, por
meio de sua representação em uma abordagem em termos de decomposição de predicados
(ilustrada em (8b)), temos que o verbo amassar é um accomplishment, uma vez que ele é
causativo, possuindo em seu sentido dois subeventos, representados em (9). Além disso,
fomos capazes de derivar o tipo dos papéis temáticos de seus participantes: seu argumento em
posição de sujeito pode receber o papel de causa ou o de agente, visto que o modificador
VOLITION aparece na estrutura entre parênteses, indicando que o participante pode agir ou
não com intenção. Ademais, podemos dizer que seu segundo argumento, na posição de
objeto, é um paciente, já que temos representada uma mudança de estado na estrutura,
indicada pelo predicado BECOME.
Além desses predicados, existem muitos outros propostos na literatura, que abarcam
uma série de outras propriedades semânticas além da mudança de estado. Alguns exemplos
são os predicados HAVE, IN, WITH, AFFECT, DO, entre outros.
Neste trabalho, adotaremos a decomposição de predicados como metodologia de
análise da semântica dos verbos recíprocos intransitivos, propondo uma representação do
sentido dos verbos pertencentes a essa classe a partir das listas de predicados primitivos e das
estruturas já propostas em outros trabalhos.
2.3 Classes verbais
Assume-se, na Semântica Lexical, que, na delimitação de uma classe, não basta
observar o sentido específico dos verbos (FILLMORE, 1970; LEVIN, 1993; PESETSKY,
10
O aspecto lexical, diferentemente do aspecto gramatical, é uma propriedade que vem especificada na entrada
lexical dos itens verbais, de modo a descrever a maneira como uma situação se desenvolve no decorrer do tempo.
Por ser inerente ao sentido do verbo, ele não vem marcado morfossintaticamente. Accomplishments são verbos
que denotam um evento dinâmico, durativo e que possui um resultado final. No capítulo 3, explicitaremos melhor
todos os tipos de aspecto lexical.
35
1995; LEVIN; RAPPAPORT HOVAV, 2005; GRIMSHAW, 2005; CANÇADO; AMARAL,
2016). Faz-se necessário, além disso, observar se há propriedades semânticas nos itens
lexicais que são relevantes gramaticalmente, de modo a determinar sua realização sintática.
Os verbos brigar e bater parecem ser semelhantes, a princípio, por denotarem algum
tipo de movimento que ocorre entre pelo menos dois participantes: um dos participantes faz
algum tipo de ação em relação a outro. Podemos pensar, então, que eles são suspeitos de
possuírem as mesmas propriedades sintático-semânticas. No entanto, ao observamos o
comportamento de ambos, vemos que apenas um deles ocorre na alternância simplesdescontínua. Observemos os exemplos abaixo:
(11) a. Maria e João brigaram. – forma simples
b. Maria brigou com o João. – forma descontínua
(12) a. *Maria e João bateram. – forma simples
b. Maria bateu no João. – forma descontínua
Podemos perceber, nos exemplos acima, que apenas o verbo brigar, em (11), aceita um
argumento plural na posição de sujeito, na forma simples, podendo ser classificado como um
verbo recíproco. Além disso, a partir de sua forma simples (11a), o verbo brigar pode alternar
para uma forma descontínua, ilustrada em (11b). Já o verbo bater, em (12), não aceita um
argumento plural em uma forma simples (12a), não podendo formar uma sentença que alterne
entre as formas simples e descontínua. O verbo bater não pode, portanto, ser agrupado na
mesma classe que o verbo brigar, uma vez que o comportamento sintático de ambos não é o
mesmo. Sendo assim, notamos que não é suficiente apenas verificar se um determinado grupo
de verbos possui um sentido similar para que eles pertençam a uma mesma classe; é
necessário, além disso, observar se esse grupo compartilha características semânticas que têm
impacto na sintaxe.
Cançado e Gonçalves (2016) propõem que o nível de análise, o grain-size, também é
relevante na classificação verbal. As autoras assumem três níveis de análise para o
agrupamento dos verbos, a saber: coarse-grained, medium-graned e fine-grained. Cada um
desses níveis se associa a determinados tipos de fenômenos linguísticos e sua escolha
depende do tipo de análise que está sendo feita, mais ampla (coarse-grained), mediana
(medium-grained), ou mais específica (fine-grained).
36
Segundo Cançado e Amaral (2016), a classificação do tipo coarse-grained agrupa os
verbos por propriedades mais gerais, que podem estar presentes em verbos com diferentes
representações semânticas. Ela é, portanto, de nível mais amplo. O conjunto de verbos
transitivos é dado pelas autoras como um exemplo de classe que pode ser definida a partir
desse nível de análise. Verbos transitivos diretos que apresentam um agente na posição de
sujeito, segundo Jackendoff (1972), podem ser passivizados11, o que os agrupa, de acordo
com Cançado e Amaral (2016), em uma classe coarse-grained, uma vez que está sendo
levada em conta apenas parte da estrutura desses verbos. Exemplificamos, abaixo, a
propriedade de passivização:
(13) a. tampar: {Agente/Causa, Paciente}
b. O cozinheiro tampou a panela.
c. A panela foi tampada (pelo cozinheiro).
(14) a. guardar: (Agente, Tema12, Locativo13)
b. O João guardou as roupas limpas na gaveta.
c. As roupas limpas foram guardadas na gaveta.
(15) a. preocupar: (Causa, Paciente)
b. O filho preocupou a mãe.
c. *A mãe foi preocupada (pelo filho).
A partir das sentenças (13), (14) e (15), podemos perceber que, neste nível de análise, leva-se
em conta apenas parte da estrutura argumental do verbo, neste caso, o papel semântico do AE.
Sendo assim, se tivermos um verbo cuja posição de AE puder ser preenchida por um
argumento agente, não importa o tipo do argumento na posição de AI, este verbo poderá
formar uma sentença na passiva: é isso o que ocorre nos exemplos (13) e (14). Já em (15),
temos que a construção passiva é barrada, uma vez que um verbo como preocupar não aceita
um agente em posição de AE, mas apenas uma causa.
A generalização a respeito da formação de passivas é dada por Jackendoff (1972) em
termos de papel temático. Segundo Cançado e Amaral (2016), por meio da metalinguagem da
decomposição de predicados, também é possível prever a possibilidade de ocorrência ou não
11
12
Isso não implica, contudo, que apenas verbos com agente na posição de sujeito podem ser passivizados.
“Entidade transferida, física ou abstratamente, por uma ação” (CANÇADO; AMARAL, 2016, p. 32).
37
da passiva: os verbos que apresentarem, em sua estrutura semântica, o modificador
“VOLITION”, poderão ser passivizados em sua estrutura sintática.
(16) a. tampar: [[X ACT (VOLITION)] CAUSE [BECOME [Y <TAMPADO>]]]14
b. O cozinheiro tampou a panela.
c. A panela foi tampada (pelo cozinheiro).
(17) a. guardar: [[X ACT
VOLITION]
CAUSE [BECOME [[Y <GUARDADO>] LOC
Z]]15
b. O João guardou as roupas limpas na gaveta.
c. As roupas limpas foram guardadas na gaveta.
(18) a. preocupar: [[X ACT/STATE] CAUSE [BECOME [Y<PREOCUPADO>]]]16
b. O filho preocupou a mãe.
c. *A mãe foi preocupada pelo filho.
Podemos notar que, nas estruturas em (16) e (17), em que os verbos tampar e
guardar foram decompostos em sentidos menores, há a presença do modificador
“VOLITION”, que indica a capacidade de agir com volição (intenção). Por causa disso, as
sentenças formuladas a partir desses verbos, podem ser construídas por meio da passivização,
ilustrada em (16c) e (17c). Portanto, a parte da estrutura que é levada em conta neste nível de
análise, é apenas a parte em que temos “[X ACT
(VOLITION)]”,
que significa que X pode agir
com intenção, ou seja, que verbos como tampar e guardar aceitam, em sua estrutura, agentes
na posição de AE. Sendo assim, apesar de o restante das estruturas dos verbos tampar e
guardar serem diferentes entre si, “[BECOME [Y <TAMPADO>]]” e “[BECOME [[Y
<GUARDADO>] LOC Z]]”, respectivamente, ambas licenciam a construção sintática passiva.
Já em (18), temos que o verbo preocupar não aceita um agente em sua estrutura, na posição
de AE. Isso pode ser demonstrado a partir do fato de que, em “[X ACT/STATE]”, não há a
presença do modificador “VOLITION”, ilustrando que esse verbo aceita uma causa, mas
nunca um agente como AE. Nesse sentido, é possível dizer que verbos do tipo preocupar não
podem ser passivizados. Em um raciocínio semelhante ao raciocínio feito em termos de papel
“Lugar de onde algo se desloca, para onde algo se desloca ou em que algo está situado ou acontece”
(CANÇADO; AMARAL, 2016, p. 33).
14
Estrutura dos verbos de mudança de estado opcionalmente volitivos retirada de Cançado e Amaral (2016, p.
181).
15
Estrutura dos verbos de mudança de estado locativo retirada de Cançado e Amaral (2016, p. 186).
13
38
temático, os verbos que contêm a propriedade de passivização, demonstrada a partir da
metalinguagem da decomposição de predicados, são agrupados em uma classe coarsegrained, uma vez que apenas parte da estrutura destes verbos está sendo considerada em sua
classificação: apenas a parte da estrutura em que o modificador “VOLITION” está presente.
A análise do tipo medium-grained, por sua vez, considera toda a estrutura semântica
de um grupo de verbos para que eles possam ser considerados uma classe verbal. Ela é,
portanto, uma análise de tipo intermediário, que traz informações a respeito de classes
consideradas mais canônicas na literatura. Como exemplo, Cançado e Amaral (2016) citam as
classes de mudança de estado, de lugar e de posse. Os verbos da classe de mudança de estado
possuem a propriedade sintática de participarem da alternância causativo-incoativa. Como já
explicitamos, esta alternância é um tipo de intransitivização em que o objeto direto passa para
a posição de sujeito, e o sujeito é apagado da estrutura. Em termos de papel temático, para
que esta alternância ocorra, é necessário que haja, na estrutura, uma causa e um paciente. Se
uma causa ou um paciente não estiverem na posição de AE e AI, respectivamente, na
estrutura, a alternância causativo-incoativa é barrada. Vejamos alguns exemplos:
(19) a. acalmar: {Causa, Paciente}
b. A música de ninar acalmou o bebê.
c. O bebê (se) acalmou.
(20) a. quebrar: {Causa, Paciente}
b. O João quebrou o copo.
c. O copo (se) quebrou.
(21) a. guardar: {Agente, Tema, Locativo}
b. O João guardou as roupas limpas na gaveta.
c. *As roupas limpas (se) guardaram.
Acima, temos que os verbos acalmar, em (19), e quebrar, em (20), alternam entre as formas
transitiva e intransitiva. No entanto, notamos que a estrutura argumental do verbo guardar,
em (21), barra a alternância causativo-incoativa, uma vez que ela não apresenta uma causa
em posição de AE e um paciente em posição de AI.
16
Estrutura dos verbos de mudança de estado não volitivos retirada de Cançado e Amaral (2016, p. 182).
39
Por meio da metalinguagem da decomposição de predicados, também é possível
prever as alternâncias verbais, como a alternância causativo-incoativa. Nesse sentido, são
passíveis de alternar entre as formas transitiva e intransitiva, os verbos que possuírem, em sua
estrutura, um desencadeador (causa), “[X ACT (VOLITION)]”, bem como um evento de mudança
de estado “[BECOME [Y<STATE>]]”, como vemos abaixo:
(22) a. acalmar: [[X ACT (VOLITION)] CAUSE [BECOME [Y <CALMO>]]]17
b. A música de ninar acalmou o bebê.
c. O bebê (se) acalmou.
