A GEOGRAFIA FÍSICA: UMA PEQUENA REVISÃO DE SEUS ENFOQUES Prof. Dr. Antonio Carlos de Barros Corrêa* RESUMO A geografia física tradicionalmente é o segmento da ciência geográfica que busca a explicação dos atributos físicos da paisagem como suporte para a sociedade, interação esta que garantiria a manutenção de um caráter geográfico aos estudos desta disciplina. No entanto, a velocidade das transformações sócio-ambientais recentes exige um ajuste nas escalas, proposições e nível de interação entre os layers de informação espacial tratados pela geografia física. Assim, procurou-se traçar as perspectivas de alguns focos centrais da disciplina, desde abordagens em tipologias de áreas, passando por enfoques voltados à mensuração de processos físicos, e por fim, às propostas atuais orientadas para a complexidade das interações sócio-ambientais, a partir da análise geossistêmica, num cenário de mudanças ambientais globais. Palavras-chave: Geografia física, Informação espacial, Análise geossistêmica ABSTRACT The classical methodological approaches in geography have termed as physical geography the segment of this science that deals with the interactions between society and its natural support. However, the pace of recent socio-environmental changes has demanded an adjustment on the scales, propositions and interaction levels amongst the several layers of spatial information traditionally treated by physical geography. Therefore, this article sought to trace the perspectives of some theoretical viewpoints within the geographical science, encompassing approaches as diverse as the definition of natural spatial typologies and the contemporary proposal oriented to understanding and measuring the complexity of socio-environmental interactions on a geosystemic basis. Keywords: physical geography, spatial information, geosystemic basis * Departamento de Ciências Geográficas, UFPE, [email protected] RIOS 170 Paulo Afonso BA Ano 1 n0 1 Nov/2005 1. GEOGRAFIA FÍSICA, DA REGIÃO AO GEOSSISTEMA Algumas visões contemporâneas da geografia física podem ser sintetizadas pela definição oferecida pelo biogeógrafo Robert Christopherson (Christopherson, 1994), para quem a geografia física trata-se da análise espacial de todos os elementos físicos e processos da superfície terrestre além daqueles modificados, ou alterados, pelo impacto humano. Para a geografia física, assim compreendida, fica claro que o seu campo de atuação é o espaço e, portanto não há como prescindir de técnicas diversas de análise espacial. Ainda dentro desta visão, mas acrescentando-lhe um componente metodológico, Christofoletti (2000) assevera que o importante no estudo geográfico são os processos espaciais, as correlações entre os elementos e seus atributos, que ao longo de uma escala temporal permitiriam a geração de uma organização espacial dos sistemas ambientais, os quais representam uma visão totalizadora da natureza, dentro de uma perspectiva geográfica. Quanto ao formato desta organização, o autor não prescinde da busca por padrões espaciais, ainda que lançando mão de técnicas contemporâneas de definição de tipologias de áreas, como é o caso da contribuição das geometrias não euclidianas (CHRISTOFOLETTI & CHRISTOFOLETTI, 1994) através do uso de padrões fractais para a análise de arranjos espaciais em geomorfologia fluvial e costeira. Vista dessa forma, a análise espacial constitui uma abordagem integrativa, orientada para os processos, cuja importância para a geografia física é crucial, pois conseguiria, ao menos no nível retórico, resgatar os diversos níveis de interação entre os seus sub-ramos de conhecimento e por fim oferecer-lhe uma síntese tangível sob a forma de uma cartografia processual . Ainda dentro desta perspectiva, mas procurando expandir-lhe os horizontes para além da construção de modelos factíveis de integração sócio-ambientais, Christopherson (1994) propõe que a geografia física deva ocupar-se da análise espacial de todos os elementos físicos e processos do meio ambiente, a