Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Letras OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO Thaís Fernanda Carvalho Bechir Orientação: Profa. Dra. Luana Amaral Belo Horizonte 2016 Thaís Fernanda Carvalho Bechir OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO Monografia apresentada ao Colegiado de Graduação em Letras da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Letras (habilitação em português com ênfase em estudos linguísticos). Belo Horizonte Faculdade de Letras da UFMG 2016 Aos meus amados pais AGRADECIMENTOS A Deus, fonte inesgotável de amor, por ter me concedido o dom das letras. À minha querida mãe, que me apontou o caminho e que me ensinou o que é bondade: obrigada por sempre acreditar em mim. Ao meu pai, que sonhou um futuro de sucesso para mim, sem medir esforços para que eu o alcançasse: obrigada por ser exemplo de força. Aos meus irmãos e melhores amigos, pelas gargalhadas ao longo da vida. Aos meus avós, por serem o alicerce de minha história. Ao Gabriel, meu amor e anjo da guarda, que acreditou em mim, por vezes, mais do que eu mesma: obrigada por sorrir e dizer que tudo daria certo. Aos amigos que reconheci durante os anos, por preencherem meus dias com alegria. À minha orientadora, Profa. Luana Amaral, por conduzir esta pesquisa com paciência e ternura. Sem sua ajuda e estímulo, este trabalho não teria se concretizado: obrigada por confiar em minhas capacidades. À Profa. Márcia Cançado, que despertou em mim o gosto pela linguística e que me introduziu no caminho da Semântica: obrigada pelos ricos ensinamentos e por guiar minha trajetória acadêmica com sabedoria. À Letícia Meirelles, professora e colega de pesquisa, pelos valiosos conselhos e pela disposição em me ajudar sempre que precisei. À UFMG, especialmente à Faculdade de Letras, que me apresentou a professores brilhantes e que me possibilitou adentrar a estrada do conhecimento. “Eu queria expressar tudo. Pensava, por exemplo, que, se precisava de um pôr-do-sol, devia encontrar a palavra exata para o pôr-do-sol – ou melhor, a mais surpreendente metáfora. Agora cheguei à conclusão (e essa conclusão talvez soe triste) de que não acredito mais na expressão: acredito somente na alusão. Afinal de contas, o que são as palavras? As palavras são símbolos para memórias partilhadas. Se uso uma palavra, então vocês devem ter alguma experiência do que essa palavra representa. Senão a palavra não significa nada para vocês. Acho que podemos apenas aludir, podemos apenas tentar fazer o leitor imaginar. O leitor, se for rápido o suficiente, pode ficar satisfeito com nossa mera alusão a algo”. Jorge Luís Borges “As fronteiras da minha linguagem são as fronteiras do meu universo” Ludwig Wittgenstein RESUMO Esta monografia tem como objeto de estudo os verbos recíprocos intransitivos do português brasileiro (PB). Seguindo a linha de pesquisa de Interface Sintaxe-Semântica Lexical, partimos do princípio de que as propriedades semânticas determinam o comportamento sintático dos verbos. Os verbos recíprocos são tratados na literatura linguística como uma classe verbal única por possuírem uma propriedade semântica – a reciprocidade – que licencia um comportamento sintático: a alternância simples-descontínua. Nesta composição sintática, os eventos denotados pelos verbos podem alternar entre uma forma simples, em que os participantes da reciprocidade são denotados por apenas um argumento (João e Maria conversaram), e uma forma descontínua, em que os participantes da reciprocidade são denotados por dois argumentos, sendo um deles preposicionado (João conversou com Maria). Contudo, Cançado et al. (2013) apresentam fortes argumentos de que os verbos recíprocos transitivos não formam uma classe verbal canônica no PB. Sendo assim, levantamos a hipótese de que os verbos recíprocos intransitivos, assim como os verbos recíprocos transitivos já analisados por Cançado et al. (2013), não formam uma classe verbal canônica no PB. A fim de verificar nossa hipótese, analisamos, por meio de testes semânticos e sintáticos, os 53 verbos recíprocos intransitivos coletados por Godoy (2008). Além disso, objetivamos propor possíveis representações semânticas para a(s) classe(s) dos verbos recíprocos intransitivos encontrada(s), valendo-nos da linguagem de decomposição de predicados primitivos. A partir de uma discussão sobre classe verbal e sobre o comportamento dos verbos recíprocos, nossa hipótese inicial foi corroborada: concluímos que os verbos recíprocos transitivos e intransitivos não podem ser considerados uma classe verbal, e que a reciprocidade não é uma propriedade relevante gramaticalmente. Ademais, fomos capazes de propor duas estruturas de decomposição de predicados para os verbos recíprocos intransitivos analisados, demonstrando que eles pertencem a duas classes distintas do PB, juntamente com outros tipos de verbos. Contribuímos para o campo de Interface Sintaxe-Semântica lexical, já que nos propusemos a investigar as propriedades semânticas dos verbos que possuem impacto na sintaxe. A partir disso, por fim, colaboramos para a descrição do sistema linguístico do PB a partir do agrupamento dos verbos recíprocos intransitivos em classes. Palavras-chave: verbos recíprocos; interface sintaxe-semântica; semântica lexical; decomposição de predicados. ABSTRACT The object of study of this work is the intransitive reciprocal verbs in Brazilian Portuguese (BP). Following the research field of Syntax-Lexical Semantics Interface, we assume that semantic properties determine the syntactic behavior of verbs. Reciprocal verbs are treated in the linguistic literature as a single verb class for having a semantic property – reciprocity – that licenses a syntactic behavior: the simple-discontinuous alternation. In this syntactical composition, the events denoted by verbs can switch between a simple form, in which the participants of the reciprocity are denoted by only one argument (John and Mary talked), and a discontinuous form, in which the participants of the reciprocity are denoted by two arguments, and one of them is prepositioned (John talked to Mary). However, Cançado et al. (2013) have presented strong arguments showing that transitive reciprocal verbs do not form a canonical verb class in BP. Thus, we have hypothesized that intransitive reciprocal verbs, as transitive reciprocal verbs already analyzed by Cançado et al. (2013), do not form a canonical verb class in BP. In order to verify our hypothesis, we have analyzed, through semantic and syntactic tests, 53 intransitive reciprocal verbs, which had been collected by Godoy (2008). Moreover, we have intended to propose possible semantic representations for the classes of intransitive reciprocal verbs we have found, by means of predicate decomposition metalanguage. Through a discussion of verb classes and the behavior of reciprocal verbs, our initial hypothesis was confirmed: we concluded that the transitive and intransitive reciprocal verbs cannot be considered a verb class. We also concluded that reciprocity is not a grammatically relevant property. Furthermore, we were able to propose two predicate decomposition structures for the intransitive reciprocal verbs analyzed, demonstrating that they belong to two distinct classes of BP, along with other verbs. We contributed to the Syntax-Lexical Semantics Interface field, as we set out to investigate the semantic properties of verbs that have an impact on syntax. From this, finally, we contributed to the description of BP’s linguistic system, by grouping the intransitive reciprocal verbs into classes. Keywords: reciprocal verbs; syntax-semantics interface; lexical semantics; predicate decomposition. SUMÁRIO CAPÍTULO 1: APRESENTAÇÃO DO TRABALHO ................................................................ 9 1.1 Introdução ......................................................................................................................... 9 1.2 Objeto de estudo ............................................................................................................. 12 1.3 Hipótese, objetivos e justificativa ................................................................................... 19 1.4 Metodologia .................................................................................................................... 23 CAPÍTULO 2: REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................. 27 2.1 A Interface Sintaxe - Semântica Lexical ......................................................................... 27 2.2 A linguagem de decomposição de predicados primitivos ............................................... 30 2.3 Classes verbais ................................................................................................................ 34 CAPÍTULO 3: A ANÁLISE DOS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS DO PB ....... 42 3.1 A partícula se ................................................................................................................... 42 3.2 O aspecto lexical ............................................................................................................. 45 3.3 O objeto cognato ............................................................................................................. 49 3.4 A decomposição em predicados primitivos .................................................................... 52 3.5 Os verbos recíprocos transitivos e intransitivos: uma classe verbal? ............................. 61 CAPÍTULO 4: CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 66 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 68 ANEXO – OS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS .................................................. 73 APÊNDICE – ANÁLISE DOS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS ........................ 73 9 CAPÍTULO 1: APRESENTAÇÃO DO TRABALHO Neste capítulo, introduzimos o nosso objeto de estudo, apresentamos nossos objetivos e hipóteses e descrevemos a metodologia utilizada em nossa pesquisa. 1.1 Introdução Este trabalho insere-se na linha de pesquisa de Interface Sintaxe-Semântica Lexical e, seguindo a proposta de autores como Fillmore (1970), Levin e Rappaport Hovav (1992, 1995), Cançado (2005, 2010), entre outros, partiremos do princípio de que as propriedades semânticas determinam o comportamento sintático dos verbos. Além disso, de acordo com esta linha de pesquisa, a partir de propriedades semântico-sintáticas compartilhadas, os verbos podem ser agrupados em classes (LEVIN, 1993; CANÇADO et al., 2013). Classes verbais são, portanto, conjuntos de verbos que compartilham propriedades semânticas e propriedades sintáticas. Os verbos recíprocos são tratados como uma classe de verbos na literatura por possuírem, em seu sentido, a informação semântica de reciprocidade entre dois participantes (CHAFE, 1971; FILLMORE, 1972; ILARI, 1987; RAJAGOPALAN, 1987; CROFT, 1991; DOWTY, 1991; GLEITMAN et al., 1996), que licencia uma construção sintática: a “alternância simples-descontínua” (GODOY, 2008). Segundo Godoy (2008), a reciprocidade é uma propriedade semântica comum aos verbos que são passíveis de alternar sua estrutura sintática entre duas formas: a forma simples e a forma descontínua. Esta propriedade se relaciona ao sentido idiossincrático do verbo, o qual tem impacto em sua sintaxe. Por ser capaz de licenciar uma construção sintática, a reciprocidade é considerada uma propriedade gramaticalmente relevante. Nesse sentido, “a reciprocidade é uma relação semântica que o verbo estabelece entre os participantes do evento que descreve, quaisquer que sejam os papéis ou funções dos participantes nesse evento e qualquer que seja o tipo de evento (acional, processual, estativo etc.)” (GODOY, 2008, p. 49). Godoy (2008) diferencia os verbos que contêm lexicalmente o sentido da reciprocidade de construções cuja interpretação é recíproca. Sendo assim, ela cita os autores que discutem temas relevantes para um estudo de verbos recíprocos em semântica (DIMITRIADIS, 2004, 2005; DIXON, 1992; HEIM et al., 1991; REINHART; SILONI, 2005; SILONI, 2001, 2007; WILLIAMS, 1991) e também em tipologia (MASLOVA; NEDJALKOV, 10 2005; MASLOVA, 2007), que tratam de mecanismos de reciprocidade em sentenças com verbos não recíprocos lexicalmente. Observemos alguns exemplos de mecanismos de reciprocidade: (1) João beijou Maria e Maria beijou João. (2) João e Maria beijaram um ao outro. (3) João e Maria se beijaram. Em (1), temos uma expressão icônica da reciprocidade (MASLOVA; NEDJALKOV, 2005 apud GODOY, 2008), em que a repetição do verbo expressa a duplicidade do evento no mundo. Em (2) e (3), temos expressões não icônicas de reciprocidade, que são dadas gramaticalmente por meio de uma construção do tipo ‘SN V um...o outro’ ou a partir da partícula se1. Nas sentenças de (1) a (3), a noção de reciprocidade se dá de forma composicional, e não lexical, uma vez que ela ocorre a partir da composição e da organização dos itens da sentença. Neste trabalho, não analisaremos os mecanismos de reciprocidade, mas focalizaremos os verbos que possuem, marcada no léxico, a propriedade de reciprocidade, seguindo Dixon (1992), Siloni (2001, 2007) e Godoy (2008). Nesse sentido, intencionamos contribuir para os estudos na Interface Sintaxe-Semântica Lexical, por meio de uma análise e de uma discussão a respeito do comportamento sintático e semântico dos verbos lexicalmente recíprocos. No português, consideraremos como exemplos de verbos recíprocos marcados lexicalmente, seguindo o estudo de Godoy (2008), aqueles que possuem, além do traço de reciprocidade – propriedade semântica relacionada ao sentido idiossincrático do verbo –, uma possibilidade de dupla ocorrência sintática. Essa capacidade de alternância é chamada pela autora de alternância simples-descontínua e é ela que reúne esses verbos em uma única classe. Verbos como dialogar, brigar e negociar são caracterizados por possuírem uma reciprocidade lexical. Nesse sentido, eles alternam entre as formas simples, em que os participantes da reciprocidade são necessariamente denotados por um argumento plural, e descontínua, em os participantes são denotados por dois argumentos, sendo um deles introduzido na sintaxe por preposição (GODOY, 2008). Exemplificamos essa alternância abaixo: 11 (4) a. O Carlos e o seu chefe dialogaram. – forma simples b. O Carlos dialogou com o seu chefe. – forma descontínua (5) a. O João e o Carlos brigaram. – forma simples b. O João brigou com o Carlos. – forma descontínua (6) a. O dentista e o cliente negociaram a consulta. – forma simples b. O dentista negociou a consulta com o cliente. – forma descontínua As sentenças de (4) a (6) expressam reciprocidade, porém, não fazem uso de mecanismos composicionais para isso: não há repetição do verbo ou acréscimo de partículas ou sintagmas que denotem reciprocidade. Sendo assim, os verbos dialogar, brigar e negociar são verbos que possuem, em sua entrada lexical, o sentido de reciprocidade, não sendo essa propriedade semântica veiculada a partir de uma construção sentencial, mas de maneira não composicional. Segundo Godoy (2008), para que um verbo seja classificado como recíproco, seu argumento-sujeito na forma simples deve sempre apontar um conjunto de participantes no mundo, em uma denotação plural, mesmo que o SN seja morfossintaticamente singular na sentença. A autora apresenta o seguinte exemplo (GODOY, 2008, p. 35): (7) O casal flertou. (8) *João flertou. (9) Eles flertaram. Em (7), o casal denota mais de um participante no mundo, apesar de ser morfossintaticamente singular. A sentença em (8) é agramatical, uma vez que João é um argumento singular. Em (9), a denotação é plural a partir de um argumento que, mesmo morfossintaticamente, é plural. De maneira semelhante, quando o verbo denota reciprocidade não a seu sujeito, mas ao seu objeto, o argumento-objeto na forma simples é que deve ter uma denotação plural, como notamos no exemplo abaixo (GODOY, 2008, p. 83, grifo meu): (10) O pedreiro nivelou os pisos. 1 Devemos atentar para o fato de que o clítico se é uma marca ambígua, podendo expressar tanto reciprocidade 12 Com relação à forma descontínua, não há exigência quanto à denotação dos argumentos. Sendo assim, os participantes denotados podem ser singulares ou plurais nos dois argumentos (GODOY, 2008, p. 35 e p. 83): (11) a. O rapaz flertou com a garota. b. Os rapazes flertaram com as garotas. (12) a. O pedreiro nivelou o piso da sala com o piso da cozinha. b. Os pedreiros nivelaram os pisos da sala com os pisos da cozinha. As sentenças acima são gramaticais: em (a), cada um dos dois argumentos denota apenas um participante; em (b), ambos denotam uma pluralidade de participantes. Em suma, para que um verbo seja classificado como recíproco, segundo Godoy (2008), ele deve: - possuir a propriedade lógico-semântica de reciprocidade entre dois participantes; - exigir um argumento-sujeito com denotação plural na forma simples, quando denotar reciprocidade ao seu argumento-sujeito ou exigir um argumento-objeto plural na forma simples, quando denotar reciprocidade ao seu argumento-objeto; - ser passível de ocorrer na alternância simples-descontínua. 1.2 Objeto de estudo Como vimos, os verbos recíprocos são tratados, na literatura, como parte de uma só classe por possuírem, em seu sentido, a informação semântica de reciprocidade entre dois participantes (CHAFE, 1971; FILLMORE, 1972; ILARI, 1987; RAJAGOPALAN, 1987; CROFT, 1991; DOWTY, 1991; GLEITMAN et al., 1996). Segundo Godoy (2008), a reciprocidade é uma propriedade semântica que pertence a um componente de natureza lógica do significado dos verbos recíprocos. Para explicitar o funcionamento desse componente lógico, Godoy (2008) cita o estudo de Heim et al. (1991) a respeito da anáfora each other, que se estende, para o PB (português brasileiro), ao uso da partícula se. Vejamos o exemplo abaixo: quando reflexividade (MASLOVA, 2007 apud GODOY, 2008), além de outros sentidos. 13 (13) The kids like each other. ‘As crianças se gostam’. Podemos observar que a construção em (13) é recíproca, mas formada a partir de um verbo não recíproco. O verbo like ‘gostar’ não pressupõe uma reciprocidade entre seus participantes, uma vez que se pode imaginar o seguinte evento no mundo: (14) John likes Mary, but Mary does not like John. ‘O João gosta de Maria, mas a Maria não gosta de João’. Podemos dizer que o verbo gostar não possui, marcado em sua entrada lexical, a propriedade semântica de reciprocidade, visto que sua reciprocidade pode ser negada ou cancelada, como foi feito na sentença em (14). Heim et al. (1991) apud Godoy (2008) propõem que each other e se são operadores lógicos chamados de reciprocators “reciprocadores”, os quais realizam uma relação lógica entre os participantes do evento. De maneira paralela, Williams (1991) apud Godoy (2008, p. 50) apresenta evidências de que existe um operador intrínseco aos verbos recíprocos, quando cita o verbo collide2 e demonstra sua agramaticalidade com o operador lógico each other: (15) *They collided Eles colidiram each other. se Verbos do tipo collide designam uma relação de reciprocidade lexical, diferentemente da construção recíproca demonstrada em (13). Sendo assim, a sentença em (15) é agramatical, já que apresenta um verbo que possui uma reciprocidade intrínseca, seguida de um operador de função “reciprocadora”, resultando em redundância. Sendo assim, é seguindo a ideia de Williams (1991) a respeito da existência de um operador intrínseco aos verbos lexicalmente recíprocos que Godoy considera que a reciprocidade é uma propriedade semântica pertencente a um componente lógico do sentido desses verbos. 