(23) a. quebrar: [[X ACT (VOLITION)] CAUSE [BECOME [Y <QUEBRADO>]]]18
b. O vento forte quebrou o copo.
c. O copo (se) quebrou.
(24) a. guardar: [[X ACT
VOLITION]
CAUSE [BECOME [[Y <GUARDADO>] LOC
Z]]]19
b. O João guardou as roupas limpas na gaveta.
c. *As roupas limpas (se) guardaram.
Podemos observar que, em (22) e (23), os verbos acalmar e quebrar licenciam a alternância
causativo-incoativa, por aceitarem um desencadeador, ou seja, uma causa, na posição de AE.
Isso é demonstrado pelo fato de que o modificador que indica volição está entre parênteses na
estrutura. Em contrapartida, o verbo guardar, em (24), rejeita esta alternância, porque sua
estrutura não aceita uma causa, mas apenas uma agente como AE. Observemos que, na
estrutura do verbo guardar, a volição é obrigatória, uma vez que ela não está entre parênteses.
Nos exemplos dados tanto em termos de papel temático quanto em termos de
decomposição de predicados, vemos que, para que um grupo de verbos ser classificado em
um nível de análise canônico, medium-grained, é necessário que todos eles possuam toda a
estrutura semântica idêntica: em relação à alternância causativo-incoativa, uma causa e um
paciente, se estivermos lidando com papéis temáticos; um desencadeador do tipo “[X ACT
17
Estrutura dos verbos de mudança de estado opcionalmente volitivos retirada de Cançado e Amaral (2016, p.
181).
18
Estrutura dos verbos de mudança de estado opcionalmente volitivos retirada de Cançado e Amaral (2016, p.
181).
19
Estrutura dos verbos de mudança de estado locativos retirada de Cançado e Amaral (2016, p. 186).
40
(VOLITION)]”
e um evento de mudança de estado, “[BECOME [Y <STATE>]]”, se estivermos
fazendo uso da decomposição de predicados como metalinguagem.
Finalmente, a classificação do tipo fine-grained, baseia-se apenas em sentidos
idiossincráticos de alguns tipos de verbos que, de alguma maneira, licenciam determinadas
construções sintáticas. Por conseguinte, essa é considerada a classificação mais restrita. Um
exemplo dado por Cançado e Amaral (2016) para elucidar essa classe são os verbos
recíprocos. As autoras assumem que os verbos recíprocos não são uma classe do tipo coarsegrained e nem uma classe canônica, do tipo medium-grained, por não apresentarem nenhuma
semelhança em sua estrutura argumental. Elas consideram, entretanto, que esses verbos são
uma classe em uma análise do tipo fine-grained, já que, a partir da propriedade semântica de
reciprocidade que eles abarcam, possuem a possibilidade de alternar entre as formas simples
e descontínua. A propriedade semântica de reciprocidade não está presente na estrutura dos
verbos recíprocos, mas é uma propriedade lógica que faz parte do seu sentido idiossincrático.
Assumimos, então, que a reciprocidade é uma propriedade pertencente à raiz de determinados
verbos. Observemos o exemplo abaixo:
(25) a. misturar: [[X ACT (VOLITION)] CAUSE [BECOME [Y <MISTURADO>]]]20
b. João misturou o ovo e a farinha. – forma simples
c. João misturou o ovo com a farinha. – forma descontínua
Acima, em (25), temos a estrutura do verbo misturar, que é um verbo recíproco transitivo
pertencente à classe de nível de análise medium-grained dos verbos de mudança de estado,
juntamente com verbos não recíprocos, como quebrar. Esse verbo foi agrupado nessa classe
por ser bieventivo e por acarretar ficar estado como resultado final (CANÇADO et al., 2013).
No entanto, o verbo misturar também abarca uma propriedade semântica gramaticalmente
relevante em sua raiz: a reciprocidade. A partir desta propriedade, o verbo misturar é capaz de
alternar sintaticamente entre as formas simples (25b) e descontínua (25c). Por isso, esse verbo
foi agrupado, também, na classe de nível de análise fine-grained dos verbos recíprocos do PB
(CANÇADO et al., 2013).
Em suma, em um nível medium-grained, temos uma classe onde estão agrupados os
verbos recíprocos transitivos, juntamente com outros verbos do PB: a classe dos verbos de
41
mudança de estado. Ou seja, segundo Cançado et al. (2013) os verbos recíprocos, sozinhos,
não formam uma classe do tipo medium-grained, mas estão agrupados em uma classe deste
tipo junto a outros verbos. No entanto, Cançado et al. (2013) consideram que os verbos
recíprocos transitivos, sozinhos, formam uma classe em um nível mais restrito, fine-grained,
por possuírem uma propriedade semântica que tem impacto na sintaxe.
Baseando-nos nessas definições, objetivamos verificar se os verbos recíprocos
intransitivos, não levados em conta na análise das autoras, podem ser considerados uma
classe canônica, do tipo medium-grained, no PB.
20
Estrutura dos verbos de mudança de estado opcionalmente volitivos retirada de Cançado e Amaral (2016, p.
181).
42
CAPÍTULO 3: A ANÁLISE DOS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS DO PB
Neste capítulo, a partir de testes sintático-semânticos, analisamos se os verbos
recíprocos intransitivos se compõem como uma classe verbal medium-grained única do PB, e
propomos sua estrutura argumental por meio da linguagem de decomposição em predicados
primitivos.
3.1 A partícula se
Um dos testes que realizamos com o intuito de observar o comportamento dos
verbos recíprocos intransitivos foi o teste de aceitabilidade da partícula se.
Como já mencionamos nesta monografia, Cançado e Amaral (2010), após uma
discussão acerca do clítico se, assumem que existem verbos basicamente transitivos e verbos
basicamente intransitivos. De acordo com sua proposta, os verbos teriam uma forma básica e
uma forma derivada. Seguindo a ideia de Haspelmath (1993), de que a forma derivada de uma
sentença é sempre marcada, seja sintática, fonológica ou morfologicamente, Cançado e
Amaral (2010) argumentam que, se o clítico se aparece marcando a forma intransitiva de uma
sentença nas línguas românicas, isso significa que ela é a forma derivada, e sua contraparte
transitiva é a forma básica:
(1)
a. A ventania abriu a janela.
b. A janela abriu.
c. A janela se abriu.
(2)
a. O calor amadureceu a banana.
b. A banana amadureceu.
c. *A banana se amadureceu.
Em (1c), temos que o verbo abrir aceita o clítico se em sua sentença intransitiva. Sendo
assim, sua forma básica é a transitiva (1a) e sua forma derivada é a intransitiva ((1b) e (1c)).
Diferentemente, em (2c), temos que o verbo amadurecer não aceita o se em sua sentença
intransitiva. Portanto, sua forma básica é a forma intransitiva (2b) e sua forma derivada é a
transitiva (2a).
43
Ainda, nas seções 1.2 e 1.4 mostramos que o se é um operador lógico com função
reciprocadora (HEIM et al., 1991 apud GODOY, 2008) e concluímos que sentenças com
verbos lexicalmente recíprocos são agramaticais quando acrescidas do se, uma vez que verbos
lexicalmente recíprocos já possuem, marcada em sua entrada lexical, a propriedade de
reciprocidade.
Portanto, neste trabalho, consideramos como verbos basicamente intransitivos, nosso
objeto de estudo, apenas aqueles que não aceitam, em sua forma intransitiva, o clítico se,
assumindo que o clítico se marca que a forma intransitiva é a forma derivada do verbo.
Ademais, assumimos que o se deve ser agramatical e redundante em uma sentença com um
verbo lexicalmente recíproco.
Como forma de testar a aceitabilidade do clítico se, foram formuladas sentenças na
forma simples com cada um dos 53 verbos recíprocos intransitivos listados por Godoy (2008)
em sua análise, os quais foram selecionados por nós como objeto de estudo 1. Nas sentenças
formuladas, encaixamos a partícula se e, baseando-nos em nossa intuição de falantes da
língua, verificamos se as sentenças eram gramaticais ou se soavam estranhas. Abaixo,
explicitamos como foi executado este teste:
(3)
Essas cores se harmonizam.
(4)
João e os colegas se confraternizaram no churrasco.
(5)
João e Maria se cruzaram na rua.
(6)
O carro e o caminhão se colidiram.
(7)
*Os primos se brigaram.
(8)
*Os amigos se conversaram.
(9)
*O casal se brindou.
(10) *Os versos deste poema se rimam.
As sentenças de (3) a (10) são formadas a partir de verbos recíprocos que foram considerados
intransitivos por Godoy (2008). No entanto, apenas as sentenças de (3) a (6) são gramaticais
quando é acrescida a partícula se. Partindo da ideia de que o se marca a intransitivização de
um verbo cuja forma básica é transitiva, discutida por Cançado e Amaral (2010, 2016), todos
os verbos recíprocos considerados intransitivos na análise de Godoy (2008) que aceitaram o
1
Todos os 53 verbos recíprocos intransitivos estão listados no anexo desta monografia.
44
se em sua sentença na forma simples, foram eliminados de nossa análise. Nesse sentido, 15
dos 53 verbos recíprocos intransitivos de Godoy (2008) são, na verdade, basicamente
transitivos.
Além disso, a fim de confirmarmos nossa intuição, realizamos buscas no site Google
na tentativa de encontrar ocorrências reais de nossos dados. Sentenças formadas a partir de
verbos como harmonizar, confraternizar, cruzar e colidir, listados nos exemplos de (3) a (6),
foram encontradas nas seguintes ocorrências com o clítico se:
(11) “Quando o Direito é obedecido, as relações sociais se harmonizam” (trecho
retirado do discurso de Michel Temer)2. [grifo nosso]
(12) “Praticantes de diversas religiões se confraternizam durante a época de Natal na
Bélgica”3. [grifo nosso]
(13) “O dia em que Donald Trump e os Rolling Stones se cruzaram”4. [grifo nosso]
(14) “Equipes de resgate trabalham no local onde dois trens de passageiros se
colidiram em uma zona rural na região de Puglia, Itália”5. [grifo nosso]
Acima, podemos observar ocorrências reais de sentenças formadas a partir de verbos
recíprocos acrescidos do clítico se. Esses verbos, que foram considerados por Godoy (2008)
como intransitivos, foram considerados, neste trabalho, como sendo basicamente transitivos.
É importante observarmos o comportamento do verbo colidir. O verbo collide é muito
discutido na literatura por autores como Williams (1991). Como vimos no Capítulo 1,
Williams (1991) apud Godoy (2008) apresenta evidências de que existe um operador
intrínseco aos verbos recíprocos quando cita o verbo collide e demonstra sua
agramaticalidade com o operador lógico each other (*They collided each other). Nas línguas
românicas, o clítico se, assim como o each other do inglês, tem função reciprocadora.
Contudo, diferentemente do verbo collide em relação ao reciprocador each other, o verbo
colidir não é agramatical quando forma uma sentença com a partícula se, a exemplo da
sentença em (14). Nesse sentido, é preciso observar que nem sempre o comportamento
semântico-sintático de um verbo em uma língua ilustra seu comportamento em outra língua.
2
Disponível no site: https://goo.gl/PEl2h3.