saber: energia, ar, água, tempo atmosférico, clima, relevo, solos, animais, vegetação e a própria Terra enquanto arcabouço geológico. Acrescentando-se a estes elementos a atividade humana, o impacto humano e, por fim, toda a gama de relações homem-meio. Esta perspectiva além de expandir os horizontes de atuação da geografia física, exporia a disciplina ao desafio de dialogar constantemente com outras ciências, sejam elas de conteúdo físico-ambiental ou sócio-econômico-cultural, assim, rompendo uma forte tradição descritiva e de falar hermeticamente para si mesma. Numa perspectiva mais ampla e que se aproxima mais dos objetivos a serem desenvolvidos por esta introdução, a geografia física contemporânea, em diversos aspectos, se filiaria a uma geografia que pode ser dita ainda ciência das localizações e dos lugares (DEMKO, 1992), mas que trata especificamente da dinâmica dos padrões e processos espaciais. De fato a geografia física assim entendida continua a explorar aspectos das 171 localizações: "por que tal coisa se encontra onde está, e que processos alteram sua distribuição ?", ou seja, buscando responder o "por que" do "onde" num mundo cada vez mais sujeito a transformações rápidas em seus mosáicos espaciais. Embora, as circunstâncias e preocupações decorrentes das mudanças globais sejam no presente muito distintas daquelas de meados do século XIX, a busca pela compreensão da organização e evolução do espaço na geografia física, já norteava a definição proposta para esta disciplina por Sommerville (1848) apud Slaymaker & Spencer (1998). A geografia física é uma descrição da terra, do mar e do ar, com seus habitantes animais e vegetais, de modo a considerar a distribuição desses seres organizados, e as causas dessa distribuição. Ainda dentro desta perspectiva, os objetivos maiores da geografia física recairiam na descoberta dos processos que se movem no espaço/tempo, conectam lugares e que continuamente transformam a localização e o caráter dos atributos estudados. Assim, por exemplo, além de estudar os aspectos físicos inerentes ao sítio urbano de uma cidade, a geografia física tenta compreender a rede de fluxos interativos entre aquela cidade (enquanto complexo sócio-econômico e cultural), seu suporte abiótico e os outros lugares. Estes fluxos também atuam sobre os componentes físicos da paisagem, e, sobretudo quando observados sob a perspectiva meso-regional, demandam o tratamento de seus dados em diversas escalas de resolução cronológicas: o ir e vir dos ciclos climáticos ao longo do Quaternário; as oscilações de curta duração do tipo ENOS (El Niño Oscilação Sul), a expansão e contração dos biomas, etc. De uma maneira geral o arcabouço metodológico da geografia física contemporânea, que deu origem aos desdobramentos acima descritos, deriva da teoria geral dos sistemas, que chegou à disciplina através de trabalhos como os de Bertrand (1968) e Chorley (1964), embora desde a década de 1950 Strahler já trabalhasse dentro desta perspectiva. No entanto, um breve resumo das tradições e enfoques metodológicos dentro da geografia física deve rever o significado desta disciplina no mundo e no Brasil, para que melhor se possam apreciar suas mudanças de perspectivas ao longo do tempo, desde sua consolidação como disciplina acadêmica em meados do século XIX. A geografia física vem de uma longa tradição regionalista, na qual se buscava criar um inventário das paisagens naturais, sistematizando tipos de paisagens em função de suas peculiaridades climáticas, geomorfológicas e biogeográficas. Muitas tipologias foram criadas, em diversas escalas de resolução, mas o intuito era sempre o de discernir a diferença entre as áreas a partir de suas características naturais. De certa forma as partes não se articulavam entre si e nem com a sociedade, apenas se sobrepunham. O método descritivo e cartográfico atingiu o seu desenvolvimento máximo, com sofisticadas sobreposições de overlays; os antecessores dos contemporâneos programas de geoprocessamento. 