CIRCULAÇÃO NATURAL EM REATORES NUCLEARES Francisco Antonio Braz Filho, Eduardo Madeira Borges, Rafael Radé Pacheco e Alexandre David Caldeira Instituto de Estudos Avançados - IEAv RESUMO A circulação natural em um circuito fechado preenchido com um fluido é estabelecida posicionando-se um sumidouro de calor em uma cota com elevação acima de uma fonte de calor. Conseqüentemente, uma diferença de densidade é obtida neste circuito. Esta diferença de densidade, agindo por gravidade sobre a diferença em elevação entre a fonte e o sumidouro de calor, produz uma força de empuxo que movimenta o fluido no circuito. A vantagem primária de um sistema de circulação natural é a simplicidade. A eliminação das bombas hidráulicas e a energia elétrica para acioná-las, facilitam muito a construção, operação e manutenção de um sistema de refrigeração e aumenta a sua segurança. Este trabalho apresenta e discute as possíveis aplicações da circulação natural em novos conceitos de reatores. INTRODUÇÃO CIRCULAÇÃO NATURAL EM REATORES A circulação natural em um circuito fechado preenchido com um fluido é estabelecida posicionando-se um sumidouro de calor em uma cota com elevação acima de uma de fonte de calor. Um circuito retangular simples é ilustrado na Figura 1. O fluido em contato com a fonte de calor é aquecido, diminuindo sua densidade. O fluido em contato com o sumidouro de calor é resfriado, aumentando sua densidade. Conseqüentemente, uma diferença de densidade do fluido é obtida no circuito. Esta diferença de densidade, agindo por gravidade sobre a diferença em elevação entre a fonte e o sumidouro de calor, produz uma força de empuxo que movimenta o fluido no circuito. Este comportamento é conhecido como circulação natural. As diferenças de densidade no fluido podem ser criadas através de mudanças na temperatura ou por mudanças na fase (vapor/líquido), como é o caso para fluidos bifásicos. A vazão de fluido no circuito está limitada pela soma das resistências ao escoamento (atrito) dos componentes e da tubulação que os interconecta. Por causa de sua simplicidade, os circuitos de circulação natural são largamente utilizados em sistemas de conversão de energia. Existem vários conceitos de reatores nucleares onde a circulação natural no circuito primário é usada como mecanismo principal de retirada de calor do núcleo em condições normais de operação, inclusive à potência total. Geralmente, devido à baixa potência de bombeamento, este tipo de conceito é utilizado para reatores de pequeno e médio porte. Alguns exemplos podem ser citados [1], tais como: HSBWR (reator japonês de 600 MW(e)), SBWR (reator americano de 600 MW(e)), AHWR (reator indiano de 235 MW(e)), CAREM (reator argentino de 100 MW(e)), etc. O uso de sistemas de segurança passivos como acumuladores, condensadores e trocadores de calor evaporativos, e sistema de injeção de segurança movida pela ação da gravidade eliminam os custos associados com a instalação, manutenção e operação de sistemas de segurança ativos que requerem bombas múltiplas com suprimento de energia elétrica independente e redundante. Como resultado, sistemas de segurança passivos estão sendo considerados para inúmeros conceitos de reator e podem ser encontradas em várias aplicações da Geração-IV de reatores nucleares, como identificado pela Geração IV Foro Internacional [2]. Outra motivação para o uso de sistemas de segurança passivos é o potencial de aumento da segurança devido ao aumento da confiabilidade do sistema. Os sistemas passivos não requerem a intervenção humana para atuarem e nem dependem de mecanismos móveis com suprimento de energia elétrica. Quando um reator é desligado (SCRAM) a sua potência cai em alguns segundos para 3 %, mas depois permanece por vários dias a 1 % devido ao calor de decaimento radioativo. Para um reator de 2000 MW a potência gerada após o SCRAM é de aproximadamente 20 MW. Vários tipos de circuitos de circulação natural podem ser utilizados para retirada do calor residual como mostra a Figura 3. perna quente saída fonte fria CIRCUITO SECUNDÁRIO entrada CIRCUITO PRIMÁRIO fonte quente perna fria Figura 1. Circuito de circulação natural. Na verdade, circuitos movidos por