Disponível no site: https://goo.gl/xDrJlA.
4
Disponível no site: https://goo.gl/OF1UD6.
5
Disponível no site: https://goo.gl/27cugv.
3
45
Uma análise mais complexa sobre o comportamento do verbo colidir no PB fica em aberto
neste trabalho.
3.2 O aspecto lexical
Com o intuito de observar quais propriedades semânticas podem ter impacto na
sintaxe de uma língua, pareceu-nos relevante a realização de análises aspectuais com relação
aos verbos recíprocos intransitivos. A partir dessas análises, objetivamos observar a relação
do aspecto lexical desses verbos com sua estruturação sintática.
O aspecto lexical6, diferentemente do aspecto gramatical, é uma propriedade que
vem especificada na entrada lexical dos itens verbais. Nesse sentido, por ser inerente ao
sentido do verbo, ele não vem marcado morfossintaticamente. Vendler (1967) propôs um
sistema de aspecto lexical que é, ainda hoje, o mais aceito pelos linguistas. Segundo o autor,
os verbos podem ser divididos em quatro classes aspectuais, a saber, estados, atividades,
accomplishments e achievements. Essas quatro classes aspectuais se diferenciam em relação a
três pares de valor aspectual, são eles (CANÇADO; AMARAL, 2016):
- estatividade x dinamicidade: verbos estativos descrevem situações que não
necessitam de uma força/ação/movimento para desencadear sua realização; situações
descritas por verbos dinâmicos, ao contrário, necessitam de alguma força/ação/movimento
para que possam se manter no mundo.
- pontualidade x duratividade: verbos pontuais denotam situações que ocorrem em
um momento instantâneo e único no tempo; verbos durativos denotam eventos que se
estendem no tempo.
- telicidade x atelicidade: verbos télicos descrevem situações que apresentam um
resultado final; verbos atélicos, por sua vez, descrevem eventos que não apresentam um
resultado final.
Retomando as quatro classes aspectuais de Vendler (1967) e seus valores aspectuais,
temos que os estados são estativos, durativos e atélicos. As atividades são dinâmicas,
durativas e atélicas. Os accomplishments são dinâmicos, durativos e télicos. Os achievements,
46
por fim, são dinâmicos, pontuais e télicos. Baseando-nos na proposta de Vendler (1967),
analisamos os esquemas temporais definidos pelos verbos recíprocos intransitivos7. A partir
da análise de cada um deles, percebemos que a diferença de valor aspectual entre eles tem
relação com o par “estatividade x dinamicidade”. Vejamos os exemplos abaixo:
(15) O sapato e a blusa de Maria combinam.
(16) Os grupos sanguíneos dos gêmeos coincidem.
(17) João e sua irmã brigam muito.
(18) João e sua irmã conversam sempre.
Em (15) e (16), temos que os verbos combinar e coincidir denotam situações que não
necessitam de nenhuma força ou movimento para se manterem (são estativos). Além disso,
esses verbos apresentam situações que se estendem em um período de tempo (são durativos).
Por fim, podemos notar que os verbos combinar e coincidir não apresentam um resultado
final (são atélicos). Nos verbos atélicos, cada instante é igual ao seu todo e não é preciso
atingir um resultado final para que suas situações sejam verdadeiras. Na situação de combinar
ou coincidir, cada instante é igual ao seu todo, ou seja, se a dividirmos em três tempos,
teremos que t1=t2=t3.
De maneira semelhante a combinar e coincidir, brigar e conversar, em (17) e (18),
descrevem eventos que se estendem em um período de tempo (são durativos) e, também, não
apresentam um resultado final (são atélicos). No entanto, podemos notar que os verbos brigar
e conversar denotam situações que necessitam de uma força para continuarem a ocorrer (são
dinâmicos), o que os diferencia dos verbos estativos combinar e coincidir. Sendo assim, sem
o impacto de alguma força ou movimento, brigar e conversar não são eventos possíveis de se
manterem no mundo. Feita esta análise, concluímos que combinar e coincidir, em (15) e (16),
são verbos de estado, enquanto brigar e conversar, em (17) e (18), são verbos de atividade,
visto que eles se diferenciam pelo par “estatividade x dinamicidade”: os primeiros são
estativos e os segundos são dinâmicos.
6
Aspecto lexical, aktionsart, modo da ação, acionalidade e aspecto inerente são termos equivalentes na
literatura (CANÇADO; AMARAL, 2016).
7
Seguindo a ideia de Cançado e Amaral (2016), assumimos que os verbos, em determinadas sentenças, podem ter
uma leitura aspectual derivada, decorrente da estruturação sintática. No entanto, isso não será investigado nesta
monografia.
47
Partindo da observação dos valores aspectuais dos verbos recíprocos intransitivos
que objetivamos analisar e reconhecendo que o par “estatividade x dinamicidade” os dividia
em dois subgrupos, nos baseamos em alguns testes apresentados por Cançado e Amaral
(2016) para dar o aspecto lexical desses verbos de maneira mais precisa. Van Valin (2005)
sugere um teste para evidenciar a dinamicidade de um evento. O autor propõe que, como os
verbos de estado são estativos, e não dinâmicos, eles não podem responder adequadamente à
pergunta o que aconteceu?, a qual exige, como resposta, uma situação dinâmica. Seguindo
esse teste, prosseguimos fazendo esse tipo de pergunta a todos os verbos recíprocos
intransitivos, de modo a separar os verbos de estado dos verbos de atividade. Observemos o
funcionamento desse teste:
(19) a. O que aconteceu?
b. ?? Os grupos sanguíneos dos gêmeos coincidiram8.
(20) a. O que aconteceu?
b. ?? O sapato e a blusa de Maria combinaram.
(21) a. O que aconteceu?
b. João e sua irmã brigaram.
(22) a. O que aconteceu?
b. O João e sua irmã conversaram.
Podemos notar que (19b) e (20b) são respostas estranhas à pergunta O que aconteceu?, por
serem sentenças formuladas a partir de verbos de estado, os quais não apresentam uma
situação dinâmica. Diferentemente, as respostas em (21b) e (22b) são totalmente adequadas a
essa pergunta, por serem formuladas a partir de verbos de atividade, que expõem um evento
dinâmico. Este teste se mostra eficiente para diferenciar os verbos de estado dos verbos de
atividade, bem como dos demais tipos de aspecto lexical, accomplishments e achievements, já
que somente os estados possuem a propriedade de serem estativos.
Além do teste proposto por Van Valin (2005), que diferencia verbos de estado dos
demais tipos de aspecto lexical, decidimos realizar mais um tipo de teste, a fim de evidenciar
a natureza dinâmica das atividades. Dowty (1979) aponta um teste eficiente para demonstrar
que um verbo é uma atividade, conhecido como “paradoxo do imperfectivo”. A realização
8
As duas interrogações (??) indicam inadequação linguística.
48
deste teste consiste em colocar o verbo no imperfectivo contínuo (perífrase estar + gerúndio
do verbo) e verificar se há o acarretamento de uma sentença correspondente na forma
perfectiva (pretérito perfeito):
(23) João e sua irmã estão brigando. ├ João e sua irmã brigaram.
(24) João e sua irmã estão conversando. ├ João e sua irmã conversaram.
Nas sentenças (23) e (24), o acarretamento é gerado devido ao fato de que cada instante do
evento denotado por um verbo de atividade é igual ao seu todo, evidenciando a atelicidade
dos verbos brigar e conversar em questão. Este foi o teste utilizado por nós para diferenciar
as atividades dos achievements e dos accomplishments, que, ao contrário das atividades,
denotam eventos télicos.
Ademais, Dowty (1979) propõe um teste capaz de diferenciar a dinamicidade dos
verbos de atividade da propriedade de estatividade dos estados de maneira mais assertiva: o
teste da leitura habitual no presente. Este teste consiste em colocar uma expressão iterativa na
sentença, como toda hora ou todo dia e verificar o tipo de leitura que se origina dela.
Segundo o autor, as atividades, quando colocadas no presente, têm leitura iterativa, de hábito,
podendo se combinar com expressões iterativas. Os estados, por sua vez, têm uma leitura
contínua, não habitual, no presente, e, por isso, não podem se combinar com expressões
iterativas. Observemos a aplicação deste teste abaixo:
(25) João e sua irmã brigam todo dia.
(26) João e sua irmã conversam toda hora.
(27) *Os grupos sanguíneos dos gêmeos coincidem todo dia.
(28) *O sapato e a blusa de Maria combinam toda hora.
Podemos notar que os verbos de atividade brigar e conversar, em (25) e (26), podem ser
combinados com expressões iterativas, por terem uma leitura iterativa no presente. Em
contrapartida, os verbos de estado coincidir e combinar, em (27) e (28), formam sentenças
agramaticais com as expressões iterativas, por possuírem uma leitura contínua no presente. A
partir deste teste, portanto, fomos capazes de diferenciar as atividades dos estados.
Por meio dos quatro pares aspectuais de Vendler (1967) e pelos testes propostos por
Van Valin (2005) e Dowty (1979), prosseguimos verificando o aspecto lexical de todos os
49
verbos recíprocos intransitivos que nos propusemos a analisar. Notamos, assim, que os 31
verbos de nossa análise se subdividiam entre verbos de aspecto lexical de atividade, como
brigar e conversar e verbos de aspecto lexical de estado, como coincidir e combinar.
3.3 O objeto cognato
Na seção anterior, vimos que os verbos recíprocos intransitivos se subdividem em
verbos com o aspecto lexical de atividade e verbos com o aspecto lexical de estado. Com a
finalidade de compreender melhor o comportamento dos verbos recíprocos intransitivos de
atividade, seguimos a proposta de Amaral e Cançado (2015), de que há dois tipos de verbos
agentivos de atividade no PB: verbos do tipo correr e verbos do tipo escrever. Baseadas na
hipótese de que o comportamento gramatical é determinado pela semântica lexical, as autoras
apontam evidências da diferença de comportamento entre esses dois tipos de atividade, que
foram considerados por vários autores como pertencentes a uma mesma classe (RAPPAPORT
HOVAV; LEVIN, 1998, 2010; PINKER, 1989; GRIMSHAW, 2005).
Uma das evidências dadas pelas autoras é a relação entre estes verbos e um objeto
cognato: enquanto os verbos do tipo correr aceitam um objeto cognato, os verbos do tipo
escrever, não. Os objetos cognatos ou os objetos hipônimos, que também são aceitos pelos
verbos do tipo correr, não são argumentos do verbo e, por isso, se comportam de forma
diferente (JONES, 1988 apud AMARAL; CANÇADO, 2015). Sendo assim, a presença de um
objeto cognato em posição de objeto direto evidencia a existência de um nome contido dentro
dos verbos, bem como a natureza agentiva de seu argumento externo.
Objetivando observar a qual grupo de verbos agentivos de atividade os verbos
recíprocos intransitivos fazem parte, decidimos testar se eles aceitam a presença de um objeto
cognato em sua estrutura sentencial. Como resultado, obtivemos que os verbos recíprocos
intransitivos de atividade de nossa análise aceitam um objeto cognato e são, portanto, verbos
do tipo correr. Observemos alguns exemplos:
(29) João e Maria brigaram uma briga feia.
(30) Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram uma verdadeira luta.
(31) Leonardo DiCaprio e Kate Winslet contracenaram uma cena emocionante.
(32) O Capitão América e o Homem de Ferro duelaram um último duelo.
(33) Minha mãe e suas amigas prosearam uma prosa boa.