2 Para o português, seria necessário um estudo mais profundo a respeito do verbo colidir, uma vez que ele é encontrado de forma gramatical com a partícula se, como em: Dois trens de passageiros se colidiram em uma zona rural na região de Puglia, na Itália (Fonte: http://oglobo.globo.com/). 14 Seguindo Dixon (1992), Siloni (2001, 2007) e Godoy (2008), focalizaremos, neste trabalho, os verbos que possuem, marcada no léxico, a propriedade de reciprocidade, a exemplo do verbo collide apresentado por Williams (1991). Não trabalharemos, portanto, com os mecanismos de construção sintática da ideia de reciprocidade. Ademais, assumiremos, nesta monografia, juntamente com Cançado et al. (2013), que a reciprocidade está contida no sentido idiossincrático dos verbos recíprocos. De acordo com Godoy (2008), a reciprocidade é uma propriedade semântica partilhada pelos verbos que alternam entre as formas simples e descontínua e, por isso, ela é considerada uma propriedade relevante gramaticalmente. Sendo assim, segundo a autora, apesar de os verbos recíprocos apresentarem diferentes transitividades e não compartilharem uma mesma estruturação temática, o que os identifica em uma única classe é o fato de compartilharem a característica sintática de ocorrência em uma forma simples (um argumento plural) e em uma forma descontínua (dois argumentos, um em sua posição original e outro preposicionado, em posição de adjunção). Observemos as sentenças abaixo, construídas com os verbos recíprocos negociar, misturar e combinar: (16) a. O Jorge e o vendedor negociaram o carro. – forma simples b. O Jorge negociou o carro com o vendedor. – forma descontínua (17) a. O cozinheiro misturou os ovos e a farinha. – forma simples b. O cozinheiro misturou os ovos com a farinha. – forma descontínua (18) a. Preto e vermelho combinam. – forma simples b. Preto combina com vermelho. – forma descontínua Em (16a), temos um verbo recíproco transitivo que denota reciprocidade ao seu argumento externo (Jorge e o vendedor). Em (17a), temos um verbo recíproco transitivo que denota reciprocidade ao seu argumento interno (os ovos e a farinha). Em (18a), temos um verbo recíproco intransitivo que denota reciprocidade ao seu argumento externo (preto e vermelho). Podemos observar, portanto, que há verbos recíprocos tanto transitivos quanto intransitivos. Esse fato evidencia que a razão pela qual esses verbos formam uma classe não está relacionada à sua transitividade (GODOY, 2008). Além disso, segundo Godoy (2008), os verbos recíprocos podem atribuir diferentes papéis temáticos aos seus argumentos. Em (16a), o verbo negociar atribui aos participantes da 15 reciprocidade (Jorge e o vendedor) o papel temático de agente3. Em (17a), o verbo misturar atribui aos participantes da reciprocidade (os ovos e a farinha) o papel temático de paciente 4. Em (18a), o verbo combinar atribui aos participantes da reciprocidade (vermelho e preto) o papel temático de objeto estativo5. A partir disso, podemos afirmar, juntamente com Godoy (2008), que também não é sua configuração temática que agrupa os verbos recíprocos em uma mesma classe. A propriedade semântica que determina o comportamento sintático da classe dos verbos recíprocos é a reciprocidade, “uma relação que o verbo estabelece entre os participantes do evento que descreve, quaisquer que sejam os papéis ou funções dos participantes nesse evento e qualquer que seja o tipo de evento (acional, processual, estativo etc.)” (GODOY, 2008, p. 49). Segundo Godoy (2008), para identificar um verbo recíproco, não basta apenas dizer que ele ocorre nas formas simples e descontínua, uma vez que há outros verbos que podem ocorrer nesse tipo de construção. Vejamos os exemplos abaixo: (19) a. A mãe e o bebê dormiram. b. A mãe dormiu com o bebê. (20) a. Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram. b. Mike Tyson lutou com Evander Holyfield. Em (19) e (20), temos exemplos de verbos que, de maneira similar, parecem ocorrer na alternância simples-descontínua: em (a), os participantes do evento são denotados por um argumento plural, caracterizando a forma simples; em (b), os participantes são denotados por dois argumentos, sendo um deles preposicionado, o que caracteriza a forma descontínua. No entanto, seguindo a análise de Godoy (2008) apenas o verbo lutar, em (20), é recíproco. Para chegar a essa conclusão, Godoy (2008) propõe um teste para identificar os verbos lexicalmente recíprocos: um verbo é recíproco se a sua forma simples acarreta sentenças descontínuas. A fim de se compreender a escolha da autora pelo acarretamento como instrumento de análise, faz-se necessário compreender, primeiramente, a definição de acarretamento. 3 Agente é o desencadeador de alguma ação, que age com controle (CANÇADO; AMARAL, 2016). Paciente é a entidade que sofre o efeito de alguma ação, havendo mudança de estado (CANÇADO; AMARAL, 2016). 5 Objeto estativo é uma entidade ou situação à qual se faz referência, sem que essa desencadeie a ação ou seja afetada por ela (CANÇADO; AMARAL, 2016). 4 16 Acarretamento é uma relação lógica entre duas sentenças em que, se a primeira delas é verdadeira, a segunda deve ser necessariamente verdadeira, ou seja, “a verdade da segunda advém necessariamente da verdade da primeira” (CANÇADO, 2009, p. 44). Por causa disso, não é possível, ao mesmo tempo, afirmar a primeira sentença e negar a segunda, de modo a obter uma terceira sentença não contraditória. Observemos um exemplo claro de acarretamento: (21) a. O João comeu uma maçã. b. O João comeu uma fruta. c. ╞ O João comeu uma maçã, mas o João não comeu uma fruta6. Em (21c), afirmamos a primeira sentença (21a), negamos a segunda (21b) e obtivemos uma terceira sentença contraditória. Isso quer dizer que (21a) acarreta (21b), ou seja, o sentido da sentença (21b) está contido no sentido de (21a). Aplicando o teste do acarretamento às sentenças em (19), temos que se é verdade que a mãe e o bebê dormiram, não é necessariamente verdade que a mãe dormiu com o bebê, ou seja, o verbo dormir não é recíproco, já que sua sentença na forma simples (19a), não acarreta sua sentença na forma descontínua (19b). No entanto, aplicando o teste do acarretamento às sentenças em (20), temos que se é verdade que Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram, também não é necessariamente verdade que Mike Tyson lutou com Evander Holyfield. Sendo assim, a partir do teste do acarretamento proposto por Godoy (2008) para diferenciar verbos recíprocos de verbos não recíprocos, o verbo lutar, assim como dormir, não seria considerado um verbo recíproco, uma vez que sua sentença na forma simples (20a) não acarreta sua sentença na forma descontínua (20b). Esse resultado difere da análise de Godoy (2008), em que apenas o verbo lutar, em (20), foi considerado recíproco. Observe que vamos, agora, afirmar a primeira sentença, negar a segunda e observar se a sentença obtida é contraditória: (22) A mãe e o bebê dormiram, mas a mãe não dormiu com o bebê. (23) Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram, mas Mike Tyson não lutou com Evander Holyfield. 6 O símbolo ╞ indica contradição (Cann, 1993). 17 Podemos notar que tanto a sentença em (22) quanto a sentença em (23) não são contraditórias. Abaixo, ilustramos a ausência de acarretamento: (24) A mãe e o bebê dormiram. ~ ├ A mãe dormiu com o bebê7. (25) Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram. ~ ├ Mike Tyson lutou com Evander Holyfield. Se os verbos dormir e lutar, em sua forma simples, não acarretam suas sentenças descontínuas, então, nenhum dos dois, segundo esse teste, poderia ser classificado como recíproco. Isso demonstra que o teste do acarretamento proposto por Godoy (2008) não se mostra eficiente na diferenciação de um verbo que pertence à classe dos verbos recíprocos, lutar, e um verbo que não pertence a essa classe, dormir. Abaixo, demonstramos mais exemplos do teste do acarretamento em verbos classificados como recíprocos: (26) a. Gabriel e Jorge interagiram na festa. – forma simples b. Gabriel interagiu com Jorge na festa. – forma descontínua c. Gabriel e Jorge interagiram na festa, mas Gabriel não interagiu com Jorge na festa. – negação da sentença na forma descontínua d. Gabriel e Jorge interagiram na festa. ~ ├ Gabriel interagiu com Jorge na festa. – acarretamento (27) a. O João e a Maria namoram. – forma simples b. João namora com a Maria. – forma descontínua c. O João e a Maria namoram, mas o João não namora com a Maria. – negação da sentença na forma descontínua d. O João e a Maria namoram. ~ ├ João namora com a Maria. – acarretamento (28) a. Gabriel e João jogam futebol. – forma simples b. Gabriel joga futebol com o João. – forma descontínua c. Gabriel e João jogam futebol, mas Gabriel não joga futebol com o João. – negação da sentença na forma descontínua 7 O símbolo ~ ├ indica a ausência de acarretamento (Cann, 1993). 18 d. Gabriel e João jogam futebol. ~ ├ Gabriel joga futebol com o João. – acarretamento (29) a. Batman e Robin duelaram – forma simples b. Batman duelou com Robin. – forma descontínua c. Batman e Robin duelaram, mas Batman não duelou com Robin. – negação da sentença na forma descontínua d. Batman e Robin duelaram. ~ ├ Batman duelou com Robin. – acarretamento Por meio dos exemplos apresentados acima, podemos notar que as sentenças na forma simples dos verbos ilustrados, não acarretam suas sentenças descontínuas, uma vez que as sentenças em (c) não são contraditórias. Nesse sentido, por meio do teste do acarretamento, os verbos de (26) a (29), analisados por Godoy (2008) como pertencentes à classe dos verbos recíprocos, não poderiam ser assim agrupados. Isso é uma evidência de que não é tarefa fácil diferenciar a reciprocidade sintática, exemplificada em (19), da reciprocidade lexical, exemplificada em (20), já que, como foi demonstrado, o comportamento de ambas em relação ao acarretamento é o mesmo. A conclusão a que chegamos é que o acarretamento, instrumento formal de análise adotado por Godoy (2008), não se mostra adequado na diferenciação dos dois tipos de reciprocidade. Como vimos, os verbos lexicalmente recíprocos têm uma exigência sintática: seu argumento na forma simples deve indicar um conjunto de participantes, em uma denotação plural, mesmo que o SN seja morfossintaticamente singular na sentença (GODOY, 2008). No entanto, observemos as sentenças abaixo, em que essa regra não parece funcionar de maneira categórica: (30) João interagiu na festa. (31) Mike Tyson lutou ontem à tarde. (32) Gabriel namora há 3 anos. (33) Galvão Bueno comentou a partida de futebol. (34) Juliana discutiu os resultados de sua dissertação. (35) Jorge joga futebol todas as quartas. (36) O pedreiro nivelou o piso. (37) O eletricista conectou o fio. 19 De (30) a (35), temos exemplos de verbos que denotam reciprocidade ao seu AE (argumento externo). Em (36) e em (37), temos exemplos de verbos que denotam reciprocidade ao seu AI (argumento interno). Podemos notar, nas sentenças de (30) a (35), que nem todos os verbos classificados por Godoy (2008) como lexicalmente recíprocos exigem, necessariamente, que seu AE tenha uma denotação plural. Da mesma forma, em (36) e em (37), temos exemplos de verbos lexicalmente recíprocos que não exigem que seu AI tenha uma denotação plural. Essa evidência reforça a ideia de que não é simples entender o porquê de esses verbos estarem agrupados em uma mesma classe e, além disso, demonstra a dificuldade de se determinar quando um verbo deve ou não ser considerado lexicalmente recíproco. Neste trabalho, faremos um recorte e tomaremos como objeto de estudo apenas os verbos recíprocos intransitivos. Sendo assim, nossa análise não se estenderá aos verbos transitivos, como negociar e misturar, ilustrados em (16) e (17), mas aos verbos intransitivos como combinar, em (18). Vejamos mais exemplos de verbos recíprocos intransitivos, nosso objeto de análise: (38) a. O João e sua irmã brigaram. b. O João brigou com sua irmã. (39) a. O noivo e a noiva brindaram. b. O noivo brindou com a noiva. (40) a. Cristina e Marta dialogaram. b. Cristina dialogou com Marta. (41) a. Preto e vermelho combinam. b. Preto combina com vermelho. (42) a. Os horários de trabalho de Cristina e Marta coincidem. b. O horário de trabalho de Cristina coincide com o de Marta. (43) a. Os versos dessa música rimam. b. Esse verso dessa música rima com aquele outro. Em (a), exemplificamos as sentenças na forma simples; em (b), exemplificamos as sentenças na forma descontínua. 1.3 Hipótese, objetivos e justificativa 20 Godoy (2008), em uma reflexão a respeito da noção de classe verbal, chega à conclusão de que a propriedade sintática que reúne os verbos recíprocos em uma única classe verbal gramatical é a alternância entre as formas simples e descontínua, não a sua transitividade. Além disso, para a autora, a propriedade semântica associada a esse comportamento sintático é a reciprocidade, uma propriedade lógica, não temática. Neste trabalho, reforçamos, ainda, que a reciprocidade pertence ao sentido idiossincrático dos verbos recíprocos. Em um trabalho mais recente, no entanto, Cançado et al. (2013) mostram que os verbos recíprocos não pertencem a uma mesma classe, diferenciando verbos do tipo conversar, que são intransitivos e não acarretam um resultado final, de verbos como misturar, que são bieventivos8 e acarretam ficar estado como resultado final, participando da “alternância causativo-incoativa”9 (CANÇADO et al., 2013). Lembrando que, na análise de Godoy (2008), ambos os verbos foram considerados como pertencentes à mesma classe dos verbos recíprocos do PB. Observemos o comportamento dos verbos conversar e misturar abaixo: (44) a. Aquela garota conversou muito com a colega na aula ontem. – forma causativa b. *Aquela garota ficou conversada. – acarretamento ficar estado c. *A colega (se) conversou10. – forma incoativa (45) a. O cozinheiro misturou o ovo com a farinha. – forma causativa b. O ovo e a farinha ficaram misturados. – acarretamento ficar estado c. O ovo e a farinha (se) misturaram. – forma incoativa A partir dos exemplos em (44) e em (45), podemos notar a diferença de comportamento entre os verbos conversar e misturar. Na alternância causativo-incoativa, temos um processo de intransitivização em que o sujeito é apagado e o objeto passa para sua posição. Apenas o verbo misturar, em (45), aceita essa alternância. O comportamento sintático-semântico 8 Verbos bieventivos são aqueles que denotam um evento complexo, composto por dois subeventos, normalmente, um subevento de ação e um subevento de resultado. 9 Processo de intransitivização que permite que um verbo alterne entre uma estrutura transitiva (causativa), e uma estrutura intransitiva (incoativa). A sentença O cozinheiro misturou o ovo com a farinha pode alternar para a forma O ovo e a farinha (se) misturaram, pois o verbo misturar é passível de ocorrer na alternância causativoincoativa. Já a sentença Aquela garota conversou muito com a colega na aula ontem não pode alternar para a forma *A colega conversou, visto que o verbo conversar barra a alternância causativo-incoativa. 21 distinto entre os verbos conversar e misturar é uma evidência de que eles não devem ser tomados como pertencentes a uma mesma classe (CANÇADO et al., 2013). Além disso, Cançado et al. (2013) assumem que a alternância simples-descontínua não é uma propriedade sintática específica dos verbos recíprocos. As autoras citam o verbo transitivo roubar (CANÇADO et al., 2013, p. 65), e podemos citar, também, o verbo intransitivo jantar. Esses verbos não são verbos recíprocos, mas apresentam uma alternância similar à simples-descontínua, como já mostramos para dormir: (46) a. João e Maria roubaram a loja. b. João roubou a loja com Maria. (47) a. Cristina e Jorge jantaram. b. Cristina jantou com Jorge. Apesar de os verbos roubar e jantar acima não exigirem um argumento-sujeito plural e não possuírem a propriedade semântica de reciprocidade, em (a), eles aparecem em sentenças na forma simples e, em (b), em uma forma descontínua. A partir disso, Cançado et al. (2013) ilustram que a alternância simples-descontínua não é uma composição sintática comum apenas aos verbos recíprocos, podendo ocorrer com diferentes tipos de verbos no PB. Sendo assim, de acordo com a análise das autoras, os verbos recíprocos transitivos pertencem à ampla classe dos verbos de mudança de estado no PB, mais especificamente, à classe dos verbos de mudança de estado opcionalmente volitivos 11, junto a outros verbos do PB (CANÇADO et al., 2013). Dentro da classe de mudança de estado do PB, foram agrupados os verbos recíprocos transitivos do tipo misturar, tais como conectar, desgrudar e entrelaçar, bem como outros verbos, não recíprocos, tais como quebrar, abrir e congelar. Todos esses verbos foram agrupados em uma mesma classe verbal por possuírem um comportamento semântico-sintático semelhante: como vimos, os verbos desta classe são bieventivos, acarretam ficar estado como resultado final, e participam da alternância causativo-incoativa. Neste trabalho, nossa hipótese inicial é a de que os verbos recíprocos intransitivos, assim como os verbos recíprocos transitivos analisados por Cançado et al. (2013), não formam uma única classe verbal no PB. Esta postulação baseia-se nas evidências apontadas 10 Essa sentença é agramatical no sentido de que a colega é o paciente da ação do verbo. 22 pelas autoras, que mostram que tais verbos possuem um funcionamento semântico-sintático distinto. Na seção 1.2, também foram apresentadas novas evidências de que o agrupamento desses verbos não é simples de ser justificado: o teste do acarretamento proposto por Godoy (2008) não foi suficiente para separar os verbos lexicalmente recíprocos daqueles cuja reciprocidade é sintática. Ademais, a argumentação de que os verbos lexicalmente recíprocos requerem, de maneira obrigatória, um argumento com denotação plural na posição de AE ou de AI em sua forma simples, não se mostrou válida para todos os verbos classificados como recíprocos por Godoy (2008). Este trabalho se insere em um amplo programa de pesquisa sobre a descrição e análise do léxico verbal do PB, que vem sendo desenvolvido pelo Nupes 12. Tendo em vista a hipótese levantada, nosso objetivo geral é contribuir para a descrição do sistema linguístico do PB por meio da análise do comportamento semântico-sintático dos verbos recíprocos, que foram considerados por muitos autores como pertencentes a uma classe verbal única. Para que a nossa hipótese seja verificada, temos como objetivos específicos: 1. Analisar os verbos recíprocos intransitivos do PB, a partir do levantamento feito por Godoy (2008). 