172 Embora a definição de unidades homogêneas tenha permanecido como um dos focos da regionalização em geografia física até o presente, algumas das premissas para o seu desenvolvimento foram lançadas ainda pela escola fisiográfica anglo-saxã, como demonstra o trabalho de Huxley de 1877 (Stoddart, 1986) para quem a geografia física buscaria definir os arranjos finais dos atributos físicos sobre a superfície terrestre, além das mudanças e movimentos dos sistemas físicos, regidos pelo princípio da causalidade: a idéia de que cadeias causais e a interconexão entre as causas estariam por trás da união entre os diversos fenômenos do mundo físico. De posse de um grande inventário das características naturais de diversas áreas, a geografia passou a ter fortes preocupações espaço-temporais e as descobertas no campo da geologia motivaram o estudo da paisagem natural como um palimpsesto; ou seja, um complexo arranjo de formas sobrepostas que refletiriam as alterações, sobretudo, climáticas da paisagem ao longo do tempo. Desta a forma a tradição fisiográfica foi largamente suplantada pelo poderoso modelo organizador de paisagens proposto por William Morris Davis; o ciclo de erosão a partir de 1899. Foi um período de criação de diversos modelos que buscavam explicar a gênese das paisagens, à luz de ciclos climáticos e tectônicos neste momento o objeto da geomorfologia, disciplina de onde emergiam as idéias propostas por Davis, se confundia com a própria noção de geografia física, e seu objetivo era estabelecer a cronologia da denudação , ou seja, a história erosiva de longo prazo das paisagens. Embora Davis classificasse as paisagens em termos de estrutura, processo e tempo, estava claro para ele que o tempo deveria ser o elemento de aplicação mais freqüentes aos estudos das paisagens naturais , e aquele cujos resultados práticos eram mais notáveis. Em sua apreciação das idéias de Davis, Chorley (1964) afirma que para aquele autor o tempo era progressivo, irreversível e ordenado, e que esta concepção o levara ao estudo da história das paisagens mais do que ao estudo das próprias paisagens. O objetivo final estava restrito ao campo da cronologia da denudação, pela qual a história integral das paisagens poderia ser recriada com base na suposta identificação de superfícies aplainadas residuais. A geografia física assim concebida passou a ter um papel fundamental para a geologia à medida que conseguia explicar a origem de depósitos sedimentares a partir da elaboração do relevo por longos ciclos erosivos. É o ápice das teorias que preconizavam a elaboração das superfícies de aplainamento peneplanos e pediplanos. A geografia física tinha a chave para a cronologia dos grandes eventos geológicos e na falta de métodos de datação absolutos, era ela que respondia a boa parte dessas questões cruciais para a geologia, sobretudo a emergente geologia do petróleo. Para além da geomorfologia, as proposições teóricas de Davis foram incorporadas aos trabalhos de Dokuchaiev nas ciências dos solos, a partir da noção de solos zonais, azonais e intra-zonais. Nas ciências biológicas surgem as idéias de sucessão ecológica voltadas para a definição de comunidades clímax, como postuladas pelos trabalhos pioneiros de Clements na década de 1910. 173 Entretanto, com o avanço da geologia, das ciências biológicas e dos métodos físicos de datação absoluta de rochas e sedimentos a partir de meados do século XX a geografia física que tinha na geomorfologia sua ferramenta-chave, passa a ter sua aplicabilidade e validade dos seus postulados questionados. Os esforços de regionalização com ênfase natural haviam atingido, por sua vez, a exaustão, embora tivessem armazenado uma gama incontável, e de grande valia, de informações espacializadas por todo o mundo. De fato com a revolução informacional das décadas de 1970 e 80 esta faceta regional da geografia física renasce com a possibilidade de processamento de dados georeferenciados por meios eletrônicos (computadores e programas de SIG). A