50
Em negrito, podemos observar o objeto cognato sendo acrescido às sentenças com os verbos
recíprocos intransitivos de aspecto lexical de atividade.
Podemos evidenciar a diferença do comportamento semântico-sintático entre os
verbos recíprocos intransitivos de atividade e os verbos recíprocos intransitivos de estado,
quando notamos que os últimos não formam sentenças gramaticais quando acrescidos de um
objeto cognato:
(34) *O sapato e a blusa de Maria combinam uma combinação boa.
(35) *Nossos horários de trabalho coincidem uma coincidência certeira.
Acima, em negrito, podemos notar o objeto cognato sendo acrescido às sentenças com os
verbos recíprocos intransitivos de aspecto lexical de estado, formando sentenças agramaticais
e evidenciando que os verbos recíprocos intransitivos não se comportam da mesma forma.
Além disso, a diferença de comportamento dos verbos recíprocos intransitivos de
atividade em relação aos verbos recíprocos intransitivos de estado pode ser reafirmada a
partir de um teste proposto por Jackendoff (1990). Segundo o autor, um argumento que se
encaixa em uma estrutura do tipo “o que x fez foi...” pode ser identificado como um agente.
Sendo assim, para observar se os verbos de nossa análise eram agentivos, testamos se seus
AEs se encaixam neste tipo de estrutura:
(36) O que João fez foi brigar com Maria.
(37) O que Mike Tyson foi lutar com Evander Holyfield.
(38) O que o Leonardo DiCaprio fez foi contracenar com Kate Winslet.
(39) O que o Capitão América fez foi duelar com o Homem de Ferro.
(40) O que minha mãe fez foi prosear com suas amigas.
(41) *O que o sapato fez foi combinar com a blusa de Maria.
(42) *O que meu horário fez foi combinar com o seu.
A partir do teste acima, notamos que os verbos de atividade, de (36) a (40), aceitam que seu
AE ocorra em uma estrutura como “o que x fez foi...”. Eles são, portanto, agentivos. Os
verbos de estado, (41) e (42), ao contrário, não aceitam um agente na posição de AE. Isso
mostra que eles não são verbos agentivos. Este teste também reforça que os verbos recíprocos
51
intransitivos de atividade fazem parte de um dos grupos de verbos de atividade agentivos
propostos por Amaral e Cançado (2015).
O objeto cognato também é utilizado, na literatura, para diferenciar dois tipos de
verbos intransitivos, segundo a chamada “Hipótese Inacusativa” (PERLMUTTER, 1978 apud
MEIRELLES, 2013): os verbos inacusativos (ergativos) e os verbos inergativos (acusativos).
Esses dois tipos de verbos possuem apenas um argumento, no entanto, os verbos inacusativos
possuem um sujeito com propriedades de objeto direto. A hipótese é de que seu objeto direto
se ergueu para a posição de sujeito, configurando-se como um “falso sujeito”. Sendo assim,
não se pode acrescentar aos verbos inacusativos, um objeto cognato, já que a função de objeto
já está sendo exercida em sua estrutura. Os verbos inergativos, por sua vez, possuem um
argumento, na posição de sujeito, com propriedades de sujeito. Desta forma, eles aceitam um
cognato na posição de objeto direto, uma vez que eles não possuem essa função sintática já
exercida em sua estrutura. Os verbos inergativos possuem, portanto, um “sujeito verdadeiro”.
Sabendo-se que todo objeto direto tem a característica de ser construído no
particípio, temos que apenas os verbos inacusativos aceitam essa construção, o que é mais
uma evidência de que eles possuem, na verdade, um sujeito derivado de um objeto direto. Os
verbos inergativos, por possuírem um “sujeito verdadeiro”, não podem ser construídos no
particípio. Vejamos a diferença de comportamento entre um verbo recíproco de estado (43) e
um verbo recíproco de atividade (44) abaixo:
(43) a. As cores branco e preto contrastam.
b. *As cores branco e preto contrastam um contraste chamativo.
c. As cores contrastadas.
(44) a. O João brigou.
b. O João brigou uma briga feia.
c. *O João brigado.
Acima, demonstramos que os verbos de estado como contrastar não aceitam um
objeto cognato (43b), mas podem ser construídos no particípio (43c), característica própria de
verbos inacusativos. Já os verbos de atividade como brigar, podem ser construídos com um
objeto cognato (44b), mas não aceitam uma construção no particípio (44c), o que é comum a
verbos inergativos. Sendo assim, levando em consideração que os verbos recíprocos
intransitivos de estado não aceitam um objeto cognato em sua estrutura, propomos que eles
52
possuem a característica sintática de serem verbos inacusativos 9. Os verbos recíprocos
intransitivos de atividade, por sua vez, por aceitarem em sua estrutura um objeto cognato,
possuem a característica sintática de serem inergativos.
A partir do teste de aceitabilidade do objeto cognato, pudemos perceber que os
verbos recíprocos intransitivos de atividade, como brigar em (44):
- fazem parte da mesma classe que os verbos do tipo correr, analisados por Amaral e
Cançado (2015);
- são estritamente agentivos;
- têm a característica sintática de serem inergativos.
Além disso, a partir da não aceitabilidade do objeto cognato, percebemos que os
verbos recíprocos intransitivos de estado, como contrastar em (43):
- não fazem parte da mesma classe que os verbos do tipo correr, analisados por
Amaral e Cançado (2015);
- não são agentivos;
- têm a característica sintática de serem inacusativos.
Percebemos, nesta seção, que os verbos recíprocos intransitivos possuem um
comportamento semântico e sintático distinto. Na seção seguinte, compreenderemos as
implicações das propriedades apresentadas acima, em uma proposta de formulação da
estrutura semântica dos verbos recíprocos intransitivos em termos de decomposição de
predicados.
3.4 A decomposição em predicados primitivos
Em uma estrutura de decomposição de predicados, temos uma parte do significado
que é recorrente entre os verbos de uma classe, e uma parte que representa o sentido
idiossincrático dos verbos, que é chamada de “raiz” (RAPPAPORT HOVAV; LEVIN, 1998;
9
Apesar de não ser comum a classificação de verbos estativos em relação ao par inacusatividade x inergatividade,
nós apresentamos evidências de que os verbos estativos parecem se comportar como verbos inacusativos. É
necessário, no entanto, estudos mais completos para que nossa proposta seja devidamente averiguada.
53
LEVIN; RAPPAPORT HOVAV, 2005). As raízes podem ser argumentos, predicados ou
modificadores do verbo. Além disso, as raízes pertencem a algumas categorias ontológicas,
como STATE ‘estado’, EVENT ‘evento’, THING ‘coisa’, MANNER ‘maneira’ e PLACE
‘lugar’. Essas categorias são representativas do sentido específico de uma classe de verbos e,
assim como os predicados, possuem um número limitado (LEVIN, RAPPAPORT HOVAV,
2005).
Com o objetivo de descobrir qual seria a categoria ontológica dos verbos recíprocos
intransitivos, realizamos o teste de retirar um nome de dentro dos verbos (CANÇADO;
AMARAL, 2016). Segundo Cançado e Amaral (2016), podemos extrair sintagmas correlatos
ao sentido dos verbos, os quais evidenciam o componente semântico da raiz verbal. A partir
deste teste, intencionamos observar melhor a parte de sentido que os verbos recíprocos
intransitivos carregam, reforçando a ideia de que consideramos que o sentido de um item
verbal é composicional. O teste feito para os verbos recíprocos de aspecto lexical de atividade
está ilustrado abaixo:
(45) Pactuar = pacto
(46) Brigar = briga
(47) Conversar = conversa
(48) Dialogar = diálogo
(49) Duelar = duelo
(50) Lutar = luta
Como chegamos à conclusão, na seção anterior, de que os verbos recíprocos de
aspecto lexical de atividade fazem parte da mesma classe que os verbos do tipo correr,
analisados por Amaral e Cançado (2015), entendemos que eles teriam a mesma estrutura e,
portanto, a mesma categoria ontológica desses, sendo representados pela categoria ontológica
EVENT “evento”.
Abaixo, demonstramos o teste realizado para os verbos recíprocos de aspecto lexical
de estado:
(51) Coexistir = coexistência
(52) Coincidir = coincidência
(53) Corresponder = correspondência
54
(54) Discrepar = discrepância
(55) Divergir = divergência
(56) Conviver = convivência
Cançado (2012), baseando-se em Van Valin (2005), propõe para os verbos
psicológicos do tipo temer, analisados por ela, a categoria ontológica THING “coisa”. A
estrutura é demonstrada abaixo (CANÇADO, 2012, p. 15):
(57) a. v: [X TER <THING> por Y]
b. temer: [X TER <TEMOR> por Y]
Pinker (1989, p. 190) dá a estrutura do verbo estativo have “ter”, considerado também um
predicado primitivo na teoria, utilizando-se, de forma semelhante, da categoria ontológica
THING para representar seu sentido:
(58) have:
HAVE
[]
STATE
THING
[]
THING
[]
Seguindo a ideia de autores como Cançado (2012) e Pinker (1989), levamos em conta a
possibilidade de a categoria ontológica <THING> ser a representativa do sentido
idiossincrático da classe dos verbos recíprocos intransitivos de estado.
Tendo realizado o teste do nome dentro dos verbos, formulamos um novo teste, com
o intuito de observar qual seria o predicado primitivo adequado para estruturar os verbos
recíprocos intransitivos de atividade e de estado. Por meio deste novo teste, nosso objetivo foi
tentar encontrar uma paráfrase do sentido dos verbos, fazendo uso dos nomes dos verbos que
encontramos a partir do teste anterior (PINKER, 1989). Abaixo, exemplificamos o teste de
paráfrase10 para os verbos recíprocos intransitivos de atividade:
10
É importante observar que as paráfrases dos verbos podem variar. Poderíamos, por exemplo, propor a paráfrase
ter uma conversa, para o verbo conversar. No entanto, essa paráfrase não ressalta o sentido dinâmico desse
verbo. Nesse sentido, as paráfrases foram elaboradas levando em conta o aspecto lexical básico do verbo.
55
(59) Pactuar = fazer um pacto
(60) Brigar = fazer uma briga
(61) Conversar = fazer uma conversa
(62) Dialogar = fazer um diálogo
(63) Duelar = fazer um duelo
(64) Lutar = fazer uma luta
Vejamos agora o resultado das paráfrases para os verbos recíprocos intransitivos de
estado:
(65) Coexistir = ter coexistência
(66) Coincidir = ter coincidência
(67) Corresponder = ter correspondência
(68) Discrepar = ter discrepância
(69) Divergir = ter divergência
(70) Conviver = ter convivência
A partir do teste do nome dentro dos verbos e do teste da paráfrase dos verbos,
pudemos observar o comportamento dos verbos recíprocos intransitivos e, além disso,
reconhecemos certa regularidade entre eles: observamos que, de maneira geral, os verbos de
aspecto lexical de atividade possuem, em sua paráfrase, o verbo fazer; os verbos de estado,
por sua vez, possuem, em sua paráfrase, o verbo ter. Parece-nos possível, agora, discutir mais
a fundo quais seriam suas categorias ontológicas e propor para eles um predicado primitivo.
Vimos, na seção anterior, que os verbos recíprocos intransitivos de atividade são
semântica e sintaticamente semelhantes aos verbos da classe de correr, cujo comportamento
foi investigado por Amaral e Cançado (2015). Sendo assim, a partir da aceitabilidade dos
verbos recíprocos intransitivos de atividade quanto ao objeto cognato, chegamos à conclusão
de que eles são estritamente agentivos e de que eles têm a característica sintática de serem
inergativos, pertencendo à mesma classe que os verbos do tipo correr, analisados por Amaral
e Cançado (2015).