2. Verificar se os verbos recíprocos intransitivos podem ser agrupados em uma única classe verbal canônica, do tipo medium-grained13, que compartilhe as mesmas propriedades semânticas e sintáticas, por meio de testes sintáticos e semânticos. 3. Propor possíveis representações semânticas para a(s) classe(s) dos verbos recíprocos intransitivos por meio da linguagem de decomposição de predicados primitivos14. 4. Discutir o conceito de reciprocidade, por meio da investigação do comportamento dos verbos classificados por Godoy (2008) como recíprocos. Visto que a propriedade da reciprocidade está presente em verbos que apresentam um funcionamento semântico-lexical distinto, parece-nos relevante descrever e definir o funcionamento dos verbos recíprocos intransitivos, da maneira como fazem Cançado et al. 11 Os verbos opcionalmente volitivos são aqueles cujo argumento-sujeito pode agir ou não com intenção. Núcleo de Pesquisa em Semântica Lexical da FALE/UFMG: www.letras.ufmg.br/nucleos/nupes. 13 Medium-grained é um dos níveis de análise para a classificação verbal proposto por Cançado e Gonçalves (2016). Segundo as autoras, para que um grupo de verbos seja classificado a partir deste nível, é necessário que eles possuam toda a estrutura semântica idêntica, e não apenas parte dela. Esta noção será explicada com detalhes no capítulo 2. 14 A decomposição de predicados primitivos será explicitada no capítulo 2. 12 23 (2013) com relação aos verbos recíprocos transitivos que pertencem à classe dos verbos de mudança de estado. Nesse sentido, a realização dessa pesquisa se justifica uma vez que nos propomos a analisar por qual(is) classe(s) os verbos recíprocos intransitivos do PB se distribuem. Além disso, o que motiva esta pesquisa é verificar o estatuto da reciprocidade enquanto propriedade semântico-lexical, ou seja, verificar se ela é uma propriedade gramaticalmente relevante no PB. 1.4 Metodologia Os dados apresentados neste trabalho foram coletados por meio de uma pesquisa realizada por Godoy (2008), a partir do Dicionário Gramatical de Verbos do Português Contemporâneo do Brasil, de Borba (1990)15. A autora listou, dos 5000 verbos de Borba, cerca de 200 verbos recíprocos, dentre os quais foram escolhidos 126 para sua análise, tendo os outros sido excluídos por falta de intuição. Como nos propusemos a trabalhar apenas com os verbos recíprocos intransitivos, foram selecionados, da pesquisa de Godoy (2008), um total de 53 verbos. Destes 5316 verbos, foram utilizados, nesta pesquisa, apenas 3117. Dos 22 verbos que foram eliminados de nossa análise, 7 são verbos sobre os quais não tínhamos intuição, como, por exemplo, conchavar, confabular e mancomunar. Os 15 verbos restantes foram eliminados uma vez que consideramos que eles não são basicamente intransitivos, mas transitivos. Cançado e Amaral (2010) discutem diferentes propostas de alguns autores a respeito do clítico se, como Kaine (1975), Grimshaw (1982), Reinhart e Siloni (2005), Kemmer (1993), Maldonado (1999), Chierchia (2004) e Koontz-Garboden (2009). A partir de uma análise dessas propostas, as autoras propõem que os verbos basicamente transitivos que podem sofrer intransitivização são marcados morfologicamente com o clítico se. Nesse sentido, as autoras assumem que existem verbos que são basicamente transitivos e verbos que são basicamente intransitivos, ou seja, os verbos teriam, segundo sua proposta, uma forma básica e uma derivada. Segundo Haspelmath (1993) apud Cançado e Amaral (2016), a forma derivada de uma sentença é sempre marcada, seja sintática, fonológica ou morfologicamente. Cançado e Amaral (2016) argumentam que, nas línguas 15 Desenvolvido por uma equipe de professores da Unesp, este dicionário apresenta uma lista de verbos do PB, tendo sido elaborado a partir de uma coleta exaustiva de dados de língua escrita. 16 Esses verbos encontram-se listados no anexo desta monografia. 24 românicas, se o clítico se aparece marcando a forma intransitiva de uma sentença, isso significa que ela é a forma derivada, e sua contraparte transitiva é a forma básica. Vejamos um exemplo: (48) a. A janela (se) fechou18. – forma derivada b. O vento fechou a janela. – forma básica Visto que verbo fechar acima aceita a partícula se em sua forma intransitiva (48a), dizemos que fechar é um verbo de forma básica transitiva (48b), o qual pode sofrer uma intransitivização. Além disso, vimos, na seção 1.2, que o se é um operador lógico com função reciprocadora (HEIM et al., 1991 apud GODOY, 2008). Seguindo Williams (1991) apud Godoy (2008), mostramos o verbo collide e sua agramaticalidade com o reciprocador each other (*They collided each other). A partir disso, podemos concluir que sentenças com verbos lexicalmente recíprocos são agramaticais quando acrescidas do se. Isso pode ser explicado pelo fato de que verbos lexicalmente recíprocos já possuem, marcada em sua entrada lexical, a propriedade de reciprocidade. Portanto, quando se juntam a outro operador com função reciprocadora, como o se, formam uma sentença redundante. Sendo assim, neste trabalho, consideramos como verbos basicamente intransitivos, nosso objeto de estudo, apenas aqueles que não aceitam, em sua forma intransitiva, o clítico se. Assumimos, portanto, que o clítico se marca que a forma intransitiva do verbo é derivada, não sendo sua forma básica. Ademais, assumimos que o se deve ser agramatical e redundante em uma sentença com um verbo lexicalmente recíproco. Verbos como harmonizar, confraternizar, entrosar e contrastar, por aceitarem o clítico se, foram eliminados de nossa análise. Eles são, então, basicamente transitivos. Além disso, por aceitarem a partícula se, colocamos em dúvida o fato de esses verbos serem lexicalmente recíprocos19. Abaixo, apresentamos alguns exemplos reais dessas ocorrências, encontradas a partir de uma pesquisa no Google: 17 A análise destes verbos encontra-se no apêndice desta monografia. Em alguns dialetos, a partícula se pode ser apagada. 19 Um estudo mais a fundo sobre o fato de os verbos eliminados de nossa análise não serem lexicalmente recíprocos fica em aberto para trabalhos futuros. Apenas apresentamos evidências de que esses verbos não podem 18 25 (49) “Quando o Direito é obedecido, as relações sociais se harmonizam” (trecho retirado do discurso de Michel Temer)20. [grifo nosso] (50) “Servidores do Inpa se confraternizam durante o encerramento da 1ª Semana de Qualidade Vida no Trabalho” (manchete de notícia)21. [grifo nosso] (51) “Novatos do Linense se entrosam com nova equipe” (legenda de vídeo retirada do site globo.com)22. [grifo nosso] (52) “Se você aplicar uma segunda cor para acentuar o trabalho assegure-se de que as cores se contrastam” (retirado do livro Design Para Quem Não é Designer, de Robin Williams). [grifo nosso] Conversar, lutar, coincidir e rimar, por sua vez, são alguns exemplos dos verbos recíprocos basicamente intransitivos que foram tomados como objeto de análise deste trabalho. Esses verbos não aceitam a partícula se em sua forma intransitiva. Podemos notar que as sentenças formadas por esses verbos, em que é acrescentada a partícula se, ficam agramaticais: (53) *As crianças se conversaram. (54) * Mike Tyson e Evander Holyfield se lutaram. (55) * O casal se convive bem. (56) * Esse verso se rima. Observamos o comportamento dos 31 verbos recíprocos intransitivos com o intuito de verificar se eles compartilhavam as mesmas propriedades sintáticas e semânticas e, para isso, analisamos seu aspecto lexical, sua estrutura argumental e suas possíveis construções sintáticas. Além disso, fizemos uso de alguns testes sintático-semânticos que consideramos relevantes para observar se esses verbos possuem um comportamento similar, os quais envolveram observar se eles aceitam um objeto cognato, tentar formular paráfrases desses verbos, e tentar encontrar sua parte idiossincrática. Os verbos analisados passaram por julgamentos de aceitabilidade feitos, primeiramente, a partir de nossa intuição de falantes do ser considerados em nossa análise. Na defesa desta monografia, a Professora Letícia Meirelles notou que o “se” parece marcar a reciprocidade, mas apenas quando esta é acompanhada de uma mudança na transitividade verbal. 20 Disponível no site: https://goo.gl/PEl2h3. 21 Disponível no site: https://goo.gl/efozcr. 22 Disponível no site: https://goo.gl/XgVJ1T. 26 PB. Além disso, para confirmar nossa intuição, realizamos buscas no site Google na tentativa de encontrar ocorrências reais de nossos dados. Parece importante justificar a nossa escolha por um estudo metodológico pautado em nossa intuição de falantes, e não em dados de fala reais da língua. A introspecção, tratamento da linguagem conhecido desde Chomsky (1957), é o fator que nos possibilita o trabalho com dados negativos, ou seja, com sentenças agramaticais. Isso seria impossível a partir de um corpus com dados de fala reais. Além disso, como alegam Cançado et al. (2013), seria inviável a busca, por meio de corpora, de todos os tipos de sentenças que pretendíamos analisar. Utilizamos como abordagem teórica a decomposição de predicados, que será apresentada no capítulo 2. Essa metalinguagem foi utilizada de maneira a representar o sentido lexical dos verbos analisados. Apresentamos, ao final deste trabalho, um anexo com os 53 verbos recíprocos intransitivos coletados por Godoy (2008) e evidenciamos quais foram os verbos eliminados de nossa análise. Além disso, apresentamos um apêndice contendo os 31 verbos escolhidos para a elaboração desta pesquisa, juntamente com suas informações semântico-sintáticas relevantes. 27 CAPÍTULO 2: REFERENCIAL TEÓRICO Neste capítulo descrevemos o arcabouço teórico que subjaz nossa pesquisa. Para tanto, mostraremos quais os pressupostos básicos das abordagens na Interface SintaxeSemântica Lexical; explicitaremos o conceito de classe verbal e descreveremos o funcionamento da linguagem de decomposição de predicados primitivos, que é a metalinguagem utilizada nesta pesquisa. 2.1 A Interface Sintaxe - Semântica Lexical A Semântica Representacional surge na literatura linguística com a preocupação de relacionar a língua com os construtos e representações mentais dos falantes. Cançado e Amaral (2016) apresentam o tipo de abordagem que se faz nessa área. Segundo as autoras, é levado em conta, na Semântica Representacional, o significado cognitivo, mas não as relações da língua com o mundo. A Semântica Lexical se insere em uma abordagem representacional, contando com duas principais correntes de estudo, sendo que uma delas possui um viés estruturalista, e a outra lida com a interface entre a semântica e a sintaxe. A Semântica Estruturalista, que tem sua origem junto aos estudos de Saussure (2006 [1916]), lida com as noções de campo semântico, análise componencial e relações entre palavras, tais como hiponímias e polissemias. Seu foco é, portanto, o estudo do sentido das palavras e suas correlações (CANÇADO; AMARAL, 2016). A Interface Sintaxe-Semântica Lexical, por sua vez, irrompe na década de 60, com os estudos de Fillmore (1968, 1970, 1971). Esse campo centra-se na postulação de que há uma relação ordenada entre papéis semânticos e sintáticos e procura investigar quais propriedades semânticas são gramaticalmente relevantes, ou seja, se propõe a averiguar quais propriedades semânticas determinam o comportamento sintático dos verbos. Segundo Cançado e Amaral (2016), a alternância verbal ou alternância de diátese faz referência a diferentes formas de a língua organizar sua estrutura sintática. A partir dela, demonstram-se evidências de que existem propriedades sintáticas cuja ocorrência possui restrições semânticas. Com a intenção de compreender de que maneira se dão as alternâncias verbais, os semanticistas lexicais fazem uso de noções como as de papel temático, de aspecto lexical e de decomposição de predicados. 28 A alternância causativo-incoativa, por exemplo, configura-se como um processo semântico-lexical no qual o verbo alterna sua estrutura argumental entre as formas transitiva e intransitiva (CANÇADO et al., 2013). Em termos de papel temático, por exemplo, sua ocorrência apenas é possível se, na estrutura argumental de um verbo transitivo, tivermos um AE com o papel temático de causa1 e um AI com o papel temático paciente. Isso se configura como uma evidência de que a semântica do verbo é capaz de determinar sua configuração sintática. Podemos observar que um verbo como quebrar, cuja estrutura argumental é {Causa, Paciente}, pode alternar entre as formas causativa e incoativa/intransitiva, como demonstramos em (1). Em contrapartida, o verbo pagar, cuja estrutura argumental é {Agente, Beneficiário2}, não ocorre na forma incoativa, o que é ilustrado em (2): (1) a. O João queimou o papel. – forma causativa b. O papel (se) queimou. – forma incoativa (2) a. O dono da loja pagou o funcionário. – forma causativa b. *O funcionário (se) pagou. – forma incoativa Autores como Fillmore (1970), Dowty (1989, 1991, 2001), Pinker (1989), Dixon (1992), Levin e Rappaport Hovav (1992, 1995, 2005), Van Valin (1993, 2005), Wunderlich (1997, 2012), Cançado (2005), entre outros, assumem que, para se fazer uma classificação adequada dos verbos, é necessário agrupá-los a partir de propriedades semântico-sintáticas que eles têm em comum. Ou seja, classificar verbos implica agrupá-los a partir do reconhecimento de suas propriedades semânticas capazes de licenciar determinadas construções sintáticas (LEVIN, 1993; CANÇADO et al., 2013). Os verbos de mudança de estado são um exemplo de uma classe verbal segundo o ponto de vista da Interface Sintaxe-Semântica Lexical, uma vez que, de acordo com a análise de Cançado et al. (2013), eles compartilham a propriedade semântica de representar um evento em que uma entidade muda de estado, acarretando necessariamente o sentido ficar estado, em que esse estado é expresso por um adjetivo relacionado ao verbo. Além disso, sintaticamente, todos os verbos dessa classe são passíveis de sofrer a alternância causativo1 Causa é o desencadeador de alguma ação, sem controle sobre ela (CANÇADO; AMARAL, 2016). Beneficiário é o “ser animado que é beneficiado ou prejudicado no evento descrito” (CANÇADO; AMARAL, 2016, p. 32). 2 29 incoativa. O verbo queimar, ilustrado em (1), faz parte desta classe. Observemos, abaixo, mais exemplos de verbos da ampla classe de mudança de estado: (3) a. O garçom quebrou o prato de porcelana. – forma causativa b. O prato de porcelana quebrou. – forma incoativa c. O prato de porcelana ficou quebrado. – acarretamento ficar estado (4) a. O neto preocupou a avó. – forma causativa b. A avó (se) preocupou. – forma incoativa c. A avó ficou preocupada. – acarretamento ficar estado Em (3a), temos o verbo quebrar em sua forma causativa, alternando para sua forma incoativa/intransitiva em (3b). Do mesmo modo, temos o verbo preocupar em sua forma causativa em (4a) e sua alternância para a forma incoativa sendo representada em (4b). Ambos os verbos são pertencentes à classe dos verbos de mudança de estado e, por isso, compartilham, além da possibilidade de alternar entre as formas causativa e incoativa, a propriedade de acarretar ficar estado, como se demonstra em (3c) e (4c). Como uma linha de pesquisa dentro da Semântica Representacional, a Interface Sintaxe-Semântica Lexical se preocupa com as representações mentais relacionadas à língua. De forma especial, nesta linha de pesquisa, há a preocupação de se estabelecer tipos de representações semântico-lexicais que refletem as propriedades semânticas gramaticalmente relevantes. Uma das formas de representar tais propriedades é a partir de uma lista de papéis temáticos. Outra forma é a representação por meio da metalinguagem chamada de “decomposição de predicados”. Essa metalinguagem é representativa do conteúdo semântico recorrente entre grupos de verbos, que é capaz de licenciar determinadas construções sintáticas. Por meio da decomposição de predicados, os elementos semânticos dos verbos são decompostos em termos de predicados primitivos3, seus argumentos e seus modificadores, podendo ainda ser derivados o tipo aspectual dos verbos e os papéis temáticos de seus argumentos. Seguindo a metalinguagem da decomposição de predicados, podemos prever, por exemplo, que verbos que apresentaram em sua estrutura semântica o modificador “volição”4, 3 Elementos semânticos predicadores não decomponíveis. A presença do modificador “volição” (em inglês, volition) indica a que o argumento-sujeito de determinado verbo age com intenção, ou seja, que ele é um agente. 4 30 como o verbo quebrar, poderão ser passivizados em sua estrutura sintática. Observemos a estrutura (CANÇADO et al., 2013, p. 97) e o comportamento do verbo quebrar abaixo: (5) a. quebrar: [[X ACT (VOLITION)] CAUSE [BECOME [Y <QUEBRADO>]]]5 b. O João quebrou o prato de porcelana. c. O prato de porcelana foi quebrado pelo João. Podemos prever a partir da estrutura em (5a) que poderão, ainda, ocorrer na alternância causativo-incoativa, em que, como vimos, o sujeito é apagado e o complemento passa para a posição de sujeito. Isso é mais um exemplo de com a semântica pode licenciar construções sintáticas. Observemos novamente o comportamento do verbo quebrar. (6) O prato de porcelana (se) quebrou. Em (5a), temos o verbo quebrar decomposto em sentidos menores (primitivos semânticos) por meio da decomposição de predicados. Em (5b), temos a sentença em sua forma básica, causativa. Em (5c), demonstramos a sentença na passiva e, em (6), na forma incoativa. A linguagem de decomposição de predicados será explicitada na seção seguinte. Segundo a vertente da Interface Sintaxe-Semântica Lexical, o léxico deixa de ser visto como um repositório idiossincrático e desorganizado de palavras, para ser assumido como um componente linguístico sistematicamente ordenado. Sendo esta a linha de pesquisa que adotaremos neste trabalho, a partir daqui, quando nos referirmos à Semântica Lexical, estaremos nos referindo ao seu campo de interface com a sintaxe. Além disso, neste trabalho, adotaremos a decomposição de predicados como metalinguagem e metodologia de análise da semântica dos verbos recíprocos intransitivos. 