convecção natural podem ser utilizados em vários sistemas de conversão de energia, como aquecedores solares e sistemas de refrigeração de reatores nucleares e, também, em outros campos da ciência, tais como, produção de potência geotérmica, refrigeração de máquinas, computadores, etc. Este tipo de dispositivo para refrigeração de sistemas concorre com a circulação do fluido forçada por bombas hidráulicas (convecção forçada). A circulação natural apresenta vantagens e desvantagens em relação à convecção forçada. A vantagem primária de um sistema de circulação natural é a simplicidade. A eliminação da potência elétrica e das bombas hidráulicas pode simplificar muito a construção, operação e manutenção de um sistema. Além disto, diminui o cenário de possíveis acidentes, como perda de vazão pela bomba, ruptura do selo da bomba, etc. A desvantagem principal de um sistema de circulação natural é que a potência de bombeamento do fluido é baixa. Para aumentar a vazão a uma potência fixa requereria um aumento na altura do circuito (diferença de cotas das fontes fria e quente) ou uma diminuição da resistência do escoamento (aumento do diâmetro da tubulação, por exemplo) e quaisquer umas destas ações acarretariam em um aumento dos custos do sistema. A equação que representa o fenômeno de circulação natural é um balanço da quantidade de movimento integrado ao longo do circuito, ou seja: γ δQ 1 = − Q2[ δt 2 ∫A D f δs + 2 H Ψ A2 ]+ g Figura 3. Sistemas de remoção de calor residual com circuito de circulação natural. Outra aplicação de circuitos de circulação natural é a atenuação das conseqüências do maior acidente possível numa usina nuclear, ou seja, uma grande quebra na tubulação do circuito primário (LOCA). Neste caso, todo o líquido do circuito primário se evapora e preenche o vaso de contenção, como mostra a Figura 4. Um circuito de circulação natural é utilizado para condensar e resfriar o núcleo como apresentado na Figura 4. ∫ βT (z.s) δs rr l sendo Q a vazão volumétrica, γ o fator geométrico, f o fator de atrito, A a área de escoamento, DH o diâmetro hidráulico, g a aceleração da gravidade, Ψ a perda de pressão por singularidade, β o coeficiente de expansão volumétrica, t o tempo, s a coordenada espacial na direção do escoamento, T a temperatura e z o vetor unitário na direção vertical. O primeiro e o segundo termos do lado direito representam a resistência ao escoamento e as forças de empuxo respectivamente. USINA NUCLEAR As usinas nucleares mais comuns existentes no mundo são as do tipo PWR (“Pressurized Water Reactor”), ou seja, os sistemas de transporte de calor são constituídos por circuitos a água pressurizada, como as usinas ANGRA I e II. A Figura 2 apresenta um esquema de uma usina PWR. O circuito primário é formado pelos seguintes componentes: núcleo do reator, onde é gerada a potência nuclear; bomba hidráulica; e gerador de vapor. O circuito secundário é formado pelas bombas hidráulicas, turbina e condensador. Figura 4. Remoção de calor do vaso de contenção após um LOCA. ESTUDO DE CIRCULAÇÃO NATURAL NA ENU Na Divisão de Energia Nuclear estão sendo encaminhados vários estudos em circulação natural. Em 1997 foi inaugurado um circuito de circulação natural experimental no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), onde um trabalho de graduação foi concluído [3]. Atualmente, um programa computacional, denominado ANCINA [4], está sendo desenvolvido para o estudo de vários tipos de circuitos de circulação natural. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Figura 2. Usina PWR. [1] International Atomic Energy Agency, “Description of Natural Circulation and Passive Safety Systems in Water Cooled Nuclear Power Plants”, IAEA-TECDOC, 2005. [2] International Atomic Energy Agency, “Natural Circulation in Water Cooled Nuclear Power Plants”, IAEA-TECDOC 1474, 2005. [3] Wenceslau F. E. P., “Análise de Convecção Natural em um Circuito Fechado”, Trabalho de Graduação, Instituto Tecnológico de Aeronáutica, 1997 [4] Braz Filho, F. A.; Borges, E. M.; Caldeira, A. D., “Uma Análise de Circulação Natural Monofásica em um Circuito de Refrigeração Fechado”, IV Congresso Nacional de Engenharia Mecânica, Recife, PE, 2006.