Amaral e Cançado (2015) propõem uma separação dos verbos agentivos de atividade
em duas classes: os verbos do tipo correr seriam representados pela estrutura argumental [X
DO <EVENT>], enquanto os verbos do tipo escrever seriam representados pela estrutura [X
56
ACT
<MANNER>].
Nesse sentido, as autoras seguem a ideia de Harley (2005), mostrando que a
classe dos verbos do tipo correr não pode conter MANNER “maneira” como categoria
ontológica, uma vez que eles não são verbos de maneira. A evidência mostrada por elas para
justificar a separação dos verbos intransitivos agentivos de atividade em duas classes distintas
é o fato de que uma estrutura como [X ACT
<MANNER>]
só pode derivar atividades durativas, e
verbos como pular, por exemplo, são atividades agentivas intransitivas pontuais (conhecidas
na literatura como semelfactivos)11. Sendo assim, de acordo com essa ideia, quando
observamos um verbo como correr, temos a interpretação de que alguém faz algo, uma
corrida, e não de que correr é a maneira como alguém age (AMARAL; CANÇADO, 2015).
Propõe-se que os verbos do tipo correr possuem, portanto, a raiz EVENT (ROSS, 1972;
HARLEY, 2005 apud AMARAL; CANÇADO, 2015), agrupando-os em uma classe diferente
da classe dos verbos de atividade agentivos de raiz MANNER.
Além disso, de acordo com Amaral e Cançado (2015), os verbos do tipo correr não
podem conter o predicado primitivo ACT (RAPPAPORT HOVAV; LEVIN, 1998), uma vez
que ele é monoargumental, não deixando espaço na estrutura para um argumento-raiz do tipo
EVENT. Propõe-se, então, o predicado primitivo DO para a estrutura dos verbos intransitivos
de atividade do tipo correr, já que é biargumental, requerendo uma variável e a raiz EVENT
como argumentos (ROSS, 1972 apud AMARAL; CANÇADO, 2015). São exemplos de
verbos do tipo correr os verbos dançar, chorar, pular e andar.
Visto que consideramos que os verbos recíprocos intransitivos de atividade
pertencem à mesma classe dos verbos do tipo correr, de Amaral e Cançado (2015), propomos
a seguinte estrutura argumental para os verbos recíprocos intransitivos de atividade (71a) e
apresentamos alguns exemplos de verbos pertencentes a essa classe (71b, 71c, 71d):
(71) a. v: [X DO <EVENT>]
b. brigar: [X DO <BRIGA>]
c. conversar: [X DO <CONVERSA>]
d. pactuar: [X DO <PACTO>]
11
Assumiremos, juntamente com Levin (1999), Harley (2005) e Cançado e Amaral (2016), que os verbos
semelfactivos como pular não formam uma quinta classe aspectual, mas são atividades que carregam o sentido
idiossincrático da iteratividade em sua entrada lexical.
57
Na estrutura acima, temos que DO é um predicado biargumental, ou seja, pede dois
argumentos para completar seu sentido: a variável X e a raiz <EVENT>, a qual é a categoria
ontológica representativa do sentido idiossincrático de cada verbo pertencente a uma classe.
Podemos perceber que é a substituição da categoria ontológica EVENT pelo sentido
idiossincrático de determinado verbo, por exemplo, BRIGA, que o diferencia de outros verbos
da mesma classe (CONVERSA, PACTO).
Dada a estrutura de decomposição de predicados para os verbos recíprocos
intransitivos de atividade, podemos agora discutir a estrutura dos verbos recíprocos
intransitivos de estado, para os quais já foram apresentados os testes de nome dentro dos
verbos (51-56) e paráfrase dos verbos (65-70). Na paráfrase dos verbos de estado, pudemos
perceber uma regularidade com relação ao uso do verbo ter. Nesse sentido, consideramos a
possibilidade de utilizar o metapredicado HAVE, proposto por Pinker (1989), para representar
o sentido recorrente desta classe de verbos. Cançado (2012) apresenta uma estrutura de
decomposição de predicados para verbos estativos do tipo psicológico, baseando-se na
estrutura proposta por Van Valin (2005) para os verbos de posse, a qual é apresentada a seguir:
(72) ter: [X TER Y]
Com base em (72), para os verbos psicológicos do tipo temer, a autora propõe o
metapredicado TER e a categoria ontológica THING, em uma estrutura que já demonstramos
em (57) e que retomamos abaixo:
(73) a. v: [X TER <THING> por Y]
b. temer: [X TER <TEMOR> por Y]
Pinker (1989) propõe a existência do metapredicado HAVE, além do metapredicado
BE, já que, para ele, a propriedade de posse pode ser conceptualizada por meio desses dois
predicados semânticos. Nesse sentido, o autor sugere que, cognitivamente, o estado HAVE é
simplesmente o inverso do estado BE, tratando a location12, ao invés do locatum13, como seu
“sujeito lógico” (PINKER, 1989). Abaixo, representamos a ideia do autor:
12
O termo location faz referência ao lugar, ou seja, nesse caso, ao possuidor.
58
(74) BE: {posse/locatum, possuidor/location}
(75) HAVE: {possuidor/location, posse/locatum}
Dados os exemplos em (74) e (75), podemos notar que o predicado BE deve ser utilizado em
uma estrutura em que o argumento-sujeito indica posse e o argumento-objeto indica o
possuidor. Inversamente, a conceptualização da ideia de posse a partir do predicado HAVE
deve ser feita quando temos um argumento-sujeito designando possuidor e um argumentoobjeto designando uma posse.
Pinker (1989) aponta mais algumas diferenças entre os predicados BE e HAVE.
Segundo o autor, enquanto o predicado BE pode ser definido normalmente por meio de um
campo locacional, podendo ser estendido para um campo de posse, o predicado HAVE é
normalmente definido a partir do campo de posse, podendo ser estendido para um campo
locacional. A partir da ideia de Pinker (1989), podemos notar que o predicado HAVE,
definido a partir de um campo de posse, melhor define os verbos recíprocos intransitivos de
estado:
(76) X ter coincidência: {possuidor/location, posse/locatum}
Em (76), temos que o argumento-sujeito de ter, X, é o possuidor, enquanto seu argumentoobjeto, coincidência, é a posse. Isso justifica a nossa opção pelo metapredicado HAVE em
contraposição à possibilidade de utilizarmos o metapredicado BE.
As vantagens dadas por autores como Pinker (1989) e Jackendoff (1990) apud
Cançado (2012) a respeito do uso do metapredicado HAVE “ter” dizem respeito ao fato de
que, a partir dele, além de se recuperar o sentido recorrente da classe, é possível agrupar os
verbos de estado de maneira mais geral. Como demonstramos em (58), Pinker (1989) dá a
estrutura do verbo estativo have, utilizando-se do metapredicado HAVE e da categoria
ontológica THING para representar seu sentido.
Considerando-se a vantagem do uso do predicado HAVE e, com base nas estruturas
dadas pelos autores apontados, propomos a estrutura de decomposição de predicados para os
verbos recíprocos intransitivos de estado (77a), e apresentamos alguns exemplos de verbos
pertencentes a essa classe (77b, 77c, 77d):
13
O termo locatum faz referência à posse.
59
(77) a. v: [X HAVE <THING>]
b. coincidir: [X HAVE <COINCIDÊNCIA>]
c. corresponder: [X HAVE <CORRESPONDÊNCIA>]
d. divergir: [X HAVE <DIVERGÊNCIA>]
Como se demonstra, na estrutura acima, HAVE é um metapredicado biargumental,
requerendo dois argumentos para completar seu sentido: a variável X e a raiz <THING>, que
é a categoria ontológica representativa do sentido idiossincrático de cada verbo pertencente a
uma classe.
Encontradas as estruturas de decomposição de predicados para os verbos recíprocos
intransitivos do PB, retomamos o nosso objetivo de discutir se esses verbos podem ser
agrupados em uma classe verbal única, do tipo medium-grained. Sabendo-se que a
classificação verbal em um nível mediano leva em conta toda a estrutura semântica de um
grupo de verbos para que eles possam ser considerados uma classe, podemos afirmar que os
verbos recíprocos intransitivos, assim como os verbos recíprocos transitivos analisados por
Cançado et al. (2013), não formam uma única classe verbal no PB. Essa afirmação tem
respaldo no fato de que os verbos recíprocos intransitivos possuem duas estruturas semânticas
distintas: [X DO <EVENT>] e [X HAVE <THING>]. Sendo assim, como vimos a partir dos
testes executados, eles não compartilham as mesmas propriedades sintáticas e semânticas,
sendo necessário agrupá-los em duas diferentes classes verbais.
Destacamos que a classe de verbos com a estrutura [X DO <EVENT>] não é
composta apenas de verbos recíprocos intransitivos de atividade, mas por outros verbos
intransitivos agentivos de atividade, os quais foram analisados por Amaral e Cançado (2015).
Nesse sentido, podemos dizer que os recíprocos intransitivos de atividade, sozinhos, não
formam uma classe do tipo medium-grained; eles estão, na verdade, agrupados na classe [X
DO <EVENT>] juntamente com outros tipos de verbos: os verbos do tipo correr, de Amaral e
Cançado (2015).
Além disso, é importante ressaltar que há fortes indícios de que a classe de verbos
formada a partir da estrutura [X HAVE <THING>] não é composta apenas de verbos
recíprocos intransitivos estativos, visto que encontramos exemplos de verbos estativos
intransitivos não recíprocos que parecem ter esta mesma estrutura semântica:
60
(78) a. Proceder = ter procedência
b. proceder: [X HAVE <PROCEDÊNCIA>]
c. Seus argumentos procedem.
(79) a. Existir = ter existência
b. existir: [X HAVE <EXISTÊNCIA>]
c. Os dinossauros não existem mais.
Se a classe de estrutura [X HAVE <THING>] não possuir apenas os verbos recíprocos
intransitivos, como os exemplos acima parecem demonstrar, isso significa que os verbos
recíprocos intransitivos estativos, sozinhos, também não formam uma classe do tipo mediumgrained. As evidências apresentadas a partir dos exemplos (78) e (79) apontam para o fato de
que os verbos recíprocos intransitivos estativos estão agrupados na classe de estrutura
[X HAVE <THING>] juntamente com outros tipos de verbos estativos do PB. Uma análise
mais fina dos demais verbos pertencentes a essa classe, no entanto, deve ser realizada em
trabalhos futuros.
Por fim, podemos observar que os verbos recíprocos intransitivos não pertencem à
mesma classe que os verbos recíprocos transitivos analisados por Cançado et al. (2013).
Segundo Cançado et al. (2013), os verbos recíprocos transitivos pertencem à ampla classe dos
verbos de mudança de estado no PB, mais especificamente, à classe dos verbos de mudança
de estado opcionalmente volitivos, junto a outros verbos não recíprocos. Concluímos, a partir
deste trabalho, que os verbos recíprocos intransitivos não estão agrupados em nenhuma das
classes dos verbos de mudança do PB, uma vez que eles não são bieventivos e não acarretam
ficar estado como resultado final. Ademais, os verbos recíprocos intransitivos não participam
da alternância causativo-incoativa:
(80) a. Maria brigou com João. – forma causativa
b. *João ficou brigado. – acarretamento ficar estado
c. *João (se) brigou14. – forma incoativa
(81) a. O horário de trabalho de João coincide com o de Maria. – forma causativa
b. *O horário de Maria ficou coincidido. – acarretamento ficar estado
c. *O horário de Maria (se) coincidiu. – forma incoativa
14
Essa sentença é agramatical no sentido de que o João é o paciente da ação do verbo.