2.2 A linguagem de decomposição de predicados primitivos Rappaport Hovav e Levin (1998) assumem dois níveis de representação da informação presente nos itens lexicais: a Lexical Conceptual Structure “estrutura lexical conceptual” (LCS) e a estrutura argumental. Para as autoras, a LCS estaria relacionada com o 31 nível semântico, sendo apenas o nível sintático correspondente à estrutura argumental. Pinker (1989), de forma similar, reconhece que a estrutura argumental é a informação apenas sintática dos verbos, ao passo que informação semântica se refere ao significado verbal, sendo chamada de “estrutura semântica”. Entretanto, neste trabalho, assumiremos, seguindo a proposta de Cançado e Amaral (2016), que a estrutura argumental contém, de maneira mais ampla, as informações tanto sintáticas quanto semânticas de um item lexical. Consideraremos, portanto, que a estrutura argumental de um item lexical, em regra, indica o número e o tipo de argumentos de que esse item necessita para ter seu sentido completo (LEVIN, 2013). As informações sintáticas e semânticas de um verbo, ou seja, sua estrutura argumental6, podem ser representadas a partir de diferentes metalinguagens. Nesse sentido, alguns autores, começando por Fillmore (1968), propõem que a representação das estruturas argumentais dos verbos pode se dar a partir de uma lista de papéis temáticos, como exemplificamos abaixo: (7) a. amassar: {Agente, Paciente} Em contrapartida, autores como Jackendoff (1983, 1990), Pinker (1989), Levin e Rappaport Hovav (2005 e demais trabalhos), Cançado et al. (2013), entre outros, adotam uma representação da estrutura argumental de um item verbal por meio da decomposição de seu significado em predicados primitivos. Como vimos brevemente na seção 2.1, a metalinguagem chamada de “decomposição de predicados” representa o conteúdo semântico relevante gramaticalmente, que é recorrente entre grupos de verbos. Vale ressaltar que a decomposição de predicados não é uma teoria linguística, mas uma metalinguagem e uma metodologia de análise (ENGELBERG, 2011 apud CANÇADO; AMARAL, 2016). Por meio da decomposição de predicados, os elementos semânticos dos verbos são decompostos em predicados primitivos, reforçando a ideia de que o sentido dos verbos é composicional. Os elementos da sintaxe dessa metalinguagem são os predicados, seus argumentos e seus modificadores e sua sintaxe é simples: um predicado pede um ou dois argumentos para saturar seu sentido e pode ser modificado. 5 Os parênteses entre o modificador VOLITION indicam a opcionalidade da volição. Sendo assim, temos que o verbo quebrar aceita um agente ou uma causa na posição de sujeito. 32 Na seção 2.1, discutimos que os verbos de mudança de estado podem ser considerados uma classe por compartilharem a propriedade semântica de representar um evento em que uma entidade muda de estado, acarretando necessariamente o sentido ficar estado e por serem causativos, contendo dois subeventos em seu sentido. Além disso, em sua estrutura sintática, os verbos dessa classe podem alternar entre as formas transitiva e intransitiva, na alternância causativo-incoativa. Cançado et al. (2013, p. 93) classificam o verbo amassar como sendo pertencente à classe de verbos de mudança de estado. Sua estrutura é dada abaixo: (8) a. v: [[X ACT (VOLITION)] CAUSE [BECOME [Y <STATE>]]]7 b. amassar: [[X ACT (VOLITION)] CAUSE [BECOME [Y <AMASSADO>]]] Na representação em (8a), temos a estrutura da classe dos verbos de mudança de estado. Em (8b), há a representação do verbo amassar, um dos verbos pertencentes à classe ilustrada em (8a). Podemos notar, nesta estrutura, que o sentido do verbo amassar foi decomposto em elementos menores de sentido: os predicados primitivos8 (ACT, CAUSE e BECOME), as variáveis (X e Y) e a raiz “AMASSADO”, que pertence à categoria ontológica dos estados, representada por STATE na estrutura da classe, em (8a). As variáveis X e Y são argumentos que saturam o sentido dos predicados. A raiz, “AMASSADO”, por sua vez, é a parte idiossincrática do sentido do verbo, ou seja, é ela quem diferencia o significado dos verbos pertencentes à mesma classe, tais como abrir, acalmar e clarear: para abrir, teríamos a raiz “ABERTO”; para acalmar, teríamos a raiz “CALMO” e, para clarear, teríamos a raiz “CLARO”. VOLITION é um modificador que atribui volição, ou seja, capacidade de agir com intenção, ao predicado ACT. A variável X satura o predicado monoargumental ACT, formando o constituinte semântico [X ACT], enquanto a variável Y satura o predicado monoargumental STATE, formando o constituinte [Y<STATE>]. Em uma estrutura complexa, os argumentos [[X ACT (VOLITION)] 6 e [BECOME [Y <AMASSADO>]] saturam o sentido do metapredicado A estrutura argumental equivale, grosso modo, ao conceito de valência verbal conceito introduzido por Tesnière, em 1959 (CANÇADO, AMARAL, 2016). 7 As estruturas de decomposição de predicados são apresentadas em inglês, língua em que foram propostas, para reforçar seu caráter universal, ou seja, não importa a língua em que aparecem, os predicados possuem o mesmo sentido (PINKER, 1989; CANÇADO; AMARAL, 2016). 8 Os predicados primitivos são sempre escritos em caixa alta. 33 biargumental CAUSE. Podemos observar que são os colchetes que delimitam a saturação de um constituinte semântico, ou seja, o predicado saturado por seus argumentos. O constituinte [X ACT] está associado ao desencadeamento da ação, enquanto o elemento [BECOME Y] denota o resultado da ação. O metapredicado CAUSE, por sua vez, expressa a relação de causação9 entre a ação e seu resultado final (CANÇADO et al., 2013). A raiz AMASSADO, por fim, denota o estado final do evento de amassar. Abaixo, demonstramos a relação causal do verbo amassar, bem como sua natureza composicional, a partir de dois subeventos (CANÇADO; AMARAL, 2016, p. 165): (9) [SUBEVENTO 1 a ação [SUBEVENTO 2 o resultado de algo ficar amassado]] A estrutura dada em (8b), pelo verbo amassar, pode ser representada pela seguinte sentença: (10) A estudante amassou o papel. Em (10), os argumentos do verbo amassar, a estudante e o papel, estão associados às variáveis X e Y, respectivamente. O constituinte [X ACT] representa o desencadear da ação, ou seja, o fato de a estudante realizar uma ação. A parte da estrutura [BECOME [Y <AMASSADO>]] é o resultado da ação de X: se a estudante amassou o papel, então o papel torna-se amassado. O metapredicado CAUSE representa a relação de causação entre a ação e seu resultado final, ou seja, o fato de a estudante amassar o papel causa nele uma mudança de estado: ele, que não estava amassado, agora passa a ficar amassado. É por isso que este verbo está na classe dos verbos de mudança de estado. A partir da estrutura de decomposição de predicados, é possível derivar o tipo aspectual do verbo decomposto e os papéis temáticos dos seus argumentos. Nesse sentido, com relação aos verbos da classe de mudança de estado, para o verbo amassar, podemos fazer as seguintes generalizações: 9 Relação causal necessária entre dois subeventos que compõem a semântica de um mesmo verbo (CANÇADO; AMARAL, 2016). 34 - Quanto ao seu aspecto lexical: é um accomplishment10; - Quanto à sua grade temática: amassar: {Causa (Agente), Paciente}; - Quanto à complexidade de seu evento: causativo. Podemos perceber, juntamente com Cançado e Amaral (2016), que a decomposição de predicados representa de maneira mais complexa a semântica dos verbos. A partir dela, podemos observar a complexidade do evento denotado pelo verbo (se ele é ou não causativo), o papel temático de seus participantes e, além disso, seu aspecto lexical. Sendo assim, por meio de sua representação em uma abordagem em termos de decomposição de predicados (ilustrada em (8b)), temos que o verbo amassar é um accomplishment, uma vez que ele é causativo, possuindo em seu sentido dois subeventos, representados em (9). Além disso, fomos capazes de derivar o tipo dos papéis temáticos de seus participantes: seu argumento em posição de sujeito pode receber o papel de causa ou o de agente, visto que o modificador VOLITION aparece na estrutura entre parênteses, indicando que o participante pode agir ou não com intenção. Ademais, podemos dizer que seu segundo argumento, na posição de objeto, é um paciente, já que temos representada uma mudança de estado na estrutura, indicada pelo predicado BECOME. Além desses predicados, existem muitos outros propostos na literatura, que abarcam uma série de outras propriedades semânticas além da mudança de estado. Alguns exemplos são os predicados HAVE, IN, WITH, AFFECT, DO, entre outros. Neste trabalho, adotaremos a decomposição de predicados como metodologia de análise da semântica dos verbos recíprocos intransitivos, propondo uma representação do sentido dos verbos pertencentes a essa classe a partir das listas de predicados primitivos e das estruturas já propostas em outros trabalhos. 2.3 Classes verbais Assume-se, na Semântica Lexical, que, na delimitação de uma classe, não basta observar o sentido específico dos verbos (FILLMORE, 1970; LEVIN, 1993; PESETSKY, 10 O aspecto lexical, diferentemente do aspecto gramatical, é uma propriedade que vem especificada na entrada lexical dos itens verbais, de modo a descrever a maneira como uma situação se desenvolve no decorrer do tempo. Por ser inerente ao sentido do verbo, ele não vem marcado morfossintaticamente. Accomplishments são verbos que denotam um evento dinâmico, durativo e que possui um resultado final. No capítulo 3, explicitaremos melhor todos os tipos de aspecto lexical. 35 1995; LEVIN; RAPPAPORT HOVAV, 2005; GRIMSHAW, 2005; CANÇADO; AMARAL, 2016). Faz-se necessário, além disso, observar se há propriedades semânticas nos itens lexicais que são relevantes gramaticalmente, de modo a determinar sua realização sintática. Os verbos brigar e bater parecem ser semelhantes, a princípio, por denotarem algum tipo de movimento que ocorre entre pelo menos dois participantes: um dos participantes faz algum tipo de ação em relação a outro. Podemos pensar, então, que eles são suspeitos de possuírem as mesmas propriedades sintático-semânticas. No entanto, ao observamos o comportamento de ambos, vemos que apenas um deles ocorre na alternância simplesdescontínua. Observemos os exemplos abaixo: (11) a. Maria e João brigaram. – forma simples b. Maria brigou com o João. – forma descontínua (12) a. *Maria e João bateram. – forma simples b. Maria bateu no João. – forma descontínua Podemos perceber, nos exemplos acima, que apenas o verbo brigar, em (11), aceita um argumento plural na posição de sujeito, na forma simples, podendo ser classificado como um verbo recíproco. Além disso, a partir de sua forma simples (11a), o verbo brigar pode alternar para uma forma descontínua, ilustrada em (11b). Já o verbo bater, em (12), não aceita um argumento plural em uma forma simples (12a), não podendo formar uma sentença que alterne entre as formas simples e descontínua. O verbo bater não pode, portanto, ser agrupado na mesma classe que o verbo brigar, uma vez que o comportamento sintático de ambos não é o mesmo. Sendo assim, notamos que não é suficiente apenas verificar se um determinado grupo de verbos possui um sentido similar para que eles pertençam a uma mesma classe; é necessário, além disso, observar se esse grupo compartilha características semânticas que têm impacto na sintaxe. Cançado e Gonçalves (2016) propõem que o nível de análise, o grain-size, também é relevante na classificação verbal. As autoras assumem três níveis de análise para o agrupamento dos verbos, a saber: coarse-grained, medium-graned e fine-grained. Cada um desses níveis se associa a determinados tipos de fenômenos linguísticos e sua escolha depende do tipo de análise que está sendo feita, mais ampla (coarse-grained), mediana (medium-grained), ou mais específica (fine-grained). 36 Segundo Cançado e Amaral (2016), a classificação do tipo coarse-grained agrupa os verbos por propriedades mais gerais, que podem estar presentes em verbos com diferentes representações semânticas. Ela é, portanto, de nível mais amplo. O conjunto de verbos transitivos é dado pelas autoras como um exemplo de classe que pode ser definida a partir desse nível de análise. Verbos transitivos diretos que apresentam um agente na posição de sujeito, segundo Jackendoff (1972), podem ser passivizados11, o que os agrupa, de acordo com Cançado e Amaral (2016), em uma classe coarse-grained, uma vez que está sendo levada em conta apenas parte da estrutura desses verbos. Exemplificamos, abaixo, a propriedade de passivização: (13) a. tampar: {Agente/Causa, Paciente} b. O cozinheiro tampou a panela. c. A panela foi tampada (pelo cozinheiro). (14) a. guardar: (Agente, Tema12, Locativo13) b. O João guardou as roupas limpas na gaveta. c. As roupas limpas foram guardadas na gaveta. (15) a. preocupar: (Causa, Paciente) b. O filho preocupou a mãe. c. *A mãe foi preocupada (pelo filho). A partir das sentenças (13), (14) e (15), podemos perceber que, neste nível de análise, leva-se em conta apenas parte da estrutura argumental do verbo, neste caso, o papel semântico do AE. Sendo assim, se tivermos um verbo cuja posição de AE puder ser preenchida por um argumento agente, não importa o tipo do argumento na posição de AI, este verbo poderá formar uma sentença na passiva: é isso o que ocorre nos exemplos (13) e (14). Já em (15), temos que a construção passiva é barrada, uma vez que um verbo como preocupar não aceita um agente em posição de AE, mas apenas uma causa. A generalização a respeito da formação de passivas é dada por Jackendoff (1972) em termos de papel temático. Segundo Cançado e Amaral (2016), por meio da metalinguagem da decomposição de predicados, também é possível prever a possibilidade de ocorrência ou não 11 12 Isso não implica, contudo, que apenas verbos com agente na posição de sujeito podem ser passivizados. “Entidade transferida, física ou abstratamente, por uma ação” (CANÇADO; AMARAL, 2016, p. 32). 37 da passiva: os verbos que apresentarem, em sua estrutura semântica, o modificador “VOLITION”, poderão ser passivizados em sua estrutura sintática. (16) a. tampar: [[X ACT (VOLITION)] CAUSE [BECOME [Y <TAMPADO>]]]14 b. O cozinheiro tampou a panela. c. A panela foi tampada (pelo cozinheiro). (17) a. guardar: [[X ACT VOLITION] CAUSE [BECOME [[Y <GUARDADO>] LOC Z]]15 b. O João guardou as roupas limpas na gaveta. c. As roupas limpas foram guardadas na gaveta. (18) a. preocupar: [[X ACT/STATE] CAUSE [BECOME [Y<PREOCUPADO>]]]16 b. O filho preocupou a mãe. c. *A mãe foi preocupada pelo filho. Podemos notar que, nas estruturas em (16) e (17), em que os verbos tampar e guardar foram decompostos em sentidos menores, há a presença do modificador “VOLITION”, que indica a capacidade de agir com volição (intenção). Por causa disso, as sentenças formuladas a partir desses verbos, podem ser construídas por meio da passivização, ilustrada em (16c) e (17c). Portanto, a parte da estrutura que é levada em conta neste nível de análise, é apenas a parte em que temos “[X ACT (VOLITION)]”, que significa que X pode agir com intenção, ou seja, que verbos como tampar e guardar aceitam, em sua estrutura, agentes na posição de AE. Sendo assim, apesar de o restante das estruturas dos verbos tampar e guardar serem diferentes entre si, “[BECOME [Y <TAMPADO>]]” e “[BECOME [[Y <GUARDADO>] LOC Z]]”, respectivamente, ambas licenciam a construção sintática passiva. Já em (18), temos que o verbo preocupar não aceita um agente em sua estrutura, na posição de AE. Isso pode ser demonstrado a partir do fato de que, em “[X ACT/STATE]”, não há a presença do modificador “VOLITION”, ilustrando que esse verbo aceita uma causa, mas nunca um agente como AE. Nesse sentido, é possível dizer que verbos do tipo preocupar não podem ser passivizados. Em um raciocínio semelhante ao raciocínio feito em termos de papel “Lugar de onde algo se desloca, para onde algo se desloca ou em que algo está situado ou acontece” (CANÇADO; AMARAL, 2016, p. 33). 14 Estrutura dos verbos de mudança de estado opcionalmente volitivos retirada de Cançado e Amaral (2016, p. 181). 15 Estrutura dos verbos de mudança de estado locativo retirada de Cançado e Amaral (2016, p. 186). 13 38 temático, os verbos que contêm a propriedade de passivização, demonstrada a partir da metalinguagem da decomposição de predicados, são agrupados em uma classe coarsegrained, uma vez que apenas parte da estrutura destes verbos está sendo considerada em sua classificação: apenas a parte da estrutura em que o modificador “VOLITION” está presente. A análise do tipo medium-grained, por sua vez, considera toda a estrutura semântica de um grupo de verbos para que eles possam ser considerados uma classe verbal. Ela é, portanto, uma análise de tipo intermediário, que traz informações a respeito de classes consideradas mais canônicas na literatura. Como exemplo, Cançado e Amaral (2016) citam as classes de mudança de estado, de lugar e de posse. Os verbos da classe de mudança de estado possuem a propriedade sintática de participarem da alternância causativo-incoativa. Como já explicitamos, esta alternância é um tipo de intransitivização em que o objeto direto passa para a posição de sujeito, e o sujeito é apagado da estrutura. Em termos de papel temático, para que esta alternância ocorra, é necessário que haja, na estrutura, uma causa e um paciente. Se uma causa ou um paciente não estiverem na posição de AE e AI, respectivamente, na estrutura, a alternância causativo-incoativa é barrada. Vejamos alguns exemplos: (19) a. acalmar: {Causa, Paciente} b. A música de ninar acalmou o bebê. c. O bebê (se) acalmou. (20) a. quebrar: {Causa, Paciente} b. O João quebrou o copo. c. O copo (se) quebrou. (21) a. guardar: {Agente, Tema, Locativo} b. O João guardou as roupas limpas na gaveta. c. *As roupas limpas (se) guardaram. Acima, temos que os verbos acalmar, em (19), e quebrar, em (20), alternam entre as formas transitiva e intransitiva. No entanto, notamos que a estrutura argumental do verbo guardar, em (21), barra a alternância causativo-incoativa, uma vez que ela não apresenta uma causa em posição de AE e um paciente em posição de AI. 16 Estrutura dos verbos de mudança de estado não volitivos retirada de Cançado e Amaral (2016, p. 182). 39 Por meio da metalinguagem da decomposição de predicados, também é possível prever as alternâncias verbais, como a alternância causativo-incoativa. Nesse sentido, são passíveis de alternar entre as formas transitiva e intransitiva, os verbos que possuírem, em sua estrutura, um desencadeador (causa), “[X ACT (VOLITION)]”, bem como um evento de mudança de estado “[BECOME [Y<STATE>]]”, como vemos abaixo: (22) a. acalmar: [[X ACT (VOLITION)] CAUSE [BECOME [Y <CALMO>]]]17 b. A música de ninar acalmou o bebê. c. O bebê (se) acalmou. (23) a. quebrar: [[X ACT (VOLITION)] CAUSE [BECOME [Y <QUEBRADO>]]]18 b. O vento forte quebrou o copo. c. O copo (se) quebrou. (24) a. guardar: [[X ACT VOLITION] CAUSE [BECOME [[Y <GUARDADO>] LOC Z]]]19 b. O João guardou as roupas limpas na gaveta. c. *As roupas limpas (se) guardaram. Podemos observar que, em (22) e (23), os verbos acalmar e quebrar licenciam a alternância causativo-incoativa, por aceitarem um desencadeador, ou seja, uma causa, na posição de AE. Isso é demonstrado pelo fato de que o modificador que indica volição está entre parênteses na estrutura. Em contrapartida, o verbo guardar, em (24), rejeita esta alternância, porque sua estrutura não aceita uma causa, mas apenas uma agente como AE. Observemos que, na estrutura do verbo guardar, a volição é obrigatória, uma vez que ela não está entre parênteses. Nos exemplos dados tanto em termos de papel temático quanto em termos de decomposição de predicados, vemos que, para que um grupo de verbos ser classificado em um nível de análise canônico, medium-grained, é necessário que todos eles possuam toda a estrutura semântica idêntica: em relação à alternância causativo-incoativa, uma causa e um paciente, se estivermos lidando com papéis temáticos; um desencadeador do tipo “[X ACT 17 Estrutura dos verbos de mudança de estado opcionalmente volitivos retirada de Cançado e Amaral (2016, p. 181). 