insatisfação com a metodologia evolutiva davisiana já se fazia muito clara quando Arthur Strahler ainda no início da década de 1950 publica o trabalho Bases Dinâmicas da Geomorfologia (Strahler & Strahler, 1994), no qual buscava orientar o foco da disciplina para as medições de precisão das encostas e da mecânica dos processos erosivos. No entanto, muitas de suas idéias, sobretudo a aplicação em larga escala da geoestatística, a modelagem experimental de fenômenos hidrológicos e a análise morfométrica do relevo e das redes de drenagem foram inicialmente melhor acolhidas pela geologia do que pela própria geografia física. Já no final da década de 1960 a crise já era bem nítida quando surgem os primeiros trabalhos aplicando a teoria geral dos sistemas em geografia. Estes rompiam com a escola clássica, ora monográfica e regionalizante ora de ênfase temporal dedutiva, e colocavam maiores esperanças na quantificação, geoestatística, e observação empírica dos eventos naturais através de medições, coleta de dados e uso exaustivo do método científico. As conclusões não deveriam ser tomadas a priori, mas sim testadas na natureza e em laboratório, a fim de corroborar ou não o arcabouço teórico disponível. A teoria geral de sistemas e a noção de equilíbrio dinâmico revolucionam o estudo do relevo, agora não mais atrelado aos modelos temporais evolutivos de longo prazo, mas voltado aos modelos processo-resposta na escala dos processos observados. A climatologia dinâmica repõe a tradicional regionalização em bases climáticas, já presente nas contribuições de Humboldt em 1849, que usara de forma abusiva classificações como a de Köppen, sem observar nem mesmo os limites macro-regionais por elas propostas (Ex: aplicação da classificação de Köppen para a identificação de climas de altitude nos trópicos). Atualmente, uso de imagens de sensoriamento remoto permite os estudos de ritmos climáticos que associados ao tratamento estatístico das bases de dados reconstitui, com base empírica, a lógica dos fluxos atmosféricos e suas oscilações temporais. A partir do uso de uma base sistêmica de integração de dados espacializados, a geografia dos climas passa a categoria de disciplina capaz de fazer previsões e criar cenários. A biogeografia que também esgotara as possibilidades de criação de tipologias e em face da inadequação do conceito de comunidades clímax , sobretudo em face da expansão cada vez maior dos espaços culturalmente transformados, passa a ter um enfoque ecológico e, portanto sistêmico, que engloba as inter-relações dos meios bióticos e 174 abióticos como subsistemas retro-alimentados. A retomada da sociobiologia e dos estudos de dispersão de espécies, do ponto de vista Saueriano, é acrescida da noção de biogeografia de ilhas pela qual teorias evolutivas e de dispersão, como a teoria dos refúgios, podem ser espacialmente testadas. Recentemente em associação com o geoprocessamento a biogeografia tem servido de instrumento à preservação de ecossistemas, avaliação e mensuração da biodiversidade de áreas ameaçadas, além de elaboração de prognósticos e modelos de tendência de comportamento de áreas naturais degradadas. Pelo exposto acima, em geografia física a busca pela elucidação das formas espaciais através de seus condicionantes: processo, estrutura e tempo, vem sendo bem realizada dentro da perspectiva sistêmica, que em muito se aproxima da busca dialética pela relação constante entre os objetos e os condicionantes de suas transformações, na qual as causas incidem sobre os processos retroalimentando-os. Curiosamente para muitos geógrafos a abordagem sistêmica é tida como alienante e não-geográfica. Sabe-se que as relações homem-natureza sempre foram um capítulo importante da geografia, e talvez aí esteja todo o mal-entendido no que se refere ao escopo da geografia física. Se esta for de fato aceita contemporaneamente como uma análise espacial em bases sistêmicas , parte de seus esforços de fato estarão voltados para esclarecer as interações mais óbvias