61
Acima, demonstramos um exemplo de verbo recíproco intransitivo de atividade (80)
e um exemplo de verbo recíproco intransitivo de estado (81), ambos agramaticais quanto ao
acarretamento ficar estado e quanto à alternância causativo-incoativa. Essa agramaticalidade
se justifica uma vez que, como a alternância causativo-incoativa é um tipo de
intransitivização do verbo, ela é barrada por verbos que já são basicamente intransitivos.
Nesse sentido, propomos, neste trabalho, que a transitividade influencia no comportamento
semântico-sintático dos verbos recíprocos, ao contrário do que sugere Godoy (2008), que
afirma que a razão pela qual esses verbos estão agrupados em uma mesma classe não está
relacionada à sua transitividade.
3.5 Os verbos recíprocos transitivos e intransitivos: uma classe verbal?
Discutimos, no capítulo 1, as evidências apresentadas por Cançado et al. (2013) de
que os verbos recíprocos possuem um comportamento sintático-semântico distinto: verbos do
tipo conversar são intransitivos e não acarretam um estado final, enquanto verbos do tipo
misturar, acarretam ficar estado, participam da alternância causativo-incoativa e são
bieventivos. A partir disso, as autoras concluíram que os verbos recíprocos transitivos não
formam uma classe verbal canônica, do tipo medium-grained, no PB, mas uma classe de
análise mais restrita, do tipo fine-grained. Cançado et al. (2013) chegaram a esta conclusão
baseando-se no fato de que os verbos desta classe possuem a propriedade semântica de
reciprocidade, que licencia uma construção sintática: a alternância simples-descontínua. Na
seção 1.2 deste trabalho, apresentamos novas evidências de que o agrupamento dos verbos
recíprocos em uma única classe verbal não é simples de ser fundamentado: mostramos que o
teste do acarretamento, proposto por Godoy (2008), não foi suficiente para separar os verbos
lexicalmente recíprocos daqueles cuja reciprocidade é sintática. Abaixo, retomamos os
exemplos dados:
(82) a. A mãe e o bebê dormiram. – forma simples
b. A mãe dormiu com o bebê. – forma descontínua
(83) a. Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram. – forma simples
b. Mike Tyson lutou com Evander Holyfield. – forma descontínua
62
De acordo com a análise de Godoy (2008) apenas o verbo lutar, em (83), é um verbo
lexicalmente recíproco. O verbo dormir, em (82), seria considerado por Godoy (2008) um
verbo não recíproco em uma construção sintática recíproca. Segundo a autora, um verbo
lexicalmente recíproco pode ser reconhecido a partir do teste do acarretamento: um verbo é
recíproco se, na sua forma simples, acarreta sentenças descontínuas (GODOY, 2008). No
entanto, demostramos que os verbos dormir e lutar apresentam o mesmo comportamento com
relação ao acarretamento: ambos, em sua forma simples, não acarretam sentenças
descontínuas:
(84) A mãe e o bebê dormiram. ~ ├ A mãe dormiu com o bebê.
(85) Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram.
~ ├
Mike Tyson lutou com Evander
Holyfield.
Além disso, a argumentação de que os verbos lexicalmente recíprocos requerem, de
maneira obrigatória, um argumento plural na posição de AE ou de AI em sua forma simples,
não se mostrou válida para todos os verbos classificados como recíprocos por Godoy (2008),
como demonstramos abaixo:
(86) Galvão Bueno comentou a partida de futebol.
(87) Cristina discutiu os resultados de sua dissertação.
(88) Jorge joga futebol todas as quartas.
(89) O pedreiro nivelou o piso.
Nas sentenças de (86) a (88), temos exemplos de verbos que denotam reciprocidade ao seu
AE. Na sentença em (89), temos o exemplo de um verbo que denota reciprocidade ao seu AI.
Podemos notar, a partir dessas sentenças, que nem todos os verbos classificados por Godoy
(2008) como lexicalmente recíprocos exigem, necessariamente, que seu AE, para as sentenças
de (86) a (88), e que seu AI, para a sentença em (89), tenham uma denotação plural. Essa
evidência reforça a ideia de que não é simples entender o porquê de esses verbos estarem
agrupados em uma mesma classe.
63
As análises do teste do acarretamento e do argumento plural demonstradas
enfraquecem a ideia de que os verbos recíprocos formam uma classe de verbos que
compartilham as mesmas propriedades semânticas e sintáticas.
Cançado et al. (2013) mostram, além disso, que a alternância simples-descontínua
não é uma composição sintática comum apenas aos verbos recíprocos, podendo ocorrer com
vários tipos de verbos no PB. As autoras citam o verbo transitivo roubar (CANÇADO et al.,
2013, p. 65), e nós citamos, neste trabalho, o verbo intransitivo jantar:
(90) a. João e Maria roubaram a loja. – forma simples
b. João roubou a loja com Maria. – forma descontínua
(91) a. Cristina e Jorge jantaram. – forma simples
b. Cristina jantou com Jorge. – forma descontínua
O verbo roubar, em (90), e o verbo jantar, em (91), não exigem um argumento-sujeito plural
e não possuem a propriedade semântica de reciprocidade. No entanto, eles ocorrem em uma
forma simples e em uma forma descontínua.
Ignácio (2009) trata a respeito do comitativo, um caso semântico pouco estudado,
defendendo a ideia de que ele é um complemento do verbo. Segundo o autor, o comitativo é
um termo nuclear que se caracteriza por participar da estrutura oracional na posição de
complemento, porém com função idêntica à do argumento externo da oração. O comitativo
pode ser introduzido em uma sentença por meio da preposição com ou por meio da expressão
junto com (IGNÁCIO, 2009). Vejamos alguns exemplos de argumentos comitativos
(IGNÁCIO, 2009, p. 17, grifo nosso):
(92) O patrão discutia com o empregado.
(93) O filho sofria junto com a mãe a perda do pai.
(94) A Maria sempre saía com o João.
Nas sentenças acima, o argumento comitativo está marcado em negrito. Em (92), em termos
de papel temático, temos que tanto o sujeito quanto o comitativo são agentes. Em (93), tanto
o sujeito quanto o comitativo são pacientes e, em (94), temos que o sujeito e o comitativo são
temas.
64
Segundo Cançado et al. (2013), todos os verbos recíprocos “são participantes por
excelência de composições sintáticas comitativas” (CANÇADO et al., 2013, p. 65), mas
podemos notar que nem toda composição sintática comitativa é feita a partir de um verbo
lexicalmente recíproco. No capítulo 1, diferenciamos a reciprocidade lexical, que é intrínseca
ao item verbal, da reciprocidade sintática, que é construída a partir de mecanismos a nível
sentencial. Em (92), apresentamos um exemplo de um verbo lexicalmente recíproco que, por
conseguinte, participa de uma construção sintática com o argumento comitativo em sua forma
descontínua. Já em (93) e (94), temos exemplos de verbos que não são lexicalmente
recíprocos mas que, a partir de uma construção sintática com o argumento comitativo, em
uma forma semelhante à forma descontínua, abarcam a propriedade de reciprocidade.
Podemos notar, no entanto, que mesmo os verbos que possuem um argumento comitativo e
que não são lexicalmente recíprocos, como em (93) e (94), podem participar da alternância
simples-descontínua:
(95) a. O patrão e o empregado discutiam. – forma simples
b. O patrão discutia com o empregado. – forma descontínua
(96) a. O filho e a mãe sofriam a perda do pai. – forma simples
b. O filho sofria a perda do pai (junto) com a mãe. – forma descontínua
(97) a. A Maria e o João sempre saíam. – forma simples
b. A Maria sempre saía (junto) com o João. – forma descontínua
Nos exemplos dados acima, podemos observar que tanto o verbo lexicalmente recíproco e,
portanto, comitativo, em (95), quanto os verbos comitativos que possuem uma reciprocidade
sintática, em (96) e (97), podem alternar entre as formas simples e descontínua. Nesse
sentido, se é a alternância simples-descontínua que agrupa os verbos recíprocos em uma
mesma classe (GODOY, 2008), e foram apresentados exemplos em que essa alternância
ocorre também com verbos não recíprocos em uma construção comitativa, é questionável que
os verbos recíprocos formem uma classe até mesmo em um nível mais restrito, do tipo finegrained.
Em suma, os argumentos que utilizamos para defender a ideia de que os verbos
recíprocos não formam uma classe verbal em nenhum nível de análise, são apresentados a
seguir:
65
- os verbos recíprocos transitivos (CANÇADO et al., 2013) e os verbos recíprocos
intransitivos possuem um comportamento sintático-semântico distinto entre si;
- o teste do acarretamento, proposto por Godoy (2008), para separar os verbos
lexicalmente recíprocos daqueles cuja reciprocidade é sintática, não se mostrou eficiente;
- a argumentação de que os verbos lexicalmente recíprocos possuem a exigência
sintática de um argumento plural na posição de AE (quando denotam reciprocidade ao seu
sujeito) ou na posição de AI (quando denotam reciprocidade ao seu objeto) não é válida para
todos os verbos recíprocos analisados por Godoy (2008);
- a alternância simples-descontínua, composição sintática que agrupa os verbos
lexicalmente recíprocos em uma mesma classe, pode ocorrer com outros tipos de verbos, em
uma composição sintática comitativa.
Apresentados estes argumentos, concluímos que o agrupamento dos verbos recíprocos
no PB em uma só classe não se justifica, uma vez que a reciprocidade, apesar de fazer parte
do sentido idiossincrático de alguns verbos, não é uma propriedade gramaticalmente relevante
no PB.
66
CAPÍTULO 4: CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta monografia, objetivamos fazer um levantamento dos verbos recíprocos
intransitivos, a partir do levantamento feito por Godoy (2008), e verificar se eles poderiam ser
agrupados em uma única classe verbal canônica, do tipo medium-grained, que compartilhasse
as mesmas propriedades semânticas e sintáticas. Além disso, intencionamos propor
representações semânticas para a(s) classe(s) dos verbos recíprocos intransitivos
encontrada(s), valendo-nos da linguagem de decomposição de predicados primitivos. Para
que isso pudesse ser feito, nos propusemos a discutir o estatuto da reciprocidade.
Para atingir nossos objetivos, analisamos, por meio de testes sintáticos e semânticos,
os 53 verbos recíprocos intransitivos coletados por Godoy (2008). Levantamos a hipótese de
que os verbos recíprocos intransitivos, assim como os verbos recíprocos transitivos já
analisados por Cançado et al. (2013), não formam uma classe verbal canônica no PB. A partir
desta hipótese, esperávamos encontrar mais de uma representação semântica para os
recíprocos intransitivos em uma estrutura de decomposição de predicados.
Percebemos, por meio de testes aspectuais, que os verbos recíprocos intransitivos de
nossa análise se subdividiam entre verbos de aspecto lexical de atividade, como brigar e
conversar, e verbos de aspecto lexical de estado, como coincidir e combinar. Além disso,
percebemos que apenas os verbos recíprocos intransitivos de atividade aceitavam um objeto
cognato em sua estrutura, sendo este tipo de formação sintática agramatical em combinação
com os verbos recíprocos intransitivos de estado. Outras diferenças semântico-sintáticas
foram encontradas: percebemos, por exemplo, que os verbos de aspecto lexical de atividade
são inergativos e estritamente agentivos, enquanto os verbos de aspecto lexical de estado são
inacusativos e não agentivos.