18 Estrutura dos verbos de mudança de estado opcionalmente volitivos retirada de Cançado e Amaral (2016, p. 181). 19 Estrutura dos verbos de mudança de estado locativos retirada de Cançado e Amaral (2016, p. 186). 40 (VOLITION)]” e um evento de mudança de estado, “[BECOME [Y <STATE>]]”, se estivermos fazendo uso da decomposição de predicados como metalinguagem. Finalmente, a classificação do tipo fine-grained, baseia-se apenas em sentidos idiossincráticos de alguns tipos de verbos que, de alguma maneira, licenciam determinadas construções sintáticas. Por conseguinte, essa é considerada a classificação mais restrita. Um exemplo dado por Cançado e Amaral (2016) para elucidar essa classe são os verbos recíprocos. As autoras assumem que os verbos recíprocos não são uma classe do tipo coarsegrained e nem uma classe canônica, do tipo medium-grained, por não apresentarem nenhuma semelhança em sua estrutura argumental. Elas consideram, entretanto, que esses verbos são uma classe em uma análise do tipo fine-grained, já que, a partir da propriedade semântica de reciprocidade que eles abarcam, possuem a possibilidade de alternar entre as formas simples e descontínua. A propriedade semântica de reciprocidade não está presente na estrutura dos verbos recíprocos, mas é uma propriedade lógica que faz parte do seu sentido idiossincrático. Assumimos, então, que a reciprocidade é uma propriedade pertencente à raiz de determinados verbos. Observemos o exemplo abaixo: (25) a. misturar: [[X ACT (VOLITION)] CAUSE [BECOME [Y <MISTURADO>]]]20 b. João misturou o ovo e a farinha. – forma simples c. João misturou o ovo com a farinha. – forma descontínua Acima, em (25), temos a estrutura do verbo misturar, que é um verbo recíproco transitivo pertencente à classe de nível de análise medium-grained dos verbos de mudança de estado, juntamente com verbos não recíprocos, como quebrar. Esse verbo foi agrupado nessa classe por ser bieventivo e por acarretar ficar estado como resultado final (CANÇADO et al., 2013). No entanto, o verbo misturar também abarca uma propriedade semântica gramaticalmente relevante em sua raiz: a reciprocidade. A partir desta propriedade, o verbo misturar é capaz de alternar sintaticamente entre as formas simples (25b) e descontínua (25c). Por isso, esse verbo foi agrupado, também, na classe de nível de análise fine-grained dos verbos recíprocos do PB (CANÇADO et al., 2013). Em suma, em um nível medium-grained, temos uma classe onde estão agrupados os verbos recíprocos transitivos, juntamente com outros verbos do PB: a classe dos verbos de 41 mudança de estado. Ou seja, segundo Cançado et al. (2013) os verbos recíprocos, sozinhos, não formam uma classe do tipo medium-grained, mas estão agrupados em uma classe deste tipo junto a outros verbos. No entanto, Cançado et al. (2013) consideram que os verbos recíprocos transitivos, sozinhos, formam uma classe em um nível mais restrito, fine-grained, por possuírem uma propriedade semântica que tem impacto na sintaxe. Baseando-nos nessas definições, objetivamos verificar se os verbos recíprocos intransitivos, não levados em conta na análise das autoras, podem ser considerados uma classe canônica, do tipo medium-grained, no PB. 20 Estrutura dos verbos de mudança de estado opcionalmente volitivos retirada de Cançado e Amaral (2016, p. 181). 42 CAPÍTULO 3: A ANÁLISE DOS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS DO PB Neste capítulo, a partir de testes sintático-semânticos, analisamos se os verbos recíprocos intransitivos se compõem como uma classe verbal medium-grained única do PB, e propomos sua estrutura argumental por meio da linguagem de decomposição em predicados primitivos. 3.1 A partícula se Um dos testes que realizamos com o intuito de observar o comportamento dos verbos recíprocos intransitivos foi o teste de aceitabilidade da partícula se. Como já mencionamos nesta monografia, Cançado e Amaral (2010), após uma discussão acerca do clítico se, assumem que existem verbos basicamente transitivos e verbos basicamente intransitivos. De acordo com sua proposta, os verbos teriam uma forma básica e uma forma derivada. Seguindo a ideia de Haspelmath (1993), de que a forma derivada de uma sentença é sempre marcada, seja sintática, fonológica ou morfologicamente, Cançado e Amaral (2010) argumentam que, se o clítico se aparece marcando a forma intransitiva de uma sentença nas línguas românicas, isso significa que ela é a forma derivada, e sua contraparte transitiva é a forma básica: (1) a. A ventania abriu a janela. b. A janela abriu. c. A janela se abriu. (2) a. O calor amadureceu a banana. b. A banana amadureceu. c. *A banana se amadureceu. Em (1c), temos que o verbo abrir aceita o clítico se em sua sentença intransitiva. Sendo assim, sua forma básica é a transitiva (1a) e sua forma derivada é a intransitiva ((1b) e (1c)). Diferentemente, em (2c), temos que o verbo amadurecer não aceita o se em sua sentença intransitiva. Portanto, sua forma básica é a forma intransitiva (2b) e sua forma derivada é a transitiva (2a). 43 Ainda, nas seções 1.2 e 1.4 mostramos que o se é um operador lógico com função reciprocadora (HEIM et al., 1991 apud GODOY, 2008) e concluímos que sentenças com verbos lexicalmente recíprocos são agramaticais quando acrescidas do se, uma vez que verbos lexicalmente recíprocos já possuem, marcada em sua entrada lexical, a propriedade de reciprocidade. Portanto, neste trabalho, consideramos como verbos basicamente intransitivos, nosso objeto de estudo, apenas aqueles que não aceitam, em sua forma intransitiva, o clítico se, assumindo que o clítico se marca que a forma intransitiva é a forma derivada do verbo. Ademais, assumimos que o se deve ser agramatical e redundante em uma sentença com um verbo lexicalmente recíproco. Como forma de testar a aceitabilidade do clítico se, foram formuladas sentenças na forma simples com cada um dos 53 verbos recíprocos intransitivos listados por Godoy (2008) em sua análise, os quais foram selecionados por nós como objeto de estudo 1. Nas sentenças formuladas, encaixamos a partícula se e, baseando-nos em nossa intuição de falantes da língua, verificamos se as sentenças eram gramaticais ou se soavam estranhas. Abaixo, explicitamos como foi executado este teste: (3) Essas cores se harmonizam. (4) João e os colegas se confraternizaram no churrasco. (5) João e Maria se cruzaram na rua. (6) O carro e o caminhão se colidiram. (7) *Os primos se brigaram. (8) *Os amigos se conversaram. (9) *O casal se brindou. (10) *Os versos deste poema se rimam. As sentenças de (3) a (10) são formadas a partir de verbos recíprocos que foram considerados intransitivos por Godoy (2008). No entanto, apenas as sentenças de (3) a (6) são gramaticais quando é acrescida a partícula se. Partindo da ideia de que o se marca a intransitivização de um verbo cuja forma básica é transitiva, discutida por Cançado e Amaral (2010, 2016), todos os verbos recíprocos considerados intransitivos na análise de Godoy (2008) que aceitaram o 1 Todos os 53 verbos recíprocos intransitivos estão listados no anexo desta monografia. 44 se em sua sentença na forma simples, foram eliminados de nossa análise. Nesse sentido, 15 dos 53 verbos recíprocos intransitivos de Godoy (2008) são, na verdade, basicamente transitivos. Além disso, a fim de confirmarmos nossa intuição, realizamos buscas no site Google na tentativa de encontrar ocorrências reais de nossos dados. Sentenças formadas a partir de verbos como harmonizar, confraternizar, cruzar e colidir, listados nos exemplos de (3) a (6), foram encontradas nas seguintes ocorrências com o clítico se: (11) “Quando o Direito é obedecido, as relações sociais se harmonizam” (trecho retirado do discurso de Michel Temer)2. [grifo nosso] (12) “Praticantes de diversas religiões se confraternizam durante a época de Natal na Bélgica”3. [grifo nosso] (13) “O dia em que Donald Trump e os Rolling Stones se cruzaram”4. [grifo nosso] (14) “Equipes de resgate trabalham no local onde dois trens de passageiros se colidiram em uma zona rural na região de Puglia, Itália”5. [grifo nosso] Acima, podemos observar ocorrências reais de sentenças formadas a partir de verbos recíprocos acrescidos do clítico se. Esses verbos, que foram considerados por Godoy (2008) como intransitivos, foram considerados, neste trabalho, como sendo basicamente transitivos. É importante observarmos o comportamento do verbo colidir. O verbo collide é muito discutido na literatura por autores como Williams (1991). Como vimos no Capítulo 1, Williams (1991) apud Godoy (2008) apresenta evidências de que existe um operador intrínseco aos verbos recíprocos quando cita o verbo collide e demonstra sua agramaticalidade com o operador lógico each other (*They collided each other). Nas línguas românicas, o clítico se, assim como o each other do inglês, tem função reciprocadora. Contudo, diferentemente do verbo collide em relação ao reciprocador each other, o verbo colidir não é agramatical quando forma uma sentença com a partícula se, a exemplo da sentença em (14). Nesse sentido, é preciso observar que nem sempre o comportamento semântico-sintático de um verbo em uma língua ilustra seu comportamento em outra língua. 2 Disponível no site: https://goo.gl/PEl2h3. Disponível no site: https://goo.gl/xDrJlA. 4 Disponível no site: https://goo.gl/OF1UD6. 5 Disponível no site: https://goo.gl/27cugv. 3 45 Uma análise mais complexa sobre o comportamento do verbo colidir no PB fica em aberto neste trabalho. 3.2 O aspecto lexical Com o intuito de observar quais propriedades semânticas podem ter impacto na sintaxe de uma língua, pareceu-nos relevante a realização de análises aspectuais com relação aos verbos recíprocos intransitivos. A partir dessas análises, objetivamos observar a relação do aspecto lexical desses verbos com sua estruturação sintática. O aspecto lexical6, diferentemente do aspecto gramatical, é uma propriedade que vem especificada na entrada lexical dos itens verbais. Nesse sentido, por ser inerente ao sentido do verbo, ele não vem marcado morfossintaticamente. Vendler (1967) propôs um sistema de aspecto lexical que é, ainda hoje, o mais aceito pelos linguistas. Segundo o autor, os verbos podem ser divididos em quatro classes aspectuais, a saber, estados, atividades, accomplishments e achievements. Essas quatro classes aspectuais se diferenciam em relação a três pares de valor aspectual, são eles (CANÇADO; AMARAL, 2016): - estatividade x dinamicidade: verbos estativos descrevem situações que não necessitam de uma força/ação/movimento para desencadear sua realização; situações descritas por verbos dinâmicos, ao contrário, necessitam de alguma força/ação/movimento para que possam se manter no mundo. - pontualidade x duratividade: verbos pontuais denotam situações que ocorrem em um momento instantâneo e único no tempo; verbos durativos denotam eventos que se estendem no tempo. - telicidade x atelicidade: verbos télicos descrevem situações que apresentam um resultado final; verbos atélicos, por sua vez, descrevem eventos que não apresentam um resultado final. Retomando as quatro classes aspectuais de Vendler (1967) e seus valores aspectuais, temos que os estados são estativos, durativos e atélicos. As atividades são dinâmicas, durativas e atélicas. Os accomplishments são dinâmicos, durativos e télicos. Os achievements, 46 por fim, são dinâmicos, pontuais e télicos. Baseando-nos na proposta de Vendler (1967), analisamos os esquemas temporais definidos pelos verbos recíprocos intransitivos7. A partir da análise de cada um deles, percebemos que a diferença de valor aspectual entre eles tem relação com o par “estatividade x dinamicidade”. Vejamos os exemplos abaixo: (15) O sapato e a blusa de Maria combinam. (16) Os grupos sanguíneos dos gêmeos coincidem. (17) João e sua irmã brigam muito. (18) João e sua irmã conversam sempre. Em (15) e (16), temos que os verbos combinar e coincidir denotam situações que não necessitam de nenhuma força ou movimento para se manterem (são estativos). Além disso, esses verbos apresentam situações que se estendem em um período de tempo (são durativos). Por fim, podemos notar que os verbos combinar e coincidir não apresentam um resultado final (são atélicos). Nos verbos atélicos, cada instante é igual ao seu todo e não é preciso atingir um resultado final para que suas situações sejam verdadeiras. Na situação de combinar ou coincidir, cada instante é igual ao seu todo, ou seja, se a dividirmos em três tempos, teremos que t1=t2=t3. De maneira semelhante a combinar e coincidir, brigar e conversar, em (17) e (18), descrevem eventos que se estendem em um período de tempo (são durativos) e, também, não apresentam um resultado final (são atélicos). No entanto, podemos notar que os verbos brigar e conversar denotam situações que necessitam de uma força para continuarem a ocorrer (são dinâmicos), o que os diferencia dos verbos estativos combinar e coincidir. Sendo assim, sem o impacto de alguma força ou movimento, brigar e conversar não são eventos possíveis de se manterem no mundo. Feita esta análise, concluímos que combinar e coincidir, em (15) e (16), são verbos de estado, enquanto brigar e conversar, em (17) e (18), são verbos de atividade, visto que eles se diferenciam pelo par “estatividade x dinamicidade”: os primeiros são estativos e os segundos são dinâmicos. 6 Aspecto lexical, aktionsart, modo da ação, acionalidade e aspecto inerente são termos equivalentes na literatura (CANÇADO; AMARAL, 2016). 7 Seguindo a ideia de Cançado e Amaral (2016), assumimos que os verbos, em determinadas sentenças, podem ter uma leitura aspectual derivada, decorrente da estruturação sintática. No entanto, isso não será investigado nesta monografia. 47 Partindo da observação dos valores aspectuais dos verbos recíprocos intransitivos que objetivamos analisar e reconhecendo que o par “estatividade x dinamicidade” os dividia em dois subgrupos, nos baseamos em alguns testes apresentados por Cançado e Amaral (2016) para dar o aspecto lexical desses verbos de maneira mais precisa. Van Valin (2005) sugere um teste para evidenciar a dinamicidade de um evento. O autor propõe que, como os verbos de estado são estativos, e não dinâmicos, eles não podem responder adequadamente à pergunta o que aconteceu?, a qual exige, como resposta, uma situação dinâmica. Seguindo esse teste, prosseguimos fazendo esse tipo de pergunta a todos os verbos recíprocos intransitivos, de modo a separar os verbos de estado dos verbos de atividade. Observemos o funcionamento desse teste: (19) a. O que aconteceu? b. ?? Os grupos sanguíneos dos gêmeos coincidiram8. (20) a. O que aconteceu? b. ?? O sapato e a blusa de Maria combinaram. (21) a. O que aconteceu? b. João e sua irmã brigaram. (22) a. O que aconteceu? b. O João e sua irmã conversaram. Podemos notar que (19b) e (20b) são respostas estranhas à pergunta O que aconteceu?, por serem sentenças formuladas a partir de verbos de estado, os quais não apresentam uma situação dinâmica. Diferentemente, as respostas em (21b) e (22b) são totalmente adequadas a essa pergunta, por serem formuladas a partir de verbos de atividade, que expõem um evento dinâmico. Este teste se mostra eficiente para diferenciar os verbos de estado dos verbos de atividade, bem como dos demais tipos de aspecto lexical, accomplishments e achievements, já que somente os estados possuem a propriedade de serem estativos. Além do teste proposto por Van Valin (2005), que diferencia verbos de estado dos demais tipos de aspecto lexical, decidimos realizar mais um tipo de teste, a fim de evidenciar a natureza dinâmica das atividades. Dowty (1979) aponta um teste eficiente para demonstrar que um verbo é uma atividade, conhecido como “paradoxo do imperfectivo”. A realização 8 As duas interrogações (??) indicam inadequação linguística. 48 deste teste consiste em colocar o verbo no imperfectivo contínuo (perífrase estar + gerúndio do verbo) e verificar se há o acarretamento de uma sentença correspondente na forma perfectiva (pretérito perfeito): (23) João e sua irmã estão brigando. ├ João e sua irmã brigaram. (24) João e sua irmã estão conversando. ├ João e sua irmã conversaram. Nas sentenças (23) e (24), o acarretamento é gerado devido ao fato de que cada instante do evento denotado por um verbo de atividade é igual ao seu todo, evidenciando a atelicidade dos verbos brigar e conversar em questão. Este foi o teste utilizado por nós para diferenciar as atividades dos achievements e dos accomplishments, que, ao contrário das atividades, denotam eventos télicos. Ademais, Dowty (1979) propõe um teste capaz de diferenciar a dinamicidade dos verbos de atividade da propriedade de estatividade dos estados de maneira mais assertiva: o teste da leitura habitual no presente. Este teste consiste em colocar uma expressão iterativa na sentença, como toda hora ou todo dia e verificar o tipo de leitura que se origina dela. Segundo o autor, as atividades, quando colocadas no presente, têm leitura iterativa, de hábito, podendo se combinar com expressões iterativas. Os estados, por sua vez, têm uma leitura contínua, não habitual, no presente, e, por isso, não podem se combinar com expressões iterativas. Observemos a aplicação deste teste abaixo: (25) João e sua irmã brigam todo dia. (26) João e sua irmã conversam toda hora. (27) *Os grupos sanguíneos dos gêmeos coincidem todo dia. (28) *O sapato e a blusa de Maria combinam toda hora. Podemos notar que os verbos de atividade brigar e conversar, em (25) e (26), podem ser combinados com expressões iterativas, por terem uma leitura iterativa no presente. Em contrapartida, os verbos de estado coincidir e combinar, em (27) e (28), formam sentenças agramaticais com as expressões iterativas, por possuírem uma leitura contínua no presente. A partir deste teste, portanto, fomos capazes de diferenciar as atividades dos estados. Por meio dos quatro pares aspectuais de Vendler (1967) e pelos testes propostos por Van Valin (2005) e Dowty (1979), prosseguimos verificando o aspecto lexical de todos os 49 verbos recíprocos intransitivos que nos propusemos a analisar. Notamos, assim, que os 31 verbos de nossa análise se subdividiam entre verbos de aspecto lexical de atividade, como brigar e conversar e verbos de aspecto lexical de estado, como coincidir e combinar. 