entre o homem e o meio-ambiente, mas sua área de abrangência é muito mais vasta, tratando mesmo da distribuição no espaço de fenômenos aparentemente tão pouco sociais quanto os ambientes tectônicos, mas que em última análise integram também o complexo de subsistemas físicos em direta troca de energia e configurações espaciais com a sociedade. Assim sendo, a geografia física depende para a sua plena realização de recorrer constantemente à obtenção de dados empíricos, coletados na própria natureza e interpretados à luz das teorias vigentes, ora para confirmá-las ora para refutá-las em prol do surgimento de novos paradigmas interpretativos. Trata-se assim de uma ciência em processo de transformação não mais atrelada às certezas da escola clássica com seus projetos de pesquisa, sobretudo norteados pelo método dedutivo com ênfase em modelos e abordagens temporais de longo prazo. Não obstante a necessidade primaz de reconhecer padrões espaciais, o ponto de partida para qualquer análise sistêmica integradora dos elementos da paisagem física recai também na consideração e reconstituição meticulosa dos mecanismos naturais ancestrais que engendraram, ao longo do tempo, a formação dos arranjos espaciais, portanto a abordagem temporal na geografia física contemporânea permanece uma necessidade inerente à reconstrução da operação dos sistemas físicos de superfície terrestre. Lógico que esta trata-se de uma tarefa multidisciplinar, à qual recorrem o concurso de disciplinas auxiliares como a Geologia do Quaternário e a Páleo-ecologia. De qualquer forma esta interação se dá agora de forma diferente daquela da escola davisiana , com a necessidade de estabelecer vínculos concretos entre o passado e o presente, que vão além da análise das distribuições espaciais dos eventos naturais: formas de relevo, associações vegetais etc. Para tanto a modelagem escalar assume um papel fundamental, pois é a partir das simulações em escala e ambientes controlados que os dados empíricos coletados em campo passam a fazer sentido dentro de um contexto espacial mais amplo. 175 Resolvidos os problemas de ordem evolutiva, e definidos os processos morfodinâmicos que atuam, ou atuaram, nas áreas de estudo, restaria ainda à geografia física atual inserir ao sistema, assim estabelecido, a variável antrópica, que em última instância recondicionará todas as outras, atuando ao modo de um verdadeiro "feedback positivo" sobre as demais componentes ou subsistemas; e por fim, constituindo-se um sistema em si mesmo: sistema antrópico, que gera processos também próprios de elaboração da paisagem natural. Neste sentido as implicações das magnitudes dos processos passam a ser consideradas dentro da perspectiva de se comparar a escala das modificações ambientais de cunho natural com aquelas atribuídas ao impacto humano. Esta tarefa é de difícil realização e requer a utilização de vários procedimentos que permitam filtrar e definir a gênese de cada evento, separando-os por magnitude e elementos desencadeadores (Ex: aceleração do efeito estufa e as mudanças climáticas globais, produção de sedimentos em tempos históricos, erosão dos solos). Inserindo-se as repercussões da ação humana sobre a paisagem natural, e sua evolução no tempo histórico, pode-se então avaliar que categorias de alterações foram super-impostas ao sistema natural, e como essas categorias variam espacialmente em função da gama local de tipos de uso do solo. Desta maneira, a geografia física pode prestar sua contribuição ao entendimento da evolução geral das paisagens, e da sua dinâmica recente sendo assim de grande interesse para a sociedade. As unidades espaciais definidas pela reconstrução de sua processualidade físico-ambiental ou sócio-físico-ambiental (para alguns autores) podem ser chamadas de geossistemas, podendo ser controladas pela geomorfologia e a geologia, pelas associações biogeográficas, ou mesmo pela predominância de determinadas associações de processos superficiais desencadeados ou não pela ação antrópica. A