A partir do reconhecimento de que os verbos recíprocos intransitivos de atividade e
de estado possuem um comportamento semântico-sintático distinto, duas representações
semânticas diferentes foram propostas a eles. Para os verbos recíprocos intransitivos de
atividade, nossa proposta é de que eles fazem parte da mesma classe que os verbos do tipo
correr, analisados por Amaral e Cançado (2015), possuindo, portanto, a seguinte estrutura: v:
[X DO <EVENT>]. Para os verbos recíprocos intransitivos de estado, propusemos a estrutura
v: [X HAVE <THING>] e apontamos evidências de que eles estão agrupados nesta classe
juntamente com outros tipos de verbos estativos do PB. Acrescentamos, no entanto, que uma
análise mais fina dos demais verbos pertencentes a essa classe deve ser realizada em trabalhos
67
futuros. A partir disso, mostramos que os verbos recíprocos intransitivos não estão agrupados
na mesma classe que os verbos recíprocos transitivos analisados por Cançado et al. (2013).
Em uma discussão sobre classe verbal, questionamos a ideia de que os verbos
recíprocos transitivos e intransitivos formem uma classe até mesmo em um nível mais
restrito, do tipo fine-grained. Justificamos a nossa proposta de que os verbos recíprocos não
formam uma classe verbal em nenhum nível de análise, argumentando que os verbos
recíprocos transitivos (CANÇADO et al., 2013) e os verbos recíprocos intransitivos possuem
um comportamento diferente sintática e semanticamente. Ademais, demonstramos que o teste
do acarretamento, proposto por Godoy (2008), para separar os verbos lexicalmente recíprocos
daqueles cuja reciprocidade é sintática, não se mostrou eficiente, bem como apontamos que a
argumentação de que os verbos lexicalmente recíprocos possuem a exigência sintática de um
argumento plural na posição de sujeito ou na posição de objeto não é válida para todos os
verbos recíprocos analisados por Godoy (2008). Mostramos, também, que a alternância
simples-descontínua, composição sintática que agrupa os verbos lexicalmente recíprocos em
uma mesma classe, pode ocorrer com outros tipos de verbos, em uma composição sintática
comitativa (CANÇADO et al., 2013), o que se configura como mais uma evidência de que o
agrupamento desses verbos em uma única classe verbal não é fácil de ser fundamentado. A
partir disso, concluímos que, em termos metodológicos, o agrupamento dos verbos recíprocos
no PB em uma só classe não se justifica, visto que a reciprocidade não é uma propriedade
gramaticalmente relevante.
68
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73
ANEXO – OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS1
VERBO
1. Acordar2
2. Arguir/argumentar3
FORMA SIMPLES
A empresa brasileira e a
americana acordaram.
Os advogados arguiram.
3. Brigar
4. Brindar
5. Cochichar
João e Maria brigaram
O casal brindou.
As meninas cochicharam.
6. Coexistir
A arte e a censura não
podem coexistir.
Os nossos horários
coincidem.
O carro e o caminhão
colidiram.
Essas cores combinam.
7. Coincidir
8. Colidir4
9. Combinar
10. Comerciar
11. Conchavar5
12. Concordar
13. Concorrer
14. Confabular6
15. Conflitar
16. Confraternizar7
17. Contracenar
18. Contrastar
1
O turco e o judeu
comerciaram.
Os partidos conchavaram.
Dani e Lara concordam
sobre a questão.
As amigas concorrem à
mesma bolsa.
A bruxa e a madrasta
confabularam.
O testemunho da jornalista
e o do senador
conflitam.
João e os colegas
confraternizaram no
churrasco.
Brad e Kate nunca
contracenaram.
Essas cores contrastam.
Adaptado de Godoy (2008, p. 80).
Verbo eliminado por falta de intuição.
3
Verbo eliminado por falta de intuição.
4
Verbo eliminado por ser basicamente transitivo.
5
Verbo eliminado por falta de intuição.
6
Verbo eliminado por falta de intuição.
7
Verbo eliminado por ser basicamente transitivo.
2
FORMA DESCONTÍNUA
A empresa brasileira acordou
com a americana.
O advogado de defesa arguiu
com o promotor.
João brigou com Maria.
João brindou com Maria.
Paulinha cochichou com
Carlinha.
A arte não pode coexistir com
a censura.
Os meus horários coincidem
com os seus.
O carro colidiu com o
caminhão.
Preto combina com cinza.
O turco comerciou com o
judeu.
O partido conchavou com seu
rival.
Dani concorda com Lara.
Heloísa concorre com Marisa
à mesma bolsa.
A bruxa confabulou com a
madrasta.
O testemunho da jornalista
conflita com o do senador.
João confraternizou com os
colegas no churrasco.
Brad nunca contracenou com
Kate.
O preto contrasta com o
branco.
74
19. Convergir
Os partidos convergem.
20. Conversar
21. Conviver
Nós conversamos.
O casal convive bem.
22. Coocorrer
Os sons coocorrem em PB.
23. Cooperar
Atenienses e espartanos
cooperaram na
invasão persa.
Os insetos copularam.
24. Copular8
25. Corresponder
26. Cruzar9
27. Destoar
28. Dialogar
29. Discordar
30. Discrepar
31. Divergir
32. Duelar
33. Empatar
34. Entrosar
35. Equivaler
36. Ficar
37. Flertar
38. Fornicar10
39. Harmonizar
40. Interagir11
41. Lutar
8
As nossas ideias
correspondem.
João e Maria cruzaram na
rua.
As duas vozes destoam na
música.
João e Maria dialogaram.
Heloísa e Rafael
discordam.
Os depoimentos
discreparam.
As nossas ideias divergem.
Pedro e Paulo duelaram.
Cruzeiro e América
empataram.
As vozes do Amaranto
entrosam muito bem.
Essas medidas de
temperatura equivalem.
A Joana e o Pedrinho
ficaram ontem.
João e Maria flertaram.
Eles fornicaram.
Guitarra e contrabaixo
harmonizam bem.
Os colegas interagiram na
festa.
O Bê e o Cristiano lutaram
na areia.
Verbo eliminado por falta de intuição.
Verbo eliminado por ser basicamente transitivo.
10
Verbo eliminado por falta de intuição.
11
Verbo eliminado por ser basicamente transitivo
9
O partido da base converge
com o de oposição.
Eu conversei com ele.
João convive bem com Maria.
Este som coocorre com este
outro em PB.
Os atenienses cooperaram com
os espartanos na
invasão persa.
A abelha copulou com o
zangão.
A minha ideia corresponde à
sua.
João cruzou com Maria na rua.
A voz dela destoa da dele.
João dialogou com Maria.
Heloísa discorda de Rafael.
O depoimento do senador
discrepa do da sua
amante
A minha ideia diverge da sua.
Pedro duelou com Paulo.
O Cruzeiro empatou com o
América.
A voz da caçula entrosa com a
da primogênita.
Trinta graus Celsius
equivalem a oitenta e seis
Fahrenheit.
A Joana ficou com o Pedrinho
ontem.
João flertou com Maria.
A Joana fornicou com o
Pedrinho.
Guitarra harmoniza bem com
contrabaixo.
Maria interagiu com os
colegas na festa.
O Bê lutou com o Cristiano na
areia.
75
42. Mancomunar12
43. Namorar
As esposas revoltadas
mancomunaram.
Eles estão namorando.
44. Noivar13
45. Pactuar
Breno e Heloísa noivaram.
Os políticos pactuaram.
46. Permutar14
48. Reatar
A produtora e a gravadora
permutaram.
Dona Ana e Dona Vilma
prosearam.
Os namorados reataram.
49. Rimar
Esses versos rimam.
50. Tabelar
Pelé e Garrincha
tabelaram.
Eu e ele topamos.
O casal transou.
Os pilotos trombaram.
47. Prosear
51. Topar15
52. Transar
53. Trombar16
12
Verbo eliminado por falta de intuição.
Verbo eliminado por ser basicamente transitivo.
14
Verbo eliminado por ser basicamente transitivo.
15
Verbo eliminado por ser basicamente transitivo.
16
Verbo eliminado por ser basicamente transitivo.
13
Maria mancomunou com as
esposas revoltadas.
A Clara está namorando com o
Diogo.
Breno noivou com Heloísa.
O político pactuou com os
corruptos.
A produtora permutou com a
gravadora.
Dona Ana proseou com Dona
Vilma.
A Rita reatou com o Renato.
Esse verso rima com aquele
outro.
Pelé tabelou com Garrincha.
Eu topei com ele.
João transou com Maria.
Ayrton trombou com Piquet.
76
APÊNDICE – ANÁLISE DOS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS
 Verbos recíprocos intransitivos com a estrutura [X DO <EVENT>]:
Propriedades:
- Têm o aspecto lexical de atividade;
- Aceitam um objeto cognato ou um hipônimo;
- São agramaticais em uma sentença formada com a partícula se;
- São inergativos;
- São agentivos.
1. Brigar
Sentença na forma simples: O João e a Maria brigaram.
Sentença na forma descontínua: O João brigou com a Maria.
Nome dentro do verbo: briga.
Paráfrase: fazer uma briga.
Objeto cognato ou hipônimo: O João e a Maria brigaram uma briga feia.
Teste aspectual de atividade: O João e a Maria estavam brigando.
├
O João e a Maria
brigaram.
2. Brindar
Sentença na forma simples: Os noivos brindaram.
Sentença na forma descontínua: O noivo brindou com a noiva.
Nome dentro do verbo: brinde.
Paráfrase: fazer um brinde.
Objeto cognato ou hipônimo: O noivo e a noiva brindaram um brinde memorável.
Teste aspectual de atividade: O noivo e a noiva estavam brindando.
noiva brindaram.
3. Cochichar
Sentença na forma simples: O João e a Maria cochicharam.
Sentença na forma descontínua: O João cochichou com a Maria.
├
O noivo e a
77
Nome dentro do verbo: cochicho.
Paráfrase: fazer um cochicho.
Objeto cognato ou hipônimo: O João cochichou uma piada engraçada para a Maria.
Teste aspectual de atividade: O João e a Maria estavam cochichando.
├
O João e a
Maria cochicharam.
4. Comerciar
Sentença na forma simples: Os vendedor brasileiro e o vendedor estrangeiro
comerciaram.
Sentença na forma descontínua: Os vendedor brasileiro comerciou com o vendedor
estrangeiro.
Nome dentro do verbo: comércio.
Paráfrase: fazer um comércio.
Objeto cognato ou hipônimo: Os vendedores comerciaram uma boa mercadoria.
Teste aspectual de atividade: Os vendedores estavam comerciando.
├
Os vendedores
comerciaram.
5. Contracenar
Sentença na forma simples: Leonardo DiCaprio e Kate Winslet contracenaram.
Sentença na forma descontínua: Leonardo DiCaprio contracenou com Kate Winslet.
Nome dentro do verbo: cena.
Paráfrase: fazer uma cena.
Objeto cognato ou hipônimo: Leonardo DiCaprio e Kate Winslet contracenaram uma
cena emocionante.
Teste aspectual de atividade: Os atores estavam contracenando.
contracenaram.
6. Conversar
Sentença na forma simples: O pai e a filha conversaram.
Sentença na forma descontínua: O pai conversou com a filha.
Nome dentro do verbo: conversa.
Paráfrase: fazer uma conversa.