3.3 O objeto cognato Na seção anterior, vimos que os verbos recíprocos intransitivos se subdividem em verbos com o aspecto lexical de atividade e verbos com o aspecto lexical de estado. Com a finalidade de compreender melhor o comportamento dos verbos recíprocos intransitivos de atividade, seguimos a proposta de Amaral e Cançado (2015), de que há dois tipos de verbos agentivos de atividade no PB: verbos do tipo correr e verbos do tipo escrever. Baseadas na hipótese de que o comportamento gramatical é determinado pela semântica lexical, as autoras apontam evidências da diferença de comportamento entre esses dois tipos de atividade, que foram considerados por vários autores como pertencentes a uma mesma classe (RAPPAPORT HOVAV; LEVIN, 1998, 2010; PINKER, 1989; GRIMSHAW, 2005). Uma das evidências dadas pelas autoras é a relação entre estes verbos e um objeto cognato: enquanto os verbos do tipo correr aceitam um objeto cognato, os verbos do tipo escrever, não. Os objetos cognatos ou os objetos hipônimos, que também são aceitos pelos verbos do tipo correr, não são argumentos do verbo e, por isso, se comportam de forma diferente (JONES, 1988 apud AMARAL; CANÇADO, 2015). Sendo assim, a presença de um objeto cognato em posição de objeto direto evidencia a existência de um nome contido dentro dos verbos, bem como a natureza agentiva de seu argumento externo. Objetivando observar a qual grupo de verbos agentivos de atividade os verbos recíprocos intransitivos fazem parte, decidimos testar se eles aceitam a presença de um objeto cognato em sua estrutura sentencial. Como resultado, obtivemos que os verbos recíprocos intransitivos de atividade de nossa análise aceitam um objeto cognato e são, portanto, verbos do tipo correr. Observemos alguns exemplos: (29) João e Maria brigaram uma briga feia. (30) Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram uma verdadeira luta. (31) Leonardo DiCaprio e Kate Winslet contracenaram uma cena emocionante. (32) O Capitão América e o Homem de Ferro duelaram um último duelo. (33) Minha mãe e suas amigas prosearam uma prosa boa. 50 Em negrito, podemos observar o objeto cognato sendo acrescido às sentenças com os verbos recíprocos intransitivos de aspecto lexical de atividade. Podemos evidenciar a diferença do comportamento semântico-sintático entre os verbos recíprocos intransitivos de atividade e os verbos recíprocos intransitivos de estado, quando notamos que os últimos não formam sentenças gramaticais quando acrescidos de um objeto cognato: (34) *O sapato e a blusa de Maria combinam uma combinação boa. (35) *Nossos horários de trabalho coincidem uma coincidência certeira. Acima, em negrito, podemos notar o objeto cognato sendo acrescido às sentenças com os verbos recíprocos intransitivos de aspecto lexical de estado, formando sentenças agramaticais e evidenciando que os verbos recíprocos intransitivos não se comportam da mesma forma. Além disso, a diferença de comportamento dos verbos recíprocos intransitivos de atividade em relação aos verbos recíprocos intransitivos de estado pode ser reafirmada a partir de um teste proposto por Jackendoff (1990). Segundo o autor, um argumento que se encaixa em uma estrutura do tipo “o que x fez foi...” pode ser identificado como um agente. Sendo assim, para observar se os verbos de nossa análise eram agentivos, testamos se seus AEs se encaixam neste tipo de estrutura: (36) O que João fez foi brigar com Maria. (37) O que Mike Tyson foi lutar com Evander Holyfield. (38) O que o Leonardo DiCaprio fez foi contracenar com Kate Winslet. (39) O que o Capitão América fez foi duelar com o Homem de Ferro. (40) O que minha mãe fez foi prosear com suas amigas. (41) *O que o sapato fez foi combinar com a blusa de Maria. (42) *O que meu horário fez foi combinar com o seu. A partir do teste acima, notamos que os verbos de atividade, de (36) a (40), aceitam que seu AE ocorra em uma estrutura como “o que x fez foi...”. Eles são, portanto, agentivos. Os verbos de estado, (41) e (42), ao contrário, não aceitam um agente na posição de AE. Isso mostra que eles não são verbos agentivos. Este teste também reforça que os verbos recíprocos 51 intransitivos de atividade fazem parte de um dos grupos de verbos de atividade agentivos propostos por Amaral e Cançado (2015). O objeto cognato também é utilizado, na literatura, para diferenciar dois tipos de verbos intransitivos, segundo a chamada “Hipótese Inacusativa” (PERLMUTTER, 1978 apud MEIRELLES, 2013): os verbos inacusativos (ergativos) e os verbos inergativos (acusativos). Esses dois tipos de verbos possuem apenas um argumento, no entanto, os verbos inacusativos possuem um sujeito com propriedades de objeto direto. A hipótese é de que seu objeto direto se ergueu para a posição de sujeito, configurando-se como um “falso sujeito”. Sendo assim, não se pode acrescentar aos verbos inacusativos, um objeto cognato, já que a função de objeto já está sendo exercida em sua estrutura. Os verbos inergativos, por sua vez, possuem um argumento, na posição de sujeito, com propriedades de sujeito. Desta forma, eles aceitam um cognato na posição de objeto direto, uma vez que eles não possuem essa função sintática já exercida em sua estrutura. Os verbos inergativos possuem, portanto, um “sujeito verdadeiro”. Sabendo-se que todo objeto direto tem a característica de ser construído no particípio, temos que apenas os verbos inacusativos aceitam essa construção, o que é mais uma evidência de que eles possuem, na verdade, um sujeito derivado de um objeto direto. Os verbos inergativos, por possuírem um “sujeito verdadeiro”, não podem ser construídos no particípio. Vejamos a diferença de comportamento entre um verbo recíproco de estado (43) e um verbo recíproco de atividade (44) abaixo: (43) a. As cores branco e preto contrastam. b. *As cores branco e preto contrastam um contraste chamativo. c. As cores contrastadas. (44) a. O João brigou. b. O João brigou uma briga feia. c. *O João brigado. Acima, demonstramos que os verbos de estado como contrastar não aceitam um objeto cognato (43b), mas podem ser construídos no particípio (43c), característica própria de verbos inacusativos. Já os verbos de atividade como brigar, podem ser construídos com um objeto cognato (44b), mas não aceitam uma construção no particípio (44c), o que é comum a verbos inergativos. Sendo assim, levando em consideração que os verbos recíprocos intransitivos de estado não aceitam um objeto cognato em sua estrutura, propomos que eles 52 possuem a característica sintática de serem verbos inacusativos 9. Os verbos recíprocos intransitivos de atividade, por sua vez, por aceitarem em sua estrutura um objeto cognato, possuem a característica sintática de serem inergativos. A partir do teste de aceitabilidade do objeto cognato, pudemos perceber que os verbos recíprocos intransitivos de atividade, como brigar em (44): - fazem parte da mesma classe que os verbos do tipo correr, analisados por Amaral e Cançado (2015); - são estritamente agentivos; - têm a característica sintática de serem inergativos. Além disso, a partir da não aceitabilidade do objeto cognato, percebemos que os verbos recíprocos intransitivos de estado, como contrastar em (43): - não fazem parte da mesma classe que os verbos do tipo correr, analisados por Amaral e Cançado (2015); - não são agentivos; - têm a característica sintática de serem inacusativos. Percebemos, nesta seção, que os verbos recíprocos intransitivos possuem um comportamento semântico e sintático distinto. Na seção seguinte, compreenderemos as implicações das propriedades apresentadas acima, em uma proposta de formulação da estrutura semântica dos verbos recíprocos intransitivos em termos de decomposição de predicados. 3.4 A decomposição em predicados primitivos Em uma estrutura de decomposição de predicados, temos uma parte do significado que é recorrente entre os verbos de uma classe, e uma parte que representa o sentido idiossincrático dos verbos, que é chamada de “raiz” (RAPPAPORT HOVAV; LEVIN, 1998; 9 Apesar de não ser comum a classificação de verbos estativos em relação ao par inacusatividade x inergatividade, nós apresentamos evidências de que os verbos estativos parecem se comportar como verbos inacusativos. É necessário, no entanto, estudos mais completos para que nossa proposta seja devidamente averiguada. 53 LEVIN; RAPPAPORT HOVAV, 2005). As raízes podem ser argumentos, predicados ou modificadores do verbo. Além disso, as raízes pertencem a algumas categorias ontológicas, como STATE ‘estado’, EVENT ‘evento’, THING ‘coisa’, MANNER ‘maneira’ e PLACE ‘lugar’. Essas categorias são representativas do sentido específico de uma classe de verbos e, assim como os predicados, possuem um número limitado (LEVIN, RAPPAPORT HOVAV, 2005). Com o objetivo de descobrir qual seria a categoria ontológica dos verbos recíprocos intransitivos, realizamos o teste de retirar um nome de dentro dos verbos (CANÇADO; AMARAL, 2016). Segundo Cançado e Amaral (2016), podemos extrair sintagmas correlatos ao sentido dos verbos, os quais evidenciam o componente semântico da raiz verbal. A partir deste teste, intencionamos observar melhor a parte de sentido que os verbos recíprocos intransitivos carregam, reforçando a ideia de que consideramos que o sentido de um item verbal é composicional. O teste feito para os verbos recíprocos de aspecto lexical de atividade está ilustrado abaixo: (45) Pactuar = pacto (46) Brigar = briga (47) Conversar = conversa (48) Dialogar = diálogo (49) Duelar = duelo (50) Lutar = luta Como chegamos à conclusão, na seção anterior, de que os verbos recíprocos de aspecto lexical de atividade fazem parte da mesma classe que os verbos do tipo correr, analisados por Amaral e Cançado (2015), entendemos que eles teriam a mesma estrutura e, portanto, a mesma categoria ontológica desses, sendo representados pela categoria ontológica EVENT “evento”. Abaixo, demonstramos o teste realizado para os verbos recíprocos de aspecto lexical de estado: (51) Coexistir = coexistência (52) Coincidir = coincidência (53) Corresponder = correspondência 54 (54) Discrepar = discrepância (55) Divergir = divergência (56) Conviver = convivência Cançado (2012), baseando-se em Van Valin (2005), propõe para os verbos psicológicos do tipo temer, analisados por ela, a categoria ontológica THING “coisa”. A estrutura é demonstrada abaixo (CANÇADO, 2012, p. 15): (57) a. v: [X TER <THING> por Y] b. temer: [X TER <TEMOR> por Y] Pinker (1989, p. 190) dá a estrutura do verbo estativo have “ter”, considerado também um predicado primitivo na teoria, utilizando-se, de forma semelhante, da categoria ontológica THING para representar seu sentido: (58) have: HAVE [] STATE THING [] THING [] Seguindo a ideia de autores como Cançado (2012) e Pinker (1989), levamos em conta a possibilidade de a categoria ontológica <THING> ser a representativa do sentido idiossincrático da classe dos verbos recíprocos intransitivos de estado. Tendo realizado o teste do nome dentro dos verbos, formulamos um novo teste, com o intuito de observar qual seria o predicado primitivo adequado para estruturar os verbos recíprocos intransitivos de atividade e de estado. Por meio deste novo teste, nosso objetivo foi tentar encontrar uma paráfrase do sentido dos verbos, fazendo uso dos nomes dos verbos que encontramos a partir do teste anterior (PINKER, 1989). Abaixo, exemplificamos o teste de paráfrase10 para os verbos recíprocos intransitivos de atividade: 10 É importante observar que as paráfrases dos verbos podem variar. Poderíamos, por exemplo, propor a paráfrase ter uma conversa, para o verbo conversar. No entanto, essa paráfrase não ressalta o sentido dinâmico desse verbo. Nesse sentido, as paráfrases foram elaboradas levando em conta o aspecto lexical básico do verbo. 55 (59) Pactuar = fazer um pacto (60) Brigar = fazer uma briga (61) Conversar = fazer uma conversa (62) Dialogar = fazer um diálogo (63) Duelar = fazer um duelo (64) Lutar = fazer uma luta Vejamos agora o resultado das paráfrases para os verbos recíprocos intransitivos de estado: (65) Coexistir = ter coexistência (66) Coincidir = ter coincidência (67) Corresponder = ter correspondência (68) Discrepar = ter discrepância (69) Divergir = ter divergência (70) Conviver = ter convivência A partir do teste do nome dentro dos verbos e do teste da paráfrase dos verbos, pudemos observar o comportamento dos verbos recíprocos intransitivos e, além disso, reconhecemos certa regularidade entre eles: observamos que, de maneira geral, os verbos de aspecto lexical de atividade possuem, em sua paráfrase, o verbo fazer; os verbos de estado, por sua vez, possuem, em sua paráfrase, o verbo ter. Parece-nos possível, agora, discutir mais a fundo quais seriam suas categorias ontológicas e propor para eles um predicado primitivo. Vimos, na seção anterior, que os verbos recíprocos intransitivos de atividade são semântica e sintaticamente semelhantes aos verbos da classe de correr, cujo comportamento foi investigado por Amaral e Cançado (2015). Sendo assim, a partir da aceitabilidade dos verbos recíprocos intransitivos de atividade quanto ao objeto cognato, chegamos à conclusão de que eles são estritamente agentivos e de que eles têm a característica sintática de serem inergativos, pertencendo à mesma classe que os verbos do tipo correr, analisados por Amaral e Cançado (2015). Amaral e Cançado (2015) propõem uma separação dos verbos agentivos de atividade em duas classes: os verbos do tipo correr seriam representados pela estrutura argumental [X DO <EVENT>], enquanto os verbos do tipo escrever seriam representados pela estrutura [X 56 ACT <MANNER>]. Nesse sentido, as autoras seguem a ideia de Harley (2005), mostrando que a classe dos verbos do tipo correr não pode conter MANNER “maneira” como categoria ontológica, uma vez que eles não são verbos de maneira. A evidência mostrada por elas para justificar a separação dos verbos intransitivos agentivos de atividade em duas classes distintas é o fato de que uma estrutura como [X ACT <MANNER>] só pode derivar atividades durativas, e verbos como pular, por exemplo, são atividades agentivas intransitivas pontuais (conhecidas na literatura como semelfactivos)11. Sendo assim, de acordo com essa ideia, quando observamos um verbo como correr, temos a interpretação de que alguém faz algo, uma corrida, e não de que correr é a maneira como alguém age (AMARAL; CANÇADO, 2015). Propõe-se que os verbos do tipo correr possuem, portanto, a raiz EVENT (ROSS, 1972; HARLEY, 2005 apud AMARAL; CANÇADO, 2015), agrupando-os em uma classe diferente da classe dos verbos de atividade agentivos de raiz MANNER. Além disso, de acordo com Amaral e Cançado (2015), os verbos do tipo correr não podem conter o predicado primitivo ACT (RAPPAPORT HOVAV; LEVIN, 1998), uma vez que ele é monoargumental, não deixando espaço na estrutura para um argumento-raiz do tipo EVENT. Propõe-se, então, o predicado primitivo DO para a estrutura dos verbos intransitivos de atividade do tipo correr, já que é biargumental, requerendo uma variável e a raiz EVENT como argumentos (ROSS, 1972 apud AMARAL; CANÇADO, 2015). São exemplos de verbos do tipo correr os verbos dançar, chorar, pular e andar. Visto que consideramos que os verbos recíprocos intransitivos de atividade pertencem à mesma classe dos verbos do tipo correr, de Amaral e Cançado (2015), propomos a seguinte estrutura argumental para os verbos recíprocos intransitivos de atividade (71a) e apresentamos alguns exemplos de verbos pertencentes a essa classe (71b, 71c, 71d): (71) a. v: [X DO <EVENT>] b. brigar: [X DO <BRIGA>] c. conversar: [X DO <CONVERSA>] d. pactuar: [X DO <PACTO>] 11 Assumiremos, juntamente com Levin (1999), Harley (2005) e Cançado e Amaral (2016), que os verbos semelfactivos como pular não formam uma quinta classe aspectual, mas são atividades que carregam o sentido idiossincrático da iteratividade em sua entrada lexical. 57 Na estrutura acima, temos que DO é um predicado biargumental, ou seja, pede dois argumentos para completar seu sentido: a variável X e a raiz <EVENT>, a qual é a categoria ontológica representativa do sentido idiossincrático de cada verbo pertencente a uma classe. Podemos perceber que é a substituição da categoria ontológica EVENT pelo sentido idiossincrático de determinado verbo, por exemplo, BRIGA, que o diferencia de outros verbos da mesma classe (CONVERSA, PACTO). Dada a estrutura de decomposição de predicados para os verbos recíprocos intransitivos de atividade, podemos agora discutir a estrutura dos verbos recíprocos intransitivos de estado, para os quais já foram apresentados os testes de nome dentro dos verbos (51-56) e paráfrase dos verbos (65-70). Na paráfrase dos verbos de estado, pudemos perceber uma regularidade com relação ao uso do verbo ter. Nesse sentido, consideramos a possibilidade de utilizar o metapredicado HAVE, proposto por Pinker (1989), para representar o sentido recorrente desta classe de verbos. Cançado (2012) apresenta uma estrutura de decomposição de predicados para verbos estativos do tipo psicológico, baseando-se na estrutura proposta por Van Valin (2005) para os verbos de posse, a qual é apresentada a seguir: (72) ter: [X TER Y] Com base em (72), para os verbos psicológicos do tipo temer, a autora propõe o metapredicado TER e a categoria ontológica THING, em uma estrutura que já demonstramos em (57) e que retomamos abaixo: (73) a. v: [X TER <THING> por Y] b. temer: [X TER <TEMOR> por Y] Pinker (1989) propõe a existência do metapredicado HAVE, além do metapredicado BE, já que, para ele, a propriedade de posse pode ser conceptualizada por meio desses dois predicados semânticos. Nesse sentido, o autor sugere que, cognitivamente, o estado HAVE é simplesmente o inverso do estado BE, tratando a location12, ao invés do locatum13, como seu “sujeito lógico” (PINKER, 1989). Abaixo, representamos a ideia do autor: 12 O termo location faz referência ao lugar, ou seja, nesse caso, ao possuidor. 