base para a determinação das unidades homogêneas é extremamente flexível e pode variar de acordo com a necessidade dos pesquisadores e do objeto a ser estudado. No caso da cidade do Recife, por exemplo, uma repartição da cidade em unidades geoambientais uma derivação escalar da categoria geossistemas é nitidamente controlada pela topografia e substrato geológico, o que permite defini-la como de caráter geomorfológico. O objetivo final da análise geossistêmica é entender o funcionamento dessas unidades ou sistemas ambientais e como os diversos elementos do meio físico interagem entre si em cada uma das unidades. Mais uma vez, deve-se estar atento para o limite do método e para a necessidade de compreender que os geossistemas são unidades dinâmicas na perspectiva espaço-temporal e não manchas estanques imutáveis sobre a paisagem os arranjos finais dos atributos físicos sobre a superfície terrestre da fisiografia de Huxley. 176 2. AS REPERCUSSÕES DE UMA GEOGRAFIA FÍSICA SISTÊMICA SOBRE UM DOS SEUS RAMOS: O CASO DA GEOMORFOLOGIA A orientação teórica atual da investigação científica em geomorfologia busca compreender a estrutura e a dinâmica das paisagens naturais como resposta aos agentes atuantes sobre, ou imediatamente abaixo da superfície terrestre. Esta abordagem vale-se da perspectiva quantitativa e do tratamento modelístico; da noção de dinâmica das vertentes e da análise das propriedades físico-químicas e do comportamento de materiais superficiais (rochas, sedimentos, solos), na medida que estes atuam como controladores imediatos das variáveis processo e forma. A esta acrecenta-se também a contribuição da geomorfologia climática processual que busca esclarecer os mecanismos atmosféricos desencadeadores dos eventos erosivo/deposicionais, atuais e pretéritos, que regem a distribuição dual das formas encontradas no relevo (modelados erosivos e deposicionais). A perspectiva de sistêmica adotada pela abordagem geomorfológica contemporânea pode encontrar um sólido referencial teórico nos trabalhos de Christopherson (1994), que delimita geossistemas biogeográficos de escopo extremamente abrangente, acrescidos das proposições modelísticas de White; Mottershead & Harrisson (1998), que tratam da categorização refinada de subsistemas erosivos, e das contribuições sobre o papel do impacto humano sobre a modelagem das paisagens geomorfológicas sintetizadas em Goudie (1993). Em um subsistema geomorfológico, que ordene os demais elementos da paisagem natural, é a sua unidade mais enérgica a que coordena a dinâmica de superfície. Em geral este setor dinâmico do relevo são as encostas, onde o trabalho geomorfológico ocorre de forma mais intensa. Este compartimento de relevo, após as planícies aluviais, é o compartimento de maior expressão territorial na superfície da Terra, e é sobre esta unidade que os eventos processuais críticos precipitações de alta magnitude acumuladas em 24 horas - desencadearão episódios morfogenéticos capazes de deixar marcas de longa duração na paisagem, estes eventos também podem expor a sensitividade e inadequação de certas áreas à ocupação humana. Desta forma a interação entre os materiais de cobertura da paisagem, seus padrões morfológicos e morfométricos, a recorrência de eventos climáticos de grande magnitude e os sistemas de uso do solo culturalmente determinados, passarão a compor a base da análise espacial sistêmica de uma geomorfologia cuja prática se coadune com a geografia física contemporânea. O tratamento sistêmico das vertentes componente de maior dinamismo do relevo pode ser bem exemplificado pelo trabalho de Selby (1993) que retoma o papel da estrutura e natureza dos sedimentos inconsolidados como elemento norteador da morfologia das encostas, e os associa aos subsistemas climáticos, bióticos e antropogênicos na categoria dos processos desencadeadores de ruptura dos patamares de equilíbrio geomórfico. 