├
Os atores
78
Objeto cognato ou hipônimo: O pai e a filha conversaram um assunto sério.
Teste aspectual de atividade: O pai e a filha estavam conversando.
├
O pai e a filha
conversaram.
7. Dialogar
Sentença na forma simples: O João e a Maria dialogaram.
Sentença na forma descontínua: O João dialogou com a Maria.
Nome dentro do verbo: diálogo.
Paráfrase: fazer um diálogo.
Objeto cognato ou hipônimo: O João e a Maria dialogaram um assunto importante.
Teste aspectual de atividade: O João e a Maria estavam dialogando.
├
O João e a
Maria dialogaram.
8. Duelar
Sentença na forma simples: O Capitão América e o Homem de Ferro duelaram.
Sentença na forma descontínua: O Capitão América duelou com o Homem de Ferro.
Nome dentro do verbo: duelo.
Paráfrase: fazer um duelo.
Objeto cognato ou hipônimo: O Capitão América e o Homem de Ferro duelaram um
último duelo.
Teste aspectual de atividade: O Capitão América e o Homem de Ferro estavam
duelando. ├ O Capitão América e o Homem de Ferro duelaram.
9. Ficar
Sentença na forma simples: O João e a Maria ficaram.
Sentença na forma descontínua: O João ficou com a Maria.
Nome dentro do verbo: ficada.
Paráfrase: dar uma ficada.
Objeto cognato ou hipônimo: O João e a Maria estão ficando uma ficada séria.
Teste aspectual de atividade: O João e a Maria estavam ficando.
ficaram.
├
O João e a Maria
79
10. Flertar
Sentença na forma simples: O João e a Maria flertaram.
Sentença na forma descontínua: O João flertou com a Maria.
Nome dentro do verbo: flerte.
Paráfrase: fazer um flerte.
Objeto cognato ou hipônimo: O João flertou um flerte descontraído.
Teste aspectual de atividade: O João e a Maria estavam flertando.
├
O João e a Maria
flertaram.
11. Lutar
Sentença na forma simples: Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram.
Sentença na forma descontínua: Mike Tyson lutou com Evander Holyfield.
Nome dentro do verbo: luta.
Paráfrase: fazer uma luta.
Objeto cognato ou hipônimo: Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram uma
verdadeira luta.
Teste aspectual de atividade: Mike Tyson e Evander Holyfield estavam lutando.
├
Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram.
12. Pactuar
Sentença na forma simples: O político brasileiro e o político norteamericano
pactuaram.
Sentença na forma descontínua: O político brasileiro pactuou com o político
norteamericano.
Nome dentro do verbo: pacto.
Paráfrase: fazer um pacto.
Objeto cognato ou hipônimo: Os corruptos pactuaram um pacto eterno.
Teste aspectual de atividade: O político brasileiro e o político norteamericano estavam
pactuando. ├ O político brasileiro e o político norteamericano pactuaram.
13. Prosear
Sentença na forma simples: Minha mãe e a vizinha prosearam.
Sentença na forma descontínua: Minha mãe proseou com a vizinha.
80
Nome dentro do verbo: prosa.
Paráfrase: fazer uma prosa.
Objeto cognato ou hipônimo: Minha mãe e a vizinha prosearam uma prosa boa.
Teste aspectual de atividade: Minha mãe e a vizinha estavam proseando. ├ Minha mãe
e a vizinha prosearam.
14. Tabelar
Sentença na forma simples: Pelé e Capita tabelaram.
Sentença na forma descontínua: Pelé tabelou com Capita.
Nome dentro do verbo: tabela.
Paráfrase: fazer uma tabela.
Objeto cognato ou hipônimo: Pelé e Capita tabelaram uma tabela bonita.
Teste aspectual de atividade: Pelé e Capita estavam tabelando.
├
Pelé e Capita
tabelaram.
15. Transar
Sentença na forma simples: O noivo e a noiva transaram na noite de núpcias.
Sentença na forma descontínua: O noivo transou com a noiva na noite de núpcias.
Nome dentro do verbo: transa.
Paráfrase: fazer uma transa.
Objeto cognato ou hipônimo: Os noivos transaram uma transa inesquecível na noite
de núpicias.
Teste aspectual de atividade: O noivo e a noiva estavam transando. ├ O noivo e a noiva
transaram.
81
 Verbos recíprocos intransitivos com a estrutura [X HAVE <THING>]:
Propriedades:
- Têm o aspecto lexical de estado;
- Não aceitam um objeto cognato ou um hipônimo;
- São agramaticais em uma sentença formada com a partícula se;
- São inacusativos;
- Não são agentivos.
1. Coexistir
Sentença na forma simples: A natureza e o homem coexistem.
Sentença na forma descontínua: A natureza coexiste com o homem.
Nome dentro do verbo: coexistência.
Paráfrase: ter coexistência.
Objeto cognato ou hipônimo: *A natureza e o homem coexistem uma boa
coexistência.
Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? A natureza e o homem coexistiram.
2. Coincidir
Sentença na forma simples: Os horários de trabalho de João e de Maria coincidem.
Sentença na forma descontínua: O horário de trabalho de João coincide com o de
Maria.
Nome dentro do verbo: coincidência.
Paráfrase: ter coincidência.
Objeto cognato ou hipônimo: *Os horários de trabalho de João e de Maria coincidem
uma incrível coincidência.
Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? Os horários de trabalho de João e de
Maria coincidiram.
3. Combinar
Sentença na forma simples: As cores preto e vermelho combinam.
Sentença na forma descontínua: Preto combina com vermelho.
82
Nome dentro do verbo: combinação.
Paráfrase: ter combinação.
Objeto cognato ou hipônimo: *As cores preto e vermelho combinam uma combinação
perfeita.
Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? As cores preto e vermelho
combinaram.
4. Concordar
Sentença na forma simples: O pai e a mãe concordam sobre a criação dos filhos.
Sentença na forma descontínua: O pai concorda com a mãe sobre a criação dos filhos.
Nome dentro do verbo: concordância.
Paráfrase: ter concordância.
Objeto cognato ou hipônimo: *O pai e a mãe concordaram uma concordância exata
sobre a criação dos filhos.
Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? O pai e a mãe concordaram sobre a
criação dos filhos.
5. Conflitar
Sentença na forma simples: Os relatos da vítima e do assassino conflitam.
Sentença na forma descontínua: Os relatos da vítima conflitam com os relatos do
assassino.
Nome dentro do verbo: conflito.
Paráfrase: ter conflito.
Objeto cognato ou hipônimo: *Os relatos da vítima e do assassino conflitam um
conflito grande.
Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? Os relatos da vítima e do assassino
conflitaram.
6. Conviver
Sentença na forma simples: O esposo e a esposa convivem bem.
Sentença na forma descontínua: O esposo convive bem com a esposa.
Nome dentro do verbo: convivência.
Paráfrase: ter convivência.
83
Objeto cognato ou hipônimo: *O esposo e a esposa convivem uma convivência
amigável.
Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? O esposo e a esposa conviveram bem.
7. Coocorrer
Sentença na forma simples: Os sintomas de dor de cabeça e dor nas articulações
podem coocorrer.
Sentença na forma descontínua: Dor de cabeça pode coocorrer com dor nas
articulações.
Nome dentro do verbo: coocorrência.
Paráfrase: ter coocorrência.
Objeto cognato ou hipônimo: *Dor de cabeça e dor nas articulações podem coocorrer
uma coocorrência impressionante.
Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? Os sintomas de dor de cabeça e dor
nas articulações coocorreram.
8. Cooperar
Sentença na forma simples: O engenheiro e o pedreiro cooperaram com a construção
da casa.
Sentença na forma descontínua: O engenheiro cooperou com o pedreiro na construção
da casa.
Nome dentro do verbo: cooperação.
Paráfrase: ter cooperação.
Objeto cognato ou hipônimo: *O engenheiro e o pedreiro cooperaram uma
cooperação importante na construção da casa.
Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? O engenheiro e o pedreiro cooperaram
com a construção da casa.
9. Corresponder
Sentença na forma simples: A proposta do deputado e a proposta do prefeito
correspondem.
Sentença na forma descontínua: A proposta do deputado corresponde à proposta do
prefeito.
84
Nome dentro do verbo: correspondência.
Paráfrase: ter correspondência.
Objeto cognato ou hipônimo: *A proposta do deputado e a proposta do prefeito
correspondem uma correspondência exata.
Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? A proposta do deputado e a proposta
do prefeito corresponderam.
10. Destoar
Sentença na forma simples: Nossas ideias destoam.
Sentença na forma descontínua: Sua ideia destoa da minha.
Nome dentro do verbo: destoação.
Paráfrase: ter destoação.
Objeto cognato ou hipônimo: *Nossas ideias destoam uma grande destoação.
Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? Nossas ideias destoaram.
11. Discordar
Sentença na forma simples: O pai e o professor discordam sobre a educação do filho.
Sentença na forma descontínua: O pai discorda com o professor sobre a educação do
filho.
Nome dentro do verbo: discordância.
Paráfrase: ter discordância.
Objeto cognato ou hipônimo: *O pai e o professor discordam uma extrema
discordância sobre a educação do filho.
Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? O pai e o professor discordaram sobre
a educação do filho.
12. Discrepar
Sentença na forma simples: O depoimento da vítima e o depoimento do assassino
discrepam.
Sentença na forma descontínua: O depoimento da vítima discrepa do depoimento do
assassino.
Nome dentro do verbo: discrepância.
Paráfrase: ter discrepância.
85
Objeto cognato ou hipônimo: *Os depoimentos discrepam uma discrepância visível.
Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? Os depoimentos discreparam.
13. Divergir
Sentença na forma simples: As opiniões do PT e do PSDB divergem.
Sentença na forma descontínua: A opinião do PT diverge da opinião do PSDB.
Nome dentro do verbo: divergência.
Paráfrase: ter divergência.
Objeto cognato ou hipônimo: *As opiniões do PT e do PSDB divergem uma grande
divergência.
Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? As opiniões do PT e do PSDB
divergiram.
14. Empatar
Sentença na forma simples: O Palmeiras e o Atlético empataram.
Sentença na forma descontínua: O Palmeiras empatou com o Atlético.
Nome dentro do verbo: empate.
Paráfrase: ter empate.
Objeto cognato ou hipônimo: *O Palmeiras e o Atlético empataram um empate justo.
Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? O engenheiro e o pedreiro cooperaram
com a construção da casa.
15. Namorar
Sentença na forma simples: O João e a Maria namoram
Sentença na forma descontínua: O João namora com a Maria.
Nome dentro do verbo: namoro.
Paráfrase: ter namoro.
Objeto cognato ou hipônimo: *O João e a Maria namoram um namoro tranquilo.
Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? O João e Maria namoraram17.
17
O verbo namorar tem uma leitura aspectual ambígua: de estado ou de atividade. O sentido que deve ser levado
em conta neste teste é o sentido de estado do verbo. Sendo assim, o acréscimo de um objeto cognato na sentença
86
16. Rimar
Sentença na forma simples: O primeiro e o quarto verso deste poema rimam.
Sentença na forma descontínua: O primeiro verso deste poema rima com o quarto.
Nome dentro do verbo: rima.
Paráfrase: ter rima.
Objeto cognato ou hipônimo: *O primeiro e o quarto verso deste poema rimam uma
rima perceptível.
Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? O primeiro e o quarto verso deste
poema rimaram.
com verbo namorar apenas é gramatical se for considerado seu sentido de atividade, sendo agramatical em uma
leitura de estado.
87
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