58 (74) BE: {posse/locatum, possuidor/location} (75) HAVE: {possuidor/location, posse/locatum} Dados os exemplos em (74) e (75), podemos notar que o predicado BE deve ser utilizado em uma estrutura em que o argumento-sujeito indica posse e o argumento-objeto indica o possuidor. Inversamente, a conceptualização da ideia de posse a partir do predicado HAVE deve ser feita quando temos um argumento-sujeito designando possuidor e um argumentoobjeto designando uma posse. Pinker (1989) aponta mais algumas diferenças entre os predicados BE e HAVE. Segundo o autor, enquanto o predicado BE pode ser definido normalmente por meio de um campo locacional, podendo ser estendido para um campo de posse, o predicado HAVE é normalmente definido a partir do campo de posse, podendo ser estendido para um campo locacional. A partir da ideia de Pinker (1989), podemos notar que o predicado HAVE, definido a partir de um campo de posse, melhor define os verbos recíprocos intransitivos de estado: (76) X ter coincidência: {possuidor/location, posse/locatum} Em (76), temos que o argumento-sujeito de ter, X, é o possuidor, enquanto seu argumentoobjeto, coincidência, é a posse. Isso justifica a nossa opção pelo metapredicado HAVE em contraposição à possibilidade de utilizarmos o metapredicado BE. As vantagens dadas por autores como Pinker (1989) e Jackendoff (1990) apud Cançado (2012) a respeito do uso do metapredicado HAVE “ter” dizem respeito ao fato de que, a partir dele, além de se recuperar o sentido recorrente da classe, é possível agrupar os verbos de estado de maneira mais geral. Como demonstramos em (58), Pinker (1989) dá a estrutura do verbo estativo have, utilizando-se do metapredicado HAVE e da categoria ontológica THING para representar seu sentido. Considerando-se a vantagem do uso do predicado HAVE e, com base nas estruturas dadas pelos autores apontados, propomos a estrutura de decomposição de predicados para os verbos recíprocos intransitivos de estado (77a), e apresentamos alguns exemplos de verbos pertencentes a essa classe (77b, 77c, 77d): 13 O termo locatum faz referência à posse. 59 (77) a. v: [X HAVE <THING>] b. coincidir: [X HAVE <COINCIDÊNCIA>] c. corresponder: [X HAVE <CORRESPONDÊNCIA>] d. divergir: [X HAVE <DIVERGÊNCIA>] Como se demonstra, na estrutura acima, HAVE é um metapredicado biargumental, requerendo dois argumentos para completar seu sentido: a variável X e a raiz <THING>, que é a categoria ontológica representativa do sentido idiossincrático de cada verbo pertencente a uma classe. Encontradas as estruturas de decomposição de predicados para os verbos recíprocos intransitivos do PB, retomamos o nosso objetivo de discutir se esses verbos podem ser agrupados em uma classe verbal única, do tipo medium-grained. Sabendo-se que a classificação verbal em um nível mediano leva em conta toda a estrutura semântica de um grupo de verbos para que eles possam ser considerados uma classe, podemos afirmar que os verbos recíprocos intransitivos, assim como os verbos recíprocos transitivos analisados por Cançado et al. (2013), não formam uma única classe verbal no PB. Essa afirmação tem respaldo no fato de que os verbos recíprocos intransitivos possuem duas estruturas semânticas distintas: [X DO <EVENT>] e [X HAVE <THING>]. Sendo assim, como vimos a partir dos testes executados, eles não compartilham as mesmas propriedades sintáticas e semânticas, sendo necessário agrupá-los em duas diferentes classes verbais. Destacamos que a classe de verbos com a estrutura [X DO <EVENT>] não é composta apenas de verbos recíprocos intransitivos de atividade, mas por outros verbos intransitivos agentivos de atividade, os quais foram analisados por Amaral e Cançado (2015). Nesse sentido, podemos dizer que os recíprocos intransitivos de atividade, sozinhos, não formam uma classe do tipo medium-grained; eles estão, na verdade, agrupados na classe [X DO <EVENT>] juntamente com outros tipos de verbos: os verbos do tipo correr, de Amaral e Cançado (2015). Além disso, é importante ressaltar que há fortes indícios de que a classe de verbos formada a partir da estrutura [X HAVE <THING>] não é composta apenas de verbos recíprocos intransitivos estativos, visto que encontramos exemplos de verbos estativos intransitivos não recíprocos que parecem ter esta mesma estrutura semântica: 60 (78) a. Proceder = ter procedência b. proceder: [X HAVE <PROCEDÊNCIA>] c. Seus argumentos procedem. (79) a. Existir = ter existência b. existir: [X HAVE <EXISTÊNCIA>] c. Os dinossauros não existem mais. Se a classe de estrutura [X HAVE <THING>] não possuir apenas os verbos recíprocos intransitivos, como os exemplos acima parecem demonstrar, isso significa que os verbos recíprocos intransitivos estativos, sozinhos, também não formam uma classe do tipo mediumgrained. As evidências apresentadas a partir dos exemplos (78) e (79) apontam para o fato de que os verbos recíprocos intransitivos estativos estão agrupados na classe de estrutura [X HAVE <THING>] juntamente com outros tipos de verbos estativos do PB. Uma análise mais fina dos demais verbos pertencentes a essa classe, no entanto, deve ser realizada em trabalhos futuros. Por fim, podemos observar que os verbos recíprocos intransitivos não pertencem à mesma classe que os verbos recíprocos transitivos analisados por Cançado et al. (2013). Segundo Cançado et al. (2013), os verbos recíprocos transitivos pertencem à ampla classe dos verbos de mudança de estado no PB, mais especificamente, à classe dos verbos de mudança de estado opcionalmente volitivos, junto a outros verbos não recíprocos. Concluímos, a partir deste trabalho, que os verbos recíprocos intransitivos não estão agrupados em nenhuma das classes dos verbos de mudança do PB, uma vez que eles não são bieventivos e não acarretam ficar estado como resultado final. Ademais, os verbos recíprocos intransitivos não participam da alternância causativo-incoativa: (80) a. Maria brigou com João. – forma causativa b. *João ficou brigado. – acarretamento ficar estado c. *João (se) brigou14. – forma incoativa (81) a. O horário de trabalho de João coincide com o de Maria. – forma causativa b. *O horário de Maria ficou coincidido. – acarretamento ficar estado c. *O horário de Maria (se) coincidiu. – forma incoativa 14 Essa sentença é agramatical no sentido de que o João é o paciente da ação do verbo. 61 Acima, demonstramos um exemplo de verbo recíproco intransitivo de atividade (80) e um exemplo de verbo recíproco intransitivo de estado (81), ambos agramaticais quanto ao acarretamento ficar estado e quanto à alternância causativo-incoativa. Essa agramaticalidade se justifica uma vez que, como a alternância causativo-incoativa é um tipo de intransitivização do verbo, ela é barrada por verbos que já são basicamente intransitivos. Nesse sentido, propomos, neste trabalho, que a transitividade influencia no comportamento semântico-sintático dos verbos recíprocos, ao contrário do que sugere Godoy (2008), que afirma que a razão pela qual esses verbos estão agrupados em uma mesma classe não está relacionada à sua transitividade. 3.5 Os verbos recíprocos transitivos e intransitivos: uma classe verbal? Discutimos, no capítulo 1, as evidências apresentadas por Cançado et al. (2013) de que os verbos recíprocos possuem um comportamento sintático-semântico distinto: verbos do tipo conversar são intransitivos e não acarretam um estado final, enquanto verbos do tipo misturar, acarretam ficar estado, participam da alternância causativo-incoativa e são bieventivos. A partir disso, as autoras concluíram que os verbos recíprocos transitivos não formam uma classe verbal canônica, do tipo medium-grained, no PB, mas uma classe de análise mais restrita, do tipo fine-grained. Cançado et al. (2013) chegaram a esta conclusão baseando-se no fato de que os verbos desta classe possuem a propriedade semântica de reciprocidade, que licencia uma construção sintática: a alternância simples-descontínua. Na seção 1.2 deste trabalho, apresentamos novas evidências de que o agrupamento dos verbos recíprocos em uma única classe verbal não é simples de ser fundamentado: mostramos que o teste do acarretamento, proposto por Godoy (2008), não foi suficiente para separar os verbos lexicalmente recíprocos daqueles cuja reciprocidade é sintática. Abaixo, retomamos os exemplos dados: (82) a. A mãe e o bebê dormiram. – forma simples b. A mãe dormiu com o bebê. – forma descontínua (83) a. Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram. – forma simples b. Mike Tyson lutou com Evander Holyfield. – forma descontínua 62 De acordo com a análise de Godoy (2008) apenas o verbo lutar, em (83), é um verbo lexicalmente recíproco. O verbo dormir, em (82), seria considerado por Godoy (2008) um verbo não recíproco em uma construção sintática recíproca. Segundo a autora, um verbo lexicalmente recíproco pode ser reconhecido a partir do teste do acarretamento: um verbo é recíproco se, na sua forma simples, acarreta sentenças descontínuas (GODOY, 2008). No entanto, demostramos que os verbos dormir e lutar apresentam o mesmo comportamento com relação ao acarretamento: ambos, em sua forma simples, não acarretam sentenças descontínuas: (84) A mãe e o bebê dormiram. ~ ├ A mãe dormiu com o bebê. (85) Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram. ~ ├ Mike Tyson lutou com Evander Holyfield. Além disso, a argumentação de que os verbos lexicalmente recíprocos requerem, de maneira obrigatória, um argumento plural na posição de AE ou de AI em sua forma simples, não se mostrou válida para todos os verbos classificados como recíprocos por Godoy (2008), como demonstramos abaixo: (86) Galvão Bueno comentou a partida de futebol. (87) Cristina discutiu os resultados de sua dissertação. (88) Jorge joga futebol todas as quartas. (89) O pedreiro nivelou o piso. Nas sentenças de (86) a (88), temos exemplos de verbos que denotam reciprocidade ao seu AE. Na sentença em (89), temos o exemplo de um verbo que denota reciprocidade ao seu AI. Podemos notar, a partir dessas sentenças, que nem todos os verbos classificados por Godoy (2008) como lexicalmente recíprocos exigem, necessariamente, que seu AE, para as sentenças de (86) a (88), e que seu AI, para a sentença em (89), tenham uma denotação plural. Essa evidência reforça a ideia de que não é simples entender o porquê de esses verbos estarem agrupados em uma mesma classe. 63 As análises do teste do acarretamento e do argumento plural demonstradas enfraquecem a ideia de que os verbos recíprocos formam uma classe de verbos que compartilham as mesmas propriedades semânticas e sintáticas. Cançado et al. (2013) mostram, além disso, que a alternância simples-descontínua não é uma composição sintática comum apenas aos verbos recíprocos, podendo ocorrer com vários tipos de verbos no PB. As autoras citam o verbo transitivo roubar (CANÇADO et al., 2013, p. 65), e nós citamos, neste trabalho, o verbo intransitivo jantar: (90) a. João e Maria roubaram a loja. – forma simples b. João roubou a loja com Maria. – forma descontínua (91) a. Cristina e Jorge jantaram. – forma simples b. Cristina jantou com Jorge. – forma descontínua O verbo roubar, em (90), e o verbo jantar, em (91), não exigem um argumento-sujeito plural e não possuem a propriedade semântica de reciprocidade. No entanto, eles ocorrem em uma forma simples e em uma forma descontínua. Ignácio (2009) trata a respeito do comitativo, um caso semântico pouco estudado, defendendo a ideia de que ele é um complemento do verbo. Segundo o autor, o comitativo é um termo nuclear que se caracteriza por participar da estrutura oracional na posição de complemento, porém com função idêntica à do argumento externo da oração. O comitativo pode ser introduzido em uma sentença por meio da preposição com ou por meio da expressão junto com (IGNÁCIO, 2009). Vejamos alguns exemplos de argumentos comitativos (IGNÁCIO, 2009, p. 17, grifo nosso): (92) O patrão discutia com o empregado. (93) O filho sofria junto com a mãe a perda do pai. (94) A Maria sempre saía com o João. Nas sentenças acima, o argumento comitativo está marcado em negrito. Em (92), em termos de papel temático, temos que tanto o sujeito quanto o comitativo são agentes. Em (93), tanto o sujeito quanto o comitativo são pacientes e, em (94), temos que o sujeito e o comitativo são temas. 64 Segundo Cançado et al. (2013), todos os verbos recíprocos “são participantes por excelência de composições sintáticas comitativas” (CANÇADO et al., 2013, p. 65), mas podemos notar que nem toda composição sintática comitativa é feita a partir de um verbo lexicalmente recíproco. No capítulo 1, diferenciamos a reciprocidade lexical, que é intrínseca ao item verbal, da reciprocidade sintática, que é construída a partir de mecanismos a nível sentencial. Em (92), apresentamos um exemplo de um verbo lexicalmente recíproco que, por conseguinte, participa de uma construção sintática com o argumento comitativo em sua forma descontínua. Já em (93) e (94), temos exemplos de verbos que não são lexicalmente recíprocos mas que, a partir de uma construção sintática com o argumento comitativo, em uma forma semelhante à forma descontínua, abarcam a propriedade de reciprocidade. Podemos notar, no entanto, que mesmo os verbos que possuem um argumento comitativo e que não são lexicalmente recíprocos, como em (93) e (94), podem participar da alternância simples-descontínua: (95) a. O patrão e o empregado discutiam. – forma simples b. O patrão discutia com o empregado. – forma descontínua (96) a. O filho e a mãe sofriam a perda do pai. – forma simples b. O filho sofria a perda do pai (junto) com a mãe. – forma descontínua (97) a. A Maria e o João sempre saíam. – forma simples b. A Maria sempre saía (junto) com o João. – forma descontínua Nos exemplos dados acima, podemos observar que tanto o verbo lexicalmente recíproco e, portanto, comitativo, em (95), quanto os verbos comitativos que possuem uma reciprocidade sintática, em (96) e (97), podem alternar entre as formas simples e descontínua. Nesse sentido, se é a alternância simples-descontínua que agrupa os verbos recíprocos em uma mesma classe (GODOY, 2008), e foram apresentados exemplos em que essa alternância ocorre também com verbos não recíprocos em uma construção comitativa, é questionável que os verbos recíprocos formem uma classe até mesmo em um nível mais restrito, do tipo finegrained. Em suma, os argumentos que utilizamos para defender a ideia de que os verbos recíprocos não formam uma classe verbal em nenhum nível de análise, são apresentados a seguir: 65 - os verbos recíprocos transitivos (CANÇADO et al., 2013) e os verbos recíprocos intransitivos possuem um comportamento sintático-semântico distinto entre si; - o teste do acarretamento, proposto por Godoy (2008), para separar os verbos lexicalmente recíprocos daqueles cuja reciprocidade é sintática, não se mostrou eficiente; - a argumentação de que os verbos lexicalmente recíprocos possuem a exigência sintática de um argumento plural na posição de AE (quando denotam reciprocidade ao seu sujeito) ou na posição de AI (quando denotam reciprocidade ao seu objeto) não é válida para todos os verbos recíprocos analisados por Godoy (2008); - a alternância simples-descontínua, composição sintática que agrupa os verbos lexicalmente recíprocos em uma mesma classe, pode ocorrer com outros tipos de verbos, em uma composição sintática comitativa. Apresentados estes argumentos, concluímos que o agrupamento dos verbos recíprocos no PB em uma só classe não se justifica, uma vez que a reciprocidade, apesar de fazer parte do sentido idiossincrático de alguns verbos, não é uma propriedade gramaticalmente relevante no PB. 66 CAPÍTULO 4: CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta monografia, objetivamos fazer um levantamento dos verbos recíprocos intransitivos, a partir do levantamento feito por Godoy (2008), e verificar se eles poderiam ser agrupados em uma única classe verbal canônica, do tipo medium-grained, que compartilhasse as mesmas propriedades semânticas e sintáticas. Além disso, intencionamos propor representações semânticas para a(s) classe(s) dos verbos recíprocos intransitivos encontrada(s), valendo-nos da linguagem de decomposição de predicados primitivos. Para que isso pudesse ser feito, nos propusemos a discutir o estatuto da reciprocidade. Para atingir nossos objetivos, analisamos, por meio de testes sintáticos e semânticos, os 53 verbos recíprocos intransitivos coletados por Godoy (2008). Levantamos a hipótese de que os verbos recíprocos intransitivos, assim como os verbos recíprocos transitivos já analisados por Cançado et al. (2013), não formam uma classe verbal canônica no PB. A partir desta hipótese, esperávamos encontrar mais de uma representação semântica para os recíprocos intransitivos em uma estrutura de decomposição de predicados. Percebemos, por meio de testes aspectuais, que os verbos recíprocos intransitivos de nossa análise se subdividiam entre verbos de aspecto lexical de atividade, como brigar e conversar, e verbos de aspecto lexical de estado, como coincidir e combinar. Além disso, percebemos que apenas os verbos recíprocos intransitivos de atividade aceitavam um objeto cognato em sua estrutura, sendo este tipo de formação sintática agramatical em combinação com os verbos recíprocos intransitivos de estado. Outras diferenças semântico-sintáticas foram encontradas: percebemos, por exemplo, que os verbos de aspecto lexical de atividade são inergativos e estritamente agentivos, enquanto os verbos de aspecto lexical de estado são inacusativos e não agentivos. A partir do reconhecimento de que os verbos recíprocos intransitivos de atividade e de estado possuem um comportamento semântico-sintático distinto, duas representações semânticas diferentes foram propostas a eles. Para os verbos recíprocos intransitivos de atividade, nossa proposta é de que eles fazem parte da mesma classe que os verbos do tipo correr, analisados por Amaral e Cançado (2015), possuindo, portanto, a seguinte estrutura: v: [X DO <EVENT>]. Para os verbos recíprocos intransitivos de estado, propusemos a estrutura v: [X HAVE <THING>] e apontamos evidências de que eles estão agrupados nesta classe juntamente com outros tipos de verbos estativos do PB. Acrescentamos, no entanto, que uma análise mais fina dos demais verbos pertencentes a essa classe deve ser realizada em trabalhos 67 futuros. A partir disso, mostramos que os verbos recíprocos intransitivos não estão agrupados na mesma classe que os verbos recíprocos transitivos analisados por Cançado et al. (2013). Em uma discussão sobre classe verbal, questionamos a ideia de que os verbos recíprocos transitivos e intransitivos formem uma classe até mesmo em um nível mais restrito, do tipo fine-grained. Justificamos a nossa proposta de que os verbos recíprocos não formam uma classe verbal em nenhum nível de análise, argumentando que os verbos recíprocos transitivos (CANÇADO et al., 2013) e os verbos recíprocos intransitivos possuem um comportamento diferente sintática e semanticamente. Ademais, demonstramos que o teste do acarretamento, proposto por Godoy (2008), para separar os verbos lexicalmente recíprocos daqueles cuja reciprocidade é sintática, não se mostrou eficiente, bem como apontamos que a argumentação de que os verbos lexicalmente recíprocos possuem a exigência sintática de um argumento plural na posição de sujeito ou na posição de objeto não é válida para todos os verbos recíprocos analisados por Godoy (2008). Mostramos, também, que a alternância simples-descontínua, composição sintática que agrupa os verbos lexicalmente recíprocos em uma mesma classe, pode ocorrer com outros tipos de verbos, em uma composição sintática comitativa (CANÇADO et al., 2013), o que se configura como mais uma evidência de que o agrupamento desses verbos em uma única classe verbal não é fácil de ser fundamentado. A partir disso, concluímos que, em termos metodológicos, o agrupamento dos verbos recíprocos no PB em uma só classe não se justifica, visto que a reciprocidade não é uma propriedade gramaticalmente relevante. 