177 A geomorfologia climática aqui considerada teve suas premissas lançadas por Büdel (1977), e mais recentemente revistas por Thomas (1994) aplicando-as aos domínios tropicais. Esta perspectiva introduz o componente climático dentro de uma abordagem de equilíbrio dinâmico, mais adequada à escala temporal dos estudos urbanos, por exemplo, pois correlaciona da resistência dos materiais disponíveis à erosão ao tipo de evento climático responsável pela modelagem do relevo. Todavia, a metodologia clássica evolução cíclica e elaboração de superfícies de aplainamento - de âmbito espacial regionalista e escala temporal ampla (todo o decorrer do Cenozóico) ainda pode oferecer uma contribuição pertinente a uma primeira aproximação ao estudo das paisagens geomorfológicas, na ordem de grandeza espacial adequada e desde que se reconheça e respeite os próprios limites do método, sobretudo quando se desce ao âmbito da compartimentação geomorfológica local. Dentro desta perspectiva de escalas e limites de aplicação das abordagens, podemos tomar como ilustração o problema da evolução do relevo do Nordeste oriental, que quase sempre é tratado em uma escala inadequada aos estudos de detalhe, o que, portanto não permite restituir os eventos recentes nem indaga sobre os processos funcionais, suas possíveis variações espaço-temporais e respostas geomórficas sobretudo a partir do limite Pleistoceno/Holoceno período em que se define a estruturação superficial da paisagem, sobre a qual se instalaram as sociedades humanas nesta parte do globo. As ligações entre as mudanças temporais de longo e curto prazo nos processos geomorfológicos, taxas de geração de sedimento, transporte e armazenamento são muito pouco compreendidas. Isto acontece porque os estudos raramente relacionam dados da dinâmica contemporânea da paisagem com informações estratigráficas mais antigas. Tal abordagem ajudaria a elucidar fatores chave na evolução da paisagem tais como o grau de sensibilidade às mudanças climáticas, mecanismos desencadeadores, magnitude e freqüência dos processos, regularidades espaciais e patamares formativos. Contudo, a aproximação cada vez maior a uma abordagem que propõe a elucidação dos arranjos espaciais complexos a partir da proposição de metodologias que possibilitem a integração de parâmetros até então estanques, pode guiar a geomorfologia e a geografia física atuais, como um todo, rumo a um futuro de maior coesão junto à ciência geográfica, e de maior visibilidade e aplicação dos resultados de suas investigações. REFERENCIAS BERTRAND, G. Paysages et géographie physique globale. Esquisse méthodologique. Revue Géographique des Pyrénnés et du Sud Ouest, v.39, p. 249272, 1968. 178 BÜDEL, J. Climatic Geomorphology. Princeton: Princeton University Press, 1982 CHORLEY, R. J. Geography and analogue theory. Annals of the Association of the American Geographers, v. 54, p. 127 137, 1964. CHRISTOFOLETTI, A. L. H. & CHRIISTOFOLETTI, A. O uso das fractais na análise geográfica. Geografia. Rio Claro, 19(2): 79-112, 1994. CHRISTOPHERSON, R. W. Geosystems: an introduction to physical geography. New York: MacMillan College Publishing Company, 1994. DEMKO, G. J. Why in the World: adventures in geography. New York: Anchor Books, 1992. GOUDIE, A. The human impact: Man's role in environmental change. Oxford: Blackwell, 1993. SELBY, M. J. Hillslopes Materials and Processes. Oxford: Oxford University Press, 1993. SLAYMAKER, O. & SPENCER, T. Physical Geography and Global Environmental Change. New York: Longman, 1998. STODDART, D. R. On Geography and Its History. Oxford: Blackwell, 1986. STRAHLER, A. H. & STRAHLER, A. N. Introducing Physical Geography, New York, Wiley, 1994. 179 THOMAS, M. F. Geomorpholoqy in the Tropics: a study of weatherinq and denudation in low latitudes. Chichester: John Wiley & Sons, Ltd., 1994. WHITE, I. D., MOTTERSHEAD, D. N.; HARRISON, S. J. Environmental Systems: an introductory text. 2nd edition Stanley Thornes, 1998. 180 This document was created with Win2PDF available at http://www.daneprairie.com. The unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use only.