68 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARAL, L., CANÇADO, M. Argument structure of activity verbs in Brazilian Portuguese. Semantics‐Syntax Interface, v. 2, n. 2, 2015. BORBA, F. S. (Coord.) Dicionário gramatical de verbos do português contemporâneo. São Paulo: Unesp, 1990. CANÇADO, M. Verbos Psicológicos: uma classe relevante gramaticalmente? Revista Veredas, v. 16, n. 2, 2012. CANÇADO, M. 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Os nossos horários coincidem. O carro e o caminhão colidiram. Essas cores combinam. 7. Coincidir 8. Colidir4 9. Combinar 10. Comerciar 11. Conchavar5 12. Concordar 13. Concorrer 14. Confabular6 15. Conflitar 16. Confraternizar7 17. Contracenar 18. Contrastar 1 O turco e o judeu comerciaram. Os partidos conchavaram. Dani e Lara concordam sobre a questão. As amigas concorrem à mesma bolsa. A bruxa e a madrasta confabularam. O testemunho da jornalista e o do senador conflitam. João e os colegas confraternizaram no churrasco. Brad e Kate nunca contracenaram. Essas cores contrastam. Adaptado de Godoy (2008, p. 80). Verbo eliminado por falta de intuição. 3 Verbo eliminado por falta de intuição. 4 Verbo eliminado por ser basicamente transitivo. 5 Verbo eliminado por falta de intuição. 6 Verbo eliminado por falta de intuição. 7 Verbo eliminado por ser basicamente transitivo. 2 FORMA DESCONTÍNUA A empresa brasileira acordou com a americana. O advogado de defesa arguiu com o promotor. João brigou com Maria. João brindou com Maria. Paulinha cochichou com Carlinha. A arte não pode coexistir com a censura. Os meus horários coincidem com os seus. O carro colidiu com o caminhão. Preto combina com cinza. O turco comerciou com o judeu. O partido conchavou com seu rival. Dani concorda com Lara. Heloísa concorre com Marisa à mesma bolsa. A bruxa confabulou com a madrasta. O testemunho da jornalista conflita com o do senador. João confraternizou com os colegas no churrasco. Brad nunca contracenou com Kate. O preto contrasta com o branco. 74 19. Convergir Os partidos convergem. 20. Conversar 21. Conviver Nós conversamos. O casal convive bem. 22. Coocorrer Os sons coocorrem em PB. 23. Cooperar Atenienses e espartanos cooperaram na invasão persa. Os insetos copularam. 24. Copular8 25. Corresponder 26. Cruzar9 27. Destoar 28. Dialogar 29. Discordar 30. Discrepar 31. Divergir 32. Duelar 33. Empatar 34. Entrosar 35. Equivaler 36. Ficar 37. Flertar 38. Fornicar10 39. Harmonizar 40. Interagir11 41. Lutar 8 As nossas ideias correspondem. João e Maria cruzaram na rua. As duas vozes destoam na música. João e Maria dialogaram. Heloísa e Rafael discordam. Os depoimentos discreparam. As nossas ideias divergem. Pedro e Paulo duelaram. Cruzeiro e América empataram. As vozes do Amaranto entrosam muito bem. Essas medidas de temperatura equivalem. A Joana e o Pedrinho ficaram ontem. João e Maria flertaram. Eles fornicaram. Guitarra e contrabaixo harmonizam bem. Os colegas interagiram na festa. O Bê e o Cristiano lutaram na areia. Verbo eliminado por falta de intuição. Verbo eliminado por ser basicamente transitivo. 10 Verbo eliminado por falta de intuição. 11 Verbo eliminado por ser basicamente transitivo 9 O partido da base converge com o de oposição. Eu conversei com ele. João convive bem com Maria. Este som coocorre com este outro em PB. Os atenienses cooperaram com os espartanos na invasão persa. A abelha copulou com o zangão. A minha ideia corresponde à sua. João cruzou com Maria na rua. A voz dela destoa da dele. João dialogou com Maria. Heloísa discorda de Rafael. O depoimento do senador discrepa do da sua amante A minha ideia diverge da sua. Pedro duelou com Paulo. O Cruzeiro empatou com o América. A voz da caçula entrosa com a da primogênita. Trinta graus Celsius equivalem a oitenta e seis Fahrenheit. A Joana ficou com o Pedrinho ontem. João flertou com Maria. A Joana fornicou com o Pedrinho. Guitarra harmoniza bem com contrabaixo. Maria interagiu com os colegas na festa. O Bê lutou com o Cristiano na areia. 75 42. Mancomunar12 43. Namorar As esposas revoltadas mancomunaram. Eles estão namorando. 44. Noivar13 45. Pactuar Breno e Heloísa noivaram. Os políticos pactuaram. 46. Permutar14 48. Reatar A produtora e a gravadora permutaram. Dona Ana e Dona Vilma prosearam. Os namorados reataram. 49. Rimar Esses versos rimam. 50. Tabelar Pelé e Garrincha tabelaram. Eu e ele topamos. O casal transou. Os pilotos trombaram. 47. Prosear 51. Topar15 52. Transar 53. Trombar16 12 Verbo eliminado por falta de intuição. Verbo eliminado por ser basicamente transitivo. 14 Verbo eliminado por ser basicamente transitivo. 15 Verbo eliminado por ser basicamente transitivo. 16 Verbo eliminado por ser basicamente transitivo. 13 Maria mancomunou com as esposas revoltadas. A Clara está namorando com o Diogo. Breno noivou com Heloísa. O político pactuou com os corruptos. A produtora permutou com a gravadora. Dona Ana proseou com Dona Vilma. A Rita reatou com o Renato. Esse verso rima com aquele outro. Pelé tabelou com Garrincha. Eu topei com ele. João transou com Maria. Ayrton trombou com Piquet. 76 APÊNDICE – ANÁLISE DOS VERBOS RECÍPROCOS INTRANSITIVOS Verbos recíprocos intransitivos com a estrutura [X DO <EVENT>]: Propriedades: - Têm o aspecto lexical de atividade; - Aceitam um objeto cognato ou um hipônimo; - São agramaticais em uma sentença formada com a partícula se; - São inergativos; - São agentivos. 1. Brigar Sentença na forma simples: O João e a Maria brigaram. Sentença na forma descontínua: O João brigou com a Maria. Nome dentro do verbo: briga. Paráfrase: fazer uma briga. Objeto cognato ou hipônimo: O João e a Maria brigaram uma briga feia. Teste aspectual de atividade: O João e a Maria estavam brigando. ├ O João e a Maria brigaram. 2. Brindar Sentença na forma simples: Os noivos brindaram. Sentença na forma descontínua: O noivo brindou com a noiva. Nome dentro do verbo: brinde. Paráfrase: fazer um brinde. Objeto cognato ou hipônimo: O noivo e a noiva brindaram um brinde memorável. Teste aspectual de atividade: O noivo e a noiva estavam brindando. noiva brindaram. 3. Cochichar Sentença na forma simples: O João e a Maria cochicharam. Sentença na forma descontínua: O João cochichou com a Maria. ├ O noivo e a 77 Nome dentro do verbo: cochicho. Paráfrase: fazer um cochicho. Objeto cognato ou hipônimo: O João cochichou uma piada engraçada para a Maria. Teste aspectual de atividade: O João e a Maria estavam cochichando. ├ O João e a Maria cochicharam. 4. Comerciar Sentença na forma simples: Os vendedor brasileiro e o vendedor estrangeiro comerciaram. Sentença na forma descontínua: Os vendedor brasileiro comerciou com o vendedor estrangeiro. Nome dentro do verbo: comércio. Paráfrase: fazer um comércio. Objeto cognato ou hipônimo: Os vendedores comerciaram uma boa mercadoria. Teste aspectual de atividade: Os vendedores estavam comerciando. ├ Os vendedores comerciaram. 5. Contracenar Sentença na forma simples: Leonardo DiCaprio e Kate Winslet contracenaram. Sentença na forma descontínua: Leonardo DiCaprio contracenou com Kate Winslet. Nome dentro do verbo: cena. Paráfrase: fazer uma cena. Objeto cognato ou hipônimo: Leonardo DiCaprio e Kate Winslet contracenaram uma cena emocionante. Teste aspectual de atividade: Os atores estavam contracenando. contracenaram. 6. Conversar Sentença na forma simples: O pai e a filha conversaram. Sentença na forma descontínua: O pai conversou com a filha. Nome dentro do verbo: conversa. Paráfrase: fazer uma conversa. ├ Os atores 78 Objeto cognato ou hipônimo: O pai e a filha conversaram um assunto sério. Teste aspectual de atividade: O pai e a filha estavam conversando. ├ O pai e a filha conversaram. 7. Dialogar Sentença na forma simples: O João e a Maria dialogaram. Sentença na forma descontínua: O João dialogou com a Maria. Nome dentro do verbo: diálogo. Paráfrase: fazer um diálogo. Objeto cognato ou hipônimo: O João e a Maria dialogaram um assunto importante. Teste aspectual de atividade: O João e a Maria estavam dialogando. ├ O João e a Maria dialogaram. 8. Duelar Sentença na forma simples: O Capitão América e o Homem de Ferro duelaram. Sentença na forma descontínua: O Capitão América duelou com o Homem de Ferro. Nome dentro do verbo: duelo. Paráfrase: fazer um duelo. Objeto cognato ou hipônimo: O Capitão América e o Homem de Ferro duelaram um último duelo. Teste aspectual de atividade: O Capitão América e o Homem de Ferro estavam duelando. ├ O Capitão América e o Homem de Ferro duelaram. 9. Ficar Sentença na forma simples: O João e a Maria ficaram. Sentença na forma descontínua: O João ficou com a Maria. Nome dentro do verbo: ficada. Paráfrase: dar uma ficada. Objeto cognato ou hipônimo: O João e a Maria estão ficando uma ficada séria. Teste aspectual de atividade: O João e a Maria estavam ficando. ficaram. ├ O João e a Maria 79 10. Flertar Sentença na forma simples: O João e a Maria flertaram. Sentença na forma descontínua: O João flertou com a Maria. Nome dentro do verbo: flerte. Paráfrase: fazer um flerte. Objeto cognato ou hipônimo: O João flertou um flerte descontraído. Teste aspectual de atividade: O João e a Maria estavam flertando. ├ O João e a Maria flertaram. 11. Lutar Sentença na forma simples: Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram. Sentença na forma descontínua: Mike Tyson lutou com Evander Holyfield. Nome dentro do verbo: luta. Paráfrase: fazer uma luta. Objeto cognato ou hipônimo: Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram uma verdadeira luta. Teste aspectual de atividade: Mike Tyson e Evander Holyfield estavam lutando. ├ Mike Tyson e Evander Holyfield lutaram. 12. Pactuar Sentença na forma simples: O político brasileiro e o político norteamericano pactuaram. Sentença na forma descontínua: O político brasileiro pactuou com o político norteamericano. Nome dentro do verbo: pacto. Paráfrase: fazer um pacto. Objeto cognato ou hipônimo: Os corruptos pactuaram um pacto eterno. Teste aspectual de atividade: O político brasileiro e o político norteamericano estavam pactuando. ├ O político brasileiro e o político norteamericano pactuaram. 13. Prosear Sentença na forma simples: Minha mãe e a vizinha prosearam. Sentença na forma descontínua: Minha mãe proseou com a vizinha. 80 Nome dentro do verbo: prosa. Paráfrase: fazer uma prosa. Objeto cognato ou hipônimo: Minha mãe e a vizinha prosearam uma prosa boa. Teste aspectual de atividade: Minha mãe e a vizinha estavam proseando. ├ Minha mãe e a vizinha prosearam. 14. Tabelar Sentença na forma simples: Pelé e Capita tabelaram. Sentença na forma descontínua: Pelé tabelou com Capita. Nome dentro do verbo: tabela. Paráfrase: fazer uma tabela. Objeto cognato ou hipônimo: Pelé e Capita tabelaram uma tabela bonita. Teste aspectual de atividade: Pelé e Capita estavam tabelando. ├ Pelé e Capita tabelaram. 15. Transar Sentença na forma simples: O noivo e a noiva transaram na noite de núpcias. Sentença na forma descontínua: O noivo transou com a noiva na noite de núpcias. Nome dentro do verbo: transa. Paráfrase: fazer uma transa. Objeto cognato ou hipônimo: Os noivos transaram uma transa inesquecível na noite de núpicias. Teste aspectual de atividade: O noivo e a noiva estavam transando. ├ O noivo e a noiva transaram. 81 Verbos recíprocos intransitivos com a estrutura [X HAVE <THING>]: Propriedades: - Têm o aspecto lexical de estado; - Não aceitam um objeto cognato ou um hipônimo; - São agramaticais em uma sentença formada com a partícula se; - São inacusativos; - Não são agentivos. 1. Coexistir Sentença na forma simples: A natureza e o homem coexistem. Sentença na forma descontínua: A natureza coexiste com o homem. Nome dentro do verbo: coexistência. Paráfrase: ter coexistência. Objeto cognato ou hipônimo: *A natureza e o homem coexistem uma boa coexistência. Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? A natureza e o homem coexistiram. 2. Coincidir Sentença na forma simples: Os horários de trabalho de João e de Maria coincidem. Sentença na forma descontínua: O horário de trabalho de João coincide com o de Maria. Nome dentro do verbo: coincidência. Paráfrase: ter coincidência. Objeto cognato ou hipônimo: *Os horários de trabalho de João e de Maria coincidem uma incrível coincidência. Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? Os horários de trabalho de João e de Maria coincidiram. 3. Combinar Sentença na forma simples: As cores preto e vermelho combinam. Sentença na forma descontínua: Preto combina com vermelho. 82 Nome dentro do verbo: combinação. Paráfrase: ter combinação. Objeto cognato ou hipônimo: *As cores preto e vermelho combinam uma combinação perfeita. Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? As cores preto e vermelho combinaram. 4. Concordar Sentença na forma simples: O pai e a mãe concordam sobre a criação dos filhos. Sentença na forma descontínua: O pai concorda com a mãe sobre a criação dos filhos. Nome dentro do verbo: concordância. Paráfrase: ter concordância. Objeto cognato ou hipônimo: *O pai e a mãe concordaram uma concordância exata sobre a criação dos filhos. Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? O pai e a mãe concordaram sobre a criação dos filhos. 5. Conflitar Sentença na forma simples: Os relatos da vítima e do assassino conflitam. Sentença na forma descontínua: Os relatos da vítima conflitam com os relatos do assassino. Nome dentro do verbo: conflito. Paráfrase: ter conflito. Objeto cognato ou hipônimo: *Os relatos da vítima e do assassino conflitam um conflito grande. Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? Os relatos da vítima e do assassino conflitaram. 6. Conviver Sentença na forma simples: O esposo e a esposa convivem bem. Sentença na forma descontínua: O esposo convive bem com a esposa. Nome dentro do verbo: convivência. Paráfrase: ter convivência. 83 Objeto cognato ou hipônimo: *O esposo e a esposa convivem uma convivência amigável. Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? O esposo e a esposa conviveram bem. 7. Coocorrer Sentença na forma simples: Os sintomas de dor de cabeça e dor nas articulações podem coocorrer. Sentença na forma descontínua: Dor de cabeça pode coocorrer com dor nas articulações. Nome dentro do verbo: coocorrência. Paráfrase: ter coocorrência. Objeto cognato ou hipônimo: *Dor de cabeça e dor nas articulações podem coocorrer uma coocorrência impressionante. Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? Os sintomas de dor de cabeça e dor nas articulações coocorreram. 8. Cooperar Sentença na forma simples: O engenheiro e o pedreiro cooperaram com a construção da casa. Sentença na forma descontínua: O engenheiro cooperou com o pedreiro na construção da casa. Nome dentro do verbo: cooperação. Paráfrase: ter cooperação. Objeto cognato ou hipônimo: *O engenheiro e o pedreiro cooperaram uma cooperação importante na construção da casa. Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? O engenheiro e o pedreiro cooperaram com a construção da casa. 9. Corresponder Sentença na forma simples: A proposta do deputado e a proposta do prefeito correspondem. Sentença na forma descontínua: A proposta do deputado corresponde à proposta do prefeito. 84 Nome dentro do verbo: correspondência. Paráfrase: ter correspondência. Objeto cognato ou hipônimo: *A proposta do deputado e a proposta do prefeito correspondem uma correspondência exata. Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? A proposta do deputado e a proposta do prefeito corresponderam. 10. Destoar Sentença na forma simples: Nossas ideias destoam. Sentença na forma descontínua: Sua ideia destoa da minha. Nome dentro do verbo: destoação. Paráfrase: ter destoação. Objeto cognato ou hipônimo: *Nossas ideias destoam uma grande destoação. Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? Nossas ideias destoaram. 11. Discordar Sentença na forma simples: O pai e o professor discordam sobre a educação do filho. Sentença na forma descontínua: O pai discorda com o professor sobre a educação do filho. Nome dentro do verbo: discordância. Paráfrase: ter discordância. Objeto cognato ou hipônimo: *O pai e o professor discordam uma extrema discordância sobre a educação do filho. Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? O pai e o professor discordaram sobre a educação do filho. 12. Discrepar Sentença na forma simples: O depoimento da vítima e o depoimento do assassino discrepam. Sentença na forma descontínua: O depoimento da vítima discrepa do depoimento do assassino. Nome dentro do verbo: discrepância. Paráfrase: ter discrepância. 85 Objeto cognato ou hipônimo: *Os depoimentos discrepam uma discrepância visível. Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? Os depoimentos discreparam. 13. Divergir Sentença na forma simples: As opiniões do PT e do PSDB divergem. Sentença na forma descontínua: A opinião do PT diverge da opinião do PSDB. Nome dentro do verbo: divergência. Paráfrase: ter divergência. Objeto cognato ou hipônimo: *As opiniões do PT e do PSDB divergem uma grande divergência. Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? As opiniões do PT e do PSDB divergiram. 14. Empatar Sentença na forma simples: O Palmeiras e o Atlético empataram. Sentença na forma descontínua: O Palmeiras empatou com o Atlético. Nome dentro do verbo: empate. Paráfrase: ter empate. Objeto cognato ou hipônimo: *O Palmeiras e o Atlético empataram um empate justo. Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? O engenheiro e o pedreiro cooperaram com a construção da casa. 15. Namorar Sentença na forma simples: O João e a Maria namoram Sentença na forma descontínua: O João namora com a Maria. Nome dentro do verbo: namoro. Paráfrase: ter namoro. Objeto cognato ou hipônimo: *O João e a Maria namoram um namoro tranquilo. Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? O João e Maria namoraram17. 17 O verbo namorar tem uma leitura aspectual ambígua: de estado ou de atividade. O sentido que deve ser levado em conta neste teste é o sentido de estado do verbo. Sendo assim, o acréscimo de um objeto cognato na sentença 86 16. Rimar Sentença na forma simples: O primeiro e o quarto verso deste poema rimam. Sentença na forma descontínua: O primeiro verso deste poema rima com o quarto. Nome dentro do verbo: rima. Paráfrase: ter rima. Objeto cognato ou hipônimo: *O primeiro e o quarto verso deste poema rimam uma rima perceptível. Teste aspectual de estado: O que aconteceu? ?? O primeiro e o quarto verso deste poema rimaram. com verbo namorar apenas é gramatical se for considerado seu sentido de atividade, sendo agramatical em uma leitura de estado. 87